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Governança Corporativa em Administração Pública: o caso brasileiro

Prof. M.Sc. Diógenes Lima Neto


Braga – Portugal
Fevereiro 2011

I - Introdução

Após a crise financeira de 2008-2009, de efeitos nefastos em nível global, muito se tem
discutido e implementado em termos de formas de se aumentar o acompanhamento e
controle societário sobre as empresas, o que acabou por ressuscitar e reforçar uma idéia não
tão nova: a Governança Corporativa. Mas, afinal, o que seria isso? Muitas são as definições,
mas, tomando-se por base a definição dada pelo Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa – IBGC, temos que:

“Governança Corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e


incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração,
Diretoria e órgãos de controle.” (IBGC, 2010; grifos do autor)

Conforme se observa, a Governança Corporativa, no caso, preocupa-se em tornar


claras e bem informadas as partes envolvidas num empreendimento privado. Neste sentido,
terminologias e conceitos como Transparência, Eqüidade, Responsabilidade (Accountability) e
Responsabilidade Corporativa, entre outras, tornaram-se lugar-comum nos círculos
empresariais.

No entanto, como tem ocorrido nas últimas décadas, não tardou para que estes
conceitos migrassem da Administração Privada para a Administração Pública, numa tentativa a
mais em se buscar maiores Eficiência e Equidade desta última.

II – Definição e Implementação de ações e programas públicos: uma tarefa não-trivial e fonte


de falhas

Implementar ações de planejamento governamental nunca foi algo feito sem


dificuldades e desvios de rumo. Porém, pode-se argumentar que, um pouco mais
recentemente, com o advento da New Public Management (NPM), a qual emergiu nos anos de
1980, houve um aumento considerável na complexidade das relações Estado-cidadão, as quais
ficaram poluídas por conta, principalmente, de sua premissa de Desagregação (agências,
contracting out, privatização, etc.).
Esse fenômeno também ocorreu, por certo, ao nível do acompanhamento e controle
por parte dos políticos, os quais se viram estagnados, repentinamente, diante de um universo
de legislações, por um lado, e de uma estrutura governamental complexa, por outro.
Neste ponto, é interessante trazer à tona a questão do Orçamento, peça documental
fundamental que, no entendimento deste aluno, traduz a linha fronteiriça (ou a “ponte”, se
preferirmos) entre Política e Administração, especialmente nos Estados democráticos
evoluídos, ou seja, naqueles em que há um nível significativo de liberdade e de participação
popular, estruturado sob normas legais (positivas ou consuetudinárias).
O Orçamento de um Estado, no contexto acima, é usualmente fruto de muitas
negociações (conflitos) entre grupos com forças diversas e assimétricas, bem como marcado
pelo momento histórico de cada país. Ou seja, este documento é a mais pura tradução e
materialização da ineficiência e não-equidade Política de uma nação.
Por outro lado, conforme já bem observava David Beetham, ao nível da Administração
Pública:
“Prevention of an evil is presumably better than its cure. But successful prevention is difficult to
measure, depending as it does upon counterfactual claims; and in any case it requires a coordination of
policy between many different departments.” (Beetham, 1996)

Neste cenário, agravado pela já citada complexidade do universo legal que envolve o
administrador público e a diversidade de abordagens estruturais/funcionais dentro (e fora)
do governo para se implementar as diversas ações, é fácil concluir que o alcance de Eficiência
e Equidade, pelos governos, fica muito próximo do improvável, redundando nas “falhas de
governo” que veremos a seguir.
Essa situação também acaba por explicar, mas não justificar, porque os políticos e a
sociedade têm enormes dificuldades em acompanhar e controlar a execução das ações e
programas de seu interesse.

III - Das funções globais do Estado, das falhas de mercado e das falhas de governo

Antes de prosseguir-se na explanação das dificuldades dos governos em alcançar seus


objetivos, faz-se necessário entender quais são as funções globais do Estado. Segundo Richard
Musgrave (Camões, 2010), estas estão distribuídas em três esferas de ação, a saber:

• Afectação de Recursos, em que procura satisfazer as necessidades públicas ao tomar


decisões em busca máximo de Eficiência;
• Redistribuição de Recursos, em que procura fazer “ajustamentos na riqueza dos
agentes econômicos de acordo com os padrões de justiça social” (Camões, 2010).
Neste caso, busca-se uma maior Equidade; e
• Estabilização Econômica, de modo geral, propicia ao Estado alcançar um máximo de
eficiência, com o máximo de equidade. Num contexto deste tipo, alcança-se o pleno
emprego e, por via de conseqüência, torna mais tolerável a carga tributária estatal
sobre o cidadão. Conforme se pode intuir, esta esfera de ação procura resolver não
apenas a questão da Eficiência, mas também a da Equidade.

Partindo-se da percepção de Musgrave, ou seja, de que as funções globais do Estado


estão distribuídas naquelas três esferas, pode-se estender esse raciocínio e afirmar que o
governo, ao implementar suas diversas ações, grosso modo, opta ou por assumir para si, ou
deixar para o mercado, as iniciativas necessárias. Em qualquer dos casos, sujeita-se à
ocorrência de insucessos, os quais poderão, então, materializarem-se como falhas de governo
ou como falhas de mercado.

No caso de falhas de mercado, segundo Pereira:

“Entende-se por fracasso de mercado a situação em que existe um bem ou serviço, que afecta
o bem-estar dos indivíduos (é argumento da função utilidade) ou que afecta os custos de uma empresa
(é argumento da produção), para os quais há pelo menos um preço ao qual certos agentes estão
disposto a vender e outros a comprar, mas onde não há mercado para esse bem”. (Pereira et al. ,
2009:45)

Para as situações de falhas do governo, podemos confiar no entendimento de Alves e


Moreira (2004:58) que afirmam que falhas de governo, decorrem de “potenciais ineficiências
resultantes da intervenção estatal e das características do processo político”.

Tais falhas, qualquer que seja seu tipo (mercado ou governo), levam a uma
inconstância governamental no que diz respeito ao alcance de Eficiência e Equidade. Isto, por
sua vez, tem frustrado, quase que completamente, a confiabilidade dos serviços que o
Estado presta aos cidadãos. E as razões disso vão desde incompetência técnica governamental
pura e simples, até casos extremos de corrupção ativa e passiva dentro dos próprios governos.

Neste sentido, sintomaticamente, parece, de facto, haver uma relação entre baixa
equidade e corrupção nos governos. É o que nos mostra o relatório “Global Corruption Report
– 2009”, emitido pela Transparency International, quando nos relata os achados de seu
levantamento do Corruption Perceptions Index – CPI – 2008. Informa-nos aquela instituição:

“A simple plot reveals a close association between a good performance in the CPI 2008 and
income per head.[…]. Estimates suggest that an improvement in the CPI by one index point (out of ten) is
associated with higher productivity, a growth in capital inflows equivalent to 0.8 per cent of a country’s
GDP and an increase in average income by almost 4 per cent.”(Transparency International, 2009)

IV - Dos conceitos de Governança Corporativa e sua contextualização na Administração


Pública

Diante deste contexto, não foi por acaso que os cidadãos, em diversos locais do
mundo, pressionaram por uma aplicação de “boa governança” no contexto da Administração
Pública.
Neste sentido, aqueles mesmos conceitos de transparência, eqüidade, prestação de
contas (accountability) e responsabilidade, citados na abertura deste ensaio, foram
transplantados para o seio da Administração Pública, tentando-se minimizar, ou mesmo
eliminar, diversas disfunções burocráticas desta e que tanto mal vêm causando.
Neste ponto deste documento, faz-se necessário entender como eles estão definidos
e, para isso, vamos nos socorrer, uma vez mais, do Código do Instituto Brasileiro de
Governança Corporativo (IBGC, 2010):
• Transparência
Mais do que a obrigação de informar é o desejo de disponibilizar para as partes
interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas impostas por
disposições de leis ou regulamentos. A adequada transparência resulta em um clima de
confiança, tanto internamente quanto nas relações da empresa com terceiros. Não deve
restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também os demais
fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que conduzem à criação de
valor.
• Equidade
Caracteriza-se pelo tratamento justo de todos os sócios e demais partes interessadas
(stakeholders). Atitudes ou políticas discriminatórias, sob qualquer pretexto, são
totalmente inaceitáveis.
• Prestação de Contas (Accountability)
Os agentes de governança devem prestar contas de sua atuação, assumindo integralmente
as conseqüências de seus atos e omissões.
• Responsabilidade Corporativa
Os agentes de governança devem zelar pela sustentabilidade das organizações, visando à
sua longevidade, incorporando considerações de ordem social e ambiental na definição dos
negócios e operações.

Conforme se observa, transpor estas definições para o contexto de Administração


Pública não é exatamente difícil, desde que se ajustem as terminologias, conforme abaixo
sugerido:

TERMINOLOGIAS
CONTEXTO DE ADM. PRIVADA CONTEXTO DE ADM. PÚBLICA
• Agentes de governança • Funcionários Públicos
• Políticos
• Poder Executivo
• Empresa • Adm. Pública
• Equidade (*) • Equidade
• Impessoalidade
• Negócios e Operações • Bens e Serviços públicos
• Accountability(*) • Responsabilização
• Auditoria
• Contabilidade
• Responsabilidade corporativa (*) • Responsabilidade
• Sustentabilidade
• Sócios • Cidadãos
• Utentes
• Transparência (*) • Transparência
• Publicidade
(*) Princípios de governança corporativa.

Certamente, estes princípios e conceitos foram traduzidos em ações específicas por


parte dos governos. Tomemos os princípios de Governança Corporativa acima marcados e
vejamos como foram trazidos para o seio da Administração Pública, especialmente dentro do
contexto brasileiro.

TRANSPARÊNCIA

No caso brasileiro, por exemplo, a fim de se aumentar a transparência e de se combater a


corrupção (primariamente), foi criado o sítio “Portal da Transparência do Governo Federal”
(http://www.portaltransparencia.gov.br). Segundo informa o próprio sítio:

“O Portal da Transparência do Governo Federal é uma iniciativa da Controladoria-Geral da


União (CGU), lançada em novembro de 2004, para assegurar a boa e correta aplicação dos recursos
públicos. O objetivo é aumentar a transparência da gestão pública, permitindo que o cidadão
acompanhe como o dinheiro público está sendo utilizado e ajude a fiscalizar.” (Portal da Transparência,
2010)

EQUIDADE

Se lembrarmos que Equidade, em Governança Corporativa, refere-se a um “tratamento justo


de todos os sócios”, bem como a não se permitir “atitudes e políticas discriminatórias”, uma
maior equidade, por certo, pode ser alcançada permitindo-se uma disponibilização mais ampla
e indiscriminada dos cidadãos aos serviços governamentais. Neste sentido, o governo
brasileiro, por meio do “Portal de Serviços e Informações do Governo”, diminuiu
significativamente a assimetria de informações entre seus cidadãos, bem como aumentou a
acessibilidade aos seus serviços. Neste sítio, tem-se acesso a mais de 50 temas de serviços
governamentais distintos, que variam desde Agricultura e Correios, até Justiça, Educação,
Economia e Finanças e Serviços Diplomáticos. Seu link: http://www.e.gov.br/.

RESPONSABILIDADE (SUSTENTABILIDADE)

Sobre este tópico, existe uma infinidade de ações do governo brasileiro em busca do
desenvolvimento sustentado. Em verdade, segundo informações disponíveis no próprio sítio
oficial do Governo Brasileiro, temos que:

“Dados do FSC-Brasil referentes a 2008 revelam que existem no país 5,3 milhões de hectares
certificados pelo selo Forest Stewardship Council (FSC), uma das certificações mais respeitadas em todo o
mundo. As atividades foram registradas em 12 estados brasileiros. É o maior índice de certificação em
toda a América Latina e entre os países tropicais. Cerca de 2,5 milhões de hectares referem-se a florestas
naturais e 2,8 milhões a florestas plantadas. As plantações florestais certificadas somam 48% (2,8 milhões
de hectares) da área total de silvicultura no Brasil, estimada em cerca de 5,8 milhões de hectares.” (Brasil,
2010)

ACCOUNTABILITY (RESPONSABILIZAÇÃO)
No que diz respeito a este tópico, o Tribunal de Contas da União – TCU, emitiu a Instrução
Normativa nº 28, de 5 de maio de 1999, onde estabeleceu regras para a implementação da
homepage Contas Públicas (TCU, 2011). Esta, por sua vez, tem acesso a todas as bases de
dados do governo, especialmente àquela relacionada ao Sistema Integrado de Administração
de Serviços Gerais – SIASG, o qual inclui todas as licitações/contratações. Se tomarmos em
conta que, no ano de 2009, os gastos do governo somaram mais de R$ 572 bilhões (109),
equivalente a mais de EUR 255 bilhões (109) , teremos uma dimensão do nível de prestação de
contas que se está a falar.

V - CONCLUSÃO

Conforme se pode observar, as boas práticas de Governança Corporativa, apesar de


originadas por razões fora do contexto de Administração Pública, acabaram por ser bem
assimiladas dentro do seio desta e, especificamente no caso brasileiro, propiciaram ótimos
resultados em termos de transparência, equidade, responsabilidade e prestação de contas
(accountability), o que permitiu àquele país sua ascenção no cenário internacional.

REFERÊNCIAS

• Alves, André Azevedo; Moreira, José Manuel. “O que é a Escolha Pública? Para uma
análise económica da política”. Ed. Principia. 2004.
• Beetham, David. 1996. “Models of Bureaucracy” in Bureaucracy, 2nd Edition, Open
University Press.
• BRASIL. Meio Ambiente. “Sustentabilidade no uso das florestas”. Sítio oficial do
Governo do Brasil. Disponível em http://www.brasil.gov.br/sobre/meio-
ambiente/cop/panorama/o-que-o-brasil-esta-fazendo/sustentabilidade-no-uso-das-
florestas. Acessado em 10 Fev 2011.
• Camões, Pedro. “Administração Orçamental e Finanças Públicas”. Notas de aula. 2010.
• IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. “Código das Melhores Práticas
de Governança Corporativa”, 4ª Edição, Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa. São Paulo, 2009 (2010).
• Pereira, Paulo Trigo e al. Economia e Finanças Públicas. Ed. Escolar. 3ª Edição. 2009.
• Transparency International. “The National Integrity System”. Disponível em
http://www.transparency.org/content/download/46187/739801. Acessado em 08 Fev
2011.
• TCU – Tribunal de Contas da União.Contas Públicas. Disponível em
http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/contas_publicas/inicio. Acessado
em 09 Fev 2011.
• UN - United Nations. “International Human Development Indicators”. Disponível em
http://hdr.undp.org/en/data/map/ . Acessado em 09 Fev 2011.

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