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Artigo Pedro Henrique Freitas Silva Lima
Artigo Pedro Henrique Freitas Silva Lima
INTRODUÇÃO
Após anos de desenvolvimento democrático a sociedade brasileira parece
ainda engatinhar em meio as diversas crises e ameaças as suas estruturas mais
basilares. Mesmo após a independência em 1822, as raízes democráticas ainda eram
incertas e, definitivamente, meros anseios e devaneios filosóficos. O mais triste, é
perceber que a nação brasileira já nasceu segmentada, totalmente estratificada da
maneira mais clássica possível, nobreza, clero e plebe. Infelizmente, esse é um
passado que não pode ser apagado, e, mesmo que vergonhoso, faz parte da história
nacional.
Tendo isso em mente, ao se analisar o passado da nação brasileira, torna-se
nítido que essa sociedade nunca foi marcada pela participação e engajamento
popular. Diferente de outras nações como a França, que lutaram e conquistaram
direitos básicos a partir de revoluções, o Brasil nunca teve, desde sua origem, raízes
que o fizeram clamar pela inclusão de todas as pessoas. Da independência à
proclamação da república, na qual os cidadãos achavam se tratar de parada militar, a
participação nunca foi o forte dos brasileiros, no entanto, há um ponto em aberto
(Carvalho, 2018, p.86).
Ao se analisar minuciosamente a história do Brasil, fica evidente que alguns
impasses em específico obstaculizam a formação de uma sociedade verdadeiramente
engajada. Desse modo, esse artigo busca tratar exatamente essa lacuna, qual seja,
em um primeiro momento, o “jeitinho brasileiro”.
Para que isso se torne possível, será feita uma análise sociológica sobre essa
chaga que envenena as bases democráticas, um raio-X sobre a pedra angular desse
problema que dificulta o desenvolvimento da cidadania nacional. Para que isso seja
possível, alguns autores com Roberto Damatta, Sérgio Adorno e Boaventura de Sousa
Santos, foram básicos para que essa análise fosse possível.
Para além disso, foi necessário remontar ao passado para que essa chaga
pudesse ter suas bases históricas elucidadas. Para essa empreitada, foi observado o
período histórico compreendido entre 1824 a1930, no qual foi possível observar como
esse jeitinho à brasileira dificultou o desenvolvimento, principalmente, dos direitos
políticos.
Após esse bloco de conteúdo, foi observado, por fim, como é possível se ter
esperança ante as diversas mudanças ocorridas no cenário político nacional durante
os últimos anos. Assim sendo, busca-se desenvolver um ensaio sobre o jeitinho e
suas consequências na ceara pública, utilizando, para isso, de uma análise
documental-bibliográfica, buscando em documentos e livros bases teóricas para as
ideias aqui elencadas.
BASE SOCIOLÓGICA DO JEITINHO BRASILEIRO
Nesse momento, mesmo que preliminarmente a análises histórias e fáticas,
alguns argumentos e lentes sociológicas devem ser aplicadas, a fim de clarificar os
dados apresentados futuramente. Desse modo, o primeiro ponto a ser dissecado
nessa análise acerca dos entraves da participação no Brasil contemporâneo, é a
influência do famoso “jeitinho brasileiro”, na formação da cidadania, demonstrando,
pois, um pouco de suas raízes sociológicas.
Tendo isso em vista, é importante, nesse momento, colocar alguns
pensamentos elucidados por Roberto Damatta em seu livro “ A Casa e a Rua”, no qual
o autor explana sobre a formação desse “jeitinho” na sociedade brasileira. Nesse
intuito, é interessante perceber como, no Brasil, há duas esferas que norteiam o
comportamento do cidadão, sendo elas representadas pelas Casa e pela Rua,
(Damatta, 1997, p.14). Para o autor, esses dois locais representam mais que espaços
físicos, representam, pois, duas esferas sociológicas básicas para formação das
pessoas (Damatta, 1997, p.14).
Nesse sentido, a casa representa um ambiente caloroso, onde cada pessoa
pode ser ela mesma, representa um local de empatia, local esse que possui o
sentimento de pertencimento a algo, a ideia de que todos são um, verdadeiros
“supercidadãos” (Damatta, 1997, p.19), aptos a realizar tudo de tipo de tarefa. Até
mais que isso, na casa, cada membro desse local faz o possível pelo outro, mesmo
que isso implique em trilhar caminhos não tão corretos assim. Por outro lado, há a rua,
local de impessoalidade, onde cada pessoa é um indivíduo, uma parte do tecido social,
um mero número. Local onde cada ser humano representa apenas mais uma formiga
para o formigo que não distingue as pessoas por emoções, como faz a casa, mas sim,
por competências e meritocracia.
Com isso em mente, é necessário salientar a importância que Max Weber tem
para esse raciocínio, acerca das esferas sociológicas presentes na sociedade
brasileira, as quais, a depender da maneira como estão dispostas, podem alterar o
tipo de cidadania exercida pelos indivíduos. Desse modo, esse sociólogo, quando
discorreu sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo, teceu uma tese sobre
como as sociedades sofreram influência do modelo de produção capitalista,
principalmente em suas bases sociais. De acordo com Weber, o capitalismo
sistematizou toda a sociedade, desde os conhecimentos, até a maneira como as
pessoas se organizavam socialmente (Weber, 2005, p.25). Um exemplo que o próprio
autor traz, é o caso de já haver instituições especializados em ensino superior na
China e no Islão, antes de mesmo de haver nos países do ocidente, no entanto, há
um ponto a ser esclarecido. De acordo com Weber, mesmo que essas instituições
tenham seu nascedouro nos país orientais, o ocidente foi o responsável pela “busca
racional, sistemática e especializada da ciência” (Weber,2005, p.25).
Conforme o autor, isso seria uma consequência de a origem do capitalismo
ser nas sociedades ocidentais, que permitiram que expressões como: “ tempo é
dinheiro”, fossem elencadas como um dos princípios básicos das sociedades
ocidentais modernas. No entanto, há outro ponto a ser analisado na sistemática
capitalista observada por Weber.
Conforme ele, essa busca pela especialidade e pela sistematização da vida
cotidiana, trouxe a impessoalidade colocada por Roberto Damatta como sendo uma
das características da rua, enquanto que a casa, continuava a ter características
puramente pessoais. Dessa forma, Damatta traz, embasado em Weber, esse conceito
para dentro de sua análise, e dá à luz a esse pensamento bipolar acerca das esferas
sociológicas presentes no Brasil, eternamente marcadas pela dicotomia público-
privado.
Para que isso fique mais claro, e que haja maior praticidade na compreensão
acerca desse impasse, será utilizado o estudo Boaventura de Sousa Santos, acerca
da “Pasárgada”, para demonstrar as implicações dessa dicotomia sociológica na vida
em sociedade. Nessa pesquisa, o autor trouxe o estudo da pluralidade jurídica em um
âmbito fático, trabalhando, portanto, sobre a diversidade jurídica presente em uma
comunidade, na qual o estado e seus mecanismos de ordenação e controle social não
estão presentes.
Em primeiro lugar, Boaventura observa que em decorrência da ausência dos
mecanismos básicos estatais, como tribunais e postos de polícia, uma nova forma de
cultura social foi criada a partir dessa falta, uma forma, como o próprio autor saliente
em outro ensaio, de globalização contra hegemônica (Sousa, 2003, p.13). Com isso
em mente, é notório perceber que em locais de pluralidade de ideias, o relativismo
das próprias leis escritas, é um fato a ser observado, algo que, claramente, ocorreu
em Pasárgada.
De acordo com o autor, a associação dos moradores começou a representar
um tribunal dentro do microcosmos da comunidade (Sousa, 1973, p.2), e isso acabou
constituindo um estado anomia jurídica. O ponto em questão, está na peculiaridade
que essa diversidade representa ante os estudos de Roberto Damatta. Com já
mencionado anteriormente, este autor divide a sociedade entre casa e rua, só que o
ponto em questão é a diversidade de éticas presentes em cada tipo da casa.
No Brasil, principalmente, a diversidade de pensamento é consideravelmente
diversa, e, desse modo, a casa passa a refletir essas diversas morais presentes em
cada pessoa. Nesse instante, o “jeitinho” começa a tomar forma quando o relativismo
presente na casa, haja vista ser esse um ambiente que engloba todo tipo de
pensamento, começa a trasbordar para a ceara pública. Quando isso ocorre, a
diversidade que inicialmente é boa, pode tomar formas diversas, apresentando-se
como uma nova forma de pensar a rua, a partir de uma ética particular.
É nesse momento que a moral de cada indivíduo pode sofrer um desvio e ser
subvertida em algo danoso a estrutura democrática. No caos em questão, a
associação de moradores, passou a burlar as leis promulgadas pelo estado brasileiro,
em favor de um costume presente, apenas, na comunidade do Jacarezinho,
representado, pois, uma espécie de “jeitinho” muito sútil.
Outro bom exemplo, é ensaio, Exclusão socioeconômica e violência urbana,
escrito por Sérgio Adorno. Nesse texto, o escritor discorre sobre o aumento da
violência no Brasil a partir dos anos 2000, e seus desdobramentos e causas.
O primeiro ponto a ser salientado, é a diversidade já abordada neste artigo.
Em seu texto, Adorno observa que a diversificação e a complexidade presente na
sociedade brasileira, tem sido a causa do aumento das lutas sociais, ou seja, a busca
pela independência social (Adorno,2002, p.87). Ele discorre, assim como Boaventura,
sobre a globalização contra hegemônica, (Sousa, 2003, p.13), e como essa nova
forma de lutar pelos direitos, pode dificultar as discussões na seara pública, em
decorrência do aumento exponencial das cosmovisões.
No caso de Adorno, diferente de Boaventura, é discutido a influência dessa
diversidade na violência urbana, no entanto, esse não é o ponto que se deseja abordar
neste artigo. Na realidade, o ponto que se deseja colocar em discussão, encontra-se
na compreensão de que essa diversidade é boa, pois representa a emancipação de
grupos, historicamente, subalternos. Por outro lado, durante esse processo de
emersão, as lutas podem gerar a relatividade dos costumes vigentes, dando ensejo a
um desvio da moralidade dominante, e dando lugar a uma novar forma de pensar o
público a partir do privado, algo que seria, em tese, um emboço sutil do jeitinho
brasileiro.
Desse modo, a grande temática apresentada por Damatta, é exatamente essa
discussão, de como as diversas cosmovisões de cada domicílio podem se chocar com
aquilo que é vigente dentro da esfera pública. O ponto em questão, é o prejuízo que
se obtém ao miscigenar essas duas esferas em um só, abrindo, pois, espaço para que
haja a utilização do público, a favor do privado.
O grande impasse, portanto, é o fato de o Brasil não ter sido, até o momento,
capaz de separar essas duas esferas de comportamento, algo que, como se
observará, principalmente na parte histórica, prejudica até os dias atuas a maneira
como a seara pública é encarada. Isso se deve, principalmente, por se confundir aquilo
que deve ser tratado como relação entre amigos, e aquilo que dever ser tratado como
uma relação profissional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Evidentemente, o jeitinho brasileiro dificultou e ainda dificulta a consolidação
de uma democracia verdadeiramente inclusiva, no entanto, há muito que se alegrar
com os novos movimentos e figuras públicas que tem surgido nos últimos anos.
Movimentos de esquerda à direita que demonstram a pluralidade amazônica presente
na sociedade brasileira.
De fato, ainda há muito que se construir, porém, muito já foi conquistado
desde o voto censitário, e, definitivamente, os brasileiros podem se orgulhar de terem
reconquistado sua democracia após vários intervalos antidemocráticos. A despeito da
corrupção e do corporativismo, os 33 partidos presentes no congresso comprovam
que os cidadãos estão lutando pela sua inclusão, estão realizando sua própria
globalização contra hegemônica (Sousa, 2003, pg. 13).
Desse modo, deve-se buscar sempre o melhoramento das ferramentas
democráticas, assim como a separação casa e da rua que, certamente, ainda
obstaculiza um maior engajamento público. Deve-se, portanto, olhar para o passado
e buscar novos horizontes, combater o jeitinho e celebrar o diálogo.
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