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DEMOCRACIA PARTICIPATIVA À BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DOS

IMPASSES E OBSTÁCULOS QUE INFLUENCIAM A (IN)


APLICABILIDADE NA SOCIEDADE BRASILIRA.

Pedro Henrique Freitas Silva Lima


Pedro.henriquefslima@gmail.com
ASCES- UNITA
BRASIL

Marco Aurélio da Silva Freire


marcofreire@asces.edu.br
ASCES- UNITA
BRASIL
RESUMO
Evidentemente, a democracia é algo “ novo” na sociedade brasileira, haja vista as diversas
experiências antidemocráticas outrora vividas. Tendo apenas três constituições
democraticamente promulgadas, dentre as sete já vigentes, o Brasil possui uma democracia
ainda inexperiente e pouco consolidada, comparando-se a outros países como Estados
Unidos e França. Desse modo, este trabalho pretende contemplar a diversidade da
democracia participativa brasileira, utilizando-se, portanto, de análises históricas, sociológicas
e jurídicas desse tipo de regime. Dessa maneira, pretende-se abordar, em um primeiro
momento, as diversas fases democráticas da sociedade brasileira, desde o Brasil Império até
os dias atuais, demonstrando as diversas manifestações populares em prol de uma maior
participação cidadã. Além disso, corroborando com a análise histórica, a o objetivo de elucidar
as particularidades desse regime na sociedade brasileira, a qual é evidentemente marcada
pelo patrimonialismo, personalismo e pelo “jeitinho brasileiro”. Destarte, analisar as
implicações dessas chagas na democracia brasileira e como elas obstaculizam o
desenvolvimento de um regime maduro e solido, é de suma importância para o
desenvolvimento de uma cultura democrática bem delineada. Para tanto, autores como
Boaventura de Souza Santos, Roberto Damatta e Leonardo Avritzer, foram basilares para
compreender a diversidade e a multiplicidade de uma Democracia à brasileira, descortinando
impasses compreendidos entra a casa e a rua e elucidando suas consequências em uma
democracia, na qual não há uma participação direta da população.
PALAVRAS- CHAVES: Democracia participativa, Cidadania, Personalismo, Jeitinho brasileiro

INTRODUÇÃO
Após anos de desenvolvimento democrático a sociedade brasileira parece
ainda engatinhar em meio as diversas crises e ameaças as suas estruturas mais
basilares. Mesmo após a independência em 1822, as raízes democráticas ainda eram
incertas e, definitivamente, meros anseios e devaneios filosóficos. O mais triste, é
perceber que a nação brasileira já nasceu segmentada, totalmente estratificada da
maneira mais clássica possível, nobreza, clero e plebe. Infelizmente, esse é um
passado que não pode ser apagado, e, mesmo que vergonhoso, faz parte da história
nacional.
Tendo isso em mente, ao se analisar o passado da nação brasileira, torna-se
nítido que essa sociedade nunca foi marcada pela participação e engajamento
popular. Diferente de outras nações como a França, que lutaram e conquistaram
direitos básicos a partir de revoluções, o Brasil nunca teve, desde sua origem, raízes
que o fizeram clamar pela inclusão de todas as pessoas. Da independência à
proclamação da república, na qual os cidadãos achavam se tratar de parada militar, a
participação nunca foi o forte dos brasileiros, no entanto, há um ponto em aberto
(Carvalho, 2018, p.86).
Ao se analisar minuciosamente a história do Brasil, fica evidente que alguns
impasses em específico obstaculizam a formação de uma sociedade verdadeiramente
engajada. Desse modo, esse artigo busca tratar exatamente essa lacuna, qual seja,
em um primeiro momento, o “jeitinho brasileiro”.
Para que isso se torne possível, será feita uma análise sociológica sobre essa
chaga que envenena as bases democráticas, um raio-X sobre a pedra angular desse
problema que dificulta o desenvolvimento da cidadania nacional. Para que isso seja
possível, alguns autores com Roberto Damatta, Sérgio Adorno e Boaventura de Sousa
Santos, foram básicos para que essa análise fosse possível.
Para além disso, foi necessário remontar ao passado para que essa chaga
pudesse ter suas bases históricas elucidadas. Para essa empreitada, foi observado o
período histórico compreendido entre 1824 a1930, no qual foi possível observar como
esse jeitinho à brasileira dificultou o desenvolvimento, principalmente, dos direitos
políticos.
Após esse bloco de conteúdo, foi observado, por fim, como é possível se ter
esperança ante as diversas mudanças ocorridas no cenário político nacional durante
os últimos anos. Assim sendo, busca-se desenvolver um ensaio sobre o jeitinho e
suas consequências na ceara pública, utilizando, para isso, de uma análise
documental-bibliográfica, buscando em documentos e livros bases teóricas para as
ideias aqui elencadas.
BASE SOCIOLÓGICA DO JEITINHO BRASILEIRO
Nesse momento, mesmo que preliminarmente a análises histórias e fáticas,
alguns argumentos e lentes sociológicas devem ser aplicadas, a fim de clarificar os
dados apresentados futuramente. Desse modo, o primeiro ponto a ser dissecado
nessa análise acerca dos entraves da participação no Brasil contemporâneo, é a
influência do famoso “jeitinho brasileiro”, na formação da cidadania, demonstrando,
pois, um pouco de suas raízes sociológicas.
Tendo isso em vista, é importante, nesse momento, colocar alguns
pensamentos elucidados por Roberto Damatta em seu livro “ A Casa e a Rua”, no qual
o autor explana sobre a formação desse “jeitinho” na sociedade brasileira. Nesse
intuito, é interessante perceber como, no Brasil, há duas esferas que norteiam o
comportamento do cidadão, sendo elas representadas pelas Casa e pela Rua,
(Damatta, 1997, p.14). Para o autor, esses dois locais representam mais que espaços
físicos, representam, pois, duas esferas sociológicas básicas para formação das
pessoas (Damatta, 1997, p.14).
Nesse sentido, a casa representa um ambiente caloroso, onde cada pessoa
pode ser ela mesma, representa um local de empatia, local esse que possui o
sentimento de pertencimento a algo, a ideia de que todos são um, verdadeiros
“supercidadãos” (Damatta, 1997, p.19), aptos a realizar tudo de tipo de tarefa. Até
mais que isso, na casa, cada membro desse local faz o possível pelo outro, mesmo
que isso implique em trilhar caminhos não tão corretos assim. Por outro lado, há a rua,
local de impessoalidade, onde cada pessoa é um indivíduo, uma parte do tecido social,
um mero número. Local onde cada ser humano representa apenas mais uma formiga
para o formigo que não distingue as pessoas por emoções, como faz a casa, mas sim,
por competências e meritocracia.
Com isso em mente, é necessário salientar a importância que Max Weber tem
para esse raciocínio, acerca das esferas sociológicas presentes na sociedade
brasileira, as quais, a depender da maneira como estão dispostas, podem alterar o
tipo de cidadania exercida pelos indivíduos. Desse modo, esse sociólogo, quando
discorreu sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo, teceu uma tese sobre
como as sociedades sofreram influência do modelo de produção capitalista,
principalmente em suas bases sociais. De acordo com Weber, o capitalismo
sistematizou toda a sociedade, desde os conhecimentos, até a maneira como as
pessoas se organizavam socialmente (Weber, 2005, p.25). Um exemplo que o próprio
autor traz, é o caso de já haver instituições especializados em ensino superior na
China e no Islão, antes de mesmo de haver nos países do ocidente, no entanto, há
um ponto a ser esclarecido. De acordo com Weber, mesmo que essas instituições
tenham seu nascedouro nos país orientais, o ocidente foi o responsável pela “busca
racional, sistemática e especializada da ciência” (Weber,2005, p.25).
Conforme o autor, isso seria uma consequência de a origem do capitalismo
ser nas sociedades ocidentais, que permitiram que expressões como: “ tempo é
dinheiro”, fossem elencadas como um dos princípios básicos das sociedades
ocidentais modernas. No entanto, há outro ponto a ser analisado na sistemática
capitalista observada por Weber.
Conforme ele, essa busca pela especialidade e pela sistematização da vida
cotidiana, trouxe a impessoalidade colocada por Roberto Damatta como sendo uma
das características da rua, enquanto que a casa, continuava a ter características
puramente pessoais. Dessa forma, Damatta traz, embasado em Weber, esse conceito
para dentro de sua análise, e dá à luz a esse pensamento bipolar acerca das esferas
sociológicas presentes no Brasil, eternamente marcadas pela dicotomia público-
privado.
Para que isso fique mais claro, e que haja maior praticidade na compreensão
acerca desse impasse, será utilizado o estudo Boaventura de Sousa Santos, acerca
da “Pasárgada”, para demonstrar as implicações dessa dicotomia sociológica na vida
em sociedade. Nessa pesquisa, o autor trouxe o estudo da pluralidade jurídica em um
âmbito fático, trabalhando, portanto, sobre a diversidade jurídica presente em uma
comunidade, na qual o estado e seus mecanismos de ordenação e controle social não
estão presentes.
Em primeiro lugar, Boaventura observa que em decorrência da ausência dos
mecanismos básicos estatais, como tribunais e postos de polícia, uma nova forma de
cultura social foi criada a partir dessa falta, uma forma, como o próprio autor saliente
em outro ensaio, de globalização contra hegemônica (Sousa, 2003, p.13). Com isso
em mente, é notório perceber que em locais de pluralidade de ideias, o relativismo
das próprias leis escritas, é um fato a ser observado, algo que, claramente, ocorreu
em Pasárgada.
De acordo com o autor, a associação dos moradores começou a representar
um tribunal dentro do microcosmos da comunidade (Sousa, 1973, p.2), e isso acabou
constituindo um estado anomia jurídica. O ponto em questão, está na peculiaridade
que essa diversidade representa ante os estudos de Roberto Damatta. Com já
mencionado anteriormente, este autor divide a sociedade entre casa e rua, só que o
ponto em questão é a diversidade de éticas presentes em cada tipo da casa.
No Brasil, principalmente, a diversidade de pensamento é consideravelmente
diversa, e, desse modo, a casa passa a refletir essas diversas morais presentes em
cada pessoa. Nesse instante, o “jeitinho” começa a tomar forma quando o relativismo
presente na casa, haja vista ser esse um ambiente que engloba todo tipo de
pensamento, começa a trasbordar para a ceara pública. Quando isso ocorre, a
diversidade que inicialmente é boa, pode tomar formas diversas, apresentando-se
como uma nova forma de pensar a rua, a partir de uma ética particular.
É nesse momento que a moral de cada indivíduo pode sofrer um desvio e ser
subvertida em algo danoso a estrutura democrática. No caos em questão, a
associação de moradores, passou a burlar as leis promulgadas pelo estado brasileiro,
em favor de um costume presente, apenas, na comunidade do Jacarezinho,
representado, pois, uma espécie de “jeitinho” muito sútil.
Outro bom exemplo, é ensaio, Exclusão socioeconômica e violência urbana,
escrito por Sérgio Adorno. Nesse texto, o escritor discorre sobre o aumento da
violência no Brasil a partir dos anos 2000, e seus desdobramentos e causas.
O primeiro ponto a ser salientado, é a diversidade já abordada neste artigo.
Em seu texto, Adorno observa que a diversificação e a complexidade presente na
sociedade brasileira, tem sido a causa do aumento das lutas sociais, ou seja, a busca
pela independência social (Adorno,2002, p.87). Ele discorre, assim como Boaventura,
sobre a globalização contra hegemônica, (Sousa, 2003, p.13), e como essa nova
forma de lutar pelos direitos, pode dificultar as discussões na seara pública, em
decorrência do aumento exponencial das cosmovisões.
No caso de Adorno, diferente de Boaventura, é discutido a influência dessa
diversidade na violência urbana, no entanto, esse não é o ponto que se deseja abordar
neste artigo. Na realidade, o ponto que se deseja colocar em discussão, encontra-se
na compreensão de que essa diversidade é boa, pois representa a emancipação de
grupos, historicamente, subalternos. Por outro lado, durante esse processo de
emersão, as lutas podem gerar a relatividade dos costumes vigentes, dando ensejo a
um desvio da moralidade dominante, e dando lugar a uma novar forma de pensar o
público a partir do privado, algo que seria, em tese, um emboço sutil do jeitinho
brasileiro.
Desse modo, a grande temática apresentada por Damatta, é exatamente essa
discussão, de como as diversas cosmovisões de cada domicílio podem se chocar com
aquilo que é vigente dentro da esfera pública. O ponto em questão, é o prejuízo que
se obtém ao miscigenar essas duas esferas em um só, abrindo, pois, espaço para que
haja a utilização do público, a favor do privado.
O grande impasse, portanto, é o fato de o Brasil não ter sido, até o momento,
capaz de separar essas duas esferas de comportamento, algo que, como se
observará, principalmente na parte histórica, prejudica até os dias atuas a maneira
como a seara pública é encarada. Isso se deve, principalmente, por se confundir aquilo
que deve ser tratado como relação entre amigos, e aquilo que dever ser tratado como
uma relação profissional.

CONSEQUENCIA DO JEITINHO DE 1824 A 1930


Certamente a formação do povo brasileiro tem suas raízes histórias
consideravelmente diversa de várias nações ao longo do globo. Diferentemente de
povos como os franceses, que lutaram pelo ideal revolucionário de “Liberté, égalité,
fraternité”, o povo brasileiro assistia à proclamação da república como se essa fosse
uma parada militar (Carvalho, 2018, p.86).
Marcada pelo colonialismo de exploraçao, a terra de massapê, não teve a
mesma sorte das treze colônias ameriscanas, as quais foram colonizadas tanto para
exploração, como para habitação e desenvolvimento. Desse modo, muitas
diferenças,principalmente relacionadas ao tipo de ciadania em cada um desses países
pode ser observada.
Com isso em vista, José Murilo de Carvalho, em seu livro, Cidadania no Brasil:
O longo caminho, embasado em Marshall (Carvalho, 2018, p.17), traz à luz a ideia
que pode haver alterações na formação de uma sociedade, conforme a ordem de
surgimento dos direitos (Civis, políticos e sócias). Dessa forma, afirma o autor, que os
direitos sociais, no Brasil, têm uma ênfase histórica maior, mesmo sendo os direitos
políticos os primeiros a despontarem durante o império, fato esse que alterou a
formação cidadã.
Outrossim, neste caso especificamente, a ordem dos fatores pôde, e auterou
veementemente o produto resultante dessa equação. Em primeiro lugar, o fato de os
direitos políticos terem surgido, no Brasil, antes mesmo da abolição oficial da
escravidão em 1888, foi um fato que contribui para o esvaziamento dessa conquista
política. Um fator curiosos, é o fato de se perceber que, enquanto as eleições de
senador e de deputados aconteciam, pessoas continuavam a ser vendidas em
mercados como o do Valongo, no Rio de Janeiro (Gomes, 2016, p. 233).
Assim sendo, não havia condições de fato para se pensar na formação de
uma cidadão em Maioridade, como Kant gostaria, mas, na realidade, em um brasileiro
marcado por uma grau autíssimo de analfabetismo. Além disso, nem mesmo as
eleições, símbolo mais importante dos direitos políticos foi respeitada.
Para se ter ideia, a partir de 1881, com a aprovação da Lei Saraiva, (Decreto
nº 3.029), em 9 de janeiro de 1881, apenas 0,8 % da população brasileira continuou
a votar, algo que representava, à época, 100 mil eleitores (Carvalho, 2018, p.45). Em
contrapartida, durante os anos anteriores, antes da edição da lei que impedia o voto
dos analfabetos, o Brasil tinha um índice alto de votantes, se comparado com outros
países no mesmo período. Por exemplo, entorno de 1870, a participação eleitoral na
Inglaterra era de 7% da população, na Itália, 2 %, em Portugal, 9%, porém, no Brasil,
esses números eram de 10,1% em 1870 (Nogueira, 2015, p.49) e de incríveis 13%
em 1872, um montante altíssimo se comparado com os países citados anteriormente
(Carvalho, 2018, p.36).
Definitivamente, os números têm uma distância abissal entre si, um
verdadeiro retrocesso que, no entanto, esse número só foi concertado em 1945,
quando o voto já era universal, e o percentual de pessoas que compareceu as urnas
foi de 13,4% da população. Infelizmente, esse tipo de jogada política, a fim de diminuir
a participação políticas dos cidadãos não ocorreu apenas no Brasil. Nos EUA, durante
seu período de pós- abolição da escravidão, muitas discussões sobre a participação
negra na política foram abordadas, principalmente, acerca da capacidade de
alistamento eleitoral.
Após a quinta emenda constitucional, a qual proibia a exclusão de pessoa do
processo eleitoral por questões de raça, o partido Democrata protagonizou,
juntamente com as elites conservadoras a formulação da “ Lei das Oito Urnas” em
1882 (Levltsky & Ziblatt, 2018, p.93). Essa lei estabelecia um processo complexo de
votação, algo que para um analfabeto, impossibilitaria o exercício do direito ao voto.
Essa lei, apesar de não dizer em suas linhas que os ex-escravos não poderiam votar,
na prática, vetava a participação dessas pessoas nas eleições, pois com um processo
complexo de votação, os negros, praticamente analfabetos, não teriam a menor
chance de exercer o direito ao voto.
A nível de comparação, em 1876 a participação negra havia alcançado
incríveis 96 % de todos os ex-escravos, todavia, após a lei das Oito Urnas, esse
número reduziu a 11% em 1898 (Levltsky & Ziblatt, 2018, p.93). Evidentemente, um
truque de mestre do Partido Democrata para que os republicanos, arruinados pela
falta de adeptos, não tive poder na ceara pública, porém o ponto fundamental da
discussão, está no fato de essa jogada política ter esvaziado uma conquista
constitucional.
Retornando ao cenário nacional, alguns pontos podem ser salientados,
principalmente, aqueles relacionadas ao processo eleitoral de meados do século XIX
e XX. Primeiramente, é importante citar a ideia do “voto de cabresto”, expressão
utilizada para se referir as eleições, nas quais os eleitores eram obrigados a votar em
um determinado político em eleições marcadas pelos “currais” eleitorais.
Nesse período, as eleições “ a bico de pena” como eram chamados os pleitos
nos quais os domicílios eleitorais tinham, por exemplo, 500 votantes, e, na papelada
oficial, eram contados 2.000, 3,000 votos, fui um dos entraves a participação cidadã,
(Carvalho, 2018, p.40). Além disso, ainda havia outro impasse ao exercício saudável
da cidadania, que eram os chamados “fósforos” (Carvalho, 2018, p.39). Pessoas de
extrema utilidade para os políticos locais, esses indivíduos possuíam a função de se
passar por terceiros e votar no lugar dessas pessoas, eram verdadeiros camaleões
eleitorais, pessoas especializadas a dar um “jeitinho”, para aquele coronel que
necessitava de votos extras. Dessa forma, essa jabuticaba brasileira, freou, durante
bastante tempo a possibilidade de um verdadeiro ambiente democrático,
principalmente no quesito eleição, pois, de fato, não havia como se pensar em uma
verdadeira participação, em um ambiente marcado pelo corporativismo.
Ademais, outro fator que certamente causou dificuldades no exercício da
cidadania foi o voto aberto, ou seja, o tipo de voto que permitia ao “dono” do curral
eleitoral, saber se de fato, seu eleitor votou em quem foi pago para votar.
Infelizmente, esse problema só veio a ser concertado com Vargas em 1932, quando
o futuro Ditador, à época, ainda em governo provisório, institucionalizou o voto
secreto, criou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o primeiro código eleitoral do país
(Carvalho, 2018, p.105).
Certamente, os primeiros avanços, quando se fala em participação do
cidadão e de sua maioridade, vieram a partir de 1930. Com a revolução de 1930,
muitas revoltas de verdadeiro cunho popular começaram a eclodir ao longo do pais,
reivindicando os temas mais diversos possíveis, um início, para a sociedade até então,
inerte.
Para começar, como já citado anteriormente, a Revolução Civil Militar de
1930, representou um marco dentro da história nacional. Com a ascensão do gaúcho
aspirante a ditador, Getúlio Vargas, o sentimento populacional de confiança, no que
se refere a fazer parte da história e da formação de uma nação, aflorou. Isso porque,
até 1930, os brasileiros nunca haviam verdadeiramente participado de uma revolta de
tamanha magnitude, uma revolta verdadeiramente inclusiva a todas as classes
insatisfeitas com o establishment político (Carvalho, 2018, p.93).
De fato, havia ocorrido revoltas anteriores, como a Revolta da vacina, no Rio
de Janeira, a Coluna Preste, o Tenentismo, Canudos, Contestado, Revolta dos Malês,
entretanto, nunca, na história brasileira, havia ocorrido uma união tão forte .Além
disso, dissolver uma união que perdurou de 1889 à 1930 ( Política do Café com Leite),
e incluir nesse processo, a classe trabalhadora, a classe média, os militares, e a elite
Gaúcha e Mineira, até então em aliança com a elite paulista, representou uma
verdadeira revolução. Pela primeira vez, desde a independência, na qual o povo
assistia ao acontecimento sem saber exatamente o que ocorria, os indivíduos se
manifestaram, foram autores de sua própria histórias, foram protagonistas.
Com todo o exposto, fica evidente que durante um considerável período da
história do Brasil, o corporativismo esteve presente na sociedade nacional e foi um
entrave a participação. Durante durante a primeira república, por exemplo, a mistura
entra a casa e a rua foi uma variante presente na arena comum a todos, algo que
impediu a criação de um cidadão verdadeiramente engajado, haja vista que a política,
caminho base para uma democracia, encontrava-se dominada pelos grupos
hegemônicos.

DEMOCRACIA, JEITINHO E PARTICIPAÇÃO


Quando se pensa em Brasil, logo vem à mente toda a diversidade e
multiplicidade de um povo miscigenado e marcado pela diferença, no entanto, essa
pluralidade sempre enfrentou problemas na seara pública. Efetivamente, a história do
povo brasileiro nunca foi marcada por grandes lutas sócias ou reinvindicações por
mais direitos, nunca houve grandes líderes, porém, nos últimos anos, alguns pontos
dessa história de hegemonia de apenas uma classe sobre outra tem tomado rumos
distintos.
Com isso em mente, e toda essa diversidade em jogo, as discussões sobre o
engajamento políticos dos cidadãos vem crescendo exponencialmente,
principalmente, após as manifestações de 2013. A partir de da jornada de junho de
2013, muitos anseios, até então, insipientes, afloraram na população em geral, devido,
em um primeiro momento, ao aumento da passagem de ônibus em 0,20 centavos,
fato que foi o estopim para que brados a favor da renovação política e o melhoramento
dos serviços públicos pudesse, em tese, ocorrer.
O mais interessante, foi a maneira como, pela primeira vez, após anos de
sono, houve a união e o exercício direto da cidadania nacional, a favor de algo que
beneficiaria toda uma gama de pessoas. Isso se torna mais interessante, quando se
observa as diversas mudanças sociopolíticas ocorridas nos últimos.
De acordo com Sérgio Abranches, o Brasil tem passado nos últimos 25 anos
por um realinhamento político, ou seja, por uma mudança dos grupos políticos
vigentes (Abranches, 2019, p.11). Abranches afirma que o cenário político, nos últimos
anos, tem sido guiado por um aglomerado partidos, como PT, PSDB, MDB e DEM,
porém, o ponto de destaque, está no ocorrido nas eleições de 2018.
O autor afirma que devido a eleição de um candidato ultraconservador a
presidência da república, esse processo de realinhamento teve seu ápice. Isso
permitiu a quebra do establishment até então dominante, algo que terminou de
descortinar grandes esquemas de corrupção sistemática.
Algumas variáveis como a operação lava jato, tiveram uma importância
estratégica para essa mudança, devido, em grande parte, ao fato de ter desmantelado
esquemas de corrupção até então em atividade, mesmo que, atualmente, algumas
discussões estejam rondando essa operação. Mais que isso, as sequencias de
escândalos de corrupção deslegitimaram e desmoralizaram a maior parte dos partidos
políticos, algo que permitiu que candidatos como Jair Bolsonaro, verdadeiros
outsiders, tivessem a oportunidade de lutar em um pleito.
Com isso, o jeitinho até então estalado na máquina pública, teve de ser
desarraigado a partir de sua exposição, após a prisão de diversas figuras públicas. O
ponto a se destacar, é como esse jeitinho, freou durante muitos anos da história
recente, a insurgência de novas figuras públicas dispostas a lutar pelas causas que
emergem constantemente das camadas sociais.
A grande questão, está no fato de essa reformulação e exposição da
corrupção à brasileira ter permitido uma metamorfose expressiva na
representatividade, dando folego a setores da sociedade que eram suprimidos pelos
diversos partidos hegemônicos. De acordo com dados levantados por Sérgio, cerca
de 30% dos partidos, algo que representa 10 siglas, até ano de 2014, representavam
51% de todos os parlamentares da câmara (Abranches, 2019, p.14), porém é de se
destacar que existem mais de 30 partidos no congresso nacional, porém, há uma
hegemonia latente.
Isso mostra, como a aplicação do jeitinho pode danificar os mecanismos
democráticos de participação, principalmente, em uma era de diversidade. Para que
fique claro, será, posteriormente, analisado alguns dados importantes.
Fernando Henrique Cardoso, em um de seus livros, ao fazer uma análise dos
novos horizontes políticos que vem sendo construídos, observa de maneira cirúrgica
como, atualmente, há uma dificuldade no engajamento das pessoas em questões
pública, devido a sobreposição de identidades decorrentes da renda, classe social,
orientação sexual e ideologia política (Cardoso, 2018, p.149). Ele afirma que isso afeta
a maneira como as pessoas se comportam em seus debates políticos e em suas
causas sócias, algo que tem sido visto, principalmente, nas casas de representação
popular (Assembleias legislativas e Câmara dos deputados). O ponto em questão, é
que essa participação já frágil, pode morrer de inanição caso a corrupção sistemática
permaneça no aparato estatal, algo muito comum nos primeiros anos da república.
De qualquer modo, a partir, principalmente, de 2018, e da deslegitimação do
establishment, uma nova onde participativa tem crescido na sociedade brasileira, uma
verdadeira globalização contra hegemônica (Sousa, 2003, p.13). Desse modo, a
despeito do jeitinho que travou os mecanismos democráticos durante anos, essa onda
de participação tem ganhado fôlego, e um desses indícios, foi as eleições de 2018.
O primeiro ponto, foi a altíssima taxa de renovação dos congressistas. No
pleito de 2018, de acordo com o jornal folha de São Paulo, cerca de 52% dos
deputados fendereis eleitos no pleito, são congressistas de primeiro mandado, ou
seja, 52% de toda a Câmara federal foi renovada na última eleição. A nível de
comparação, durante as eleições ocorridas entre 1998 e 2014, a taxa de reeleição
variou entre 54% e 58%, algo bem diverso das eleições passadas, onde a taxa de
reeleição ficou abaixo dos 50%.
Em um primeiro momento, isso pode não parecer grande coisa, no entanto,
observando as mudanças ocorridas nos últimos anos, uma taxa de renovação acima
da comum, representa grandes mudanças, principalmente, ao se analisar os novos
congressistas eleitos. Um desses casos, atualmente bem expressivo, é o da deputada
federal Tabata Amaral, do PDT de São Paulo.
Formada pela Universidade de Harvard, em ciência política, essa congressista
foi a sexta deputada mais votada do estado de São Paulo, com 264 450 votos,
defendendo a agenda da educação de qualidade para todos os brasileiros, através,
principalmente, do movimento Mapa Educação, do qual é co fundadora. Além desse,
O Movimento Acredito, é outro de seus projetos, todavia, essa busca a renovação
política do Brasil em âmbito nacional.
Outro exemplo, é o deputado federal Kim Kataguiri, conhecido,
principalmente, por ser um dos fundadores do MBL (Movimento Brasil Livre). Filho de
metalúrgico, esse deputado começou a estudar economia pela Universidade Federal
do ABC, no entanto, abandonou o curso e se tornou um ativista, levantando a bandeira
do liberalismo econômico, embasado em economistas da escola austríaca, como
Ludwig von Mises. Além disso, esse jovem deputado foi elencado pela revista TIME,
no ano de 2015, como um dos jovens mais influentes daquele ano, e, por fim, foi um
dos expoentes das manifestações contra o governo Dilma durante o ano 2016.
Por último, há o caso da vereadora lésbica Marielle Francisco da Silva, que
chocou todo o Brasil, após ser assassinada, juntamente com seu motorista, no
entanto, esse não é o ponto que se deseja discutir nesse momento. Na realidade, o
ponto chave é o fato dessa vereadora ter sido uma feminista e ativista dos direitos
humano que buscava denunciar eventuais abusos ocorridos em comunidades
carentes da cidade do Rio de Janeiro. Isso, devido ao fato de ter nascido e crescido
no Complexo da Maré, local constituído e caracterizado pela quantidade de favelas
que possui.
Com todos esses exemplos em mente, e com a questão levantada pelo ex-
presidente, torna-se mais claro como tem sido desempenhado a participação das
classes sócias nos cargos públicos. O interessante, é que se tem, nos casos
apresentados, três facetas da sociedade sendo representadas na política nacional.
Desde de cidadãos mais voltadas aos direitos LGBT+, como era o caso de Marielle,
como também há indivíduos que fazem parte dessa nova onde liberais econômicos,
representados, em grande parte, por líderes como Kim. O mais fascinante disso, é
observar a grande gama de opiniões políticas que a sociedade brasileira possui,
representadas nos 33 partidos existentes.
Portanto, trazer o diálogo e a inclusão de todos nesse movimento a favor da
democracia não é tarefa fácil, porém, é uma atribuição que o povo brasileiro terá que
aprender a conviver. Por fim, precisa-se de “mais sal e menos ácido, menos olho por
olho e mais olho no olho” (Lago, 2018, p.172), precisa-se, portanto, acima de
corrupção, jeitinho ou participação, de diálogo, conversa, polifonia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Evidentemente, o jeitinho brasileiro dificultou e ainda dificulta a consolidação
de uma democracia verdadeiramente inclusiva, no entanto, há muito que se alegrar
com os novos movimentos e figuras públicas que tem surgido nos últimos anos.
Movimentos de esquerda à direita que demonstram a pluralidade amazônica presente
na sociedade brasileira.
De fato, ainda há muito que se construir, porém, muito já foi conquistado
desde o voto censitário, e, definitivamente, os brasileiros podem se orgulhar de terem
reconquistado sua democracia após vários intervalos antidemocráticos. A despeito da
corrupção e do corporativismo, os 33 partidos presentes no congresso comprovam
que os cidadãos estão lutando pela sua inclusão, estão realizando sua própria
globalização contra hegemônica (Sousa, 2003, pg. 13).
Desse modo, deve-se buscar sempre o melhoramento das ferramentas
democráticas, assim como a separação casa e da rua que, certamente, ainda
obstaculiza um maior engajamento público. Deve-se, portanto, olhar para o passado
e buscar novos horizontes, combater o jeitinho e celebrar o diálogo.

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