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Renata Curcio Valente

A GTZ no Brasil
Uma etnografia da cooperação
alemã para o desenvolvimento

Rio de Janeiro, 2010


© Renata Curcio Valente/E-papers Serviços Editoriais Ltda., 2010.
Todos os direitos reservados a Renata Curcio Valente/E-papers Serviços Editoriais Ltda. É proibida a
reprodução ou transmissão desta obra, ou parte dela, por qualquer meio, sem a prévia autorização
dos editores.
Impresso no Brasil.

ISBN 978-85-7650-272-2

Projeto gráfico e capa Conselho Editorial


Andréia Resende Beatriz Maria Alasia de Heredia Laura Moutinho
Eliane Cantarino O’Dwyer Luiz Fernando Dias Duarte
Diagramação Carla Costa Teixeira Maria Filomena Gregori
Livia Krykhtine Carlos Guilherme Octaviano do Valle Mariano Baez Landa
Revisão Cláudia Lee Willians Fonseca Mario Pecheny
Elisa Sankuevitz Cristiana Bastos Patricia Ponce
Gustavo Blazquez Sérgio Luís Carrara
Jane Araújo Russo Stefania Capone
João Pacheco de Oliveira

Este livro está sendo publicado com recursos dos projetos Cooperação internacional, Povos indígenas e
Educação Superior (bolsa Cientistas do Nosso Estado/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro concedida a Antonio Carlos de Souza Lima, no período 2007-2009. Processo Faperj: E-26/100.460/2007)
e Políticas para a “Diversidade” e os Novos “Sujeitos de Direitos”: estudos antropológicos das práticas, gêneros
textuais e organizações de governo, coordenado por Antonio Carlos de Souza Lima (MN/UFRJ), Adriana
de Resende Barreto Vianna (MN/UFRJ) e Eliane Cantarino O’Dwyer (UFF), por meio do Convênio Finep nº
01.06.0740.00 – REF: 2173/06 – Processo FUJB nº 12.867-8, nos quadros do Laboratório de Pesquisas em
Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced)/Setor de Etnologia – Dept. de Antropologia/Museu Nacional-
UFRJ, em curso desde dezembro de 2006 até o presente.

Esta publicação encontra-se à venda no site da


E-papers Serviços Editoriais.
http://www.e-papers.com.br
E-papers Serviços Editoriais Ltda.
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Praça da Bandeira – Rio de Janeiro
CEP: 20.270-006
Rio de Janeiro – Brasil

CIP-Brasil. Catalogação na Fonte


Sindicato Nacional dos Editores de Livro, RJ

V25e
Valente, Renata Curcio
A GTZ no Brasil: uma etnografia da cooperação alemã para o desenvolvimento/Renata Curcio
Valente. - Rio de Janeiro: E-papers: UFRJ, Laced, 2010.
300p. : il. - (Antropologias ; 5)
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7650-272-2
1. Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. 2. Cooperação
internacional - Aspectos sociais. 3. Florestas tropicais - Conservação - Brasil. 4. Brasil -
Relações - Alemanha. 5. Alemanha - Relações - Brasil. I. Título. II. Título: A GTZ no Brasil: uma
etnografia da cooperação alemã para o desenvolvimento. III. Série.

10-3976. CDD: 327.17


CDU: 327.7
Para Gil Pedro, Sonia, Pedro e Flávio, com amor
Agradecimentos

São muitas as pessoas que me ajudaram neste longo trabalho de pesquisa,


que resultou no presente livro, tanto no sentido prático quanto no afetivo e
no espiritual. Minha família, meus amigos, meus professores e os funcio-
nários do Museu Nacional, colegas do Museu do Índio e da Funai, o pes-
soal do Centro de Trabalho Indigenista, os funcionários e ex-funcionários
da GTZ e das instituições alemãs, todos foram especial e unicamente im-
portantes. No entanto, uma pessoa teve um papel determinante em todos
os momentos desta trajetória, porque assumiu um compromisso pessoal
comigo. Antonio Carlos de Souza Lima, meu professor e orientador, aju-
dou a superar minhas próprias resistências e me possibilitou experiências
que não imaginava viver. Por sua confiança e sua fidelidade na construção
dessa parceria, serei sempre grata.
Well we know where we're going,
but we don't know where we've been
and we know what we're knowing,
but we can't say what we've seen
and we're not little children,
and we know what we want
and the future is certain,
give us time to work it out

Talking Heads, “Road To Nowhere”


Lista de ilustrações

Figura 1. Fluxograma simplificado do ciclo de projetos Brasil-Alemanha 86


Figura 2. Folder sem data de publicação 102
Figura 3. Capa da revista Deutschland, sem data 104
Figura 4. Folder sem data 110
Figura 5. Diagrama de instituições da política alemã de cooperação
para o desenvolvimento 131

Foto 1. Presidentes e primeiros-ministros do G-7, Houston, EUA, 1990 112


Foto 2. Oficinas utilizando a metodologia Zopp no Brasil 146
Lista de quadros

Quadro 1. Fundações e partidos políticos 128


Quadro 2. Número de projetos da GTZ por década e por região
(1960-2003) 155
Quadro 3. Convênios para demarcação de terras indígenas 227
Quadro 4. Componentes por financiadores 242
Lista de siglas e abreviaturas

ABA – Associação Brasileira de Antropologia


ABC – Agência Brasileira de Cooperação do MRE
Abong – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
Bird – Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento ou Banco Mundial
BMD – Bancos Multilaterais de Desenvolvimento
CAD – Comitê de Assistência ao Desenvolvimento
CEB – Comunidades Eclesiais de Base
CEC – Comissão das Comunidades Europeias
Cedi – Centro Ecumênico de Documentação e Informação
Cepal – Comissão Econômica para América Latina e Caribe
Cida – Canadian International Development Agency
CGPE – Coordenação Geral de Projetos Especiais
CNUMAD – Conferência das Nações Unidas para Meio
Ambiente e Desenvolvimento (ECO–92 ou Rio–92)
Cofiex – Comissão de Financiamentos Externos
CTI – Centro de Trabalho Indigenista
CTBR – Cooperação Técnica Bilateral Recebida
CTMR – Cooperação Técnica Multilateral Recebida
CTPD – Cooperação Técnica para Países em Desenvolvimento
DAF – Diretoria de Assuntos Fundiários/Funai
DFID – Agência Inglesa de Cooperação Internacional
Ecosoc – Conselho Econômico e Social
Finep – Financiadora de Estudos e Projetos
Funag – Fundação Alexandre de Gusmão
Funai – Fundação Nacional do Índio
G7 – Grupo dos Sete
GEF – Global Environmental Facility (Fundo Global para o Meio Ambiente)
Ibama – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis
ISA – Instituto Socioambiental
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MPOG – Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ODA – Official Development Assistance (Assistência Oficial ao Desenvolvimento)
OEA – Organização dos Estados Americanos
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONU – Organização das Nações Unidas
ONG – Organização não governamental
Oxfam – Oxford Committee for Famine Relief
(Comitê de Oxford para o Alívio da Fome)
Peti – Projeto Estudos Sobre Terras Indígenas no Brasil
PNUD/UNDP – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPG–7 – Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil
PPTAL – Projeto Integrado de Proteção às Populações
e Terras Indígenas da Amazônia Legal
PDA – Subprograma Projetos Demonstrativos tipo A
PDPI – Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas
RFT – Rain Forest Trust Fund (Fundo Fiduciário para Florestas Tropicais)
RMT – Revisão de Meio Termo
SAE – Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
Semam – Secretaria de Meio Ambiente
Seain – Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério
de Planejamento, Orçamento e Gestão
SCA – Secretaria de Coordenação da Amazônia
Unctad – United Nations Conference on Trade and Development
(Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento)
Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura
UNRRA – United Nations Relief and Reabilitation Administration
Siglas de Instituições Alemãs
AG–KED – Arbeitsgemeinschaft Kirchlicher Entwicklungsdienst
(Grupo de Trabalho sobre o Serviço das Igrejas para o Desenvolvimento)
AS – Aktionsgemeinschaft Solidarische –
(Comunidade de Ação Mundo Solidário)
BfW ou PPM – Brot für die Welt (Pão para o Mundo)
BMZ – Bundesministerium für wirtschaftliche Zusammenarbeit und
Entwicklung (Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento)
CDG – Carl Duisberg Gesellschaft (Fundação Carl Duisberg)
CDU – União Democrática Cristã
CIM – Centrum für Internationale Migration und Entwicklung
(Centro de Migração Internacional e Desenvolvimento
ou Programa de Peritos Integrados)
CSU – União Social Cristã
DAAD – Deutscher Akademischer Austauschdienst
(Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico)
DED – Deutscher Entwicklungsdienst (atribuição atual do Brasil para SACTES)
DEG – Deutsche Investitions und Entwicklungsgesellschaft mbH
(Sociedade Alemã para o Desenvolvimento e Investimento Ltda.)
DGRV – Deutscher Genossenschafts und Raiffeisenverband e.V.
(Confederação das Cooperativas da Alemanha Federal)
DSE – Deutsche Stiftung für Intenationale Entwicklung
(Fundação Alemã para o Desenvolvimento Internacional)
DW – Deutsche Welthungerhilfe (Fundação Agrária Alemã)
EMW – Evangelisches Missionwerk (Obra Missionária Evangélica)
EZE – Evangelische Zentralstelle für Entwicklungshilfe (Central
Evangélica de Ajuda para o Desenvolvimento ou Associação
Evangélica de Cooperação e Desenvolvimento)
FDP – Partido Democrático Liberal
FES – Friedrich Ebert Stiftung (Fundação Friedrich Ebert)
FNS – Friedrich Naumann Stiftung (Fundação Friedrich Naumann)
GTZ – Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit
(Agência Alemã de Cooperação Técnica)
HBS – Heinrich Böll Stiftung – Fundação Heinrich Böll
HSS – Hans Seidel Stiftung – Fundação Hans Seidel
INWENT – Internationale Weiterbildung und Entwicklung gGmbH
– Aperfeiçoamento Profissional e Desenvolvimento
KAS – Konrad–Adenauer Stiftung – Fundação Konrad Adenauer
KED – Kirchlicher Entwicklungsdienst – Serviço
das Igrejas para o desenvolvimento
KfW – Kreditanstalt für Wiederaufbau – Banco
Alemão de Crédito para Reconstrução
Kindernothilfe – Associação de amparo às necessidades da criança
KZE – Katholische Zentralstelle für Entwicklungshilfe,
Central Católica de Ajuda ao Desenvolvimento
RFA – República Federal da Alemanha
RDA – República Democrática da Alemanha, Alemanha Oriental
Sactes – Serviço Alemão de Cooperação Técnica e
Social (antiga sigla para o atual DED)
SES – Senior Experten Service – Serviço de Peritos Sêniores
SPD – Partido Social-Democrata
Sumário

Prefácio 20

Introdução 23
Metodologia 31

Parte I Cooperação Técnica Internacional: mapeando sua trajetória 47

Capítulo 1 Desvendando a cooperação técnica


para o desenvolvimento 48
Relações internacionais e cooperação internacional como ordem 48
Antropologia e cooperação para o desenvolvimento 52
Cooperação Técnica como política governamental 61

Capítulo 2 Origens da cooperação técnica: uma história oficial 66


A cooperação internacional no pós-guerra 68
A guerra e a diplomacia 71
Assistência Técnica e as Nações Unidas 73
O Plano Marshall e o Ponto Quatro 74
Cooperação técnica no Brasil: os primeiros passos 78
Anos 1960-1970 81
A criação da ABC 84
O Acordo Básico 87

Capítulo 3 A estrutura da política de cooperação alemã


para o desenvolvimento 90
Os Primórdios da Cooperação: De receptor a doador 91
Ampliando horizontes: a criação do BMZ 96
Discursos do desenvolvimento na Alemanha 96
A visibilidade da cooperação 101
Clima e biodiversidade 106
Os alemães no PPG-7 111
As instituições do BMZ 113
Cooperação no sentido restrito 118
Cooperação no sentido amplo 121
Cooperativismo 122
Organizações Eclesiásticas 123
Fundações Políticas 127

Parte II Práticas e saberes administrativos da GTZ 132

Capítulo 4 Mapeando a GTZ no Brasil 135


A identidade desconhecida da GTZ 136
A estrutura internacional da GTZ 140
Diretrizes e princípios da cooperação técnica alemã 143
A visão sobre a GTZ no Brasil 149
Cooperação menos técnica? 151
Temas 152
Análise dos projetos no Brasil por programa 157
O Programa ProRenda 157
Pequenas e médias empresas 159
Meio ambiente 159
A GTZ no Brasil 161
O desenho administrativo do escritório 162
A língua da burocracia 168

Capítulo 5 Pragmatismo e ideologia no mundo da cooperação 173


A categoria “alemães” 181
Conhecendo o grupo de peritos alemães 186
Transmitindo saberes 187
Trajetórias pessoais 196

Capítulo 6 Tecendo parcerias em um projeto


para os povos indígenas: o PPTAL 212
O KfW e os índios brasileiros, Brasília, 2002 213
O PPTAL para os alemães 214
Antecedentes históricos 219
A Eco/92 e o desenvolvimento sustentável 229
Um modelo de cooperação internacional em ação 236
O PPTAL 240
As redes do indigenismo e a negociação do PPTAL 244
A entrada dos alemães e as mudanças no projeto 254
A cooperação técnica do PNUD 258
A entrada da GTZ e a demarcação piloto 262
Apoio à Setec 267
A vinda dos peritos 270

Capítulo 7 Os desafios das parcerias internacionais 273

Referências bibliográficas 282

Anexo 1 Organograma da GTZ 296

Anexo 2 Planta esquemática do escritório de representação


da GTZ no Brasil – Brasília, DF 298

Sobre a autora 299


Prefácio

O estudo da cooperação técnica internacional para o desenvolvimento


tem sido um tema característico das áreas disciplinares das relações in-
ternacionais, da sociologia política e da ciência política. Em momentos
mais recentes, antropólogos têm se debruçado sobre alguns dos aspectos
dos inúmeros processos histórico-sociais, formas organizacionais, regimes
discursivos e estilos performáticos que se condensam nesse mundo social
e dispositivo de poder que carrega o rótulo mais frequente de cooperação
técnica. Em geral, têm-no feito tomando-os do ângulo dos processos en-
volvidos na globalização, como parte da ampla constelação do desenvol-
vimento, como formas de (neo)colonialismo ou, ainda, a partir de análises
de agências específicas, às vezes marcadas por um instrumental teórico-
metodológico alicerçado na antropologia social, mas extemporâneo em
relação ao universo temático e às problemáticas efetivamente suscitadas.
Sem dúvida, há muitas pesquisas em curso nessa direção, alguns títulos
dessa mesma coleção lidando diretamente com esse espectro temático.
No presente livro, Renata Curcio Valente parte das defi nições e posi-
ções intelectuais mais frequentes de cooperação técnica internacional para
o desenvolvimento para, reelaborando-as, propor uma abordagem a partir
da antropologia que se viabilizou na pesquisa sobre a Agência de Coope-
ração Técnica Alemã (GTZ) em sua atuação na demarcação de terras in-
dígenas no Brasil. Baseado na leitura de documentos escritos, na descrição
de eventos públicos, na observação etnográfica e em entrevistas, o livro
rompe com o teor de análises frequentes que estabelecem visões dicotômi-
cas que oscilam da total “aprovação” à total “condenação” das ações da
cooperação para o desenvolvimento.
Para tanto, a autora recupera criticamente a literatura produzida pela
área de relações internacionais sobre o fenômeno da cooperação técnica
internacional para o desenvolvimento, aborda alguns mitos do mundo do
desenvolvimento – e dos estudos sobre o mesmo – os relê e busca os fios
para tecer uma análise antropológica que não os despreze e possa absorvê-
los em outra chave. O passo seguinte da análise é historicizar a cooperação

20 Renata Curcio Valente


e seu espaço no Brasil. Com isso, nos mostra a profundidade temporal de
certas práticas tanto no Brasil quanto na Alemanha, para então entrarmos
no cenário mais específico de relações recentes entre cooperação alemã e
dispositivos de governo no Brasil (sejam os ditos governamentais, sejam os
ditos não-governamentais). Suas práticas, estilos e experiências assomam
ao mesmo tempo como singularidades e partes de um mundo mais abran-
gente.
Isso é feito suspendendo os juízos de valor acerca da atuação da coope-
ração técnica, mas sem perder uma preocupação analítica crítica. A GTZ
no Brasil. Uma etnografi a da cooperação alemã para o desenvolvimento
nos apresenta a história das intrincadas redes de relações de que parti-
cipam brasileiros e alemães e que viabiliza(ra)m a instalação do aparato
institucional das ações de cooperação. Mostra, assim, que a presença ale-
mã – ainda que comporte, amplie e reproduza assimetrias – foi desejada
e explicitamente demandada por um conjunto de atores, estes também
beneficiários de trocas assimétricas. De um mundo de preto versus branco,
podemos perceber um universo de mil matizes cinzentos e o quanto, sem a
presença da cooperação, as ações demarcatórias teriam sido virtualmente
impossíveis, ao menos no formato em que se deram.
É desse ângulo que o estudo da atuação da GTZ nesse campo específi-
co – o das políticas indigenistas – é feito, como uma das muitas pesquisas
possíveis para a apreensão de uma história rica e abrangente sem cujo
entendimento não podemos abordar com coerência inúmeros aspectos do
Brasil rural desde, ao menos, a década de 1970. Ao fazê-lo, Renata Curcio
Valente permite pensar, aos que conhecem a GTZ apenas de sua atuação
no campo socioambiental a partir dos fi nais da década de 1990, o quanto
se desconhece de tantos cenários que se entrecruzam em diferentes escalas
na contemporaneidade.
Concebendo as ações de cooperação como relações de poder, a auto-
ra destaca a dimensão de positividade do poder, seu caráter instituinte,
mostrando como surgiram novos horizontes e conhecimentos, tanto para
brasileiros quanto para alemães, a partir desse processo de interação espe-
cífico. Renata Valente destaca em especial os fluxos de conhecimentos, a
transmissão de um aparato tecnológico de gestão, mas também o acúmulo
de novas experiências por parte dos cooperantes, em especial as de opera-
ção na dimensão fundiária indígena. O caráter ritualístico, pedagógico e
assimétrico (embora tal assimetria não esteja onde muitas vezes as leituras
“denuncistas” a vejam) das relações de cooperação, quaisquer que sejam,
pode então assomar.

A GTZ no Brasil 21
A GTZ no Brasil coloca também à leitura dos antropólogos, e ao mer-
cado editorial brasileiro, os desafios de se produzir etnografias eticamente
corretas frente aos, e com consentimento dos participantes do mundo so-
cial analisado. Afi nal, aqueles de que trata não apenas ocupam posições
de prestígio e poder na hierarquia social, mas também têm os meios inte-
lectuais necessários a ler, criticar e contraditar o trabalho produzido, apre-
sentando-lhes questões em pé de igualdade ou mesmo de superioridade. E
é bom que assim seja. Tais aspectos não são nada desprezíveis, em especial
em pesquisas envolvendo agências e agentes dotados do perfil daqueles aqui
analisados, e fazem com que a solução (mágica, por vezes) de denominar
“interlocução” à relação entre pesquisadores e pesquisados, como hoje fa-
zem alguns antropólogos, na perspectiva de neutralizar efeitos inevitáveis
da abordagem científica, precise ser sopesada. Sua publicação contribuirá,
pois, para que o público leitor conheça os modos pelos quais o trabalho foi
possível, permitindo-nos ampliar o escopo das discussões metodológicas
sobre a dita “cooperação”, bem como de estudos de elites em posições de
poder, sobre os processos de formação de Estado no Brasil (só perceptíveis
em múltiplas escalas), dentre muitas outras coisas.
O resultado é um texto denso, com profundidade analítica e empírica,
que reconhece os trabalhos prévios sobre o tema e a diversidade de posi-
ções sobre o tema que aborda. Prova da obstinação e reflexividade de sua
autora, A GTZ no Brasil. Uma etnografi a da cooperação alemã para o
desenvolvimento é uma contribuição fundamental aos estudos acerca do
mundo do desenvolvimento para além do ensaísmo, de certo construtivo,
mas limitado pela parca presença de dados que só a investigação empírica
densa e prolongada pode prover.

Antonio Carlos de Souza Lima


Laced/Museu Nacional-UFRJ

22 Renata Curcio Valente


Introdução

What if, in reinveniting anthropology, anthropologists were to study the


colonizers, rather than the culture of the powerless, the culture of afflu-
ence rather than the culture of poverty.1

Era 27 de novembro, uma quinta-feira, chovia muito em Brasília. Na entra-


da lateral do Palácio do Itamaraty, um longo tapete vermelho se estendia
indicando o local do evento, o Auditório Embaixador Murtinho, no sub-
solo do palácio, espaço bastante amplo, com capacidade para 300 pessoas.
Em pouco tempo, o local ficou completamente lotado para a conferência
que daria início a comemoração de “Quarenta Anos de Cooperação para
o Desenvolvimento entre Brasil e Alemanha”, registrando a memória das
relações históricas entre Brasil e Alemanha, a partir da data de “funda-
ção” de cooperação técnica entre os dois países, formalmente atribuída à
assinatura do acordo em 1963.
Foram mais de 1.500 os convidados da festa. Eram representantes das
várias instituições alemãs, entre diretores, funcionários e ex-funcioná-
rios de agências governamentais, de fundações políticas e científicas e de
ONGs, além de profissionais que atuaram na construção deste acervo de
ideias que caracteriza o campo da cooperação para o desenvolvimento no
Brasil.
A solenidade foi iniciada em tom muito formal, centrado especialmente
na performance discursiva. A abertura foi feita pelo diretor geral substituto
da ABC, que falou da importância do evento do ponto de vista do governo
brasileiro, seguido de outros três representantes do governo brasileiro e do
setor privado: discursaram a ministra de Meio Ambiente, Marina Silva, o
ministro de Cidades, Olívio Dutra, e o diretor geral do Serviço Nacional

1 Nader, L. “Up the anthropologist.” In: Hymes, D. Reinventing Anthropology. New York,
Ramdom House, 1972, p. 289.

A GTZ no Brasil 23
de Aprendizagem Industrial (Senai), representando o presidente do Conse-
lho Nacional de Indústrias – CNI.
Para entreter a numerosa plateia depois dos longos discursos, apresen-
tou-se uma orquestra formada por crianças e jovens amazonenses de fa-
mílias de baixa renda, a Orquestra Infanto-Juvenil de Câmara “Encontro
das Águas”, do Centro Cultural Cláudio Santoro, ligada à Secretaria de
Cultura do Estado do Amazonas, que contava na época com o apoio do
governo alemão. Após a orquestra, muito aplaudida, discursou a diretora
do Departamento de Política de Desenvolvimento com Países e Regiões
da Ásia, América Latina, Europa, Garantia da Paz e Nações Unidas, 2 do
BMZ, seguida pelo secretário-geral das Relações Exteriores do Brasil, Sa-
muel Pinheiro Guimarães, que encerrou a primeira parte do evento.
Em seguida, todos os presentes foram encaminhados ao mezanino, onde
estava montada uma ampla exposição com fotos em painéis que contavam
a história das relações entre Brasil e Alemanha, organizada por ordem
cronológica e separada por décadas. Notava-se nos anos 1990 o destaque
para a Amazônia, ressaltando imagens que mostravam a floresta intacta,
a vasta profusão de rios e muitas fotografias de indígenas nus e ricamente
enfeitados. O destaque atribuído aos indígenas ultrapassou as fotografias,
sendo feita a transmissão de um vídeo em que Davi Kopenawa, uma líder
indígena do povo Yanomami de grande projeção nacional e internacional,
falou da importância da terra e da natureza para os povos indígenas. 3
Já neste momento, iniciaram os serviços de buffet, muito fi no e farto.
Serviram várias iguarias típicas brasileiras, em pequeninas porções: vata-
pá, acarajé, casquinha de siri, acompanhados de chopp e caipirinha, segui-
dos de doces típicos, como cuscuz, cocada e quindim. Aos poucos, o tom
de formalidade e pompa, que caracterizaram o início do evento foi dando
lugar à informalidade, aos abraços efusivos, às risadas mais altas. A noite
estava apenas começando: após o coquetel, os presentes foram convidados
para um jantar em uma churrascaria, o que acabou se transformando em
uma grande celebração entre brasileiros e alemães.

2 A estrutura do BMZ prevê uma divisão setorial, por região e por temas.
3 De acordo com os organizadores, Davi Kopenawa havia sido chamado para dar um de-
poimento no dia da solenidade, juntamente com os representantes das instituições governa-
mentais que relataram suas experiências nos projetos com as agências alemãs de cooperação.
No entanto, os representantes da ABC não aceitaram esta “informalidade” proposta pelos
organizadores alemães que, como alternativa, gravaram o vídeo, embora Kopenawa estivesse
presente na comemoração como um dos VIPs.

24 Renata Curcio Valente


Em grandes mesas, amigos e conhecidos de longa data, alemães e bra-
sileiros, reuniam-se lembrando trabalhos que realizaram juntos. Os convi-
dados especiais da festa eram os alemães, particularmente aqueles ligados
ao governo. Aquela festa agregava e revelava histórias pessoais muitas ve-
zes ocultas pela lógica institucional. Alguns provavelmente se conheciam
de longa data; uns vinham da Alemanha, outros continuavam no Brasil,
em outras instituições ou em outras regiões, em posições importantes ou
aposentados, e saudavam-se com entusiasmo.
Eventos como essa festa, bem como conferências, seminários e outros
encontros, são os rituais da cooperação internacional; são atos públicos de
celebração, marcados por uma estrutura hierárquica, diplomática e solene
que se realiza em duas ou mais línguas, dada sua natureza internacional.
Ali se constitui um espaço de produção e reprodução da lógica da coope-
ração, que visa dar visibilidade à instituição organizadora (estrangeira), às
suas redes sociais e políticas no país e aos temas e conceitos que têm por
meta difundir, por meio de elementos ideológicos e simbólicos.
Foi a partir desta festa, percorrendo a exposição, folheando o livro dis-
tribuído no salão e me percebendo cercada de alemães no salão do Palácio
do Itamaraty, que constatei a dimensão da trama de redes sociais e institu-
cionais do Estado alemão no Brasil, por meio do mundo da cooperação. A
concepção desta estrutura burocrática e de redes de relações mais amplas
que interligavam instituições de diferentes naturezas – ONGs, fundações
políticas, agências e bancos – que era o BMZ, ganhou realidade concreta
nesta festa.
O propósito que tive ao fazer, logo na abertura desta introdução, esta
breve descrição da festa de comemoração dos 40 anos da cooperação en-
tre Brasil e Alemanha foi o de tentar ilustrar, ainda que de uma perspec-
tiva performática, o panorama do campo da cooperação para o desen-
volvimento da Alemanha tal como ele se autorrepresenta no Brasil. Este
evento trouxe à tona, de uma só vez, toda uma história de atuação das
instituições alemãs ao longo de 40 anos no Brasil, construída com alguma
discrição e pouco visível no plano das políticas nacionais. Esta estratégia
marcada por “pouca propaganda e muito trabalho”, como anunciam os
alemães – vaidosos por serem workaholics – pode ter sido uma alternativa
para alcançar espaços de atuação no campo da “promoção de mudan-
ças sociais”, característico das práticas de cooperação internacional, sem
disputar explicitamente com outras agências de cooperação internacional.
Sem muito alarde, atuavam no Brasil por meio de redes já existentes entre
instituições brasileiras e alemãs, utilizando-se tanto das instâncias não go-

A GTZ no Brasil 25
vernamentais quanto das governamentais, que já desenvolviam trabalhos
juntas ao longo de décadas. No contexto atual da política internacional e
das relações entre o governo brasileiro e alemão – em tempos de paz e de
democracia, marcados pelo fi m da Guerra Fria – esta história ganhou novo
sentido. Dela foram extraídos trechos de “sucesso”, histórias particulares
como histórias institucionais, registros do passado, daquilo que se quer
guardar como memória para solidificar as perspectivas futuras. Mais do
que uma comemoração, esta festa histórica permitiu elaborações do passa-
do, histórias interpretadas de maneira performática, como elementos úteis
à elaboração de uma imagem de Estado para determinados fi ns, visando
sua atuação no campo da chamada “cooperação internacional”.
O evento deu visibilidade às pessoas que participam ou participaram
da história das atividades que fazem parte de ações governamentais e não
governamentais e de medidas de intervenção em programas das institui-
ções alemãs no Brasil. Nos atos públicos, eventos ou rituais da “coopera-
ção internacional” revelava-se, de forma clara, um conjunto não homogê-
neo, mas bem-defi nido, de alemães, funcionários de um Estado estrangeiro
que adotam práticas de intervenção em setores e órgãos de administração
pública no exterior, que fazem parte de uma elite. Têm status de quase di-
plomatas, senão de diplomatas propriamente, cujo elo central era a GTZ,
a agência alemã que empregava maior número de técnicos e funcionários
administrativos entre as instituições alemãs atuantes na área do desenvol-
vimento no Brasil.
O trabalho que aqui se apresenta pretende analisar o tema da coo-
peração internacional para o desenvolvimento, assunto pouco familiar à
antropologia e à prática da etnografia, objeto mais comum da área de re-
lações internacionais, na qual desenvolvi minha dissertação de mestrado.
Naquela ocasião, abordei o tema da cooperação internacional a partir da
análise de algumas instituições europeias e das estratégias de formação de
regimes internacionais4 e de um “espaço público transnacional”, que en-
tendia como fundamental para a consolidação de relações de cooperação
entre Norte e Sul.5 A partir do enfoque sobre a atuação de organizações

4 Uma das principais referências na área de relações internacionais sobre regimes interna-
cionais é Krasner, Stephen. Ver International regimes. New York: Cornell University Press,
1983. Voltaremos a analisar os regimes internacionais no Capítulo 1.
5 A pesquisa citada resultou na dissertação de mestrado pelo Instituto de Relações Interna-
cionais da PUC-Rio, cujo título é O meio ambiente em pauta: uma abordagem da coopera-
ção internacional entre Europa e Brasil, defendida em 1997 pela presente autora. Orienta-
dora: Sonia de Camargo.

26 Renata Curcio Valente


europeias da sociedade civil (ONGs), observei que as políticas adotadas
por agências e órgãos alemães em relação às políticas ambientais no Brasil
sobressaíam não somente no plano estrito da atuação governamental, mas
também no trabalho de redes de ONGs alemãs.6
Ao deslocar o assunto das relações internacionais para analisá-lo sob a
perspectiva da antropologia, muitas incertezas surgiram. A experiência de
observar o campo da “cooperação internacional” a partir do instrumental
teórico e de campo da antropologia social revelou o desafio de abrir um
caminho novo, uma trilha em construção, pouco percorrida.
As políticas de meio ambiente desenvolvidas pelo governo brasileiro
foram a porta de entrada para minha pesquisa sobre as políticas de coope-
ração internacional nos anos 1990 no Brasil.
Observei que, desde os anos 1960, tem sido frequente a participação de
instituições internacionais em programas e projetos de cooperação técnica
para o desenvolvimento, em diferentes setores da administração pública.
No entanto, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Cnumad ou ECO/92) promoveu a crescente articulação
entre organismos internacionais de cooperação, marcando transformações
defi nitivas nas práticas de administração pública adotadas no Brasil a par-
tir dos anos 1990.
O PPG-7, estabelecido em 1992, teve como objetivo a conservação das
florestas tropicais brasileiras, sendo o governo alemão seu maior doador
isolado, contribuindo com 40% do total de recursos do programa. Na
época, os discursos dos países envolvidos destacavam a importância do
PPG-7, não somente pelo volume de recursos aportado, mas principalmen-
te por ter sido concebido como um “modelo” de programa multilateral
de cooperação. Sua concepção garantia-lhe o lugar de maior programa
mundial para a proteção de florestas tropicais e para o manejo de recursos
naturais em um único país, sendo idealizado como uma inovação em ter-
mos de políticas públicas globais para proteção da floresta amazônica e da
Mata Atlântica brasileiras.7
Entre os projetos do PPG-7 vinculados à linha de “conservação de áre-
as protegidas”, um projeto orientado para povos indígenas se destacava: o
Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazô-

6 Wolff, L. A.; Kaiser, W. & Mello, F. V (Coords.). Cooperação e solidariedade na Alema-


nha. 2. ed. Rio de Janeiro: Ibase/EZE; São Paulo: Abong, 1995, p. 7.
7 Palavras da vice-ministra do Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvol-
vimento da Alemanha, Uschi Eid, em Cooperação entre Brasil e Alemanha nas Florestas
Tropicais Brasileiras, publicação do grupo KfW e GTZ, sem data.

A GTZ no Brasil 27
nia Legal, usualmente conhecido por PPTAL, em andamento desde 1996.
O PPTAL promoveu o avanço do processo demarcatório e uma normatiza-
ção de procedimentos, o que o caracterizou como um divisor de águas em
relação à política governamental de regularização das terras indígenas da
Amazônia Legal, instituindo uma “forma de fazer” por meio do acompa-
nhamento constante de funcionários da GTZ. O PPTAL, no entanto, não
representou um eixo de transformações somente para o governo brasileiro,
mas também para as próprias referências da GTZ quando se trata de terras
e populações indígenas. A agência acumulou uma experiência em projetos
de demarcação de terras indígenas que não tinha anteriormente e que pas-
sou a ser traduzida em produção de conhecimento para ser aplicado em
outros territórios e outras populações.
Entendemos cooperação internacional como uma política de Estados
Nacionais formulada para uma determinada forma de atuação em terri-
tórios estrangeiros, que garante a este Estado a projeção internacional de
uma imagem, preferencialmente positiva. Esta política institui um corpo
de profissionais e um conjunto de práticas rotineiras referentes a um deter-
minado conhecimento de Estado, não somente como intervenções esporá-
dicas ou excepcionais, quando no caso de ajuda humanitária para vítimas
de catástrofes naturais, mas como dinâmica cotidiana de administração
de Estados sobre territórios e populações. No entanto, apesar de ser esta
a defi nição das práticas coloniais, a cooperação internacional para o de-
senvolvimento não se configura a partir da mesma lógica, ainda que man-
tenha muitos de seus elementos. As políticas de cooperação internacional,
enquanto práticas de intervenção, são adotadas a partir do consentimento
do governo do país receptor, se caracterizando, portanto, como procedi-
mentos diplomáticos legítimos. Sua legitimidade, apesar da natureza in-
tervencionista da ação, se deve à construção discursiva de um problema
como “global’, que deve ser resolvido em instâncias administrativas que
ultrapassam às domésticas.
Entre as variadas formas como se dão as práticas e conhecimentos
administrativos de um Estado sobre populações, territórios e Estados es-
trangeiros, os projetos são instrumentos de operacionalização da coopera-
ção técnica, que envolve diferenciados fluxos e contrafluxos entre frontei-
ras nacionais.
Como um canal ou uma ponte que liga estruturas administrativas de
diferentes Estados, a cooperação pode ser entendida, por analogia, a uma
estrada de mão dupla, por onde veiculam fluxos de diferentes naturezas
– de conhecimentos, fi nanceiros e humanos – em ambas as direções. E

28 Renata Curcio Valente


como há diferentes naturezas de fluxos e de relações, tais “estradas de
mão dupla” podem ter características distintas entre si. Em algumas, tais
como as grandes “vias expressas”, há intenso fluxo e enormes volumes de
recursos em circulação, sendo este o caso de programas de cooperação en-
tre grandes instituições multilaterais de cooperação. Em outras situações,
não menos importantes, no entanto, a passagem de recursos pode se dar
nas margens, sendo estas equivalentes às estradas vicinais, cujo movimen-
to é mais discreto, menos perceptível e por meio de caminhos pouco claros
ou conhecidos. As conexões que são estabelecidas podem ser observadas,
entre outros, por meio das trajetórias pessoais daqueles que viabilizam sua
circulação, que passam por ali e que, portanto, conhecem seu traçado.
O objetivo deste trabalho foi o de analisar as políticas ditas como
“políticas de cooperação técnica” de um órgão de administração pública
alemã, observando como funcionam na prática e como operam enquanto
instrumento de governo e de administração de um Estado Nacional em
espaços estrangeiros, neste caso, o Brasil.
Nosso propósito nunca foi o de contribuir para a produção “oficial” do
desenvolvimento, reproduzindo os discursos e a crença no desenvolvimen-
to, que caracteriza grande parte da produção sobre o tema da cooperação.8
Ao contrário, se propõe a contribuir para uma reflexão crítica a partir da
etnografia de uma agência de cooperação técnica alemã no Brasil. Assim,
nossa abordagem visa ressaltar aspectos relacionais, dialógicos da coope-
ração, buscando romper com uma visão polarizada, esquizofrênica, que
atribui uma oposição entre “doadores” e “países em desenvolvimento”,
acentuando, para isso, as redes sociais que conectam profissionais.
Investigamos as práticas administrativas adotadas pela GTZ (Deutsche
Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit)9 no Brasil, no que se refere
às suas formas de articulação entre as redes sociais locais no campo das
políticas governamentais brasileiras para meio ambiente e populações in-
dígenas nos anos 1990.
A trajetória da GTZ em projetos de desenvolvimento no Brasil, apesar
de ter mais de quarenta anos, é muito pouco conhecida. Seja pela discrição
de sua atuação ou pelo volume menos expressivo comparativamente ao de
organismos multilaterais presentes no país, entendemos que os fluxos de
recursos fi nanceiros, humanos, técnicos e tecnológicos vindos da Alema-

8 Grillo e Stirrat. Discourses of Development: Anthropological Perspectives. New York:


Berg, 1997.
9 A GTZ era chamada no Brasil de “Sociedade Alemã de Cooperação Técnica”, sendo atual-
mente adotada a denominação de “Agência de Cooperação Técnica Alemã”.

A GTZ no Brasil 29
nha circulam por meio de caminhos menos conhecidos, pequenas estradas
marginais, fugindo das grandes vias. São as características “desta estrada
de mão dupla” que buscamos explorar ao longo deste trabalho.
As formas de intervenção da GTZ expressam um dos meios pelos quais
a administração do Estado alemão se efetiva em outros territórios, deli-
neando representações para o outro, o estrangeiro, e servindo de lente pri-
vilegiada para se proceder a uma leitura antropológica do Estado. Assim,
nosso foco está exatamente naquilo que parece rotina, o que está no coti-
diano e que não se nota, não se publica, não se percebe, que está implícito
nas rotinas dos escritórios das agências estrangeiras. No entanto, também
passa pelas dinâmicas locais – também rotinizadas – que viabilizaram a
entrada de profissionais estrangeiros nas instituições do governo brasilei-
ro, quando desenvolve um projeto com agências de cooperação.
Como o objeto que observamos é a operacionalidade administrativa
de controle e regulação da GTZ em políticas governamentais, buscamos
observar as práticas de cooperação técnica alemã enquanto técnicas de po-
der rituais e simbólicas implementadas junto aos órgãos da administração
pública brasileira. Em outras palavras, sendo a cooperação entendida aqui
como um conjunto de práticas de intervenção de Estado sobre Estados
que tem como fi nalidade produzir e difundir uma autorrepresentação, no
processo de construção de uma história recente das políticas ambientais e
sociais, inclusive indígenas, no Brasil, as instituições alemãs de cooperação
se destacam.
A expressão cooperação para o desenvolvimento e todo o léxico a ela
associado – cooperação técnica, peritos, projetos, programas, missão, en-
tre outros – é incorporado e naturalizado pelas instituições locais, que
os adotam supondo haver uma neutralidade política devido à ênfase nos
aspectos técnicos. A este processo Foucault denominou tecnologias polí-
ticas, instrumentos que promovem o mascaramento do aspecto político
sob o véu da neutralidade. Aqui ela assume uma dimensão específica, que
ultrapassa as dinâmicas de poder em um espaço nacional, porque institui
formas de dominação em territórios estrangeiros.10
O objetivo é analisar como a política de cooperação técnica funciona
e como opera enquanto instrumento de governo e administração de um
Estado Nacional em espaços estrangeiros, considerando que, por ser uma
política de Estado, viabiliza a produção de categorias de pensamento que

10 Shore, C. & Wright, S. Anthropology of policy. Critical perspectives on governance and


power. London and New York: Routledge, 1997, p. 9.

30 Renata Curcio Valente


utilizamos espontaneamente, e o faz por meio de um artifício de neutrali-
zação do aspecto político.11

Metodologia
Este livro expressa o esforço empreendido no desenvolvimento de uma
longa pesquisa de doutorado na área de antropologia social, e é o resulta-
do da adaptação, com alguns ajustes, da tese apresentada no Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro, em 2007, sob orientação do professor dr.
Antonio Carlos de Souza Lima.
A pesquisa sobre este campo apresenta grande complexidade por en-
volver uma diversidade de atores em escalas diferenciadas (locais, nacio-
nais, internacionais e globais), um conjunto de formas de atuação e fluxos
de distintas naturezas entre fronteiras nacionais (de conhecimentos, de
pessoas, de recursos financeiros, de equipamentos, entre outros).12 Foi ne-
cessário, para isso, repensar o conceito antropológico de campo em novas
bases, buscando alternativas à concepção tradicional baseada em uma al-
deia ou em uma comunidade local específica. Ao caminhar no sentido pro-
posto por Shore e Wright,13 o campo deslocou-se para as “conexões entre
níveis e formas de processos e ações sociais em diferentes lugares”, desde
as organizações de Estados nacionais distintos até os lugares de encontro:
projetos e eventos públicos enquanto rituais do Estado. O levantamento
de dados de informações sobre as práticas da cooperação internacional
foi feito a partir dos projetos desenvolvidos por organizações alemãs no
Brasil fundamentou-se em uma estratégia de pesquisa “multissituada” e
multi-institucional no Brasil. A cidade de Brasília foi o lugar privilegiado
de observação das dinâmicas das práticas de poder envolvidas no que se
denomina de cooperação técnica para o desenvolvimento, por ser o centro
político e administrativo do país. Além de Brasília, pesquisei também no
Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Manaus.
O período de pesquisa foi dividido em três etapas, de 2002 a 2007: em
2002, por cerca de dois meses estive em Brasília e Manaus; de 2003 até
2005, passei a residir em Brasília e participei diretamente de atividades

11 Shore, C.; Wright, S, op. cit., p. 8.


12 Grillo, R. “Discourses of development: the view from Anthropology”. In: Grillo, R. D. &
Stirrat, R. L. Discourses of development: anthropological perspectives. Oxford/New York:
Berg, 1997, p. 1-34.
13 Shore, C.; Wright, S., op. cit., p. 14.

A GTZ no Brasil 31
nas instituições e em eventos e convenções internacionais realizadas pela
GTZ; em 2006 e 2007, atividades eventuais ainda foram concretizadas no
sentido de complementar alguma informação que ainda se fazia necessário
levantar.
O levantamento de dados para a pesquisa foi baseado em três proce-
dimentos principais: levantamento e análise documental, observação par-
ticipante nas instituições e entrevistas com funcionários das organizações
e dos órgãos alemães e brasileiros, governamentais e não governamentais:
GTZ, Funai, Ministério do Meio Ambiente (MMA), Agência Brasilei-
ra de Cooperação (ABC), Ministério de Relações Exteriores (MRE), da
ONG Centro de Trabalho Indigenista (CTI), entre outras.
Foram pesquisados documentos sobre as instituições e suas regras de
atuação e sobre acordos e atos internacionais. Além destes, documentos
administrativos e dos projetos da GTZ que regulamentam suas práticas e
as de seus funcionários no Brasil, com normas e diretrizes, procedimentos
e conceitos fundamentais da cooperação técnica alemã, desvendando nor-
mas e defi nições a partir das quais trabalham no exterior.
Os documentos levantados colaboram como referências históricas de
dados etnográficos fundamentais para indicar alguns caminhos inovado-
res de interpretação e estabelecem correlações entre pessoas e contextos
capazes de esclarecer muitos aspectos do objeto pesquisado.
Quanto à observação participante, priorizei dois “lugares”: o projeto
PPTAL, que frequentei de forma menos sistemática, entre 2002 e 2003 e
a GTZ, onde permaneci por período mais longo no escritório, entre 2003
e 2004. No PPTAL, busquei explorar o estabelecimento inicial de proce-
dimentos para entrada dos alemães no órgão indigenista brasileiro, sua
elaboração e as articulações locais postas em prática. Busquei explorar a
redefi nição de orientações na administração pública, que passou a incor-
porar o projeto de cooperação. Neste sentido, recorri às histórias pessoais
de alguns ex-funcionários da Funai e membros da ONG Centro de Tra-
balho Indigenista que participaram da negociação e da formulação inicial
do projeto, o que contribuiu em muito para nortear alguns eixos da pes-
quisa.
Conforme avançava, compreendi que analisar somente um projeto limi-
tava muitos aspectos que explicavam a lógica própria à cooperação técnica
alemã da GTZ, porque não garantia uma observação comparada entre
trabalhos daquela mesma organização. Além disso, as particularidades do

32 Renata Curcio Valente


projeto, as tensões e confl itos envolvendo brasileiros e alemães já haviam
sido exploradas por outra pesquisadora e por um consultor da GTZ.14
Decidi ampliar o universo de análise ao campo institucional e concei-
tual “do desenvolvimento” em que se situava a GTZ, envolvendo também
o ministério alemão BMZ. Isto implicava ainda entrar em contato com
outras instituições da administração pública brasileira, especialmente a
ABC, além de outros setores do MRE e do MMA, com o qual a GTZ
também desenvolvia projetos vinculados ao PPG-7.
A partir do lugar periférico da intervenção, de um Estado que é sujeito
das políticas de cooperação de outro Estado, me propus a estudar uma
organização “do Império”, do “norte”, ou “desenvolvida”, seguindo uma
linha de investigações aberta por Laura Nader. Nader propõe uma rein-
venção da antropologia, como destacado no trecho da epígrafe desta in-
trodução, em que os antropólogos estudassem os colonizadores, a cultura
da abundância, da riqueza, ao invés da cultura da pobreza e dos desprovi-
dos de poder.15 A sugestão não é nova, mas o esforço para romper com a
intimidação de “estudar os colonizadores” é tão grande que acaba tendo
um efeito quase restritivo, havendo muito a ser feito. Ainda, este trabalho
exigiu um aprofundamento histórico sobre os processos de formação dos
Estados Nacionais envolvidos, bem como as articulações entre os diferen-
tes níveis de análise – local e internacional, pessoal e institucional – que
aí interferem. Neste sentido, foi importante a contribuição dos trabalhos
de Marcus e Fischer, que propõem que as etnografias revelem o contexto
histórico de seus sujeitos e registrem os efeitos dos sistemas políticos e eco-
nômicos internacionais no nível local.
A elaboração de etnografias em burocracias ainda atrai muito poucos
antropólogos. Hinshaw já apontara em 1980 a carência de estudos antro-
pológicos sobre administração pública, o que ele atribuía à falta de inclina-
ção dos antropólogos para pesquisa em burocracias, considerado um tanto
“chato”.16 Outro aspecto é o fato de que, nestes contextos, os antropólogos
lidam com informantes da sua própria cultura, pessoas de formação uni-

14 Lima, Ludmila. “Se a Funai não faz, nós fazemos.” Confl ito e mudança no contexto
de um projeto de cooperação. Tese de doutorado, UnB/DAN, Brasília, 2000. Ver também:
Almeida, Alfredo Wagner Berno de. Avaliação Independente sobre o PPTAL. Consultoria
apresentada à GTZ, 2001.
15 Nader, L. “Up the anthropologist.” In: Hymes, D. Reinventing Anthropology. New York,
Ramdom House, 1972, p. 289.
16 Hinshaw, R. E. “Anthropology, administration and public policy.” Annual Review of
Anthropology, 9, p. 509, 1980.

A GTZ no Brasil 33
versitária e pouco favoráveis à sua aceitação entre eles. Trabalhos como o
de Helen Schwartzman, Ethnography in Organizations (1993) e de Susan
Wright, Anthropology of Organizations (1994) apontam para um cres-
cente interesse por parte de antropólogos a partir dos anos 1990 em re-
lação ao tema e apresentam questões que foram muito inspiradoras para
o presente trabalho, particularmente em relação a abordagem que trazem
sobre poder nas organizações. Algumas delas são pesquisas desenvolvidas
a partir de análise documental; outras são realizadas por meio da obser-
vação participante diretamente em instituições.17 Neste caso, o processo
de levantamento de dados é mais difícil, ficando o pesquisador mais vul-
nerável às dinâmicas de poder dos atores em jogo. Tão enredadas relações
implicam uma relativa perda da noção de distanciamento do pesquisador,
o que ocorre de forma mais intensa do que as pesquisas que lidam com
dados históricos e documentos arquivados.
Além da falta de interesse que este ambiente dos escritórios de agên-
cias públicas promove em boa parte dos antropólogos, em suas salas com
ar-condicionado, janelas semifechadas, luz fria, telefones e computadores
individuais, a própria pesquisa é uma atividade estranha, pouco usual,
demonstrando quão pouco público é o seu fazer. De maneira geral e inde-
pendente da nacionalidade, a entrada do pesquisador nos ambientes das
burocracias cria um temor de auditoria, de investigação criminal, não ha-
vendo um claro entendimento por parte dos funcionários quanto às fi nali-
dades de um estudo acadêmico, principalmente antropológico baseado na
observação direta naquele local. São raras as ocasiões em que isto aconte-
ce, dependendo da formação de algumas pessoas nas instituições.
Os documentos “públicos”, por sua vez, são usados frequentemente
como recursos de poder nas instituições públicas. Apesar de haver um ar-
quivo de documentos, muitos deles são pessoalmente guardados pelos co-
ordenadores de projetos, chefes de departamentos ou mesmo funcionários.
Apesar de serem “públicos”, acessá-los é uma manobra diplomática, uma
conquista que exige procedimentos formais de apresentação de compro-
missos escritos e cartas aos superiores para o convencimento do interesse
exclusivamente acadêmico da pesquisa.
Assim, o segundo contexto de observação da cooperação alemã foi o
escritório da agência GTZ, local privilegiado de produção de saberes e
ponto de encontro e referência cultural para os funcionários alemães, o
qual frequentei durante seis meses, sendo recebida de forma muito cordial

17 Lima, Ludmila, 2000; Silva, K., 2004; Castro, J., 2005.

34 Renata Curcio Valente


e respeitosa em suas instalações, com um local para desenvolver minha
pesquisa de observação participante, com uma abordagem centrada na
etnografia de organizações. Como disse, entre 2003 e 2004, frequentei
seguidamente o escritório da GTZ, realizando novas entrevistas e pesquisa
bibliográfica mais ampla em biblioteca própria. O escritório da GTZ em
Brasília é o local onde supostamente se administra “como na Alemanha”.
Ali se fala alemão e encontram-se os alemães que trabalham com projetos
de desenvolvimento, inclusive de outras organizações. É o lugar mais pró-
ximo da Alemanha, o elo com o exterior, fonte de controle e regulação que
vem de fora. A GTZ é uma das mais importantes organizações alemãs que
executam esta política de cooperação para o desenvolvimento, uma polí-
tica de Estado. Assim, ela centraliza em seus escritórios regionais infor-
mações também sobre trabalhos desenvolvidos por profissionais de outras
agências e fundações alemãs no Brasil, como DED, Fundação Heinrich
Böll, Deutsche Stiftung für Intenationale Entwicklung (Fundação Alemã
para o Desenvolvimento Internacional – DSE), entre outras.
Ali, presenciei a atuação dos funcionários nos processos em andamen-
to do escritório de representação da GTZ no Brasil. Procurei participar
de situações rotineiras, entrevistei os peritos e os funcionários, fi z levan-
tamento das publicações existentes na pequena biblioteca e estive presente
em eventos que caracterizam os rituais da cooperação, como convidada da
GTZ, das redes de ONGs ou das instituições do governo brasileiro.
Procurei identificar se seria possível falar de uma “trajetória alemã”,
algo que sinalizasse para uma forma de elaborar um “problema” e de
propor “soluções” que fosse característico dos profissionais alemães, algo
mais “pessoal” e menos “institucional” nas práticas da cooperação reali-
zada pelo governo alemão. Neste sentido, minha preocupação era com a
existência de saberes e práticas especializados em relação à gestão de po-
pulações indígenas, as “tecnologias sociais” de gestão de populações e os
confl itos decorrentes de concepções e práticas distintas da administração
pública nacional que defi niriam a própria existência daqueles que detêm
esses saberes especializados.
Um dos caminhos que busquei para pensar a constituição da GTZ,
para além da estrutura da empresa e de seu caráter institucional, foi o
das trajetórias pessoais dos alemães que atuavam em projetos nos quais a
GTZ estava envolvida. Entrar no universo das relações pessoais dos peri-
tos, buscando desvendar suas visões sobre o trabalho que desempenham
poderia revelar uma determinada perspectiva “de dentro” da organização.
Conhecidos em alguns lugares como os “lordes da pobreza”, no caso dos

A GTZ no Brasil 35
“profissionais da cooperação” alemã, estes são formados em diferentes
áreas de conhecimento: desde a fi lologia, teologia, antropologia, sociolo-
gia, economia, administração, pedagogia, agronomia, engenharia, entre
outros. No Brasil, é muito frequente a atuação de agrônomos e sociólogos,
sendo rara, para minha surpresa, a presença de antropólogos.
Uma de minhas hipóteses, a partir da análise das trajetórias sociais dos
“peritos” da GTZ, de voluntários e de outros que trabalham em projetos
de cooperação para o desenvolvimento, é de haver uma intensa circulação
destes profissionais entre as instituições governamentais e não governa-
mentais alemãs de cooperação em um mesmo país, o que contribui para a
administração de informações e de conhecimento dentro de uma mesma
rede. Outra hipótese é a argumentação de que a atribuição do sucesso de
um projeto não se deve a fatores associados a racionalidade “técnica” das
burocracias, mas se basearia em características pessoais do perito e em sua
capacidade de estabelecer vínculos com a comunidade com a qual traba-
lha. O sucesso de um projeto estaria relacionado, portanto, à construção
de uma relação de confiança entre o perito e o grupo com o qual traba-
lha, que reconhece seu valor. Este é um elemento de grande importância,
que não está em nenhum formulário ou manual da GTZ, mas depende
de atributos pessoais dos profissionais em campo, dos compromissos que
assumem no seu trabalho, além das redes sociais que constroem no país a
partir de suas relações profissionais.
A GTZ se constitui como empresa por meio de um corpo de profis-
sionais característico de burocracias da administração pública: diretores
e coordenadores de programas, funcionários responsáveis pela adminis-
tração e coordenação dos projetos, auxiliares de contabilidade do escritó-
rio e as secretárias, além daqueles que desempenham a função direta de
execução dos projetos em órgãos de governo local, que no caso alemão,
são os peritos técnicos de atuação local. Eles são os portadores de sabe-
res e conhecimentos específicos de Estado e os transmissores desses co-
nhecimentos para órgãos de governo de outros estados. Articulam-se, nas
variadas instituições às quais estão vinculados, por meio de redes sociais
estabelecidas não somente por ideais terceiro-mundistas, mas também por
fundamentos de solidariedade, de cristianismo e de princípios ambienta-
listas e conservacionistas.
Os profissionais da GTZ que atuam no Brasil são, em sua maioria,
alemães nativos, cabendo àqueles que falam alemão (seus descendentes ou
cônjuges) as funções administrativas. No caso dos peritos, em geral são
todos alemães nativos, sendo raros os que não coordenam projetos.

36 Renata Curcio Valente


Para esta pesquisa entrevistamos um grupo de alemães falantes da lín-
gua portuguesa, cuja prática profissional se deu, em algum momento de
suas experiências na GTZ, em projetos desenvolvidos na América Lati-
na e no Brasil. O grupo de funcionários alemães da GTZ que entrevistei
pode não revelar um perfi l típico do profissional da “cooperação alemã”
e tenho dúvidas de que sequer exista um tipo ideal. No entanto, não pre-
tendi apresentar uma amostra desse “tipo ideal”, mas sobretudo refletir
sobre as experiências no mundo da cooperação alemã, a partir das falas
de alguns indivíduos sobre o que os motiva a se colocarem na condição de
“exilados”, trabalhando com povos tão distantes de suas realidades sociais
e culturais. O fato de serem alemães falantes do português não indicaria
uma mostra viciada, pautada por aqueles que têm uma predisposição para
interagir com o mundo do nativo, diferentemente de um suposto “coope-
rante” que atua por meio de rápidas passagens em diferentes países. Mais
do que isso, falar o português, para um profissional que atua em projetos
de cooperação técnica no Brasil, é uma imposição do próprio trabalho,
em função das relações com as instâncias de administração pública locais
quando negociam e acompanham projetos executados no país. É um ins-
trumento fundamental para suas relações sociais e um elemento de poder,
na medida em que o capacita no domínio sobre os códigos nativos.
Um aspecto muito pouco mencionado em publicações existentes sobre
a GTZ é o fato de ela ser uma empresa de direito privado, na forma de
sociedade de responsabilidade limitada,18 de propriedade do governo fe-
deral alemão. Assim, seus funcionários não gozam de estabilidade ou de
outras garantias do funcionalismo público; também não se enquadram na
categoria de voluntários, que caracteriza o mundo das ONGs. Todos os
profissionais da GTZ que trabalham na coordenação e planejamento de
atividades em programas e projetos de desenvolvimento no mundo têm
com a GTZ um vínculo empregatício assalariado: são profissionais libe-
rais que trabalham por projetos, no caso dos chamados “peritos”, ou nas
funções administrativas dos projetos. Àqueles funcionários responsáveis
pela execução de projetos em países estrangeiros são garantidos salários
bastante elevados, compatíveis com o mercado europeu e pagos em euros.
Além dos altos salários, têm sua mudança, carro e despesas com moradia
pagos por fora do salário recebido, o que permite uma vida de muito con-
forto, representando também uma forma de poupar, já que o custo de vida
em “países em desenvolvimento” é, em geral, bem inferior ao da Europa.

18 A sigla que representa sociedade limitada na Alemanha é GmbH.

A GTZ no Brasil 37
É importante ressaltar que o mercado de trabalho na Europa, sobretu-
do para profissionais de áreas como sociologia, antropologia, pedagogia,
zootecnia, botânica, ecologia ou agronomia é limitado, sendo o campo
da cooperação para o desenvolvimento muitas vezes uma perspectiva de
trabalho muito bem remunerada. Assim, para além do discurso oficial da
bondade, das parcerias e da ajuda internacional, o campo do “desenvol-
vimento” representa um importante mercado de trabalho para alemães e
para europeus, em geral, no exterior.
O trabalho de um perito envolve deslocamento ao campo, acompa-
nhamento de perto das atividades do projeto, exigindo conhecimento es-
pecífico de sua formação, mas também conhecimentos sobre execução de
projetos e metodologias de monitoramento e avaliação. Ainda que muito
burocrático, no entanto, se difere de um trabalho administrativo, que é
desenvolvido por uma equipe de escritório da GTZ.
Os peritos são responsáveis por repassar uma forma de administrar de-
fi nida por princípio como eficiente, sendo eles os “especialistas” treinados
para implementar as normas e os procedimentos de planejamento e ge-
renciamento de projetos desenvolvidos pela GTZ. São familiarizados com
esta forma de administrar por meio de cursos que recebem na Alemanha
e de estágios práticos que fazem em campo junto a outros peritos mais ex-
perientes. A função dos peritos é fazer com que os conhecimentos relativos
a “administrar em territórios estrangeiros” sejam aplicados e transmitidos
para os profissionais locais com os quais trabalham, independente do tipo
de projeto que eles venham a executar. Assim, eles atuam como elos de
uma cadeia de transmissão de saberes do Estado alemão aos Estados com
os quais cooperam, conectando a sede na Alemanha à instância local e
atribuindo valores e representações em um duplo processo de significação:
traduzem para os “locais” o que entendem ser a GTZ, da mesma forma
que também o fazem sobre os significados dos problemas e questões dos
países onde desenvolvem os projetos de volta para a GTZ. São eles os por-
tadores de informações à sede da organização na Alemanha sobre o anda-
mento do projeto, como também trazem de lá novas normas e diretrizes
para execução de projetos. São, para a sede alemã, os tradutores e intér-
pretes do “local”, transportando conhecimentos para lá e para cá, de uma
direção para a outra, fazendo circular nesta estrada de mão dupla saberes
e fazeres administrativos muito particulares. Sua atuação é de grande re-
levância no que se refere à produção de conhecimentos sobre o mundo do
“desenvolvimento”, se considerarmos os múltiplos fluxos estabelecidos por
uma mesma agência de cooperação, como a GTZ, e as inúmeras agências
de cooperação que atuam no chamado “Terceiro Mundo”.

38 Renata Curcio Valente


Ao longo da pesquisa, realizei 52 entrevistas com brasileiros e alemães
falantes do português que trabalhavam ou haviam trabalhado em projetos
da GTZ no Brasil, dentre as quais, 24 de funcionários da GTZ: direto-
res, coordenadores de projetos, peritos, responsáveis administrativos por
projetos, secretárias e mesmo ex-funcionários aposentados. Havia ainda
funcionários e representantes de outras instituições alemãs, como do KfW,
da Fundação Heinrich Böll, de ONGs e pesquisadores de universidades
alemãs, estes últimos por e-mail. Do governo brasileiro, 28 representantes
de vários órgãos foram entrevistados: funcionários da Funai, do Ministé-
rio do Meio Ambiente, da Agência Brasileira de Cooperação, da Secretaria
de Assuntos Internacionais e de ONGs brasileiras, como o Inesc, o CTI
e a Fase. Deste conjunto, procurei obter um panorama diversificado de
funcionários, profissionais, agentes produtores e reprodutores da lógica
da cooperação técnica alemã que colocam em prática nas suas relações
profissionais e pessoais.
As maiores barreiras que encontrei em relação ao levantamento de
campo da burocracia da cooperação em Brasília foi a reserva ou a resis-
tência em relação a questões de cunho pessoal, fossem peritos, funcioná-
rios, técnicos, consultores alemães ou das instituições brasileiras. No caso
da GTZ, a aproximação com a vida privada incomodou particularmente
aqueles que trabalhavam diretamente com os projetos, usualmente chama-
dos de “peritos”. Perguntas mais pessoais não tinham respostas, e a con-
versa era desviada para o mundo do trabalho. Muitas vezes atribuíam às
suas ocupações a impossibilidade de concederem entrevistas ou de conver-
sarem comigo sobre o tema da pesquisa. Segundo uma perita da GTZ, a
questão pessoal é bastante problemática para os alemães: “A vida privada
para os alemães é ‘sagrada’, é uma questão a ser preservada. Em relação ao
espaço do mundo privado, os alemães mantêm reserva e discrição. Esta é
uma característica comum a nós.” Weber diz que “a organização moderna
do serviço público separa a repartição do domicílio privado do funcioná-
rio e, em geral, a burocracia agrega a atividade oficial como algo distinto
da esfera da vida privada”.19
Isto foi comprovado em muitas situações cotidianas, nas quais tentava
me aproximar mais da esfera pessoal dos peritos e dos funcionários da
GTZ, mas sem muito sucesso.

19 Weber, M. “Burocracia”. In: . Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editora,


1963, p. 230.

A GTZ no Brasil 39
Diante de algumas dificuldades no contato pessoal, resolvi optar por
uma estratégia mais abrangente de levantamento de dados por meio de um
questionário sobre as experiências e trajetórias pessoais de alguns funcio-
nários da cooperação alemã em geral e, particularmente, na GTZ, para o
que solicitei autorização da direção.
Dois anos depois de formulado o questionário, para o qual não obtive
respostas, um perito da GTZ explicou-me que o grupo não respondeu às
perguntas porque o questionário foi repassado por meio da Internet, rede
de fácil veiculação pública, onde não interessa que circulem informações
pessoais. Para eles, ainda, o questionário envolvia certa “indicação” da di-
retora da GTZ, e isto insinuava estar a pesquisa submetida àquela que era
a chefe de todos eles. Este mesmo perito explicou também que há um sindi-
cato dentro da empresa, na Alemanha, que anualmente investiga questões
pessoais sobre as condições de trabalho e de adaptação ao país, informa-
ções guardadas confidencialmente, com a segurança de estarem relaciona-
das a uma senha de acesso, muito diferente do que eu havia feito.
Suas considerações colocaram a questão do trabalho e das relações
hierárquicas dentro da empresa GTZ e do próprio governo alemão como
elementos inibidores de uma aproximação e colaboração maior com pes-
quisadores. Trabalhar para um órgão de governo garante um estatuto
muito diferenciado do trabalho não governamental, o que foi apontado
por muitos como duas situações muito distantes. Em suas palavras: “Nós
somos governo. Tem coisas pessoais que são colocadas em relatórios que
não podem se tornar públicas. Uma das demandas das ONGs era de que
fôssemos mais próximos às ONGs, mas nós somos governo.”
Cheguei a Brasília para fazer a pesquisa sem vínculos com aquele
“mundo da cooperação” e com as instituições que pesquisava, o que me
colocava em uma posição de outsider em vários sentidos. Do ponto de
vista da “comunidade da cooperação internacional”, eu também não me
enquadrava: não era funcionária pública, não era consultora de agências
de cooperação internacional, não era diplomata, estas sendo algumas das
principais formas de inserção nas políticas de cooperação internacional.
Era uma pesquisadora, e com vínculos distantes da UnB, o que predomina
no meio acadêmico de Brasília. Entre os funcionários da GTZ, alemães e
não alemães, fui muitas vezes questionada sobre minhas afi nidades com
o mundo deutschland, comunidade da qual também não me enquadrava:
não sou alemã, nem mesmo descendente de alemães ou cônjuge de um, não
sou uma exímia falante da sua língua, nem sequer morei na Alemanha ou
trabalhei em suas empresas ou agências. A língua foi um dos pontos de

40 Renata Curcio Valente


maior desconforto para alguns alemães que entrevistei, até mesmo para
funcionários brasileiros da GTZ, que me indagavam como pretendia fazer
uma pesquisa sobre alemães sem dominar o alemão. 20 Da forma como me
foi colocada – insistentemente – por peritos e até por funcionários admi-
nistrativos da GTZ, a questão da língua alemã tinha uma representação
fundamental no que concerne aos procedimentos administrativos da agên-
cia. No que se refere à abordagem que eu pretendia adotar, não encontrei,
no entanto, restrições por não dominar o alemão, particularmente porque
o grupo que estava pesquisando falava o português, já que se tratava de
uma agência situada no Brasil. Além destes, muitos de meus informantes
eram brasileiros que trabalhavam diretamente com os alemães, desde fun-
cionários do escritório central da GTZ até funcionários dos projetos.
O processo da realização de entrevistas e da própria observação parti-
cipante em meio às condições de trabalho dos escritórios na administração
pública brasileira e alemã e nos organismos internacionais em Brasília são
muito pouco favoráveis ao antropólogo pesquisador. As atividades coti-
dianas nestes escritórios envolvem pressões e interrupções de todo tipo,
telefonemas, decisões políticas, reuniões e convenções, entre outros. Vale
ressaltar que, se alguns não se mostraram disponíveis, tampouco inter-
ditaram a pesquisa, sendo a grande maioria dos entrevistados bastante
cordiais e colaboradores em relação ao meu trabalho.
Ao conviver com este universo de cooperantes, tive conhecimento e
frequentei alguns encontros e seminários organizados pela GTZ no Brasil.
Participei de alguns acontecimentos da cooperação alemã no Brasil, como
a comemoração dos 40 anos de relações de cooperação entre Brasil e Ale-
manha.
A pesquisa se desenvolveu no contexto urbano de Brasília, cidade con-
traditória, de caráter estratificado e segmentado, capital federal e “pro-
víncia” de Goiás, espaço urbano excludente, ao mesmo tempo em que foi
fundada a partir de um projeto arquitetônico “igualitário”. Em Brasília
estão localizados os organismos e as agências internacionais mais influen-
tes do Brasil. Ali se situam as embaixadas dos países com os quais o Brasil
tem relações diplomáticas e a grande maioria das representações de orga-
nismos internacionais no Brasil, como a Organização das Nações Unidas
(ONU), a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Banco Mundial,

20 Fiz durante um ano um curso particular com um professor alemão, o que me forneceu
uma estrutura da língua, favorecendo particularmente a leitura, acompanhada de dicionário,
mas não sendo suficiente para pesquisa e leitura aprofundada de relatórios e documentos de
análise de órgãos de governo alemão.

A GTZ no Brasil 41
o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Comissão Econômi-
ca para América Latina e Caribe (Cepal), a Organização Internacional do
Trabalho (OIT), a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização
das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura (Unesco), o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 21 bem
como os escritórios das principais instituições que executam a política de
cooperação para o desenvolvimento da Alemanha no Brasil, dentre elas, a
GTZ, o Banco KfW e a embaixada da Alemanha.
Como capital federal, Brasília é espaço de elaboração e reprodução de
inúmeros rituais de poder, centro das decisões políticas, sendo, portanto, o
local mais importante para captar as dinâmicas das políticas e das relações
diplomáticas associadas à cooperação técnica para o desenvolvimento.
Em Brasília, há uma “falsa” ideia de igualdade na disposição urbana.
Somente aos poucos é possível compreender a lógica que impera quanto
ao valor atribuído a determinados endereços, o que tem relação com o
status dos funcionários que ali residem, e não com a vista mais bonita
de uma montanha ou do mar, nem com o acesso a facilidades urbanas de
abastecimento ou diversão, como acontece no Rio de Janeiro. Somente
para quem se familiariza com as dinâmicas da administração pública, em
função da lógica interna de uma capital federal, é possível entender porque
a quadra 305 ou a 406 da Asa Sul pode ser mais valorizada do que a 412.
A distribuição das moradias funcionais, hoje mais raras, é um fator impor-
tante na defi nição do status das quadras, que tem relação com o grau de
importância da função e do cargo que seu morador ocupa no governo. Os
funcionários de uma “repartição” ou de um ministério são “alojados” na
mesma quadra ou prédio de apartamentos.
Talvez por ter vindo de uma cidade como o Rio de Janeiro, em que
os espaços públicos, mais do que outros, proporcionam a integração en-
tre estratos sociais e membros de grupos sociais muito distintos, tem-se
a impressão de que a disposição urbana planejada e ordenada das ruas e
das quadras acabaram contribuindo para que uma certa fragmentação e
segmentação social se incorporasse ao modo de ser “brasiliense”.
Podemos argumentar que uma determinada dinâmica social e urbana
da cidade relaciona-se com as estruturas burocráticas de poder. É uma
cidade regulada pela economia e pela etiqueta do “poder”, costurada por
redes sociais entrelaçadas e baseadas em vínculos profi ssionais e políticos,

21 Verificar na página correspondente a lista de siglas para as defi nições específicas de cada
uma das organizações aqui citadas.

42 Renata Curcio Valente


segmentados em temas e questões do mundo da administração pública.
Para um recém-chegado, a inserção em uma de suas redes é fundamental,
e isto se dá em grande parte através das relações de trabalho. As amiza-
des, salvo exceções, organizam-se em termos de trabalho, na sua maioria,
pessoas advindas da administração pública federal. A vida social de uma
fração significativa da população de Brasília circula prioritariamente em
torno dessas relações de trabalho, o que envolve toda uma lógica do poder
– acesso a informações, linhas de fi nanciamento, lobbies, participação em
eventos, entre outros.
Esta dinâmica da cidade como centro de poder garante uma fonte in-
cessante de informações e boatos sobre o funcionamento do governo, da
administração pública, que não se obtém de outra forma senão estando
presente nas instituições, participando de eventos, conversando informal-
mente com os funcionários em Brasília. Constituem-se ali redes de “cida-
dãos funcionais”, para utilizar uma categoria derivada da administração
pública que, neste caso, se aplica à ideia de que o exercício de cidadania
está fortemente articulado à posição exercida na vida profissional, em
grande parte relacionada à administração pública.
Não sendo facilmente identificáveis à primeira vista, percebe-se com o
passar do tempo a sua constituição e os seus entrelaçamentos com outras
redes. Nota-se também redes de profissionais de ONGs na administra-
ção pública, em uma composição nem sempre muito clara dos limites en-
tre o que seja governamental e não governamental. É frequente ouvir que
as relações sociais em Brasília são construídas com base em interesses de
ascensão profissional, já que a probabilidade de se ter contato com pessoas
que exercem cargos políticos ou que têm funções de “mando” é grande.
Ter bons contatos e conhecer pessoas significativas em seu meio profissio-
nal representa um grande valor social e político na cidade, o que gera, em
consequência, contextos sociais altamente competitivos e grupos sociais
bastante restritivos e fechados.
De modo geral, os grupos de profissionais são bastante herméticos,
com fronteiras bem demarcadas: antropólogo anda com antropólogo e
afi ns “da cultura”, diplomatas com diplomatas. Ali indivíduos afi rmam-se
como parte de seu grupo social, defendendo características profissionais
como elementos importantes de autoidentificação e de pertencimento. 22 As
redes de relações pessoais confundem-se com as redes de relações profis-

22 Esta afi rmação de pertencimento profi ssional ou “funcional” é tão forte que tive a oportu-
nidade de conhecer um diplomata já em carreira que fez questão de comprar um antigo carro
Opala, já fora de linha, o “Diplomata”.

A GTZ no Brasil 43
sionais que fazem parte da engrenagem administrativa. Muitas vezes, essas
redes de relações profissionais são anteriores à própria prática profissional,
gerações formadas em uma mesma instituição de ensino que, em função
da atuação profissional, assumem em Brasília cargos na administração pú-
blica ou em ONGs, e contribuem para a composição de suas “equipes” de
trabalho com conhecidos de tempos anteriores.
As representações simbólicas de rituais de poder, a encenação e a ficção
fundem-se e recriam-se com as próprias práticas colocadas em ação, não
sendo restritas às instituições de governo, aos ministérios, mas estando
presentes nas mais corriqueiras conversas, em espaços informais, nos raros
botequins e nos inúmeros bares e restaurantes elegantes. 23
O livro está dividido em duas partes e sete capítulos. Na primeira par-
te, buscamos desvendar as diferentes abordagens contemporâneas sobre
cooperação internacional para o desenvolvimento, analisando o conjunto
de defi nições e uma discussão conceitual e teórica da expressão “coopera-
ção técnica internacional” em distintos campos de conhecimento, das rela-
ções internacionais à antropologia. Adotamos como proposta de trabalho
a ideia de “cooperação internacional para o desenvolvimento” enquanto
um conjunto de práticas governamentais de intervenção de um Estado em
outro Estado ou territórios estrangeiros, em que estão implicados fluxos
variados.
A análise das condições políticas e conceituais que viabilizaram, em
determinado momento da história contemporânea, em vários Estados Na-
cionais, a adoção de um conjunto de normas e instituições de intervenção
para a administração de populações e territórios em outros Estados. Isto se
deu por meio de projetos que promoviam a circulação – envio e recebimen-
to – de recursos em fluxos distintos dos comerciais, além de investimentos
no setor produtivo. O intuito aqui foi o de historicizar este campo usu-
almente tratado pelas abordagens funcionalistas que se atém aos discur-
sos naturalizados dos projetos ou dos programas em jogo. A análise deste
contexto nos permite ter maior clareza sobre a intensificação das relações
entre os governos do Brasil e da Alemanha em diferentes momentos da
história.

23 Esta não é uma prática que se restringe ao meio de funcionários da área da cultura. A
distribuição de ingressos de shows e espetáculos de teatro, mais caros em Brasília do que a
média no Rio de Janeiro, é exercício comum na administração pública, entre os diplomatas,
na Câmara e no Senado, entre políticos em geral, como “agrado” a determinados funcioná-
rios e diretores de ministérios, além de amigos pessoais. Certa vez, no Ministério de Relações
Exteriores, escutei um funcionário comentando que o preço do ingresso em Brasília tinha de
ser mais alto porque precisava compensar os ingressos gratuitamente distribuídos.

44 Renata Curcio Valente


O surgimento das práticas de cooperação técnica internacional entre os
anos 1950 e meados dos anos 1970 não pode ser pensado separadamente
do marco ideológico da Guerra Fria, como um sistema de alianças entre a
União Soviética e os Estados Unidos, na concorrência por zonas de influ-
ência. No entanto, com a crescente recuperação econômica, países como
Alemanha e Japão, já nos anos 1960 passaram a desempenhar o papel de
países doadores e não mais receptores de recursos internacionais, desesta-
bilizando certa dinâmica existente de distribuição de poderes.
No Capítulo 2, recorremos a um enfoque histórico do pós-guerra, vi-
sando abordar, sobretudo, os processos históricos de formação de estru-
turas e órgãos específicos da administração pública ocorridos no Brasil.
Observamos o contexto em que se institucionaliza esta forma específica de
intervenção de instituições estrangeiras na administração púbica brasileira
nas duas primeiras décadas pós-Segunda Guerra, quando se estabelece a
primazia dos setores militar e diplomático. Chega-se ao fi nal dos anos
1980 com a consolidação de um sistema organizado e regulamentado com
a criação da Agência Brasileira de Cooperação, quando há uma intensifi-
cação e diversificação dos fluxos internacionais. Tais práticas fazem parte
de um processo mundial de expansão e consolidação de novas formas de
intervenção, com arcabouço conceitual e institucional do aparelho de Es-
tado para atuar no exterior, estabelecendo fundamentos discursivos e de
atuação prática com base na lógica do desenvolvimento.
O Capítulo 3 refere-se ao contexto que caracteriza o campo “alemão”
da cooperação para o desenvolvimento. Abordamos uma parte da história
da Alemanha e o surgimento do aparato institucional estatal para a coo-
peração, as mesmas instituições criadas para receber recursos estrangeiros
para a recuperação de sua economia no fi nal da Segunda Guerra Mundial,
e que passaram a atuar na intervenção em territórios estrangeiros e na
administração de países “em desenvolvimento”.
A segunda parte procura retratar os resultados de uma abordagem mais
etnográfica sobre as formas de atuação e sobre os modos de intervenção de
uma agência em particular, a GTZ. As experiências práticas observadas
foram o escritório da GTZ em Brasília e seus funcionários, e um projeto
sobre povos indígenas desenvolvido no Brasil desde 1996.
Procuramos, nesta parte, voltar o foco para as práticas efetivamente
observáveis em contextos muito restritos e elitizados que envolvem repre-
sentantes de diferentes governos.
No Capítulo 4, analisamos a estrutura, as normas e os procedimentos
que orientam o trabalho da GTZ no Brasil, a partir de uma etnografi a re-

A GTZ no Brasil 45
alizada em seu escritório. A observação participante no escritório da GTZ
foi um dos eixos centrais a partir dos quais desenvolvi esta tese, com o
propósito de dar visibilidade ao trabalho do governo alemão no campo da
solidariedade e da cooperação internacional através de suas práticas.
No Capítulo 5, abordamos o grupo de funcionários da GTZ no Bra-
sil, partindo de uma análise de suas atribuições funcionais no escritório
e da análise de quatro trajetórias particulares de peritos que trabalharam
na GTZ no acompanhamento da execução de projetos. No Capítulo 6,
analisamos o processo de elaboração, negociação e implementação de um
projeto em que a GTZ assume a responsabilidade gerencial e administra-
tiva, o Projeto Integrado para Proteção das Populações e Terras da Ama-
zônia Legal, o PPTAL. A partir de sua análise, vimos que a “capacidade
administrativa” da GTZ se viabiliza por meio das articulações com as
redes governamentais e não governamentais existentes nas dinâmicas da
administração pública brasileira.

46 Renata Curcio Valente


Parte I

Cooperação Técnica Internacional: mapeando sua trajetória


Buscamos explorar, nesta primeira parte, um panorama das formas de
conceituação e elaboração teórica sobre cooperação técnica para o desen-
volvimento, “um conjunto de práticas governamentais de intervenção de
um Estado em outro Estado ou territórios estrangeiros em que estão im-
plicados fluxos variados”. Podemos argumentar que estudos na área de
“relações internacionais” foram pioneiros, ainda nos anos 1980, em abor-
dar questões relacionadas a este tema. No entanto, o crescente interesse
das ciências sociais sobre o tema cooperação para o desenvolvimento se
deve em parte à maior intensidade com que este fenômeno tem ocorrido
na administração pública dos diferentes países. Apesar de pouco explo-
rado na literatura antropológica contemporânea, o tema tem feito parte
de pesquisas mais recentes, dissertações e teses de doutorado na área de
antropologia.

A GTZ no Brasil 47
Capítulo 1

Desvendando a cooperação técnica para o desenvolvimento


O primeiro desafio ao tratar de cooperação técnica para o desenvolvimen-
to se apresenta à dificuldade de sua definição. A expressão cooperação
internacional é usada para designar as mais distintas situações, adquirindo
diferentes sentidos semânticos, sendo uma expressão de escopo flexível e
amplo, tão amplo quanto suas possibilidades e fi ns.

Relações internacionais e cooperação internacional como ordem


Cooperação internacional é tema que suscita discussão sobre as condições
do sistema internacional de Estados, tendo sido explorado inicialmente por
autores de diferentes escolas teóricas na área de relações internacionais.
Eles analisaram como se estabelece uma ordem no sistema internacional,
o que defi ne seu padrão e como os Estados e outras organizações se com-
portam uns em relação aos outros, considerando a posição que ocupam em
uma estrutura de distribuição de poder. Conflito e cooperação são temas
sempre presentes no estudo e na interpretação da disciplina de relações
internacionais, parte fundamental do debate em torno dos mecanismos
de ordenamento do sistema internacional, o que ocorre desde a origem da
disciplina, entre os anos 1920-1930, até os dias de hoje. 24
Para os realistas, 25 como Hans Morgenthau, a ordem internacional é
anárquica; nela está ausente uma autoridade supraestatal e é caracterizada

24 Viotti, P. R. & Kauppi, M. V. International relations theory: realism, pluralism, globa-


lism. New York: MacMillan Publishing Company, 1993 (ed. revisada); Aron, Raymond. Paz
e guerra entre as nações. Brasília: UnB, 1981.
25 O Realismo é uma das escolas fundadoras da área de Relações Internacionais e uma das
mais influentes. Argumenta-se haver não um, mas vários “realismos”, sendo o principal eixo
de argumentação a ideia de “autoajuda”, em que os atores dependem exclusivamente de seus
próprios recursos; da centralidade dos Estados Nacionais e da luta pela sobrevivência e so-
berania, o que explica o comportamento dos Estados Nacionais em um sistema anárquico.
Um de seus mais expressivos expoentes, Hans Morgenthau, escreveu em 1948 Politics among
nations: a struggle for power and peace, uma referência na área. Ver: Baylis, J.; Smith, S. The

48 Renata Curcio Valente


por confl ito e competição entre atores unitários, os Estados Nacionais.
Essa ordem não pressupõe mecanismos de regulação, porque os realistas
têm como pressuposto que os Estados são atores racionais agindo indivi-
dualmente para realizar seus próprios interesses, pois não contam com
nenhuma outra instituição supraestatal, mas somente com seus próprios
recursos de poder.26 O objetivo mais fundamental dos Estados é garantir,
por meio da autoajuda, a soberania, o que implica assumir que a coope-
ração entre os Estados é uma situação pouco provável de ocorrer, pois
envolve a cessão de parte de suas soberanias. 27
Para outros autores, mais afi nados com ideias liberais, os chamados “li-
berais-institucionalistas”, como Peter Haas e David Mitrany, entre outros,
a cooperação internacional seria uma opção viável no sistema internacio-
nal. 28 Ela resulta da construção normativa desenvolvida por um grupo de
atores internacionais – Estados, empresas e organismos governamentais
e não governamentais – para resolver problemas comuns. Nela as insti-
tuições internacionais teriam um papel central na construção de políticas
coordenadas e normas comuns para os Estados soberanos, com livre cir-
culação e troca de conhecimentos e mercadorias que envolvem interesses
comuns entre esses Estados e que estão relacionados à ideia de promoção
do bem público, o que é contrário à lógica competitiva de livre mercado
que leva ao confl ito.
A ênfase em seus trabalhos está na identificação dos fatores que levam
à consolidação de uma ordem internacional propícia ao desenvolvimento
econômico, por meio de condições de paz e harmonia internacional, o
que pressupõe alguma forma de construção normativa coletiva em que as
instituições têm um papel fundamental. A este conjunto de normas elabo-
radas denominamos de regimes internacionais: “um conjunto de princípios
implícitos e explícitos, normas, regras e procedimentos relativos a decisões
para uma determinada área de relações internacionais em torno dos quais

globalization of world politics: an introduction to international relations. Oxford: Oxford


University Press, 1997.
26 Id., ibid., p. 113.
27 Morgenthau, Hans. Politics among nations: a struggle for power and peace. New York:
Knopf, 1984.
28 A defi nição de “pluralistas” abrange um conjunto de correntes associadas às ideias libe-
rais. Para citar alguns autores: Arthur Stein, Kenneth Waltz, Robert Keohane, James Rose-
nau, Oran Young, David Mitrany, um dos pioneiros da teoria da integração Peter Haas, John
Ruggie, entre outros.

A GTZ no Brasil 49
as expectativas dos atores convergem”, segundo a defi nição de Krasner. 29
Para John Ruggie, regimes referem-se mais a “um conjunto de expectati-
vas, regras e regulações, planos e compromissos sociais que foram aceitos
por um grupo de Estados” e se voltam para normas de defesa de interesses
e bens comuns, coletivos ou globais, como meio ambiente, direitos huma-
nos, segurança internacional, narcotráfico, entre outros.30
É muito frequente entre autores que adotam uma abordagem liberal-
institucionalista que cooperação internacional seja defi nida como um
processo de interdependência entre os atores do sistema internacional.31
Keohane e Joseph Nye argumentam que esta crescente interdependência
se deve ao desenvolvimento de novas tecnologias e a uma maior integra-
ção econômica mundial e que tem por objetivo a realização de “interesses
comuns”. No entanto, para estes autores, a ideia de interdependência não
exclui a de assimetria. Supõem, neste sentido, a existência de condições
de desigualdade em termos de distribuição de poder entre os Estados, e
explicam o fato de que, embora se obtenham ganhos absolutos em uma
relação de troca, os ganhos relativos podem ser distintos e acentuados com
as relações de cooperação.
Para Robert Keohane, confl ito e cooperação são, no sistema interna-
cional, condições interligadas e não incompatíveis ou contraditórias. Para
ele, não existe cooperação sem a eminência do confl ito e seria uma opção
que os atores internacionais teriam diante de uma situação de confl ito real
ou potencial. Ele assim defi ne a circunstância em que a cooperação ocorre:
“cooperação não significa harmonia e não significa que não haja conflito.
Sem o espectro do confl ito, não há por que cooperar. Cooperação é uma
situação política”.32
Alguns autores, como James Rosenau e Ernst Czempiel, Oran Young,
Robert Keohane e Joseph Nye adotam a hipótese de deslocamento dos
centros de autoridade dos Estados para novas esferas de poder e discutem
a permanência dos Estados como instâncias de governo, questão que reme-
te às discussões contemporâneas sobre a permeabilidade dos Estados em

29 Krasner, Stephen. International regimes. New York: Cornell University Press, 1983.
30 Ruggie, John (1975) apud Keohane, R. After hegemony, 1984, p.53.
31 Alguns teóricos de relações internacionais que adotam uma abordagem liberal-institu-
cionalista, como Robert Keohane e Joseph Nye, compartilham das ideias de que a maior
integração econômica mundial, novas tecnologias, atores não governamentais e organismos
internacionais são fatores que têm contribuído para a interdependência mundial.
32 Keohane, R. After hegemony: cooperation and discord in the world political economy.
Princeton: Princeton University Press, 1984, p. 63.

50 Renata Curcio Valente


relação a processos decisórios, particularmente no que se refere a questões
relativas a meio ambiente, direitos humanos ou terrorismo internacional.33
Nestes contextos, organizações transnacionais, movimentos sociais e or-
ganismos multilaterais vêm ganhando legitimidade em políticas de “coo-
peração internacional” e participando nas defi nições de políticas públicas
no contexto mundial.
Para Arthur Stein, 34 confl ito e cooperação são processos intrinseca-
mente interligados que resultam de interações entre os Estados no sistema
internacional. Segundo ele, não devem ser analisados isoladamente, pois
são as consequências das escolhas dos Estados soberanos, baseadas nas
percepções dos elementos do contexto maior que determina a posição e a
inserção de cada um deles no sistema internacional. Estes elementos não
são inerentes aos Estados, mas sim características do sistema, mais pre-
cisamente da estrutura do sistema que defi ne a distribuição de poder. Da
mesma forma, Kenneth Waltz, considerado um representante do “realismo
estrutural”, explora o conceito de estruturas políticas como forma de defi-
nir os princípios ordenadores que expressam a distribuição de capacidades
ou recursos no sistema internacional, sendo o sistema de Estados uma
analogia ao mercado que reconhece a existência de assimetrias no plano
internacional.35
Os aspectos de desigualdades e assimetrias das estruturas de poder
no sistema internacional foram amplamente denunciados pelos chamados
teóricos da dependência, representados por autores como Celso Furtado,
André Gunder Frank e Fernando Henrique Cardoso, que adotam uma
visão sistêmica, influenciada pela teoria do imperialismo. Esta visão so-
bre diferenciais de poder no sistema internacional também é observada
por autores de outra corrente de relações internacionais, a teoria sistema-
mundo, 36 caracterizada pela herança marxista e por contribuições mar-
cadamente sociológicas das estruturas de poder, entre os quais se destaca
Immanuel Wallerstein.

33 Rosenau, J. & Czempiel, E. Governança sem governo: ordem e transformação na política


mundial. Brasília: UnB, 2000.
34 Stein, A. Why nations cooperate: circumstance and choice in International Relations.
London: Cornell University Press, 1993.
35 Waltz, Kenneth. “Man, State and War.” In: Theory of International Politics, 1979, p.
79-106.
36 Baylis, J. & Smith, S., op. cit., p. 125-145.

A GTZ no Brasil 51
Antropologia e cooperação para o desenvolvimento
No campo da antropologia, em uma concepção contemporânea, o termo
cooperação internacional está fortemente vinculado aos Estados Nacio-
nais e à ideia de desenvolvimento.37 Esta abordagem gerou uma ampla
produção de artigos acadêmicos sobre antropologia aplicada e a atuação
de antropólogos em projetos de desenvolvimento, principalmente entre os
anos 1970 e 1980.
Diante de um universo amplo e complexo, essas práticas estão intrin-
secamente relacionadas às estruturas jurídicas e burocráticas de determi-
nados setores dos governos (Relações Exteriores, Ciência e Tecnologia,
Planejamento e Economia, Meio Ambiente, Educação, entre outros, que
variam em função da especificidade do tema envolvido), através de contra-
tos que expressam o conjunto permitido de normas e regras.
Como dito anteriormente, esta pesquisa muito se inspirou em um dos
trabalhos pioneiros no enfoque sobre instituições de poder e organizações
burocráticas, desenvolvido por Laura Nader ainda nos anos 1970. Sua
proposta era de que fossem feitos mais estudos sobre instituições, pela
interferência que elas têm sobre as vidas das pessoas que os antropólogos
tradicionalmente estudam. Para a autora, os registros etnográficos deve-
riam descrever as instituições que dão suporte ao setor industrial.38 Neste
mesmo período, o trabalho de Talal Asad, Anthropology and the Colonial
Encounter, trouxe também importantes contribuições. Nas décadas subse-
quentes, particularmente nos anos 1990, muitos trabalhos foram realiza-
dos explorando, pela lente da antropologia, o conceito de desenvolvimento:
Douglas, M. (1985), Apfel Marglin (1996), Escobar, E. (1995), Schwartz-
man, H. (1989 e 1993), Chris Shore (1993) e Susan Wright (1997), J. Crush
(1995), Ferguson (1994), entre outros.
Ferguson39 tratou das operações do “aparato” do desenvolvimento in-
ternacional e não das pessoas a serem desenvolvidas, objeto central da
maioria dos trabalhos antropológicos. Ferguson desenvolve ainda o ar-
gumento de que esta mudança de enfoque envolve uma abordagem des-
centralizada, em que a inteligibilidade deste “problema antropológico”

37 Arturo Escobar (1995), Gilbert Rist (1999), Lucy Mair (1984), James Ferguson (1994), Fre-
derick Cooper & Randall (1997) são alguns dos autores que contribuíram para este debate.
38 Nader, Laura. “Up the anthropologists: perspectives gained from studying up.” In: Hy-
mes, Dell. Reinventing anthropology. New York: Pantheon Books, 1972, p. 292.
39 Ferguson, J. The anti-politics machin.“Development”, depolitization and bureaucratic
power in Lesotho. Minneapolis/London: University of Minnesota Press, 1994, p. 17-19.

52 Renata Curcio Valente


refere-se ao processo, à série de eventos e às transformações, e não a uma
determinada instituição; está na natureza sistemática da realidade social
que resulta dessas ações.
Arturo Escobar, que teve grande contribuição na análise do tema, de-
senvolveu um amplo estudo a respeito da construção do “Terceiro Mun-
do” a partir dos discursos sobre desenvolvimento. Neste trabalho, Escobar
argumentou que a atuação das instituições é uma das forças mais podero-
sas na criação do mundo em que vivemos. Para ele, é através do esquema
discursivo que as organizações defi nem aquilo que é historicamente local,
que fica marcado em práticas textuais.40
No Brasil, ainda são poucos os trabalhos de antropologia nesta área.
Das publicações e dos trabalhos acadêmicos envolvendo a categoria coo-
peração para o desenvolvimento, no que diz respeito à produção no campo
da antropologia no Brasil, nota-se um espaço ainda aberto para novas
contribuições. A tese de Ludmila Lima,41 defendida no Departamento de
Antropologia (DAN) da UnB, em 2001, foi um dos trabalhos pioneiros e
por isso tem muitos méritos. Na tese, Lima tratou dos conflitos, rivalida-
des e disputas frequentes entre a agência alemã GTZ e o governo brasileiro
em um projeto de cooperação, o PPTAL.42 Sua atuação como consultora
do projeto lhe garantiu um olhar privilegiado em relação aos conflitos co-
tidianos em um órgão público. Para ela, a equipe do projeto passou a ser
tratada metodologicamente como “aldeia”.
Em 2002, a tese de Carolina Pareschi, também defendida no Depar-
tamento de Antropologia da UnB, discutiu, ainda que indiretamente, o
tema da cooperação internacional, já que analisava a relação entre “pro-
jetismo” e desenvolvimento sustentável. Abordou um projeto que envolvia
agências multilaterais e bilaterais de cooperação internacional, o Projeto
Frutos do Cerrado, dos Projetos Demonstrativos – PDA. Ambos, PPTAL e
PDA, eram projetos que faziam parte de um programa mais amplo para a
Amazônia, o PPG-7.

40 Escobar, Arturo. Encountering development. The making and unmaking of the Third
World. Princeton: Princeton Studies in Culture/Power/History – Princeton University Press,
1995, p. 108.
41 Lima, L. M. M. “Se a Funai não faz, nós fazemos”: confl ito e mudança no contexto de
um projeto de cooperação. Tese de doutorado, Departamento de Antropologia – UnB, Bra-
sília, 2000.
42 A tese de doutorado de Ludmila M. Lima sobre a análise do PPTAL enquanto “aldeia”,
espaço de confl ito e socialização, apresenta uma abordagem detalhada de como se dão esses
confl itos no interior de uma instituição que se depara com “o novo”, com mudanças. Ver
Lima, L. M. M., ibid.

A GTZ no Brasil 53
As pesquisas desenvolvidas no Brasil sobre o tema não se limitaram,
no entanto, a projetos desenvolvidos no Brasil enquanto País “receptor”
de cooperação, mas também como agente de cooperação no exterior. Em
2005, o trabalho de Kelly Cristiane da Silva analisou as missões da ONU
no Timor Leste, ou seja, visou ao deslocamento do olhar para fora, às ati-
vidades de “cooperação” realizadas pelo Brasil, agora em outra posição,
como um dos “doadores” para a “reconstrução do Estado” no Timor.
Notamos que os esforços iniciais de discussão sobre o que se denomina
por cooperação técnica partiram em grande medida do Departamento de
Antropologia da UnB, não sem explicação: em Brasília, os antropólogos
usufruem da proximidade com o centro simbólico e administrativo do Po-
der Federal, o que os coloca em estrita ligação com “políticas públicas
sociais”, garantindo a eles possibilidades concretas de trabalho, especial-
mente em “consultorias”, e certo tipo de “engajamento” político em ques-
tões sociais e de direitos humanos que dão aos antropólogos de Brasília
uma posição privilegiada em função da prática de uma aparente antro-
pologia “aplicada”. Esta prática vai desde a atuação em projetos sociais
em ONGs, em consultorias de curto prazo prestadas a órgãos públicos e
mesmo diretamente no serviço público, em órgãos como Funai, Ministério
da Educação (MEC), Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Nem sempre
uma antropologia “militante” garante reflexão antropológica, mas a ex-
periência etnográfica, associada às políticas de Estado, são características
bastante comuns de uma “antropologia de Brasília”.
Em Brasília, observa-se todo um conjunto de situações que dizem res-
peito à administração pública, às políticas governamentais e à cooperação
internacional, situações essas que estão presentes na vida cotidiana, acon-
tecendo de forma “naturalizada”. A proximidade existente dos escritórios
de organismos e agências internacionais, com o Banco Mundial, o PNUD,
o GTZ etc. – centros de decisão dos projetos; as conversas informais com
antropólogos e outros participantes como consultores de projetos de coo-
peração e de órgãos do governo que desenvolvem projetos; os comentários
sobre novos editais de recursos; estas são algumas das experiências que um
pesquisador se depara no seu dia a dia na capital.
A rede de antropólogos que tem sua base de referência e ponto de par-
tida na UnB, no Departamento de Antropologia, compõe-se de alunos e
ex-alunos formados pelo DAN-UnB, constituindo um dos grupos mais
fi rmes, coesos e gregários no meio universitário e acadêmico de Brasília.
A formação desta sólida rede começa pela disponibilidade de um espaço
de convívio social e de discussões acadêmicas para os alunos dentro do

54 Renata Curcio Valente


próprio campus, se estendendo dali para as festinhas e outros encontros
que fortalecem as redes sociais de uma cidade de tamanho médio, alta-
mente segmentada e elitizada, particularmente quanto à classe intelectual
e acadêmica.
Fora de Brasília, outro grupo de pesquisadores, particularmente pre-
ocupados com questões relativas a políticas de governo, ações de Estado,
formas de arquivamento e memória, e formas de classificação de popula-
ções, tem desenvolvido trabalhos em áreas afi ns e próximas a um campo
próprio da cooperação e do desenvolvimento.
No Museu Nacional do Rio de Janeiro, sob a orientação de Antonio
Carlos de Souza Lima,43 alguns pesquisadores, como João Paulo Macedo e
Castro, Maria B. Hoffman, entre outros,44 têm produzido trabalhos insti-
gantes envolvendo o tema cooperação e desenvolvimento a partir da ótica de
uma antropologia do Estado ou antropologia da administração pública.
A partir da análise desses trabalhos, observamos que o interesse pelo
tema se intensificou a partir de 2000, em função de uma renovação me-
todológica em direção a questões pertinentes à cooperação internacional,
como desenvolvimento e administração pública, em processo de discussão
na antropologia desde os anos 1970, ganhando força ainda maior nos
anos 1980 e 1990.
No contexto contemporâneo, não poderíamos considerar como sendo
simplesmente os Estados Nacionais, mas também os organismos interna-

43 Alguns dos trabalhos de Souza Lima marcam a abordagem sobre o tema, analisado atra-
vés do prisma do indigenismo como um conjunto de saberes associados a formas de gestão de
desigualdades. Entre eles, citaremos Souza Lima, A. C. “O indigenismo no Brasil: migração
e reapropriações de um saber administrativo”. In: Léstoile, Benoit de, Neiburg, Federico e
Sigaud, Lygia (Org.). Antropologia, impérios e estados nacionais. Rio de Janeiro: Relume-
Dumará/Faperj, 2002, p. 160. Também adota reflexões sobre o tema em: Souza Lima, A.
C. “Tradições de conhecimento na gestão colonial da desigualdade: reflexões a partir da
administração indigenista no Brasil.” In: Bastos, C.; Almeida, M. V. & Feldman-Bianco, B.
Trânsitos coloniais: diálogos críticos luso-brasileiros. Lisboa: ICS, Universidade de Lisboa,
Estudos e Investigações n. 25, 2002, p. 1.
44 Quanto à produção de alunos de Antonio Carlos de Souza Lima, vale destacar a disser-
tação de mestrado de Roberto Salviani, As propostas para participação dos povos indígenas
no Brasil em projetos de desenvolvimento geridos pelo Banco Mundial: um ensaio de análise
crítica, publicada em 2002; a tese de doutorado de J. P. M. Castro sobre a atuação da Unesco
em projetos sociais no Brasil, envolvendo as categorias “juventude, violência e cidadania”,
defendida em 2005 e publicada com o título A invenção da juventude violenta : análise da
elaboração de uma política pública (E-papers, 2009); o trabalho de Maria Barroso-Hoff-
mann sobre a atuação da Norad com populações indígenas, Fronteiras étnicas, fronteiras
de Estado e imaginação da nação: um estudo sobre a cooperação internacional norueguesa
junto aos povos indígenas (E-papers, 2009); e o de Natasha Nicaise sobre a política de co-
municação da União Europeia.

A GTZ no Brasil 55
cionais, as organizações não governamentais e até mesmo os indivíduos
que tenham capacidade de expressão no plano internacional, enquanto
lideranças representativas de grupos sociais organizados.
Em sua tese, na qual analisa a pluralidade de atores ligados à disputa
do processo de construção do Estado em Timor-Leste, Kelly Silva defi ne
o sistema de doação envolvido na relação de cooperação em Timor-Leste
como um fato social total.45 A autora entende o campo da cooperação in-
ternacional como “o conjunto de práticas, valores e atores envolvidos na
gestão da assistência externa”46 e destaca as políticas de doação adotadas
pelas agências do Brasil, Austrália e Portugal, entre outros, comparando-
as a uma corrida por status político, “no qual a dádiva é a moeda de troca
e fonte de poder e prestígio”. Para ela, a abordagem sobre um conjunto de
práticas, valores e atores envolvidos na gestão de assistência externa (em
alguns casos, sinônimo de cooperação internacional) caracteriza um cam-
po de ação política, mais do que simplesmente as ações em si.
A noção desenvolvida por Bourdieu sobre “campo” é muito adotada
para análise da atuação de instituições em projetos de cooperação.47 O
conceito de campo para Bourdieu está imbricado na defi nição do modo de
produção de uma ordem observada e na construção de uma teoria da prá-
tica. Para ele, campo é “espaço estruturado de posições cujas propriedades
específicas dependem das relações entre essas posições e que são passíveis
de análise independente de seus ocupantes” 48 e, ainda, campo como um
local onde se trava uma luta concorrencial que opõe o novo que força sua
entrada e o dominante que procura excluir a concorrência, defendendo seu
monopólio.
Neste mesmo sentido, em trabalho sobre as “respostas” – práticas locais
– para o combate ao fenômeno de disseminação da Aids como epidemia
global, Cristiana Bastos49 tomou como objeto de sua análise não somente
um ou outro ator, mas o “campo” defi nido pelo universo complexo de

45 Silva, K.C. da. Paradoxos da autodeterminação: a construção do Estado-Nação e práti-


cas da ONU em Timor-Leste. Tese de doutorado, DAN/UnB, Brasília, 2005, p. 12.
46 Idem, p. 41.
47 Alguns dos trabalhos já citados o fazem, como Silva, K. (2005); Lima, Ludmila (2000).
48 Bourdieu, P. 1983(b), p. 65 apud Souza Lima, A. C. Aos fetichistas, ordem e progres-
so: um estudo do campo indigenista no seu estado de formação. Dissertação de mestrado,
UFRJ/PPGAS. Rio de Janeiro, 1985, p. 227.
49 Bastos, Cristiana. Transnational responses to Aids and the global production of science:
a case-study from Rio de Janeiro. Dissertation for the Degree of Doctor on Philosophy, Uni-
versity of New York, 1996, p. 128.

56 Renata Curcio Valente


atores e conhecimentos do Brasil e do exterior envolvidos nestas políticas.
A autora caracterizou o “campo” e buscou explicitar as articulações entre
os processos e os agentes fi nanciadores envolvidos.
Outros autores, no entanto, tomam a expressão cooperação internacio-
nal mais precisamente como práticas resultantes de determinados grupos
ou agentes sociais, centralizando o enfoque em atores sociais específicos.
O trabalho de João Paulo Macedo Castro50 analisa a consolidação de um
espaço da Unesco na construção de conhecimentos sobre juventude e vio-
lência no Brasil e na articulação de agentes para elaborar e executar po-
líticas correlatas no País, caracterizando-a como agente político de um
processo que introduziu uma nova lógica de relacionamento entre Estados
Nacionais e especialistas internacionais, que se pode entender como parte
das relações de cooperação internacional.
O trabalho de pesquisa desenvolvido por Benjamin Buclet também tra-
ta o termo a partir das instituições que desempenham essas atividades
internacionalmente, sendo, neste caso, as chamadas ONGs e outras orga-
nizações da sociedade civil que atuam no que chamou de “mercado” da so-
lidariedade, um lugar de atuação profissional a partir de um enfoque que
privilegia a diversidade de componentes e as propriedades do campo. 51
Quando analisado de uma perspectiva mais ampla, o discurso da co-
munidade e da solidariedade pressupõe que indivíduos e grupos de dife-
rentes origens nacionais se compreendam como parte de um mesmo grupo
– a humanidade – tendo em vista interesses e objetivos em comum, um
discurso que passou a ser adotado internacionalmente por representantes
de organizações não governamentais em discussões políticas e em movi-
mentos sociais, como nos indica a ex-diretora da Fundação Heinrich Böll,
em apresentação sobre o trabalho desenvolvido pela fundação no Brasil.
Em sua fala, frisou a importância de posicionar as atividades de coopera-
ção em relação ao agente específico que a pratica, de forma a diferenciar a

50 Castro, J. P. M. Unesco educando jovens cidadãos e capturando redes de interesses: uma


pedagogia da democracia no Brasil. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGAS, 2005.
Publicada com o título A invenção da juventude violenta: análise da elaboração de uma po-
lítica pública. Rio de Janeiro: E-papers, 2009. (Coleção Antropologias, volume 2.)
51 Buclet, B. Le marché international de la solidarité: les organizations non-gouvernemen-
tales en Amazonie Brésilienne. Thése pour obtenir le titre de Docteur en Sciences Sociales,
EHESS, Paris, 2004.

A GTZ no Brasil 57
atuação de cada instituição e de ressaltar que “assim como não há ONGs
em geral também não existe a cooperação em geral”.52
A “cooperação não governamental” como formas específicas de desen-
volvimento de projetos internacionais denota a centralidade deste atores
sociais mas também sua articulação em redes (networks) que caracteriza
uma configuração diferenciada em relação às formas de organização dos
Estados nacionais. As formas de relações entre organizações não governa-
mentais defi nidas por cooperação ocorrem prioritariamente por meio de
redes de organizações, associações e pessoas, articuladas e mobilizadas
pelo “ativismo” político, por ações e movimentos sociais. Ainda assim, a
inter-relação entre os campos governamental e não governamental merece
uma apreciação cuidadosa, já que são inúmeras as sobreposições e inter-
seções entre essas áreas, seja no que diz respeito à elaboração do aparato
conceitual, seja quanto aos profissionais que circulam de um campo ao
outro, ou nas próprias funções em atividades realizadas pelas organiza-
ções, muitas vezes de complementação ou mesmo de competição na área
social. 53
O termo “transnacionalismo” é usado associado aos contextos de redes
transnacionais e muito frequentemente à atuação das ONGs. Gustavo Lins
Ribeiro usa-o para defi nir “um eixo transversal que recorta outros níveis
de integração, no qual está ausente uma realidade territorial e os aspectos
políticos e ideológicos são privilegiados.”54 Seu espaço é difuso, dissemina-
do em uma malha que vai do local regional nacional ao internacional, por
isso, um termo recorrente entre instituições da “sociedade civil”, das redes
de organizações, das associações e as pessoas articuladas pelo ativismo
político, ações e movimentos sociais que promovem atividades chamadas
de cooperação internacional ou solidariedade internacional.
Outra proposição também é encontrada em alguns trabalhos sobre co-
operação, tendo sido sistematizada pelo Dicionário de Ciências Sociais
como uma forma de organização social, particularmente na área de econo-

52 Souza, H. de. “Forward.” In: Ibase/PNUD. Development, international cooperation and


the NGOs. First International Meeting of NGOs and the United Nations System Agencies.
Rio de Janeiro: Ibase, 1992, p. 9.
53 Somente para dar um exemplo, o perito da GTZ no PDA, antes de assumir este cargo, tra-
balhava como cooperante do Sactes/DED em uma organização não governamental brasileira,
Fase. Depois de passar alguns anos no projeto PDA, assumiu a direção da representação da
Fundação Heinrich Böll no Brasil, situada no Rio de Janeiro. Muitos outros casos podem ser
encontrados deste mesmo tipo.
54 Ribeiro, Gustavo Lins. Cultura e política no mundo contemporâneo. Brasília: UnB, 2000,
p. 173. Coleção Antropologia.

58 Renata Curcio Valente


mia e história social, no qual o termo é empregado para descrever qualquer
forma de organização social e econômica que tem por base o trabalho
harmônico em conjunto, em oposição à concorrência. Nesta linha, autores
como André Gueslin argumentam que cooperação e solidariedade seriam
termos que estariam associados a uma determinada forma de organização
social ou configuração social, que teria tido a sua origem no fi nal do sécu-
lo XIX, associada à discussão em torno de temas sociais – a pobreza, as
relações de trabalho e as relações salariais.55 Através de uma análise histó-
rica do surgimento da economia social na Europa, mais precisamente na
França, Gueslin argumenta que o conceito de cooperação teria surgido em
meados do século XIX, ganhando preponderância a partir de 1860. Para
ele, seu surgimento estaria associado ao contexto do desenvolvimento do
setor de proteção social, de redes de solidariedade da sociedade europeia
diante dos efeitos da Revolução Industrial. As redes seriam as intermediá-
rias entre as dinâmicas do Estado e do mercado, tais como a formação de
estruturas confraternais e corporações, confrarias mercantis e artesanais,
em sua maioria nos centros urbanos. O autor aborda aspectos do pro-
cesso de construção de conceitos e práticas de solidariedade, cooperação
e associação, explorando as várias formas de organização da sociedade
civil, como instituições intermediárias “entre o indivíduo e o poder”. Tais
iniciativas teriam surgido nos meios laicos ou religiosos como efeitos dos
processos de organização social e econômica da Revolução Industrial.
Estruturas relacionadas à organização dos trabalhadores foram cria-
das na Europa a partir de 1870, revelando que a tomada de consciência da
questão social não foi um projeto exclusivo da Igreja, mas por ela coorde-
nado. Além disso, foram movimentos que não se restringiram a um deter-
minado Estado, mas ocorreram de forma semelhante e simultaneamente
em vários lugares. Os círculos operários da Alemanha católica, criados
desde 1870 pelo padre Kilping (Sindicato de Friburg – L’Union de Friburg),
teriam contribuído, de maneira geral, para o processo de conscientização e
articulação dos trabalhadores na Europa. Segundo André Gueslin, tais ini-
ciativas foram decisivas para a reflexão sobre os caminhos da Igreja cató-
lica, e parecem ter se institucionalizado com a Encíclica Rerum Novarum,
em 1891, quando a Igreja passou a atuar de forma mais direta no apoio à
formação das corporações contra os abusos aos trabalhadores. 56 Para ele,

eme
55 Guéslin, André. L’invention de l’économie sociale – Le XIX siècle français. Paris:
Econômica, 1987, p. 214.
56 Id., ibid., p. 214.

A GTZ no Brasil 59
a Igreja católica teria dado a sua contribuição na formação de estruturas
de solidariedade – organizações que colaborariam para um projeto global
de sociedade – quando deixou de controlar as obras de caridade no Antigo
Regime e passou a apoiar estas organizações a partir de 1870.
Para autores como Gueslin e Robert Castels, 57 a argumentação sobre
processos de sociabilidade primária ou de construção de redes de solidarie-
dade e cooperação dirige-se à análise das questões domésticas entre grupos
sociais relacionados ou subordinados a um Estado Nacional, e não exata-
mente sobre cooperação internacional. A construção da cooperação se dá
por meio de laços de sociabilidade58 entre “iguais”, em idêntico contexto
nacional, como forma de suporte a grupos de uma mesma sociedade, laços
estes que abrangem os diferentes membros de uma coletividade. Esta é
caracterizada por indivíduos, grupos sociais e nações que, conscientes das
diferenças e das desigualdades, se empenhariam em garantir grupos menos
favorecidos ou atendê-los.
Em alguns casos, a concepção centrada no grupo que adota políticas ou
práticas de cooperação pode remeter à ideia da existência de uma “comu-
nidade”. O conceito de comunidade, no entanto, é passível de muitas crí-
ticas. Para Thornton e Ramphele, comunidade é um ideal, uma expressão
da utopia, praticamente inócua, estática e totalmente distinta de entidades
sociais. Para os autores, se comunidade é um termo político, também é
obscura e esteriotipada.59 Para eles, o termo comunidade teria surgido em
sociedades ou grupos religiosos cristãos medievais, sendo originalmente
defi nido por Santo Agostinho, sendo que, apesar de a ideologia cristã enfa-
tizar o compromisso voluntário dos indivíduos com as comunidades, estas
eram submetidas ao poder de nobres e reis que garantiam sua segurança e
proteção. As comunidades, por sua vez, legitimavam o poder autoritário
dos reis e dos nobres por meio de justificativas religiosas, e ofereciam assim
um modelo de comunidade política que seria reelaborado em outras situa-
ções ao longo da história. Um exemplo são os movimentos missionários
de igrejas, que se basearam em estruturas sociais de comunidades como
modelos de ação política no trabalho de conversão religiosa no mundo. 60

57 Castel, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 4. ed. Petró-
polis: Vozes, 1998.
58 Idem, ibidem.
59 Thornton, R.J. & Ramphele, M. “Community, concept and practice in South África.” In:
Critique of Anthropology, (9) 1, London: Sage Publications, 1989, p. 75-87.
60 Idem, p. 84-85.

60 Renata Curcio Valente


Muitos são os caminhos de investigação sobre o conceito de cooperação
internacional, apresentando, muitas vezes, noções complementares e que
descortinam uma visão interessante sobre o tema. O propósito desta pes-
quisa, no entanto, é bastante particular: visa abordar as práticas de setores
da administração pública de determinados Estados Nacionais em territó-
rios estrangeiros, fazendo-o por meio de projetos. Este enfoque é distinto de
analisar “cooperação” como uma forma de expressão da ordem internacio-
nal. O nosso objetivo recai sobre a análise antropológica de determinadas
organizações do setor público de um Estado a respeito de organizações pú-
blicas de outro Estado, como parte de uma ideologia do desenvolvimento.
Nosso propósito envolve as articulações locais para sua realização, o que
nos levaria à abordagem do “campo”, ainda que nosso foco recaia sobre a
atuação de uma determinada organização, a GTZ, no Brasil.
Para isso, recorremos primeiramente a uma abordagem histórica, vi-
sando situar a sistematização dessas práticas no processo de formação dos
Estados no pós-guerra. Steinmetz argumenta que o estudo da formação
dos Estados Nacionais é inerentemente histórico porque se orienta para os
processos de criação de Estados e de mudanças estruturais – e não como
um evento único.61 E é neste sentido que procuraremos abordar as práticas
da cooperação como parte do acervo de expressões relacionadas ao de-
senvolvimento e que são adotadas pelos Estados Nacionais como parte de
suas dinâmicas expansionistas.

Cooperação Técnica como política governamental


Em políticas governamentais, como parte das ações orientadas para polí-
tica exterior de um país, a expressão cooperação para o desenvolvimento
refere-se a um conjunto de práticas administrativas a ser executado em Es-
tados, territórios e populações estrangeiras. Baseando-nos na observação
deste contexto das “políticas de governo”, nos propomos a pensar a coope-
ração internacional no sentido da construção de mecanismos específicos,
objetivos e subjetivos, enquanto “esquemas de percepção e pensamento”
que se impõem de um Estado sobre outro. Tratando-a assim como meca-
nismos, práticas e discursos de um Estado sobre outro ou sobre outros, a
produção simbólica tem efeitos amplos e disseminados, não necessaria-
mente iguais, mas certamente fundamentados em uma mesma referência

61 Steinmetz, G. (ed.) State/culture: State formation after the cultural turn. Ithaca/London:
Cornel University Press, 1999, p. 8-9.

A GTZ no Brasil 61
ideológica ou cultural de origens nacionais, a partir das quais são elabora-
das e produzidas tais práticas e discursos.
Alguns autores, como Max Weber, George Steinmetz e Pierre Bourdieu
apresentam importantes contribuições para a análise do Estado. Bourdieu
destaca que a influência do Estado é mais fortemente sentida no domínio da
produção simbólica, sendo as administrações públicas e seus representantes
grandes produtores de problemas sociais, os quais a ciência social apenas
ratifica, retomando-os por sua conta como problema sociológico.62
Como atividades governamentais, as práticas de cooperação interna-
cional para o desenvolvimento envolvem acordos e compromissos jurídicos
que regulamentam a transferência de recursos públicos internacionais e
estabelecem formas de atuação no exterior. Estas formas de atuação no
exterior, que poderiam ser chamadas de “práticas de intervenção” no exte-
rior se expressam por meio de atividades unilaterais, bem como por trocas
e intercâmbios (fluxos e contrafluxos) de múltiplas e diferenciadas nature-
zas, envolvendo recursos fi nanceiros, equipamentos, conhecimentos, ideias
e pessoas.
A política governamental de cooperação para o desenvolvimento
engloba as várias maneiras pelas quais são adotadas certas práticas da
administração pública em territórios estrangeiros, formas de intervenção
em escala global. São cooperações técnica, fi nanceira, científica, acadêmi-
ca, humanitária, entre outras.
Cooperação fi nanceira refere-se aos fluxos de recursos fi nanceiros e in-
vestimentos. Na cooperação acadêmica e científica, são estabelecidos pro-
jetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico entre centros de pesquisa,
universidades e fundações para intercâmbio de conhecimentos, experi-
ências e aprimoramento científico. No campo cultural, os programas de
cooperação podem ser estabelecidos através dos incentivos a determinadas
expressões ou eventos culturais importantes, intercâmbio entre artistas,
grupos musicais, teatrais ou projetos culturais e outros. Em alguns casos,
no entanto, a cooperação científica insere-se no contexto de uma relação
de cooperação chamada técnica.
Deste conjunto diferenciado de formas de ação governamental em ter-
ritórios estrangeiros, a cooperação técnica oferece alguns desafios, parti-
cularmente para a análise antropológica, sendo esta a mais flexível e fugi-
dia defi nição que há entre as tantas de cooperação.

62 Bourdieu, P. “Espíritos de Estado”. In: Bourdieu, P. Razões práticas sobre a Teoria da


Ação. Campinas: Papirus Editora, 1996, p. 95.

62 Renata Curcio Valente


A primeira defi nição formalmente reconhecida para a expressão
cooperação técnica internacional, estabelecida na Resolução no 200 da
Assembleia Geral da ONU de 1948 (CTI), afi rma ser a “transferência não
comercial de técnicas e conhecimentos, através da execução de projetos em
conjunto, envolvendo peritos, treinamento de pessoal, material bibliográ-
fico, equipamentos, estudos e pesquisas entre atores de nível desigual de
desenvolvimento (prestador e receptor)”, esta defi nição tem validade ainda
hoje, de modo geral, entre as diferentes agências e organismos internacio-
nais envolvidos no tema.
Entende-se por cooperação técnica um conjunto de práticas que vai
desde a “transferência de conhecimentos”, “capacitação”, educação ou
formação de quadros de profissionais, em grande parte os que pertencem
a órgãos públicos, e na formação de saberes fundados nas ciências sociais
aplicadas – antropológico, sociológico, geográfico, econômico, adminis-
trativo – o que usualmente envolve o envio dos chamados peritos técni-
cos estrangeiros para adotar as metodologias e conhecimentos produzidos
através de projetos ou programas.
Toda iniciativa de cooperação técnica internacional governamental, seja
em termos de programas ou de projetos, é criada a partir da assinatura de
um acordo internacional, que pode ser tanto bilateral quanto multilateral.
No caso de ser bilateral, é feito entre os governos de dois países mediante
os órgãos e suas respectivas administrações públicas. No caso de ser mul-
tilateral, é assinado entre uma agência ou organismo internacional e uma
agência ou órgão da administração pública de Estado Nacional. No caso
brasileiro, a atribuição de celebrar tratados, acordos, atos internacionais é
da competência privativa do presidente da República, devendo ser subme-
tido à aprovação do Legislativo, observadas as normas jurídicas do direito
interno dos Estados envolvidos, bem como as do direito internacional.
Na administração pública brasileira, nos chamados Acordos Básicos de
Cooperação Técnica, são defi nidas as linhas gerais de atribuições e respon-
sabilidades de cada um dos Estados e organismos internacionais partici-
pantes do acordo, as instituições da administração que devem executar as
atividades, conforme designadas pelos respectivos governos, e os objetivos
das relações diplomáticas entre os países envolvidos.
Vinculados e condicionados aos termos estabelecidos no Acordo Básico
de Cooperação Técnica, estão os chamados Ajustes Complementares, que
também são atos jurídicos internacionais – estes mais específicos no que
se refere a determinar os critérios próprios de cada projeto negociado no

A GTZ no Brasil 63
âmbito de um mesmo acordo de cooperação. Para cada projeto específico
é assinado um acordo complementar diferente.
Em relação a quaisquer mudanças ou emendas nos textos dos acordos
complementares, faz-se uso da Troca de Notas, documento com formato
próprio, intercambiado entre o Ministério de Relações Exteriores do Brasil
e a outra parte, seja ela um organismo internacional ou uma agência de
outro Estado.63 Os projetos são, por sua vez, os instrumentos por excelên-
cia de operacionalização da cooperação técnica entre duas ou mais insti-
tuições executoras dos dois países envolvidos, neles estando contidos os
objetivos e os meios para alcançá-los e o planejamento do trabalho.
As chamadas agências de cooperação técnica internacional, parte de
uma engrenagem mais ampla da cooperação para o desenvolvimento, são
órgãos de governos que atuam em solo estrangeiro, vinculadas às embaixa-
das de seus países de origem, sem uma personalidade jurídica própria, mas
adotam a personalidade jurídica da embaixada no local, diferentemente
dos organismos internacionais, que são organizações de direito público in-
ternacional com personalidade jurídica própria, autonomia administrativa
e mandato específico.64
As atividades de cooperação técnica são apresentadas na forma de con-
sultoria especializada, treinamento de recursos humanos, planejamento
de atividades e aquisição de equipamentos, por meio de projetos ou pro-
gramas. O pressuposto do qual se parte é a fragilidade institucional dos
órgãos de Estado, de forma que o projeto visa a “capacitação” dos órgãos
públicos, a fi m de que estes possam implementar por seus próprios meios,
de forma mais eficiente e com maior impacto e sustentabilidade, políticas
e programas públicos.65 Como instrumento de capacitação de órgãos pú-
blicos, seus objetivos revelam um enfoque pedagógico, educativo, mas não
se destinam a permanecer por tempo ilimitado. Na defi nição do governo
brasileiro, cooperação técnica é uma intervenção temporária por meio do
desenvolvimento de capacidades técnicas de instituições ou indivíduos,
destinada a promover mudanças, sanar ou minimizar problemas e explo-
rar oportunidades de desenvolvimento. Assim, não devem ser entendidas

63 MRE, op. cit., p. 18, §24.


64 MRE. “Diretrizes para o desenvolvimento da cooperação técnica internacional multila-
teral e bilateral.” 2. ed., p. 19. Disponível em: www.abc.mre.gov.br/abc/abc_historico.asp.
Acessado em: 12 de fevereiro de 2005.
65 Idem, ibidem.

64 Renata Curcio Valente


como substitutas das ações de Estado e não devem ser confundidas com
políticas públicas em si, mas sim como ações subsidiárias a elas.
Os critérios adotados são a ênfase em prioridades nacionais; o impacto
nas diferentes escalas (nacional, regional, local); os efeitos multiplicadores
em outras áreas; a capacitação de instituições através de transferência de
conhecimentos e sua internalização. Quanto a este aspecto, está prevista
a adequação aos procedimentos instaurados com os projetos pelos órgãos
nacionais, para que a intervenção seja de fato temporária e não se dependa
de instituições estrangeiras.
Revelando o ponto de vista daquele que é usualmente “doador”, o go-
verno alemão defi ne cooperação técnica por uma atividade que consiste na
formação de pessoal nos países parceiros: “capacitar os indivíduos e as or-
ganizações dos países parceiros para melhoramento das suas condições de
vida sob sua própria responsabilidade e mediante seus próprios esforços”.
Termos como proporcionar, disponibilizar, fornecer revelam a posição do
“doador” no texto: “proporcionam-se capacidades e conhecimentos téc-
nicos, econômicos e organizacionais. As atividades da cooperação técnica
envolvem: disponibilidade de consultores, instrutores, especialistas peritos
e outros técnicos qualificados; fornecimento de equipamentos e materiais,
treinamento de técnicos e quadros executivos locais no próprio país, em
outros países em vias de desenvolvimento ou na Alemanha, e contribuições
fi nanceiras para os projetos e os programas.66
Estas definições nos remetem às contribuições de Max Weber sobre bu-
rocracia, em que argumenta que “administração burocrática significa domi-
nação em virtude de conhecimento”. As práticas de cooperação internacional
revelam-se um campo interessante para estudarmos as relações de poder no
plano internacional. De acordo com as teorias de poder internacional, os
Estados não adotam políticas destinadas à “dar”, “capacitar”, “treinar” bus-
cando a efetiva igualdade entre nações, mas sim garantir outras formas de
fortalecimento de seu próprio poder, seja ele simbólico, econômico ou polí-
tico, decorrentes do maior conhecimento obtido sobre distintas realidades.67
As políticas de cooperação técnica para o desenvolvimento visam a expansão
de conhecimento sobre territórios e populações e. portanto, maior capacida-
de de administração e influência sobre eles, o que nos remete às reflexões de
Michel Foucault sobre conhecimento e poder.

66 GTZ. Compêndio do vocabulário da GTZ. Eschborn: GTZ, 1997, p. 39.


67 Weber, M. Economia y sociedade. México: Fondo de Cultura Economica, 1983.

A GTZ no Brasil 65
Capítulo 2

Origens da cooperação técnica: uma história oficial


Trataremos neste capítulo de explorar o contexto histórico contemporâ-
neo que viabilizou as condições políticas e conceituais para a instauração
das instituições e das práticas de cooperação internacional. Tais práticas
fazem parte de um processo de expansão e consolidação de novas formas
de intervenção mundialmente, com arcabouço conceitual e institucional
do aparelho de Estado para atuar no exterior, estabelecendo fundamentos
discursivos e de atuação prática com base na lógica do desenvolvimento.68
Foram criados, assim, um conjunto de normas e instituições de interven-
ção para administração de populações e territórios em outros Estados por
meio de projetos, promovendo a circulação – envio e recebimento – de
recursos em fluxos distintos dos comerciais e de investimentos no setor
produtivo.
Buscamos aqui historicizar este campo usualmente tratado por aborda-
gens funcionais que se prendem aos discursos naturalizados dos projetos
ou programas em jogo, de forma a analisar as respostas específicas de
cada contexto nacional, particularmente o brasileiro e o alemão, quanto à
promoção de políticas para o desenvolvimento a partir de convênios inter-
nacionais. A investigação sobre este contexto nos permite ter maior clareza
sobre a intensificação das relações entre os governos destes dois países em
diferentes momentos da história, a partir da assinatura do acordo básico
de cooperação técnica de 1963.
A concepção e a institucionalidade das políticas para o desenvolvimen-
to têm origem nos países centrais, particularmente nos Estados Unidos,
país que assumiu a posição de liderança política e econômica no pós-guer-
ra. Muitos autores consideram que as diretrizes de uma política para o
desenvolvimento e as ações destinadas à cooperação em tal campo – nesse
período embrionário chamadas de assistência ao desenvolvimento – teriam

68 Elias, N. Escritos e Ensaios; 1. Estado, Processo, Opinião Pública. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2006.

66 Renata Curcio Valente


sido promovidas a partir do Point Four de Harry Truman e pelo Plano
Marshall, lançado em abril de 1948 pelo secretário de Estado e seria assu-
mido pela Administração de Cooperação Econômica dos Estados Unidos.
A partir de então, os países acompanharam os movimentos e os processos
de configuração e estruturação em suas respectivas administrações públi-
cas, de forma a poderem dialogar em uma mesma linguagem institucional,
seja para realizar projetos, seguindo o exemplo norte-americano, seja para
a recepção de recursos.
As publicações disponíveis sobre o tema não são muitas; o que existe
é em grande parte produzido por profissionais que trabalham em insti-
tuições governamentais de Estados Nacionais – órgãos diplomáticos, ou
agências e organismos internacionais: agências da ONU, Banco Mundial,
além de agências governamentais, como a GTZ, e não governamentais,
como a Fundação Heinrich Böll. Se considerarmos a posição de muitos dos
autores que trabalham sobre o tema, poderemos argumentar que grande
parte do que se produz sobre cooperação técnica enquadra-se na defi nição
da “história oficial” e reproduz pressupostos e prerrogativas do discurso
desenvolvimentista, sendo a cooperação técnica um de seus instrumentos.
Os processos de intervenção e administração de determinados Estados
sobre outros não são novos nem especificamente governamentais, mas têm
relação com uma dinâmica anterior, localizada no século XIX, que se refere
ao colonialismo e às formas de administração de territórios de além-mar, e
também com o interesse na expansão comercial.69 A intervenção no mundo
em desenvolvimento vem garantindo historicamente uma forma particular
de acúmulo de conhecimentos, os quais se originam de pesquisas científicas
realizadas por expedições financiadas pelos governos dos países centrais
nas áreas de agronomia, biologia, botânica, e de pesquisas sociais.
Nos últimos 50 anos, a complexidade nas relações de trocas e inter-
câmbios entre diferentes atores internacionais e nacionais intensificou-se.
No período entre 1945 e 1951 foram criados os principais organismos
multilaterais – a ONU, em 1945, e suas agências especializadas, o Fun-
do Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstru-
ção e Desenvolvimento (Bird) (também conhecido como Banco Mundial),
na Conferência de New Hampshire, e a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), a partir da Organização para Coo-

69 Lucy Mair, Arturo Escobar, James Ferguson, somente para citar alguns entre outros an-
tropólogos que vêm discutindo a relação entre antropologia e desenvolvimento.

A GTZ no Brasil 67
peração Econômica Europeia (OEEC), em 1947.70 No caso das agências da
ONU, os temas internacionais eram debatidos nos encontros internacio-
nais e nas reuniões das agências, como a Unesco, criada em 1945; a World
Health Organization (WHO), em 1946; a International Civil Aviation
Organization (ICAO), em 1947; a World Metheorological Organization
(WMO), em 1951; a International Atomic Energy Agency (IAEA), entre
outras. Foi nesse contexto que começou a se consolidar uma política mul-
tilateral de cooperação internacional.
Esta “história oficial” está fortemente conectada a uma ideologia da
dominação, dos vencedores da guerra, do progresso e do desenvolvimento.
Políticas sociais para o desenvolvimento, associadas à educação básica,
à saúde pública, à agricultura familiar e, mais recentemente, à questão
ambiental por meio do conceito do desenvolvimento sustentável, têm sido
o foco dos programas de cooperação técnica internacional destinados aos
chamados países em desenvolvimento. Como argumentam Okongwu e
Mencher, é fundamental analisarmos criticamente a relação entre ideolo-
gia e políticas públicas, uma vez que cada vez mais as atividades de coo-
peração para o desenvolvimento ganham peso, com a crescente conexão
entre os planos local, nacional e internacional na sua formulação.71

A cooperação internacional no pós-guerra


Predomina, nas referências bibliográficas sobre o tema, a visão de que a
institucionalização da cooperação técnica para o desenvolvimento se ini-
ciou formalmente na política internacional no fi nal dos anos 1940, inten-
sificando-se nos anos 1960 até meados dos anos 1970, quando foram cria-
das e consolidadas suas bases normativas e institucionais, precisamente
com os arranjos multilaterais e bilaterais. Para Inoue e Apostolova, bem
como para Cervo, a cooperação técnica internacional foi introduzida for-
malmente no sistema internacional em 1948, com a Resolução no 200 da
ONU, que veremos em detalhe mais à frente.72

70 Tickner, Fred. Technical cooperation. United Nations Special Projects Offi ce. New York:
Praeguer Publishers, 1966, p. 12.
71 Okongwu, Anne; Mencher, Joan. “The anthropology of public policy: shifting terrains.”
Annual Review of Anthropology, 29, p. 109, 2000.
72 Inoue, Cristina Y. A. & Apostolova, M. S. A cooperação internacional na política bra-
sileira de desenvolvimento. São Paulo: Abong; Rio de Janeiro: Núcleo de Animação Terra
e Democracia, 1995; Cervo, Amado Luiz. “Socializando o desenvolvimento: uma história
da cooperação técnica internacional do Brasil.” Revista Brasileira de Política Internacional.
Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, ano 37, n. 1, p. 39, 1994.

68 Renata Curcio Valente


Em trabalho histórico do período inicial de atuação das Nações Unidas
entre os anos 1940 e 1960, Fred Tickner relata sua experiência como fun-
cionário, abordando o papel das agências especializadas da ONU em com-
paração com a atuação individualizada dos Estados Unidos.73 Segundo ele,
as Nações Unidas teriam contribuído, a partir do fi nal da Segunda Guerra
Mundial, para a mudança de mentalidade em relação ao desenvolvimento
mundial e ao processo de institucionalização da cooperação internacional
como prática regular entre países.
Para Fred Tickner,74 no entanto, a chamada ajuda técnica (technical
aid) – expressão que será substituída por cooperação técnica – enquanto
uma prática regular entre países, teria se iniciado em momento que ante-
cedeu à Segunda Guerra Mundial, ao contrário do que usualmente se pro-
paga. Para ele, particularmente nos casos da Grã-Bretanha e da França, a
“gestão administrativa” das colônias por órgãos da Metrópole represen-
tou um meio pelo qual ocorreram diferentes transações, desde recursos
de pessoal, recursos técnicos, científicos e fi nanceiros até conhecimentos
e valores. Seu argumento é que, embora as colônias, em sua maioria, te-
nham conquistado a independência, muitas atitudes imperiais concomi-
tantes à conquista colonial ainda persistem, e, por razões apenas em parte
enraizadas na experiência imperial, as velhas divisões entre colonizador e
colonizado ressurgiram naquilo que muitas vezes é denominado de relação
Norte-Sul. 75
O autor destaca particularmente a continuidade existente no forneci-
mento de serviços públicos da Grã-Bretanha no que dizia respeito às práti-
cas coloniais, havendo para ele um fluxo nas relações Metrópole-Colônia,
assim como entre as funções de instituições coloniais e agências designadas
para exercer funções características de uma política de desenvolvimento.
O Colonial Office, o Foreign Office e o Commonwealth Relations foram
assumidos pelo Ministério de Desenvolvimento do Ultramar (Overseas
Development Ministry), que vai operar com fundos do Colonial Welfare
and Development Act.
A Grã-Bretanha, o maior império colonial, foi o primeiro país a ado-
tar uma política de assistência por meio de transferência de conhecimen-
tos técnicos e científicos, de pesquisa científica e de consultoria técnica

73 Tickner, Fred. Technical cooperation. United Nations Special Projects Offi ce. New York:
Praeguer Publishers, 1966.
74 Idem, p. 120.
75 Said, E. Cultura e imperialismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1999, p. 48-49

A GTZ no Brasil 69
da Inglaterra para as suas colônias, reconhecendo em 1929 o Colonial
Development Act, um dos documentos que introduziram a política de
assistência das metrópoles para o desenvolvimento das colônias, assunto
a ser fi nanciado por meio dos recursos de exportação ou de outros inves-
timentos privados. Esses serviços especializados – uma prática que ante-
cedeu e deu origem ao que posteriormente se instituiu como uma forma
de cooperação técnica e científica internacional – eram feitos em várias
áreas: de saúde animal e agricultura, de medicina tropical e educação su-
perior, no desenvolvimento de conhecimentos específicos científicos sobre
populações e espaços nacionais e estrangeiros. Eles eram realizados por
conselhos universitários (University Council), por instituições de pesquisa
(Research Board), ou por comitês de aconselhamento (Advisory Commit-
tee), tendo sido o Colonial Advisory Council for Agriculture and Animal
Health (Conselho Colonial para Agricultura e Saúde Animal) a primei-
ra instituição a ser criada em 1929, ano de estabelecimento do Colonial
Act.76 Estes representavam um conjunto de instituições da metrópole que
atuavam para controle do conhecimento sobre regiões que ocupavam ou
intervinham que atendiam à lógica de Estados metropolitanos.
A listagem de organizações consultivas do império britânico era ex-
tensa, o que justificou, do ponto de vista administrativo, a criação do Co-
lonial Office como instituição que centralizou posteriormente todas essas
funções, substituindo os conselhos. Com o processo de descolonização,
foram feitas mudanças na forma de classificação (na nomenclatura) das
instituições responsáveis pela função de promover o desenvolvimento das
colônias, a fi m de dissociá-las da tradição colonial. No entanto, na prática,
quase nada mudou no caráter funcional das instituições e naquele que se
referia aos recursos fi nanceiros disponíveis para tais atividades. Muda-
vam-se os nomes e as siglas, mas mantinham-se as práticas.
Em 1964, funções do Colonial Office, um departamento do governo
Britânico para administrar suas colônias, incorporado pelo Foreign and
Commonwealth Office em 1968, do Foreign Office77 e do Commonwealth
Relations seriam assumidas pelo Overseas Development Ministry (Minis-
tério de Desenvolvimento do Ultramar), que passaria a operar com fundos
do Colonial Welfare and Development Acts.78 Em 1970, novamente, extin-

76 Tickner, F., op. cit., p. 89.


77 O Foreign and Commonwealth Office é o departamento do governo para promoção de
interesses britânicos e pelo apoio a seus cidadãos no mundo.
78 Tickner, F., op. cit., p. 89.

70 Renata Curcio Valente


gue-se o Overseas Development Ministry, e suas funções foram transferi-
das para a Secretaria de Estado de Assuntos Exteriores e do Commonwe-
alth (Secretary of State for Foreign and Commonwealth Affairs), passando
o trabalho a ser executado pelo Overseas Development Administration,
parte do Foreign and Commonwealth Office.
Também o trabalho desenvolvido por Helen Lackner sobre a adminis-
tração indireta (Indirect Rule), adotado pela Grã-Bretanha na Nigéria, e
o processo de formação do Estado nigeriano, em fi nal do século XIX e
início do XX, é bastante elucidativo no que diz respeito a se estabelecer
uma correlação entre as formas de administração do período colonial e as
de implementação das atividades de cooperação técnica internacional.79
Lackner, que fez uma análise criteriosa e rica em detalhes da particula-
ridade da administração da Grã-Bretanha, coloca-nos diante de questões
históricas referentes àquele contexto, mas que explicam determinados as-
pectos gerais da administração indireta como um feitio de administração
colonial. Esta última surgiu como resultado da dificuldade em administrar
física e fi nanceiramente vastos territórios conquistados ao redor do mun-
do. A existência de instituições, autoridades locais e estruturas de poder
hierarquicamente bem defi nidas era condição que favorecia uma forma
de transmissão de ordens e regras por meio das forças e das autoridades
tradicionais locais existentes.80

A guerra e a diplomacia
Outra vertente originária da cooperação técnica internacional está asso-
ciada aos contextos de guerra e à lógica militar, surgida mesmo antes da
Segunda Guerra Mundial na forma de assistência.81 As funções do aparato
institucional militar de envio de alimentos, remédios e suprimentos para
populações afetadas por guerras ou confl itos, desabrigadas e refugiadas
– com o início, inclusive, de trabalhos de reassentamento de populações –
marcariam defi nitivamente as práticas que seriam depois desempenhadas

79 Lackner, H. “Social anthropology and indirect rule. The colonial administration and
anthropology in Eastern Nigéria: 1920-1940.” In: Asad, Talal (ed.). Anthropology and the
colonial encounter. New York: Humanities Press, 1973, p. 24-151.
80 Ela argumenta que a teoria funcionalista da escola britânica vincula-se à administração
indireta adotada pela Grã-Bretanha em suas colônias e protetorados e à relação dos antro-
pólogos com esta estrutura administrativa. O que se produziu tem conexão com o que se
observava e com a forma com a qual os antropólogos se inseriam na administração colonial.
Lackner, H., 1973, p. 148.
81 Ver Tickner, F., op. cit., p.3.

A GTZ no Brasil 71
por departamentos diplomáticos dos Estados Nacionais. Igrejas, hospitais
e outras instituições de assistência social teriam papel central na consoli-
dação de uma lógica de auxílio fundamentada na ideia de solidariedade.
As práticas voltadas para a reconstrução de países destruídos pela Se-
gunda Guerra Mundial ganharam força, em um primeiro momento, atra-
vés do Plano Marshall, com a prestação de ajuda e assistência, fundamen-
talmente militares, a populações atingidas pela guerra.
A cooperação aparece aqui como um dos eixos centrais da diplomacia,
condição para que ocorra negociação para a resolução de confl itos como
uma alternativa à guerra. O contexto militar e as práticas de assistência
ou ajuda humanitária em situações de guerra caracterizam uma das mais
antigas experiências referidas como technical aid e technical assistance
(ajuda técnica e assistência técnica).
A ajuda humanitária durante e após as guerras, particularmente nos
anos 1940, com a Segunda Guerra Mundial, antecedeu o que viria a ser
chamado de cooperação técnica para o desenvolvimento. Com a difusão
de princípios de reconhecimento da soberania dos povos e da igualdade de
direitos, estabelecidos na Carta das Nações Unidas logo após a Segunda
Guerra Mundial, instaurava-se um contexto internacional de paz e cresci-
mento econômico sob a hegemonia americana, o que estaria sinalizando
uma mudança de mentalidade em meados dos anos 1940:82

“at the same time it has become generally accepted that the less fortunate
countries also have the rights to share in the benefits to be derived from
progress […] these changes in thinking all have their implications in the
Charter of the United Nations”.

Como extensão e complementaridade das práticas militares, particu-


larmente da guerra como forma de resolução de desacordos internacionais,
a diplomacia refletiria uma outra forma de expressão dos interesses de po-
der dos Estados Nacionais, associados ao território e às questões políticas,
nas relações com outros Estados em tempos de paz.83

82 Tickner, F., op. cit., p. 3.


83 De acordo com as defi nições do Dicionário de Ciências Sociais (op. cit., p. 505-508 apud
Silva, B.; Miranda Netto, A.C. et al., p. 351), um dos problemas principais em qualquer ten-
tativa de defi nir diplomacia é sua ligação com a guerra, ficando evidente que a relação entre
assuntos que dizem respeito ao campo militar estão fortemente vinculados a negociações no
campo da diplomacia. Para alguns, diplomacia representa a alternativa pacífica e negociada
à guerra que, uma vez ocorrendo, expressa o fracasso da diplomacia.

72 Renata Curcio Valente


Em trabalho desenvolvido como consultor da Divisão de Comércio In-
ternacional e Transporte da Cepal, Luciano Tomassini84 realizou um le-
vantamento dos significados da diplomacia em dicionários especializados,
como o Dicionário Littré, que nos remete ao papel da cooperação inter-
nacional. Diplomacia é, segundo Tomassini: “la acción de solucionar los
diferendos públicos, sobre todo los internacionales”.85 Já no Dictionnaire
Diplomatique, temos: “negociación y cooperación son la razón de ser,
no solamente del agente diplomático en cuanto jefe de misión, sino de la
diplomacia en su conjunto”.
Assim, foi no campo da diplomacia que pioneiramente as práticas da
cooperação internacional se formalizaram de maneira mais avançada e
onde ganharam suas características mais conhecidas, como a política de
relações exteriores de um Estado. Também fundamental foi o papel da
Organização das Nações Unidas neste sentido.

Assistência Técnica e as Nações Unidas


Uma das instituições que colaboraram para o avanço das discussões sobre
cooperação técnica internacional foi a United Nations Relief and Reabili-
tation Administration (UNRRA), que atuou entre 1943 e 1949 na ajuda às
populações desabrigadas e aos refugiados de guerra.86 A UNRRA atuava
com recursos provenientes principalmente da Grã-Bretanha e dos Estados
Unidos, mas perdeu força à medida que os programas do Plano Marshall
se consolidavam.87 O Conselho Econômico e Social (Ecosoc) da ONU pas-
sou a ter também maior participação, e exigiu da Assembleia Geral que se
retirassem da UNRRA as funções de “assistência ao bem-estar social”, e
solicitou um comprometimento do secretário geral no sentido de que to-
masse medidas para a promoção da cooperação internacional para recons-
trução do pós-guerra. Atribuía-se a este tipo de intervenção internacional
o termo “assistência técnica ao bem-estar”, relacionado às políticas do Es-
tado de Bem-Estar Social (Welfare State), entre elas, a technical assistance,
expressão que foi mencionada pela primeira vez em 1946, pelo Ecosoc.88

84 Tomassini, Luciano. Desarrollo económico y cooperación internacional. Santiago: Cepal, ju-


nho, 1993, p. 2.
85 Idem..
86 Tickner, Fred, op. cit., p. 10.
87 Idem, p. 12.
88 Idem, p. 3.

A GTZ no Brasil 73
Neste ano, a Assembleia Geral da ONU, ao autorizar a contratação
de recursos humanos para atuar na área de “bem-estar social”, contribuiu
para a defi nição das primeiras diretrizes de assistência técnica das Nações
Unidas: ajuda através do envio de experts (especialistas) e de assessores
técnicos especializados (expert advice). Dessa forma, as primeiras ativida-
des de assistência técnica se deram por meio do envio de peritos ou espe-
cialistas e do fornecimento de equipamentos para uso dos oficiais, o que
era objeto de demonstração de projetos-piloto. Além disso, eram práticas
comuns a oferta de bolsas de estudos (fellowship awards) e o recebimento
de estudantes das colônias nas suas instituições de formação.
Essas atividades contribuíram para a elaboração do Programa de As-
sistência das Nações Unidas, que foi criado em 1948, com a assinatura
da Resolução nº 200. Seu texto defi nia que assistência técnica envolve-
ria o envio de especialistas (experts e peritos) para atuarem nos países,
a educação no estrangeiro de especialistas dos países insuficientemente
desenvolvidos (bolsas de estudo no exterior), a organização da formação
de técnicos locais, a ajuda aos governos com recursos humanos, material
e equipamentos técnicos necessários (fornecimento de equipamentos) e a
estruturação de seminários e intercâmbio de informações atualizadas (ati-
vidades pedagógicas de formação). A Resolução no 200 ampliou os termos
em que se defi nia assistência técnica em relação ao que fora estabelecido
na Assembleia Geral de 1946 e seria considerada decisiva para o desenvol-
vimento de atividades de assistência técnica, tendo instituído a expressão
e criado os fundos apropriados a essa modalidade de assistência.89
A defi nição de critérios para prestação de assistência técnica deixava
claro o interesse em estabelecer esta área de “assistência ao bem-estar”
como um campo técnico e não político. Como critério, esse tipo de assis-
tência seria consolidado exclusivamente com governos ou através da sua
condução e deveria responder às necessidades do país interessado e ser
proporcionada na forma desejada, objetivando os mais altos níveis de qua-
lidade e competência técnica.

O Plano Marshall e o Ponto Quatro


Em 1947, o presidente norte-americano Harry Truman lançava a “Dou-
trina Truman”, uma política de investimentos em infraestrutura para os
países europeus destruídos pela guerra, formulada como uma operação

89 Tomassini, L., op. cit., p. 4-5.

74 Renata Curcio Valente


econômico-ideológica para a contenção do comunismo. Sua finalidade se-
ria restaurar a prosperidade europeia90 após a guerra, particularmente as
economias destruídas, evitando que se aliassem ao mundo comunista.91
A reconstrução europeia e o desenvolvimento econômico decorrente dos
investimentos norte-americanos pareciam as principais bandeiras para im-
pedir tal processo. O Plano Marshall foi colocado em prática a partir de
abril de 1948 por meio de um órgão do Estado norte-americano, a Admi-
nistração de Cooperação Econômica (Economic Cooperation Administra-
tion).
A Doutrina Truman veio reforçar a lógica das políticas de “assistência
para o desenvolvimento”, estimulando uma política de “boa vizinhança”,
de ampliação dos laços de amizade e de relações econômicas, sociais e
culturais, e caracterizaria o estabelecimento de áreas de influência que
expressavam vínculos históricos, culturais e linguísticos muitas vezes as-
sociados a relações coloniais que as precederam.
O Plano não foi destinado somente aos países derrotados, mas também
aos Aliados, visando fortalecer a economia europeia como um todo e, em
consequência, a economia mundial, por meio da importação de produtos
americanos, concessão de empréstimos para investimentos em reconstru-
ção e a propaganda ideológica da solidariedade americana.92
Quando eleito para o segundo mandato em janeiro de 1949, Truman
apresentou um discurso com três pontos, os quais seriam a base de atua-
ção dos Estados Unidos em relação a uma política de desenvolvimento: a
liderança na sustentação das Nações Unidas, a criação do Plano Marshall
e a criação da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Havia, no entanto, um quarto item que chamou a atenção, o Ponto Qua-
tro, que dizia que “pela primeira vez na história, a humanidade possui o
conhecimento e a habilidade para aliviar o sofrimento das pessoas. Os
Estados Unidos são preeminentes entre as nações no desenvolvimento de
técnicas industriais e científicas. Os recursos materiais que podemos nos
dar ao luxo de usar para a assistência de outros povos são limitados. Mas

90 O Plano Marshall deu ao Ministro de Estado norte-americano, general George Marshall,


o Prêmio Nobel da Paz em 1953.
91 Tomassini, L., op. cit., p. 9.
92 Quanto a este ponto, Harries argumenta que o efeito do Plano Marshall na Alemanha
serviu como exemplo para confi rmar o sucesso de seus objetivos de refrear a expansão co-
munista e restabelecer a força econômica do “Ocidente”. Harries, H. Financing the future: a
german bank with a public mission. Frankfurt/Main: Fritz Knapp Verlag, 1998, p. 45.

A GTZ no Brasil 75
os nossos recursos inestimáveis de conhecimento técnico estão crescendo
constantemente e são inesgotáveis”.93
Neste discurso aparecem todos os elementos que posteriormente iriam
caracterizar as formas de intervenção adotadas como “assistência ao de-
senvolvimento”: a assimetria em termos de diferenças de conhecimentos
técnicos e tecnológicos, industriais e científicos; a ênfase na necessidade
de ajudar em função da carência e do padecimento de “outros” povos; a
ilimitada capacidade dos Estados Unidos de ajudar; sua disponibilidade de
recursos materiais e fi nanceiros; a definição de condições para recebimen-
to de recursos pelos que eram “de paz”, ou seja, aliados ideologicamente
ligados aos Estados Unidos. O Ponto Quatro foi assumido como uma de-
terminação da política externa norte-americana, passando a coordená-lo
através da Administração de Cooperação Técnica (Technical Cooperation
Administration of United States), estabelecida no Departamento de Estado
Norte-Americano em 1950.
Assim, ficou conformado um amplo modelo de programa de ação desti-
nado a promover o desenvolvimento de países que não o tivessem. Era uma
iniciativa que partia dos Estados Unidos que, enquanto liderança política
e econômica, anunciava as diretrizes mais amplas que não se restringiam
à sua política externa. Os fóruns internacionais das Nações Unidas – As-
sembleia Geral da ONU – prestaram-se a ser um espaço de interlocução e
de repercussão das propostas norte-americanas em relação ao desenvolvi-
mento e à cooperação técnica.
As ações de cooperação estabelecidas no Ponto Quatro deveriam ser
implementadas pela ONU e por suas agências especializadas, mas não
era possível fazê-lo administrativa ou politicamente. Em 1948, as Nações
Unidas não tinham muitos recursos para a assistência técnica ao desen-
volvimento econômico, o que caracterizava a instituição de ter “princí-
pios admiráveis, mas sem suporte econômico”, considerando-se que tinha
somente US$ 288 mil.94 Para Tickner, o programa de assistência técnica
da ONU também encontrou dificuldades de organização pela falta de pes-
soal, problemas em relação aos impactos em função da atuação dos peritos
técnicos nos locais. Dessa forma, a improvisação teria marcado os primei-
ros esforços de cooperação técnica da ONU.95

93 Lopes, Carlos. Cooperação e desenvolvimento humano: a agenda emergente para o novo


milênio. Anexo 1. São Paulo: Unesp, 2005, p. 195.
94 Tickner, F., op. cit., p. 15.
95 Id., ibid., p. 24-34.

76 Renata Curcio Valente


Em agosto de 1949, o Ecosoc96 aprovou o Programa Ampliado de As-
sistência Técnica, que contaria com recursos de um fundo formado por do-
ações de seus membros, fora do orçamento da instituição, e com a criação
de um departamento para administrá-lo – o Technical Assistance Board
– e um Comitê de Assistência Técnica.97 Este programa foi o predecessor
do PNUD, também oferecido pelas Nações Unidas.
Ainda que instituições multilaterais tivessem sido criadas nos anos
1940 para promover maior coordenação entre políticas dos Estados Nacio-
nais, até meados dos anos 1960 grande parte dos recursos fi nanceiros, de
equipamentos e de pessoal circulantes internacionalmente eram orientados
por meio de relações bilaterais, entre Estados Nacionais, sendo os Estados
Unidos de longe o principal ator na promoção dessas atividades.98
Os recursos orçamentários destinados a países chamados “em desen-
volvimento” revelavam a primazia das relações bilaterais. No entanto,
Tickner argumenta que as organizações internacionais ganhavam pro-
gressivamente força e autoridade no plano internacional pós-guerra, e
contribuíam para um “fórum” multilateral de articulação política em que
eram estabelecidas “agendas internacionais”.
Neste sentido, outro organismo que teria grande importância na insti-
tucionalização da cooperação internacional, além da ONU, seria a Orga-
nização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), forma-
da por um grupo de potências industriais, produtores de 60% dos bens e
serviços mundiais. Ela surgiu a partir da Organização para Cooperação
Econômica Europeia (OCEE), que se estabeleceu em 1947, com suporte
dos Estados Unidos e do Canadá, para coordenar o Plano Marshall na
reconstrução da Europa no fi nal da Segunda Guerra. Criada como con-
traparte econômica da Otan, a OCDE desligou-se da OCEE em 1961, e
apresentava-se como uma organização não excludente, afi rmando que a
condição para tornar-se membro limitava-se a um compromisso do país
com a economia de mercado e uma democracia pluralista. Os não mem-
bros eram convidados a participar dos acordos e dos tratados da OCDE.
Os países donatários agrupados no Comitê de Assistência ao Desenvolvi-

96 “Ecosoc 222 {IX} de 14 e 15 de agosto de 1949.” Lopes, Carlos, op. cit., p. 196.
97 Tickner, op. cit., p. 15-16.
98 Os recursos do programa de cooperação técnica das Nações Unidas, representavam em
1963 cerca de 10% dos fluxos de fundos públicos para assistência técnica internacional. Ver:
Tickner, ibidem, p. 7.

A GTZ no Brasil 77
mento (Development Assistance Committee – DAC) contabilizavam mais
de 90% da Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA) no mundo.
O fato é que nas duas primeiras décadas posteriores à Segunda Guerra,
entre fi nal dos anos 1940 e fi nal dos 1960 foram estabelecidos os pilares
dessas políticas pelos Estados Unidos, influenciando a criação de insti-
tuições multilaterais. Quanto à política dos Estados Unidos para o desen-
volvimento, imediatamente posterior a Truman e já na era de Eisenhower,
houve um retrocesso quanto às políticas de financiamento público para o
desenvolvimento propostas no Ponto Quatro. O novo presidente priorizou
investimentos privados e fortaleceu o papel do Banco Mundial em relação
à América Latina.
Foi ainda nos anos 1970 que as Nações Unidas adotaram o conceito de
cooperação entre países em desenvolvimento, ou cooperação horizontal,
que redefi niria as bases sobre as quais se sustentavam os princípios de coo-
peração para o desenvolvimento, no sentido de uma maior simetria em ter-
mos de níveis de desenvolvimento. A reação a esta premissa foi esboçada,
em primeiro lugar, em uma série de conferências para o desenvolvimento
realizada nos anos 1970, a United Nations Conference on Trade and De-
velopment (Unctad). Em 1978, em Buenos Aires, aconteceu a Conferência
Mundial sobre Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento, ins-
tituindo uma prática que o Brasil passaria a adotar com crescente interesse
a partir de então, de forma especial, em relação aos países africanos e
latino-americanos.99 Já havia acordos de cooperação horizontal do Brasil
com esses países desde 1972, a maioria deles diretamente entre governos,
mas em alguns casos envolvendo um grupo de países, como acordos para
a América Latina e para os países de língua portuguesa.100
Vejamos, no contexto nacional brasileiro, as inovações em relação ao
aparato institucional para cooperação internacional que vinha sendo criado.

Cooperação técnica no Brasil: os primeiros passos


No Brasil, mudanças na estrutura da administração pública em relação
a acordos de cooperação técnica têm sido feitas desde os anos 1950, e
intensificaram-se nos anos 1960 e 1970 com a assinatura de “acordos bá-
sicos de cooperação técnica”, os quais vigoram até os dias de hoje. Nesse

99 Cervo, Amado Luiz. “Socializando o desenvolvimento: uma história da cooperação téc-


nica internacional do Brasil”. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília: Instituto
Brasileiro de Relações Internacionais, ano 37, n. 1, p. 44, 1994.
100 Em: www.abc.mre.gov.br/ctpd/ctpd/htm. Acessado em: 24/3/2007.

78 Renata Curcio Valente


período, foram criadas instituições que viabilizariam no Brasil, por meio
de organismos internacionais, as políticas de “promoção do desenvolvi-
mento”, que seriam denominadas políticas de “assistência técnica” para o
desenvolvimento.
Este processo reflete tendências que vinham ocorrendo de forma mais
geral no mundo capitalista. Estavam sendo criadas as primeiras agências
ligadas à Organização das Nações Unidas, além de outros organismos in-
ternacionais que estimulavam o fluxo de recursos fi nanceiros e de conhe-
cimentos especializados entre fronteiras nacionais para promover o desen-
volvimento. No Brasil, após oito anos de ditadura do Estado Novo, entre
1937 e 1945, o período em que Eurico Gaspar Dutra assumiu a presidência
ficou conhecido pela redemocratização e pelo renascimento dos partidos
políticos. No que diz respeito às orientações de política externa, a atuação
do Brasil em fóruns internacionais, nesse momento, seguia o voto dos Es-
tados Unidos em todas as questões, supondo os dirigentes brasileiros que o
Brasil ocupava a posição de aliado especial no continente americano.101 A
ideia de segurança hemisférica foi aos poucos se constituindo nos quadros
de referência ideológica da Guerra Fria. Segundo Moura, a consolidação
da proposta de segurança hemisférica, que foi lançada na Conferência de
Chapultepec, no México, em 1945, exigiria mudanças no quadro institu-
cional dos países.
Várias reformas foram iniciadas a partir de 1946, especialmente no
Exército, seguindo os modelos norte-americanos. Entre os exemplos, vale
citar a criação do Estado Maior das Forças Armadas, a reorganização do
Ministério da Guerra e a concepção da Escola Superior de Guerra, o que
revela os efeitos desencadeados a partir do momento em que são assumi-
dos compromissos internacionais. Quanto à cooperação multilateral, foi
criada em 1953 a Comissão Nacional de Assistência Técnica (CNAT), que
fez parte do Ministério das Relações Exteriores.102
No que se refere às relações bilaterais diretas entre governos, o Bra-
sil já havia assumido compromissos com o governo dos Estados Unidos

101 Esta é a visão de Moura, Gerson. Sucessos e ilusões: relações internacionais do Brasil
durante e após a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: FGV, 1990. Também em Besser-
man Vianna, S. “Política econômica externa e industrialização”. In: Abreu, M. de P. (Org.). A
ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana 1889-1989. Rio de Janeiro:
Campus, 1990, p. 105-122; e em Abreu, M. de P. “Infl ação, estagnação e ruptura”. In: .
(Org.). A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana 1889-1989. Rio
de Janeiro: Campus, 1990, p. 197-212.
102 A CNAT foi regulamentada pelo Decreto no 34.763/1953.

A GTZ no Brasil 79
em 1950, quando assinou o Acordo Básico de Cooperação Técnica com
aquele país.103
Durante o governo Dutra, havia uma expectativa de obtenção de re-
cursos externos, particularmente de assistência fi nanceira oficial do go-
verno dos Estados Unidos, bem como de capitais privados internacionais
para projetos de desenvolvimento em infraestrutura, o que se esperava
consolidar com a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), ins-
tituída em dezembro de 1950.104 No entanto, em 1953, a CMBEU ruiu,
segundo Besserman Vianna, em função de mudanças de orientação da
política norte-americana, sendo abandonada, como sinalizamos, a política
do Ponto Quatro com a entrada de Eisenhower como presidente.105 Para
Orestein e Sochaczewski, a CMBEU teria deixado algumas consequências
importantes no que diz respeito a uma política de desenvolvimento, como
a criação, naquele momento, do Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-
nômico (BNDE), em 1952.106 Em 1956, foi formado o Conselho de Desen-
volvimento, órgão subordinado diretamente à Presidência da República,
encarregado de traçar uma estratégia de desenvolvimento para o País.107
Em 1959, o Escritório do Governo Brasileiro para Coordenação do
Programa de Assistência Técnica foi criado pelo Decreto no 45.660 em
março de 1959 e o Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o
Progresso (Contap), em 1965, pelo Decreto no 56.979, o que reflete o ali-
nhamento com as decisões norte-americanas.
No Brasil, até o fi nal dos anos 1960, as práticas de assistência técnica
internacional eram descentralizadas em diferentes órgãos do aparelho da
administração pública brasileira, apesar de algumas instituições nacionais

103 Em: www.mre.gov.br/abc. Acessado em: 24/3/2007.


104 A CMBEU foi criada como resultado das propostas da Missão Abbink, constituída entre
Brasil e Estados Unidos em 1948, destinada a estudar as condições de desenvolvimento do
País. A CMBEU vigorou de 19/07/1951 a 21/12/1953, tendo sido aprovados neste contexto
41 projetos.
105 Vianna, S. B. “Duas tentativas de estabilização: 1951-1954.” In: Abreu, M. de P. (Org.).
A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana 1889-1989. Rio de Ja-
neiro: Campus, 1990, p. 123-150.
106 A incorporação do “social” à sigla do BNDE veio posteriormente; naquela época era
somente Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE).
107 O Conselho de Desenvolvimento formulou o Plano de Metas em 1956, cujos projetos
se basearam nos diagnósticos e nas defi nições da CMBEU e nas propostas do Grupo Misto
Cepal/BNDE, criado em 1953 também como consequência da CMBEU. Ver: Orestein, L. &
Sochaczewski, A. C. “Democracia com Desenvolvimento: 1956-1961.” In: Abreu, M. de P.,
op. cit., p. 171-195.

80 Renata Curcio Valente


destinadas a lidar com programas multilaterais e bilaterais já terem sido
criadas nos anos 1950.
No que diz respeito às relações entre Brasil e Alemanha, alguns autores
argumentam que até meados dos anos 1960 não havia uma política clara
de aproximação entre os dois países.108 Tendo sido iniciadas em maio de
1962 as negociações intergovernamentais entre Brasil e Alemanha, somen-
te em 1963 foi assinado o Acordo de Cooperação Técnica entre os dois
países, o que iria promover a intensificação de suas relações, como argu-
menta Lohbauer.109

Anos 1960-1970
Como vimos, nos anos 50 já haviam iniciativas quanto à criação de ins-
tituições para programas de assistência técnica no Brasil. No entanto, o
Decreto 65.476, de 1969, é considerado o marco de fundação de um sis-
tema interministerial para coordenação da cooperação técnica bilateral e
multilateral no Brasil.110, 111
O Decreto no 65.476/69 versa sobre atividades de cooperação técnica
internacional e determina que os órgãos competentes para tratar de assun-
tos referentes à cooperação técnica internacional seriam a Subsecretaria de
Cooperação Econômica e Técnica Internacional (Subin), do Ministério do
Planejamento e Coordenação Geral, e a Divisão de Cooperação Técnica
do MRE.112 O Ministério do Planejamento e Coordenação Geral estabe-
leceria a formulação da política interna de cooperação técnica e a coor-
denação de sua execução, e caberia ao Ministério de Relações Exteriores
a formulação de política externa de cooperação técnica, a negociação dos
seus instrumentos básicos e o encaminhamento de solicitações de agências
e de organismos estrangeiros.113 Ainda assim, todos os ministérios tinham

108 Lohbauer, C. Brasil-Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação
Konrad-Adenauer, 2000, p. 29.
109 Idem, p. 37.
110 Cervo, Amado Luiz, op. cit., p. 37-63.
111 Inoue, Cristina Y. A. & Apostolova, M. S., op. cit., p. 22.
112 Idem, Artigo 4o.
113 MRE. Decreto no 65.476, de outubro de 1969. In: http://www6senado.gov.br/legislacao/
listapublicacoes.action?id=196112. Acessado em: 24/3/2007.

A GTZ no Brasil 81
suas assessorias internacionais, as quais intervinham na aprovação dos
projetos, como afi rmam Inoue e Apostolova.114
De acordo com o texto do decreto, a Comissão Nacional de Assistência
Técnica (CNAT), bem como o Escritório do Governo Brasileiro para Co-
ordenação do Programa de Assistência Técnica e o Contap foram extintos,
e suas atribuições passaram à Subin e à Divisão de Cooperação Técnica do
Ministério de Relações Exteriores, que assumiram a responsabilidade de
tratar de assuntos de cooperação técnica internacional a partir de então.
Estava sendo estruturado um sistema interministerial para a coordenação
da cooperação técnica internacional bilateral e multilateral, tendo o Ita-
maraty o seu papel fortalecido em razão da sua capacidade negociadora
pela via diplomática, da mesma forma que a Subin. Isto porque a Secre-
taria de Planejamento tinha a função de determinar quais os projetos de
cooperação internacional que atendiam aos objetivos e às prioridades de
desenvolvimento nacional.
Nessa época institucionaliza-se a lógica de divisão entre um departa-
mento “técnico” e outro fi nanceiro para análise dos programas encami-
nhados: de um lado, a Coordenação da Cooperação Técnica no Ministério
das Relações Exteriores analisava os projetos, como o próprio nome diz,
sob o ponto de vista técnico; a Coordenação da Cooperação Financeira,
no Ministério do Planejamento, por sua vez, avaliava as condições de via-
bilidade dos projetos do ponto de vista fi nanceiro. Os mesmos critérios
permanecem até os dias de hoje, tendo havido apenas mudança nos nomes
dos departamentos.115 Tomavam-se por referência os Planos Nacionais de
Desenvolvimento, ou planos regionais, estabelecidos como diretrizes das
políticas públicas nacionais.
A diferença qualitativa que se atribuía à assinatura do Decreto no
65.476/69 em relação ao desenvolvimento de um “sistema de cooperação
técnica no Brasil” era, além da centralização institucional, a presença do
aperfeiçoamento dos mecanismos existentes destinados aos programas de
cooperação técnica internacional, com a elaboração de um manual de nor-
mas e procedimentos relativos à tramitação de projetos, que objetivava a
padronização da formulação desses mesmos projetos até a sua execução e
a elaboração de relatórios.116

114 Inoue, Cristina Y. A. & Apostolova, M. S., op. cit.


115 Idem, p. 21.
116 Idem, p. 23.

82 Renata Curcio Valente


O Decreto no 65.476/69 não foi instituído pelo presidente da Repú-
blica, mas sim pelos ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da
Aeronáutica Militar, que faziam parte da Junta Militar que entrou em 31
de agosto de 1969, com o agravamento da saúde do então presidente Costa
e Silva. A Junta Militar ficou no poder até 30 de outubro de 1969, assinan-
do neste interregno o decreto, em 21 de outubro do mesmo ano.
Nos anos 1970, as relações políticas e econômicas entre Brasil e Ale-
manha se intensificaram. Segundo Lohbauer: “o Brasil se tornaria assim,
depois da Segunda Guerra Mundial, e especialmente no começo dos anos
1970, o “Eldorado” dos investidores alemães.”117 Segundo o autor, o país
recebeu mais de 2/3 dos investimentos alemães na América do Sul. Em
termos políticos, algumas visitas mútuas entre meados e fi nal dos anos
1960, marcaram a aproximação entre os dois países, sendo o Acordo Bá-
sico de Cooperação Técnica, de 1963, e o Acordo Bilateral de Cooperação
Nuclear, de 1964, entre Brasil e Alemanha os principais eixos de consoli-
dação desta aproximação.118
Nos anos 1970, no quadro das relações exteriores do Brasil, marcado
pelo Pragmatismo Responsável, Alemanha Ocidental tornou-se uma al-
ternativa aos Estados Unidos, caracterizando a intensificação das relações
entre os dois países no que se usou chamar de “aliança especial”.119 Foram
significativos os investimentos privados no período entre 1970-1975, sen-
do o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, assinado em junho de 1975, consi-
derado como a formalização desta aproximação.120
Durante a década de 1980, argumenta-se que as atividades de coope-
ração técnica internacional entraram em declínio com a segunda crise do
petróleo, em 1979, que atingiu as economias dos países desenvolvidos, ca-
racterizando um período de forte retração econômica internacional, pouco
favorável em termos de disponibilidade de recursos para as atividades de
cooperação internacional.121 A crise econômico-fi nanceira internacional

117 Lohbauer, C., op. cit., p. 52.


118 Em maio de 1964, veio ao Brasil o presidente da Alemanha, Heinrich Lübke, destacando
em seu discurso a importância da cooperação alemã no desenvolvimento do Brasil; em setem-
bro de 1968, foi a vez de Willy Brandt, em uma primeira visita realizada por um ministro do
Exterior ao Brasil, que foi seguida pela visita do ministro de Relações Exteriores, Magalhães
Pinto, a Alemanha para consolidar o programa bilateral de cooperação técnico-científica na
área nuclear.
119 Lohbauer, C., op. cit., p. 58.
120 Id., ibid., p. 52.
121 Inoue, Cristina Y. A. & Apostolova, M. S., op. cit., p. 25-28.

A GTZ no Brasil 83
refletiu-se diretamente nos fluxos de recursos destinados à cooperação in-
ternacional, marcando de 1981 a 1987 uma fase de relativa estagnação no
que diz respeito à cooperação internacional. No caso específico do Brasil,
a economia brasileira revelou instabilidade e depreciação monetária cons-
tante, em uma crise inflacionária que acarretou para o período a denomi-
nação de década perdida.

A criação da ABC
Em 1987, foi criada a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), com o
Decreto nº 94.973, vinculada à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag),
do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Sua criação foi considerada
um passo importante em relação à organização de uma estrutura institu-
cional e, portanto, à consolidação de um sistema de cooperação interna-
cional no Brasil.122
Alguns cientistas e peritos técnicos que desenvolveram projetos de
cooperação técnica no Brasil antes da existência da ABC, mesmo nos anos
1980, afi rmam que havia uma descentralização das instâncias decisórias
da cooperação técnica no Brasil. Cada ministério tinha seu departamento
internacional, onde eram negociados os projetos com o MRE, individual-
mente.123 Os procedimentos eram incipientes e dispersos em vários depar-
tamentos, o que tornava o processo de negociação de um projeto muito
lento. Com sua criação, a ABC centralizou a negociação dos projetos, e
desenvolveu procedimentos e normas.124
A ABC tem a atribuição de ser o órgão normatizador da cooperação
técnica internacional do governo brasileiro, sendo responsável pela execu-
ção e coordenação da cooperação técnica por meio dos processos de opera-
cionalização dos acordos, nos quais ficam defi nidas as atribuições de cada
participante. Nesta agência, é possível obterem-se todos os documentos
que regulamentam as relações do governo brasileiro com outros governos
ou organizações internacionais. Hoje em dia, os projetos de cooperação
técnica e fi nanceira são assinados entre o ministro das Relações Exteriores
do Brasil e o embaixador de outro país, estando sujeitos à aprovação dos
Congressos Nacionais dos respectivos países.

122 Cervo, Amado Luiz, op. cit., p. 37-63.


123 Entrevista concedida por um dos pioneiros na atuação da GTZ no Brasil, atualmente
aposentado. Belo Horizonte, 08/01/2007.
124 Entrevista concedida em São Paulo, em 22/01/2007.

84 Renata Curcio Valente


No Brasil, apesar de haver interação entre as áreas de cooperação téc-
nica e fi nanceira, elas são realizadas por instâncias distintas de governo:
a cooperação técnica é realizada pela Agência Brasileira de Cooperação,
ligada ao Ministério de Relações Exteriores, que acompanha também pro-
cessos relativos à cooperação acadêmica ou científica; a cooperação fi nan-
ceira passa pela Secretaria de Assuntos Internacionais (Seain), do Minis-
tério do Planejamento. Este padrão do Brasil é semelhante a vários outros
países, mas se difere do caso da Alemanha, em que todas as formas pelas
quais se estabelece cooperação internacional se encontram agrupadas em
uma mesma estrutura administrativa de governo, um mesmo ministério.
Para estabelecer relações de cooperação com o Brasil, o procedimento
para viabilizar a entrada de recursos fi nanceiros e técnicos passa necessa-
riamente pela Seain, no caso de cooperação fi nanceira, e pela ABC. A ABC
coordena a elaboração de programas de cooperação técnica, centralizando
o recebimento, a seleção e o encaminhamento às fontes externas (agências
de cooperação fi nanceira internacional, sejam multilaterais ou bilaterais),
da mesma forma que recebe demandas internacionais para encaminhar a
organismos nacionais que prestam cooperação internacional.
A ABC é a instância que fornece as instruções para a formulação de
um projeto de cooperação técnica por meio do Manual de orientação para
formulação de projetos de Cooperação Técnica Internacional (CTI). Para
que um órgão do governo desenvolva um projeto de cooperação técnica,
ele deve adotar o seguinte procedimento: apresentar à ABC um formulário
de solicitação de cooperação técnica, especificando qual agência de coope-
ração técnica é por ele solicitada, e o país de origem. Assim, nos trâmites
dentro da ABC, a solicitação é encaminhada a um “técnico”, funcionário
de um departamento específico: cooperação técnica multilateral (CTRM)
ou bilateral (CTRB).
O responsável na ABC pela área da cooperação correspondente faz
uma avaliação do projeto de acordo com critérios domésticos de desenvol-
vimento, dimensionando também seu impacto nacional ou regional, seus
efeitos multiplicadores, sua capacidade institucional, entre outros, como
indicadores de sucesso de um projeto.
A ABC atua como um órgão intermediário entre agência internacio-
nal e órgão brasileiro para a adequação de seus pedidos de atividades
de cooperação técnica e científica por meio de projetos. Ela acompanha
todo o processo de negociação de acordos e projetos junto às instâncias de
articulação dos países envolvidos, em suas várias etapas: primeiramente,
recebe os projetos a serem realizados no Brasil, elabora pareceres técnicos

A GTZ no Brasil 85
avaliando as condições de adequação e viabilidade técnica de execução do
projeto, encaminha para o departamento de análise do Ministério de Re-
lações Exteriores, conforme o tema em questão – seja meio ambiente ou te-
mas sociais, por exemplo – remete o projeto para ajustes, caso necessário,
para a instituição que o formulou para ser redefi nido conforme a proposta
indicada. Sendo aprovado no âmbito da ABC, satisfazendo os critérios de
exigência do Brasil, ele segue para a embaixada do país em questão, para
seu andamento. Aprovado e iniciado o projeto, a ABC acompanha todas
as fases de sua execução.
No caso de um projeto apresentado por um órgão público brasileiro
para apoio do governo alemão, como explicou um ex-perito alemão da
agência alemã, o projeto é enviado pela GTZ para a ABC, no Brasil. A
ABC remete à Embaixada alemã no Brasil, que, por sua vez, envia ao
BMZ, o Ministério alemão responsável, que avalia o projeto em várias ins-
tâncias e defi ne qual será a agência alemã que desenvolverá o projeto. No
caso de ser a GTZ, o projeto aprovado lá na Alemanha, retorna ao Brasil,
sendo solicitada à GTZ uma avaliação preliminar dos projetos brasileiros
apresentados e elaborada uma proposta própria para a participação ale-
mã, enviada então ao BMZ que, por sua vez, formaliza o projeto ao enco-
mendar sua execução para a GTZ. Se ambas as partes entram em acordo,
o projeto é considerado aprovado e encaminhado para execução, conforme
fluxograma simplificado a seguir:

Figura 1. Fluxograma simplificado do ciclo de projetos Brasil-Alemanha

A estrutura administrativa da ABC organiza-se de forma que suas


unidades correspondem ao tipo de relações de cooperação, sendo elas:
Cooperação Técnica Multilateral Recebida (CTMR), Cooperação Técnica
Bilateral Recebida (CTBR) e Cooperação Técnica para Países em Desen-

86 Renata Curcio Valente


volvimento (CTPD). Tanto a CTMR quanto a CTBR são áreas que tratam
de relações de cooperação do Brasil com países “desenvolvidos”, caracteri-
zando, na maioria dos casos, o Brasil como país receptor de recursos. No
caso da CTPD, que se caracteriza por relações Sul-Sul, ou seja, entre países
de condições similares de desenvolvimento, como entre países da América
da Sul, entre o Brasil e os países africanos, bem como os países de língua
portuguesa. Nestes casos, o Brasil pode assumir a posição tanto de recep-
tor como de doador, sendo esta a condição predominante.
A ABC é responsável pela articulação e comunicação entre as embai-
xadas estrangeiras e com os organismos internacionais no que concerne a
projetos de cooperação internacional. É o elo entre o Itamaraty e o Minis-
tério de Relações Exteriores dos outros países, estando frequentemente em
contato com as agências estrangeiras de cooperação técnica: em reuniões,
na seleção e no acompanhamento de projetos, na troca de comunicações e
documentos e na assinatura de acordos, como é o caso do acordo bilateral
assinado entre Alemanha e Brasil em 1963.

O Acordo Básico
O Acordo Básico de Cooperação Técnica entre o Brasil e a Alemanha foi
um dos primeiros pactos bilaterais a serem assinados pelo governo brasi-
leiro, precedido somente por outro realizado com os Estados Unidos em
1950. Após negociações que se iniciaram em 1962, o acordo foi fi rmado,
ainda no governo de João Goulart, exatamente um ano após a criação
do Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alema-
nha, o BMZ, em 1962. Promulgado o acordo pelo Decreto no 54.075,
de 30/07/64, nele foram estabelecidas as diretrizes que fundamentam as
linhas gerais da cooperação bilateral e os objetivos amplos das relações
diplomáticas entre Brasil e Alemanha e, ainda, as atribuições de cada um
dos governos e de suas instituições executoras. Este instrumento jurídico
defi ne os itens de custeio por parte dos alemães (remuneração de técnicos
enviados e contratados locais, alojamento, viagens dos técnicos a serviço,
aquisição e transporte de equipamentos), e garante os meios de apoio por
parte do governo alemão.
O Acordo Básico de 1963 foi substituído por outro, assinado em Bra-
sília em 17 de setembro de 1996 por Luiz Felipe Lampreia, então minis-
tro de Relações Exteriores, e por Carl Duisberg, membro do governo da
Alemanha unificada, a República Federativa da Alemanha. O acordo foi
aprovado por Decreto legislativo no 87, de 12/12/1997, e promulgado pelo
Decreto no 2.579, de 06/05/98. Tinha vigência de cinco anos, o que vem

A GTZ no Brasil 87
sendo automaticamente prorrogado por períodos sucessivos de um ano,
não havendo até o momento qualquer interesse dos governos em rompê-lo.
O rompimento de um acordo internacional se faz por meio de uma denún-
cia ou declaração, com antecedência de três meses em relação ao término
do prazo de vigência do acordo.
O Acordo Básico, em seus 11 artigos, defi ne questões mais gerais de
cooperação técnica, como o tipo de apoio e seus instrumentos, as despe-
sas custeadas pelo governo alemão, entre outros. Além disso, formaliza as
atribuições do governo brasileiro em termos de contribuições financeiras,
encargos e impostos, facilidades fiscais, licenças de importação, direitos de
importação e de reexportação, encargos fiscais sobre importação e sobre
os equipamentos adquiridos no exterior. Assim, é um instrumento que en-
volve estruturas fundamentais de decisão das administrações públicas de
parte a parte, como as áreas de orçamento, fiscal, contas nacionais, além
dos setores técnicos específicos. Neste sentido, aspectos técnicos prescin-
dem de decisões políticas que vão para além das que respondem pelo esco-
po do projeto ou programa em questão.
O detalhamento que explicita as particularidades de cada um dos pro-
gramas e projetos de cooperação técnica assinados fica estabelecido nos
chamados Ajustes Complementares.
Com intermediação da ABC, são realizadas as negociações entre os
países signatários do acordo, as chamadas negociações intergovernamen-
tais, realizadas de dois em dois anos, nos casos de relações de cooperação
bilateral.
As “negociações intergovernamentais” são reuniões entre representan-
tes dos órgãos dos dois governos para estabelecer o diálogo político e de-
fi nir objetivos e prioridades para a atuação no Programa de Cooperação
Técnica Brasil-Alemanha. Até 2001, as reuniões ocorriam anualmente,
sendo alternados os locais de sua realização entre Bonn, na Alemanha, e
Brasília, no Brasil. Depois de 2001, as reuniões passaram a ser de dois em
dois anos, alternando entre Brasil e Alemanha.
Participam dessas reuniões os representantes dos órgãos governamen-
tais destinados à formulação política e à execução da política de cooperação
técnica e fi nanceira dos dois países. Os representantes do lado brasileiro
são funcionários da ABC/MRE e da Secretaria de Assuntos Internacionais
(Seain), do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, responsáveis
pela cooperação bilateral com a Alemanha. Estes podem vir acompanha-
dos, eventualmente, por um funcionário de outro órgão de governo, cuja
função tenha relação com o assunto a ser tratado; por exemplo, um re-

88 Renata Curcio Valente


presentante do Ministério do Meio Ambiente (MMA) pode estar presente
quando a discussão envolver um programa ou um projeto ambiental. Do
lado alemão, é usual que compareçam representantes do BMZ vindos di-
retamente da Alemanha – os responsáveis por grandes regiões e por temas
específicos. Neste sentido, quando as reuniões acontecem no Brasil, podem
ser deslocados da Alemanha um representante da diretoria-geral da região
que envolve América Latina e Caribe, Norte da África e Oriente Médio;
outro representante responsável pela coordenação da América do Sul; um
do departamento de cooperação técnica e financeira da embaixada alemã
no Brasil, além dos diretores da GTZ e do KfW no Brasil.
As atas das reuniões revelam a formalidade dos eventos, que ocorrem
em uma mesma programação. Nelas são ressaltados os princípios da re-
lação entre os dois Estados, particularmente defi nidos por categorias de
entendimento e harmonia: “As negociações intergovernamentais transcor-
reram em clima de cordialidade, compreensão mútua e colaboração cons-
trutiva, refletindo as tradicionais relações amistosas entre os dois países”
(grifos meus).
São colocados também em pauta, fatos e aspectos da política inter-
nacional, assuntos de política interna que dizem respeito aos temas em
discussão no programa entre os dois países, além de novos temas a serem
incluídos. Este ritual é cumprido por ambos os chefes das delegações. No
caso da delegação alemã, acrescenta-se a apresentação de questões que
interferem na disponibilidade orçamentária para as atividades de coopera-
ção técnica e fi nanceira e suas possíveis variações para mais ou para me-
nos. Após essa etapa, são analisados cada um dos projetos dos programas
em andamento.
Procuramos aqui recorrer aos processos históricos de formação de es-
truturas e órgãos específicos da administração pública ocorridos no Brasil.
Analisamos como se definiram as bases na administração púbica brasileira
para a consolidação de um sistema organizado e regulamentado de coope-
ração internacional, sob responsabilidade da Agência Brasileira de Coope-
ração. Essas primeiras etapas foram fundamentais para a consolidação das
relações bilaterais entre Brasil e Alemanha, como veremos.

A GTZ no Brasil 89
Capítulo 3

A estrutura da política de cooperação alemã para o


desenvolvimento
O aparato institucional administrativo do Estado alemão para intervenção
no campo do desenvolvimento em espaços estrangeiros apresenta aspectos
bastante particulares e uma complexidade que exige uma análise criteriosa
de sua história e de sua organização administrativa de governo.
Considerado por alguns autores125 como tendo “um dos sistemas de co-
operação mais complexos e perfeitos, servindo de modelo a outros países”,
a Alemanha apresenta uma variedade de organismos, agências e fundações
que atuam como concorrentes ou complementares na execução de diretri-
zes de políticas do Estado alemão.
Embora tenha a princípio participado como um elemento quase passi-
vo em função da correlação de forças que se consolidou no pós-guerra com
a sua derrota, a Alemanha foi capaz, em menos de uma década, de alterar
sua posição de receptora de fundos internacionais à posição de doadora,
categoria que lhe coube pelos recursos oferecidos ao desenvolvimento de
outros países. Isto foi possível, dentre outras razões, por uma estrutura
institucional e por uma dinâmica fi nanceira que foram montadas para
recebimento dos recursos do Plano Marshall.126
Neste capítulo, seguindo o desafio de mapear o conjunto de estudos em
antropologia sobre “a Europa”, a que se propuseram Victoria Goddard,
Joseph Llobera e Chris Shore,127 buscamos esclarecer alguns aspectos des-
ta estrutura da administração da política de cooperação para o desenvol-

125 Camargo, Sonia de. “Brasil e Alemanha: Uma Parceria Desejada.” In: Moniz Bandeira,
L. A. e Pinheiro Guimarães, S. Brasil e Alemanha: A Construção do Futuro. Brasília: IPRI,
1995, p. 177-193.
126 Inoue, Cristina. “Bases para um novo pacto de cooperação.” Cadernos Abong, n. 17,
julho 1997, p. 10.
127 Goddard V.; Llobera, J. & Shore, C. “Introduction: the anthropology of Europe.” In: .
The anthropology of Europe: identities and boundaries in conflict. Oxford/Washington D.C.:
Berg, 1996, p. 1-40.

90 Renata Curcio Valente


vimento da Alemanha. Goddard, Llobera e Shore argumentam que hou-
ve uma crescente conscientização dos vínculos existentes entre os objetos
tradicionais da antropologia – “comunidades” e “camponeses” – com ato-
res e processos mais extensos em função da crescente interdependência e
internacionalização das economias, apesar do reconhecimento das dificul-
dades envolvidas. Segundo estes autores, já em 1975, Jeremy Boissevain128
desenvolveu o que teria sido talvez a primeira tentativa de sistematização
de uma antropologia da Europa emergente. Na visão de Boissevain, seriam
necessários novos métodos de pesquisa e outros conceitos que situassem
eventos e processos locais em um contexto regional, nacional e histórico,
em suma, que permitisse aos antropólogos examinar os nexos entre dife-
rentes níveis de organização. Os estudos sobre burocracias têm muito a
dever ao trabalho de Weber, que aponta, para além do Estado,129 formas
de administração racional em estruturas de controle, como o Exército e a
empresa capitalista centralizada.

Os Primórdios da Cooperação: De receptor a doador


O presente capítulo vai analisar os fundamentos históricos que permitiram
a constituição das bases conceituais e institucionais do aparato adminis-
trativo alemão que se consolidou como etapa avançada – posterior a Se-
gunda Guerra Mundial – do processo de formação do Estado alemão.
Os raros documentos disponíveis sobre o tema no Brasil estão em acer-
vos das instituições alemãs no Brasil. Referência fundamental também
para complementar o trabalho de pesquisa foram os profissionais alemães
que atuam nesse campo do desenvolvimento nas universidades ou em ou-
tras instituições. A investigação inicial procurou contemplar os processos
históricos e sociológicos que pudessem dar sentido a situações pontuais de
intervenção de instituições alemães no Brasil, que nos parecia algo ainda
nebuloso.
No escritório de representação do KfW no Brasil, que fica em Brasília,
me foram passadas algumas publicações de grande valia: alguns relató-
rios anuais fi nanceiros e de atividades do banco e um livro que retrata a
“história oficial” do KfW, “Financing the future: KfW a german bank
with a public mission – 1948-1998”, de Heinrich Harries. O livro revela
variedade de dados históricos e detalhes da história da economia alemã,

128 Boissevain, J. Towards a social anthropology of Europe, 1975.


129 Weber, M. “Burocracia.” In: Gerth, H. H. & Wright Mills, C. (Orgs.). Ensaios de socio-
logia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1963, p. 257-259.

A GTZ no Brasil 91
a despeito de sua abordagem não ter um propósito crítico. Para Harries,
o histórico da reconstrução econômica e política da Alemanha Ocidental
no pós-guerra e sua posterior política para o desenvolvimento estão muito
ligados ao papel desempenhado pelo KfW para políticas públicas alemãs
e para investimentos estatais.130 Harries analisa a fase de surgimento do
KfW e a de construção de um espaço da Alemanha no mundo fi nanceiro
do pós-guerra, considerando que o seu sucesso garantiria maior estabili-
dade política para o país assumir a função de fornecedor de recursos para
países em piores condições econômicas que a sua na década de 1960.
O livro é uma autorrepresentação do papel da instituição alemã para o
desenvolvimento e divide a sua história em capítulos associados às etapas
da “evolução” da economia alemã: desde a reconstrução, entre 1948 e
1960; passa pelo processo de crescente atuação global, com a expansão do
comércio e da “ajuda para o desenvolvimento”, até 1970; enfoca a reorien-
tação econômica e a queda do Muro de Berlim nos anos 1980; e relata a
unificação alemã nos anos 1990. É um trabalho bastante minucioso sobre
o papel do KfW na economia e na política alemãs, sempre situando-as em
relação às mudanças e à inclusão de novos temas na política e na economia
internacionais, destacando nesse processo a eficiência alemã em superar
restrições. De maneira geral, em todo o livro são enfatizadas as próprias
estratégias alemãs para ultrapassar limites, inovar, empreender, tanto no
país quanto no exterior.131
O propósito do livro é destacar o papel do KfW na história da atuação
alemã no campo da cooperação internacional. Depois de ter sua estrutura
econômica e industrial completamente destruída, com a rápida recuperação
de sua economia, em pouco mais de uma década, a Alemanha passou a
atuar como exportador de recursos financeiros, tecnológicos, científicos e
de planejamento regional e administração pública. A recuperação da eco-
nomia alemã, com os fluxos de recursos do Plano Marshall, levou o país
a competir com outros neste campo de múltiplas oportunidades de inves-
timentos estrangeiros que a cooperação internacional para o desenvolvi-
mento significava. Para Harries, o Plano Marshall estimulou, sem dúvida,

130 Harries, Heinrich. Financing the future: KfW a german bank with a public mission.
Frankfurt am Main: Verlag Fritz Knapp GmbH, 1948. Foi publicado em 1998, simultanea-
mente em inglês e alemão. Apesar da intensa participação do banco alemão em programas
e projetos de cooperação internacional no Brasil, são praticamente inexistentes publicações
no Brasil referentes ao Banco KfW e à sua atuação no campo do desenvolvimento. A única
fonte a que tive acesso foi através de Dietmar Weinz, diretor do KfW, quando o entrevistei
em julho de 2002, na sede do banco em Brasília.
131 Id., ibid., p. 76-104.

92 Renata Curcio Valente


o desenvolvimento industrial na Alemanha e acelerou consideravelmente o
seu processo de reconstrução, cuja economia, já em 1951, apresentou um
superávit na balança comercial.
O KfW foi fundado em novembro de 1948, poucos meses antes da cria-
ção da República Federal da Alemanha, com o objetivo de ser o principal
instrumento fi nanceiro para atender a investimentos estatais destinados ao
reaquecimento da produção econômica alemã, sobretudo industrial, com-
pletamente destruída ao fi m da Segunda Guerra.
O pós-guerra foi um momento importante de redefinição das posições
políticas da Alemanha no cenário internacional, que foi liderado por Kon-
rad Adenauer, primeiro chanceler da Alemanha Ocidental que ficou no
poder por 14 anos consecutivos, entre 1949, quando terminou a guerra,
até 1963. Adenauer, ligado à União Democrata Cristã (CDU), partido que
ajudou a fundar em 1945, promoveu o estreitamento das relações da Ale-
manha Ocidental com os Estados Unidos e com a Europa, mas particular-
mente com a França. Ao fi nal de 1966, foi formada uma grande coalizão
com Kurt Kiesinger e Willy Brandt, como vice-chanceler, entre os partidos
CDU, União Social Cristã (CSU) e Partido Social Democrata (SPD), este
último envolvendo-se pela primeira no governo federal. Em 1969, foi feita
com Brandt uma coalizão social-liberal com o SPD e o FDP (Partido De-
mocrata Liberal) para as eleições do Parlamento alemão, o Bundestag.
Segundo Harries, a fase inicial de atuação do KfW, entre 1948 e 1960,
dependeu em grande medida da disponibilidade dos recursos do Plano
Marshall. Aos poucos, o KfW foi ganhando dinâmica financeira própria
através da participação no mercado de capitais com emissão de títulos do
governo,132 o que lhe garantiu reconhecimento como instituição fi nancei-
ra internacional e permitiu, na década seguinte, financiar exportadores e
investidores alemães no exterior, principalmente em países em desenvolvi-
mento. Financiamentos de longo prazo para exportação foram, segundo o
autor, uma das mais bem-sucedidas linhas de negócios do KfW.
Em meados dos anos 1950, a economia alemã já mostrava sinais de
aquecimento e em 1951, a Alemanha tornou-se um dos membros funda-
dores da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Ceca) (European
Coal and Steel Community – ECSC), e do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional (FMI), em 1952, o que revelava confiabilidade
internacional na sua economia.133 Observa-se também a reversão dos in-

132 Os ERPs eram papéis ou títulos do governo, fundos especiais que foram os principais ins-
trumentos de autofi nanciamento econômico regulamentado pelo Parlamento alemão em 1953.
133 Harries, H., op. cit., p. 48.

A GTZ no Brasil 93
dicadores da balança comercial alemã, que apresentou em 1951 superávits
pela primeira vez depois da guerra. O KfW começou a atuar de forma sig-
nificativa em negócios internacionais por meio do financiamento de longo
prazo para exportação, pois o interesse em expandir seus mercados no ex-
terior, particularmente na Europa Ocidental e nas ex-colônias (na época)
recentemente independentes, o que demandava maior suporte financeiro.
Simultaneamente, a política norte-americana pressionava pela partici-
pação na ajuda internacional que visava combater a expansão do comu-
nismo no Terceiro Mundo. Assim, segundo Harries, a atuação do banco
como representante da RFA na área da cooperação para o desenvolvimen-
to vai ter início em 1961. O banco passou a ter responsabilidade sobre a
chamada ajuda fi nanceira para o desenvolvimento, sendo a primeira insti-
tuição a exercer esta função no fomento a programas em países do chama-
do “Terceiro Mundo”.134
Por meio do Banco KfW, o governo alemão disponibilizou recursos
fi nanceiros em condições de competir com instituições fi nanceiras do por-
te do Banco Mundial e de outros organismos internacionais atuantes no
mundo do desenvolvimento, notando-se em discursos de seus membros
uma disputa explícita com outras instituições fi nanceiras que, segundo
eles, eram menos interessantes para a tomada de empréstimos. Esta am-
bição estratégica do Banco KfW talvez explique a lógica de atuação do
aparato do desenvolvimento alemão, que se estruturava como contraponto
às formas de ação de instituições norte-americanas.
Esta foi a marca não só no período inicial de atuação do KfW no cam-
po do desenvolvimento, mas também a característica da sua atuação até os
dias de hoje, pois o banco continua a oferecer juros mais baixos aos países
com os quais têm relações de cooperação. Uma situação específica poderia
ilustrar esta observação: em entrevista, um funcionário do KfW comentou
que a opção de fidelidade da parte do governo brasileiro a determinadas
instituições fi nanceiras, como o FMI e o Banco Mundial, representa uma
atitude de dependência política, e não a melhor escolha econômica que ele
possa fazer, apontando vantagens do KfW em termos de juros em relação
àquelas instituições.
No que diz respeito à “formação” de um quadro de profissionais do ban-
co orientados para o financiamento de projetos de desenvolvimento, Harries
destaca que em princípio atraídos por desafios de aprender com a variedade
que este tipo de trabalho apresentava, jovens funcionários envolveram-se na

134 Harries, H., op. cit., p. 65-66.

94 Renata Curcio Valente


construção deste campo de “ajuda ao desenvolvimento”, orientados mais
pelo pragmatismo e pela criatividade do que por critérios e princípios rígi-
dos. Intérpretes, tradutores, economistas, advogados, engenheiros e outros
especialistas foram se unindo ao quadro do banco, que passou de menos de
200 funcionários em 1960 para mais de 500 em 1970.135
As mudanças no contexto do banco em relação à crescente atuação em
projetos de desenvolvimento no exterior desencadearam outras mudanças
mais amplas na administração pública alemã. Em agosto de 1961, o Parla-
mento alemão aprovou uma emenda na lei do KfW para a criação de uma
“agência executora” para a cooperação bilateral. Esta proposta já havia sido
feita em 1956 por um grupo do Partido Social Democrata alemão (SPD) do
Parlamento, sendo justificada como necessidade de “estabelecimento de um
corpo para implementar política e medidas promocionais para países econo-
micamente subdesenvolvidos”. É importante destacar que embora o governo
federal seja o ator principal na política de desenvolvimento alemã, o Parla-
mento exerce uma função de co-gestão, em função da separação horizontal
de poderes da RFA. A instância parlamentar competente é a Comissão de
Cooperação Econômica, cujas recomendações são a base para a maior parte
das resoluções plenárias relevantes do ponto de vista da política de desenvol-
vimento tomadas pelo Parlamento alemão.
O governo federal, em sua maioria, optou pela proposta de encarregar
o KfW da função de fi nanciar projetos de ajuda ao desenvolvimento e de
conceder empréstimos ao público e aos novos mercados mundiais que se
abriam com a independência de ex-colônias, em vez de criar uma nova
instituição. Naquele momento, esta discussão se dava no Subcomitê para
Desenvolvimento Econômico de Povos Estrangeiros, que antecedeu o atual
Comitê do Parlamento para Cooperação Econômica – AWZ.136
O KfW tornou-se de fato uma instituição de crédito do governo fede-
ral, mas a decisão de estabelecer um ministério específico para cooperação
só foi tomada depois que a emenda da Lei do KfW, de 1961, tomou força
em outubro-novembro de 1961. Mais de uma década depois de o KfW
estar em pleno funcionamento para fi ns domésticos de reconstrução da
economia alemã com recursos do Plano Marshall, foi criado o Ministério
Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ), passando
o KfW a atuar como o seu braço fi nanceiro.

135 Harries, H., op. cit., p. 73-74.


136 GTZ. Compêndio do vocabulário da GTZ, p. 51.

A GTZ no Brasil 95
Ampliando horizontes: a criação do BMZ
O BMZ iniciou sua atuação prática no início de 1962, com autonomia para
elaborar as diretrizes da política de cooperação para o desenvolvimento
e implementá-la nacional e internacionalmente.137 A criação do BMZ foi
facilitada em função do papel político e econômico que o KfW já vinha
desempenhando na Alemanha e no exterior. A estrutura administrativa do
ministério passaria a concentrar todo o núcleo decisório político e orça-
mentário da política de cooperação para o desenvolvimento, de forma que
os recursos do orçamento governamental fossem destinados às instituições
executoras da política de cooperação para atividades específicas de coope-
ração fi nanceira, técnica ou científica.
A análise das categorias simbólicas e conceituais adotadas textualmente
em declarações oficiais, bem como visualmente, em propaganda veiculada
pelo Estado alemão, torna-se aqui um elemento importante para identificar-
mos os processos de produção simbólica enquanto mecanismo de poder para
o mundo em desenvolvimento. Bourdieu afirmou que um dos poderes princi-
pais do Estado é o de produzir e impor as categorias de pensamento que uti-
lizamos espontaneamente em todas as coisas do mundo e no próprio Estado.
Para ele, “é no domínio da produção simbólica que particularmente se faz
sentir a influência do Estado: as administrações públicas e seus representan-
tes são grandes produtores de problemas sociais que a ciência social apenas
ratifica, retomando-os por sua conta como problemas sociológicos”.138
No caso das organizações da administração pública com atribuição de
atuar no campo da cooperação para o desenvolvimento, produz-se o proble-
ma dos outros: a fome, a falta de saneamento, a poluição, o desmatamento
florestal, a poluição de águas, as desigualdades sociais, entre outros.

Discursos do desenvolvimento na Alemanha


Os documentos publicados pelo governo da Alemanha e por fundações e
associações que atuam na área de cooperação internacional para o desen-

137 Embaixada da República Federal da Alemanha em Brasília: 40 anos de cooperação para


o desenvolvimento Brasil-Alemanha. Brasília: Embaixada da República Federal da Alema-
nha, 2003, p. 12.
138 Bourdieu, P. “Espíritos de Estado.” In: Bourdieu, P. Razões práticas sobre a Teoria da
Ação. Campinas: Papirus Editora, 1996, p. 91-95.

96 Renata Curcio Valente


volvimento apresentam de várias formas os significados atribuídos a este
tipo de atividade.139
O conjunto de enunciados discursivos, como parte de uma “política de
comunicação” que apresenta tanto a política de cooperação para o desen-
volvimento quanto o trabalho das instituições alemãs no mundo, veicula
uma imagem positiva deste trabalho de assistência destinado a áreas cuja
carência e privação são destaque. São discursos que traduzem a sensibili-
dade do olhar daqueles que trabalham com a cooperação. Esses discursos
têm um propósito muito claro: visam afetar e sensibilizar por meio de
palavras ou de imagens fortes, tocantes e, algumas vezes, apelativas. As
imagens chamam a atenção para os pobres, fracos e descalços africanos
e indianos; revelam, de forma dura, a antiga floresta cortada e queimada;
mas também propagam a beleza, a esperança, a possibilidade de um futu-
ro a ser construído por meio da cooperação, no sentido de admiração em
relação àqueles que têm compaixão pela humanidade.
A discussão sobre discursos do desenvolvimento, compilada por Ralph
Grillo, apresenta uma importante contribuição a respeito de cooperação
internacional, na medida em que esta seria compreendida como uma for-
ma legítima e apropriada de atuação no campo do desenvolvimento. Grillo
argumenta, ainda, que o trabalho de Arturo Escobar é uma das referên-
cias no que se refere à análise de discursos, fundamentada largamente
em ideias desenvolvidas por Michel Foucault e Edward Said, na medida
em que permite manter o foco nos aspectos de dominação. Para Grillo:140
“A discourse (e.g. of development) identifi es appropriate and legitimate
ways of practicising development as well as speaking and thinking about
it”. Segundo o autor, os discursos do desenvolvimento são baseados na
criação de estruturas opostas: desenvolvimentistas, de um lado, e vítimas,
de outro. E ele acrescenta: “The development myth proposes that there
are developers and victims of development”, estabelecendo sujeitos neces-
sitados de ajuda, “os mais carentes”, os pobres, os subdesenvolvidos, os
incapazes.141

139 O universo de documentos pesquisados não se restringiu somente às publicações oficiais


do BMZ, mas incluiu publicações de outras instituições alemãs, como nos jornais de fun-
dações políticas, nas revistas publicadas pelo Ministério de Relações Exteriores e de Meio
Ambiente, nas revistas da Câmara de Comércio Brasil-Alemanha, entre outras.
140 Grillo, R. D. “Discourses of development: The view from anthropology.” In: Grillo, R.
D. & Stirrat, R. L. (Ed.). Discourses of development: anthropological perspectives. Oxford,
New York: Berg, 1997, p. 12.
141 Grillo, R. D., op. cit., p. 20-21.

A GTZ no Brasil 97
Mark Hobart,142 por sua vez, aponta o fato de que não existe um, mas
múltiplos discursos do desenvolvimento coexistindo. Sua argumentação
vai no sentido de contestar a homogeneidade no plano discursivo e concei-
tual do desenvolvimento. Preston143 menciona pelo menos três discursos,
destacando na sua formulação a instância decisória, entre outros, como
critério: o discurso da ordem estatal, associado a uma ideologia interven-
cionista, à cientificidade técnica e à afi rmação etnocêntrica do Ocidente;
outro da ordem liberal, que se instaura com o colapso do intervencionismo
estatal nos anos 1970, que repassa para a dinâmica de mercado a razão do
desenvolvimento; por fi m, aquele que é centrado na defi nição de uma esfe-
ra pública ampliada, que afi rma o otimismo da modernidade e dos novos
arranjos entre mercado e Estado.
O debate oficial do governo alemão em torno do conceito de desenvol-
vimento foi iniciado na Alemanha em meados dos anos 1950. No entan-
to, a sistematização de um documento formal defi nindo as diretrizes de
uma política de cooperação para o desenvolvimento do governo federal
alemão tem sua origem em um decreto do Conselho de Ministros datado
de março de 1986.144 O documento, intitulado “Diretrizes da Política de
Desenvolvimento do Governo Federal Alemão”, apresentou os objetivos e
os princípios fundamentais da cooperação alemã para o desenvolvimento,
seus setores prioritários e os campos de ação. Diz o documento que as dire-
trizes da Política de Desenvolvimento do Governo Federal Alemão têm sua
origem num decreto do Conselho de Ministros de 19 de março de 1986,
mas que o BMZ adaptou a política de desenvolvimento alemã às alterações
ocorridas nas condições gerais internacionais para sua versão de outubro
de 1996. 145
Duas outras edições de textos de formulação de uma política de desen-
volvimento foram organizadas e publicadas com algumas mudanças; em
junho de 1993, o documento foi reeditado e, em outubro de 1996, o BMZ
adaptou-se às condições gerais internacionais e formulou uma proposta
própria, a “Concepção da Política de Desenvolvimento”.146

142 Hobart apud Grillo, R. D., ibid., p. 20.


143 Preston apud Grillo, R. D., ibid., p. 22.
144 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, p. 31.
145 Id., ibid.
146 Wolff, Luciano A.; Kaiser, W. & Mello, F. V. (Coords.). Cooperação e solidariedade
internacional na Alemanha. 2. ed. Rio de Janeiro: Ibase/EZE; São Paulo: Abong, 1995, p.
13.; GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, p. 31.

98 Renata Curcio Valente


De acordo com documentos oficiais, a “cooperação para o desenvolvi-
mento constitui uma tarefa da sociedade como um todo e é levada a cabo
por entidades privadas e públicas nos países industrializados e nos países
em vias de desenvolvimento”. Baseia-se em princípios de responsabilidade
ética, humanitarismo e política, assim como em interesses próprios.
A concepção é considerada um instrumento fundamental das Relações
Exteriores da Alemanha, e é caracterizada por diretrizes elaboradas pelo
ministério do governo, o BMZ. Ainda, além da formulação desenvolvida
por Hobart sobre os discursos do desenvolvimento, há outras propostas
que se estruturam com base em conceitos ou critérios de desenvolvimento
mundial que orientam as ações das políticas, entre eles: pobreza, meio am-
biente, paz e segurança coletiva. Tais diretrizes complementam a política
exterior do país, mas mantêm autonomia em relação a ela.147 “A política
de cooperação para o desenvolvimento é um componente essencial das
relações exteriores da Alemanha e um importante instrumento da política
de promoção da paz.”
Entre os objetivos da política de cooperação para o desenvolvimento
destaca-se o de melhorar as condições de vida dos indivíduos, sobretudo
dirigindo-se às camadas populacionais mais pobres. Aqui há a ênfase em
relação aos pobres, aos mais necessitados e carentes como objetivo princi-
pal a ser atendido pelas ações da cooperação para o desenvolvimento.148
Mais recentemente, a política de cooperação para o desenvolvimento
passou a ser entendida como uma política estrutural global que faz parte
de uma abordagem abrangente sobre segurança. Após os atentados de 11
de setembro nos Estados Unidos, a discussão sobre a coordenação de polí-
ticas de segurança internacional tem sido uma prioridade. De acordo com
a afi rmação da ministra Heidemarie Wieczorek-Zeul: “A cooperação para
o desenvolvimento [é] condição necessária para a paz [...] Devemos co-
adjuvar para que os seres humanos de todo o mundo possam viver seguros,
do contrário a insegurança virá até nós.” 149 A segurança seria decorrência
de condições de vida dignas, estáveis, que garantiriam o desenvolvimento
e bem estar de diferentes povos e nações. Nestas condições ideais, supõe-se
haver maior probabilidade de estabelecimento da paz.

147 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, p. 29; Embaixada da Alemanha no Brasil/


BMZ/GTZ. Política de cooperação para o desenvolvimento Brasil-Alemanha. Folder, sem
data, p. 2.
148 GTZ, ibid., p. 33.
149 Entrevista com a ministra do BMZ Heidemarie Wieczorek-Zeul. D+C Revista Desarro-
llo Y Cooperación n. 1/2002, p. 4-5.

A GTZ no Brasil 99
Os documentos da GTZ afi rmam ter sido substituído o antigo termo
ajuda ao desenvolvimento, utilizado nos anos 1960 e 1970,150 pela expres-
são cooperação para o desenvolvimento. Os termos aid e charity ou ajuda
e assistência internacional foram utilizados em documentos de agências e
organismos internacionais para atividades humanitárias em contextos de
extrema pobreza, ou naqueles caracterizados por destruição pela guerra
ou por catástrofes naturais.
Um fato que torna absolutamente particular o caso da Alemanha foi o
fato de, sendo o principal país derrotado na Segunda Guerra Mundial, ter
se recuperado tão rapidamente sua força econômica, e que pudesse, como
decorrência, atuar como “país doador” no campo do desenvolvimento.
De maneira prática e objetiva, utilizou-se das políticas do desenvolvimen-
to como meio para difundir pelo mundo uma imagem renovada do país,
tendo como base valores de proteção do meio ambiente e de respeito aos
direitos humanos. A construção da problemática do desenvolvimento e de
desafios que ameaçam a paz mundial e o futuro da humanidade é funda-
mental para atribuir um sentido de valor moral à participação do governo
alemão no compromisso de solucioná-la. A cooperação foi assim de enor-
me importância interna como instrumento diplomático da reforma moral
da Alemanha expressa para o mundo. De acordo com uma informante
brasileira, “a Alemanha foi muito beneficiada pelo Plano Marshall, se re-
cuperou muito rapidamente; sentiu a necessidade dessa ajuda, que ela pres-
taria a outros países, até um pouco como forma de purgar sua consciência
por tudo o que aconteceu na guerra”.151
A política alemã de cooperação para o desenvolvimento depende de
objetivos políticos e, como é fi nanciada por meio de impostos recolhidos,
está sujeita ao controle público dos contribuintes alemães. Estes têm a ex-
pectativa de que a ajuda para o desenvolvimento melhore a situação dos in-
divíduos nos países parceiros e os objetivos de política de desenvolvimento
que apoiam são o combate à pobreza e à injustiça social, a proteção do
meio ambiente e dos recursos naturais, assim como a melhora da situação
das mulheres.152

150 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, p. 33.


151 Entrevista em São Paulo, janeiro de 2007.
152 GTZ. Zopp Planejamento de Projetos Orientado por Objetivos: um guia de orientação
para o planejamento de projetos novos e em andamento. Eschborn: GTZ, 1998, p. 5.

100 Renata Curcio Valente


Na representação das instituições e dos organismos de cooperação da
Alemanha sobre o seu próprio trabalho,153 o termo cooperação é utilizado
de forma mais sistemática quando relacionado a ações e a intervenções
com objetivos de promoção do desenvolvimento. Para Ferguson, o termo
desenvolvimento é orientado atualmente por uma diretriz moral. O autor
argumenta que, na literatura acadêmica sobre desenvolvimento, está claro
que o termo é usado para se referir a duas coisas muito distintas: de um
lado, o processo de transição para uma economia industrial capitalista;
de outro, muito em voga desde meados dos anos 1970, tem relação com
qualidade de vida, e se refere a redução da pobreza. O direcionamento
implicado no termo “desenvolvimento” neste segundo caso, não é mais
histórico, como no primeiro, mas moral, e não é mais um movimento na
história, mas uma atividade, um programa social, uma guerra contra a
pobreza em escala global.154

A visibilidade da cooperação
A construção do “problema do desenvolvimento” utiliza-se não só de dis-
cursos textuais, mas também de imagens com grande força simbólica. As
publicações de instituições alemãs expõem de forma intensa imagens em
que se retrata o trabalho da Alemanha na política de cooperação para o de-
senvolvimento pelo mundo, particularmente centradas nas populações que
são definidas como “beneficiários”, alvo das intervenções da cooperação.
Fica evidente que são priorizadas as imagens que representem a ca-
rência de desenvolvimento associada aos aspectos identificados com a
pobreza: falta de saneamento (esgotos abertos e lixões), de asfaltamento
nas ruas, de eletrificação, e abastecimento de água (bicas d’água, água em
balde), ausência de planejamento urbano, de ordenamento espacial (caos
urbano, trânsito mal administrado, poluição, queimadas) e de mercados
organizados (feiras livres).
São imagens estereotipadas, que se caracterizam pela ideia de espaço
selvagem, inexplorado e de carência, em última instância, pela ideia que
poderíamos qualificar de “carência de desenvolvimento”. São retratos de
privações estruturais.
Muitas vezes estes aspectos aparecem em um mesmo quadro, em uma
mesma fotografia, simultaneamente, e registram florestas e ambientes selva-

153 Embaixada da Alemanha no Brasil/BMZ/GTZ. Folder, op. cit.; GTZ, ibid.


154 Ferguson, J., op. cit., p. 15.

A GTZ no Brasil 101


gens, com matas, alagados, animais perigosos. Quando aparece o homem,
normalmente identificado com populações tradicionais, ora está envolvido
em atividades agrícolas, ora na pesca ou no pastoreio. As muitas crianças
retratadas denunciam o crescimento demográfico elevado. Mulheres apa-
recem simplesmente sorrindo; são muitas, na aldeia, na agricultura, perto
dos fi lhos. Os indígenas surgem como os representantes dos “homens sel-
vagens”, puros, “naturais”.

Figura 2. Folders sem data de publicação.

Normalmente, as fotografias reproduzem tipos humanos bem simples,


com roupas tradicionais, descalços, lavando roupa, pegando água. As pu-
blicações apresentam fotos em que se ressalta o aspecto do ambiente e das
diferentes culturas: são camponeses andinos, indianos, africanos, asiáticos,
evidenciando um envolvimento diferenciado da Alemanha nas questões do
desenvolvimento. Nota-se uma preocupação em pontuar o respeito às dife-
renças culturais, às formas de vida de cada local e aos direitos humanos.
Observa-se em alguns documentos a adoção de perspectivas particu-
larizadas, em observância às características específicas de cada país, no
sentido de que “desenvolvimentos diferentes em diversas regiões do mundo
exigem também reações diferentes na cooperação”.155

155 Michels, C. “Política de desenvolvimento cooperação Brasil-Alemanha.” Internationes


Press RB 4068 (12-95), 1995, p. 6.

102 Renata Curcio Valente


De maneira mais ampla, a preocupação com as populações indígenas
do Brasil e da América do Sul reflete esta abordagem centrada nos direitos
humanos e no respeito à pluralidade cultural.
Alguns trechos do discurso de Heidemarie Wieczorek-Zeul, ministra
federal para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ), publicado
na internet, indicam o papel que mais recentemente se atribui à política de
cooperação para o desenvolvimento:

um compromisso, uma responsabilidade orientada pelas diretrizes de re-


dução da pobreza, construção da paz, globalização justa e preservação do
meio ambiente.156

Segundo ela, a Alemanha iria assumir seu papel de ator internacional


na área de cooperação e levaria em conta suas responsabilidades com base
nos princípios de justiça e redução da pobreza, atuando nas áreas de paz e
de preservação ambiental.
Neste discurso, a ministra assume a visão da sociedade alemã como
representante e porta-voz daquilo que concerne a assuntos públicos, mas
também presta contas das atividades que são monitoradas pela população
alemã. Em vários momentos do discurso, enfatiza a ajuda prestada pela
Alemanha às “vítimas do desenvolvimento” e às vítimas de guerras e con-
fl itos civis. A violência é frequentemente associada à falta de desenvolvi-
mento, no sentido de civilização; é a barbárie de povos sem civilização que
gera ainda maiores problemas de desenvolvimento.
Em muitos momentos, o discurso é tomado por um tom dramático,
que destaca dados estatísticos populacionais no sentido de evidenciar, em
nome de questões da humanidade, a urgência da necessidade de interven-
ção direta. Sentimentos pessoais e uma linguagem que é descolada do tom
impessoal, institucional e político são usados, direcionando a sensibiliza-
ção para os aspectos humanos, para o direito à vida.157
O texto utiliza-se de perguntas retóricas para construir não somente os
objetos de intervenção – as vítimas do progresso – mas também a si próprios
como “heróis, salvadores do desenvolvimento”. A trilogia de qualidades he-

156 Heidemarie Wieczorek-Zeul, discurso de 29/03/2006, na ocasião da leitura do orça-


mento federal de 2006. Disponível em: http://www.bmz.de/en/press/pm/pm_20060616.html.
Acesso em: 16/06/2006.
157 Heidemarie Wieczorek-Zeul, discurso na Conferência de Paris sobre Instrumentos Ino-
vadores de Financiamento, em 28/02/2006, primeira sessão plenária. Disponível em: http://
www.bmz.de/en/press/speeches/ministerin/rede22072003.html. Acesso em: 22/07/2003.

A GTZ no Brasil 103


roicas: trabalho duro, coragem e sentimento humanitário. Neste sentido,
a intervenção coloca-se como uma obrigação moral da qual não se pode
fugir, como um princípio ideal de comportamento. “Este tom mais pessoal,
mais emotivo é um traço particular da atual ministra, que faz questão de
deixar claro seu envolvimento pessoal nas questões do ministério.”158

Figura 3. Capa da revista Deutschland, sem data.

Por meio da política de cooperação para o desenvolvimento, há o inte-


resse em popularizar a Alemanha mundialmente e propagar a imagem de
um país que superou as barreiras impostas pelo nazismo, particularmente
em relação à tolerância racial e cultural, como vemos nesta capa da Deuts-
chland.159 Postula-se, assim, uma “Alemanha global”, que apresenta um
pensamento aberto, cosmopolita, pacifista, ecológico, um discurso que se
afi na com a política de desenvolvimento e a política de relações exteriores
da Alemanha, particularmente pela divulgação de seu compromisso com a
proteção ao meio ambiente, o respeito aos direitos humanos e a ênfase na
educação e na cultura. No entanto, nota-se o detalhe curioso: “apesar” das

158 Heidemarie Wieczorek-Zeul, discurso de 29/03/2006, na ocasião da leitura do orça-


mento federal de 2006. Disponível em: http://www.bmz.de/en/press/pm/pm_20060616.html
Acesso em: 16/06/2006.
159 A revista Deutschland, publicada pelo Ministério de Relações Exteriores da Alemanha,
tem uma linha editorial orientada para a divulgação da cultura alemã, seus hábitos, alta tec-
nologia, entre outras qualidades, como um panorama de uma civilização moderna, avançada
e globalizada.

104 Renata Curcio Valente


diferenças e das diferentes origens étnicas hoje em dia respeitadas, retrata-
das na foto por crianças negras, orientais e indianas, quem está no centro
da foto, praticamente segurando o “mundo”, é a menina tipicamente ale-
mã, loura de olhinhos azuis.
Os objetivos e as prioridades da política de cooperação para o desen-
volvimento da Alemanha variam em função de mudanças nas orientações
da política doméstica e da política internacional. Em termos temáticos,
a sua política de cooperação para o desenvolvimento, a partir dos anos
1990, vem se orientando para três áreas específicas: combate à pobreza;
proteção do meio ambiente e preservação dos recursos naturais; educação
e formação profissional.160 Estes são os eixos temáticos centrais que situam
a política de desenvolvimento no conjunto das políticas da administração
pública alemã e se reproduzem para todas as agências sob a sua institucio-
nalidade, mas que devem ser compreendidos como orientações mutáveis a
cada redefi nição da política alemã diante de situações de política interna-
cional. Nota-se em diferentes publicações que estas definições variam. En-
contramos no site do BMZ outras prioridades explicitadas como objetivos
da política alemã de cooperação para o desenvolvimento: a redução da po-
breza, a paz e a globalização justa:161 “The aim of the development policy
is to reduce poverty worldwide, to build peace and to promote equitable
forms of globalisation”.
O combate à pobreza é um objetivo primordial, uma das categorias
centrais que têm justificado por décadas intervenções para o desenvolvi-
mento. A pobreza, como aponta Escobar, é um problema social que se
tornou objeto de conhecimento e de intervenção, porque fundamentado
na crença de superação evolutiva por meio da transformação para melhor
situação.
A ênfase no tema da pobreza foi confi rmada mais recentemente com
a prioridade para as ações do desenvolvimento na Conferência do Mi-
lênio.162 De acordo com documento da GTZ, são objetivos e princípios

160 GTZ. Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p.35; e Embaixada da Alemanha no
Brasil/BMZ/GTZ, op. cit., p. 3.
161 Ver: www.bmz.de. Acesso em: 14/05/2004.
162 A Conferência do Milênio foi realizada em 2000 e promoveu o debate em torno de me-
didas a serem tomadas por países desenvolvidos em relação à pobreza mundial, as Metas do
Milênio (United Nations Millennium Development Goals). São oito metas: erradicação da
pobreza e da fome; universalização da educação primária; promoção da igualdade entre gê-
neros; redução da mortalidade infantil; melhoria da saúde materna; combate à Aids e outras
doenças; promoção da sustentabilidade ambiental; criação de parcerias para o desenvolvi-
mento. O BMZ assumiu estas prioridades, incorporando-as aos seus objetivos.

A GTZ no Brasil 105


fundamentais da política de desenvolvimento alemã o melhoramento da
situação econômica e social dos indivíduos nos países em vias de desenvol-
vimento, ou seja, a satisfação das necessidades básicas da população.163
Outros temas discutidos na Conferência do Milênio, como direitos huma-
nos, meio ambiente, paz e segurança internacional têm influenciado o governo
alemão na elaboração de sua política de cooperação para o desenvolvimento.
No que se refere à atenção da Alemanha em relação aos países da América
do Sul, particularmente ao Brasil, ganham destaque a questão do clima e da
biodiversidade, pela importância atribuída à Floresta Amazônica.164

Clima e biodiversidade
As atividades e políticas de cooperação internacional prescindem da elabo-
ração de um problema “global”. O caso das ameaças de desmatamentos e
queimadas na floresta amazônica ganhou importância global e tem gerado
controvérsias em alguns setores estratégicos nacionais. O desmatamento
da Amazônia é formulado como um problema que se desdobra em riscos
de aquecimento global e de desaparecimento de espécies de grande impor-
tância para a biodiversidade mundial.
A elaboração de um discurso que relaciona o risco de mudanças cli-
máticas globais à destruição das florestas, fundamentado na tese de que
as florestas tropicais seriam o “pulmão verde” do mundo é uma imagem
figurativa sugestiva. Embora não tenha resistido a uma verificação cientí-
fica, ainda é reproduzida em publicações sobre meio ambiente e desenvol-
vimento, como as do Ministério de Cooperação Econômica da Alemanha.
No prefácio, o ministro Spranger escreve: “O tempo urge. No Terceiro
Mundo se delineia o início de uma catástrofe ecológica, cujo impedimento
se torna uma questão de sobrevivência para a humanidade. Um exemplo
concreto são as florestas tropicais, o pulmão verde da terra que se torna
cada vez menor”.165
A defi nição do clima como uma questão global presente nos discur-
sos internacionais criou politicamente a “necessidade” de participação
de todos os países, principalmente dos mais industrializados, aqueles que
historicamente tinham sido os que mais poluíram o planeta. Estava em

163 GTZ. Compêndio do vocabulário da GTZ, p. 31.


164 Ver: www.bmz.de. Acesso em: 15/07/2003.
165 Fatheuer, Thomas. “Novos caminhos para a Amazônia? O Programa Piloto do G-7:
Amazônia no contexto internacional”. Cadernos de Proposta, n. 2, Rio de Janeiro, Fase/
DED-Sactes, 1994, p. 13.

106 Renata Curcio Valente


jogo a incapacidade ou a negligência dos governantes locais em proteger a
Amazônia, “patrimônio global”. Consolidava-se, assim, a noção de que os
países industrializados deveriam assumir uma “responsabilidade global”
para a situação ambiental do mundo.166 Uma publicação do Banco Mun-
dial sobre o PPG-7 afi rmava que as florestas também desempenham outros
papéis vitais, como o de manter o clima local – ao armazenar carbono,
elas ajudam a controlar o efeito estufa –, proteger as bacias hidrográficas e
fornecer matéria-prima para o artesanato e a indústria.167
A questão do clima, neste contexto discursivo, articulava-se a outros
pontos relacionados à Floresta Amazônica e que teriam apelo junto à opi-
nião pública internacional, como direitos humanos e proteção contra a
ameaça às culturas indígenas, promovendo a questão da conservação das
florestas tropicais do Brasil a uma “preocupação global” que, por sua vez,
exigiria ação global. Nesse campo, os países industrializados estariam en-
volvidos em uma “cruzada para a sobrevivência da humanidade”.
Segundo as palavras de Helmut Kohl: “a defesa do clima é uma das
tarefas prioritárias para a política ambientalista do governo federal”.168
A construção da “problemática do clima” coloca as florestas tropicais do
Brasil no centro das preocupações globais, uma vez que os problemas am-
bientais não respeitam fronteiras e as grandes mudanças globais provocam
um processo de regulamentação internacional. A perspectiva usualmente
adotada em documentos de instituições alemãs defi ne a problemática da
Amazônia como assunto de responsabilidade global, em função do que
pode representar a ameaça de extinção das florestas tropicais para a hu-
manidade. Um cooperante alemão afi rma que a Amazônia está no foco do
debate internacional, mas este debate não é mais sobre questões específicas
da região, é um debate sobre problemas estratégicos globais que também
atingem a Amazônia.169

166 Invoca-se um sentido de culpa histórica dos países desenvolvidos, implicado nos impac-
tos ambientais gerados pela industrialização nos países em desenvolvimento. Veja-se também
publicações como State of the World, do Worldwatch Institute, entre outras, que adotam o
tom de denúncia em relação aos governos/sociedades de países ricos ou industrializados.
167 Banco Mundial. Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. Brasí-
lia: Rain Forest Unit, Banco Mundial/Secretaria Executiva do PPG-7. Folder, sem data, p. 2.
168 Ministério de Relações Exteriores da Alemanha. Deutschland: Fórum de Política, Cultu-
ra e Economia. Frankfurt am Main: Frankfurter Societäts-Druckrei GmbH, 1995, p. 1.
169 Fatheuer, Thomas. “Cooperação Internacional de ONGs na Amazônia.” In: Oficina em
Diversidade Ecossocial e Estratégias de Cooperação entre ONGs na Amazônia. Anais... Fase/
Faor, 13-16 de junho de 1994, p. 85.

A GTZ no Brasil 107


A partir do conceito de desenvolvimento sustentável, o risco se constrói
em torno da ideia de esgotamento dos recursos naturais e perda de quali-
dade de vida no planeta, a impossibilidade de haver condições adequadas
para a sobrevivência do homem na terra. Nestes discursos, são frequentes
as manchetes que destacam textos alarmantes, como “a cada ano desapa-
recem florestas em todo o mundo em uma extensão equivalente a um terço
do território da Alemanha” , ou “as florestas tropicais brasileiras são de
vital importância para a sobrevivência da humanidade e sua destruição
contribui claramente para o efeito estufa e, por fim, para o aquecimento
climático local e global”.170
Em documentos publicados por agências alemãs, as referências históri-
cas ao PPG-7 sempre indicam a liderança alemã em discussões ambientais e
na proposição de “responsabilidade global” quanto à questão climática. De
acordo com um informante, na Alemanha você não pode realizar nenhum
projeto economicamente viável que não seja ecológico. A Alemanha está fi-
nanciando 30% do orçamento europeu (CE), o que garante uma influência
muito grande naquele contexto. Segundo ele, em todas as publicações das
políticas definidas pelo BMZ, o meio ambiente vem em primeiro lugar, em
segundo vem a pobreza, depois, o foco nas pequenas e médias empresas.
O risco de mudanças climáticas e a ameaça à biodiversidade se articu-
lariam a outros temas, como a ameaça às culturas indígenas, através da
responsabilidade sobre a conservação da Floresta Amazônica, assunto que
tem forte apelo junto à opinião pública internacional. A partir do enfoque
dos direitos humanos, as populações indígenas ganharam visibilidade inter-
nacional171 enquanto grupos culturalmente distintos, que têm direitos reco-
nhecidos à terra e à diferença cultural e também como grupos socialmente
vulneráveis, cujas condições de sobrevivência encontram-se ameaçadas.
Giddens e Beck apresentam a discussão a respeito dos riscos ambientais
de ampla escala – os riscos globais – como resultantes negativos de proces-
sos de intensificação da interdependência humana através da industrializa-
ção, da “tecnologização” e da comercialização em escalas mundiais. Ou-
tro ponto importante diz respeito à “redefi nição da esfera pública”, trazida

170 GTZ. Futuro da Floresta Tropical: A cooperação técnica alemã com o Programa Inter-
nacional de Conservação da Floresta Tropical no Brasil (PPG7). Folder, sem data, p. 3.
171 Conferência de Viena, em 1993, com a declaração da Década das Populações Indígenas
para 1994-2004 pela ONU.

108 Renata Curcio Valente


pela transnacionalidade da temática ambiental e pela transnacionalidade
dos atores envolvidos em tais políticas ou programas. 172
A própria noção dos financiadores do risco ambiental relacionado à
Amazônia é construída em diferentes bases que são externas à problemáti-
ca local. O risco está vinculado ao possível aquecimento global do planeta
associado ao desmatamento da Floresta Amazônica, a maior floresta contí-
nua do mundo e, por isso, considerada patrimônio da humanidade. Para as
populações locais, no entanto, é provável que não haja uma percepção clara
desse risco, mas de outros, como uma epidemia, a invasão de suas terras ou
a poluição de determinado igarapé por mercúrio usado por garimpeiros.
Diante de um risco que ameaça toda a humanidade, temos um cenário
que parece desalentador. A cooperação internacional, a ação conjunta de
um grupo que tem interesses em comum, torna-se a redenção para este
problema global, a possível única solução com a qual todos têm de se com-
prometer. Aparentemente, este é um cenário promissor, porque está pre-
visto que se alcancem objetivos comuns e que a ameaça seja efetivamente
combatida.
Outra abordagem frequentemente encontrada nas publicações alemãs
sobre as florestas tropicais e a Amazônia em particular, além da questão
climática, refere-se à elevada biodiversidade e ao potencial farmacêutico
associado às florestas tropicais. Além da estabilização do clima e da regu-
lação do ciclo hídrico, as florestas tropicais são apontadas como os maio-
res “reservatórios” de biodiversidade, possuindo cerca de 1/5 das espécies
existentes no mundo. A Floresta Amazônica, assim como a Mata Atlân-
tica, é reconhecida pela sua reserva genética como uma farmácia viva,
associada, a partir de uma concepção utilitarista e cientificista, às inúme-
ras potencialidades de utilização e beneficiamento desta biodiversidade. Há
uma clara correlação entre tal potencialidade em termos da biodiversidade,
“cujo acervo ainda está longe de ser integralmente pesquisado e catalogado
pela ciência”,173 e isto pode representar muito em termos de valor econômi-
co, tanto para indústria farmacêutica quanto para a alimentação. A GTZ
apresenta a questão de forma clara, quando destaca que “a sua reserva ge-

172 Calhoun, C. “Introduction: Habermas and the public sphere”. In: . (Org.). Habermas
and the public sphere. London: MIT Press, 1993. No que diz respeito especificamente à
questão da participação, ver Lopes, J. S. L.; Antonaz, D.; Silva, G. O. & Prado, R. “Papel do
Estado e meio ambiente: algumas instâncias em foco.” In: Palmeira, M. (coord.). Cadernos
do NUAP, v. 4, Do local ao internacional: práticas políticas, relações pessoais, facções. Rio
de Janeiro: NAU, 1999.
173 GTZ. Futuro da Floresta Tropical: a cooperação técnica alemã com o Programa Inter-
nacional de Conservação da Floresta Tropical no Brasil (PPG-7), op. cit., p. 5.

A GTZ no Brasil 109


nética faz da Amazônia e da Mata Atlântica uma verdadeira farmácia viva,
cujo acervo ainda está longe de ser integralmente pesquisado e catalogado
pela ciência. Aqui crescem valiosas plantas medicinais, além de plantas da
produção agrícola”.174 E o texto prossegue afi rmando que o Programa Pi-
loto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil sozinho não conse-
guirá resolver os problemas climáticos globais. Contudo, a construção de
parcerias e alianças locais, nacionais e globais têm mostrado caminhos que
contribuirão para assegurar o nosso futuro comum (grifos meus).175
As publicações alemãs conferem um caráter dramático ao processo de
construção da gestão ambiental no Brasil, principalmente das florestas,
associando-o a um problema de “cultura política do País”. As publicações
de órgãos e agências de cooperação para o desenvolvimento, meio ambien-
te ou relações exteriores do governo alemão afi rmam serem as áreas de
florestas “de vital importância para a sobrevivência da humanidade”.176

Figura 4. Folder sem data.

Na construção do problema da “destruição das florestas tropicais brasi-


leiras”, as origens desta situação são atribuídas ao continuado e inadequado

174 GTZ. Futuro da Floresta Tropical: a cooperação técnica alemã com o Programa Inter-
nacional de Conservação da Floresta Tropical no Brasil (PPG-7), op. cit., p. 4.
175 Id., ibid., p. 25.
176 Id., ibid., p. 4.

110 Renata Curcio Valente


uso das florestas, que está relacionado à política de colonização que envol-
veu a exploração dos recursos naturais e minerais de forma insustentável.
A proposta do PPG-7 fundamentou-se na questão do clima, particu-
larmente no que diz respeito ao risco de aquecimento global. Ele foi elabo-
rado como um programa experimental destinado a frear o desmatamento
da maior floresta do mundo, considerado um “patrimônio global”, e foi
elaborado para ser modelo de cooperação internacional a ser executado
no Brasil. Ao entrar em contato com o PPG-7, constatei ser ali um lugar
privilegiado para observar um conjunto de práticas de cooperação técnica
internacional na administração pública brasileira.
Foi a partir do PPG-7 que iniciei a reflexão a respeito do que se esta-
belece como cooperação internacional, no sentido de desnaturalizar uma
prática ainda pouco explorada nos campos das ciências sociais, particular-
mente da antropologia, focalizando uma relação privilegiada, neste caso,
entre Brasil e Alemanha.

Os alemães no PPG-7
As referências históricas sobre as origens do PPG-7 usualmente fazem
menção à atuação da liderança alemã na proposição de “responsabilida-
de global” sobre a questão climática. Desde o seu surgimento, a história
do programa tem relação com o chanceler alemão Helmut Khol, que te-
ria proposto o envolvimento da comunidade internacional na proteção da
maior floresta tropical do mundo, através de um programa internacional
para a cooperação das florestas tropicais no Brasil, durante o encontro dos
países do G7 em Houston, Estados Unidos, em 1990. 177
Nessa ocasião, Kohl fez um discurso em que comprometeu publica-
mente um volume de recursos financeiros a ser doado individualmente pela
Alemanha ao PPG-7, como também recursos para o RFT, gerenciado pelo
Banco Mundial. A quantia proposta de recursos fi nanceiros colocou o go-
verno alemão como o maior contribuinte individual em termos de coope-
ração fi nanceira, chegando a algo em torno de 47% do total dos recursos
disponíveis.178

177 MMA. Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil do G-7. Sem data.
178 Id., ibid.

A GTZ no Brasil 111


Foto 1. Presidentes e primeiros-ministros do G-7, Houston, EUA, 1990179

Alguns representantes de ONGs alemãs têm uma versão diferente sobre


o que motivou o empenho de um volume tão alto de recursos fi nanceiros
por parte do governo alemão à causa ambientalista. Argumentam que a
construção discursiva da liderança do governo alemão em relação às ques-
tões ambientais internacionais não refletia a posição ideológica própria do
governo alemão de então, representado pelo chanceler Kohl.
Em outra ocasião, escutei a mesma versão contrária ao discurso oficial
de duas pessoas que atuavam, na Alemanha, em movimentos ambientalis-
tas de defesa da Amazônia, sendo uma da Universidade Livre de Berlim e a
outra da Fundação Heinrich Böll, fundação política vinculada ao Partido
Verde alemão que fazia oposição ao CDU, de Helmut Kohl. Na época,
ambas – já envolvidas com o programa na Alemanha – revelaram que, em
vez de falar em 400 milhões de dólares para florestas tropicais no mundo
todo, o chanceler Khol mencionou na reunião de cúpula do G7 em Bruxe-
las, que este valor seria destinado somente para as florestas do Brasil. Esta
é uma versão dos fatos que não invalida em absoluto todo o discurso de
compromisso dos alemães com a questão climática, mas, sendo um erro ou
não, explica por que a Alemanha tem este peso no PPG-7. 180
A obrigação assumida pelos alemães com o programa estaria expressa
no volume de recursos disponibilizado como doação. O volume inicial a
ser colocado no programa era bem superior ao que efetivamente foi posto:
dos US$ 400 milhões declarados, foram alocados US$ 295 milhões no

179 GTZ, Futuro da Floresta Tropical, op. cit., p.5.


180 Entrevista na Fase, no Rio de Janeiro, em 27 de maio de 2003.

112 Renata Curcio Valente


total de recursos para o programa – cerca de 47% vêm de doações do go-
verno alemão, ou seja, aproximadamente US$ 139 milhões.181
Mas foi, sobretudo, com a realização da Eco-92, no Rio de Janeiro,
que apareceram de forma contundente as representações da Amazônia
como um espaço de importância global. A problemática do meio ambiente
no Brasil, de maneira especial o papel atribuído à Amazônia no imaginário
científico e ambientalista internacional, inseriu o País de forma defi nitiva
no cenário de políticas ambientais internacionais, quando foram projeta-
das internacionalmente imagens sobre questões particulares da Amazônia,
situando-se estas situações locais em termos de uma dinâmica ambiental
“global”.182
O motivo que mobilizou governos e organizações internacionais para
agir em defesa da Amazônia, considerado “pulmão do mundo” não são as
questões locais, mas a criação de um fato discursivo de alcance e impac-
to internacional, que vai gerar uma elevada sensibilidade junto à opinião
pública internacional. A preocupação com a conservação da Amazônia se
deu particularmente em função do risco do aquecimento climático, com
ecos e repercussões no País. As florestas tropicais, mais do que todas as
outras, em especial a Floresta Amazônica devido à sua dimensão, teriam
uma função de equilíbrio da temperatura global.

As instituições do BMZ
Diferente da grande maioria dos países, em que as agências bilaterais de
cooperação para o desenvolvimento, subordinadas a ministérios de Re-
lações Exteriores, de Assuntos Exteriores (Foreing Affairs), do Ultramar
(Overseas) ou de Finanças, assumem a responsabilidade pela elaboração
e pela execução da política de cooperação para o desenvolvimento, no
caso alemão, o BMZ é um ministério que tem a atribuição de formular

181 Essa informação está presente em todos os documentos oficiais do Programa Piloto,
inclusive em “Conceitos básicos para a execução de projetos de cooperação técnica recebida
bilateral”, da ABC/MRE. No entanto, em uma conversa informal com uma representante da
cooperação não-governamental alemã, foi dito que houve um engano no anúncio do valor
dos recursos disponibilizados pelo Primeiro Ministro, que seria dez vezes inferior. Por essa
razão, os outros países do G-7 não quiseram se comprometer com doações muito elevadas,
sobrando para a própria Alemanha a maior parte da contribuição fi nanceira ao Programa.
Não há provas desse fato mas, segundo a informante, “todos sabem disso”, mas não querem
revelar, até porque o “erro” reverteu em ganhos políticos.
182 Foram analisados jornais disponíveis nos arquivos da Funai entre 1991 – quando foram
estabelecidas as bases para a Eco-92 e negociados os projetos que iriam fazer parte do PPG-7
– e 1996, quando se iniciou a implementação do PPTAL.

A GTZ no Brasil 113


políticas, mas não de executá-las. Outras instituições, as agências, execu-
tam sua política, ficando o BMZ com o dever de coordenar essas ações.
O ministério é responsável pelas tarefas de planejamento, coordenação,
fi nanciamento e negociação dos programas e projetos de cooperação para
o desenvolvimento, com atividades nas áreas social, econômica, tecnoló-
gica, educacional, acadêmica e cultural. No que se refere à execução desta
política, as duas principais instituições executoras do BMZ são o Banco
KfW e a GTZ.
A institucionalização que veremos em detalhe no caso da Alemanha
ressalta o processo de centralização em um órgão de governo, a partir dos
anos 1960, de uma imensa diversidade de conhecimentos sobre regiões
geográficas e populações, com a criação de um ministério, o BMZ, especi-
ficamente responsável por determinadas formas de intervenção em espaços
estrangeiros. Esta centralização administrativa garantiu maior controle de
informações sobre as intervenções, como também sobre as populações e os
territórios objetos de tais intervenções.
Para um antigo funcionário da embaixada que trabalha há anos com a
área de cooperação, o fato de um ministério separado do Ministério de Re-
lações Exteriores, com autonomia decisória e orçamentária para coordenar
a política de cooperação na Alemanha, é muito próprio da história da Ale-
manha no pós-guerra. “The development policy of the Federal Republic
of Germany is an independent area of German foreing policy”.183 Ele ex-
plica que a Alemanha é o único país que tem um ministério de cooperação
internacional, o BMZ, separado do Ministério de Relações Exteriores. O
BMZ fica em Bonn e o Ministério das Relações Exteriores em Berlim. Para
ele, sem a ajuda do Plano Marshall, o milagre econômico alemão não teria
sido possível, mas no momento em que a Alemanha estava em condição de
oferecer ajuda a outros países, o ministério foi criado.184
A sede do ministério fica em Bonn, antiga capital, tendo sido cria-
da outra sede em Berlim depois da unificação. Além da sede, há vários
escritórios localizados em diferentes países, além de haver representação
nas embaixadas e nos consulados e em organismos internacionais, como o
Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Em relação à distribuição de seus funcionários, cerca de 600 no total,
grande parte deles fica no escritório de Bonn (aproximadamente 80%),

183 Ver: www.bmz.de. Acesso em: 22/07/2003.


184 Sr. Rainer Willingshoffer, em entrevista na Embaixada da Alemanha em Brasília, em
26/09/2003.

114 Renata Curcio Valente


enquanto no escritório de Berlim há em torno de 60 funcionários (10%),
segundo dados do BMZ de 2005.185 Os outros 10% estão atualmente em
“Escritórios Federais no Exterior” (Federal Foreign Office), nas organiza-
ções internacionais e em países considerados “parceiros prioritários”, onde
trabalham nas embaixadas e nos consulados alemães.
A organização administrativa do ministério divide-se entre três direto-
rias gerais com atribuições distintas. A primeira delas é responsável pelas
tarefas administrativas dos escritórios centrais de Bonn e Berlim, além de
assumir atividades de cooperação com organizações da sociedade civil e
com as fundações políticas. A segunda é responsável por diretrizes e pelo
diálogo político da cooperação bilateral e das ações executadas pelo mi-
nistério com os diferentes países e regiões; este diretório geral coordena
medidas de política de desenvolvimento e monitora todos os projetos e
programas de cooperação técnica e fi nanceira com países, em negocia-
ções bilaterais, além de elaborar políticas de cooperação para a paz.186 A
terceira é responsável pela cooperação com organizações internacionais
e pela coordenação de países doadores, estando a seu cargo a elaboração
dos princípios fundamentais e dos conceitos para o trabalho de política
de desenvolvimento (sistemas econômicos e fi nanceiros, meio ambiente e
recursos naturais, redução da pobreza e desenvolvimento social).187
O escritório de Berlim, mais recente, tem função política junto ao Par-
lamento e à imprensa, entre outros, sendo a principal responsabilidade de
seus funcionários dar suporte à formulação de planejamento político. Em
2003, o BMZ assumiu temas como a globalização e o comércio, a preven-
ção de crises, a ajuda de emergência a refugiados, que demandam relações
mais próximas com o Banco Mundial e a União Europeia.
Na América Latina, há funcionários do BMZ em Brasília, La Paz e
Lima. Outros 60 funcionários do ministério são deslocados para trabalhar
de forma rotativa nas embaixadas e nos consulados de alguns países, cir-
culando para assumir compromissos da política de cooperação alemã para
o desenvolvimento.

185 Ver www.bmz.de. Acesso em: 22/07/2003.


186 É um representante deste Diretório Geral que vem ao Brasil participar das Negociações
Intergovernamentais entre representantes do governo brasileiro e alemão.
187 Há uma grande divisão interna nos diretórios gerais: o diretório geral 1 possui 14 divi-
sões divisões internas, o 2 tem 15 e o 3 tem 18.

A GTZ no Brasil 115


Uma característica marcante do ministério é sua lógica de atuação em
rede ou em malha, tanto no que concerne à sua estrutura organizacional,
quanto em relação à forma de execução de suas políticas. O BMZ pos-
sui uma ampla e diferenciada malha administrativa, cujas instituições e
pessoas realizam atividades que vão desde orientação política, formação
profissional e organização trabalhista até assistencialismo. A estrutura de
operacionalização da política de cooperação para o desenvolvimento no
mundo é marcada por uma diversidade, uma multiplicidade de atores in-
terconectados por meio do BMZ, enquanto centro de decisões políticas e
orçamentárias de uma ampla malha administrativa.
Para o governo alemão, do ponto de vista administrativo e de execução
da política de cooperação para o desenvolvimento, é atribuído um sentido
restrito e um sentido amplo para a defi nição de cooperação. No primeiro
caso, refere-se às atividades desempenhadas pelas agências oficialmente
vinculadas ao BMZ, ou seja, as organizações governamentais. São defi-
nidas como implementing organizations, que são as agências implemen-
tadoras, que recebem do ministério a atribuição de efetuar ações concre-
tas das políticas de cooperação técnica, científica, acadêmica e fi nanceira.
São instituições que apresentam crescente autonomia e que investem uma
parte de recursos próprios para a execução das políticas formuladas pelo
BMZ.188 São agências de cooperação técnica, bancos de desenvolvimento,
fundações políticas, instituições eclesiásticas e de voluntários e ONGs. São
elas: o KfW, a GTZ, o DED (Deutscher Entwicklungsdienst), conhecido
anteriormente no Brasil por Serviço Alemão de Cooperação Técnica e So-
cial (Sactes), o InWEnt (Aperfeiçoamento Profissional e Desenvolvimento
Internacional) e o DEG (Deutsche Investitions und Entwicklungsgesells-
chaft mbH, Sociedade Alemã para o Desenvolvimento e Investimentos),
sendo também incluídos em algumas referências o Instituto Federal de
Geociências e Recursos Nacionais (BGR) e o Instituto Federal de Física e
Metrologia (PTB).189

188 Refi ro-me especificamente ao documento Embaixada da República Federal da Alema-


nha. Brasil-Alemanha: 40 Anos Cooperação para o Desenvolvimento, 2003. Também con-
sultamos o Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p. 43, em que são incluídos o
Instituto Federal de Geociências e Recursos Nacionais (BGR) e o Instituto Federal de Física
e Metrologia (PTB).
189 GTZ, ibid.

116 Renata Curcio Valente


O governo alemão também vem ampliando sua atuação por meio do
apoio a outras instituições que não são diretamente ligadas ao BMZ, mas
que recebem parte de seus recursos do ministério, sendo consideradas tam-
bém executoras de suas políticas. Neste sentido amplo da cooperação para
o desenvolvimento, estão envolvidas organizações privadas, organizações
não governamentais ou redes de ONGs, além de fundações políticas e or-
ganizações vinculadas às igrejas ou a instituições eclesiásticas. A atuação
dessas organizações não tem relação direta com as diretrizes defi nidas nas
negociações intergovernamentais,190 como no caso das agências ligadas di-
retamente ao BMZ, mas sim aos princípios da própria organização. Os
recursos que lhes são destinados diferem do título orçamentário específico
para atividades de cooperação bilateral entre organizações oficialmente
vinculadas ao BMZ. Assim nos relatou um funcionário da Embaixada:

[...] as tradicionais – a Misereor, por exemplo – elaboram projetos; são


projetos de 1 milhão, 2 milhões de euros, nos quais eles botam um terço
e o BMZ, dois terços. É muito dinheiro que o BMZ está liberando para
essas atividades, mas controladamente, porque também tem inspeções,
tem de se fazer um Relatório Final, como se fosse um projeto normal de
cooperação técnica. [...] Nós diferenciamos cooperação técnica de sentido
estrito, que são as instituições que foram criadas com o BMZ, de coope-
ração técnica no sentido amplo, que envolve outras instituições que não
são necessariamente ligadas diretamente ao BMZ (grifos meus).

Alguns profissionais alemães, principalmente aqueles que têm uma tra-


jetória de atuação em ONGs, redes de ONGs e movimentos da sociedade
civil na Alemanha, fazem questão de destacar a distância das formas de
trabalho entre organizações não governamentais e governo e de suas posi-
ções políticas a respeito do desenvolvimento em países do chamado “Ter-
ceiro Mundo”, sobretudo quanto a temas como meio ambiente.191

190 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p. 43.


191 Apesar de trabalhar naquele momento no DED, uma agência governamental, o funcio-
nário informou que trabalhou em contato com redes de ONGs da Alemanha que atuavam no
campo do desenvolvimento, sobretudo na América Latina. O DED tem um trabalho orienta-
do para o fortalecimento institucional de ONGs dos “países em desenvolvimento”. In: Diver-
sidade ecossocial e estratégias de cooperação entre ONGs na Amazônia. Anais... Fase/Faor,
13-16 de junho de 1994, p. 93.

A GTZ no Brasil 117


Cooperação no sentido restrito
Como mencionamos acima, entre as organizações governamentais, as
principais instituições alemãs que atuam no Brasil, são a GTZ, que ana-
lisaremos pormenorizadamente no próximo capítulo, o DED, o DEG, o
InWENT, o BGR e o PTB.
O DED, antes chamado de Sactes, é usualmente conhecido entre os
alemães como serviço de voluntários e de pessoal para projetos de deman-
das sociais, tendo sido criado em 1963. Ele atua como um braço oficial da
cooperação alemã com organizações não governamentais de países parcei-
ros. Apesar de referir-se a “voluntários”, os alemães enviados para atuar
em projetos recebem um pagamento (um salário mínimo, muitas vezes) da
instituição local onde trabalham e uma complementação do próprio DED.
O DED é uma “sociedade mista”, composta pelo governo alemão e por
um grupo de ONGs alemãs. Ele não trabalha em projetos próprios, mas
atua na implementação dos projetos de desenvolvimento e apoia organiza-
ções da sociedade civil e as iniciativas populares através, basicamente, do
envio de alemães com formação técnica192 ou superior para os chamados
“países em desenvolvimento”. Normalmente atuam em projetos pequenos.
Segundo Wolff, o DED é uma “entidade de perfi l progressista e sua política
frequentemente destoa do discurso desenvolvimentista oficial, o que não se
dá sem a ocorrência de confl itos”.193 Tais projetos envolvem atualmente 13
mil assistentes ao desenvolvimento e 10 mil técnicos locais em resposta a
demandas de organizações ou instituições estatais em mais de 45 países na
África, na Ásia e na América Latina. A instituição acaba sendo uma base
de formação “prática” para jovens alemães em países do “Terceiro Mun-
do”, uma espécie de “estágio”. Mas não somente. Muitos profissionais ale-
mães de grande experiência com as dinâmicas de trabalho e articulação
não governamental ou “da sociedade civil”, na Alemanha e em países “em
desenvolvimento”, são muito valorizados e considerados.194
No Brasil, o escritório-sede do DED fica em Recife, o que reflete a prio-
ridade atribuída à questão da pobreza, fator que orientou a maior parte dos
projetos para a região Nordeste e, mais recentemente, para a região Nor-

192 Neste caso, especificamente, o termo técnico refere-se à formação em escolas técnicas.
193 Wolff, L.; Kaiser, W. & Mello, F. Cooperação e solidariedade internacional na Alema-
nha. São Paulo: Abong; Rio de Janeiro: Núcleo de Animação Terra e Democracia, EZE/Ibase,
1995, p. 14.
194 DED. Relação dos projetos do DED – Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social
no Brasil, julho de 2004.

118 Renata Curcio Valente


te. São três as linhas temáticas que trabalham no Brasil: desenvolvimento
urbano, desenvolvimento rural e meio ambiente, e geração de emprego e
renda.
Conforme relatório de julho de 2004, os projetos são classificados de
acordo com as diferentes fases em que se encontram: em execução com
perito de longo prazo; em execução sem perito de longo prazo; em implan-
tação. De um total de 35 projetos do DED em todo o Brasil, 23 estavam
sendo realizados na região Nordeste, sendo a maior concentração em Re-
cife, e o restante dos projetos destinados à região Norte.
O DED coopera com cerca de 90 ONGs no Brasil, entre elas a Abong e
a “SOS Corpo, Gênero e Cidadania”, em Recife; o Centro de Estudos, Ar-
ticulação e Referência sobre Assentamentos Humanos (Cearah), em Forta-
leza; a Fase, o Fórum da Amazônia Oriental (Faor) e o Naea, em Belém; o
Centro de Trabalho Indigenista (CTI), em Carolina, Maranhão; o Grupo
de Trabalho Amazônico (GTA), em Brasília, entre outros.
Defi ne sua atuação como orientada por princípios de justiça social,
democracia, solidariedade, preservação da natureza, igualdade de direitos
e inclusão social. São projetos do DED no Brasil: Assessoria às Entidades
Populares, executado pelo Centro de Estudos e Pesquisa Josué de Cas-
tro, de Pernambuco; Mulheres e Desenvolvimento na Zona da Mata de
Pernambuco, desenvolvido pela ONG SOS Corpo, Gênero e Cidadania;
Produção Agrícola Sustentável, no Pará, executado pelo Naea/UFPA; Con-
sumo Popular e Produção Familiar, no Pará, desenvolvido pela Fase, para
citar alguns.195
No setor privado, algumas instituições têm a atribuição de promover
e incentivar pequenas e médias empresas e cooperativas nos países em de-
senvolvimento. Entre elas, o DEG, que é um dos maiores institutos alemães
de financiamento de longo prazo e consultoria, com a atribuição formal
de “promover a formação e a expansão do setor privado em países em
desenvolvimento”.196 Desde 1962, quando foi criado, até 2001, o DEG co-
financiou um total de 1.025 empresas em 121 países. Ele promove a coo-
peração entre empresas de países em desenvolvimento e empresas alemãs e
outras europeias. Investe em projetos sustentáveis e rentáveis, estando o seu
foco no Brasil na área de financiamento de projetos e empreendimentos para
empresas brasileiras, financiamento de pequenos e médios empreendimen-
tos de infraestrutura, programa de microcrédito e programa de parcerias

195 DED. Relação dos Projetos do DED, op. cit.


196 KfW. Annual Report 2001, p. 89.

A GTZ no Brasil 119


público-privadas (PPP), além de acompanhar empresas alemãs que atuam
nos países com os quais a Alemanha tem programas de cooperação.
Em 2001, o DEG foi comprado pelo Banco KfW do governo fede-
ral e passou a fazer parte do Grupo KfW, formado pela consolidação
fi nanceira do Banco KfW, do KfW International Finance Inc., Delawa-
re (Estados Unidos), do Finanzierungs-und Beratungsgesellschaft mbH
(Berlin) e pelo DEG.197
No que se refere a cooperativas, a Confederação das Cooperativas da
Alemanha Federal (Deutscher Genossenschafts und Raiffeisenverband e.V.
– DGRV) é uma organização que reúne nacionalmente as instituições do
setor cooperativo alemão, sendo responsável por dar assessoria e apoio a
organizações cooperativas em questões de política econômica e fiscal, além
de participar de projetos de desenvolvimento e assessoria em âmbito inter-
nacional com a fi nalidade de fortalecer organizações cooperativas, pro-
mover transferência de conhecimentos cooperativos através de atividades
de capacitação, fortalecer cooperativas de poupança e crédito em zonas
rurais. Existe uma forte relação entre instituições de execução da política
de cooperação para o desenvolvimento da Alemanha e empresas privadas,
cooperativas e serviços de especialistas (consultores).198
O Internationale Weiterbildung und Entwicklung gGmbH (Aperfeiçoa-
mento Profissional e Desenvolvimento) – InWENT199 é uma instituição que
tem por propósito o aperfeiçoamento e o desenvolvimento internacionais.
Surgiu da fusão da Sociedade Carl Duisberg (Carl Duisberg Gesellschaft
– CDG) com a Fundação Alemã para o Desenvolvimento Internacional
(Deutsche Stiftung für Internationale Entwicklung – DSE) e presta ser-
viços de formação, intercâmbio e aprimoramento profissional, técnico e
intercultural.
O CIM, dentro da GTZ, é um grupo de trabalho que executa o Pro-
grama de Peritos Integrados. Formalmente, “o CIM organiza a colocação
de peritos alemães ou europeus junto a empregadores que exercem suas
atividades em ramos e setores importantes do ponto de vista da política de
desenvolvimento”. É um programa importante para que possamos compre-
ender a abertura de um espaço para a GTZ em projetos no Brasil. Os peri-

197 KfW. Annual Report 2001, p. 89.


198 SES – Senior Experten Service. Emprega técnicos especializados aposentados (consulto-
res seniores) em formação profi ssional, aperfeiçoamento e qualificação de pessoal técnico e
de direção dentro do país e no exterior, sendo priorizadas as áreas técnica e econômica das
pequenas e médias empresas.
199 Ver www.inwent.org e www.cdgbrasil.com.br. Acesso em: 17/06/2006.

120 Renata Curcio Valente


tos alemães selecionados são profissionais que dispõem de “conhecimentos
técnicos especializados” em atividades da política de desenvolvimento.200
Os profissionais do CIM são contratados como peritos de curto prazo
– nomenclatura para profissionais que atuam em projetos com prazo de
três meses, renováveis – para prestar consultorias para a GTZ e avaliar a
condição de viabilidade de um projeto no qual a GTZ pretende atuar e, a
partir da avaliação, indicar a sua execução para a GTZ.201 O CIM fornece
a curto prazo as condições para o deslocamento de peritos.202 É uma forma
talvez mais ágil para a contratação de peritos sem que haja formalmente
um projeto no qual eles estejam engajados, porque o processo de negocia-
ção de um projeto pode levar até anos. Como o CIM, o Senior Experten
Service (SES) (Serviço de Peritos Seniores), emprega consultores técnicos
sêniors, entre eles, aposentados, para atuarem na formação profissional,
no aperfeiçoamento e na qualificação de pessoal técnico e de direção den-
tro do país e no exterior, priorizando-se as áreas técnica e econômica das
pequenas e médias empresas.

Cooperação no sentido amplo


Além destas organizações diretamente ligadas ao BMZ, as agências go-
vernamentais vêm ampliando sua atuação no campo da cooperação in-
ternacional com apoio às organizações não governamentais, às fundações
políticas, às igrejas e às organizações eclesiásticas alemãs. A percepção do
benefício que o governo poderia ter com a atuação da sociedade civil ale-
mã levou o BMZ a incluir as organizações não governamentais e as igrejas
no seu orçamento para a política de cooperação para o desenvolvimento.
O governo alemão tem como princípio a ideia de “prescindir ao má-
ximo da ação governamental e explorar outros meios de implementação
mais rápida e mais eficaz dos objetivos de políticas de desenvolvimento”,
considerando fundamental o trabalho dessas instituições na complementa-

200 Há dois critérios para a “colocação de um perito” (na verdade, são critérios da própria
atividade de cooperação internacional): se não forem encontrados peritos nacionais no mer-
cado de trabalho local; o dever de contribuir para o desenvolvimento econômico e social do
país parceiro.
201 Supostamente não deveriam permanecer nos projetos, mas há casos de peritos de curto
prazo que renovam seus vínculos por longos e contínuos períodos.
202 Este foi o caso de Augo Knoke, que veio para o PPTAL nestas condições e acabou fican-
do por um ano.

A GTZ no Brasil 121


ção das atividades das instituições governamentais de cooperação interna-
cional, no sentido amplo atribuído pelo próprio ministério ao termo. 203
Neste sentido, vale notar que se torna difícil desvincular a ação gover-
namental da ação não governamental, e poderíamos mesmo afi rmar que o
governo alemão conta com um aparato de atuação no campo do desenvol-
vimento que vai além de suas instituições estatais, abarcando das agências
e instituições governamentais até as não governamentais.
Os projetos executados pelas organizações não governamentais alemãs
são subsidiados pelo governo alemão através do fi nanciamento às organi-
zações eclesiásticas, aos centros de pesquisa, às universidades e aos centros
de capacitação técnica. Há, na verdade, uma pluralidade de fundações e
instituições atreladas ao BMZ que executam diferentes tipos de coopera-
ção entre a Alemanha e os países “em desenvolvimento”, como grupos de
solidariedade a crianças carentes, movimentos de igrejas, suporte a coo-
perativas de produção, suporte a cursos de formação política, entre ou-
tras. Atuam basicamente com recursos do governo alemão e recursos pró-
prios complementares. Ainda que muitas instituições não governamentais
obtenham fundos de outras fontes e mantenham autonomia em relação
ao governo federal, desde os anos 1960 organizações não governamen-
tais, organizações eclesiásticas e fundações políticas têm seus orçamentos
fortemente sustentados por verbas do BMZ. A maior parte dos recursos
do orçamento do ministério é, no entanto, consumido pelas duas princi-
pais instituições governamentais, a GTZ e o KfW, que fazem parte do já
mencionado “sentido estrito” da cooperação para o desenvolvimento, que
abrange somente as instituições governamentais.

Cooperativismo
As ideias cooperativistas na Alemanha têm um peso histórico considerável
e têm sido bastante influentes nas formas de organização “de bases” nos
projetos para promoção do desenvolvimento. Elas estão presentes tanto
nas instituições eclesiásticas, mas também nas ONGs e nos movimentos de
organização para apoio a pequenos produtores.
A primeira experiência de uma associação de apoio à população rural
foi criada por Friedrich Willhelm Raiffeisen, em 1847, para enfrentar uma
crise agrícola que se abatera sobre o campo e a população do povoado de

203 GTZ. Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p. 41-43.

122 Renata Curcio Valente


Weyerbusch/Westerwald. 204 Em 1864, Raiffeisen criou a primeira coopera-
tiva, uma associação de caixas de empréstimo de Heddesdorf. Também em
1847, Hermann Schultze-Delitzsch instituiu as primeiras associações para
artesãos (sapateiros e carpinteiros) nos centros urbanos. As ideias coope-
rativistas implementadas por Raiffeisen e por Schultze-Delitsch continuam
tendo espaço, estando o nome de Raiffeisen até hoje associado às coope-
rativas agrícolas e o de Schultze-Delitsch, às cooperativas industriais. 205 O
objetivo principal das cooperativas consiste em obter melhores resultados
no mercado e menor dependência da ajuda estatal. Elas têm importante
papel nas áreas rurais da Alemanha.
Esta concepção “cooperativista” da relação entre mercado e pequenos
produtores, na sua maioria agrícola, foi transmitida aos formuladores de
propostas de cooperação para o desenvolvimento do “Terceiro Mundo”,
orientadas prioritariamente a contextos agrícolas, base das economias dos
países ditos em desenvolvimento. Neste sentido, princípios de ação em um
contexto de crise agrícola poderia ser aplicado a contextos de subdesenvol-
vimento. É possível inferir que a experiência da autoajuda, de autorrespon-
sabilidade, de organização coletiva para o mercado, que fazem parte dos
princípios do cooperativismo, tenham sido, em certo sentido, modelos e
diretrizes ideológicas para as propostas pedagógicas implementadas pelas
agências ou outras instituições de cooperação.

Organizações Eclesiásticas
O papel de instituições eclesiásticas alemãs na estruturação das instituições
democráticas na Alemanha no período pós-guerra é considerado decisivo.
As duas grandes igrejas cristãs deram uma contribuição decisiva na re-
construção das estruturas democráticas após 1945, bem como na transfor-
mação política pacífica da República Democrática da Alemanha, em 1989,
através de seu engajamento e apoio aos diversos grupos do movimento
popular. 206 Da mesma forma, o trabalho desenvolvido por instituições li-

204 Armbruster, Peter & Arzbach, Mathias. O setor fi nanceiro cooperativo na Alemanha.
Bonn; San Jose; São Paulo: Confederação Alemã das Cooperativas, 2004.
205 De acordo com dados da Confederação Alemã das Cooperativas, os bancos coopera-
tivos na Alemanha representam a mais alta porcentagem em relação ao mercado bancário,
excluindo-se os bancos especializados, como os hipotecários e os de incentivos, como o KfW,
entre outros.
206 Ministério Federal das Relações Exteriores. Perfil da Alemanha. Berlim: Media Consulta
Deutschland GmbH, 2003, p. 384.

A GTZ no Brasil 123


gadas às Igrejas na Alemanha no mundo, de atividades para promoção do
desenvolvimento, redução da pobreza, entre outros, é considerada muito
importante e, ainda que independente e totalmente autônoma em relação
às diretrizes do Estado, é considerada complementar às suas políticas no
campo da cooperação para o desenvolvimento.
Desde os anos 1960, tem sido intensa a atuação de organizações ecle-
siásticas em programas para os “países em desenvolvimento”. Segundo
Wolff, desde então, o desenvolvimento ocupa lugar importante nas dis-
cussões sobre ética das igrejas, sendo um tema já de certa “tradição” em
consequência de suas atividades missionárias. Entre 1962 e fi nal de 2001,
o governo da Alemanha transferiu aproximadamente 480 milhões de mar-
cos alemães para apoiar 1.011 projetos de igrejas alemãs no Brasil, sendo
a maioria deles (74,6%) desenvolvidos pela Igreja católica, em um total de
754 projetos, enquanto somente 25,4% (257) foram de responsabilidade
da Igreja protestante.207
A partir dos anos 1970, nota-se a produção de documentos fundamen-
tais que orientam politicamente o trabalho das igrejas nessa área, particu-
larmente elaborados pela Câmara das Igrejas Evangélicas para Assuntos
de Desenvolvimento, um conselho que assessora a cúpula das igrejas.
Wolff argumenta que as igrejas cristãs (católica e protestante) na Ale-
manha são entidades influentes devido ao volume de recursos que elas
arrecadam anualmente através do chamado “imposto das igrejas”, oficiali-
zado em lei e administrado pelo Estado. 208 As igrejas e as instituições ecle-
siásticas da Alemanha têm o direito de cobrar impostos de seus membros,
recolhidos pelo Estado contra o reembolso de despesas. Cada membro de
confissão cristã, independente de frequentar missas ou cultos nas igrejas,
é obrigado a pagar este imposto, que é devido pela declaração de crença e
não pela prática religiosa. Cerca de 80% da população na Alemanha per-
tencem a uma confissão cristã e estão divididos entre 55% de protestantes
e 45% de católicos, sendo o restante da população formado por outras
religiões, como muçulmanos ou judeus. 209
Os recursos desses impostos são destinados ao apoio a atividades pas-
torais e sociais que fazem das igrejas o segundo maior empregador da Ale-
manha, ficando atrás apenas do próprio Estado. As atividades de institui-

207 ABC/MRE. Ata de Negociações Intergovernamentais 2001. Brasília, 19 e 20 de novem-


bro de 2001.
208 Wolff, Luciano A.; Kaiser, W. & Mello, F. V. (Coords.), op. cit., p. 17.
209 Ministério Federal das Relações Exteriores, op. cit., p. 383-384.

124 Renata Curcio Valente


ções religiosas na sociedade alemã destinam-se à assistência em hospitais,
casas de misericórdia, asilos, escolas e centros de formação. Para atuação
em projetos sociais no mundo, os recursos vêm em parte desses impostos,
como também da arrecadação de doações dos fiéis em datas religiosas im-
portantes.210
As igrejas protestantes alemãs, também chamadas evangélicas, atuam
na área de cooperação para o desenvolvimento através de uma estrutura
institucional denominada Grupo de Trabalho sobre o Serviço das Igrejas
para o Desenvolvimento (Arbeitsgemeinschaft Kirchlicher Entwicklungs-
dienst – AG-KED), que compreende cinco instituições. De acordo com
algumas publicações dessas malhas de instituições, aquelas ligadas à Igreja
protestante são: Associação Evangélica de Cooperação e Desenvolvimento
(Evengelische Zentralstelle für Entwicklungshilfe – EZE); Pão para o Mun-
do (Brot für die Welt); Serviços em Ultramar (Dienste in Übersee – DU);
Serviço das Igrejas para o Desenvolvimento (Kirchlicher Entwicklungs-
dienst – KED); Obra Missionária Evangélica (Evangelisches Missionwerk
– EMW).
As igrejas católicas concentram-se em torno de duas instituições: a Mi-
sereor e a Associação Católica para Cooperação e Desenvolvimento (Ka-
tholische Zentralstelle für Entwicklungshilfe – KZE). Os recursos com os
quais a Misereor fi nancia seu trabalho no campo do desenvolvimento são
provenientes de doações dos católicos alemães e de fundos dos orçamentos
diocesanos colocados à disposição pela Associação das Dioceses da Ale-
manha. Quanto aos fundos públicos do governo alemão, eles são aplicados
pela KZE, sendo que a maior parte do trabalho administrativo da KZE é
executado na sede da Misereor que, fundada em 1958, representa um dos
braços da Confederação dos Bispos Alemães, consistindo em um subde-
partamento de uma área chamada “Igreja em Nível Mundial”, referente
às atividades de igrejas cristãs no exterior. 211 Ela está voltada para as ati-
vidades de serviços sociais e pastorais para pobres do “Terceiro Mundo”,
tendo como base motivações cristãs e espirituais. Define sua missão como
a de oferecer cooperação “para combater a pobreza em nível mundial,

210 Ministério Federal das Relações Exteriores, op. cit., p. 383-384.


211 “Igreja em Nível Mundial” é uma “fraternidade” de mais de 300 igrejas de diferentes tra-
dições cristãs em mais de 100 países nos cinco continentes, e que se organizou formalmente
no Conselho Mundial de Igrejas – CMI, fundado em 1948 em Amsterdã. A Igreja Católica
Romana não é membro do CMI, mas colabora com o conselho. Seu órgão decisório máximo
é a assembleia que se reúne a cada 7 anos. Disponível em: http://www.wcc-coe.org. Acesso
em: 04/11/2007, às 11h22.

A GTZ no Brasil 125


abolir estruturas de injustiça, promover a solidariedade com os pobres e
perseguidos e contribuir para a construção de ‘um mundo”. 212
Os pedidos de fi nanciamento que a Misereor recebe são analisados por
departamentos regionais que decidem com que fundos o projeto pode ser
fi nanciado, passando por diferentes níveis de decisão, inclusive pela dioce-
se local. 213 No caso de fundos provenientes de doações ou arrecadação de
impostos, a aprovação passa por uma comissão de cinco bispos.
Além das instituições citadas, ainda haveria ONGs alemãs sem vín-
culos diretamente religiosos, mas que são em sua maioria ligadas às
Igrejas protestante e católica da Alemanha, como a Fundação Agrária
Alemã (Deutsche Welthungerhilfe), a Associação de Amparo às Necessi-
dades da Criança (Kindernothilfe), a Comunidade de Ação Mundo Soli-
dário (Aktionsgemeinschaft Solidarische) e o Serviço para a Paz Mundial
(Weltfriedensdienst).214
A referência ao trabalho das ONGs alemãs no Brasil não aparece nas
conversas ou nas entrevistas realizadas com funcionários de órgãos go-
vernamentais alemães ou brasileiros, mas quando investigamos as organi-
zações ou as redes não governamentais no Brasil – entre elas Inesc, Ibase
e Fase ou Abong, Rede Brasil ou Faor (Fórum da Amazônia Oriental) –
vimos que há uma correlação entre a atuação das ONGs alemãs religio-
sas e os movimentos sociais no Brasil. Desde a ditadura militar, tem sido
frequente o apoio a projetos sociais por parte das igrejas desse país, assim
como a vinda de alemães, principalmente na área de direitos humanos e de
organização popular de trabalhadores e de cooperativas.
É importante destacar que na Alemanha, a liberdade de crença, de con-
fissão e de exercícios de cultos religiosos é garantida pela Lei Fundamental,
como é chamada a Constituição alemã, formulada em maio de 1949 por
um Conselho Parlamentar. Foi concebida em caráter provisório para uma
fase de transição no imediato pós-guerra, sendo prevista sua redefi nição
após a reunificação, o que veio a acontecer somente em 1990, quando
foram reformulados o preâmbulo e o artigo fi nal. Não há, por defi nição,
qualquer controle das igrejas pelo Estado e, da mesma forma, o Estado é
laico na Alemanha, não havendo nenhum vínculo entre a administração
eclesiástica e a estatal. Há, no entanto, uma correlação programática e or-

212 Ver www.misereor.org/pt/sobre-nos.html. Acesso em: 04/11/2007, às 12h:45.


213 Wolff, L. A. et al., op. cit., p. 21.
214 Id., ibid., p. 17-22.

126 Renata Curcio Valente


ganizacional entre as práticas das igrejas e do Estado alemão no campo do
desenvolvimento, uma vez que agem de forma muito semelhante.

Fundações Políticas
As fundações políticas são instituições vinculadas aos partidos políticos
que desenvolvem atividades na Alemanha e no exterior. Elas têm um papel
importante nesse tipo de trabalho, assim como na constituição de uma
cultura política democrática e de solidariedade, o que fazem por meio de
institutos em que dão treinamento e cursos para formação de valores po-
líticos e democráticos, além de programas de estudo na Alemanha para
bolsistas dos vários países onde atua.
Particularmente quanto a critérios de democracia e participação, as
fundações políticas trabalham estes valores no sentido de promovê-los in-
ternacionalmente, dando suporte a organizações promotoras de autoaju-
da, sobretudo nas áreas rurais, de educação de adultos e de capacitação
para pesquisas sociológicas em países em desenvolvimento. 215
As fundações políticas trabalham em estreita colaboração com sindi-
catos, partidos, cooperativas e outros grupos políticos ou sociais seme-
lhantes, sendo sua função fortalecer sindicatos de trabalhadores e partidos
políticos. Várias delas foram criadas antes do ministério, já tendo certa ex-
periência nas práticas da cooperação para o desenvolvimento antes mesmo
de sua institucionalização.216 No exterior, segundo Wolff suas atividades
são enquadradas como projetos de cooperação para o desenvolvimento. 217
O trabalho das fundações no exterior é fi nanciado exclusivamente por fun-
dos do governo federal, principalmente do BMZ, do Ministério de Rela-
ções Exteriores e do Ministério de Ciência e Tecnologia.
O governo alemão transferiu para as fundações políticas, entre 1962 e
fi nal de 2001, um total de 225 milhões de marcos alemães. No caso da co-

215 Wolff, L. A. et al., op. cit., p. 17-22.


216 A partir de 1966 foi proibido fi nanciar diretamente o trabalho de formação política
na linha dos partidos dentro da Alemanha, o que passou a ser feito então pelas fundações
políticas. Atividades como seminários, encontros, debates, cursos, bolsas de estudo contri-
buem para o debate político no país. No plano internacional, o trabalho das fundações seria
identificado como o de cooperação para o desenvolvimento, sendo fi nanciado com recursos
do BMZ.
217 Wolff, L. A. et al., op. cit., p. 16.

A GTZ no Brasil 127


operação para o desenvolvimento do setor privado (DEG), foi transferido
um total de 300 milhões de marcos alemães para 23 projetos. 218

Quadro 1. Fundações e partidos políticos

Conservadores

KAS – Fundação Konrad-Adenauer União Democrata Cristã (CDU)

HSS – Fundação Hans Seidel União Social Cristã (CSU)

FNS – Fundação Friedrich Naumann Partido Democrático Liberal (FDP)

De oposição

Fundação Friedrich Ebert (FES) Partido Social-Democrata (SPD)

Fundação Heinrich Böll (HBS) Partido Verde (DG)

Várias fundações políticas foram criadas cerca de uma década antes do


ministério e têm tradição nas práticas da “cooperação para o desenvolvi-
mento”, marcantes ainda hoje. 219 O quadro abaixo sistematiza a relação
entre as fundações políticas e os partidos políticos na Alemanha:
A mais antiga fundação política, a Friedrich Ebert (FES), ligada ao
Partido Social-Democrata (SPD), foi fundada em 1925. Defi ne sua atuação
como orientada “para o incentivo a estruturas e processos democráticos e
para a cooperação com seus parceiros, para fortalecer o desenvolvimento
político”. Atualmente possui cerca de 600 funcionários que desenvolvem
projetos em mais de 100 países na África, na Ásia, nas Américas e na
Europa e concede bolsas de estudos para 240 estudantes no exterior, de
um total de 1.700 bolsas. A FES está no Brasil desde 1976, quando veio
primeiramente para o Rio de Janeiro e estabeleceu-se com o nome de Ins-
tituto Latino-Americano de Desenvolvimento Econômico e Social (Ildes),
sendo transferida em 1986 para São Paulo. Tem fortes relações com sindi-
catos e incentiva pesquisas e seminários orientados para trabalhadores e
sindicalistas.
A Fundação Konrad Adenauer (Konrad Adenauer Stiftung – KAS), as-
sociada à CDU, atua na área de “direitos humanos, democracia represen-
tativa, do Estado de Direito, da economia social de mercado, da justiça

218 Ata de Negociações Intergovernamentais 2001, Brasília, 19 e 20 de novembro de 2001.


219 A pesquisa desta como das outras fundações políticas foi realizada em grande parte por
meio digital na Internet. Os sites têm informações sobre a estrutura e os dados atualizados
de projetos e programas em andamento. Os sites foram: www.fes.org; www.hss.org ; www.
boell.org e www.kas.org

128 Renata Curcio Valente


social e do desenvolvimento sustentável” e desenvolve trabalhos em áreas
carentes no Brasil em articulação com a Cáritas220 e com a Arquidiocese
do Rio de Janeiro.
A Fundação Konrad Adenauer focaliza seu trabalho primordialmen-
te no campo acadêmico no Brasil, particularmente em relação às áreas
de fi losofia e ciência política, contribuindo não só para a organização de
seminários, como também na publicação de textos e livros de análises po-
líticas. Além disso, incentiva pesquisas no Brasil e no exterior por meio de
bolsas de estudo e intercâmbio de pesquisadores na Alemanha. Possui um
instituto próprio de formação política, o Instituto Internacional, 221 e ainda
um centro de estudos de “formação política” no Rio de Janeiro.
A Fundação Hans Seidel (HSS), ligada à CSU, tem cerca de 200 fun-
cionários e atua em 57 países; como a KAS, possui um instituto próprio
para atividades de “cooperação internacional”, o Instituto para Confrater-
nização e Cooperação Internacional, com formação “democrática e cida-
dã, educação e capacitação”, promoção de “consciência internacional” e
“ajuda ao desenvolvimento”.
Há um conjunto de fundações ligadas ao Partido Verde que refletem
sua característica pluralista. A Bundstift é formada por uma série de as-
sociações regionais, sendo de caráter mais descentralizado; a Frauen(an)
stiftung caracteriza-se pelo trabalho exclusivo em questões de gênero, par-
ticularmente mulheres; a Fundação Arco-Íris consiste apenas em uma ins-
tância de coordenação de trabalho entre as três fundações; e a Fundação
Heinrich Böll (Heinrich Böll Stiftung – HBS), com sede em Colônia, tem
uma estrutura mais parecida com as fundações políticas que vimos, mas
adota uma linha alternativa, abordando temas relativos a desenvolvimen-
to sustentável, questões de gênero e sexualidade, direitos humanos, entre
outros. É uma fundação não governamental, porém não se pode desconsi-
derar sua relação política com Schröder, por ocasião da coalizão com Os
Verdes (Die Grünen – DG) e com o SPD, no governo desde 1998.

220 A Cáritas Brasileira faz parte da Caritas Internationalis, rede da Igreja Católica de atua-
ção social composta por 162 organizações presentes em 200 países e territórios, com sede em
Roma. A Cáritas Brasileira é um organismo na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), criada em 12 de novembro de 1956, na ocasião da 3a Assembleia da CNBB, presidi-
da então por D. Hélder Câmara. A Cáritas Brasileira desenvolve um trabalho orientado para
populações excluídas, visando, nos próprios termos, “contribuir para a superação da miséria
e pobreza, testemunhando que Deus é caridade” por meio da promoção da “solidariedade
libertadora”. Disponível em: www.caritasbrasileira.com.br. Acesso em: 30/05/2007.
221 Wolff, L. A. et al., op. cit., p. 16.

A GTZ no Brasil 129


De acordo com dados de 2007, a Fundação Böll possui 130 projetos
correntes em 60 países da África, da Ásia, da América Latina, tendo tam-
bém um escritório em Washington. A Fundação Heinrich Böll estabeleceu
sede no Rio de Janeiro em 1990 e desenvolve projetos com algumas ONGs
brasileiras, como Fase, Inesc, SOS-Corpo, Cemina, Redeh, entre outras.
O BMZ, com a sua forma de operacionalizar a política alemã de coo-
peração para o desenvolvimento, apresenta a dimensão de uma estrutura
equivalente a uma grande corporação transnacional ou de uma rede de
organizações. Nem sempre é desejável, do ponto de vista das instituições
alemãs, que se tenha a real dimensão da sua atuação, para não despertar
reações contrárias e críticas. Apesar de estarem vinculados a um mesmo
ministério, os trabalhos destas instituições são independentes.
O diagrama da Figura 5 apresenta uma visão resumida e simplificada
das instituições que fazem parte da política oficial de cooperação para o
desenvolvimento e suas atribuições em relação ao BMZ.
O que buscamos destacar neste capítulo é que, independente e para-
lelamente às agências de Estado, há toda uma ampla e disseminada rede
de instituições da sociedade alemã que historicamente atua no campo do
desenvolvimento. Estas redes nem sempre são mencionadas pelos profissio-
nais da GTZ quando os entrevistamos, ou aparecem em publicações ins-
titucionais. Quando citada a sua existência em textos impressos do BMZ,
não há referências mais detalhadas sobre as formas de relação do Estado
com as suas práticas.
No entanto, quando avançamos na leitura de uma abordagem mais
abrangente, vemos as múltiplas correlações existentes entre a instância go-
vernamental e a não governamental, em situações que vão desde o orça-
mento até valores e princípios de orientação para o trabalho no exterior e
a forma de atuação com base em projetos, entre outros.
A formalização de um “campo governamental” de cooperação para o
desenvolvimento, que se estabeleceu entre os anos 1950-1960, baseado no
desenvolvimento como “motor” de impulsão de práticas de intervenção
para administração de territórios estrangeiros, adquiriu muitos dos aspec-
tos da atuação não governamental. No entanto, aquilo que se refere às
instituições religiosas diz respeito a uma concepção cristã de solidariedade
e não exatamente de desenvolvimento que move as práticas em territórios
estrangeiros.

130 Renata Curcio Valente


Figura 5. Diagrama de instituições da política alemã de cooperação
para o desenvolvimento222

222

Fonte: Lossack, Harald Cooperação Técnica Brasil-Alemanha, Projeto MMA/PD-A-GTZ, 1995.

222 Troppenwaldnetzwerk é rede da Floresta Amazônica, uma rede da Alemanha para a pro-
teção da Floresta. Katalise e Kobra, que significa “Kooperation-Brasil”, também são redes.

A GTZ no Brasil 131


Parte II

Práticas e saberes administrativos da GTZ


Nos próximos capítulos, nossa investigação recaiu sobre as práticas da
GTZ, seu “modo de fazer” projetos sociais e ambientais e sobre um con-
junto de conhecimentos administrativos e de planejamento passados por
uma ação continuada e com propósitos multiplicadores de disseminação.
Voltamo-nos para a análise da GTZ porque, entre as várias agências
vinculadas ao BMZ, o Ministério de Cooperação e Desenvolvimento Eco-
nômico, é ela que recebeu a função executiva das políticas de cooperação
técnica.
As atividades da GTZ na execução de projetos e programas envolvem
a promoção de cursos, treinamentos, seminários e encontros nacionais e
internacionais. Para isso, tomamos dois caminhos de observação: primei-
ro, analisaremos o local de produção, reprodução e disseminação de com-
portamentos, o escritório “no estrangeiro”, lugar da exaltação do nacional
alemão, um dos pontos de estabelecimento de fronteiras claras entre o que
se defi ne e se institui como autenticamente “alemão” e os outros. Obser-
varemos ainda o processo de entrada da GTZ em um projeto nacional
bastante polêmico, o PPTAL. Os projetos são o lugar de construção social,
produto por defi nição da cooperação técnica e lugar do disciplinamento,
da “educação”, do “treinamento”, de valores, de comportamentos, de uma
concepção de vida social.
Este conjunto de situações que observamos expressam os princípios de
produção de uma determinada ordem e permitem articular elementos para
construir a teoria da prática, do modo de engendramento das práticas,
ou melhor, como argumenta Bourdieu, ir do opus operatum ao modus
operandi. 223 Visa contribuir, como aponta Bourdieu, para a necessidade
de abandonar todas as teorias que tomam explícita ou implicitamente a
prática como uma reação mecânica, diretamente determinada pelas con-

223 Bourdieu, P. “Esboço de uma Teoria da Prática.” In: Pierre Bourdieu. Sociologia. Org.
Renato Ortiz. São Paulo: Ática, 1983, p. 60.

132 Renata Curcio Valente


dições antecedentes e inteiramente redutíveis ao funcionamento mecânico
de esquemas preestabelecidos, modelos, normas ou papéis, como o são as
configurações fortuitas dos estímulos capazes de desencadeá-los. 224
Além disso, observar tais práticas implica analisar as estruturas cons-
titutivas deste meio, as quais produzem sistemas de disposições como prin-
cípio gerador e estruturador dessas mesmas práticas e das representações
que podem ser objetivamente reguladas e regulares, e não como produto
de um regente.
Bourdieu denomina “campo” este espaço onde as posições dos agentes
encontram-se a priori fi xadas. O campo se defi ne como locus onde se trava
uma luta concorrente entre os atores em função de interesses específicos
que caracterizam a área em questão. O campo se particulariza como um
espaço onde se manifestam relações de poder, o que implica afi rmar que
ele se estrutura a partir da distribuição desigual de um quantum social que
determina a posição que um agente específico desempenha em seu seio. A
este quantum Bourdieu denomina de “capital social”. Desta forma, o au-
tor resolve o problema da adequação entre ação subjetiva e objetividade da
sociedade, uma vez que todo ator age no interior de um campo socialmente
predeterminado. 225
Refletir sobre Estado e poder envolve uma série de cuidados, como nos
previne Foucault. Para ele, é preciso desvencilhar-se do modelo de Leviatã,
para além da soberania jurídica e de uma visão meramente institucionalis-
ta do Estado, o que envolve uma nova metodologia de pesquisa e análise
das técnicas e táticas de poder, além de estratégias de luta. Ele afi rma que
poder só existe em ato. Sugere que se analise o poder não no nível da in-
tenção ou da decisão, mas em suas práticas reais e efetivas, nos processos
sociais que constituem relações de poder, abarcando suas formas e ins-
tituições, nas técnicas e nos instrumentos de intervenção, para além das
normas. Para ele, ainda, o poder deve ser analisado como algo que circula
e só funciona em cadeia, e não apossado como coisa: “poder é algo que se
exerce, que circula, que forma rede”. 226
Considerando tal afi rmação, nos interessa saber quais são as formas
pelas quais a cooperação técnica efetivamente se institui. Não podemos es-
quecer que tais práticas, observadas no cotidiano das instituições, são con-

224 Idem, ibid., p. 64.


225 Ortiz, R. “Introdução.” In: Bourdieu, P., Pierre Bourdieu. Sociologia, op. cit., p. 19.
226 Foucault, Michel. Em defesa da sociedade. Curso no Collège de France (1975-1976). São
Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 32-40.

A GTZ no Brasil 133


sideradas procedimentos administrativos rotineiros, usuais, onde é difícil
destrinchar seus aspectos simbólicos de poder, sendo mesmo parte de sua
lógica, explicá-los como dinâmicas técnicas e, portanto, descaracterizados
ou desprovidos de aspectos de poder.
As formas de administração em territórios estrangeiros pelas quais se
produz e se dissemina um determinado tipo de conhecimento pelas agên-
cias internacionais de cooperação técnica, como a GTZ, são variadas e
complexas. Nosso maior interesse neste trabalho foi exatamente o de dar
visibilidade para os processos e para os procedimentos ditos técnicos, que
são, muitas vezes, pouco claros para a sociedade dos países onde atuam.
O desconhecimento sobre as relações entre um “modo de fazer” projetos
sociais e ambientais e um conjunto de conhecimentos administrativos e
de planejamento passados por uma atuação continuada, disseminada e
com propósitos multiplicadores de propagação é provavelmente uma ca-
racterística comum a outros locais onde são implementados os projetos
de cooperação para o desenvolvimento. Este é o desafio de tal trabalho e,
também, diante das lacunas e dos silêncios, buscar estabelecer as tramas
feitas de fios pouco visíveis aos olhos daqueles que estão no palco dessas
intervenções.

134 Renata Curcio Valente


Capítulo 4

Mapeando a GTZ no Brasil


A observação participante no escritório da GTZ foi um dos eixos centrais
a partir dos quais desenvolvi minha tese. Dediquei grande parte dos es-
forços de pesquisa em traduzir como funcionava esta instituição, as práti-
cas de seus funcionários em tarefas cotidianas, suas normas e hierarquias.
Neste sentido, a partir de um levantamento etnográfico muito pontual, foi
possível perceber como a GTZ se apresentava e como era vista no campo
da solidariedade e da cooperação internacional. As trajetórias particulares
da GTZ na política da cooperação técnica em países como o Brasil devem
ser compreendidas como parte de estratégias do BMZ para as organiza-
ções alemãs, sendo ela a que tem o maior peso político de representação
do Ministério no Exterior.227
Se por mais de 40 anos a GTZ tem atuado em projetos em áreas sociais
e junto a instituições governamentais no Brasil, e pouco ou quase nada há
em termos de análises independentes sobre as implicações de seu trabalho
sobre políticas e populações, a sua relativa invisibilidade, que se não pode
ser qualificada, por vezes, como intencional, serve como estratégia de ação
que tem funcionado plenamente no Brasil. Apesar de haver nas formas de
atuação da GTZ pelo mundo um propósito de dar visibilidade ao trabalho
do governo alemão no campo da solidariedade e da cooperação internacio-
nal – com a organização de eventos, a promoção de festas e encontros, as
publicações e, principalmente, a contratação de pessoal especializado para
trabalhar nos projetos em diversos países – o fato é que no Brasil, de onde
observei o campo de atuação da GTZ, a impressão que se tem é de haver
uma névoa que embaça a visão das múltiplas conexões existentes entre os
vários projetos e programas desenvolvidos.

227 A ressalva aqui é importante: o que chamamos de “aparato” governamental não se res-
tringe necessariamente à esfera de “governo” ou “estatal” no sentido estrito. Neste caso, isto
de fato não ocorre, pois inclui também instituições não-governamentais. O uso do termo “go-
vernamental” refere-se mais à ideia da existência de um “governo”, de uma esfera pública de
decisão que se orienta, no mundo, para atividades chamadas de cooperação internacional.

A GTZ no Brasil 135


A identidade desconhecida da GTZ
A identidade institucional da GTZ e o papel que desempenha nos países
com os quais estabelece relações de cooperação geram, frequentemente,
problemas de interpretação pela mídia ou mesmo por funcionários dos
órgãos nacionais, sendo a GTZ muitas vezes vista como um patrocinador
ou fi nanciador de projetos.
Em diferentes jornais publicados no Brasil, encontramos artigos que
fazem referências equivocadas à GTZ, sendo visível o desconhecimento de
quais são as suas atribuições em projetos no país e os seus limites. O tom
alarmista está presente, de modo geral, nos veículos de comunicação, que
mencionam a necessidade de investigar o uso de fi nanciamento de organis-
mos internacionais destinados a ações sociais e de demarcação de terras
indígenas no País. 228
Em 2004, um jornal de Brasília publicou um artigo sobre a GTZ com
a seguinte manchete: “Funai sofre ingerência de investidor alemão”. Neste
caso, nota-se a referência indevida à GTZ como um investidor ou um ban-
co de investimentos alemão. Além do equívoco, esta atribuição à GTZ de
papel de organismo fi nanceiro favorece a construção da sua imagem nega-
tiva por alguns grupos no Brasil que a associam a instituições capitalistas
e exploradoras de recursos naturais da floresta. Associam-na também ao
perfi l já desgastado do Banco Mundial enquanto organismo multilateral
de fi nanciamento com experiência na área ambiental, sendo seus projetos
muito criticados por falta de transparência e de participação da sociedade
civil.
Em outra reportagem, notamos mais uma vez a confusão de associar
o fi nanciamento do processo de demarcação Wajãpi à GTZ, quando na
verdade o fi nanciamento refere-se a atribuições da chamada “agência ale-
mã de cooperação fi nanceira”, ou banco alemão de desenvolvimento, o
KfW. 229
Os recursos empregados na demarcação da terra indígena Wajãpi fo-
ram disponibilizados pelo governo alemão através do Banco KfW, e o
acompanhamento “técnico” do processo foi feito pela GTZ, sendo neste
caso, como em todos os outros projetos do PPG-7, recursos de doação e
não de fi nanciamento, estes últimos incorrendo no pagamento de encargos

228 Araújo, Chico. “Funai sofre ingerência de investidor alemão”. Jornal de Brasília,
07/03/2004, p. 7.
229 Cavalcanti, Alcinéia. “Índios do Amapá demarcam suas terras”. Folha do Meio Ambien-
te, Brasília, maio de 1996, p. 15.

136 Renata Curcio Valente


fi nanceiros e juros. No entanto, tais esclarecimentos não são feitos nas re-
portagens de jornais ou mesmo em alguns trabalhos acadêmicos, nos quais
também encontramos referências à GTZ como instituição financiadora de
projetos e programas.230
A GTZ não tem um papel de agência fi nanciadora, mas sim um papel
político ativo de negociação direta com os grupos locais, no caso, os Wa-
jãpi, o que bem reflete aquela que se defi ne em sua função oficial como
agência de cooperação técnica do governo alemão.
Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit traduz-se no
Brasil por Sociedade Alemã de Cooperação Técnica, mais recentemente
denominada de Agência de Cooperação Técnica Alemã. A GTZ não é uma
ONG nem fi nancia projetos, mas defi ne-se em termos legais como pessoa
jurídica na forma de uma sociedade de responsabilidade limitada (em ale-
mão a sigla para sociedade limitada, Ltda., é GmbH), uma empresa públi-
ca de direitos privados cujo único sócio é o governo federal da Alemanha.
Pelas atribuições a ela delegadas, desde serviços de cooperação técnica em
projetos públicos, além de outros particulares visando ao lucro, a GTZ
apresenta uma identidade múltipla. Muitas podem ser as indefi nições ou
defi nições da GTZ quanto ao seu aspecto público ou privado, no entanto,
quanto à sua orientação global, não restam dúvidas de que o apoio a pro-
jetos públicos seja o elemento central de sua função do ponto de vista do
governo alemão.
A GTZ foi criada em 1975 com a fusão de duas instituições, a Cor-
poração Alemã para Assistência Técnica a Países em Desenvolvimento
(German Corporation for Technical Assistance to Developing Countries
– GAWI) e a Agência Federal para Ajuda ao Desenvolvimento (Federal
Agency for Development Aid – BfE), cujas atribuições quanto à assistência
e ajuda ao desenvolvimento já estavam defi nidas e postas em prática, sendo
diretamente transferidas à nova organização criada. 231
Como foi dito, o ponto central que caracteriza a GTZ como agên-
cia pública é a sua atuação em setores de governo mediante programas,
mantendo-se legalmente, no entanto, como uma organização de direito
privado, uma empresa de grande porte que vende serviços de administra-
ção, planejamento e execução de projetos para o governo alemão e para

230 Tinoco, Silvia. “Joviña, cacique ou presidente? Uma aproximação ao Conselho das Al-
deias Wajãpi.” Arquivos do Museu Nacional. Rio de Janeiro: Museu Nacional, v. 61(2), p.
81-87, abril/junho de 2003.
231 Embaixada da Alemanha, op. cit., p. 12.

A GTZ no Brasil 137


governos de Estados estrangeiros, além de atuar também junto a organis-
mos internacionais e no setor privado.
Por meio de um contrato geral de execução dos projetos de coopera-
ção técnica, o BMZ, seu principal cliente, transferiu-lhe a atribuição dos
serviços de cooperação técnica para o desenvolvimento em todo o mundo,
utilizando recursos do orçamento federal. Este acordo geral constitui a
base de sua atuação como agência específica de um setor da administração
pública responsável pela cooperação para o desenvolvimento, uma política
conexa à política externa do governo alemão, e regulamenta também sua
remuneração pelo BMZ, de acordo com as disposições do direito aplicável
às ordens públicas. 232 Alguns relacionam os objetivos de política externa
ao papel desempenhado pelas instituições do BMZ, como a GTZ, como
se elas favorecessem, na execução da política de cooperação para o de-
senvolvimento, os objetivos da política externa alemã. Em sua fala, um
antigo funcionário da GTZ sugere que também são levados em conta os
princípios de mercado, e diz: “Sempre foi falado: a cooperação técnica da
Alemanha não tem nada a ver com a política externa da Alemanha, não.
Teoricamente. Porque se realmente na prática isso fosse aplicado, então a
GTZ teria projetos em Cuba. E não tem.”
A GTZ não possui um CNPJ que possa utilizar para contratação de
serviços, compra de equipamentos ou contratação de pessoal nos serviços
que presta, atuando conexa à embaixada da Alemanha, que é a instância
jurídica representativa da GTZ no Brasil, e cria, juntamente com o escri-
tório do KfW, um quadro institucional representativo dos interesses do
BMZ neste país, na medida em que são estas as instituições diretamente
responsáveis pela execução da política deste ministério no exterior.
O vínculo da GTZ ao CNPJ da embaixada da Alemanha não é tempo-
rário, ou resultado de uma fragilidade institucional da GTZ no Brasil, mas
uma característica da constituição da estrutura organizacional da política
de cooperação para o desenvolvimento da Alemanha. O fato de a GTZ
não ter no Brasil um CNPJ é, em alguns casos, motivo de consternação.
Os recibos apresentados por prestação de serviços ou por ocasião da con-
tratação de serviços locais não têm CNPJ e algumas empresas no Brasil
criam embaraços em função das normas brasileiras referentes à prestação
de contas e ao pagamento de impostos por empresas privadas de serviços.
A autonomia jurídica da GTZ em relação à embaixada tem sido discutida
na sede da agência no Brasil, o que exigiria o registro de um CNPJ inde-

232 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p. 90-91.

138 Renata Curcio Valente


pendente; no entanto, esta não foi, conforme relatado por um funcionário
da GTZ, uma prioridade. 233
A GTZ não se configura, portanto, como uma estatal, mas seu caráter
público se deve ao fato de ser propriedade da República Federal da Ale-
manha e de atender às demandas do governo federal prestando serviços de
“utilidade pública”, estando isenta no Brasil de imposto de renda (IRPJ)
e de outras tributações, com exceção da aplicação de taxa reduzida de
imposto ICMS.
Paralelamente aos serviços que presta ao BMZ, a GTZ dá consultoria
privada para empresas ou órgãos públicos, serviços que são cobrados, o
que é chamado de atividades “contra pagamento”, concorrendo com ou-
tras empresas no mercado internacional de consultorias técnicas privadas
na área de planejamento e execução de projetos ambientais, agrícolas, so-
ciais, de saneamento, de planejamento urbano, de organização institucio-
nal, entre outros.
Tanto em serviços públicos quanto em consultorias remuneradas é exi-
gido o consentimento prévio do BMZ, como no caso dos contratos com
o governo federal diretamente estabelecidos com este ministério. Não é
permitida a distribuição de lucros em seu contrato social e afi rma-se que
os recursos obtidos com lucro em serviços prestados a terceiros, ou seja,
outras instituições que não o BMZ, são revertidos para os projetos de
cooperação técnica executados. As chamadas “medidas autofinanciadas”
são atividades de pequeno porte, executadas com recursos advindos de
lucros reinvestidos, já que a GTZ não pode distribuir os lucros eventual-
mente obtidos com suas atividades de utilidade pública ou não. 234
Há uma forte analogia dos termos empregados pela GTZ e o tipo de
serviço que presta stricto sensu a empresas, como o uso de “clientes”, deno-
minação que pode ser dada a todos aqueles que contratam os seus serviços.
Outro termo frequentemente usado pela GTZ é “comitentes”, para re-
ferir-se à organização executora do projeto no país parceiro, normalmen-
te, órgãos de governo. Do mesmo modo, uma expressão que vem da área
de marketing empresarial é “grupo-alvo”, referente ao grupo para o qual
se direcionam as ações e as atividades de programas e projetos.

233 Soube por um funcionário da GTZ que há uma demanda para que se regularize a si-
tuação do CNPJ da empresa, mas afi rmou que muitas vezes ele tem que interromper esse
trabalho para atender a outras solicitações da diretoria, que “não está interessada em mexer
nisso”.
234 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p. 135.

A GTZ no Brasil 139


São, pois, clientes da GTZ governos nacionais e organismos interna-
cionais, como UE, BM, BID e agências das Nações Unidas. Neste último
caso, ela teria um perfil mais agressivo, concorrendo em licitações nos
países, visando ao lucro e à competitividade internacional. Os contratos
são realizados diretamente entre empresas, não passando pelo BMZ, se-
gundo um de seus representantes no Brasil. 235 Nos serviços internacionais,
os consultores enviados têm contratos de curto prazo e não têm imunidade
diplomática, o que se dá na cooperação técnica, na qual os peritos têm
passaporte e visto oficial.
Entre 2002 e 2003, foram feitas experiências de implementar os servi-
ços internacionais no Brasil, sendo o escritório da GTZ o seu ponto de in-
terlocução. A sede da GTZ na Alemanha estabeleceu um teto mínimo para
iniciar o negócio, mas não houve demanda suficiente, inviabilizando-o. 236

A estrutura internacional da GTZ


A GTZ opera de forma discreta em relação à sua identidade de agência
estatal alemã, como também quanto ao seu tamanho e capacidade de
atuação. O organograma da GTZ apresenta a estrutura da empresa e os
países em que possui escritório. 237 São oito diretorias, assim defi nidas:
Tecnologia de Informação, Comunicação Corporativa, Auditoria, Desen-
volvimento Corporativo, Assuntos Legais/Seguro, Centro para Migração
Internacional e Desenvolvimento (Centrum für Internationale Migration
und Entwicklung – CIM), AgenZ (Market-oriented concepts) e Avaliação.
Além destes, são sete os departamentos, divididos por região e por temas:
Departamento de Países da África; de Países da Ásia, do Pacífico e da
América Latina e Caribe; de Países do Mediterrâneo, da Europa e da Ásia
Central; de Planejamento e Desenvolvimento, de Assuntos de Comércio;
de Pessoal e Serviços Internacionais. Entre os 67 países que têm escritórios
da GTZ, 29 estão na região da África – que concentra o maior número
de escritórios; 11 entre os países da Ásia e Pacífico; 14 na América Latina
e Caribe, entre os quais está Brasília; e nove na região do Mediterrâneo,
Europa e Ásia Central.

235 Entrevista no escritório da GTZ no Brasil, em junho de 2004.


236 Informações fornecidas em conversas no escritório.
237 Ver http://www.gtz.de.Acesso em: 15/07/2004.

140 Renata Curcio Valente


Apesar de uma apresentação discreta nos países onde atua por meio
de um pequeno escritório de representação, quase invisível na verdade, é
uma agência estatal que trabalha como uma grande corporação e emprega
atualmente mais de 10 mil funcionários em 130 países da África, da Ásia,
da América Latina e dos países da Europa Oriental. Nestas regiões, a GTZ
possui escritórios próprios de representação em 63 países, como no caso
do Brasil, e elabora aproximadamente 2.700 projetos e programas de de-
senvolvimento no mundo, nos quais os seus funcionários “desempenham
as atividades de coordenação dos programas em andamento”.238
Na Alemanha, seu país de origem, a GTZ possui três bases: a sede da
GTZ é em Eschborn, com mais de mil funcionários. Há também escritó-
rios em Bonn, antiga capital, e em Berlim; além destes, possui um escritó-
rio na Bélgica, em Bruxelas, aberto em 1993 para acompanhar o trabalho
junto à Comissão Europeia.
O sentido que é atribuído ao termo “cooperação técnica” pelas publi-
cações da GTZ é o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das práticas por
meio de procedimentos e métodos de executar, visando o aumento da pro-
dutividade nos diferentes setores, da agricultura e da pecuária à indústria
e aos serviços. 239
Além disso, o termo “técnico”, que qualifica e especifica que tipo de
cooperação é feita, tem também o sentido de aplicação a atividades de
ensino de técnicas de intervenção no plano prático, e não teórico, bem
como o de neutralização da aparência de qualquer ”efeito de poder”. A
execução de atividades práticas reforça a priorização atribuída aos proce-
dimentos, aos modos de fazer, às técnicas, como podemos ver na menção
que se faz ao desenvolvimento de oficinas de capacitação no projeto Pin-
dorama, em Alagoas: “Além de capacitação para os agricultores, foram
construídas inúmeras oficinas (por exemplo, marcenaria, serralheria), pe-
quenas empresas (por exemplo, fábrica de saibro) e o centro de formação
da cooperativa.”240
Formalmente instituída pelo Acordo Básico de Cooperação Técnica as-
sinado entre Brasil e Alemanha, a cooperação técnica oferecida por uma
agência estrangeira deve ocorrer por meio de envio de instrutores, con-
sultores, peritos, especialistas, assistentes de projetos, pessoal auxiliar e

238 GTZ. A GTZ no Brasil. Folder, sem data, p. 1. Ver organograma da GTZ no Anexo 1.
239 Embaixada da Alemanha. 40 anos de Cooperação para o Desenvolvimento Brasil-Ale-
manha, op. cit.
240 Id., ibid., p. 18.

A GTZ no Brasil 141


outros técnicos (técnicos enviados); contratação de técnicos locais, pes-
soal administrativo e pessoal auxiliar (contratados locais); fornecimento
de equipamentos (material, bibliografia e veículos automotores); formação
e aperfeiçoamento de técnicos no Brasil, na Alemanha ou em outros paí-
ses; contribuições fi nanceiras concedidas em caráter excepcional a órgãos
executores de projetos acordados. 241
A atribuição da GTZ na política de cooperação para o desenvolvimento
é, em síntese, a transferência de know-how. 242 Como disse uma ex-perita
da GTZ:243 “Eu acho que a coisa mais importante nos projetos de coope-
ração técnica é a transferência de conhecimento, de técnicas, tecnologias,
de conhecimento, não é só dar o equipamento. Se você não transferir co-
nhecimento, não adianta nada.”
Outro antigo perito defi ne como “troca de experiência”:244 “Nós coope-
ramos muito bem com eles, sem problema nenhum, sabe, uma cooperação
sadia, troca de experiências, planejamento e planejamento em conjunto.”
Suas atividades são o gerenciamento na execução de projetos e pro-
gramas destinados a capacitar os indivíduos e as organizações por meio
de treinamentos de técnicos e quadros executivos locais no Brasil e no ex-
terior, principalmente na Alemanha. Para isso, promovem o deslocamen-
to de consultores, peritos e outros profissionais em cargos ditos técnicos,
além do fornecimento de equipamentos e materiais. 245
Em alguns outros casos, há menção ao fato de a GTZ ser a responsável
pela implementação da contribuição alemã, através dos recursos da coope-
ração fi nanceira vindos através do KfW, como ocorreu no caso do PPTAL.
Neste caso, houve um acordo formalizado entre governo brasileiro, KfW
e GTZ para que esta controlasse o fluxo de recursos fi nanceiros para a
instituição brasileira, de forma que este controle fosse feito segundo metas
e princípios acordados previamente. Isto não nos permite, de forma nenhu-
ma, afi rmar que não tenha sido uma imposição da instituição fi nanceira
alemã como mecanismo de poder e controle das atividades, justificada com
o argumento de que instituições brasileiras não têm competência para ges-
tão de recursos fi nanceiros de projetos. De acordo com a informação de

241 Acordo Básico de Cooperação Técnica entre Brasil e Alemanha, 1996, artigo 3o.
242 Embaixada da Alemanha no Brasil/BMZ/GTZ. Política de cooperação para o desenvol-
vimento Brasil-Alemanha. Folder, sem data, p. 11.
243 Entrevista concedida em São Paulo, em 22/01/2007.
244 Entrevista concedida em Belo Horizonte, em 08/01/2007.
245 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p. 39-43.

142 Renata Curcio Valente


alguns peritos da GTZ, esta não é, no entanto, uma regra, como nos foi
indicado. 246 Segundo o perito, o PPTAL e o PDPI são dois projetos que
têm a especificidade de a GTZ assumir os compromissos da cooperação
fi nanceira do KfW, mas esta não seria uma prática em todos os projetos e
não acontece assim em todos os países. Normalmente, a GTZ trabalha so-
zinha. Alguns peritos da GTZ consideram complicado e inadequado que,
como funcionários da GTZ, tenham de controlar os recursos do KfW.
Enquanto agência de cooperação técnica, a GTZ transmite conheci-
mentos, desenvolve capacidades, mobiliza e melhora condições para uso
dos países parceiros, além de fortalecer a iniciativa própria dos grupos-
alvo, para que eles possam melhorar suas condições de vida por esforço
próprio. 247 Seu objetivo geral é atuar junto a instituições e pessoas, procu-
rando expandir sua capacidade de ação no contexto das metas de desen-
volvimento. O objetivo específico visa fortalecer as iniciativas por tempo
limitado, até que os beneficiados alcancem uma situação que lhes permita
prescindir do aporte externo.
Em publicações da própria GTZ, defi ne-se a sua atribuição institucio-
nal como: “Um instrumento de aprendizagem conjunta; apoio a iniciativas
inovadoras de desenvolvimento.”248
De maneira geral, o sentido que é atribuído ao termo técnico pelas pu-
blicações da GTZ249 relaciona-se ao fato de que nas atividades desenvolvi-
das são priorizados o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das práticas.

Diretrizes e princípios da cooperação técnica alemã


As áreas temáticas centrais que defi nem o trabalho da cooperação téc-
nica alemã seguem uma orientação mais ampla estabelecida pelo BMZ,
como vimos anteriormente. Elas se pautam pelos princípios de respeito
aos direitos humanos; participação da população; princípio do Estado de
direito; economia social de mercado e orientação do Estado para o desen-
volvimento. São estas orientações, mutáveis a cada redefi nição da política
alemã diante de situações da política internacional, que se reproduzem
para todas as agências sob a sua institucionalidade.

246 GTZ, A GTZ no Brasil, op. cit., p. 2.


247 Embaixada da Alemanha no Brasil/BMZ/GTZ, op. cit.
248 Id., ibid.
249 Embaixada da Alemanha. 40 anos de cooperação para o desenvolvimento Brasil-Ale-
manha, op. cit.

A GTZ no Brasil 143


A maioria dos documentos disponíveis a um público externo no escritó-
rio da GTZ no Brasil é produzida pela própria agência ou pelas equipes dos
projetos. São folders institucionais de apresentação de programas e proje-
tos, livros de divulgação de seus resultados e de metodologias adotadas nos
trabalhos da agência, ensaios e avaliações de consultores da própria GTZ.
Esses documentos promovem a visibilidade e a difusão dos trabalhos que
a agência desenvolve, representando-os com resultados cuidadosamente
construídos como meritórios. Utilizei nessa análise especialmente os docu-
mentos oficiais da BMZ e da GTZ que apresentam formulações e defi ni-
ções sobre cooperação para o desenvolvimento, e outras expressões usuais
no léxico deste campo de políticas para o mundo em desenvolvimento,
como revistas especializadas produzidas pela GTZ e o site do BMZ, que
somente a partir de agosto de 2005 foi atualizado para o inglês, mas ainda
hoje com algumas páginas sem tradução para esta língua.
Não foram encontradas muitas publicações dos projetos desenvolvidos
nos anos 1960 e 1970 uma vez que, neste período, o escritório da GTZ no
Brasil ainda não havia se estabelecido, sendo muitos os documentos des-
sa época que pertencem a acervos pessoais. As publicações recentes, dos
anos 1980 em diante, especialmente as dos anos 1990 até 2005, são mais
facilmente encontradas. A área em que há maior concentração de publica-
ções é a do meio ambiente – urbano e florestal – já que esta se tornou uma
prioridade da atuação da agência no Brasil nesse período. De acordo com
um documento oficial, a GTZ atribui grande importância à compreensão
comum e à utilização de uma linguagem comum, que é a base e expressão
de uma cultura empresarial comum, que pode contribuir para a orientação
dos colaboradores e a facilitação da comunicação entre estes e os parceiros
nos projetos. 250
Com o objetivo de estabelecer uma linguagem administrativa comum
entre os funcionários da GTZ, ao se considerar que sua área de atuação
tem abrangência global, facilitando a comunicação entre os funcionários
e a central e orientando-os, assim como os “parceiros”, foi produzido o
Compêndio do vocabulário da GTZ, publicação que serve como manual
de consulta aos funcionários e é um dos documentos centrais para a aná-
lise dos conceitos que balizam a cooperação técnica alemã, de grande re-
levância para uso interno nos escritórios da GTZ em todos os países onde

250 Donner, Franziska. “Apresentação.” In: GTZ. Compêndio do vocabulário da GTZ, op.
cit., p. 3.

144 Renata Curcio Valente


atua. O Compêndio foi publicado na Alemanha, em Eschborn, em 1997,
para divulgar o trabalho da GTZ.
Em função da maior atribuição de responsabilidade aos escritórios lo-
cais, foi exigida uma padronização da linguagem, no sentido de termos,
verbetes, conceitos usados, considerada fundamental para a consolidação
de uma cultura empresarial. Esta é uma chave para entendermos a lógica
administrativa de uma organização que gerencia globalmente, e de conso-
lidação das práticas e valores comuns. Como argumenta Wright, uma das
formas de se abordar cultura nos estudos de organizações é aquela que
se refere aos valores e às práticas organizacionais formais que são impos-
tas pela administração – a cultura da empresa – uma espécie de elemento
aglutinador que faria com que o quadro de funcionários respondesse às
mudanças internacionais como um conjunto. Uma “cultura da organiza-
ção” bem-estruturada é considerada uma condição de sucesso no setor
privado, sendo atualmente adotada também em órgãos governamentais e
ONGs. 251
Segundo relatos da própria ABC e de pessoas envolvidas nos projetos
em que há cooperação técnica alemã, as metodologias participativas são
um mérito da cooperação alemã e vêm sendo aplicadas nas equipes de ór-
gãos de governo e nas populações com as quais se trabalha, os chamados
grupos-alvo. A participação seria a marca da cooperação alemã em face
das outras, o que seria uma forma de se diferenciar quanto à qualidade do
trabalho e de se posicionar em situação hierarquicamente superior no qua-
dro das agências de desenvolvimento. A cooperação alemã é representada
a partir de seu caráter essencialmente participativo, sendo atribuído aos
alemães o desenvolvimento de uma metodologia com esse perfi l: o Plane-
jamento de Projetos Orientado por Objetivos (Ziel Orientierten Projekt
Planung – Zopp). 252

251 Wright, Susan. “Culture in anthropology and organizational studies.” In: . (Org.).
Anthropology of Organizations, op. cit., p. 2-3.
252 O método Zopp deve ser compreendido como estrutura básica de planejamento da GTZ.
Muitos de seus peritos argumentaram que os guias de orientação Zopp foram publicados
há quase 10 anos e que a própria metodologia já não corresponde mais à atualidade. Mais
recentemente, utiliza-se o termo Zopp em um sentido mais amplo, isto é, ele já não se limita
mais à mera descrição de uma determinada sequência de operações prescritas.

A GTZ no Brasil 145


A discussão sobre planejamento levou a GTZ a desenvolver, em 1970,
uma metodologia de planejamento e gerenciamento de projetos orientada
por objetivos baseado em logical framework approach, 253 uma ferramen-
ta utilizada pela maior parte dos organismos que atuam na cooperação
para o desenvolvimento, que tem por finalidade básica enquadrar toda
a estrutura de um projeto em uma matriz lógica, o que em si obscurece
toda a face de negociação, confl ito e conciliação permanentes em qualquer
atividade social.

Foto 2. Oficinas utilizando a metodologia Zopp no Brasil


Fonte: Embaixada da Alemanha. 40 anos de cooperação para
o desenvolvimento Brasil-Alemanha, op. cit., p. 82.

O Zopp é aplicado por meio de cursos ou oficinas junto a integrantes


de um mesmo projeto, de uma equipe de trabalho, de uma repartição, de
uma mesma área ou de áreas afins em uma empresa, órgão de governo ou
comunidade de pessoas. A proposta do Zopp é fazer com que os partici-
pantes até mesmo os mais tímidos ou críticos, participem e se expressem,
utilizando cartões nos quais escrevem suas opiniões. Adota-se o método
Metaplan, em que se colocam em um grande painel fichas referentes aos
objetivos e às metas que se pretende alcançar com o planejamento, um
dos métodos de “dinâmicas de grupo” que tem origem franco-alemã e
que adota instrumentos de visualização, de trabalho e de moderação de
grupos. Para estimular a comunicação e a visualização de “problemas”,
usam-se fichas nos quais os participantes escrevem o que pensam sobre
os problemas e as soluções, as quais serão colocadas em exposição em
quadros e painéis para que todos os participantes vejam. Um moderador,
profissional de consultoria independente que presta serviço à GTZ, coor-

253 GTZ/DSE. Programa de Métodos e Técnicas de Gerenciamento de Projetos – 1993, p. 2.

146 Renata Curcio Valente


dena a dinâmica de grupo para que dali saia um planejamento orientado
por objetivos, em síntese, o Zopp. 254
Através do Zopp, mas não somente, a GTZ é identificada com os prin-
cípios da participação. É considerado um instrumento para planejamento
participativo, na medida em que se orienta para as necessidades dos parcei-
ros e permite a exposição de suas opiniões e contribuições de forma clara.
Há muitas críticas no Brasil à metodologia de participação aplicada em
oficinas e seminários com as fichas e painéis por serem muito indutivos e
sistemáticos diante da informalidade do Brasil. Alguns dizem que “serve
pros alemães”.
Muitas críticas vindas não só do Brasil, referentes à eficácia dos mode-
los até então adotados pela cooperação bilateral e à falta de flexibilidade de
gerenciamento dos projetos da GTZ levou ao desenvolvimento, a partir de
2003, de um outro formato de projetos, uma nova metodologia, chamada
AURA, em que os procedimentos orientam-se para impactos, mudanças
de estado resultantes de uma intervenção intencional, o que visa garantir
maior flexibilidade em relação aos resultados e assim maior sucesso com
os projetos desenvolvidos. 255
Além das metodologias referentes a planejamento de projetos, há tam-
bém aquelas de desenvolvimento participativo, criadas em função do re-
conhecimento da importância da participação dos grupos-alvo (beneficiá-
rios) nos processos de implementação dos projetos no campo para que se
obtenha resultados eficazes e duradouros. Afi rma-se que as contribuições
externas devem impulsionar e estimular as iniciativas locais e nunca subs-
tituí-las. Algumas metodologias citadas pela GTZ são: Diagnóstico Rural
Participativo (DRP), e suas variações (Diagnóstico Urbano Participativo,
Diagnóstico Organizacional Participativo), Diagnóstico Rural Rápido
(DRR), entre outros. 256

254 Franziska Donner. “Questões Fundamentais do Desenvolvimento Empresarial”. In:


GTZ. Zopp Planejamento de Projetos Orientado por Objetivos: Um Guia de Orientação
para o Planejamento de Projetos Novos e em Andamento. Eschborn, Frankfurt am Main:
GTZ, 1998.
255 Diante de uma maior complexidade dos projetos de cooperação internacional, entende-se
que os modelos lineares de inovação (pesquisa-disseminação-aplicação) simplificam demais
os processos de inovação, que passam a ser entendidos a partir do conceito de “redes de ino-
vação”, resultantes de processos de interação social.
256 GTZ. Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p. 293-294.

A GTZ no Brasil 147


Nem sempre o desenvolvimento dessas metodologias se converteram
em resultados positivos nas práticas rurais. No entanto, para a lógica da
cooperação para o desenvolvimento, isto não representaria um motivo
para interromper os investimentos das agências de cooperação. Os pro-
jetos de cooperação técnica para o desenvolvimento são experiências “de
laboratório”, testadas por meio de “projetos-piloto” nos “países em desen-
volvimento”. A partir de avaliações de resultados e de impactos, as agên-
cias disseminam experiências e implementam as metodologias e princípios
de ação em outras regiões e realizam estudos comparativos. As práticas e
discursos garantem a essas agências o know-how, o conhecimento que é
instrumento de poder e capacidade de inserção em projetos de cooperação
técnica no mundo todo.
Se o foco deste trabalho não se defi ne por uma abordagem geral das ca-
tegorias usadas pelas agências alemãs no mundo, estas nos interessam, no
entanto, na medida em que possam contribuir para a compreensão daque-
les conceitos que são particularmente usados para balizar as intervenções e
os projetos de cooperação com o Brasil. Assim, entre esses temas gerais, o
governo alemão estabelece alguns particulares para o caso brasileiro. Isto
se dá não só porque o Brasil venha a representar no futuro um lugar de
intervenção nas relações internacionais como a principal reserva de biodi-
versidade, recursos hídricos e minerais do planeta, mas também pelo que
historicamente vem se construindo nas relações diplomáticas, comerciais e
científicas com a Alemanha e outros países.
Na sua fase inicial (anos 1960-1970), a cooperação técnica alemã
transmitia tecnologias e experiências de pequenos produtores alemães para
produtores em países africanos e asiáticos, principalmente como apoio a
empresas rurais e visando à utilização de máquinas. 257 A preocupação com
a participação das populações (beneficiários dos projetos) no desenvolvi-
mento já apareceria em 1982, baseada em duas décadas de experiência em
projetos de desenvolvimento agrícola e rural nessas regiões, promovendo-
se assim a noção de desenvolvimento rural regional, em que estariam pre-
sentes a participação, a integração, a sustentabilidade e a flexibilização
dos procedimentos de cooperação. No relato de um perito alemão que
acompanhou os projetos da GTZ no Brasil desde os anos 1970, a sua per-
cepção sobre a forma de atuação da GTZ aponta mudanças em relação à

257 GTZ-BMZ. Desenvolvimento rural regional: princípios de orientação. Sonderpublika-


tion der GTZ, n. 193. Eschborn: BMZ, 1987, p. 10. A publicação apresenta como documento
de referência a Resolução Comum dos grupos parlamentares, datada de 05/03/1982, sobre o
Quarto Relatório de Política de Desenvolvimento do governo alemão.

148 Renata Curcio Valente


maior participação da população local em atividades dos projetos, devido
em grande parte às críticas dos próprios grupos locais:258

O povo falava: “Bem, vocês fi zeram aqui, com apoio do governo, dentro
da estação funciona, mas no nosso campo, funciona?” Então, a GTZ e o
BMZ saíam. Isso foi nos primeiros 20 anos da cooperação. Depois eles
chegaram à conclusão que não dá. Tanto que o primeiro projeto em que
trabalhei no Brasil já era de “Ownfarmer Research”. Você já fazia expe-
rimentação em nível da propriedade rural, saía da estação experimental.
Porque o agricultor quer ver o que você faz, ele quer presenciar. Porque se
você faz na estação experimental, eles dizem: “Não, porque vocês têm al-
guém que espanta os passarinhos, tem alguém que espanta os ratos. Tem
dinheiro para aplicar fungicidas e herbicidas e inseticidas.” Então, ele não
acredita muito. Agora, se você faz na propriedade dele, faz dias de campo
pra mostrar: isso aqui é arroz irrigado, isso tá dando 5 mil kg, 10-12 mil.
Ele acredita mais. [...] A cooperação chegou a evoluir para mostrar, pra
trabalhar junto e não para trabalhar só com uma elite e depois tentar
passar para os, vamos supor, usuários (grifos meus).

Dessa forma, a participação pode ser considerada, de maneira essen-


cial, um instrumento para atingir a eficácia dos resultados e alcançar os
objetivos de um projeto. Mais recentemente, a noção de participação dos
beneficiários de um projeto (ou grupo-alvo) tem sido adotada para todas
as etapas do ciclo do projeto, e deve fomentar iniciativas já existentes.
Participação é, portanto, um fator de apropriação do projeto e de maior
probabilidade da sua sustentabilidade após a interrupção dos fluxos de
cooperação para o desenvolvimento.
Mas se a participação é um termo central no vocabulário da GTZ e
uma noção operacional central, como podemos avaliar a sua atuação no
Brasil?

A visão sobre a GTZ no Brasil


No Brasil, encontram-se registros de projetos desenvolvidos antes mesmo
da assinatura do “Acordo Básico de Cooperação Técnica entre Brasil e
Alemanha”, de 1963, que estabeleceu as bases fundamentais desta relação.

258 Entrevista concedida em janeiro de 2007, em Belo Horizonte.

A GTZ no Brasil 149


Entre eles, foram destacados em publicação que celebrava a memória da
cooperação para o desenvolvimento com o Brasil alguns projetos, talvez
exemplares: os de cooperação técnica com a Escola Técnica de São Ber-
nardo do Campo, 1961, em São Paulo; o da Cooperativa de Assentamento
e Colonização Pindorama, 1962, em Alagoas; o de formação do Grupo de
Trabalho Cartográfico, com a Sudene, 1962, em Pernambuco; o da Mis-
são Hidrogeológica e projetos associados, 1962, também em Pernambuco.
A maioria dos projetos é dos anos 1960, entre 1964-1969, sendo muitos
deles relacionados à agricultura – organização de associação agrícola, im-
plantação de estação experimental para a agricultura, desenvolvimento de
técnicas agrícolas, entre outros, entre os quais, muitos estão em estados do
sul do país. 259
No livro publicado nas comemorações dos 40 anos de cooperação, que
conta a versão oficial alemã desta história, a referência aos projetos é nar-
rada de forma romantizada, em capítulos que abrangem uma década cada
um. Em relação à década de 60, o livro menciona que “o início da coopera-
ção se deu antes da assinatura do acordo básico, no final do ano de 1963, e
se caracterizou pela concentração das forças no acompanhamento e apoio
à agricultura. Concentrou-se no sul do Brasil, onde as condições eram se-
melhantes às condições na Europa Central. Além disso, a cooperação ale-
mã encontrou no sul parceiros brasileiros cujos antepassados emigraram
da Europa Central para o Brasil”. 260
Nota-se nesta passagem que projetos para o desenvolvimento voltados
para melhorias técnicas na agricultura foram uma prioridade nos anos
1960, o que seria progressivamente reduzido no caso brasileiro.261 O fato
de haver descendentes de alemães no sul do Brasil parece não ter sido um
critério determinante para o direcionamento de projetos para a região Sul
do País, mas pode ser considerado um “facilitador”, na medida em que ha-
via uma afinidade cultural que contribuía para alimentar as expectativas de
que os projetos fossem bem executados. No entanto, não foi mencionada a
existência de descendentes de alemães no sul do Brasil. Quando perguntei a
um antigo perito da GTZ se havia, nessa fase inicial, alguma relação entre
os projetos para esta região e a maior concentração ali de alemães, regis-

259 Embaixada da Alemanha, 40 anos de cooperação para o desenvolvimento Brasil-Alemanha,


op. cit., p. 161.
260 Id., ibid., p. 21.
261 Na África e na Ásia, onde há uma enorme carência no que se refere à questão alimentar
e a produtividade agrícola ainda é baixa, projetos orientados para a agricultura ainda mobi-
lizam muitos recursos fi nanceiros e profi ssionais.

150 Renata Curcio Valente


tramos, a princípio, a sua negativa e, depois, a confirmação de haver certo
direcionamento para este grupo. Enfatizou, todavia, que era um processo
soberano, “baseado na solicitação brasileira”, recorrendo aos argumentos
institucionais de praxe utilizados por aqueles que trabalham nesta área em
agências brasileiras ou alemãs. Sua forte ênfase em destacar que nem a GTZ
nem as igrejas faziam projetos para os descendentes de alemães no Brasil se
contradizia um pouco com outras informações, quando disse que quando
se podia atender àqueles grupos (descendentes de alemães) dentro dos pro-
jetos, eles o faziam. Declarou ainda que havia um projeto de intercâmbio
para profissionalização na Alemanha de jovens brasileiros de origem alemã,
um projeto que existe até os dias de hoje e é custeado pelo governo alemão.
Ressaltou, no entanto, que este era somente um entre tantos projetos, nas
mais diversas áreas, como a de normas técnicas, pesquisa científica, univer-
sidade, agricultura, geologia, alimentação, e destacou que todos os projetos
resultavam da solicitação brasileira (grifos meus).

Cooperação menos técnica?


Nos primeiros anos de implementação no Brasil da política de cooperação
técnica alemã para o desenvolvimento, era priorizada a transmissão de
técnicas, métodos e metodologias de trabalho e de ação social, para o que
se contratavam profissionais de formação em áreas técnicas específicas.
Segundo ex-funcionários da GTZ, até os anos 1990, a ABC conside-
rava a cooperação alemã quase que exemplar, bastante eficiente, séria e
transparente, porque nas reuniões eram apresentadas tabelas e material
estatístico que mostravam as metas e os resultados dos projetos.
Alguns exemplos que foram mencionados referem-se a projetos que
tinham por objetivo aumentar a produção agrícola, combater uma deter-
minada praga do café, implantar a produção de maçã ou de soja no Brasil,
introduzir novas espécies de porcos, frangos ou arroz na produção brasi-
leira, desenvolver normas técnicas para a indústria local. Para um funcio-
nário antigo, com larga experiência na GTZ, “este foi o auge da GTZ,
quando transferia tecnologias e não “politicagem”. Para ele, atualmente,
os projetos estabelecem metas vagas, difíceis de quantificar, como “me-
lhorar a distribuição de renda” ou “reduzir a pobreza” visando resultados
que podem ser úteis politicamente. “Então, você não pode mais medir os
efeitos dos projetos. Você não pode medir se você trabalha no objetivo
comum que até o governo tem, né? É vago.”

A GTZ no Brasil 151


Mais recentemente, passaram a valorizar profissionais de formação da
área de humanas, como sociólogos, pedagogos e até teólogos. Para alguns,
isto reflete mudanças que acompanham uma visão mais abrangente sobre
a cooperação internacional; para outros, reflete uma perda da qualidade
do trabalho, porque é menos técnico e de poucos resultados quantificáveis.
“Então eu falei, já que vocês não querem fitopatólogos, agrônomos, médi-
cos, engenheiros... mandem só teólogos, sociólogos, pra ver como é que o
projeto vai.”
Observamos uma tendência de reorientação dos objetivos e das pro-
postas da política de cooperação alemã no sentido de priorizar cada vez
menos os projetos estritamente técnicos, cujos resultados podem ser quan-
tificáveis e apresentados em tabelas formais, enfatizando objetivos basea-
dos nos critérios mais gerais de desenvolvimento. Espera-se mais mudanças
nos processos, o que nem sempre é perceptível para um funcionário que
tenha uma formação muito técnica no sentido estrito do termo, ou seja,
das ciências exatas ou biológicas.

Temas
Em relação à abrangência de temas e áreas de atuação da GTZ no Brasil,
os seus projetos e programas de desenvolvimento abarcavam diferentes
temas, de saneamento básico à capacitação profissional, passando por for-
mação de cooperativas agrícolas e assentamentos rurais, desenvolvimento
de técnicas agrícolas e apoio ao planejamento em órgãos e instituições
governamentais.
Em termos geográficos, a atuação da GTZ vem se diversificando nos
últimos tempos, de uma concentração inicial nas regiões Sul, Sudeste e
Nordeste para as regiões Norte e Centro-Oeste de forma defi nitiva, sendo
possível afi rmar que foram desenvolvidos pela agência projetos em prati-
camente todas as regiões do Brasil.
Atualmente, o Programa de Cooperação Técnica Brasil-Alemanha tem
duas grandes áreas como prioridades para o Brasil: a área temática de
Meio Ambiente e a de Desenvolvimento Regional Integrado em Áreas Me-
nos Favorecidas. 262 É válido mencionar que a partir de dezembro de 2000,
na reunião de negociações intergovernamentais entre Brasil e Alemanha,
a delegação alemã propôs a concentração de sua atuação nestes dois pro-
gramas mais amplos, que chamam de “programas guarda-chuva”, con-

262 Segundo documento cedido pela ABC, intitulado “Programa de Cooperação Técnica
Brasil-Alemanha”, sem data, mas que contém dados de junho de 2002.

152 Renata Curcio Valente


centrados em duas áreas temáticas que denominam os programas: Desen-
volvimento Regional Integrado em Áreas Menos Favorecidas e Proteção
Ambiental e Manejo de Recursos Naturais. O primeiro programa inclui-
ria os programas ProRenda e Pequenas e Médias Empresas, enquanto do
Programa de Proteção Ambiental fariam parte o PPG-7 e o Programa de
Gestão Ambiental Urbana e Industrial. Esta proposta foi justificada pelo
interesse em promover maior integração entre os projetos dos respectivos
programas, além de ampliar a visibilidade da cooperação entre os dois
países, com o foco em somente duas linhas.
A linha de ação para a área ambiental divide-se entre o Programa PPG-7,
orientado prioritariamente para a região Amazônica e áreas de ocorrência
de Mata Atlântica, visando à conservação das florestas tropicais, e o Pro-
grama de Gestão Ambiental Urbana e Industrial. No primeiro caso, o foco
está na conservação de ecossistemas florestais e, no último, dirige-se à re-
dução dos impactos poluentes associados às vastas concentrações urbanas
e ao manejo de resíduos poluentes dos grandes centros industriais. Ambas
as áreas têm um amplo reconhecimento internacional da qualificação da
produção de conhecimentos técnicos e científicos da Alemanha.
Em relação à chamada área temática de Desenvolvimento Regional
Integrado em Áreas Menos Favorecidas, ela se divide entre o Programa
ProRenda, denominação que a partir de 2002 foi substituída pela expres-
são Desenvolvimento Local Integrado Sustentado (ou DLIS) e o Programa
Indústria, destinado ao aumento da produtividade e da competitividade
das pequenas e médias empresas industriais.
De acordo com informes oficiais da Alemanha, o Brasil é atualmente
o principal País no programa de cooperação alemã para a América Lati-
na. 263 A ministra do BMZ, Heidemarie Wieckzorek-Zeul, em publicação
recente:264 afi rmou que o “o trabalho de cooperação com o Brasil se reveste

263 Ainda que não estejam explicitadas nos documentos oficiais da cooperação alemã as
razões de ser o Brasil o principal país na América Latina, algumas hipóteses podem ser suge-
ridas, como a continuidade de condições de pobreza e desigualdades sociais, principalmente
fundiárias. A existência das desigualdades sociais justifica a intervenção e a cooperação de
agências internacionais, pois estariam associadas a barreiras estruturais internas (políticas,
econômicas e sociais). A hipótese que acredito contribuir para a defi nição do Brasil como
prioridade entre os países da América Latina nas relações de cooperação alemãs, embora
seja ainda um país “emergente”, se deve à perspectiva de abertura futura de novas frentes de
intercâmbio, inclusive comerciais. O histórico das relações diplomáticas entre os dois países
também é sublinhado como forte razão para novos acordos de cooperação entre os países;
posteriormente, será feita uma abordagem mais específica sobre este assunto.
264 Embaixada da Alemanha, 40 anos de cooperação para o desenvolvimento Brasil-Ale-
manha, op. cit., p. 6-7.

A GTZ no Brasil 153


de especial importância, pois o País não é apenas a maior nação em escala
regional, mas integra hoje o grupo das 10 maiores potências econômicas
do planeta, participando decisivamente na condição de ator global na con-
figuração de processos internacionais em benefício dos países em desen-
volvimento.
Ainda que a questão da pobreza não esteja descartada como um tema
a ser tratado no Brasil, em função das desigualdades sociais encontradas
principalmente nas regiões Norte e Nordeste, nota-se uma tendência de
mudança de ênfase dos programas no Brasil para a área de meio ambien-
te e desenvolvimento sustentável, particularmente tendo como principal
destino a Amazônia. Programas tradicionalmente adotados no passado,
destinados à redução de pobreza, à infraestrutura (transporte, energia, in-
dústrias de base), à agricultura e à educação são hoje adotados de forma
mais pontual e não como uma diretriz mais geral. Uma perita alemã atesta
que a América Latina não tem recebido muita atenção como os países afri-
canos e asiáticos, tendo reduzido o número de assessores nos últimos três
anos de 90 para 60. Para alguns, só há justificativa para a GTZ estar no
Brasil se for para atuar na área de meio ambiente.
A única referência que apresenta os dados sistematizados consta da
publicação de comemoração dos 40 anos entre Brasil e Alemanha. 265 O
documento, no entanto, menciona que os projetos listados no livro fo-
ram “selecionados” entre os mais representativos, não sendo, portanto, o
número exato de projetos que realmente foram executados no País. Con-
siderando que esta era a listagem disponível que abrangia larga extensão
temporal e também um número significativo de projetos e, portanto, uma
amostragem representativa, tomei-a como referência para elaborar algu-
mas considerações sobre os projetos de responsabilidade da GTZ no Bra-
sil, as quais apresento em seguida.
A partir de um total de 139 projetos listados no período que vai desde
1961 a 2003, organizei o quadro a seguir, que mostra uma dispersão dos
projetos por década e por região dos projetos, sendo baseado nos dados
que tive disponíveis.

265 Embaixada da Alemanha, 40 anos de cooperação para o desenvolvimento Brasil-Ale-


manha, op. cit., p. 160-164.

154 Renata Curcio Valente


Quadro 2. Número de projetos da GTZ por década e por região (1960-2003)

Década Sul Sudeste Norte Nordeste Centro-Oeste Nacional Total

1960 8 3 0 3 0 0 14

1970 18 13 4 7 0 7 49

1980 7 10 1 9 0 3 30

1990-2003 6 10 11 11 1 6 45
Fonte: Embaixada da Alemanha. 40 anos de cooperação para o desenvolvimento Brasil-
Alemanha. Brasília: Embaixada da República Federal da Alemanha, 2003, p. 160-164.

Em um primeiro momento, nos anos 1960, foi registrado um total de


14 projetos, concentrados prioritariamente na região Sul (oito deles) e nas
regiões Sudeste e Nordeste em menor escala (três projetos em cada). Nesse
período, a agricultura e as cooperativas agrícolas eram os temas centrais,
como também as áreas técnica e de tecnologia. Não havia projetos desti-
nados para a região Norte e Centro-Oeste. Neste período, os projetos se
dirigiam fundamentalmente para associações agrícolas e cooperativas, es-
colas técnicas e universidades, em especial nas áreas de técnicas agrícolas,
geologia e hidrologia.
Nos anos 1970, houve um aumento de mais de três vezes do total de
projetos, chegando a 49, cuja distribuição regional mantinha um padrão se-
melhante ao da década anterior. A região Sul mantinha-se ainda como a
mais importante, sendo para ela destinados 18 projetos. A região Sudeste,
de grande importância também, contava com 13 projetos, mas foi para a re-
gião Norte que vimos um aumento significativo, para onde foram destinados
quatro projetos, enquanto havia sete projetos para a região Nordeste. Neste
momento, o interesse para a região Norte orientava-se para as áreas de geo-
química, geofísica, estudo de solos e de produção agrícola, não se relacionan-
do, portanto, às questões de proteção florestal. A região Centro-Oeste ainda
não existia nesta década como espaço de intervenção para a GTZ.
Durante esta década as áreas técnica e tecnológica mantiveram-se
como prioritárias, assim como planejamento urbano, agricultura, pesquisa
agrícola e pesca, sendo dado maior incentivo para a cooperação científica e
acadêmica, com o estabelecimento de convênios entre universidades.
Neste período foram elaborados sete projetos de âmbito nacional
no apoio à criação e desenvolvimento de instituições, como a Escola de
Administração Fazendária (ESAF), criada em 1975 aos moldes de esco-

A GTZ no Brasil 155


las alemãs e o apoio ao Departamento Nacional de Pesquisa Mineral
(DNPM). 266
Nos anos 1980, o número de projetos regrediu à praticamente a meta-
de da década anterior como resultado do encolhimento dos créditos inter-
nacionais, que refletiu a crise do petróleo em fi ns dos anos 1970. Esta foi
uma tendência apresentada de maneira geral em relação a todas as regiões,
exceto a região Nordeste. Ali, nota-se um aumento do número de projetos
de sete para nove, o que mostra a prioridade da região, uma vez que as
ações a ela destinadas não foram abaladas. O mesmo não aconteceu para
os projetos da região Sul e os de abrangência nacional, que caíram para
menos da metade: de 18 para oito, na região Sul, e de sete para apenas três
projetos nacionais.267
Em relação aos temas, destacam-se a área de planejamento regional e
urbano, o apoio a instituições de pesquisa e centros de formação técnica,
além de projetos na área de meio ambiente urbano e industrial e de prote-
ção de recursos naturais, notando-se uma redução de projetos, principal-
mente para a área agrícola, o que afetou particularmente a região Sul e
tornou-se uma tendência nas décadas seguintes.
Nos anos 1990, temos um crescimento significativo do total de proje-
tos desenvolvidos pela GTZ no Brasil (de 30, nos anos 1980, para 45, na
década seguinte), mostrando tanto o aquecimento da economia internacio-
nal como o maior interesse pela área ambiental por parte da GTZ, sendo
que dos 45 projetos destacados no período, praticamente a metade (20
projetos) se dirigia à temática ambiental, sendo sua orientação para prote-
ção de recursos naturais. Neste sentido, os projetos foram redefi nidos em
termos geográficos para a região Norte, em função da prioridade atribuída
à conservação de florestas. A atuação da GTZ em projetos destinados para
a região Amazônica ocorreu particularmente na década de 1990, com os
projetos do PPG-7. Estes programas seguem as orientações gerais da po-

266 Segundo a publicação comemorativa dos 40 anos de cooperação entre Brasil e Alema-
nha, a ESAF foi criada a partir da ideia de um grupo de bolsistas brasileiros treinados na
Alemanha em auditoria fi scal, sendo as negociações encaminhadas pelo Ministério da Fa-
zenda do Brasil e o BMZ. Ver: Embaixada da Alemanha, 40 anos de cooperação para o
desenvolvimento Brasil-Alemanha, op. cit., p. 31.
267 Esta retração deve-se a fatores de ordem mais geral, em função da crise do petróleo que
provocou neste período instabilidades econômicas e a redução mais ampla de recursos inter-
nacionais para programas de cooperação internacional. Ainda quanto ao Brasil, o crescente
endividamento externo e processo infl acionário não sinalizavam para um contexto favorável
ao desenvolvimento de projetos. Ver: Lohbauer, C. Brasil-Alemanha: fases de uma parceria
(1964-1999). São Paulo: Fundação Konrad-Adenauer, 2000, p. 94-108.

156 Renata Curcio Valente


lítica de cooperação para o desenvolvimento da Alemanha que, além da
proteção ao meio ambiente, também está orientada ao combate à pobreza
e à educação e à formação profissional na década de 1990.
No Brasil, a questão ambiental, especificamente a conservação da Flo-
resta Amazônica, assumiu o centro das atenções e, neste sentido, também
os povos indígenas, enquanto habitantes da floresta e detentores de conhe-
cimentos tradicionais sobre os usos de seus recursos e sobre a gestão de
seus territórios. Como o foco destinou-se à questão ambiental, os projetos
e programas para geração de renda em regiões mais pobres, como o Nor-
deste, foram reduzidos.
Vale destacar que mais recentemente, junto com o florescimento da área
ambiental, particularmente de proteção de florestas, o apoio ao Ministério
da Saúde voltado para políticas de combate à Aids e doenças sexualmente
transmissíveis surgiram, como reforço às iniciativas da GTZ. Estas têm
sido experiências de alcance regional que repercutem para outros países
da América Latina.

Análise dos projetos no Brasil por programa


Com base em relatórios anuais da ABC de 1995, 1996 e 1997, em um
Relatório sintético de 1990-2002 e nas Atas das Reuniões de Negociações
Internacionais entre Brasil e Alemanha realizadas entre 1995 e 2003, fi ze-
mos uma análise setorial de cada um dos programas, o que nos permite ver
nuances e tendências da atuação da GTZ no Brasil, desenhadas a partir
de 1995. 268 Seguindo a nomenclatura de ação que é estabelecida pela GTZ
na defi nição das linhas de ação dos seus programas e projetos, critério
adotado também nas análises da ABC, buscamos identificar algumas es-
pecificidades que marcam os projetos da GTZ no Brasil.

O Programa ProRenda
O ProRenda foi concebido na década de 1980, sendo um dos programas
mais antigos desenvolvidos pela GTZ no Brasil. O programa se subdivide
entre ProRenda Rural e ProRenda Urbano, sendo seus objetivos defi nidos
em termos de melhoria da qualidade de vida de populações de baixa ren-

268 As reuniões de negociações intergovernamentais são feitas entre representantes dos go-
vernos dos dois países para estabelecer as diretrizes de projetos a serem realizados, com in-
termediação de representantes da Agência Brasileira de Cooperação. Até 2001, eram anuais,
sendo a partir de então realizadas de dois em dois anos, alternando o local de ocorrência
entre o Brasil e a Alemanha.

A GTZ no Brasil 157


da por meio do fortalecimento do exercício da cidadania, adequação de
serviços públicos à demanda dos usuários, criação de oportunidades para
atividades produtivas.269
O programa ProRenda tem inspiração nos valores e ideários coopera-
tivistas, de autoajuda, de expressão da responsabilidade individual e da
associação de forças da economia e da sociedade, como vimos no capítulo
anterior, ideais estes de organização social que têm forte expressão na
Alemanha. 270
A proposta do programa se baseia no trabalho orientado para pequenos
produtores, rurais e urbanos, de forma a estimular a produção econômica
e garantir acesso ao mercado. De acordo com os termos usados em relató-
rio da ABC, as atividades de cooperação técnica no programa ProRenda
são defi nidas como de capacitação empresarial, fortalecimento das asso-
ciações de agricultores, além de planejamento, implantação de unidades
produtivas e sistemas agroflorestais, autogestão, planejamento participati-
vo, microcrédito e organização comunitária, com ênfase nas ações orien-
tadas para ensino e formação: cursos de treinamento e de capacitação,
seminários de treinamento, oficinas, capacitação empresarial, cartilhas e
manuais e planos de desenvolvimento. Assim, um dos eixos conceituais de
referência para o programa é participação ou gestão participativa, o que
na prática ainda é considerado um aspecto pouco assimilado. 271
Para Albert L., considerado um dos mais experientes e competentes
peritos que trabalharam na GTZ em programas do ProRenda, quando
perguntado se há relação entre a cooperação alemã e o cooperativismo, ele
argumenta que o cooperativismo foi o carro-chefe, porque, segundo ele,
o cooperativismo no mundo se criou na Alemanha e os alemães tinham
maior experiência nisso. As cooperativas brasileiras tiveram muito apoio
através da cooperação alemã, inclusive o banco das cooperativas.

269 Ata das Negociações Intergovernamentais Brasil-Alemanha, 1996, p. 19


270 Armbruster, Paul; Arzbach, Matthias. O setor fi nanceiro cooperativo na Alemanha.
Bonn/San José/ São Paulo: DGRV, 2004, p. 7.
271 Duchrow, A. “Construindo as bases para o desenvolvimento Local Sustentável: Refle-
xões a partir de uma experiência no Ceará.” In: Trusen, Christoph; Pinheiro, Maria Rosa Bi-
tar (Orgs.). Planejando o Desenvolvimento Local: Conceitos, Metodologias e Experiências.
Belém: Prorenda Rural, p. 107, 2002.

158 Renata Curcio Valente


Pequenas e médias empresas
O programa para pequenas e médias empresas apresenta, dependendo
da publicação, denominações distintas: “Programa Indústria”, ou ainda,
“Programa de Aumento da Produtividade e Competitividade da Pequena
e Média Indústria”.
Este programa orienta-se para a implementação de cursos de pós-gra-
duação, cursos de curta duração, pesquisas, reestruturação de modelo edu-
cacional, intercâmbio de técnicos, desenvolvimento de materiais didáticos
e metodologias para cursos, workshops e projetos de consultoria para a
montagem de sistemas de informação, sistemas de qualidade, difusão de
tecnologia industrial, formação de instrutores, formação de supervisores,
assistência, apoio, formação de operários, pesquisa de mercado.
Como o ProRenda, este programa também teve grande impulso entre
os anos 1960 e 1970, ambos decrescendo significativamente entre as dé-
cadas de 1990 e 2000. Particularmente, o programa Pequenas e Médias
Empresas tem mostrado uma tendência a acabar a partir de 2000, havendo
somente quatros projetos em todo o País em 2003. Uma das razões para
a perda de interesse da GTZ neste programa se deve ao fato de que insti-
tuições como o Senai e Sebrae já tenham um papel consolidado no apoio a
pequenas e médias empresas.
Como dissemos, a partir de 2001, este programa passou a ser contem-
plado juntamente com o ProRenda como parte do programa Desenvolvi-
mento de Áreas Menos Favorecidas.
Assim, a concentração da atuação da GTZ em somente duas áreas, vi-
sando torná-la mais eficiente, seria uma explicação usada para a redução
dos projetos. No entanto, documentos de 2003 indicavam que, de fato, o
apoio a pequenas e médias empresas seria um objetivo que vinha perdendo
importância na avaliação da atuação da GTZ no Brasil.

Meio ambiente
Como vimos, entre todos os programas, a área de meio ambiente tem prio-
ridade desde 1995, mantendo-se superior o número de projetos em relação
a todos os outros. O Programa de Meio Ambiente da GTZ divide-se entre
Meio Ambiente Urbano e Industrial e Meio Ambiente Florestal, sendo o
programa urbano-industrial o mais antigo. Atividades destinadas à área
florestal foram iniciadas somente com o PPG-7, nos anos 1990, e vêm se
tornando foco de crescente interesse da Alemanha no Brasil, uma tendên-
cia que, parece, irá se manter como a “futura contribuição à proteção das

A GTZ no Brasil 159


florestas tropicais da Amazônia Brasileira (2007-2014)”. A Nota Conceitu-
al de 2005, da GTZ, dizia que depois de mais de 10 anos de implementa-
ção, o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras
(PPG-7) seria transformado em uma iniciativa de apoio às políticas e aos
programas brasileiros para a Amazônia, para o que se buscava apoio in-
ternacional, incluindo-se neste escopo a cooperação técnica alemã. O pro-
grama do PPG-7, como se sabe, foi iniciado a partir do encontro do G-7
em 1990, em Houston, e entrou em execução em 1995. 272 As negociações
intergovernamentais Brasil-Alemanha de 2005 procuraram atender a ideia
de continuidade mediante a defi nição conjunta de linhas temáticas e mar-
cos estratégicos para ações futuras. Pelo acordado, a cooperação alemã
apoiaria a política brasileira de conservação e uso sustentável dos recursos
naturais renováveis da Amazônia. 273
O programa de meio ambiente focalizou primeiramente as áreas ur-
banas e industrializadas, ainda nos anos 1970 e 1980, muitas vezes asso-
ciando cooperação técnica a projetos com fi nanciamentos e empréstimos
alemães para melhoramento do controle ambiental de prefeituras e secre-
tarias estaduais de meio ambiente, visando, entre outros, ao tratamento
de recursos hídricos e saneamento básico, ao enfoque em áreas de risco
por contaminação, ao potencial e aos mecanismos de controle de poluição
industrial.
Atualmente, a cooperação na área de conservação de florestas pratica-
mente se resume ao PPG-7. Além desses, há também os chamados projetos
“bilaterais associados” ao PPG-7, como o Doces Matas.
Na região Norte, os estados de Amazonas, Pará e Amapá são os maio-
res contemplados, contando com 14 projetos (10% do total), destes so-
mente dois foram destinados aos povos indígenas no Brasil, o que significa
0,1%. 274 É neste contexto que aparecem os primeiros projetos no Brasil
para povos indígenas desenvolvidos pela GTZ, como o PPTAL, em 1996,

272 Alguns dos programas do PPG-7: Promanejo, Provárzea, PDA, PPTAL, AMA, Corredo-
res Ecológicos, SPRN-OEMAS, Doces Matas (bilateral associado), Agricultura Familiar, no
Pará, Produtores Rurais – Idam-AM, Amapari – Perimetral Norte – AP.
273 GTZ. Nota Conceitual para a futura contribuição à proteção das florestas tropicais
da Amazônia Brasileira (2007-2014) – Apoio ao desenvolvimento de capacidades no nível
federal, regional e local para uma política brasileira de conservação e uso sustentável dos
recursos naturais renováveis na Amazônia.
274 Embaixada da Alemanha, 40 anos de cooperação para o desenvolvimento Brasil-Ale-
manha, op. cit., p. 160-164.

160 Renata Curcio Valente


junto à Funai e ao Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas (PDPI) e, a
partir de 1999, no âmbito do MMA.
Este levantamento e análise do conjunto de projetos desenvolvidos pela
GTZ teve como propósito buscar sinalizar para as tendências de atuação
da GTZ no Brasil, a partir de um panorama talvez simplificado dos proje-
tos desenvolvidos por década, o que foi realizado fundamentalmente com
base em documentação obtida na ABC e na própria GTZ.
No próximo item, por meio de pesquisa etnográfica, procuramos nos
aprofundar nas dinâmicas das relações sociais em meio às estruturas de
organização administrativa do escritório da GTZ em Brasília.

A GTZ no Brasil
A sede da GTZ no Brasil foi inaugurada em Brasília, no fi nal dos anos
1980, ficando na embaixada alemã no Brasil. Posteriormente, nos anos
1990, foi montado escritório próprio, situado em uma área comercial im-
portante da cidade, o Setor Comercial Norte. Ele se localiza em um prédio
de construção moderna, mas discreta, junto com outros escritórios co-
merciais e consultórios médicos. É um endereço comercial, sem qualquer
exagero na segurança interna, além de um controle de identidade e forneci-
mento de um crachá. No térreo, há lojas para atender ao público eventual
que passe pela rua, uma papelaria, um restaurante e um café, o que garan-
te uma diversidade de frequência. Esta caracterização parece demonstrar
que o fato de a GTZ ser uma agência internacional não determina maiores
restrições ao acesso, como é o caso de outros organismos internacionais,
cujos prédios onde estão instalados intimidam pela extravagância e pelas
normas restritivas ao acesso na portaria.
Este é o caso do Banco Mundial e do PNUD, cujos escritórios ficam
bem em frente ao prédio da GTZ, no Financial Corporate Center, um dos
prédios de arquitetura mais arrojada de Brasília, com formas irregulares
e acabamento externo todo em espelho dourado. A arquitetura por si só
já apresenta uma ostentação que afronta seus frequentadores, 275 o que
implica uma forma de elitização. Além disso, o Corporate Center, como
é chamado, possui um sistema de vigilância muito rigoroso que limita,
seleciona e controla o público que o visita. São vários seguranças, entre
homens e mulheres, que fornecem um crachá do prédio e registram uma
fotografia na entrada. Ao subir, no hall de entrada da instituição, mais

275 O público que frequenta o Corporate se veste de forma bastante padronizada, refi nada e
rica, com ternos escuros e gravatas, tailheurs e saltos altos.

A GTZ no Brasil 161


seguranças estão em guarda e trocam o crachá do prédio pelo da institui-
ção, de forma que não se perde o visitante de vista, o que não acontece no
prédio da GTZ.
No mesmo prédio da GTZ fica também a sede do Banco KfW, situado
alguns andares acima. A proximidade entre os escritórios da GTZ e do
KfW não é aleatória, mas faz parte de uma estratégia de imagem que o mi-
nistério adota em relação ao setor de cooperação para o desenvolvimento,
o que facilita os trâmites burocráticos e a comunicação entre os funcioná-
rios na execução de projetos em que participam as duas instituições. De
acordo com documento oficial da GTZ, procura-se assegurar uma ima-
gem homogênea da cooperação alemã para o desenvolvimento, de forma
que é indicado que as instituições alemãs trabalhem em um mesmo espaço,
mantendo suas autonomias uma em relação a outra. 276
Para realizar a pesquisa no escritório da GTZ, estive algumas vezes
conversando com o vice-diretor e com uma gerente de projetos, brasileira.
Apresentei meu projeto de trabalho e conversei bastante, aguardando uma
resposta. Quando recebi o aceite, me forneceram um cartão que permitia
a entrada no prédio, um crachá como os dos funcionários da GTZ. Na
entrada do escritório não tinha inicialmente mesa ou qualquer lugar espe-
cífico para ficar, passando de uma sala para outra. Com o tempo, foram se
acostumando com minha presença, ainda que eu, pessoalmente, me sentis-
se constantemente constrangida e incomodando naquela função.

O desenho administrativo do escritório


O escritório da GTZ no Brasil tem uma estrutura administrativa de fun-
cionamento bastante pequena para o número e a variedade de tipos de
projetos em que atua no Brasil.
De acordo com as defi nições formais da GTZ para funções no exterior,
há um conjunto de categorias que corresponde às atribuições específicas
para cada profissional do escritório e dos projetos no exterior.
Alguns funcionários mais antigos argumentam que a estrutura de or-
ganização administrativa da GTZ é bastante hierárquica, o que torna mui-
to lento seu processo decisório. Para ele, as mudanças que foram feitas na
GTZ na Alemanha foram passadas, mas não chegaram às estruturas nos
países onde ela atua. Informou que, abaixo da direção da GTZ no Brasil,
há quatro Programleiter, os gerentes de programas, que supervisionam o

276 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p. 185-186.

162 Renata Curcio Valente


trabalho dos peritos, o que não havia anteriormente, quando a responsabi-
lidade principal era do diretor e dos técnicos aqui no Brasil. Sem o Progra-
mleiter, os peritos assumiam toda a responsabilidade – técnica, fi nanceira,
pessoal, como chefes dos projetos, passando a ser atualmente simples exe-
cutores, sem competência de decisão.
A criação de cargos intermediários no processo decisório tem sido um
processo recente na GTZ, e tem relação com as suas mudanças e reestrutu-
rações como um todo, a partir de diretrizes da agência na Alemanha. Para
este mesmo ex-funcionário alemão da GTZ, o processo não tem dado bons
resultados, e trouxe o que ele defi niu como perda de qualidade do trabalho
dos peritos. 277
Esse processo de reestruturação da GTZ, em andamento desde 2003,
estaria colocando em discussão algumas bases de organização, como o
princípio de gestão mais descentralizada, com maior autonomia dos escri-
tórios onde são desenvolvidos os projetos. A gestão se defi niria por meio de
liderança, espírito de parceria, autorresponsabilidade, confiança, respeito
a acordos estabelecidos e a decisões tomadas, aproveitamento das capaci-
dades e das habilidades dos colaboradores, e conhecimento das expectati-
vas e necessidades dos parceiros.
Os princípios nem sempre são verificados; na prática, o processo de-
cisório ainda está muito baseado nas relações hierárquicas, conforme
observado no escritório da GTZ em Brasília. Nem sempre os “parceiros”
se sentem parceiros, ou tampouco clientes, mas sujeitos às organizações
de cooperação e, portanto, não se satisfazem com o processo. A projeção
discursiva de trabalhar orientado pelo princípio de autorresponsabilidade
nem sempre se cumpre.
O processo seletivo de cargos mais altos de direção, coordenação de
programas e dos peritos de longo prazo é todo feito na Alemanha, com a
supervisão dos planejadores do Departamento de Planejamento e Desen-
volvimento. Outros cargos administrativos e auxiliares, ou de consultorias
de curto prazo para projetos, podem ser determinados no Brasil por meio
dos superiores hierárquicos diretamente acima do cargo pretendido. 278
No escritório, o diretor, também conhecido por “chefe do escritório”, é
o responsável por todas as decisões políticas tomadas no país. É ele quem
faz a ponte entre as decisões do BMZ e da GTZ na Alemanha e os funcio-
nários do governo local. Ele é responsável pela administração fi nanceira

277 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit.


278 Idem, p. 197.

A GTZ no Brasil 163


do escritório e decide sobre a contratação de pessoal local. Auxiliando-o
em funções mais administrativas do escritório, na relação direta com os
funcionários, está o diretor-adjunto ou “chefe administrativo”, que é o su-
perior hierárquico do pessoal local empregado no escritório. Os coordena-
dores de programas atuam também em nível político, sendo responsáveis
diretos pela contratação de pessoal para os projetos vinculados ao progra-
ma sob a sua responsabilidade, participam de reuniões para negociações
relativas ao programa, enfi m, atuam como os superiores hierárquicos de
todos os colaboradores de projetos vinculados a um mesmo programa.
Estes são os cargos mais elevados na hierarquia da GTZ e, no Brasil, são
ocupados por alemães.
Os assessores de projetos, que também se distinguem entre aqueles com
mais experiência e tempo de serviço, trabalham tanto no escritório quan-
to nos projetos nos órgãos brasileiros executores. Além desses, também
chamados de “pessoal local”, há outras funções administrativas, como de
secretaria, de contabilidade dos projetos e do escritório e o trabalho rea-
lizado pelo pessoal auxiliar, que é o de serviços de entrega, de transporte
(motorista), de recepcionista e de limpeza. Estes são todos brasileiros. No
caso do pessoal administrativo, há a condição de falarem o alemão, o que
não ocorre com os auxiliares.
Por fi m, destacam-se aqueles que, no Brasil, são os mais conhecidos por
terem contato direto com os órgãos de governo brasileiro; são os responsá-
veis do lado alemão pela coordenação e pelo planejamento (gerenciamen-
to) na execução de projetos – os peritos enviados. Estes, por defi nição, são
alemães genuínos, uma condição que, na lógica operacional da agência,
se justifica pelo distanciamento exigido para que não sejam naturalizadas
certas práticas locais que são consideradas viciadas e ineficientes, sendo os
projetos o veículo através do qual elas devem ser mudadas.
Há, no entanto, uma distinção entre dois tipos de peritos em função da
responsabilidade assumida no projeto no exterior, o que se reflete no tipo
de contrato que é assinado entre o profissional e a GTZ: há o perito de
longo prazo e o perito de curto prazo. Os peritos de longo prazo, também
chamados de “consultor principal”, são responsáveis pela coordenação de
projetos e têm o seu contrato assinado para um período superior a 12
meses, renováveis enquanto o projeto não se encerrar. Os peritos de curto
prazo, cujo contrato é inferior a seis meses, assumem funções de consulto-
rias específicas, como desenvolvimento de oficinas, treinamentos e cursos,
avaliação de projetos em suas várias fases e outras formas de atuação no

164 Renata Curcio Valente


país, por terem experiência no tema em questão e nas relações junto aos
órgãos locais ou às comunidades.
Os peritos de longo prazo da GTZ, todos, sem exceção, são alemães,
não havendo sequer um de nacionalidade brasileira. Quando a empresa ne-
cessita de um perito para atuar em um projeto em qualquer parte do mun-
do, há uma convocação mundial para o envio de currículos pelos funcio-
nários interessados, e a escolha se dá na sede, em Eschborn, Alemanha.
A justificativa para a não contratação de peritos nacionais de longo
prazo se justifica pela importância do “estranhamento” com as formas
de organização da sociedade com a qual passam a trabalhar, o que é va-
lorizado para melhor orientar a gestão de projetos e políticas nos países
parceiros. No caso de peritos que atuam há muitos anos em um mesmo
país, há um incentivo para a sua remoção para outra região, porque o “ele-
mento surpresa ou de estranhamento” já não existiria mais. Dessa forma,
o perito perderia a percepção de onde corrigir os problemas, uma vez que
absorveria a cultura local.
Como a função desses peritos de longo prazo é prestar assistência às ins-
tituições governamentais locais, a importância atribuída pelo lado alemão
de não permanecer em um mesmo local e de retornar frequentemente à Ale-
manha poderia ser uma forma de manter a própria consciência da alteridade
e a capacidade de utilizá-la de forma instrumental e eficaz.279
Segundo as agências alemãs de cooperação para o desenvolvimento, to-
dos os projetos de cooperação técnica estão sujeitos a um controle de resul-
tados, com vistas a garantir a continuidade do processo de aprendizagem e
a reaproveitar as experiências bem-sucedidas. Adicionalmente aos projetos
bilaterais, há duas modalidades de cooperação realizadas pelo governo
alemão: o Pool de Peritos, as consultorias de curto prazo, que duram entre
três e 12 meses e o apoio às ONGs por intermédio do DED.
Há ainda, o perito local, que são profissionais do país onde está sendo
desenvolvido o projeto e que atuam na assessoria ao perito alemão envia-
do. No caso do Brasil, não há um projeto que seja desenvolvido unicamen-
te por consultores locais, sendo o “princípio da intervenção mínima”, que
vimos anteriormente, uma norma que não tem vigência na prática.
O escritório da GTZ em Brasília, no que diz respeito à divisão das
salas e à distribuição dos funcionários no espaço, refletia, de certa forma,

279 Partiu-se aqui de uma analogia com a ideia de conquista desenvolvida por Lima (1995),
em que destaca, na página 47, que “o ponto de partida fundamental e operador da conquista
é a própria consciência da alteridade e a capacidade de utilizá-la instrumentalmente para
prever os passos e manipular o inimigo”.

A GTZ no Brasil 165


a noção de administração e de divisão hierárquica observada em relação
aos cargos da agência no exterior, separando aqueles de maior responsabi-
lidade, exercidos por alemães, do restante do grupo, exercidos em grande
parte por brasileiros. A descrição que se segue da organização física e das
funções no escritório da GTZ se propõe a revelar sua forma de adminis-
trar “para dentro” e “para fora”.
O escritório ficava no 15o andar do prédio, onde havia duas salas da
GTZ e mais uma terceira ocupada por outra empresa. Na sala principal,
avistava-se da porta de vidro da entrada um hall bastante confortável, com
sofás, uma mesa de canto e, na frente, uma estante com divisórias para a
exposição de material publicado pelas instituições alemãs – revistas, jor-
nais, folders, material de divulgação de projetos e publicações sobre ques-
tões de interesse geral. Estes últimos envolvem temas que dizem respeito
às áreas da política de cooperação para o desenvolvimento da Alemanha:
segurança, guerra, meio ambiente, saúde e tecnologia. Encontram-se pu-
blicações em português, inglês ou alemão.
Nesse mesmo ambiente, havia um balcão alto no qual ficavam dois
recepcionistas que, além de atenderem aos eventuais visitantes, também
faziam uso de interfone, telefone, fax e computadores, aos quais tinham
acesso na mesa por trás do balcão. A recepcionista era uma moça bem
jovem, estudante universitária, que estava há alguns anos ali e já tinha
bastante desenvoltura no tipo de trabalho necessário à agência. O rapaz,
além de recepcionista, fazia consertos gerais no escritório, como conexão
de redes de computadores, ligações elétricas, além de pagamentos no ban-
co, transporte de materiais entre a agência e a embaixada, trabalhando
também como motorista da diretora ou de algum alemão que precisasse
deste tipo de serviço. Ambos eram brasileiros, não falavam o alemão e
não tinham qualquer treinamento para poderem mudar a sua condição
no trabalho. Por trás desse balcão, separada por uma divisória com vidro,
ficava a salinha da secretária da diretora, como pode ser visto em planta
esquemática do escritório da GTZ. 280
Do hall distribuíam-se as salas: do lado direito, uma parede separava
salas divididas por paredes de alvenaria, onde ficava a sala da diretora,
usualmente de portas fechadas, e um corredor que dava acesso a um es-
paço reservado aos funcionários de mais alto escalão: coordenadores e

280 Ver Anexo 2.

166 Renata Curcio Valente


assessores sêniores de programas.281 Do lado esquerdo, um grupo de salas
era separado por divisórias de vidros emolduradas por fórmica. Através
dos vidros era possível ter uma visão geral, desde a entrada, do conjunto
de funcionários, e estes viam-se uns aos outros desde a sala do diretor ad-
junto, a primeira à qual se tinha acesso a partir do corredor. Em seguida à
sala do diretor, dois funcionários trabalhavam na contabilidade do escri-
tório, em contato direto com o diretor adjunto, controlando as contas do
escritório e de todos os projetos da agência.
O diretor-adjunto ficava situado em uma posição estratégica no escri-
tório: de sua sala, via-se todo o escritório, desde a sala dos funcionários até
a portaria, além do movimento na sala da diretora.
Para se chegar às salas, passava-se por um longo corredor que tinha
presas em um mural na parede notícias e propagandas: eram anúncios de
padarias, chopperias e restaurantes alemães – um “roteiro alemão em Bra-
sília”, provavelmente frequentado pelos alemães da GTZ – e notícias e dicas
de saúde e bem-estar para quem trabalha em escritórios e burocracias.
Ao fi m do corredor, ficava o pessoal que dava assessoria administrativa
aos projetos, em uma ampla sala que acomodava sete funcionários, seis as-
sessores de projetos, uma perita alemã do projeto Aids-DST e suas mesas,
telefones e computadores, um ao lado do outro. Dali se tinha acesso à bi-
blioteca de consulta interna, onde ficava um bibliotecário em um pequeno
cômodo anexo, com uma porta que o separava da sala mais ampla. Foi
nesta sala que entrei em contato mais direto e constante com os funcioná-
rios. Ali, cada um deles tem um computador e um ramal telefônico em sua
mesa e resolve suas atividades praticamente sem se levantar. São discretos
e silenciosos, realizam suas tarefas no computador, com documentos e,
eventualmente, ao telefone, falando quase sempre em alemão. A rotina
do escritório é monótona e silenciosa. De quando em quando, levantam-
se para alcançar um documento na impressora, comum a todos, ou para
pegar algum outro que fica em uma estante repleta de pastas em cores
distintas identificadas com os nomes dos projetos.
A separação das salas por divisórias com vidros garantia que todos
compartilhassem de tudo, criando um efeito panóptico, em que pratica-

281 A defi nição de “assessores seniores” não consta no Compêndio da GTZ como uma
significação administrativa, mas é comumente adotada no Brasil pelos funcionários da GTZ
para se referirem àqueles que têm maior tempo de experiência e de trabalho na assessoria e
no acompanhamento de projetos. Neste caso, era uma função exercida por duas funcioná-
rias brasileiras que trabalhavam praticamente desde a implantação do escritório da GTZ no
Brasil.

A GTZ no Brasil 167


mente não há “espaços de fuga” para se conversar mais particularmente.
Esta transparência entre as salas era agradável à primeira vista, porque
dava uma sensação de amplidão ao ambiente de trabalho pela luminosi-
dade que entrava, já que as paredes externas do prédio também eram de
vidro. Por outro lado, no dia a dia, era possível sentir que todos ficavam
muito expostos à “observação” uns dos outros, inclusive do diretor-ad-
junto. Havia uma ideia de controle implícito nessa disposição, o que não
acontecia nas salas da direção, que ficavam à direita da recepção. Talvez
por sua estrutura tão exposta, tão visível, os funcionários adotassem uma
postura mais contida, com um certo rigor na forma de se comportarem
no escritório. Somente a cozinha, um pequeno compartimento onde se to-
mava café, leite ou chá, era um lugar possível de serem colocados em uma
conversa os assuntos cotidianos e pueris.

A língua da burocracia
A GTZ adota um padrão de funcionamento administrativo em que todos
os documentos dos projetos sejam feitos em alemão, desde os comunicados
entre os funcionários até contratos de serviços, inclusive de consultorias,
além da contabilidade, dos documentos de avaliação interna sobre os pro-
jetos e dos relatórios periódicos de peritos. Considerando sua atuação em
mais de cem países, a prerrogativa do alemão como língua de referência
tem de ser instituída para controle administrativo por parte da central. To-
dos os documentos de projetos e programas no mundo inteiro são enviados
à Alemanha. E, como consequência, todos os seus funcionários obrigato-
riamente devem ter conhecimentos amplos da língua alemã.
Assim, também as comunicações internas dos escritórios com a central
da GTZ na Alemanha e a totalidade dos relatórios periódicos (mensais, se-
mestrais e anuais) de acompanhamento de projetos enviados pelos peritos
que coordenam projetos da GTZ são feitos em alemão. Da mesma forma,
a documentação interna, a maneira de arquivar documentos, o sistema de
computador, as pastas de organização de arquivos e a Intranet estão em
alemão. 282 É um único código sem fronteiras entre os pares; no entanto,
para os outros, é exatamente a língua alemã que se constitui a fronteira.
Em suma, todos os funcionários da GTZ estão interconectados por meios
disponíveis de comunicação para melhor administração e controle de pes-

282 Intranet é a rede interna da GTZ que conecta todos os seus escritórios no mundo.

168 Renata Curcio Valente


soal, desde os que desempenham funções mais administrativas no escritó-
rio até os peritos técnicos, que atuam diretamente nos projetos. 283
A discussão que Benedict Anderson apresenta sobre o desenvolvimento
das línguas impressas e seus efeitos na formação da consciência nacional
revela elementos interessantes para se pensar como “consciências nacio-
nais” são manipuladas por meio dos signos linguísticos em contextos nos
quais se cruzam diferentes fluxos transnacionais, processos orquestrados
por comunidades nacionais “imaginadas” deslocadas na contemporaneida-
de. 284 Particularmente interessante é a sua abordagem sobre o desenvolvi-
mento de uma linguagem como fator de centralização administrativa, que
neste caso é precisamente eficaz quando todos os que estão na GTZ (no
mundo inteiro) devem falar, obrigatoriamente, o alemão.285 As exigências
para contratação de pessoal em escritórios no exterior variam conforme os
cargos e as responsabilidades: no escritório da GTZ no Brasil, a diretora é
alemã e os peritos que trabalham no Brasil são também alemães. 286 No en-
tanto, para cargos administrativos, a exigência é que se fale, leia e escreva
o alemão (nem sempre bem), mas não é preciso ser alemão.
Anderson ainda analisa a formação de “linguagens de poder” na dis-
tinção entre classes, estabelecendo hierarquias. Ao se considerar o peso
que o aspecto linguístico tem na defi nição de identidades, e pensando, por
analogia, na argumentação de Anderson para classes, falar ou não uma
língua assume um peso na distinção hierárquica entre grupos. O uso pro-
posital da distinção linguística, como uma ruptura de comunicação, pode
ser uma estratégia de poder para distinção e hierarquização de grupos em
condição de múltiplas nacionalidades.

283 Não necessariamente o fato de ser alemão é o elemento de aproximação de um grupo de


profi ssionais que trabalha nos programas de cooperação da GTZ. Suas trajetórias pessoais
podem ser muito distintas e de forma nenhuma proporcionar a eles a ideia de que fazem parte
de um mesmo grupo. Imagino haver uma multiplicidade de alemães que atua na cooperação
e não exatamente pertencem a uma comunidade. Mas ainda assim, a ideia da identidade na-
cional alemã aproxima-os como parte de uma comunidade imaginada tanto por eles, como
também pelos outros, aqueles com quem lidam, que os classificam compulsoriamente como
um grupo: “os alemães”.
284 Anderson, B. Comunidades imaginadas Refl exiones sobre el origen y la difusion del
nacionalismo. Mexico: Fondo de Cultura, 1993, p. 72-73.
285 Id., ibid., p. 68.
286 Alguns brasileiros, que são chamados peritos locais, fogem à regra de serem alemães.
No entanto, não têm atribuições de coordenação de projetos, a qual é usualmente assumida
por alemães.

A GTZ no Brasil 169


Somando-se a isto o fato de ser uma empresa de origem alemã, que
administra na sua própria língua – língua esta e cultura não tão disse-
minadas quanto são a inglesa ou a francesa – com normas, formulários,
relatórios, cartas e memorandos todos em alemão, inclusive nos escritórios
espalhados pelo mundo, isto se torna ainda mais importante para consoli-
dar uma maneira de administrar, uma forma de se colocar no mundo que
é “alemã”.
Ao se levar em conta que tais relações “de cooperação” se inserem em
uma estrutura internacional assimétrica de poder, cujos efeitos e dimen-
são não podemos negligenciar, o desconhecimento fluente do idioma dos
“doadores” alemães dirigiu o meu olhar para as formas em que a língua
era acionada enquanto um dispositivo de poder, de segregação, tanto nas
experiências observadas nas relações pessoais, quanto nas publicações ins-
titucionais.
Do ponto de vista administrativo, a organização atua como uma gran-
de corporação, na qual o escritório funciona como a sede para onde con-
vergem todas as informações das atividades dos projetos, formatadas em
modelos de relatórios simplificados, e de onde partem as diretrizes e as
decisões políticas e fi nanceiras. Em todas as bases internacionais, sejam os
escritórios de representação ou os projetos da GTZ, há normas e padrões
de administração que são uniformizados e coordenados pela GTZ central
em Eschborn, na Alemanha, cujo conteúdo, por defi nição, não está veda-
do ao acesso do público, sejam pesquisadores ou funcionários dos órgãos
nacionais. Na prática, no entanto, essas informações não estão exatamente
disponíveis, nem mesmo há veiculação da sua existência. O acesso passa
pela autorização de instâncias hierárquicas superiores da GTZ, que con-
sentem ou não no acesso, justificando a restrição ao caráter empresarial da
GTZ e à competição existente entre agências de desenvolvimento. Além do
mais, muitos documentos são produzidos em alemão, sem tradução para
as línguas locais, nem mesmo para o inglês, o que sem dúvida representa
um elemento a mais de dificuldade para a sua leitura.
A “marginalidade” da língua alemã é uma questão em fóruns e em de-
bates internacionais, e a importância da tradução de textos e publicações
para outras línguas é reconhecida como forma de se estabelecer diálogo
com parceiros, como consta em publicação da GTZ/BMZ:287 “existem ver-
sões da edição alemã nas línguas inglesa, francesa e espanhola, a fi m de

287 BMZ/GTZ. Desenvolvimento rural regional: princípios de orientação. Eschborn, 1987,


p. 7.

170 Renata Curcio Valente


serem eliminadas as barreiras linguísticas no diálogo com os colegas nos
países parceiros da GTZ”.
Apesar de muitas publicações em português, inglês ou espanhol, os
livros e os periódicos em alemão revelam para o público científico e acadê-
mico uma determinada escolha de dialogar com os próprios pares de lín-
gua alemã, ou mesmo de restringir informações, reflexões e interpretações
sobre a realidade social e política a um público não alemão. A publicação
nesta língua poderia ser entendida como uma opção que contradiz alguns
dos princípios de horizontalidade das diretrizes do BMZ.
Mas não só isso. É importante ressaltar que, como em todo país, a lín-
gua oficial de toda burocracia é a própria língua nacional, e isso não foge
no caso alemão. Seja na Alemanha ou onde quer que sua burocracia esteja,
os documentos produzidos são feitos em alemão. A expansão das burocra-
cias leva com ela seus pressupostos de nacionalidade, de referências nacio-
nais. A GTZ adota como padrão de funcionamento gerencial que todos
os documentos no trâmite administrativo dos projetos no escritório sejam
feitos em alemão, desde comunicados entre os funcionários até contratos
de serviços (inclusive de consultorias), contabilidade, documentos de ava-
liação interna sobre os projetos e relatórios periódicos dos peritos. Ao se
considerar a sua atuação em mais de cem países, a prerrogativa do alemão
como língua de referência tem de ser instituída para controle administra-
tivo por parte da central. Todos os documentos relativos a projetos e pro-
gramas no mundo inteiro são enviados à Alemanha. O fato, no entanto, é
que o alemão não é língua disseminada como, por exemplo, o inglês, o que
torna mais restrito o acesso a informações sobre seus programas de ação.
Quanto à organização documental, cada projeto tinha pastas que ar-
quivavam todos os contratos de serviços e compra de bens para uso da
equipe no projeto. Havia uma grande estante com pastas em forma de
fichário, e lá estavam os documentos administrativos relativos aos proje-
tos: currículo e contrato de pessoal, contratação de serviços, compra de
material, pagamentos e outros. Na rede interna do computador, havia um
banco de pastas de modelos de documentos da GTZ, os quais eram aces-
sados para dar andamento aos procedimentos do projeto. Nestes modelos
colocava-se o nome da empresa contratada, os valores e o tempo de servi-
ço, ou então quaisquer dados sobre novos contratos, novos funcionários
ou consultores. Emitiam-se quatro cópias de cada documento, que ficavam
em pastas e arquivos organizados por projeto, além de uma cópia concedi-
da à empresa ou à pessoa contratada.

A GTZ no Brasil 171


A experiência de observação participante no escritório, contando com
a sorte da realização do evento dos 40 anos, permitiu colocar em prática
a análise do processo de consolidação dos valores de uma organização,
que se dá, segundo Susan Wright, na contínua atribuição e negociação de
significados no dia a dia, seja nas rotinas diárias, nas roupas, como nas
carreiras dos funcionários.

172 Renata Curcio Valente


Capítulo 5

Pragmatismo e ideologia no mundo da cooperação 288


Passando do nível de análise das instituições para as histórias pessoais,
exploramos neste capítulo questões referentes às histórias destes pro-
fissionais que atuam no campo da intervenção em espaços estrangeiros
para promover o desenvolvimento: são especialistas, consultores, peritos
e administradores vinculados às agências governamentais e às organiza-
ções não governamentais. Nosso intuito foi o de superar uma concepção
fechada de uma instituição de governo, tratando de desmistificar uma vi-
são sobre as organizações como entidades com uma cultura própria, com
interesses próprios, com funcionamento independente daqueles que nela
trabalham.289
Depois de trilhar o caminho usual de investigação das instituições
administrativas por meio da observação das dinâmicas do escritório e dos
procedimentos administrativos formais da organização, de sua estrutura e
de seu caráter institucional, busquei explorar como se dava a formação do
quadro de funcionários da GTZ, como um universo bastante caracterís-
tico de uma sólida formação como “especialista do desenvolvimento”. O
grupo que analisamos se constitui como uma espécie de nobreza de Esta-
do, que atuam na representação do Estado para fora, entre outros. 290

288 No presente trabalho, optei por mudar os nomes dos funcionários da GTZ como ma-
neira de preservar suas identidades pessoais, ainda que sejam facilmente identificáveis para
quem conhece a instituição ou os projetos em que a GTZ está envolvida.
289 Wright, S. (Org.). Anthropology of Organizations. London/New York: Routledge, 2002,
p. 18-19.
290 Como mencionado anteriormente, foram realizadas 24 entrevistas com um grupo de
alemães falantes da língua portuguesa, cuja prática profi ssional se deu, em algum momento
de suas experiências na GTZ, em projetos desenvolvidos na América Latina e no Brasil, além
de alguns representantes de outras instituições alemãs, como do KfW, da Fundação Heinrich
Böll, de ONGs e pesquisadores de universidades alemãs, estes últimos por e-mail. Os nomes
dos profi ssionais serão substituidos para preservar suas dentidades.

A GTZ no Brasil 173


O corpo de profissionais alemães da GTZ é formado por portadores
de saberes e de conhecimentos específicos de Estado e são eles os trans-
missores desses conhecimentos para órgãos de governo de outros Esta-
dos. Articulam-se por meio de redes sociais estabelecidas não somente por
ideais terceiro-mundistas, mas também por fundamentos de solidariedade,
de cristianismo e de princípios ambientalistas e conservacionistas.
Entrar no universo das relações pessoais dos peritos e tentar desvendar
suas visões sobre o trabalho que desempenham poderia revelar uma deter-
minada perspectiva “de dentro” da organização.
Para Pierre Bourdieu, a compreensão da dimensão da dominação atre-
lada à consolidação de uma estrutura de Estado, que ele defi ne como “di-
mensão simbólica do efeito do Estado”, passa pela análise do funciona-
mento específico do microcosmo burocrático – da gênese e da estrutura
do universo de agentes do Estado. Seu argumento chama a atenção parti-
cularmente para os juristas que “ao produzirem o discurso performativo
sobre o Estado, que sob aparência de dizer o que ele é, fez o Estado ao
dizer o que ele deveria ser, logo, qual deveria ser a posição dos produtores
desses discursos na divisão do trabalho de dominação”. 291
Seguindo a proposta que Bourdieu, nos propusemos neste capítulo a
analisar o microcosmo dos funcionários da GTZ, a partir de suas atribui-
ções funcionais e relações hierárquicas no escritório em Brasília. Como
forma de tentar desvendar aspectos pessoais, referentes às trajetórias e
especificidades das experiências particulares dos peritos, que atuam nos
projetos, selecionamos alguns casos para analisar.
Apesar da pesquisa no escritório não ter sido fácil para mim, ela foi
ainda mais difícil para os que trabalham ali. No seu próprio local de tra-
balho, tiveram que lidar com a presença de um pesquisador que os via
como objeto de estudo. Ainda mais difícil quando sabemos haver pressões
internas na GTZ, frequentes avaliações de rendimento e qualidade do pro-
fissional, procedimentos usuais em grandes empresas. Realizar o trabalho
sob o constante olhar de um “estranho” não deve ser agradável e muitas
vezes pode se aproximar, por analogia quanto ao aspecto de observador, a
um fiscal. Entendo também a responsabilidade, do ponto de vista institu-
cional, dos diretores em relação à abertura, ainda que parcial, de informa-
ções e dados que são considerados “segredos de Estado” ou “da empresa”.

291 Bourdieu, P. “Espíritos de Estado.” In: Bourdieu, P. Razões práticas sobre a Teoria da
Ação. Campinas: Papirus Editora, 1996, p. 121.

174 Renata Curcio Valente


Pertencem a uma organização cujo maior bem e valor é a informação, e
seu produto principal é o conhecimento (know-how).
No escritório da GTZ ficam principalmente os funcionários de cargos
administrativos e gerenciais que acompanham a execução burocrática dos
projetos. Os coordenadores de programas e os de projetos, que fazem um
trabalho mais burocrático e têm sua base na sede em Brasília, são auxi-
liados por uma equipe de “administradores” que atuam na intermediação
com as bases locais e com a sede. O objetivo é que tudo corra dentro dos
padrões, das normas e regras, que são muitas e extremamente cheias de
detalhes, para que os projetos andem. Novos recursos não podem ser libe-
rados para os projetos locais se não preencherem tais requisitos, que todo
membro da GTZ deve decorar.
No total, havia 19 funcionários no escritório durante o período em que
fi z a pesquisa, sendo três na recepção, contando com a secretária da dire-
tora, cinco na área mais reservada ao “alto escalão” e 11 entre o diretor-
adjunto, o pessoal da contabilidade e o grupo da assessoria de projetos,
que compartilhava uma mesma grande sala, além da perita alemã e do
bibliotecário.
Na GTZ no Brasil, as mulheres ocupam cargos variados, desde fun-
ções auxiliares até administrativas e políticas: no atendimento na porta-
ria, ficava uma estudante universitária brasileira; na contabilidade, uma
brasileira de formação superior e de ascendência alemã; na secretaria da
direção, outra brasileira, formada em comunicação social, também falante
do alemão. A maioria das funcionárias que trabalhava na assessoria técni-
ca de projetos era de brasileiras, mas tinham algum vínculo, muitas vezes
conjugal ou de ascendência familiar, com a Alemanha. 292
Em um nível hierárquico superior, estavam duas mulheres brasileiras
bastante experientes que assumiam responsabilidades maiores de supervi-
são e acompanhamento de projetos vinculados a um mesmo programa. 293
Na coordenação de programas nacionais, também mulheres dirigiam as
funções, sendo que neste caso a responsabilidade era daquelas de naciona-
lidade alemã, da mesma forma, que acontecia quanto à direção geral do
escritório no Brasil.

292 A exceção era de uma mulher e um homem, ambos alemães, que também trabalhavam
na assessoria de projetos.
293 Como dito anteriormente, o Programa de Cooperação Técnica Brasil-Alemanha tem duas
grandes áreas como prioridades para o Brasil: Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional
Integrado em Áreas Menos Favorecidas.

A GTZ no Brasil 175


Ao se observar o grupo no que concerne à categoria de gênero, constata-
se que a maioria dos funcionários do escritório era de mulheres: 13 de um
total de 19 pessoas. Além de prevalecerem em termos numéricos, também
o faziam quanto à responsabilidade: os cargos de direção e coordenação
de programas estavam nas mãos de mulheres. Conforme uma funcionária
indicou, há uma orientação por parte do governo alemão que é veiculada
pelas agências governamentais e não governamentais, como a Fundação
Heinrich Böll, de priorizar a contratação de mulheres e a elaboração de
projetos que sejam orientados por elas. Na Fundação Böll, chamam de
gender democracy a inclusão de temas sociais que envolvam a participação
das mulheres em processos decisórios como parte de questões prioritárias
de trabalho, além de outras como migração, ecologia, democracia, proble-
mas sociais, emprego, economia, educação, arte, comunicação, política de
desenvolvimento, entre outras.294 A abordagem específica na questão de
“gênero” não se restringe somente à gestão e à execução de projetos, mas
também é relevante para a gestão dos recursos humanos e para o desen-
volvimento organizacional de instituições e organizações na Alemanha e
no estrangeiro que atuam na área de cooperação para o desenvolvimento,
sendo um critério de qualidade na política de cooperação para o desenvol-
vimento da Alemanha. 295
A maioria dos funcionários administrativos e técnicos de apoio aos
projetos chega cedo ao escritório, em torno das oito horas da manhã. Não
havia controle de horário com cartão de ponto, mas os funcionários pa-
reciam ter suas obrigações internalizadas. Trabalhavam todos de forma
muito individualizada, cada um responsável por uma área separada, sendo
poucos os funcionários de maneira geral no escritório da GTZ em Brasí-
lia. Na sala maior, ficavam os técnicos que tinham a incumbência de dar
suporte aos projetos desenvolvidos.
Os funcionários não têm um rigor muito grande na forma de se ves-
tirem para ir ao escritório. Não fazem uso de roupas muito formais, pois
não é uma norma os homens andarem de terno e gravata ou as mulheres de
tailleurs e salto alto, como é habitual no Banco Mundial, no PNUD ou na
própria ABC, de maneira que eles usam roupas práticas, de uma elegância
simples, sem extravagâncias.
Dos 19 funcionários, foram entrevistados convencionalmente sete,
além de ter estabelecido conversas informais com todo o grupo. Dos

294 Ver www.boell.com.br


295 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p. 75.

176 Renata Curcio Valente


que trabalham no escritório, de um total de seis alemães, três estavam
em funções de comando e decisão, como direção-geral e coordenação de
programas, e mais três eram responsáveis pelo acompanhamento de pro-
jetos. Quanto aos brasileiros, 13 exerciam funções mais simples adminis-
trativas, de apoio ao escritório e de acompanhamento de projetos; havia
dois responsáveis seniores, na portaria, na secretaria e na contabilidade.
O diretor-adjunto era um brasileiro, cujas atribuições não lhe garantiam
muita autonomia decisória, mas dedicava-se fundamentalmente a repassar
à equipe as ordens da direção-geral.
A diretora-geral do escritório da GTZ, como dissemos, é uma mulher
alemã, de meia-idade, que tem uma personalidade reservada e tímida, de
pouca conversa. Trabalhava todo o tempo e mal se via quando chegava;
ficava o dia todo na maior das salas, situada em uma área reservada do es-
critório. Eventualmente, saía da sala para dar uma ordem à sua secretária,
sempre em alemão.
Sua rotina de trabalho envolvia reuniões semanais ou quinzenais com
responsáveis por programas e projetos, além de reuniões externas na Agên-
cia Brasileira de Cooperação, no Ministério de Relações Exteriores, e na
embaixada da Alemanha. Eram frequentes as viagens à Alemanha, o que
o cargo exigia, na medida em que sua atuação no Brasil dependia funda-
mentalmente de decisões políticas e orçamentárias adotadas pelo BMZ e
pela GTZ central, ambos neste país.
No que dizia respeito às relações com o pessoal que ali trabalhava,
não exercia sua autoridade de forma fácil, sendo frequentes queixas de
alguns funcionários que relatavam a forma brusca e repreensiva como ela
os tratava, sobretudo os brasileiros, que reclamavam que ela raramente
reconhecia os valores dos funcionários, mas estava sempre pronta a fazer
críticas e correções. Quando eram chamados para reuniões ou conversas
em sua sala, não era raro temerem ouvir repreensões.
A escolha da representante da direção do escritório da GTZ no Brasil
poderia ser atribuída a uma decisão política na central da GTZ na Ale-
manha, como resultado de uma distribuição de cargos na administração
pública entre partidos políticos, como nos fala um perito: “O antecessor
dela [da atual diretora] falava três, quatro idiomas, era uma presença, mas
queimaram ele também. [...] Lá também tem política, né? Tem de ver em
que partido está.”
O diretor-adjunto era um jovem brasileiro que assumiu o cargo depois
de trabalhar na contabilidade dos Projetos Demonstrativos, o PDA. Ape-
sar de ocupar um cargo de responsabilidade, como o intermediário entre

A GTZ no Brasil 177


as decisões da diretora e os funcionários, não adotava uma postura de
arrogância ou de autoridade. Assumira esta função de supervisão geral
dos funcionários e acompanhamento das tarefas realizadas, mas não tinha
uma atribuição efetivamente decisória, o que ficava para a diretora-geral.
Como possuía melhores relações com o grupo, por ser mais jovem e mais
simpático, era ele quem repassava as ordens da diretora. Além de falar
sempre em português com os funcionários, costumava fazer brincadeiras e
comentários para quebrar a formalidade.
Outra pessoa de grande importância no escritório era a gerente de pro-
grama, responsável pelo acompanhamento de todos os projetos vinculados
ao PPG-7.
Aspectos pouco revelados nas conversas mais formais com funcioná-
rios da GTZ eram abertamente mencionados e desenvolvidos por Júlia, 296
uma funcionária que estava há 10 anos na agência trabalhando na asses-
soria de projetos. Júlia era muito expansiva e muito crítica quanto aos
mecanismos de controle da GTZ sobre os seus funcionários, o que não se
intimidou em expor. Ela tinha informações confiáveis sobre as condições
trabalhistas garantidas aos funcionários do Banco Mundial, onde uma
irmã sua trabalhava. Outros funcionários da GTZ também reclamavam
dos salários recebidos, que eram relativamente baixos em comparação aos
dos funcionários de outras agências e organismos internacionais, referin-
do-se usualmente ao Banco Mundial e ao PNUD. Além disso, menciona-
vam as condições de trabalho oferecidas, como benefícios sociais e outras
vantagens, além de um plano de carreira que valorizava a permanência do
funcionário no órgão, o que não era o caso da GTZ, diziam eles.
Em conversas que tivemos, Júlia frequentemente destacava a irregulari-
dade quanto às leis trabalhistas no Brasil para contratação dos funcionários
locais pela GTZ, sem vínculo trabalhista, por meio de contratos temporá-
rios renovados continuamente. Nestes termos, os funcionários não tinham
garantidos seus direitos trabalhistas nem a possibilidade de contar tempo
de trabalho para a aposentadoria. Esta era uma grande preocupação sua,
considerando haver pessoas que trabalhavam há mais de cinco anos sem
carteira assinada e sem depósito de FGTS, como era o seu caso. Segundo

296 Júlia não tinha formação superior. Sua relação com a Alemanha veio por meio de um
casamento com um alemão, o que a levou de Fortaleza para este país onde viveu alguns anos.
Quando voltou para o Brasil, entrou em um projeto da GTZ em Fortaleza, sendo depois de
alguns anos transferida para a sede em Brasília, onde deveria passar somente três meses,
mas já estava há mais de cinco anos, atarvés de contratos temporários renovados a cada seis
meses.

178 Renata Curcio Valente


ela, muitos funcionários são contratados por projetos que, terminados,
deixam claro não haver compromisso por parte da GTZ em mantê-los em
suas funções. No entanto, havia peritos atuando no Brasil há mais de 10
anos, com seu contrato renovado de dois em dois anos, passando de um
projeto para outro, mas sempre submetidos a esta forma incerta e instável
de contratação temporária por projeto.
Um ex-funcionário deixou claro que esse tipo de contratação não era espe-
cífica dos brasileiros, mas sim um critério usual de contratação entre as “em-
presas de consultoria”, sendo que os contratos eram usualmente renovados
por anos seguidos. Explicou que a GTZ, quando autorizada pelo BMZ para
fazer um projeto, tem um setor de pessoal que faz a seleção e depois de um
treinamento, contratam por prazo determinado, geralmente dois anos, que
pode ser prolongado ou não, conforme o bom desempenho do projeto. No
entanto, não há garantias de que o trabalho continue, e, caso não renovem
o contrato, o profissional sai sem qualquer recurso da legislação trabalhista.
Segundo este informante, de acordo com a lei alemã, funcionários da GTZ
não são nem da empresa nem do governo, mas tem o status de empreiteiros
ou de prestadores de serviços.
Em função destas questões, ouvi de uma funcionária que a GTZ deve-
ria implantar uma política de pessoal nacional. Conforme informou, havia
uma determinação da GTZ central (da Alemanha) de abril de 2002 para
regularizar a contratação de pessoal em toda a GTZ no mundo até 2004,
no máximo, conforme as leis dos países onde atuasse.
Júlia informou ainda que haviam 64 funcionários na embaixada da
Alemanha e na GTZ, sendo ela a única vinculada ao Sindicato dos Tra-
balhadores das Embaixadas (Sindinações). Apesar de o diretor-adjunto da
GTZ no Brasil não “achar adequado”, esta funcionária disse ter trabalha-
do na elaboração de um documento que foi o resultado de uma discussão
promovida em um seminário em 2003 para o qual veio gente de todo o
Brasil. Esta política incluía plano de carreira, diferenças salariais, benefí-
cios, regulamentação de trabalho e avaliação de pessoal.
Este seminário realizado em 2003 destinava-se à discussão da “política
de pessoal nacional” da GTZ, no Brasil, que fosse “o mais participativa
possível”. Esta discussão, no entanto, perdeu fôlego em função dos prepa-
rativos das comemorações dos 40 anos da cooperação entre Brasil e Ale-
manha.297

297 GTZ. Política de Pessoal Nacional (PPN). Proposta da Diretoria. Documento Interno,
06/09/2005 (data de impressão), p. 1-8.

A GTZ no Brasil 179


Em setembro de 2005, recebi das mãos de uma perita alemã um docu-
mento interno sobre essa política, em elaboração desde novembro de 2002,
que defi nia que os contratos de trabalho seriam regidos pela Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT) e a contratação com carteira assinada pela
agência da GTZ em Brasília, com jornada de trabalho de 40 horas sema-
nais, com direito a férias, décimo-terceiro salário e fundo de garantia,
além de benefícios como: seguro de vida por morte, invalidez, despesas
hospitalares e um auxilio ao pagamento de plano de saúde.
Até o momento da pesquisa, em fi nal de 2005, a antiga forma de con-
tratação permaneceu em vigor, sem incorporar as novas propostas previs-
tas neste documento e não havia sido assinado nem elaborado um plano
de carreira que estimulasse o funcionário a permanecer no trabalho na
agência. Eles não enxergavam, nas condições existentes, uma oportunida-
de de ascensão dentro da GTZ. A sua estrutura no Brasil era pequena, com
poucos cargos e, portanto, poucos funcionários.
Júlia destacava ainda alguns aspectos da lógica opressora implícita
no funcionamento do escritório, o que atribuía em grande medida aos
mecanismos de segregação em função da nacionalidade. Para ela, a es-
trutura hierárquica não se estabelecia somente pelos atributos do cargo,
mas fundamentalmente por uma questão de nacionalidade. Segundo ela,
o critério para trabalhar na GTZ de Brasília não seria por qualificação
profi ssional, mas sim o de “falar alemão”. Informou ainda que havia
uma rotatividade muito grande, porque são baixos os salários e pouca a
qualificação dos profi ssionais. Mas isso não era regra. Uma funcionária
brasileira, com formação superior em economia e que tinha experiência
em empresas na Alemanha e na Áustria, lamentava pela falta de tra-
tamento adequado a profi ssionais que, como ela, tinham qualificação
superior à média. Foi trabalhar na GTZ de Brasil para atuar diretamen-
te na organização do evento de comemoração dos 40 anos. De julho a
novembro, trabalhou com empenho nas atividades relacionadas à co-
memoração, eventualmente se queixando da forma como tratavam os
funcionários ali: lamentava-se da falta de transparência nas relações de
trabalho. Mantiveram-na por praticamente um ano em sua função por
meio de contratos temporários, prometendo constantemente que iriam
assinar sua carteira.
O fato é que na GTZ, a distância entre os salários dos funcionários é
abrupta – de um lado, os alemães, diretores, coordenadores de programas,
peritos e assessores de projetos têm salários elevados, alguns pagos em eu-
ros; do outro, funcionários administrativos, brasileiros, cujos salários são

180 Renata Curcio Valente


baseados na moeda local e que, equiparados ao euro, chegavam a talvez
1 mil euros. Assim, do mais alto ao mais baixo no nível administrativo
havia uma diferença 20 vezes menor, sendo que não existem praticamente
funções intermediárias entre um e outro. Numa estrutura reduzida como
são os escritórios da GTZ, o funcionário administrativo acaba tendo co-
nhecimento a respeito destas desigualdades em termos de renda.

A categoria “alemães”
A categoria “alemães” é usada entre os funcionários do governo brasileiro
e membros de organizações não governamentais brasileiras como uma for-
ma de defi nir o “outro”, os representantes do governo ou de organizações
não governamentais alemãs, não necessariamente nativos da Alemanha.
O fato é que de modo geral nas organizações alemãs, e particularmente
na GTZ, a maioria dos funcionários é composta de alemães nativos, de
descendentes deles, ou de cônjuges de alemães, o que favorece uma gene-
ralização que explica mais um grupo profissional (relações de trabalho,
vínculos profissionais em uma organização alemã de especialistas), do que
exatamente identidades nacionais pessoais. No entanto, a cultura da or-
ganização, ou a organização como cultura, espaço de formulação e de
defi nição de representações, acaba por imprimir uma lógica de ver e repre-
sentar o mundo que é considerada alemã, o que supostamente interfere na
defi nição de identidades pessoais.
Ainda, a definição do que a categoria “alemão” representa para um gru-
po de profissionais vimos que é mais do que uma caracterização de ordem
“nacional”. O termo é acionado em vários momentos pelos diferentes atores,
seja como categoria de acusação, subentendendo-se uma crítica por parte dos
brasileiros, como também no sentido de uma superioridade “qualitativa”.
A categoria, no entanto, não garante que se trate de fato de um grupo
coeso, homogêneo. A expressão usada no contexto em que a analisamos
refere-se a profissionais que na maioria das vezes trabalham nos programas
de cooperação da GTZ, assim como de outras instituições alemãs, especia-
listas na implementação de uma política do desenvolvimento, produtores e
transmissores de conhecimento, no caso alemão chamados de “peritos”. A
respeito disso, Josiah Heyman argumenta: “for organizational culture to
be strong, there need to be concrete and efficacious mechanisms by which
workers are socialized into the organization”. 298

298 Heyman, Josiah. “The anthropology of power wielding burocracies.” In: Human orga-
nization, v. 63, n. 4, winter 2004, p. 494.

A GTZ no Brasil 181


Profissionais como esses têm frequentemente trajetórias pessoais muito
distintas, que de forma nenhuma lhes proporciona a ideia de serem parte
de um mesmo grupo. Identifiquei haver entre os chamados “peritos” uma
multiplicidade de tipos que não faz parte exatamente de uma “comunida-
de”. Em relação à formação e à motivação dos peritos, há diferentes for-
mas de expressarem o envolvimento, a paixão pelo trabalho que realizam.
Uma alemã que atuou na GTZ conhecia bem este universo, que considera
bastante heterogêneo: há os velhos, bem conservadores, e os novos, que
muitas vezes vêm do movimento político, de organização estudantil, da
militância de esquerda. Para ela, os mais novos que entram, jovens de 25,
30 anos, não têm mais a história política. Fazem estágio, são eficientes,
mas não têm ideologia. 299
Ainda assim, a ideia da identidade nacional alemã os aproxima, se
não por eles próprios, mas pelos outros, aqueles com quem lidam, que os
classificam compulsoriamente como um grupo, como uma comunidade
imaginada, “os alemães”.
Como vimos anteriormente, de todas as diferentes categorias adminis-
trativas adotadas pela GTZ para as funções da política alemã de execução
de projetos no exterior, a mais conhecida e mais usualmente adotada é a de
peritos. Outros termos são também usados, como assessores internacionais,
advisors. Outra categoria mais geral de profissionais estrangeiros envolvi-
dos com projetos internacionais de desenvolvimento é a de cooperante.
Além da GTZ, o termo perito é adotado em documentos oficiais de
órgãos diplomáticos no Brasil e em outros órgãos de governo com os quais
a GTZ desenvolve os projetos. Dependendo da relação que constroem pes-
soalmente junto aos grupos com os quais trabalham nos países estrangei-
ros, a categoria assume conotações ora pejorativas, associadas às práticas
de intervenção e autoridade, ora de mérito e alta estima.
A adaptação do profissional ao país, tanto nos meios governamentais
como na sociedade civil, foi um fator que fez com que se desenvolvessem
normas na GTZ para a sua não fi xação em um só país. No Brasil, como
já mencionamos, todos os peritos de longo prazo da GTZ são alemães,
contratados a partir de uma convocação mundial e de um processo seletivo
que se dá na sede da GTZ, em Eschborn, Alemanha.
Estes cargos são de grande responsabilidade quanto à coordenação das
atividades de um projeto, com as atribuições diferentes das dos chamados
peritos locais. Estes, subordinados aos peritos de longo prazo, assessoram

299 Entrevista concedida em 27/05/2003, na sede da Fase, no Rio de Janeiro.

182 Renata Curcio Valente


a administração dos projetos e são, em grande parte, brasileiros. A não
contratação de peritos nacionais de longo prazo, como já disse, justifica-se
pela importância do “estranhamento” com as formas de organização da
sociedade com as quais passam a trabalhar, o que poderia ocasionar maior
possibilidade de transformações estruturais do que no caso de alguém mais
adaptado à lógica local. No caso de peritos que atuam há muitos anos em
um mesmo país, há um incentivo à sua remoção para outra região, porque
o “elemento surpresa ou de estranhamento”, tão valorizado para a imple-
mentação de novas diretrizes de gestão de projetos e políticas nos países
parceiros, já não existiria mais.
Sabia desde o início que a aproximação com os atores sociais a serem
abordados nesta pesquisa não seria fácil. As maiores barreiras que encon-
trei no levantamento de campo com os alemães da burocracia da coope-
ração, em Brasília, foi à reserva ou à resistência de peritos, funcionários,
técnicos, consultores da GTZ no Brasil. Foram muitas as formas de difi-
cultar uma maior aproximação à sua vida particular pois, segundo uma
funcionária da GTZ, a privacidade é um bem sagrado na Alemanha.
Como pesquisadora, não tinha quaisquer vínculos com aquele “mundo
da cooperação” e com as instituições que pesquisava, o que me colocava
em uma posição de outsider em vários sentidos. Do ponto de vista da
“comunidade da cooperação internacional” – funcionários que trabalham
nesta área – eu também não me enquadrava: não era funcionária pública,
não era consultora de agências de cooperação internacional, não era di-
plomata, estas sendo algumas das principais formas de inserção nas políti-
cas de cooperação internacional. Era uma mera pesquisadora, ainda mais,
com vínculos distantes, no Rio de Janeiro e não na UnB, o que dificultava
minha inclusão em um grupo dos “estabelecidos”, em referência a Norbert
Elias. E, o interesse da pesquisa, associado a esta distância quanto à Ale-
manha, intrigava-os.
O objeto de minha pesquisa também gerava incômodo pelo fato de ha-
ver dois trabalhos realizados sobre a GTZ – uma tese de doutorado em an-
tropologia social pela UnB de Ludmila Lima, em 2000, e uma “avaliação
independente” encomendada pela própria GTZ na forma de uma consul-
toria ao antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, chamada “Con-
trole de Avanço de Projetos”, nos termos administrativos alemães, PFK.
No primeiro caso, Lima abordou a atuação da GTZ no projeto PPTAL,
destacando as instâncias de confl ito com os técnicos brasileiros; no outro
trabalho, de 2001, o autor adotou uma abordagem criteriosa e bastante
crítica ao projeto, que não foi publicado. O PFK é uma forma de avaliação

A GTZ no Brasil 183


adotada em determinada fase de um projeto para averiguar as condições
para a sua continuidade ou o seu encerramento. Neste sentido, as críticas
tiveram impacto negativo para justificar a continuidade do projeto.
Outro aspecto apontado pelos próprios alemães referia-se à minha fal-
ta de fluência na língua alemã, e me indagavam como pretendia fazer uma
pesquisa sobre alemães sem dominar o seu idioma. Como já apontei ante-
riormente, sabia que a língua alemã tinha uma representação fundamental
no que concerne aos procedimentos administrativos da agência, mas era,
sobretudo, o elemento de identificação de um grupo, aquele que define
os limites de uma comunidade deutschland.300 Mas ainda assim não me
foi imprescindível dominar a língua, pois o grupo com o qual lidava na
pesquisa era de alemães falantes do português, fossem aqueles que ainda
estavam no Brasil, ou os que retornaram à Alemanha. Além dos alemães
falantes do português, muitos de meus informantes eram brasileiros que
trabalhavam diretamente com os alemães, desde funcionários do escritório
central da GTZ até os dos projetos, que não eram contratados pela GTZ,
mas atuavam em órgãos governamentais e instituições não governamentais
diretamente com alemães nos projetos em que a GTZ estava presente.
Apesar de não ser indispensável para a pesquisa o domínio do alemão,
compreendi que esta condição de outsider, por não fazer parte de uma
comunidade deutschland, tinha muitos significados, sobretudo no que se
referia a uma posição hierárquica. A compreensão da língua nos distinguia
culturalmente, e neste sentido, a assimetria linguística se apresentou como
um elemento marcante.
Por mais que no plano das relações diplomáticas, do direito interna-
cional, sejam fi rmados o compromisso de horizontalidade e a simetria nos
vínculos contratuais que formalizam uma relação de cooperação entre dois
países, 301 as assimetrias culturais revivem, fortalecem-se e reinventam-se
todo o tempo nas relações pessoais entre profissionais alemães que atuam

300 A expressão “comunidade deutschland” foi usada na revista alemã Deutschland, pu-
blicada pelo Ministério de Relações Exteriores da Alemanha, para referir-se ao conjunto de
pessoas que têm nacionalidade alemã. Até 2000, a cidadania alemã baseava-se no princípio
do jus sanguinis, ou seja, da descendência, independente do nascimento em solo alemão. A
partir de então, passou a ser permitido aos fi lhos de estrangeiros nascidos na Alemanha ad-
quirirem a cidadania alemã desde o nascimento, conforme mudanças na Lei de Reforma do
Direito de Cidadania. In: Ministério Federal das Relações Exteriores. Perfi l da Alemanha.
Berlim: Media Consulta Deutschland GmbH, 2003, p. 20.
301 Refi ro-me particularmente ao acordo básico de cooperação técnica entre o governo da
República Federativa do Brasil e o governo da República Federal da Alemanha; nele, nos
primeiros parágrafos, como premissas fundamentais das relações entre os países, as bases são
defi nidas como: “relações amistosas”, “interesses comuns”, “igualdade entre os povos”.

184 Renata Curcio Valente


junto com os brasileiros diretamente nos projetos e, indiretamente, na rede
mais ampla da administração pública brasileira. E uma das formas mais
eficazes de marcar as diferenças e as hierarquias é a língua. Falar o alemão
determina não somente as distintas nacionalidades em questão, mas tam-
bém a superioridade hierárquica do outro – o doador, o civilizado, o perito
– e os limites até onde é permitido a nós – receptores, subdesenvolvidos,
ignorantes – saber ou participar de seu grupo.
Esta classificação hierárquica é percebida nas relações com os peritos
e até mesmo com os funcionários administrativos da GTZ. Falar ou não
a língua da organização de cooperação, no caso a alemã, estabelece ime-
diatamente uma linha divisória e determinante das hierarquias existentes
entre brasileiros e alemães.
Pesquisar nestas condições pouco familiares dificultou o estabeleci-
mento dos laços de confiança necessários para uma pesquisa etnográfica.
Com o objetivo de priorizar os relatos pessoais de profissionais alemães
atuando na GTZ no Brasil, sobretudo daqueles que tinham um trabalho
anterior, fosse em igrejas, fosse em organizações não governamentais nos
anos 1970, procurei superar esta dificuldade contando com a colaboração
de alguns alemães que foram fundamentais para traduzir e justificar al-
gumas posturas defensivas de seus conterrâneos. Muitos entre eles eram
funcionários de alto escalão da GTZ, ou ex-funcionários da empresa, ou
ainda, vindo de longa experiência no mundo das organizações não gover-
namentais, tiveram uma passagem rápida pela GTZ, suficiente para enten-
derem o seu funcionamento. A estes, devo muito, até mesmo o ânimo, em
alguns momentos, para continuar a pesquisa.
De um total de 53 pessoas entrevistadas formal ou informalmente, cer-
ca da metade foi de alemães falantes do português e que atuavam profis-
sionalmente nas principais instituições do BMZ: 16 funcionários, peritos
e diretores da GTZ, um diretor do KfW e um da embaixada da Alema-
nha, além de uma diretora da Fundação Heinrich Böll. Foram também
estabelecidos contatos e solicitadas informações por e-mail sobre redes de
ONGs alemãs a sete membros de redes que apoiam iniciativas na Amazô-
nia e a pesquisadores de universidades que investigam questões relativas
a impactos de grandes projetos na Amazônia. No Rio de Janeiro, entre-
vistei ainda um antropólogo alemão que veio fazer seu pós-doutorado no
PPGAS/Museu Nacional, e que conhecia muitas pessoas que trabalhavam
em ONGs e em agências do governo alemão com projetos de cooperação
da Alemanha.

A GTZ no Brasil 185


Conhecendo o grupo de peritos alemães
Os peritos da GTZ trabalham diretamente nas instituições nacionais que
executam os projetos e não no escritório da agência. Nos projetos em que a
GTZ participa no Brasil junto com órgãos de governo, em cada ministério,
secretaria ou fundação é criada uma infraestrutura de equipamentos com
condições que superam em muito as dificuldades habituais das repartições
públicas onde elas se instalam. São mesas, computadores, telefones, fax,
ploter, impressoras, armários, estantes e muitas pastas, além de pessoal
disponível – secretárias e assessores – para que sejam estabelecidos um tipo
de “escritório” da GTZ. Na maioria dos ministérios, os funcionários com-
partilham um mesmo espaço amplo, salas comuns, sendo separados por
mesas e divisórias baixas para “melhor comunicação entre a equipe”, as
chamadas “baias”. Esta arrumação segue uma tendência na lógica da ad-
ministração “moderna” em que os funcionários não têm privacidade, mas
ficam integrados, de acordo com princípios de publicidade e transparência
da “coisa pública”. A sala da GTZ, diferentemente, encontra-se normal-
mente destacada deste espaço comum, separada por divisórias, muitas ve-
zes semelhante a uma “sala do chefe”, em que fica o “perito” da GTZ com
seus secretários e assessores. Assim era no caso dos projetos do PPG-7.
Esta disposição de um “escritório à parte” varia, no entanto, de perito
para perito, tendo mais relação com a personalidade da pessoa que ocu-
pa o cargo do que propriamente com as atribuições do trabalho da GTZ
no país. Visitei alguns dos escritórios de governo em que a GTZ atua em
Brasília, e constatei que a disposição das salas ou dos gabinetes dos peritos
variava. No caso do PD/A, o “perito” alemão ocupava uma pequena sala,
separada por uma divisória baixa, como os outros membros da equipe. O
mesmo não ocorria no caso do projeto AMA (Projetos de Avaliação, Mo-
nitoramento e Análise), em que a perita se destacava do restante da equipe,
isolada em uma sala separada por divisórias até o teto, com uma placa na
porta indicando ser ali a GTZ, propriamente, sendo a funcionária a pró-
pria representação da agência.
A presença física de escritórios montados da GTZ em salas do Ministé-
rio do Meio Ambiente, no Ibama e na Funai deixava claro que a chamada
“cooperação internacional” alemã diferenciava-se de outras agências de
cooperação também presentes no programa do PPG-7. Diante de uma sala
fechada, com uma placa na porta na qual se lê “GTZ”, fica patente esta
condição diferenciada, que nos induz a pensar em uma “chefia”, ainda que
não tivesse essa atribuição; sem dúvida, era uma autoridade.

186 Renata Curcio Valente


A conquista de espaços na administração pública é uma batalha custo-
sa e delicada. Os mecanismos para cessão de salas ou de mesas ou cadei-
ras em um departamento público são complexos e exigem o domínio das
regras das instituições, o proveito de prestígio e influência ou o exercício
de poder em função da hierarquia. O acesso a salas amplas, confortáveis,
com linhas telefônicas particulares era restrito a funcionários hierarquica-
mente superiores ou que gozavam de certo prestígio ou poder na estrutura
burocrática. Em nenhum dos casos a GTZ se encaixaria, considerando-se
não fazer parte da estrutura administrativa, da burocracia em questão,
mas de outra burocracia, estrangeira, alemã.
Quanto às formas de relação da GTZ com as equipes dos projetos,
elas podem variar bastante, refletindo muitas vezes a história pessoal do
próprio funcionário alemão, o chamado “perito técnico”, o tempo de per-
manência no Brasil, seu conhecimento da cultura brasileira, entre outros
fatores que são mais de sua trajetória pessoal do que de sua função na
instituição.

Transmitindo saberes
Quando passei a pesquisar diretamente nos escritórios dos projetos em que
a GTZ estava envolvida, percebi que, para compreender como se davam
as práticas da cooperação no dia a dia dos projetos, tinha que investigar
quem eram esses funcionários alemães que tinham a especial atribuição
de portadores de saberes e conhecimentos específicos da Alemanha para
outros Estados.
Conhecidos pelo termo “perito técnico”, alguns alemães que desen-
volviam esta função não se identificam com a expressão, que tem relação
com a ideia de “especialista”. Muitos rejeitam o termo, como vemos na
declaração abaixo:

O perito é um cara... Eu não gosto disso, “perito”, “cachorrinho”. Con-


sultor, nós éramos consultores. Só que, naquele tempo, nós tínhamos
um cargo, uma denominação. Aqui no Brasil não tem ninguém que seja
Regierungsberater(in) – consultor(a) governamental. Esse consultor, em
países menos importantes que o Brasil tem mais esse tipo de consultor, na
África, por exemplo. Aqui no Brasil não. Não querem ninguém que ajude
nas decisões macro. 302

302 Informação concedida em entrevista.

A GTZ no Brasil 187


Outra funcionária da GTZ argumenta no mesmo sentido:

Não gosto do termo “perita”. Prefi ro usar o termo “assistente”, que é


como eu me sinto, prestando ajuda e não em uma defi nição que me coloca
como especialista.

A equipe do PDPI é toda muito jovem, com pouca prática de projetos.


Procuro atuar neste sentido, de ajudar a organizar projetos, dando cursos
e capacitação, na elaboração de oficinas, monitoria e administração. Para
mim, perito tem uma conotação de expert, e não é isso que busco fazer,
mas sim dar orientações. 303

O termo perito é adotado pela GTZ no sentido formal para “profis-


sionais liberais (free lancer) que trabalham para a empresa no âmbito
de um contrato de locação de trabalho ou serviços na Alemanha ou no
estrangeiro”.304 Nestes termos, a categoria encaixa-se àquele profissional
sem vínculos formais de trabalho com a GTZ, o que poderia se defi nir
como consultores eventuais.
A palavra perito tem muitas vezes no Brasil uma conotação pejorativa,
relacionada a uma figura autoritária, intervencionista, distanciada e até
mesmo hostil. São muitas as críticas que escutamos no Brasil em relação
ao trabalho de peritos alemães ou experts, o que não corresponde exata-
mente às exigências do cargo que desempenham. Há casos em que o perito
não domina o assunto do projeto em que trabalha, mas sim a atividade de
planejamento e a sua execução, além da aplicação das normas e dos pro-
cedimentos da GTZ para as quais são treinados por meio de cursos que
recebem na Alemanha e de estágios práticos que fazem em campo junto a
outros peritos mais experientes.
A partir de 2003, a ministra Heidemarie Wieczorek-Seul implantou
um processo de reformas no BMZ para melhorar o desempenho de suas
políticas, o que implicou o corte de diretorias e divisões de sua estrutura e
a promoção de maior aproximação e integração entre os trabalhos de suas
instituições executoras, forma de melhorar os resultados da política de
cooperação através da complementaridade entre eles. De acordo com o site
do ministério, as reformas vieram em função dos fracos resultados obtidos
diante dos objetivos propostos pela política de cooperação para o desen-

303 Entrevista concedida em 02/09/2005, em Manaus.


304 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p. 213.

188 Renata Curcio Valente


volvimento.305 Para um perito experiente da GTZ, atualmente aposentado,
este processo tem sido incorporado facilmente pelas agências:306

Eu acho que a GTZ, ao menos ela, está querendo cooperar com ativi-
dades do KfW e com atividades dos serviços de voluntários alemães, do
DED, tanto que, sempre que tivemos reuniões, isso foi falado. Chegaram
a fazer convênios em nível local... Esses projetos, todos, principalmente
os últimos dois, nós cooperávamos com o DED e com outras pequenas
empresas que não eram alemães não, eram locais mesmo: igrejas, asso-
ciações, amigos de certa reunião com quem nós fi zemos convênios, tra-
balhamos juntos. Porque a GTZ inicialmente não fazia muito isso não.
Não fazia cooperação com o DED, por exemplo. Até porque o DED e a
GTZ foram se aproximando mais porque dirigentes da GTZ foram ser
dirigentes do DED e vice-versa. Um dos diretores da GTZ durante muito
tempo foi diretor do DED na Alemanha. Então, isso deve ter ajudado a
aproximação.

O relato acima nos revela as formas como as interações e as conexões


entre um mesmo grupo de estrangeiros se dão no “campo da cooperação”,
não somente no plano das instituições, mas fortemente consolidada por
meio das relações entre os funcionários de cada uma dessas instituições
nos países onde atuam. Ainda que estejam em cidades distantes, como
acontece no caso do Brasil em que os escritórios das instituições se divi-
dem entre Brasília, Recife, Rio de Janeiro, Ceará, Porto Alegre e Manaus,
ou onde se localizam as bases de projetos, há um constante contato entre
esses funcionários, seja em eventos e reuniões, seja em comemorações e
festividades da embaixada da Alemanha no Brasil, ou mesmo por motivos
pessoais, quando já se conheciam da Alemanha, em função de atuarem
politicamente no “campo do desenvolvimento”. Por motivos profissionais,
é comum também que um funcionário mude de uma instituição para outra
ao fi nal de um projeto para variar sua forma de atuação em um país em
que queira permanecer.
É muito comum os profissionais alemães no campo do desenvolvimen-
to apresentarem uma trajetória que se origina em trabalhos vinculados
aos movimentos sociais organizados e alcança depois os espaços formali-
zados de uma agência de cooperação do governo. Mesmo sendo respon-

305 Ver www.bmz.de


306 Entrevista concedida em Belo Horizonte.

A GTZ no Brasil 189


sáveis por um programa da GTZ no Brasil e de representarem a agência
na articulação política para a organização de um evento de porte inter-
nacional, muitos deles ainda se identificam com uma forma de atuar, de
“defender direitos”, de fazer reivindicações e de denunciar que decorre da
formação prática adquirida, principalmente, nesses movimentos sociais. A
experiência que advém de trabalhos desenvolvidos por organizações não
governamentais em várias regiões do mundo de certa forma “especializa”
essas pessoas para o trabalho desenvolvido na GTZ, em que assumem a
posição de peritos ou de gerentes de programas. A trajetória já trilhada
pelo setor não governamental ou pela sociedade civil sustentou a formação
de um conjunto de saberes associados a uma tradição de ativismo político,
realizado por grupos organizados da sociedade civil e por grupos ligados
a igrejas, os quais atuavam em trabalhos de base com fundamentos so-
cialistas, cristãos, democráticos, de solidariedade e de defesa de direitos
humanos.
No entanto, a quantidade de regras administrativas e muitas escalas de
decisão características de uma estrutura hierárquica verticalizada geram
insatisfação entre esses profissionais oriundos de ONGs, principalmente
os mais experientes e mais velhos. Importante me pareceu um aspecto
ideológico de fi liação governamental ou não governamental, o que inco-
modava a alguns dos funcionários ou ex-funcionários da GTZ que entre-
vistei e que faziam parte do grupo que vinha da militância. Como relatou
uma cientista política que foi da GTZ: “[...] porque nossas redes dentro
desses órgãos onde trabalhamos são diferentes: tem os conservadores, tem
os progressistas, tem aqueles com passado de militância, tudo na mesma
organização”.307
Os vínculos existentes entre as instituições alemãs, governamentais e
não governamentais, não se restringem ao discurso formal do ministério,
mas é evidente mesmo nas práticas dos profissionais que implementam
estas políticas localmente, que acabam colaborando uns com os outros e
beneficiando-se mutuamente de uma maior aproximação entre seus traba-
lhos. Como argumenta um funcionário da embaixada da Alemanha em
Brasília:

Agora, eu acho que em nível regional, em nível de projetos, a gente deve


cooperar o mais abrangentemente possível, não é? Porque muitas vezes a
GTZ era vista na cooperação só como fi nanciador de algum projeto... o

307 Entrevista em 27/05/2003, na sede da Fase, no Rio de Janeiro.

190 Renata Curcio Valente


que não era certo não, não era só... Porque nesse projeto, neste último,
nós tínhamos até alguns convênios com igrejas na Alemanha; não era
Misereor, não, era menor [esqueceu]. Então, nós cooperamos muito bem
com eles, sem problema nenhum, sabe, uma cooperação sadia, troca de
experiências, planejamento, planejamento em conjunto. 308

Como mencionado acima, as atividades de apoio a movimentos políti-


cos e sociais pela democracia e as guerrilhas no Brasil e na América Latina,
que tiveram grande força nos anos 1960 e 1970, promoveram uma articu-
lação entre grupos de organizações da sociedade civil alemã e brasileira,
ora informalmente, ora formalmente, que em muitos casos se estende até
os dias de hoje. Se tais laços não se estabeleceram por meios institucionais,
eles foram construídos por estudantes, ativistas, políticos, jornalistas e ou-
tros profissionais que criaram vínculos com o país.
Esta tradição, pelo que podemos ver no Brasil, tem uma base política
de ação fundamentada no pensamento marxista e na tradição cristã. Os
vínculos entre representantes alemães (os cooperantes) de organizações no
Brasil, estruturados por meio das Comunidades Eclesiais de Base e das or-
ganizações não governamentais – em gestação ainda no período do regime
autoritário – prolongaram-se ao longo de muitos anos, criando articula-
ções políticas que viabilizaram a entrada de representantes da GTZ.
O trabalho da sociedade civil alemã no Brasil continua ativo e cer-
tamente contribuiu para ampliar as possibilidades de atuação do setor
governamental alemão. As agências internacionais de forma geral e, de
forma particular as alemãs, contavam com um quadro de funcionários ou
consultores (peritos, especialistas, ou que nome dessem) já estabelecidos
no país, com conhecimento do “campo”, ou seja, das políticas locais, das
lideranças e dos representantes políticos com os quais iam trabalhar. 309
Pude constatar isso no final de 2002 e início de 2003, quando entrei
em contato por meio eletrônico com um conjunto de profissionais alemães
atuantes em redes de ONGs na Amazônia brasileira, como Urgewald, Ka-
talyse, Klimabuendnis e Tropenwaldnetzwerk (Rede da Floresta Tropical);
pesquisadores alemães que estudam impactos de grandes projetos sobre po-
vos indígenas na Amazônia; também os das universidades, como Kassel,
Marburg, além da Universidade Livre de Berlim. Pessoalmente, entrevistei

308 Entrevista concedida em 2003, em Brasília.


309 Este é um know-how que instituições que atuam internacionalmente têm, uma capacida-
de de identificar, em pouco tempo, quais são as pessoas-chave, os “canais” pelos quais podem
navegar e fazer conexões políticas localmente, viabilizando os seus trabalhos no País.

A GTZ no Brasil 191


no Rio de Janeiro no mesmo período alguns antropólogos que trabalhavam
em ONGs nacionais, bem como o diretor da Fundação Heinrich Böll.
Verifiquei a capacidade de articulação discreta e bem enredada dos
alemães no campo ambiental no Brasil, tanto na esfera governamental
quanto na não governamental. Mantêm, além da sua discrição, até mesmo
certa invisibilidade no que se refere aos meios políticos de Brasília, em
uma construção contínua de relações ao longo de 40 anos, consolidada em
relações diplomáticas, através dos meios oficiais de “Estado” e de organi-
zações científicas, acadêmicas, institutos de pesquisa agrícola e escolas de
tecnologia. Estes estruturam-se no Brasil em bases localizadas, distantes
muitas vezes dos centros de poder, em projetos de ONGs alemãs com se-
cretarias municipais ou estaduais, ou mesmo com outras ONGs brasilei-
ras. Tal forma de inserção no campo social e ambiental consolidou hoje
no Brasil um espaço político para organizações alemãs, governamentais e
não governamentais.
Trabalhos sobre direitos indígenas à terra e questões relativas a conheci-
mentos tradicionais de populações indígenas, percebidos no exterior como
algo “tipicamente brasileiro”, são preocupações de europeus, norte-ameri-
canos, de habitantes do mundo inteiro, conectados por informações veicu-
ladas por meios eletrônicos e televisivos – Internet, TV a cabo, e-mail.
Desde os anos 1960, a mobilização em torno de denúncias sobre pro-
blemas sociais ou ambientais no Brasil e em outros países do “Terceiro
Mundo”, provenientes de brasileiros e estrangeiros, principalmente euro-
peus e norte-americanos, tem sido uma forma de ação política. O ativismo,
ao longo de décadas, de estudantes, jornalistas, cientistas políticos, soció-
logos do Brasil e da Alemanha, visando às relações de apoio a movimen-
tos políticos e sociais por meio de instituições religiosas, criou vínculos,
estabeleceu relações profissionais e pessoais entre alemães e o Brasil, que
até mesmo se formalizaram profissionalmente em arranjos, programas e
convênios institucionais através das agências de cooperação para o de-
senvolvimento. Uma perita alemã da GTZ que entrevistei concorda com
a ideia de que “a experiência nas ONGs pode ser considerada um estágio
para se trabalhar com a GTZ na cooperação técnica, porque quando se
é jovem, o trabalho nas ONGs se direciona para atividades no exterior,
como voluntários, o que de certa forma se dá quando você trabalha na
cooperação técnica”.310

310 Claudia Herlt, em entrevista na GTZ, em 12/09/2003, Brasília.

192 Renata Curcio Valente


Alguns desses contatos estendem-se até hoje, em relações mais “profis-
sionais”, através da institucionalidade das agências de cooperação para o
desenvolvimento. Muitos dos antigos ativistas políticos e participantes de
organizações não governamentais de apoio a movimentos sociais na Amé-
rica Latina e no Brasil, desde a área de direitos humanos até trabalhadores
rurais e assentamentos, povos indígenas e outros, assumiram posições im-
portantes na GTZ. Não necessariamente permaneceram lá, mas estiveram
em postos de decisão em momentos importantes da atuação da GTZ em
projetos no Brasil.
O que defi nimos acima como vínculos entre brasileiros e alemães, que
se deram na forma de arranjos e convênios institucionais, podem ser mais
especificamente tratados por redes sociais, uma estratégia importante de
mobilização política desde os anos 1960, particularmente em regimes au-
toritários. A sua repercussão no exterior dava legitimidade a “lutas” polí-
ticas por democracia, direitos humanos, civis, culturais e econômicos no
chamado “Terceiro Mundo”.
A ideia de redes sociais me parece adequada para pensar este contexto
em que as relações entre alemães e brasileiros se articularam em torno de
uma “ação política” de defesa dos direitos e da democracia, o que poste-
riormente iria desencadear programas e projetos orientados para o desen-
volvimento social no Brasil.
As diferentes abordagens sobre o conceito de “rede” foram ampla e
claramente exploradas por Ana Enne. Segundo Enne, rede é um tipo de
configuração social que é fluida, não necessariamente de contato direto en-
tre seus membros, como ocorre entre “grupos” sociais ou agrupamentos.
Argumenta que nas redes, as relações se dão através de conexões entre os
agentes, de forma interpessoal, marcados por um fluxo de informações,
bens e serviços que irão resultar em processos de interação cujas fronteiras
não são estáticas, mas encontram-se em permanente construção e descons-
trução. 311
Em seu estudo, Enne trabalha com as categorias de redes e sub-redes
para descrever o sistema de fluxos e interações entre agentes e agências
que lidam com memória e história da Baixada Fluminense, para o que
analisa as contribuições de alguns dos autores que exploraram a defi nição
do conceito.
Para Epstein, uma rede é feita de pares de pessoas que interagem uma
com a outra em termos de categorias sociais e que se consideram pratica-

311 Enne, Ana Lucia Silva, op. cit., p. 151.

A GTZ no Brasil 193


mente iguais socialmente, ignorando pequenas diferenças de status social
entre eles.312
Carl Landé313 analisa o conceito de rede partindo de seu par original,
o qual chama de “díade”, unidade da rede. Defi ne díades como a menor
estrutura possível de uma relação, envolvendo alguma forma de interação
entre dois indivíduos somente. Uma rede social seria composta por uma sé-
rie de relações diádicas, ou seja, seria formada “por todas aquelas pessoas
que estão ligadas umas às outras direta ou indiretamente”. Redes sociais
têm sido defi nidas como matrizes de relações sociais ou como campos so-
ciais feitos de relações entre pessoas. Incluem todos os indivíduos que se
encontram em um dado campo e que estão direta ou indiretamente em
contato uns com os outros. Isto significa que inclui todos os indivíduos que
estão conectados diretamente com ao menos outro membro da rede.
Clyde Mitchell314 aprofunda a conceituação e propõe uma série de cri-
térios formais e outros relativos à interação em si. Ao sugerir a utilização
do conceito de rede para o estudo de sociedades complexas e urbanas,
Mitchell vai apontar a existência de dois tipos de redes: uma envolvendo a
troca de bens e serviços; a outra englobando a troca de informações, sendo
esta segunda um processo de comunicação. Também Epstein vai adotar
esta ideia em seus estudos urbanos, pensando a rede como um sistema de
trocas de informações capaz de gerar padrões normativos para as condutas
dos grupos e, consequentemente, padrões de identificação.
É neste sentido, de troca de bens e serviços e de troca de informações,
que o conceito de rede deve ser pensado para analisar as relações entre in-
divíduos que se envolvem nas chamadas atividades (de cooperação) para o
desenvolvimento, o que implica o seu deslocamento para as mais variadas
partes do mundo movidos por ideais de solidariedade e mudança social.
As redes de ONGs têm um papel fundamental na articulação da
sociedade civil local e no diálogo com organismos internacionais. Essa
articulação expressa não somente uma intensa comunicação e troca de
informações entre as instituições e as pessoas que participam das ONGs,
mas também são formas locais de lidar e negociar diante de processos

312 Epstein, A. L. “Gossip, norms and social network”, op. cit.; Enne, Ana Lucia Silva, op.
cit., p. 147.
313 Landé, Carl. “Introduction: the dyadic basis of clientelism.” In: Schmidt, Steffen et al.
(ed.). Friends, follower ,and factions. A reader in political clientelism. Berkeley: University
of California Press, 1977, p. xxxiii; Enne, Ana Lucia Silva, op. cit., p. 141.
314 Mitchell, J. Clyde. “The concept and use of social networks.” In: (Ed.). Social net-
works in urban situations. Manchester: Manchester University Press, 1969, p. 12.

194 Renata Curcio Valente


decisórios que envolvem organismos multilaterais ou bilaterais. Há redes
que são formadas a partir de determinados temas específicos como direitos
humanos, meio ambiente e povos indígenas, em que o vínculo se dá em
função do conhecimento de um campo de saber que articula politicamente
seus membros. Outras redes podem se defi nir a partir de uma maneira de
atuação orientada para determinada região geográfica, conectando pes-
soas que trabalham a partir de uma lógica territorial, em redes relaciona-
das à Amazônia ou ao Nordeste, por exemplo. Não são raras, no entanto,
aquelas que apresentam ambos os aspectos.
Consideramos o argumento de que o trabalho de ativistas e voluntários
de movimentos políticos alemães e brasileiros na década de 1970 foi uma
etapa importante na consolidação de uma rede entre brasileiros e alemães,
o que é apontado nesta declaração de uma perita alemã da GTZ:

Trabalhei, antes de entrar na GTZ, na vice-presidência de uma rede de


ONGs alemãs por seis anos e por isso conheço muita gente aqui no Brasil.
Conheci nesse tempo o Thomas Fatheuer (na época perito do PDA, pela
GTZ) e o Dietmar Weinz (então diretor do Banco KfW), quando éramos
ligados a movimentos sociais.

As redes são um eixo de análise fundamental para compreendermos


como foram estabelecidas as conexões dos alemães em algumas áreas de
conhecimento e de ativismo social no Brasil, o que contribui para o desen-
volvimento e o sucesso dos projetos. E ainda, a investigação sobre as traje-
tórias particulares daqueles que compõem estas redes, a partir das experi-
ências pessoais, revelou certos aspectos que são compartilhados entre si.
De um universo mais amplo de alemães que entrevistei, destaquei um
pequeno grupo, entre funcionários ativos da GTZ e ex-funcionários, cujas
trajetórias pessoais sinalizaram para a existência de alguns marcos em
comum. Não esperava caracterizar um perfil típico do “profissional da
cooperação alemã”, apresentando uma amostra de um “tipo ideal”. Dife-
rentemente, busquei refletir sobre as experiências no mundo da cooperação
alemã, a partir das falas de alguns indivíduos, procurando identificar as
motivações que os tornam esses elementos especiais, portadores de um
conhecimento específico. O que os motivou a se colocarem na condição de
“exilados” de suas terras de origem, para se envolverem com uma “mis-
são”, uma responsabilidade, que necessita de um envolvimento ideológico
e político, que é também o principal elemento que os conecta nas redes
locais.

A GTZ no Brasil 195


Trajetórias pessoais
A seguir, tratarei de quatro casos de peritos que trabalharam na GTZ no
Brasil, pertencentes a duas gerações distintas: de um lado, peritos na faixa
dos 70 anos, com formação em áreas agronômica e biológica; de outro, pe-
ritos em torno de 40-50 anos, de formação na área de humanas, em ciência
política e sociologia, experiências que são muito ilustrativas da variedade
de pessoas envolvidas e dos aspectos em comum entre eles, revelando, des-
ta perspectiva, como é o trabalho da GTZ no Brasil.

1. Albert L. – das bases para altas cúpulas e de volta para as bases


Albert L. é uma referência para muitos profissionais na GTZ, em função
de sua longa experiência na GTZ, e também por ser um profissional exem-
plar no campo da cooperação. Logo ao entrar em contato, por meio tele-
fônico, ele foi receptivo e não criou dificuldades em conceder a entrevista.
Ele é um senhor alemão oriundo da Baviera, sul da Alemanha, casado com
uma alemã oriental e com três fi lhos também alemães, dos quais somente a
fi lha vive no país de origem. Quando o entrevistei, em início de 2007, tinha
65 anos. Albert L. mora no Brasil desde 1969 e não parece ter interesse
em voltar a viver na Alemanha. Lá se formou em engenharia agrícola e
engenharia agronômica, e tem mestrado em agricultura. Ficou por mais de
trinta anos na GTZ, de 1969 e 2004, trabalhando em todo o Brasil, além
de prestar consultorias no exterior para várias organizações, como Banco
Mundial, ICCA, KfW e empresas particulares. Reside atualmente em Belo
Horizonte (MG), onde vive com recursos de sua aposentadoria.
Em seu relato pessoal, prioriza o fato de ser uma pessoa cujo trabalho é
orientado sobretudo pela sua experiência prática de campo, e não por ideo-
logias. Enfatiza a formação técnica que teve na área agrícola. Trabalhou
no Brasil, durante o período autoritário, diretamente com os militares na
política para a agricultura, mas em nenhum momento isto foi apresentado
como um problema, ao contrário, cita alguns dos quais é amigo pessoal.

Naquele tempo, o Hans K. até disse pra mim naquela exposição dos 40
anos: “Albert L., nós não podíamos usar fotografia de vocês porque você
sempre aparece com os militares.” Daquele tempo eu não posso reclamar
de nada. Por exemplo, no programa que nós fizemos, a cada ano nós tra-
zíamos o melhor governador, o melhor secretário o melhor produtor de
cada Estado, as melhores cooperativas, convidávamos para Brasília e o
Presidente da época recebia essas pessoas no Palácio, almoçava com eles.
Hoje não sei se... um assessor de política, talvez, convidaria gente pobre,

196 Renata Curcio Valente


pequeno produtor do interior do Piauí. Então, foi uma época muito pro-
dutiva. O A. C. é um político muito sério, foi governador de Minas Gerais
e é meu amigo, ele é fantástico. O fi lho dele eu encontro nos sábados,
igual ao pai.

Em sua fala, notamos que Albert L. tem uma postura política con-
servadora, diferentemente de alguns de seus “colegas” da GTZ, que se
posicionam claramente com uma orientação de esquerda. Ele representa
uma geração mais antiga, que tinha uma linha de atuação estritamente
“técnica”, ou seja, centrada nas práticas, nos mecanismos, nas metodolo-
gias, e menos nas ideologias, atuando com o mesmo compromisso e dedi-
cação junto a militares no poder e junto a pequenas comunidades rurais
no interior do País. Valoriza, sobretudo, as relações que estabeleceu com
as pessoas com as quais se envolveu no trabalho.
É uma pessoa simpática e acolhedora. Recebeu-me na rodoviária e se-
guimos para a sua confortável casa, decorada em um estilo colonial minei-
ro, com muitos passarinhos e objetos de decoração do artesanato regional.
Preparou ele mesmo um jantar com carne de porco, e bebeu muita cerveja,
sem se alterar. A entrevista transcorreu em tom muito agradável, sendo ele
muito direto em sua narrativa.
Colocou uma música tradicional alemã e falou sobre seus hobbies de-
pois de aposentado pela GTZ da Alemanha: começou a aprender a tocar
viola caipira por conta própria e a trabalhar em entalhes e pequenas es-
culturas de madeira e couro, o que aprendeu na Alemanha. Gosta de fazer
particularmente os santos, entre eles vários São Franciscos. Diz ter fascínio
pela arte popular e falou longamente sobre o que aprendeu com o povo
em sua vida profissional, e a importância que dá à “sabedoria popular”.
Falar sobre isso parecia ser uma forma de legitimar sua própria relação
com o trabalho que fazia, ligado diretamente às comunidades de pequenos
produtores rurais. Revelava não só o prazer que tinha em seu trabalho,
mas também o compromisso ético, o que se refletiu no sucesso dos proje-
tos e, sobretudo, no reconhecimento local. Para ele, o que o sustentou foi
o reconhecimento local, um reconhecimento tanto das comunidades com
as quais trabalhou, quanto aquele que foi formalizado em condecorações
oficiais a ele dadas por vários estados do Brasil, como afi rmou: “Eu sou
cidadão honorário do Estado de Minas Gerais como primeiro estrangeiro,
sou cidadão honorário de Santa Catarina como primeiro estrangeiro; aqui,
em Minas Gerais, sou cidadão honorário de mais de 20 cidades.”
A trajetória de Albert L. na área de cooperação técnica internacional
começou praticamente junto com a criação do ministério de cooperação, o

A GTZ no Brasil 197


BMZ, na Alemanha, na década de 1960. Neste período em que ele come-
çou, o trabalho de perito se baseava na transmissão de técnicas, métodos,
metodologias, para o qual eram contratados profissionais de formação em
áreas técnicas específicas. Atualmente, segundo ele, são valorizados profis-
sionais de formação humanista, como sociólogos, pedagogos, jornalistas,
teólogos, entre outros, o que para ele reflete uma perda da qualidade do
trabalho da GTZ.
Sua experiência profissional no exterior começou no Paraguai, onde
trabalhou por dois anos para um diplomata alemão no noroeste deste país
(1963-64), abrindo a primeira hazienda. Em fi ns de 1964, comprou uma
chácara no Paraná, na qual havia uma área de mata virgem, onde traba-
lhou, como disse, “igual a um colono”, criando porcos. Havia pedido um
empréstimo do Banco do Brasil para fazer uma suinocultura mas, com o
primeiro surto de peste suína no Brasil, todos os seus porcos morreram.
Dessa maneira, bastante endividado, aceitou de novo um emprego, entre
1965 e 1969, em uma empresa (M. J. Philip) que estava no sudeste do
Paraná fazendo 35.000ha de “projetos de colonização”. Foi responsável
pelo mapeamento e planejamento de duas cidades. Em 1969 voltou para
a Alemanha para trabalhar em um projeto de consultoria internacional a
respeito de algodão em Gana, mas antes de embarcar interessou-se mais
por um cargo a ele oferecido por uma pessoa do Ministério da Agricultura
da Alemanha para trabalhar em consultoria técnica em Minas Gerais. 315
Segundo ele, naquele tempo, quem contratava era a GAWI, empresa ante-
cessora da GTZ. Esta foi a porta de entrada nos quadros da cooperação
técnica alemã.
No Brasil, fez homefarmer research (pesquisa sobre agricultura fami-
liar) em Minas Gerais, de 1969 até 1974. Entre 1974 e 1977, foi consultor
da Secretaria de Agricultura de Minas, na qual foi criado o programa
Provárzeas-MG, que visava à utilização de 1,5 milhão de hectares de vár-
zeas para produção agrícola.
De 1978 a 1986, trabalhou com o então ministro Paulinelli, que foi
secretário da agricultura de Minas. Quando foi chamado pelo presidente
Ernesto Geisel para Brasília para ser o secretário da agricultura, Paulinelli
levou Albert L. para lá, onde foi criado um outro projeto de assessoria ao
ministro da agricultura.

315 Segundo ele, quem comandava a cooperação era um departamento deste Ministério de
Agricultura.

198 Renata Curcio Valente


Depois se seguiu o Delfi m Netto, que foi um ministro-chefe, um supermi-
nistro de E. Geisel e Figueiredo. Era ainda governo militar. Eu trabalhei
com Delfi m Netto, para quem escrevi muitas palestras. Cada um queria
que eu ficasse; eu fiquei com meu gabinete lá, ficava no 8o andar, ao lado
do ministro. Sempre fiquei sem que eu pedisse para ficar, eles é que me
pediam. E a gente conseguia fazer muita coisa.

Foi considerado, segundo ele, nos anos 1975-1980 o maior entendido


em arroz da América Latina. Viajava para todos os centros de pesquisa do
mundo, foi consultor em assuntos de várzeas em toda a América Latina.
Depois de 1986, quando terminou a assessoria da GTZ ao projeto Provár-
zea, trabalhou como consultor independente no Projeto Jari, de Daniel K.
Ludwig, em propriedades rurais na Amazônia, entre 1987 e 1990, onde
fez o levantamento de todas as várzeas do estuário do Rio Amazonas junto
com centros de pesquisa da Embrapa e do Cepatur, em Belém. Em 1990 foi
chamado para um projeto de profissionalização de agricultores de Santa
Catarina, onde ficou até 1996. Dali, ocupou o cargo de consultor do KfW
no projeto Proteção da Mata Atlântica de São Paulo.
Ele tinha um status especial entre os peritos da GTZ: era um dos pou-
cos técnicos que tinha contrato sem prazo para terminar. Em todas as
regiões onde a GTZ atua no mundo, há somente cerca de cem técnicos
com este contrato, o “fi lé mignon” da GTZ, como disse, destinado àqueles
profissionais mais versáteis, mais competentes e experientes, que eles usam
para diferentes funções. Explica: “Você se compromete a trabalhar na
GTZ até se aposentar. Então, dentro deste contrato, você pega os outros
contratos de dois, três, quatro anos, mas nunca fica desempregado.”
Entre 1998 e 2002, assumiu a coordenação do ProRenda Rural, proje-
tado para durar 12 anos, mas que foi subitamente interrompido ao atingir
os quatro anos. Ficou por mais dois anos assessorando, mas aposentou-se
precocemente em 2004 em função de sérios desentendimentos que teve
com seu supervisor. Lamentou muito o contexto que marcou sua saída,
como se toda a sua trajetória de vida profissional para a qual tanto se de-
dicou tivesse perdido o rumo em uma nova e distinta GTZ. Diz:

Eu tive assim, no fi nal na minha vida profissional, dificuldades, porque


em todas as reuniões da GTZ, eu estava sozinho com as minhas ideias.
Quando eu falava com meus colegas, fora do ambiente de trabalho, todo
mundo estava de acordo, mas quando eu colocava minhas ideias no plená-
rio, ninguém me apoiava. Eles tinham medo, sabe, aquele medo de perder
o emprego. Eu falava: “Vocês são medrosos! Por que vocês não lutam

A GTZ no Brasil 199


junto comigo?”. E depois um monte de coisas. Eu trabalhei muito para
a transferência de recursos, para ajudar, para dar engrenagem às coisas.
E aqui, no fi nal, eu fiquei assim como se fosse um bobão. Eu mostrava
os prós e os contras. Eu lutava sozinho. Eu trabalhava com os agriculto-
res aqui... então, uma das atividades era artesanato. Cada vez que tinha
reunião em Brasília, eu levava a van cheia de artesanato, expus lá, levei
agricultores. O pessoal falou: Olha o Albert L., está querendo ganhar di-
nheiro com venda de artesanato. Coisa triste, não é? Sabe de uma coisa?
Eu falei: “Não, vocês não me merecem mais. Eu não fico mais aqui!”. Eu
podia estar trabalhando até hoje, mas eu não encontrei mais ressonância.
E todo mundo estava me procurando: “Albert L., o que você acha?”, por-
que eu tinha mais experiência. Todo mundo pegava conselhos meus.

Albert L. saiu muito ressentido da GTZ em 2004, depois de trabalhar,


entre idas e vindas, durante 35 anos em projetos da GTZ no Brasil. Disse
sempre ter se dedicado à empresa, lutando para que ela tivesse uma ima-
gem positiva. O que fez foi “ajudar a GTZ, ajudar a cooperação alemã
porque eu acho uma coisa fantástica”, o que parece ter ocasionado muitos
problemas, gerando inveja entre os funcionários. Diziam que ele queria
subir, projetar-se. “Se pensam assim, eu não posso fazer nada. Vou ganhar
meu dinheiro assim mesmo. Eu tenho contrato com a GTZ.” Depois de se
aposentar, ele teria tido muitos planos, como escrever um livro, mas parece
se satisfazer com seus prazeres artísticos e familiares.
Depois de uma vida dedicada ao trabalho na GTZ, Albert L. se apo-
sentou pela GTZ sem ter, pela instituição, o mesmo reconhecimento que
teve das comunidades com as quais trabalhou no Brasil.

2. Marisa M.: a cientista brasileira que se tornou perita


Marisa M. é uma “paulistana de 500 anos”, como diz, uma referência a
uma das mais sólidas e reconhecidas tradições de famílias no Brasil. Filha
de um pianista e concertista que se chama Wagner, seu nome deriva de
uma das óperas do compositor alemão de mesmo nome do pai. Disse ser
germanófi la desde criança.
Sua formação é na área de biologia, com doutorado em bioquímica,
tendo sempre trabalhado como pesquisadora. Está aposentada desde 1989.
Não aparenta os 70 anos que tem; é muito ativa, falante e guarda na me-
mória nomes ou situações vividas. Como aposentada, depois de tantos
anos trabalhando com as metodologias de planejamento adotadas pela
GTZ, particularmente o Zopp, abriu em 1998 uma empresa de consultoria

200 Renata Curcio Valente


na área de planejamento, que promove oficinas, monitoria e dá cursos de
capacitação, atividade que acabou se tornando sua especialidade. Assim,
reproduz para empresas no Brasil a metodologia que aprendeu e a lógica
administrativa à qual se converteu. Afirmou sempre ter tido boas relações
com os alemães e os prefere aos americanos em projetos de pesquisa com
agências estrangeiras. Sua experiência na GTZ começou em 1975, tendo
sido a única brasileira que exerceu ali a função de perita. Segundo ela:

nunca teve perito no Brasil que não fosse alemão. Tem os coordenadores,
tem os peritos adjuntos, mas perito, perito mesmo que assinasse e rece-
besse dinheiro, só alemão. Eu recebia dinheiro no meu nome. Eu fui caso
único, acho que na Alemanha toda, eu não conheço ninguém mais.

Sua entrada na GTZ foi o resultado do reconhecimento do seu traba-


lho de pesquisa, um trabalho que já havia sido premiado e para o qual não
teve qualquer apoio externo. Em função de indicações de outros pesquisa-
dores, representantes da GTZ foram ao seu encontro. Ela não acreditou na
oportunidade que se apresentava. Como disse:

Não fui eu que descobri a GTZ, foi a GTZ que me descobriu. Depois
que a GTZ foi criada, como um órgão governamental, se você olhar daí
pra frente, exatamente em 1975, eu estava um dia no meu laboratório e
entra a diretora da minha divisão, a dra. Vitória Rosseti, com um amigo
dela que era alemão e que morava na Nicarágua. Eles com mais um ale-
mão e uma alemãzinha, aliás uma mocinha bem alta, e ela me disse que
eles queriam conversar e me perguntou se eu poderia atendê-los. Eu era
a chefe da sessão. E eles começaram a fazer perguntas sobre a ferrugem,
que era uma doença muito séria do café; é ainda, mas já está controlada.
Isso foi logo no começo do ano. Foi em 1974, em fevereiro. Em 1975 foi
a segunda vez. E tem uma passagem engraçada, eles diziam: “O que você
precisa?”. Eu dizia: “Preciso disso.” E eles: “Então põe no papel.” A esta
altura já estava uma conta assim de US$ 600 mil. Naquela época, nós
estávamos à míngua. Nós não tínhamos dinheiro pra comprar nem um
sal qualquer de laboratório e o cara vem me falar de US$ 600 mil... Eles
saíram e nós achamos muito engraçado, rimos muito e eu esqueci o caso.
Não levei a sério mesmo. Imagina, não sei quem é a GTZ, nunca ouvi
falar nisso, vem oferecer milhões! Quando foi no fi nal do ano, um colega
meu foi fazer um curso de microscopia eletrônica na Alemanha e em maio
de 1975 ele voltou e disse pra mim: “Marisa, eles estão esperando que
você mande um projeto.” Eu falei: “Como? Projeto, que projeto?”. “Você

A GTZ no Brasil 201


ficou de mandar um projeto e eles estão aguardando.” Eu falei: “Mas
era verdade?”. Essas coisas, bem de brasileiro. Ai meu Deus, que pateta.
Eu disse: “Eu vou fazer.” Então, reuni uma equipe; nós já tínhamos um
projeto, porque nós já vínhamos trabalhando na ferrugem do café desde
que ela surgiu. E aí, nós estávamos em um ponto, com um trabalho im-
portantíssimo em andamento, um trabalho que foi premiado, quer dizer,
a gente não começou do zero, já tinha alguma coisa, só colocamos em
ordem e eu apresentei” (grifos meus).

Seu relato indica uma série de aspectos do funcionamento de uma das


dinâmicas da cooperação internacional. Neste caso, o apoio à pesquisa
surgiu a partir de um interesse econômico internacional da Alemanha, em
sua posição como importadora mundial de café, ao considerar os impactos
econômicos que o aumento de seus preços teriam para a economia alemã.
Não foi uma atividade que teve como intuito a capacitação de um labo-
ratório para que o Brasil tivesse melhores resultados científicos, mas estes
resultados já tinham sido alcançados e, por isso, o laboratório teve o apoio
do projeto. O assunto da pesquisa era desconhecido para a Alemanha e
não havia nenhum funcionário da GTZ que pudesse acompanhar a super-
visão do projeto. Assim, na prática, Marisa M. assumiu a função de perita
da GTZ no projeto, como também a de responsável pela parte técnica,
enquanto coordenadora de um laboratório de pesquisa junto à Secretaria
de Agricultura de São Paulo, que investigava uma praga comumente co-
nhecida por “ferrugem do café”.
Estes eram papéis contraditórios, porque como perita tinha que super-
visionar ela própria, que acumulava a função de pesquisadora. Supervi-
sionava a prestação de contas e o planejamento das atividades ao mesmo
tempo em que coordenava a equipe em função de critérios científicos. Sua
situação de contrato, no entanto, era um pouco diferente daquele oficial
de perito. Como era funcionária pública, não podia assinar um contrato
normal, então recebia como se fosse uma bolsa, um valor inferior ao que se
pagava a um perito alemão. Para que recebesse como perita, teria de deixar
o seu emprego, o que não fez na época.
No entanto, não se transformou em perita automaticamente, somente
por supervisionar um projeto. Para exercer sua função de “perita”, teve de
receber treinamento na Alemanha. A gestão de projetos, como informou,
segue um manual enorme, repleto de normas para prestação de contas e
para todo o processo de administração, o que considerava ser uma gran-
de vantagem diante da “desordem” dos projetos no Brasil naquela época.
Para ela, as normas eram uma importante referência para se ter êxito nos

202 Renata Curcio Valente


resultados. Não havia sido criada a ABC e não havia normas nem procedi-
mentos para planejamento e controle na execução de projetos no Brasil.

Olha, trabalhar com a Alemanha, com outra língua, com outro jeito de
fazer a parte fi nanceira, tudo, prestação de conta, tudo, foi mais fácil para
mim do que com os brasileiros. Primeiro, porque eles têm esse livrão aqui,
que é o “Organizacionhandsbuch” para o pessoal de fora do País. Então,
a coisa era desse jeito, aqui a gente tinha todas as regras, pra tudo. Se você
quiser saber como é que faz qualquer coisa, as explicações, os modelos,
estão todos aqui dentro. Então, não é como aqui, isso era um problema
terrível no Brasil, porque, por exemplo, um dia você tinha que mandar pra
não sei quem da sessão, pro diretor; no dia seguinte, tinha que passar em
outro lugar, era por telefone, não valia mais, as normas eram uma loucura.
Lá, não! Isso aqui eram os pedidos, não tinha problema nenhum. Eu tra-
balhava melhor com a Alemanha, com menos problemas do que no Brasil.
Quando a gente fazia a prestação de contas, era um livro. Imagina, naque-
le tempo não tinha computador, tudo era feito à mão... não dava nem pra
fazer na máquina, porque era um livro descomunalmente grande.

Seus elogios se estendem também para as metodologias adotadas pela


GTZ. Para Marisa M., o “Zopp foi a melhor coisa que a GTZ trouxe para
o Brasil”. Quando se refere ao Zopp, significa todo um processo de con-
versão a um conjunto de procedimentos e metodologias de planejamento
da GTZ que são implementados com ele.

Era uma coisa tão boa, o Zopp, mudou tanto a minha vida e a vida do
meu pessoal, de outras pessoas, que eu achei que aquilo devia ser passado
para outras pessoas. Aí, eu montei inicialmente um curso interno no insti-
tuto e convidei o Hans K., um amor de pessoa. Eu organizei todo o curso
e ele foi dar o curso no Instituto Biológico. Foi em 1989, foi o primeiro
curso de Zopp no Brasil. Primeiro mesmo. Foi o Hans que deu o curso.

Sua adesão a essas metodologias não foi facilmente aceita nos locais
onde trabalhou no Brasil. Segundo ela, sempre foi muito criticada pelos
brasileiros, que reagem à adoção de normas e procedimentos de monito-
ramento e avaliação de projetos. A monitoria é uma das atribuições dos
peritos e um aspecto a que a GTZ dedica particular atenção, sendo uma
exigência contratual dos projetos de cooperação técnica. Há dois níveis de
se implementar a monitoria: o nível do que está planejado (POA) e efetiva-
mente o que foi executado; e o nível dos resultados do projeto, a partir dos

A GTZ no Brasil 203


objetivos. Ela explica que o documento que permite fazer esta leitura ca-
sada é a matriz lógica (Logframe ou Logical Framework Approach), que é
um instrumento para elaboração, monitoramento e avaliação de projetos.
Também conhecido por Planejamento de Projetos Orientado para Objeti-
vos, tem sido largamente usado por organismos internacionais. De acordo
com documento elaborado pela empresa de consultoria de Marisa M., as
tarefas da monitoria compreendem: estabelecer padrões de desempenho e/
ou execução das ações planejadas e implementadas; projetar e operar um
sistema de informações do ocorrido no período (documentação); medir o
desempenho atual em relação aos padrões defi nidos nos planos anteriores
e verificar, nas datas previstas de monitoria, o grau de realização das ações
do projeto a fi m de identificar desvios entre o planejado e o realizado.316
Para Marisa M., é um ponto de difícil assimilação nas instituições pú-
blicas brasileiras em geral e ela diz ser muito criticada como quem faz
propaganda da GTZ. Para ela, a monitoria no Brasil não funciona, apesar
das pessoas em cursos oferecidos admirarem a metodologia. Ela atribui ao
fato de que os brasileiros consideram a monitoria uma coisa policialesca e
por isso, sonegam informação. Não se entende a monitoria como alguma
coisa para corrigir erros futuros, desvios ou coisas que já estão acontecen-
do que podem chegar lá na frente e te inviabilizar um projeto, mas como
vigilância. Ela diz que tem muita gente que tem ódio aos alemães porque
eles estão fiscalizando. E diz: “Gente, fiscalizar é uma coisa, monitorar é
outra. A função da monitoria é outra.”
Antes de qualquer um, o moderador deve estar convencido da im-
portância dessas normas e dos procedimentos de planejamento a serem
adotados, mas este reconhecimento é resultado de uma longa “formação
pedagógica”, a partir de cursos e treinamentos, como um processo de con-
versão. Uma vez aceita esta lógica, é possível, então, reproduzi-la.
Marisa M. revela sua conversão, contando sua história. Ela fez for-
mação na Alemanha como gestora de projetos. Após o curso, voltava a
Alemanha todos os anos, para passar dois meses, visitar universidades,
recebia convites para dar conferências, trazia o pessoal de lá para dar
conferências aqui, além de mandar o pessoal de seu laboratório para fazer
capacitação em pesquisa e para cursos de formação.
Com a consolidação do trabalho da GTZ no Brasil, com o desenvol-
vimento de seus projetos em várias regiões do País, este processo de trei-

316 Apresentação de painel de monitoria em encontro do AMA/PPG-7, de Juliana Sellani,


baseado em Moraes e D’Alessandro, 1999. Unidade IV, p. 29-30.

204 Renata Curcio Valente


namento estabeleceu-se como uma prática adotada pelos próprios fun-
cionários da GTZ, os peritos mais experientes, que passavam por meio
de “oficinas de capacitação” as metodologias a serem implementadas nos
órgãos nacionais pelos funcionários “treinados” ou “capacitados”. Os pro-
jetos são instrumentos pelos quais a “formação” enquanto função peda-
gógica se concretiza na prática junto aos profissionais “locais”, ou seja, os
órgãos com os quais os alemães trabalham. Através desse processo, com
oficinas e cursos, são selecionados aqueles com melhores condições de ade-
quação e que são mais “aptos”, no sentido administrativo, para repassar
essa mesma metodologia e toda uma cultura administrativa; são defi nidos
como os “multiplicadores”.
Marisa é da mesma geração de Albert L. e o considera muito em termos
profissionais. Diz que ele treinou o pessoal de sua equipe em planejamento
e que ela fez todos os planos de gestão e as oficinas para o projeto dele du-
rante 14 meses, depois dos quais ele seguiu para Minas Gerais. Ele treinou
em planejamento todos os gerentes da Emater de Minas Gerais. A partir
de então, foram selecionados os melhores para fazer a parte de monitoria e
plano operacional, além de um pequeno grupo, bastante seleto, para fazer
a moderação, para serem os multiplicadores. Com isso, se tem uma outra
qualidade de trabalho, porque o pessoal está capacitado para gestão.
A experiência de Marisa M. é muito elucidativa quanto ao significado
de um processo de conversão, um exemplo de formação bem-sucedida pro-
movida pela GTZ. Ela tem admiração pelos métodos alemães e pela cul-
tura alemã e tornou-se uma difusora no Brasil dessas práticas. Mudou de
área de trabalho, sendo prioridade hoje sua atuação na área de consultoria
em empresas, palestras e cursos de treinamento, atendendo ainda a várias
organizações alemãs.
Marisa M. faz uma avaliação do trabalho dos peritos, dos atributos
que são valorizados em sua atuação, atribuindo às características pessoais
na construção de uma relação de confiança e de admiração pelo grupo
com o qual se trabalha a razão do sucesso de um projeto. Estes atributos
pessoais não são fi xos, mas mudam com o passar dos anos e refletem as
mudanças nas próprias concepções de cooperação.

[...] você tem as relações com os peritos, com o beneficiário e isso pra mim
é mais importante, do meu ponto de vista, do que a relação institucional.
Porque a relação institucional tem ainda a GTZ no meio e qualquer coisa,
eles se entendem por lá. Agora, a relação do perito com a comunidade,
com o beneficiário, é fundamental e é isso que o Albert L. faz divinamente
bem, que poucos realmente conseguem fazer. É você trazer e conseguir

A GTZ no Brasil 205


fazer uma coisa participativa, criando, vindo da base, criando alguma
coisa consistente. 317

Ela comenta também sobre a atuação dos peritos alemães no estrangei-


ro e o respeito às culturas locais:

Então, como eu trabalhei junto dos alemães, na Alemanha, com eles, den-
tro da GTZ, [...] nas reuniões nossas lá, com outros peritos de outros
lugares do mundo, havia sempre a recomendação de que se respeitasse
a cultura local: ”não se imponha, você não está lá para aparecer!”. Isto
era uma coisa que era repassada. E você vê, a maioria dos peritos (é claro
que de vez em quando tem um que escapa, como em qualquer lugar do
mundo), é muito discreta quanto a este ponto (grifos meus).

Estes dois peritos, Albert L. e Marisa M., têm muitos aspectos em


comum. Eles iniciaram o desenvolvimento de projetos da GTZ no Brasil,
estabelecendo suas bases. Representam uma geração que se dedicou sem
críticas ao trabalho na GTZ. Foram pessoas que prioritariamente tiveram
formação em áreas de ciências exatas e adotaram uma atitude pragmática.
Repassaram nos trabalhos desenvolvidos as metodologias aprendidas na
GTZ, acreditando que estavam fazendo o melhor. Dedicaram toda a vida
à GTZ e foi através dela que se constituíram profissionalmente.
No que se refere aos dois outros peritos que selecionamos, suas tra-
jetórias já são diferentes, vêm de outra formação, em ciências sociais e
ciências políticas. Atuaram durante anos em organizações não governa-
mentais na Alemanha e em movimentos sociais nesse país e no exterior,
sempre na defesa de direitos políticos e direitos humanos; também em
movimentos de proteção ao meio ambiente e na mobilização de pobres e
excluídos, valorizando o trabalho que fazem em função de ideais e valores
éticos e morais.

3. Martha S.
Martha S. é uma alemã de presença forte: é alta e também fala alto, é
bastante expansiva, alegre. Fomos apresentadas por uma antropóloga e
pesquisadora da Fase, sua amiga pessoal. Conversamos na sede da pró-
pria Fase no Rio de Janeiro, tomando um café no último andar, onde há
uma cozinha e um refeitório. Tinha vindo ao Brasil para continuar uma

317 Entrevista concedida em São Paulo, em 22/01/2007.

206 Renata Curcio Valente


pesquisa que estava fazendo na fronteira entre o Estado do Amazonas e a
Colômbia, sobre narcotráfico. Disse que estava com saudades da Amazô-
nia, especialmente da cerveja Cerpa. 318
Martha é formada em ciência política e trabalha como professora uni-
versitária e pesquisadora da Universidade Livre de Berlim. Há anos vem
trabalhando no Brasil, particularmente na Amazônia, estando atualmente
vinculada ao Museu Emilio Goeldi como pesquisadora convidada.
Antes de trabalhar no Brasil, Martha S. atuou entre os anos 1970 e
1980 no apoio a guerrilhas em movimentos políticos contra a ditadura
militar na Guatemala e em outros países da América Latina.

Eu comecei a militar em 1978, com a guerrilha da Nicarágua e Guate-


mala. Eu vim desse movimento anti-imperialista de apoio à guerrilha da
América Central. Nós tínhamos uma visão totalmente anti-imperialista
da cooperação, alguns mais, outros menos.[...] Foi a guerra do Vietnã, de-
pois o golpe militar no Chile, depois a Escola de Frankfurt que misturou
tudo com o movimento anti-imperialista, [esta foi] a minha geração.319

Em sua trajetória profissional, revela que não tem compromisso com


as instituições, mas com as causas, com os ideais. Nunca se prendeu aos
cargos que conquistou, pois para ela o trabalho em instituições burocrá-
ticas acaba levando ao conformismo, à acomodação, em função de bons
salários, de conforto e de vantagens que elas concedem aos funcionários,
mas isto faz com que se perca o foco do trabalho da cooperação. Ela acre-
dita que as exigências burocráticas, a excessiva quantidade de normas e
diretrizes institucionais a cumprir acabam reduzindo a capacidade crítica
do profissional, gerando uma acomodação.
No entanto, reconhece que a vinculação a uma agência de cooperação,
como a GTZ, seja um caminho muito comum entre aqueles que estão
envolvidos com atividades de apoio aos países do “Terceiro Mundo”. Em
suas palavras:

Depois de militar na vida estudantil, tem de se viver de alguma coisa.


Então, se já trabalhou muito com o Terceiro Mundo, vai se profissiona-

318 Em alguns momentos, nota-se nas falas de profi ssionais que trabalham na área da coope-
ração que, além do idealismo e do trabalho político, esta é uma atividade que seduz também
porque envolve os prazeres dos viajantes, das descobertas típicas dos lugares, um pouco do
turismo. A Cerpa é uma cerveja paraense, de produção restrita, que praticamente não se
encontra nos grandes centros.
319 Entrevista em 27/05/2003, na sede da Fase, no Rio de Janeiro.

A GTZ no Brasil 207


lizando. Minha geração no KfW, BMZ, GTZ, todo mundo tinha esse
passado; na nossa turma, mais ou menos com modificações, havia alguns
mais radicais, outros menos. Eu vim desse movimento anti-imperialista
de apoio à guerrilha da América Central. Nós tínhamos uma visão total-
mente anti-imperialista da cooperação, alguns mais, outros menos.

O que este depoimento nos revela é que atuar no mundo da cooperação


é uma profissão na Alemanha. No entanto, articula redes de militância
política de esquerda. Segundo ela, muitos dos profissionais que passaram
a ocupar funções de diretoria e chefia em organizações “da cooperação”
alemã (KfW, GTZ e DED) tinham estabelecido algum contato entre si na
Alemanha e, de alguma forma, haviam mantido comunicação com deter-
minadas pessoas no Brasil.

Foi coincidência reunir estas pessoas. Fomos descobrindo pouco a pouco


que tínhamos muita coisa em comum. Tinha o Christoph Hauss, que hoje
em dia é do BMZ e trabalha no programa da embaixada em Moçambi-
que, o Dietmar Wenz, do KfW, o Gregor Wolf, que agora é do Banco
Mundial, o Harald Losak, que era o coordenador do PPG-7 no Brasil, o
Thomas Fatheuer, era todo o pessoal. Nós nunca tínhamos divergência
política. Nós só brigávamos sobre como fazer. Sobre as fi nalidades, não
tinha briga. Isso é raro. Foi muita sorte. Tem um pouco a ver com o mo-
vimento anti-imperialista. A gente não quer trabalhar com outro país de
forma imperialista, mas de igual para igual. Essas ideias de cooperação,
muita coisa vem do “movimento”. Aquela coisa toda do movimento de
1968, antiautoritarismo, a ideia de democracia de base, vem do “movi-
mento”. E isso aqui, o movimento no Brasil, muita coisa vem da teologia
da libertação. Então isso casou bem. As pessoas, nós conhecemos das
ONGs, muitas vezes do governo também, até mesmo gente da ABC que
tem um passado desse. [...]

Por ter uma trajetória no campo da cooperação para o desenvolvimen-


to marcada pelo trabalho em várias instituições, mas sempre envolvida de
alguma forma em atividades de proteção da Floresta Amazônica e nos mo-
vimentos sociais e políticos de seus habitantes, Martha S. tem uma expe-
riência enorme das especificidades deste campo e conhece muita gente que
faz parte de redes no Brasil e na Alemanha, redes estas que se encontram e
que se apoiam mutuamente em termos de recursos e de informações.
Considerando o argumento de que o trabalho de ativistas e voluntários
de movimentos políticos alemães e brasileiros na década de 1970 foi uma

208 Renata Curcio Valente


etapa importante na consolidação de uma rede entre brasileiros e alemães,
a mesma alemã entrevistada complementa:

Você tem de ver que nas instituições dos doadores todo mundo que traba-
lhava lá, não todo mundo, mas 80% que trabalhavam na GTZ, no KfW,
no BMZ, eram do movimento. Todo mundo militava, todo mundo tinha
votado sempre no Partido Verde, todo mundo era da esquerda.

Em outra passagem complementa, argumentando mais especificamente


sobre o projeto PPTAL:

Eu acho que é um sucesso das redes que se encontraram, das redes da


esquerda da Alemanha com as redes apoiando do lado brasileiro e princi-
palmente os próprios índios.

Nos anos 1990, Martha S. entrou para coordenar o programa do PPG-


7 na GTZ logo no início de suas negociações. Trabalhou por alguns anos
no período inicial de negociação de alguns projetos, como o PPTAL, e
quando achou que estava na hora, largou uma função importante na estru-
tura da agência no Brasil e abriu mão de um alto salário, para voltar para
a área acadêmica e de pesquisa, além de continuar atuando nas redes não
governamentais, por ter uma visão crítica em relação a política governa-
mental de cooperação para o desenvolvimento e às motivações que expli-
cam o envolvimento de alguns peritos neste campo, como argumenta:

Eu conheço muita gente que está lá por causa de um bom emprego. Mas
tem também muita gente que está convencida de que tem de fazer alguma
coisa para mudar a m... de distribuição de renda. Com essas ideias de de-
senvolvimento que temos... eu não tenho muita esperança de que dê para
fazer muita coisa. 320

4. Paul F.
Conheci Paul F. na sede do Ministério do Meio Ambiente, onde ficava,
em 2003, o escritório do projeto PDA. Ele trabalhava em uma pequena
salinha, sem qualquer luxo ou regalia, em meio às dos outros funcioná-
rios. Ao nos apresentarmos, me fez sentar em frente à sua mesa, bastante
bagunçada com papéis espalhados desordenadamente, a respeito da qual

320 Entrevista em 27/05/2003, na sede da Fase, no Rio de Janeiro.

A GTZ no Brasil 209


faz o seguinte comentário: “não liga pra bagunça não, já estou ficando um
pouco abrasileirado”, em uma referência, ao mesmo tempo crítica, mas de
admiração, em relação ao jeito relaxado que supõe ser o dos brasileiros. O
comentário revelava a visão a respeito de si mesmo como a de um alemão
que admirava o Brasil e a cultura brasileira. Paul vivia há muitos anos no
Brasil, com o compromisso pessoal de trabalho com populações tradicio-
nais e com pequenos produtores da região amazônica. Afora sua experiên-
cia profissional, era casado com uma paraense e tinha um filho brasileiro,
o que fortalecia seus vínculos pessoais com o Brasil.
Paul F. é de uma geração mais nova que a de Albert L. e Marisa M.
Nascido em 1953, teve uma formação acadêmica na área de ciências so-
ciais e fi lologia, tendo feito doutorado em sociologia na Universidade de
Münster, onde também cursou graduação, entre 1988 e 1992. Logo após
a conclusão do doutorado, em 1987, trabalhou como assistente na área de
publicações do Centro de Pesquisa e Documentação sobre América Latina
(FDCL), em Berlim. Já tinha, naquela época, contato com um grupo de
pessoas, professores universitários e ativistas de organizações não gover-
namentais, que pensavam e escreviam sobre condições sociais e políticas
dos países da América Latina, entre as quais citou Clarita Muller-Planten-
berg, professora de sociologia da Universidade de Kassel, onde coordenava
um centro de documentação sobre América Latina, particularmente sobre
grandes projetos e povos da Amazônia e relações de cooperação entre Eu-
ropa e América Latina.
Clarita leciona sobre o assunto, além de ter uma participação intensa
em movimentos sociais e ambientais em vários países da América Latina,
como parte da delegação da EZE, uma das instituições eclesiásticas que
desenvolve projetos em países em desenvolvimento. Por meio desta cone-
xão, Paul estabeleceu contatos com muitas ONGs no Brasil, como CIMI,
Ibase e Cedi, já mencionadas anteriormente. Em 1992, Paul entrou para o
DED, o Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social junto à Fase no
Rio de Janeiro, na área de meio ambiente e políticas públicas. Em 1995,
ainda na Fase, deslocou-se para trabalhar em Belém, onde ficou até 1999
como coordenador do DED. A partir de sua longa experiência em movi-
mentos sociais na Amazônia, Paul F. foi então contratado para atuar como
perito de longo prazo da GTZ no subprograma PD/A (1999-2003). Voltou
ao Rio de Janeiro em 2003 para assumir a direção da Fundação Heinrich
Böll.
Em toda a sua trajetória de trabalho, Paul F. já completou quinze anos
consecutivos em diferentes instituições alemãs envolvidas na política de

210 Renata Curcio Valente


cooperação alemã para o desenvolvimento no Brasil. Sua história, ainda
que pontuada de diferenças em relação à Martha S., tem traços em co-
mum, particularmente no que se refere à formação em ciências sociais e à
adesão à ideologia de esquerda. Seus trabalhos nos projetos de cooperação
se orientam por ideais e práticas de defesa dos direitos de populações tradi-
cionais e da proteção ao meio ambiente, mais especificamente da Amazô-
nia. Além disso, ambos têm fortes vínculos com o meio acadêmico, tendo
vasta experiência como pesquisadores e professores universitários, além de
terem passagens por trabalhos relacionados às igrejas e instituições eclesi-
ásticas.
Procuramos destacar neste capítulo que os próprios peritos fazem uma
avaliação, em suas trajetórias pessoais, dos atributos que são valorizados
em sua atuação. Estes atributos pessoais não são fi xos, mas mudam com
o passar dos anos e refletem as mudanças nas próprias concepções de
cooperação. As histórias pessoais contam um pouco da história da GTZ,
em aspectos que vão das relações dos trabalhadores com a organização,
insatisfações, expectativas, frustrações e realizações pessoais que foram
permitidas pela experiência de trabalho na organização.

A GTZ no Brasil 211


Capítulo 6

Tecendo parcerias em um projeto para os povos indígenas:


o PPTAL
Na abordagem das diferentes trajetórias de alguns peritos, no capítulo an-
terior, pudemos ver que alguns elementos da lógica da cooperação para o
desenvolvimento só se tornam visíveis por meio da análise das práticas em
seus projetos. Assim, o propósito deste capítulo é analisar as dinâmicas
sociais que promoveram a inclusão de um projeto desenvolvido pelo gover-
no brasileiro, com a cooperação técnica da GTZ, o Projeto Integrado de
Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal, o PPTAL,
no escopo do programa PPG-7 e na lógica administrativa da Funai. Anali-
saremos o projeto PPTAL como uma outra situação etnográfica, um lugar
privilegiado de observação das dinâmicas de articulação entre redes locais
e internacionais para implementação de mudanças na administração pú-
blica.
Buscamos, para isso, fazer um recorte histórico do momento inicial do
PPTAL a partir de seus documentos e de entrevistas com pessoas que ocu-
param posições de decisão na administração pública e em organizações
não governamentais, apontando para grupos e pessoas dentro da adminis-
tração pública e fora dela articuladas em redes ligadas a questões ambien-
tais e indígenas que participaram dessas negociações.
A exposição minuciosa do processo de entrada dos “alemães” na Funai
por meio do projeto PPTAL visa, primeiramente apontar alguns dos aspec-
tos da operacionalidade da cooperação – como ela se processa na prática,
de forma a questionar afi rmações usuais de que a cooperação técnica in-
ternacional, implique na perda de soberania brasileira sobre a Amazônia,
ou de que suas ações promovam a “salvação do clima”. Entendemos que
resulta de uma articulação global-local, em que os interesses externos são
percebidos e reconfigurados no local como parte dos interesses daqueles
que aí estão.

212 Renata Curcio Valente


O KfW e os índios brasileiros, Brasília, 2002
Em Brasília, mapeando as várias instituições alemãs que atuavam junto ao
PPTAL, verifiquei que não poderia me ater somente à pesquisa na GTZ,
que era a agência responsável pela cooperação técnica. Nada poderia ser
feito, muitos na própria GTZ me alertaram, sem o apoio fi nanceiro do
Banco KfW, principal instituição fi nanceira de suporte ao projeto.
O Banco KfW, como já dissemos, é o banco alemão de crédito para
reconstrução, que fi nancia programas e projetos “de desenvolvimento”
dentro e fora da Alemanha, sendo um dos maiores bancos da Europa e a
maior instituição fi nanceira que participa dos projetos do Programa Piloto
para as Florestas Tropicais do Brasil, o PPG-7, como representante do go-
verno alemão no repasse de recursos fi nanceiros de doação.321
Entrei pela primeira vez no escritório do KfW no Brasil para entre-
vistar o seu diretor, Dietmar Wenz, depois de ser bastante insistente para
conseguir uma hora em sua agenda. Estava um pouco nervosa, porque
não sabia o que me aguardava. Tinha conhecimento de que o KfW era um
dos maiores bancos europeus e o banco de desenvolvimento do governo
alemão, e que foi a principal instituição fi nanceira que apoiou o PPG-7,
contribuindo com praticamente a metade do total dos recursos. Estas in-
formações davam à autoridade fi nanceira à minha frente um certo peso, no
entanto, encontrava ali um ambiente bastante simples, sem formalidades
ou cerimônias, sem qualquer “bloqueio à entrada”, usuais nos escritórios
de organismos internacionais. O estabelecimento do escritório do KfW no
Brasil tem relação com o volume de recursos que o programa PPG-7 dispôs
por parte do banco alemão, sendo posterior a 1995.
Fui recebida na porta do escritório por uma secretária alemã, de meia-
idade, que me pediu que aguardasse, quando pude olhar os folders e os
panfletos que colocam à disposição no hall de entrada. Ao ser chamada,
observei que, por onde passava, todas as paredes das salas do KfW estavam
decoradas com fotografias de índios emolduradas em quadros. Reconheci
aquelas como sendo as fotos que ilustravam o livro publicado pela GTZ,
juntamente com a Funai, sobre o projeto PPTAL; elas haviam se transfor-
mado em um verdadeiro mural de exposição nas instalações do banco.
As fotografias buscavam retratar uma imagem de povos “selvagens”,
homens e mulheres de todas as idades e etnias, nus, pintados, mascarados,

321 O KfW tem muitos projetos de fi nanciamento lucrativos, além de fazer doações. No
próprio PPG-7, há os projetos “bilaterais associados”, assim chamados porque, apesar de não
fazerem parte das doações destinadas ao conjunto de projetos do PPG-7, mesmo sendo proje-
tos de fi nanciamento, têm os mesmos objetivos considerados por parte do governo alemão.

A GTZ no Brasil 213


enfeitados com colares, penas, dançando descalços em suas aldeias, em
suas terras. As fotografias transmitiam uma aura de inocência, situados
em algum lugar distante e paradisíaco, em um tempo outro, fora do nosso
tempo, sem quaisquer ameaças, sem laços com o mundo ocidental.
Senti um estranhamento diante do contraste das várias fotos, em gran-
des quadros, de índias e indiozinhos nus bem atrás daquele senhor que
me concedia, tão formalmente, uma entrevista para falar sobre os rumos
fi nanceiros do banco alemão no Brasil. Mas aquelas fotografias de índios
expostos no escritório de um banco de desenvolvimento alemão tinham
um propósito de afi rmação institucional. Escolhidas entre muitas outras
imagens das ações do KfW no Brasil, aquelas fotos pareciam expressar a
mensagem dos objetivos do banco em sua política de cooperação para o
desenvolvimento.
Tais representações dispostas na decoração dos escritórios de agências
internacionais de cooperação são mais comuns do que se pode imaginar, e
fazem parte da sua identidade e legitimidade. Elas se sustentam institucio-
nalmente a partir da exibição de situações de carência e pobreza.
Assim, a imagem passada de representação da marca do KfW no Brasil
era de um banco ousado, criativo, inovador, “socialmente responsável”,
que atuava em causas sociais, particularmente as de “grupos tradicionais”.
Aquela representação trazia a mensagem subliminar de que a atuação do
KfW, que contribuía para manter a vida daqueles indígenas tão dignamen-
te apresentados, nutridos e enfeitados, como supostamente vivem em suas
aldeias, contribuía para o processo de demarcação das terras indígenas,
garantindo a preservação da Floresta Amazônica.322

O PPTAL para os alemães


Entre os projetos vinculados ao programa do PPG-7, o PPTAL era consi-
derado um dos mais bem-sucedidos pelos alemães. Segundo o diretor do
KfW, eles fi zeram um relatório de avaliação, que apresentava uma lista
de cerca de 50 terras indígenas a serem demarcadas com 30 milhões de
marcos. O recurso disponível garantiu a demarcação destas e sobrou para
fazer muito mais do que o projeto inicial previa, ainda mais consideran-
do que havia terras indígenas onde a questão política não era fácil, áreas
imensas, muito grandes e com interesses adversos, que são contra uma

322 As fotos expostas nas paredes do escritório do KfW fazem parte do acervo de fotografias
do PPTAL, as mesmas da publicação Demarcando terras indígenas, organizada pelas técnicas
da GTZ Márcia Gramkow e Carola Kasburg, em 1999 e 2001.

214 Renata Curcio Valente


demarcação. Para ele, o fato de conseguir fazer isso razoavelmente dentro
do prazo e com metade do dinheiro foi avaliado como algo muito positivo.
E acrescentou que há outros projetos no PPG-7 que não estão conseguindo
fazer isso com a mesma clareza que o PPTAL.
Apesar de somente ter iniciado as atividades com povos indígenas no
Brasil em 1996, com o PPTAL, este não foi o primeiro projeto com popu-
lações indígenas em que a GTZ se envolveu na América Latina. De acordo
com publicação do BMZ, a inclusão das populações indígenas em projetos
e programas da cooperação alemã para o desenvolvimento não constitui
um campo de ação completamente novo.323 Desde os anos 1970, havia
alguns casos de projetos de cooperação fi nanceira e técnica com popu-
lações indígenas da América Latina, principalmente nos países andinos,
como Bolívia, Peru e Equador. No entanto, a grande maioria dos projetos
concentra-se nos anos 1990: dos 45 projetos destacados nesta publica-
ção, entre cooperação técnica e fi nanceira, somente quatro começaram nos
anos 1970, passando para nove na década de 1980, chegando a 32 projetos
somente na primeira metade da década de 1990 (mais precisamente, até
1996, data de publicação do documento), marcando uma virada sensível
nas tendências apresentadas. É importante assinalar que outras agências
ligadas ao BMZ, além da GTZ e do KfW, também recebem recursos or-
çamentários para implementar projetos com populações indígenas, como
o DED, o CIM e o DSE, além das instituições religiosas, que são as mais
antigas atuando nesta área, com projetos com povos indígenas na América
Latina desde os anos 1960.324
Os projetos orientavam-se principalmente para as áreas de desenvolvi-
mento rural, o chamado desarrollo campesino, com atividades agrícolas e
de irrigação para a produção de alimentos. Muitos também eram os pro-
jetos para educação diferenciada, entre eles, educação básica, bilíngue ou
indígena. Neste último caso, o projeto mais antigo foi implementado no
Peru, ainda em 1970.
No caso do projeto para populações indígenas no Brasil, o aspecto
absolutamente inovador para a GTZ era o enfoque territorial. Não ha-
via, ao longo de sua história qualquer experiência em projetos envolvendo
demarcação de terras indígenas. Como Marisa M. apontou a respeito do
trabalho premiado que desenvolvia com seu grupo de pesquisa, também

323 BMZ. “Concepto relativo a la cooperación para el desarrollo con poblaciones indígenas
en America Latina.” BMZ Actuell, 073, novembro de 1996, p. 2.
324 Id., ibid., p. 16-18.

A GTZ no Brasil 215


no caso das terras indígenas, muitos no Brasil tinham vasta experiência
acumulada sobre o assunto, o que poderia ser absorvido pela GTZ a partir
de seu envolvimento no projeto.
Outras hipóteses podem ser aventadas no que concerne à aproximação
de alemães com populações indígenas, de que nos fala uma ex-funcionária
da GTZ. Seu argumento era da influência do romantismo na cultura alemã
e de como a questão indígena se encaixa no ideário romântico. Segundo ela,
Karl May, o escritor de Winetton, romances de sucesso entre as crianças
e adolescentes, que depois viraram filmes, nunca saiu da Alemanha, mas
escrevia sobre índios norte-americanos. Ele difundiu a ideia do índio como
o bom selvagem, portador dos valores bons, em oposição aos brancos. Para
ela, o fato de haver uma maioria de pessoas no Parlamento da Alemanha
que adora índios, que é a favor de índios sem mesmo saber exatamente o
que é, resulta da relação com a ideia passada por Karl May, através dos
filmes e romances de Winetton, de que todos assistem nas férias e no Na-
tal. O romantismo é uma expressão popular presente na sua literatura, e
a idealização do indígena como um personagem do bem, faz sentido neste
contexto, ainda que sua realidade seja na prática desconhecida.
Podemos aventar outras hipóteses, como a tradição dos trabalhos de
caridade e solidariedade desenvolvidos historicamente pelas igrejas. As
igrejas e as instituições eclesiásticas alemãs têm atuado nas questões relati-
vas aos povos indígenas desde os anos 1960, no quadro das “intervenções
para o desenvolvimento”, paralelamente ao trabalho das agências oficiais
de desenvolvimento. Nos anos 1970 e 1980, a cooperação governamental
foi iniciada, mas não havia um atendimento direto as demandas dos povos
indígenas, sendo incorporadas a outras políticas sociais por meio de be-
nefícios indiretos. Essas agências, entre elas Brot für die Welt e Misereor,
atuavam como fi nanciadoras de ONGs e da Igreja, mas não alcançavam
as populações indígenas nas aldeias. A partir dos anos 1990, no entanto,
as populações indígenas passaram a ser consideradas um “grupo especial
distinto” pelo BMZ, o que significa que ganharam atenção particular.
Até 1996, o BMZ não havia formulado uma defi nição clara sobre a
forma de trabalhar com povos indígenas, quando então buscou cobrir esta
lacuna e desenvolveu uma base conceitual para este trabalho, particular-
mente no caso da região da América Latina. A proposta desta formulação
viria promover uma mudança de orientação conceitual importante, com
“o abandono de concepções paternalistas e integracionistas” e de desen-
volvimento induzido de “fora para dentro” para a concepção de desenvol-
vimento “desde dentro”, baseada em direitos. Se antes adotavam catego-

216 Renata Curcio Valente


rias de pobres e carentes, subdesenvolvidos e excluídos para se referirem
às populações indígenas, passaram depois a situar a questão indígena no
conjunto de outros grupos, como o dos afro-descendentes, que viveram
processos de colonização e sofreram privação de direitos, ressaltando a im-
portância de compensações em relação a uma dívida histórica com povos
e culturas diferentes.325 Esta ideia, no entanto, não é incompatível com a
hipótese de que as agências de cooperação se apropriam de conhecimentos
a respeito de temas específicos ao desenvolverem seus projetos, o que lhes
garante maior competitividade em relação a outras agências neste mundo
“do desenvolvimento”. Um exemplo é o trabalho com terras e populações
indígenas da GTZ no Brasil. Esta experiência deu à GTZ uma larga expe-
riência em relação às questões indígenas.
Esta nova abordagem seria marcada pela assinatura da Convenção 169
da OIT, de 1989, que é citada no documento do BMZ como uma referên-
cia para orientar suas próprias defi nições em projetos para povos indíge-
nas segundo novos enfoques conceituais, destacando-se aí uma abordagem
não assimilacionista em relação aos povos indígenas. Este é um processo
que caminha com o reconhecimento de movimentos indígenas organiza-
dos, de autoafi rmação dos representantes indígenas na América Latina e
da noção de que estes são sujeitos de seu próprio desenvolvimento, capazes
de elaborarem um conceito próprio de desenvolvimento, uma proposta que
se afi na à defi nição de etnodesenvolvimento ou autodesenvolvimento.326
A GTZ promoveu entre os dias 28 e 30 de abril de 2002, no Panamá,
uma reunião na qual estiveram presentes representantes indígenas e não
indígenas, entre eles, membros da equipe brasileira do PPTAL e do PDPI.
A ideia da reunião foi a de elaborar recomendações para inovar as formas
de atuação da GTZ em projetos de cooperação técnica alemã com po-
vos indígenas da América Latina, que eram fundamentalmente orientados
para populações camponesas, sem muita atenção aos aspectos étnicos e
culturais específicos desses povos.
No Panamá, reuniram-se 38 representantes de organizações indígenas,
instituições estatais e internacionais, membros da GTZ que trabalham em
Bolívia, Peru, Brasil, Chile, Costa Rica, Guatemala Equador, Nicarágua e
Panamá, representando 19 programas e projetos na América Latina onde a
cooperação com povos indígenas se destaca. Do Brasil estiveram presentes
nessa reunião em Boquete (Panamá), Slowacki de Assis, funcionário da Fu-

325 BMZ, op. cit., p. 3.


326 BMZ, op. cit., p. 8-9.

A GTZ no Brasil 217


nai, como representante do PPTAL, e Gérsen Luciano Baniwa, liderança
indígena e representante do PDPI, que apresentaram documentos sobre os
respectivos projetos.
Todo o debate teve também por princípio a contribuição para a discus-
são do “Conceito Relativo à Cooperação para Povos Indígenas na Amé-
rica Latina”, do BMZ. A GTZ elaborou recomendações para melhorar
as propostas de atuação em projetos com os povos indígenas da América
Latina, documento este que ficou conhecido como “Recomendaciones de
Boquete”. Entre as 13 recomendações, destacam-se as proposta de aumen-
tar os recursos fi nanceiros para a cooperação com povos indígenas, e de
fortalecer a capacidade técnica para tratar e coordenar assuntos indígenas
dentro da GTZ.327
Além dos aspectos de pobreza intensamente ressaltados para caracte-
rizar a situação dos povos indígenas, destacaram-se entre os objetivos da
cooperação para as populações indígenas também a questão dos direitos
humanos, da participação democrática em processos decisórios e da ges-
tão ambiental. A cooperação é vista como uma oportunidade de levar a
cabo mudanças sustentáveis em favor de populações indígenas nos países
parceiros. Assim, a cooperação se defi ne como “esforços em assessorar
as populações indígenas na articulação, formulação e implementação de
seus direitos legítimos”, em que o destaque à participação é fundamental
na garantia dos seus direitos e na defesa de suas demandas em “processos
decisórios de bem-estar social”. 328
Os projetos que apoiam as comunidades indígenas são baseados em
autoajuda, desenvolvimento rural, proteção da floresta tropical, educação
primária e saúde. O que diferenciaria, no enfoque das agências alemãs,
as relações dos grupos indígenas com os Estados Nacionais no proces-
so de construção/elaboração de diretrizes para o desenvolvimento seria a
importância de um tratamento baseado na “multietnicidade” e na “inter-
culturalidade” e o respeito aos valores, à cosmovisão, ou seja, conceitos
(culturalmente) específicos dos povos indígenas. 329
No caso brasileiro, estas questões foram discutidas com maior intensi-
dade no PPTAL, o primeiro caso de um projeto da GTZ com demarcação
de terras indígenas. O PPTAL tornou-se um laboratório exemplar para as
experiências de atuação da GTZ neste assunto, pela diversidade cultural

327 GTZ. Recomendaciones de Boquete, abril de 2002, p. 2.


328 BMZ, op. cit., p. 5-6.
329 GTZ, Recomendaciones de Boquete, op. cit., p. 1.

218 Renata Curcio Valente


dos povos indígenas localizados na Amazônia brasileira e pela extensão
territorial, um desafio sem precedentes, que se assumia amparado, obvia-
mente na experiência do órgão indigenista brasileiro, a Funai, para o de
melhor e pior que ela pudesse oferecer. A execução de um projeto como o
PPTAL abriu um leque de oportunidades e experiências novas assumidas
por peritos e técnicos alemães e criou um acervo de documentos e rela-
tórios, estudos e estatísticas na GTZ, que garantem a esta organização
um acúmulo de conhecimento absolutamente novo e um campo aberto de
atuação.
A pesquisa foi realizada a partir de fontes impressas, documentos
obtidos em arquivos de órgãos de governo (Funai, Agência Brasileira de
Cooperação e Ministério de Relações Exteriores), de ONGs e de acervos
pessoais, além de entrevistas com um grupo heterogêneo e diversificado de
pessoas, o que se associou à observação etnográfica do projeto. Lembran-
do que o projeto foi um dos meios pelos quais abordei a atuação da GTZ
no Brasil, tratei primeiramente de contextualizar os antecedentes históri-
cos que subsidiaram a discussão sobre terras indígenas no Brasil. Procurei,
em seguida, apontar as linhas ou os elos que compuseram as redes sociais
que articulou servidores públicos brasileiros, membros de ONGs e funcio-
nários da GTZ, muitos entre eles antropólogos, e viabilizou este tipo de
configuração, defi nida por cooperação técnica, na administração pública
brasileira. Por fi m, chegamos ao desenvolvimento da análise documental
das práticas e dos procedimentos efetivamente colocados em execução pela
GTZ no projeto, relatando o processo de entrada e de administração co-
tidiana da GTZ nos procedimentos referentes à regularização das terras
indígenas no Brasil.

Antecedentes históricos
Como argumenta Lisansky, a inclusão de um projeto para povos indígenas
no Brasil, como o PPTAL, em um programa de cooperação internacional,
o PPG-7, previsto para ser um modelo internacional, de forma nenhuma
foi bem-aceita no contexto de sua elaboração.330 O que atualmente pode

330 LISANKY, J. “Fostering Change for Brazilian Indigenous People during the Past Decade:
The Pilot Program’s Indigenous Lands Project (PPTAL)”. In: Hall, Anthony (Ed.). Global
Impact, Local Action: New Environmental Policy in Latin America. London: Institute for
the Study of the Americas: University of London, 2005, p. 4. Lisanski, como disse, era a
“task manager” do Banco Mundial, ou seja, uma espécie de “perita” ou gerente de projeto
do Banco Mundial no PPTAL.

A GTZ no Brasil 219


parecer bastante plausível resultou de um longo processo de negociação
desde os anos 1980.
Até meados dos anos 1980, a discussão sobre povos indígenas no Bra-
sil era vista, em larga medida, como um assunto doméstico, estratégico e
militar, e não internacional. A discussão do ordenamento territorial da
Amazônia e das terras indígenas enquadrava-se historicamente em um es-
paço reservado ao “nacional”, sendo a gestão da Amazônia um símbolo e
expressão da soberania nacional. Um projeto que abrisse a discussão sobre
políticas de gestão ambiental e territorial da Amazônia com a participação
de organismos internacionais multilaterais e bilaterais, como foi o PPG-7
e o PPTAL, contrariava toda uma tradição do pensamento geopolítico
brasileiro, muito influente na política nacional.
Este debate colocou em evidência a permanência de posições naciona-
listas que se colocavam contrárias ao processo de regularização das terras
indígenas e tentavam impedir a garantia de direitos constitucionais aos
índios em nome da “defesa da soberania nacional”.
Uma questão a ser observada inicialmente em relação ao processo da
política indigenista em que o PPTAL se inseriu refere-se ao caráter em-
blemático das terras indígenas historicamente na relação entre Estado e
povos indígenas no Brasil. Como argumentam Pacheco de Oliveira e Souza
Lima, 331 a ideia de demarcação de terras indígenas afi rmou-se como motor
da política indigenista a partir dos anos 1970, e foi nesse momento que se
delinearam muitas das bases de articulação política, hoje vigentes.
O processo de transição para a abertura democrática nos anos 1980
teve repercussões importantes que marcaram a política indigenista oficial.
Além de se ampliarem os espaços de articulação entre grupos da sociedade
civil e de indigenistas e antropólogos de ONGs e universidades em uma di-
nâmica até certo ponto independente, também o cenário de formulação e
implementação de políticas pela Funai parecia sinalizar para uma abertura
à entrada de determinados grupos no diálogo interno quanto às normas e
aos procedimentos referentes à demarcação de terras indígenas.
Não havia naquela época, a sistematização e a organização que tornas-
sem acessíveis – de forma aberta e pública – informações sobre a situação
das terras indígenas, objetivando orientar novos planejamentos para a sua
demarcação, como estava proposto na Constituição. A necessidade de “or-
ganizar uma base de dados – abrangente, consistente e atualizada sobre

331 Pacheco de Oliveira, J.; Souza Lima, A. C. Política indigenista e políticas indígenas no
Brasil: um mapeamento prospectivo. Sugestões para Fomento. Doação 985-0731, outubro
de 1999.

220 Renata Curcio Valente


a situação das terras indígenas” se fazia urgente diante de um momento
muito específico da história do País, em que estava em curso a elaboração
de uma nova Constituição.
Para Carlos Alberto Ricardo e João Pacheco de Oliveira Filho, coor-
denadores do projeto Estudo sobre Terras Indígenas no Brasil: Invasões,
uso do solo e recursos naturais – Peti, desenvolvido por uma equipe no
Departamento de Antropologia do Museu Nacional/UFRJ, havia naquela
conjuntura histórica, um interesse na questão indígena que não se limitava
ao conjunto de pessoas usualmente interessadas na problemática indígena,
mas também a outros leitores. Os Constituintes, em processo de elabora-
ção de uma nova Carta Magna para o País, as lideranças partidárias, os
jornalistas, os cientistas, os estudantes, veículos importantes de transmis-
são de dados e formação de opiniões, os técnicos e os planejadores gover-
namentais, entre outros, estavam interessados nas questões que poderiam
afetar o destino dos povos indígenas, o que justificava a organização de
um trabalho sistematizando as informações existentes sobre terras indíge-
nas no Brasil.332
O objetivo do projeto, que seguiu de 1985 até 1993, era o de fazer
o levantamento de informações jurídico-administrativas e da situação de
fato da ocupação das terras indígenas por grupos indígenas, e gerar dados
para o conhecimento da situação.333 Segundo Oliveira Filho, a documenta-
ção oficial nunca tinha sido organizada de forma sistematizada e acessível
aos interessados e informou que o projeto procurou reunir e comparar os
dados obtidos de diferentes fontes e com gêneros e destinações específi-
cas através de uma avaliação criteriosa complementada por informações
provenientes de rede de colaboradores, sendo explicitados os incontáveis
equívocos verificados e as dúvidas e ambiguidades que não se conseguiu
superar.334
A vasta produção documental sobre a política indigenista da Funai,
que se instaurou nos anos 1980, promoveu um campo de discussões entre

332 Ricardo, C. A.; Pacheco de Oliveira, J. “Apresentação.” In: Cedi/Peti. Terras Indígenas
no Brasil. São Paulo: Cedi/MN, 1987, p. 2.
333 No seu primeiro ano de vigência, entre 1985-1986, o projeto estabeleceu um convênio
com o Programa Povos Indígenas no Brasil (PIB), do extinto Centro Ecumênico de Documen-
tação e Informação (Cedi), quando então tiveram um primeiro fi nanciamento da Fundação
Ford.
334 Pacheco de Oliveira, J. “Terras Indígenas: uma avaliação preliminar de seu reconheci-
mento oficial e de outras destinações sobrepostas”. In: Cedi/Peti. Terras Indígenas no Brasil,
op. cit., p. 7.

A GTZ no Brasil 221


pesquisadores acadêmicos e colaboradores do indigenismo pertencentes a
organizações não governamentais e eclesiásticas no Brasil, o que refletiu as
lutas políticas a favor do reconhecimento pelo Estado dos direitos indíge-
nas a seus territórios.335
A despeito de ainda predominar uma visão nacionalista, xenófoba e
tutelar no que se refere à forma de relação entre Estado e povos indígenas,
este espaço ainda embrionário de articulação política – centralizado en-
tre universidades, centros de pesquisa de grandes centros urbanos, como
Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo – forneceu as bases para a discussão
de políticas para povos indígenas, com propostas de justiça em relação a
eles e particularmente à democratização nos procedimentos demarcató-
rios. Centrado prioritariamente em torno da questão do reconhecimento
dos direitos indígenas a terra, foi aberto um “espaço de articulação” entre
grupos da sociedade: indigenistas, indígenas e ambientalistas, advogados
defensores de direitos humanos, antropólogos, geógrafos e outros, além de
organismos não governamentais e órgãos de governo.
Suas pesquisas, partindo da produção de um conjunto de pesquisado-
res e defensores de direitos indígenas que atuavam em várias frentes de
investigação e de assessoria e que tinham vínculos institucionais – univer-
sidades federais como UFRJ, USP, PUC-PR, instituições ligadas a movi-
mentos ecumênicos eclesiásticos ou igrejas, como o Cedi ou o CIMI, ou a
Comissão Pró-Índio de São Paulo e o Centro de Trabalho Indigenista – re-
sultaram na produção de informações úteis para os Constituintes sobre a
situação jurídica e administrativa das terras indígenas no Brasil, tendo em
vista a elaboração da Constituição de 1988 e a revisão das normas e das
práticas administrativas dos aparelhos de governo.336
Diante da proximidade da Conferência das Nações Unidas para Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), ou Eco/92, que se realizaria no
Brasil em junho de 1992, as organizações ambientalistas internacionais
pressionavam para a adoção de medidas mais objetivas em relação ao meio
ambiente, sendo que a Amazônia centralizava particularmente as atenções
internacionais.

335 Para citar somente alguns: Almeida, A.W.B.; Oliveira, J.P. de. “Demarcação e reafi rma-
ção étnica: um ensaio sobre a FUNAI.” In: Oliveira, J.P. (Org.). Indigenismo e territorializa-
ção: poderes, rotinas e saberes coloniais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Contraca-
pa, 1998; Souza Lima, A. C. S.; Pacheco de Oliveira, J. “Os muitos fôlegos do indigenismo.”
Anuário Antropológico, 1981; Cedi. Aconteceu Povos Indígenas Especial, 1984; Erthal, R.
Reconstituição cronológica das normas administrativas da Funai relativas ao processo de
demarcação das terras indígenas. Rio de Janeiro: Peti, 1987.
336 Ver Pacheco de Oliveira, Ensaios de antropologia histórica, 1999a, p. 236-241.

222 Renata Curcio Valente


Em junho de 1991, o presidente Fernando Collor de Mello foi aos Es-
tados Unidos para estabelecer negociações e conversas diplomáticas com o
presidente George Bush sobre questões políticas envolvendo os dois países.
A visita de Collor, no entanto, acabou se tornando uma oportunidade para
que ambientalistas e representantes políticos norte-americanos expressas-
sem críticas e sugestões em relação à questão ambiental e indigenista do
governo brasileiro. Durante a viagem, Collor recebeu a visita de oito se-
nadores democratas norte-americanos que assinaram uma carta com crí-
ticas à política ambiental do governo brasileiro quanto a uma “agenda
inacabada”, sugerindo mudanças, em especial sobre três pontos, entre os
quais figurava a demarcação das terras Yanomâmi, além da abolição dos
subsídios ao desmatamento e à violência no campo.
Esta carta foi baseada em um documento elaborado pela ONG Envi-
ronmental Defense Fund, com a colaboração de outras organizações não
governamentais internacionais ambientalistas, como Sierra Club e World
Wildlife Foundation (WWF). Dizia: “A demarcação das terras Yanomâ-
mis é um teste importante do desejo do governo brasileiro em cumprir
suas promessas sobre meio ambiente e direitos humanos na Amazônia.”337
O fato foi recebido de forma bastante negativa entre políticos e militares
no Brasil, que acusaram o grupo de senadores de estarem interessados na
exploração da Amazônia. Expressavam sua posição nos meios de comuni-
cação, que apresentavam a demarcação das terras Yanomâmis como uma
questão associada às pressões dos senadores dos Estados Unidos, colocada
nos termos da velha máxima de “internacionalização da Amazônia”.
A posição do presidente Collor, favorável a adotar algumas das mu-
danças sugeridas, gerou consternação entre muitos políticos, que se diziam
“defensores da soberania nacional” e protestavam contra intervenções es-
trangeiras em temas “nacionais”. Os jornais da época publicaram que o
presidente estaria atendendo às reivindicações feitas pela Environmental
Defense Fund (Fundo de Defesa do Meio Ambiente) durante sua viagem
aos Estados Unidos. 338 Publicaram também a crítica de políticos, como o
senador Pedro Simon, que foi veemente ao censurar os senadores dos EUA,

337 Brito, M. F. “Senadores dos EUA criticam política ecológica de Collor.” Jornal do Brasil,
18/06/1991, p. 3.
338 Dantas, E. “Collor atende pedidos de ecologistas dos EUA.” Folha de São Paulo,
26/06/1991, p. 8.

A GTZ no Brasil 223


lembrando que eles não tinham moral para dizer como devemos cuidar
dos problemas de nossos índios e, particularmente, dos Yanomâmis. 339
Os militares e os governadores de estados amazônicos condenavam os
planos e os programas de proteção ambiental da Amazônia com base em
discursos de defesa do “desenvolvimentismo” como justificativa. Era usual
que adotassem argumentos favoráveis à exploração das riquezas da região
e contrários à onda ecológica como uma forma de “congelar a região mais
rica do mundo para deixá-la como reserva técnica de riquezas naturais e
estoque de matérias-primas capaz de ser utilizado pelos centros fornece-
dores atuais quando suas reservas já tiverem alcançado o esgotamento”,
como disse o secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Amazonas,
José Belfort, em jornal.340
Também algumas ONGs se posicionaram de forma crítica às formas
como os recursos do G-7 estariam sendo enviados ao governo brasilei-
ro para alocação em projetos ambientais, sendo suas críticas direciona-
das principalmente à falta de diálogo com a sociedade civil. O Fórum das
ONGs brasileiras para a Eco/92 pediu ao Banco Mundial a suspensão do
Programa Piloto, o PPG-7, até que este fosse mais debatido junto aos ór-
gãos da sociedade civil. 341
As cobranças e as pressões internacionais foram intensas, mas apesar
de causarem constrangimentos diplomáticos entre os dois países, tiveram
resultados para a política adotada pelo governo. Ao voltar dos Estados
Unidos, o ministro da Justiça de Collor, Jarbas Passarinho, respondeu às
pressões internacionais demitindo o presidente da Funai, Cantídio Guer-
reiro Guimarães por não ter providenciado no prazo de 60 dias estudo
para demarcação das terras dos índios Yanomâmis, em Roraima.342
Além das pressões internas, havia pressões internacionais vinculadas à
realização da Eco/92 no Brasil. De acordo com os jornais da época, Collor
de Mello estabeleceu como critério para demarcação de terras indígenas o
efeito publicitário no exterior, visando à Eco/92. Mostrando que respon-
dia de forma a atender aos apelos internacionais e assim contribuir poli-
ticamente para criar condições para receber recursos internacionais para
programas na área de meio ambiente, Collor nomeou Sidney Possuelo para

339 “Simon acusa americanos”. Correio Braziliense, 19/06/1991, p. 5.


340 Correio Braziliense, 18/07/1991.
341 Arnt, Ricardo. “Fundo para Amazônia divide ambientalistas.” Folha de São Paulo,
08/07/1991, p. 4-5
342 “Presidente da Funai é demitido”. Jornal do Brasil, 22/06/1991, p. 4.

224 Renata Curcio Valente


novo presidente da Funai, indicando aos observadores políticos e ativistas
do exterior, e também ao público ambientalista, indigenista e aos povos
indígenas no Brasil, que estava buscando atender às suas demandas. Es-
colheu um nome que, embora polêmico, conquistara reconhecimento no
Brasil e no exterior em sua trajetória no indigenismo, particularmente com
índios isolados. Possuelo era um sertanista com 25 anos de indigenismo
como funcionário do quadro da Funai, onde chefiava a Coordenação de
Índios Isolados. Assumiu a presidência da Funai em 28/06/1991, diante da
premência de demarcar todas as terras indígenas no Brasil até 1993, sendo
este prazo estabelecido nas Disposições Transitórias da Constituição. Tal
tarefa exigia não apenas empenho político e habilidade administrativa,
mas, sobretudo, capacidade de mobilização de recursos orçamentários do
governo federal. O anúncio do novo presidente da Funai, feito por Collor
de Mello, vinha junto do orçamento aprovado – CR$ 44 bilhões – para
cumprir a determinação da Constituição de demarcação das terras indí-
genas no território brasileiro, afi rmando que a demarcação dessas terras
seria a prioridadede seu governo.343
Em fevereiro de 1991, Fernando Collor assinou o Decreto no 22/91 de
14/02/1991, vinculado à Portaria no 239/91, revogando com isso os Decre-
tos nos 94.945 e 94.946/87 e estabelecendo as normas administrativas para
regularização fundiária das terras indígenas, conforme determina o artigo
13. Diz o texto do artigo 2o, §4o do decreto: “Outros órgãos públicos,
membros da comunidade científica ou especialistas sobre grupo indígena
envolvido poderão ser convidados, por solicitação do Grupo Técnico a
participar dos trabalhos.”
A assinatura do Decreto no 22/91 é considerada por alguns como um
instrumento que teria flexibilizado os procedimentos demarcatórios pela
Funai, quando abria uma possibilidade para a contratação de antropólo-
gos de fora da própria instituição, permitindo que especialistas pudessem
participassem das demarcações.344 O termo flexibilização, para defi nir
uma mudança dos procedimentos demarcatórios, é usado para caracte-
rizar a rigidez burocrática das práticas da Funai, dando abertura para a
participação de membros de ONGs e da “comunidade científica” em gru-
pos de trabalho da Funai no processo de regularização fundiária. Entre
estes, estavam alguns antropólogos que faziam parte do Centro de Tra-

343 “Possuelo assume Funai para demarcar terras dos índios”. Jornal do Brasil, 29/06/1991,
p. 5.
344 Opinião de Maria Elisa Ladeira, como também de Sidney Possuelo, ambos entrevistados.

A GTZ no Brasil 225


balho Indigenista (CTI); para eles: “tratava-se de aproveitar os espaços
políticos abertos no aparelho do Estado para introduzir ali conceitos e
procedimentos que ampliem a participação dos índios e da sociedade civil
na fiscalização dos atos do governo”.345
Mas esta não era uma opinião consensual. Para alguns autores, como
Oliveira e Leite, 346 esta passagem do texto indicava “um exercício mais de
retórica do que de abertura à participação”, não se acreditando no que in-
sinuava ser, uma abertura para a participação de especialistas e profissio-
nais de outros órgãos em grupos de trabalho de identificação da Funai. A
crítica referia-se mais a dar acesso a determinados grupos do que efetiva-
mente flexibilizar os procedimentos, já que não haviam mudado as normas
da Funai, cujo monopólio sobre questões fundiárias de terras indígenas
permanecia.
O fato é que, a partir de 1991 – e, portanto, muito antes do PPTAL
– começaram a ser feitas as primeiras demarcações de terras indígenas rea-
lizadas por meio de convênios entre agências e ONGs estrangeiras, ONGs
nacionais e governo brasileiro, representado pela Funai. Segundo Domini-
que Gallois: “Desde 1991, a Funai vem assinando convênios com ONGs
como medida para superar dificuldades políticas e viabilizar a demarcação
de terras indígenas no País.”347
A primeira experiência em que Possuelo procurou adotar estratégias
mais ágeis para a demarcação de terras de grande extensão foi o caso
da demarcação da terra indígena Yanomâmi, em Roraima, talvez a mais
polêmica. Posteriormente, com recursos internacionais arrecadados pela
Fundação Mata Virgem (Rain Forest Foundation), por meio de uma cam-
panha organizada por Sting, junto com Raoni, liderança kayapó, foi reali-
zada a demarcação da T. I. Mekragnoti (Xingu), em setembro de 1992. A
demarcação da T. I. Kampa, no Acre, foi realizada logo em seguida a esta,
em abril de 1992, com a atuação de membros do Núcleo de Direitos Indí-
genas (NDI) na arrecadação de recursos fi nanceiros. Também em 1992,
o Centro Magüta, com apoio do Vienna Institute for Development and
Cooperation, uma organização não governamental austríaca, promoveu a
demarcação de terras indígenas Tikuna. Em 1994, foi feita a demarcação

345 CTI. Projeto Demarcação 92-93 Convênio FUNAI-CTI, sem data, p. 4 (arquivo CTI).
346 Pacheco de Oliveira, João; Leite, Jurandyr C. F. “É possível acelerar a regularização das
Terras Indígenas?”. In: Resenha e debate: Brasil novo, indigenismo novo? Rio de Janeiro:
Peti/Museu Nacional, n. 3, março de 1991, p. 4.
347 CTI. Projeto Demarcação Wajãpi. Resumo do Relatório Final, agosto de 1996, p. 7.

226 Renata Curcio Valente


da terra indígena Araweté do Igarapé Ipixuna, no Amazonas, com a atu-
ação do Cedi e, em 1995,por meio de um convênio que articulou o CTI, a
Funai e a GTZ, dando início ao PPTAL, foi a terra indígena Wajãpi, con-
siderada uma experiência de demarcação chamada “participativa”, porque
envolvia os indígenas em decisões diretas, pensada como um modelo a
ser adotado. Em 1996, foi à vez das terras indígenas da região da Cabeça
do Cachorro, no Alto Rio Negro, envolvendo o Instituto Socioambiental
(ISA).
Nota-se que este mesmo padrão de articulação administrativa para
execução de projetos, ligando órgãos do setor público, neste caso a Funai,
às agências internacionais e ONGs, já estava em vigor desde o início dos
anos 1990, seguiu pela década afora e acabou por institucionalizar-se no
próprio PPTAL.

Quadro 3. Convênios para demarcação de terras indígenas

Data Convênios Funai Terras indígenas


Instituições executoras e
financiadoras

Fundação Mata Virgem


1991 Menkragnoti (PA)
(Rain Forest Foundation)

1992 Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) Kampa do Rio Amônea (AC)

Centro Magüta + Vienna Institute for


1992 Tikuna (AM)
Development and Cooperation

1994 Cedi + governo austríaco Araweté do Igarapé Ipixuna (AM)

1995 CTI + GTZ Wajãpi

1996 ISA Terras indígenas do Alto Rio Negro

Neste processo dinâmico e em transformação, a participação de antro-


pólogos no processo de regularização de todas essas terras foi fundamen-
tal para a sua consolidação. Isto se deu, em um primeiro momento, como
colaboradores de um debate que se consolidou a partir de experiências
próprias em consultorias e em grupos de trabalho (GTs) de identificação
de terras para a Funai e também em projetos nas áreas indígenas. Atuaram
ainda como articuladores, negociadores ou captadores de recursos inter-
nacionais, dentro e fora do governo, para a consolidação das condições po-
líticas para demarcações e, posteriormente, para garantir a implementação
de um projeto de cooperação técnica e fi nanceira para terras e populações
indígenas, que foi o PPTAL.

A GTZ no Brasil 227


A pressão internacional e a ampliação da visibilidade em relação às
terras indígenas que a iminência da realização da Eco/92 promoveu, tor-
naram-se o mote para adotar mudanças, não fugindo à regularidade de
funcionamento em se “administrar por crises”, como sustentam Oliveira e
Almeida sobre a forma de atuação da Funai.
A oportunidade vislumbrada por um grupo dentro da Funai, que apos-
tava no PPTAL e nos recursos internacionais como o meio viável e possível
para sua concretização, aliou-se aos interesses dos alemães no projeto de
demarcação de terras indígenas. Para Mendes, na época funcionário da
Diretoria de Assuntos Fundiários (DAF) da Funai, em 1992 ainda havia
a expectativa de atender ao prazo dos cinco anos que a Constituição deu
para demarcar as terras indígenas. Segundo Mendes, quando a Funai foi
convidada pela coordenação do PPG-7 para apresentar uma proposta, vis-
lumbrou-se ali a possibilidade de obtenção de meios fi nanceiros e técnicos
suficientes para cumprir com o preceito constitucional. Admitiu-se que,
se através da cooperação internacional as terras indígenas da Amazônia
Legal tivessem a demarcação concluída, os recursos federais normalmente
disponibilizados à Funai para este fi m seriam suficientes para atender ao
restante do território nacional.348
A entrada de recursos estrangeiros para a regularização fundiária, a
partir do ano de 1992, através de organismos multilaterais de desenvol-
vimento e em convênios com ONGs, na esteira de padrões que remontam
aos chamados “grandes projetos de desenvolvimento” – Projeto Karajás,
Polonoroeste, PMACI – reportáveis ao fi m dos anos 1970, início da década
de 1980, associou-se a muitos fatores, entre eles, o exíguo orçamento fede-
ral para a atividade de regularização fundiária das terras indígenas.349
O surgimento de um projeto como o PPTAL, vinculado ao objetivo de
conservação da Floresta Amazônica, deve ser compreendido como parte e
resultado deste debate e desta rede que se formou. As mudanças que se vis-
lumbravam não estavam circunscritas aos limites do “governamental”, da
administração pública, mas envolviam todos os setores da sociedade, desde
colaboradores e pesquisadores até ambientalistas e indigenistas, que se mobi-
lizavam em um espaço público de discussão política às vésperas da Eco/92.

348 Mendes, A. N. “A demarcação das terras indígenas no âmbito do PPTAL”. In: Gramkow,
M.; Kasburg, C. (Orgs.). Demarcando terras indígenas, op. cit., p. 15-19.
349 Lima, Antonio Carlos de Souza. “Os relatórios antropológicos de identificação de terras
indígenas da Fundação Nacional do Índio – Notas para o estudo da relação entre antropolo-
gia e indigenismo no Brasil, 1968-1985”. In: Oliveira, J. P. (Org). Indigenismo e territoriali-
zação, op. cit., p. 225.

228 Renata Curcio Valente


A Eco/92 e o desenvolvimento sustentável
A Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a
Cnumad ocorreu no Rio de Janeiro entre os dias 3 e 14 de junho de 1992.
Foi a primeira grande negociação global pós-Guerra Fria estruturada pela
ONU, considerada um marco na abordagem dos problemas globais e na
defi nição da agenda internacional.
A conferência surge no fluxo da redemocratização no Brasil, iniciada
em meados dos anos 1980, em que foram se consolidando aos poucos no
Brasil uma dinâmica interna de articulação política, sendo uma de suas
grandes contribuições a de ter promovido uma onda de debates e mani-
festações, além de programas de fi nanciamento e projetos de cooperação
técnica e científica em torno de questões ambientais. Sua realização pro-
piciou, entre outras coisas, um espaço de reflexão sobre a participação da
sociedade civil nas discussões sobre políticas governamentais.
Os debates centravam-se em torno da participação de organismos da
sociedade civil no que dizia respeito às políticas ambientais e às nego-
ciações políticas e econômicas para o “desenvolvimento”. No entanto, a
preocupação estabeleceu-se, sobretudo, quanto à autonomia das ONGs
do “sul” em relação às agências e aos organismos estrangeiros que fi nan-
ciavam sua atuação. Na Eco/92, o espaço que se criou para este debate foi
o Fórum Global das ONGs, paralelo à Conferência oficial, que se carac-
terizou pela pluralidade de setores da sociedade civil ali representados.350
Rubem César Fernandes argumenta que a participação de grupos da socie-
dade civil, na vida pública não era um fenômeno novo, mas remontariam
à tese de “sacerdócio universal” proclamado pela reforma protestante do
século XVI, chegando mais recentemente, nos anos 1970-1980, com novo
impulso na forma institucional mais conhecida por ONG. A diferença dos
movimentos recentes, no entanto, seria de que eles não se restringem mais
às fronteiras nacionais, são internacionais, e afi rmam a consolidação do
espaço de agentes privados que atuam com fi ns públicos, para além do
mercado e do Estado.351
Em entrevista, Aurélio Vianna chamou a atenção para o fato de que
aquele momento teria sido propício para a constituição de um amplo de-

350 Valente, R., op. cit., p. 44.


351 Fernandes, R. C. Privado, porém público: o terceiro setor na América Latina. Rio de
Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 18. Esta afi rmação da separação de um espaço autônomo
das ONGs é bastante questionada hoje em dia por vários autores, entre eles Trouillot, em:
Trouillot, Michel-Rolph. “The anthropology of the state in the age of globalization. Close
encounters of the deceptive kind”. Current Anthropology, 42 (1): 125-138, 2001.

A GTZ no Brasil 229


bate sobre a relação das ONGs com projetos de cooperação internacional,
desde o fi nal dos anos 1980 ao início de 1990 entre as principais organi-
zações não governamentais brasileiras, como a Fase, o Instituto de Estu-
dos Sócio-Econômicos (Inesc), o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas (Ibase), a rede de ONGs Rede Brasil e a Abong. Para Vianna,
haveria uma relação direta entre o crescimento do debate sobre coopera-
ção internacional no Brasil e a crescente atuação de setores organizados
da sociedade civil: “Comecei a me envolver com cooperação internacional
quando fui a trabalhar com ONGs e, trabalhando com ONGs, inevitavel-
mente você está trabalhando com cooperação.”
Apesar de haver uma intensa comunicação e articulação entre as ONGs
mencionadas, o que garantiu a participação e a organização de alguns dos
eventos e publicações, este não era um campo homogêneo, mas caracte-
rizado por múltiplos temas e múltiplas vozes em que estavam presentes
representantes de movimentos sociais, intelectuais e acadêmicos do Brasil
e do exterior. Este espaço ampliou-se no contexto das reuniões preparató-
rias, em fóruns e encontros paralelos à Eco/92.
As trocas de ideias revelaram processos pouco conhecidos de cons-
trução de espaços de intervenção nas políticas sociais e ambientais para
a Amazônia, em que se articulavam profissionais de organizações alemãs
de ONGs locais, nomeadas como parceiras. As discussões revelaram uma
dinâmica intensa de novos processos e formas de organização do espaço
público, com a inclusão de agências internacionais.
Uma das primeiras publicações352 em que este debate se apresentou de
forma clara foi o documento “Desenvolvimento, cooperação internacional
e ONGs”, que resultou do “Primeiro Encontro de ONGs e Agências do Sis-
tema ONU”, realizado no Rio de Janeiro em 1991.353 O lugar de ação das
ONGs usualmente é defi nido como espaços políticos autônomos, distin-
tos, por ser esta uma esfera que não depende de recursos orçamentários do
governo nem também de empresas do setor privado, mas que se constituem
a partir de recursos externos. São espaços em que as relações entre países

352 UNDP/Ibase. Development, international cooperation and the NGOs meeting publica-
tion (English version). Rio de Janeiro: Ibase/PNUD, 1992.
353 Muitos dos convidados para as palestras eram estrangeiros que representavam agências
da Organização das Nações Unidas, redes de ONGs ou ONGs internacionais, como Third
World Network (Malásia), Crocevia (Itália), NOVIB (Holanda), e também acadêmicos de
universidades estrangeiras (The New School of Social Research) e nacionais (USP), além de
representantes das ONGs brasileiras que organizavam o evento, particularmente o Ibase, o
Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), o Instituto de Estudos da Religião
(Iser) e o Instituto de Ação Cultural (IDAC).

230 Renata Curcio Valente


do “Norte” e do “Sul” se estabelecem com base em ideais de solidariedade
e parceria, como espaço alternativo ao sistema formal deste tipo de víncu-
lo, aí refletidas relações históricas de dominação e exploração. Um de seus
principais organizadores, Herbert de Souza, então secretário executivo do
Ibase, se referiu às relações de cooperação internacional como expressão
de “várias formas “de solidariedade” internacional que marcaram a vida,
a existência e a sobrevivência de organizações não governamentais do
Norte e do Sul”.
As posições apresentadas dizem respeito muitas vezes ao ponto de vista
dos países que são alvo das intervenções, sendo discutidos não somente
os aspectos econômicos, mas, sobretudo, os culturais, como um processo
que refletisse a continuidade de relações coloniais. Em parte, a forma de
defi nir a cooperação dos países desenvolvidos para com os países em de-
senvolvimento é vista como o fortalecimento do controle sobre recursos e
da intervenção estrangeira – ocidental – por meio da transferência de um
modelo de desenvolvimento, de cultura e de modo de vida ocidental, como
assinalou o representante de uma rede de ONGs da Malásia.354
Outra iniciativa foi o Núcleo de Animação Terra e Democracia, um
programa de diálogo e intercâmbio entre ONGs do Brasil e da Alemanha
promovido por um conjunto de organizações não governamentais brasi-
leiras, entre elas Fase, Ibase, Inesc e Koinonia, juntamente com a Igre-
ja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB), e coordenado na
Alemanha pela Associação Evangélica de Cooperação e Desenvolvimento
(Evangelische Zentralstelle für Entwicklungshilfe – EZE).
O Núcleo foi fundado em 1988 propondo-se a refletir sobre as práticas
de cooperação, especialmente no que se refere a experiências de desenvol-
vimento rural e seus significados políticos, tendo como enfoque privile-
giado a democratização dessas relações.355 Foram organizados encontros,
como o “Seminário Terra e Democracia – Em busca de novas bases para
cooperação internacional à luz da experiência alemã-brasileira”, realizado
em 1992 no Rio de Janeiro, e também foram viabilizadas publicações.
O foco das discussões ali promovidas se direcionou para as relações
entre organizações do Brasil e da Alemanha, explorando um campo ins-
titucional de ação política, eclesiástica e de educação muito vasto e pouco
visível. Apesar de já naquele momento apresentarem intensas relações com

354 UNDP/Ibase, op. cit., p. 59.


355 Inoue, C. Y.; Apostolova, M. A Cooperação internacional na política brasileira de de-
senvolvimento. São Paulo: Abong; Rio de Janeiro: Núcleo de Animação Terra e Democracia,
1995, p. 7.

A GTZ no Brasil 231


ONGs brasileiras, conforme mostraram os resultados do estudo de Rubem
César Fernandes e Leandro Piquet Carneiro, 356 em que 60% das ONGs
brasileiras entrevistadas mantinham vínculos com agências da Alemanha,
não havia visibilidade deste cenário. Também Luciano Wolff, como coope-
rante brasileiro do programa Ibase/EZE, desenvolveu uma pesquisa sobre
o trabalho destas instituições alemãs no Brasil, a partir da qual publicou
pela Abong, em 1994, o guia Cooperação e Solidariedade Internacional
na Alemanha. Neste trabalho apresentou um mapeamento das principais
instituições e de temas voltados para a cooperação da Alemanha, sobre-
tudo com organizações não governamentais brasileiras. A publicação teve
uma repercussão enorme, esgotando em pouco tempo, o que refletiu o
amplo interesse e a escassez de informações disponíveis sobre a atuação
das instituições governamentais, não governamentais, fundações políticas
e instituições eclesiásticas no Brasil. 357
Muitos foram também os seminários estruturados por organizações
não governamentais para discussão sobre o PPG-7. Em fevereiro de 1993,
Fase e Ibase promoveram no Rio de Janeiro o “Seminário de Estudos sobre
o Programa Piloto para Amazônia”. Ele foi marcante porque se propôs a
reunir um conjunto de atores sociais – membros da Fase, organizações de
trabalhadores (seringueiros, agricultores), de defesa da Amazônia, de pro-
teção aos índios, de direitos humanos e algumas pastorais – para discussão
das políticas para a Amazônia, dentre elas as propostas do PPG-7.
Na abertura do seminário, Jean-Pierre Leroy358 destacou que o semi-
nário tinha um caráter relativamente fechado e centrado na construção de
uma reflexão comum das ONGs sobre as políticas defi nidas pelo PPG-7, já
que considerava totalmente insuficiente a participação da “sociedade civil”
no processo de discussão do programa. 359 “É um seminário de estudos, de
trabalho; ONGs, organizações populares e sindicais e Fóruns se juntam
para reflexão comum. Isto explica o caráter relativamente fechado do en-
contro e a ausência de setores governamentais.”

356 Fernandes, R. C.; Carneiro, L. P. As ONGs nos anos 1990: A opinião dos dirigentes
brasileiros. Rio de Janeiro: Iser, 1991. Série Textos de Pesquisa 1.
357 Wolff, Luciano A.; Kaiser, W. & Mello, F. V. (Coord.). Cooperação e solidariedade
internacional na Alemanha. 2. ed. Rio de Janeiro: Ibase/EZE; São Paulo: Abong, 1995, p.
17-22.
358 Educador, coordenador na época da Área de Meio Ambiente e Desenvolvimento da
Fase.
359 Fase/Ibase. Anais do Seminário de Estudos sobre o Programa Piloto para Amazônia.
Rio de Janeiro, 1993, p. 4.

232 Renata Curcio Valente


Leroy considerou que o programa centralizava os debates em torno da
Amazônia:360

O Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras


tem adquirido centralidade, tem sido o polarizador dos debates – pelo
menos na Amazônia – no campo de entidades e movimentos preocupa-
dos em procurar contribuir para um desenvolvimento adaptado à região
Amazônica e que tenha como sujeitos as suas populações.

O seminário foi um dos eventos que contaram com número expressivo


de representantes de organizações alemãs: entre os 12 representantes de
organizações internacionais, 10 eram de instituições alemãs, entre eles,
Thomas Fatheuer, 361 então em um convênio entre Fase e DED, e Monika
Grossman, 362 na época vinculada a um convênio entre universidades como
pesquisadora da Universidade Federal do Pará. Posteriormente, ambos as-
sumiriam a função de “peritos técnicos” da agência GTZ.
Este encontro teve o apoio fi nanceiro de EZE, Sactes e Fundação Hein-
rich Böll, tendo sido mencionado nos créditos que o governo alemão é
quem mais investe no Programa Piloto”. 363 Vale destacar também que a re-
vista publicada pela Fase, na época chamada Cadernos de Proposta, tinha
apoio de duas instituições alemãs: o DED e a Fundação Heinrich Böll.
Em 1994, novamente a Fase aparece como uma das organizadoras de
outro encontro envolvendo a discussão sobre Amazônia e programas de
cooperação para a região, particularmente o PPG-7, desta vez junto com
outra instituição, a Federação das Organizações da Amazônia Oriental
(Faor). O Encontro Internacional de Trabalho: Diversidade Ecossocial e
Estratégias de Cooperação entre ONGs na Amazônia, que aconteceu em
Belém do Pará, entre 13 e 16 junho de 1994, apresentou-se como um es-
forço de dar continuidade ao debate iniciado no evento de fevereiro de

360 Fase/Ibase, op. cit., p. 134.


361 Thomas Fatheuer é um sociólogo alemão que trabalhava na época em um convênio entre
o DED e a Fase como coordenador de um programa.
362 Monika Grossmann é uma agrônoma alemã que neste momento estava ligada ao Núcleo
de Altos Estudos Amazônicos (Naea), da UFPA. Posteriormente, trabalhou em uma ONG
(Operação Amazônia – OPAN), por meio de um convênio com o DED ao qual estava vincu-
lada. Mais recentemente, atua na GTZ como perita responsável pelo projeto PDA.
363 Fase/Ibase, op. cit.

A GTZ no Brasil 233


1993, e estruturou-se em torno de cinco blocos,364 com ênfase na questão
relativa à cooperação internacional por ter dois blocos sobre organizações
internacionais: um estava relacionado a oficinas e a participação de ONGs
em programas e debates internacionais; outro que focalizava determinados
programas multilaterais na Amazônia.
O encontro reuniu alguns representantes de organizações alemãs, como
Manfred Wadehn, da Evangelische Zentralstelle für Entwicklungshilfe
(Central Evangélica de Ajuda para o Desenvolvimento – EZE); Helmut
Hagemann, da ONG Urgewald, Thomas Fatheuer e Monika Grossmann.
Constatamos que esta ênfase resulta de uma discussão em andamento
entre os atores sociais envolvidos no debate sobre políticas para a Amazô-
nia, como foi declarado na “Apresentação”:365

De outro lado, por sua importância como principal reservatório da bio-


diversidade e por sua contribuição ao equilíbrio climático mundial (sem
esquecermos a sua enorme riqueza mineral – mas aí estranhamente nin-
guém se preocupa com uma possível internacionalização da região), a
Amazônia é hoje tema internacional e objeto de políticas internacionais
e intervenções de cooperação multilateral e bilateral. Nossa convicção é
que a preservação da Amazônia passa pela viabilização do futuro de seus
povos e populações, por seu acesso à cidadania econômica, social e políti-
ca, e que o futuro da Amazônia deve ser construído por eles em primeiro
lugar. Entidades da sociedade civil dos países do Norte, solidários com as
populações da região, são nossos aliados nessa empreitada. [...] Por isso, é
importante chamá-los para acompanhar nossos esforços de entendimento
da nossa própria realidade e dialogar conosco sobre cooperação.

Neste caso, a discussão sobre a atuação de agências internacionais “do


norte” foi central no contexto de aprofundamento do debate sobre a parti-
cipação da sociedade civil, ou seja, de organizações sociais e ambientais da
Amazônia na negociação e na implementação das políticas para a região
em função do PPG-7.
Em outra ocasião, no Encontro de Parceiros da Fundação Heinrich
Böll, realizado no Rio de Janeiro entre 13 e 14 de março de 2001, o eixo
organizador da discussão se deu em torno de uma “plataforma” de apoio,
ou seja, instituições que foram apoiadas por uma mesma agência ou or-

364 Fase/Faor: Anais do Encontro Internacional de Trabalho: Diversidade Ecossocial e Es-


tratégias de Cooperação entre ONGs na Amazônia. Belém do Pará, 13-16 junho de 1994.
365 Id., ibid., p. 5.

234 Renata Curcio Valente


ganização internacional. As questões levantadas obviamente giraram em
torno de um conjunto de ações e formas de intervenção associadas àquela
instituição enquanto “doadora”.366
Estavam presentes representantes de universidades, como a Uerj e a
UFRS, bem como de ONGs como a SOS-Corpo, a Fase, o Instituto de Estu-
dos Sócio-Econômicos (Inesc), a Associação Brasileira de Organizações Não
Governamentais (Abong), além do DED e das ONGs alemãs Attac e Weed.
Não obstante a contribuição que vários artigos tenham prestado ao
esclarecimento e ao aprofundamento dos procedimentos de cooperação
técnica alemã adotados no Brasil, os textos produzidos sobre cooperação
internacional ainda são históricos e pouco críticos, e colaboram para a
construção discursiva da cooperação como parte das estratégias de desen-
volvimento.
Assim, foi no espaço de articulação entre ONGs no contexto da reali-
zação da Eco/92, particularmente em relação às políticas de proteção da
Floresta Amazônica, que observamos se desenharem as primeiras linhas
para a atuação de organizações alemãs neste campo. Não havia anterior-
mente uma tradição de sua ação no Brasil referente a este assunto, já que
trabalhavam mais as questões relativas ao desenvolvimento rural nas regi-
ões Nordeste e Sul do Brasil. A entrada de organizações alemãs na região
Norte, especialmente nas políticas de proteção da Floresta Amazônica,
deixou sua marca nesse espaço de debates, de articulações políticas e inter-
venções, promovido pelas organizações não governamentais brasileiras na
Eco/92. Também aí se intensificaram os fluxos de recursos internacionais
para a implementação de políticas ambientais governamentais na região
Amazônica. Segundo informações divulgadas na imprensa da época, os
projetos que resultaram da Conferência envolveram crédito e doações na
ordem de US$ 1 bilhão, como o projeto de despoluição do rio Tietê e da
Baía de Guanabara, além do Programa Piloto para Proteção das Florestas
Tropicais do Brasil, o PPG-7.367
Nas declarações de José Lutzenberger:

O Secretário de Meio Ambiente, José Lutzenberger, anunciou ontem que,


fi nalmente, o País vai começar a fazer investimentos de grande porte na
ecologia. Para isso, vai utilizar-se do dinheiro oferecido pelos países in-

366 Fundação Heinrich Böll. I Encontro dos Parceiros da Fundação Heinrich Böll. Edição
das palestras. Rio de Janeiro: FHB, 13 e 14 de março de 2001.
367 Gazeta Mercantil, 05/06/1995.

A GTZ no Brasil 235


dustrializados, de empréstimos já liberados por instituições multilaterais
como o BID e o Banco Mundial e a formalização de projetos de proteção
ambiental fi nanciados por operações de conversão de dívida. […] Só a
Alemanha já nos ofereceu 250 milhões de marcos (cerca de 150 milhões
de dólares) para aplicação em projetos agrícolas que preveem o manejo
racional da floresta amazônica, revelou Lutzenberger. 368

As articulações que se estabeleceram naquele momento entre as redes


ligadas ao ambientalismo e as redes de representantes de organizações go-
vernamentais e não governamentais alemãs consolidaram-se nas políticas
oficiais adotadas pelo governo brasileiro no PPG-7. A atuação de determi-
nadas pessoas que faziam parte dessas redes, tanto os brasileiros quanto os
alemães, foi fundamental para explicar a viabilidade de um projeto com-
plexo e inovador, como o PPTAL, no conjunto dos projetos do PPG-7.

Um modelo de cooperação internacional em ação


O PPG-7 foi defi nido formalmente como um programa piloto para a con-
servação das florestas tropicais do Brasil, cujo objetivo era o de tornar-se
um modelo de gestão de florestas tropicais e de “cooperação internacio-
nal”. Uma das particularidades deste programa governamental brasileiro é
o fato de “ser considerado um dos mais importantes instrumentos de coo-
peração internacional na área ambiental”.369 Os projetos do PPG-7 foram
formulados para representar uma ruptura em termos de políticas públicas
para a Amazônia, um ponto de inflexão em relação às políticas públicas
existentes anteriormente, as quais se baseavam em uma concepção geopo-
lítica de segurança nacional, com as inovações que implementaria enquan-
to projeto piloto.370

368 Brito, Manoel Francisco. “Países ricos vão socorrer a Amazônia”. Jornal do Brasil,
20/06/1991.
369 MMA. Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. Apresentação,
p. 7, sem data.
370 Em entrevista com diplomatas no MRE, pude constatar que desde a Conferência de
Durban sobre o racismo e outras formas de discriminação, realizada em 2001, e também
devido a outros encontros e fóruns internacionais sobre povos indígenas, tem havido um
maior diálogo entre a diplomacia e os representantes indígenas, revelando uma maior abertu-
ra à participação indígena nas reuniões internacionais que envolvam questões que lhes digam
respeito. Tem havido também uma maior proximidade entre representantes da diplomacia
brasileira com representantes de outros países amazônicos, principalmente no que se refere
a questões indígenas, crescendo o número de viagens de reconhecimento de diplomatas às

236 Renata Curcio Valente


A questão apontada no contexto de formulação do PPG-7, um progra-
ma multilateral para as florestas localizadas no Brasil, ou seja, territorial-
mente circunscrito a um Estado Nacional, levou a refletir sobre a abertura
dos processos de formulação e execução de políticas governamentais de
um determinado Estado Nacional, o que gerou muitas reações no Brasil,
particularmente nos meios militares.
Nos anos 1990, a Amazônia passou a ser citada na mídia internacional
como patrimônio global ou patrimônio da humanidade por líderes inter-
nacionais, presidentes de países ricos, representantes de organismos inter-
nacionais. Dados sobre o ritmo de desmatamento da Amazônia veiculados
em mídias internacionais promoveram a mobilização da sociedade civil e
de líderes políticos internacionais em torno do objetivo de proteção da flo-
resta amazônica. A preocupação com a conservação da floresta amazônica
e com os povos indígenas passou a ser motivo de alianças internacionais,
governamentais ou não, mobilizadas por denúncias de todos os tipos con-
tra o governo brasileiro de infringir os direitos indígenas, ser negligente
com o genocídio dos povos indígenas e permitir o desmatamento desenfre-
ado da floresta.
A Amazônia é parte das representações simbólicas do nacionalismo
brasileiro, quer pela grandiosidade territorial, quer pela sua imensa diver-
sidade. O discurso nacional-desenvolvimentista adotou a Amazônia como
um símbolo da nacionalidade, um “emblema” do próprio Estado brasilei-
ro: a Amazônia é uma questão de soberania nacional.
As grandes tradições de pensamento no Brasil sobre a região Amazô-
nica constituíram-se historicamente na geografia, sendo muito influentes
as teorias geopolíticas. Um dos principais pensadores e formuladores da
geopolítica foi o alemão Friedrich Ratzel (1844-1904), que teria sido, na
Alemanha, um dos fundadores da geografia como um campo científico in-
dependente. No Brasil, a geopolítica encontrou espaço nos meios militares,
principalmente em assuntos ligados à defesa e ao desenvolvimento terri-
torial. Os estudos de geopolítica consolidaram no Brasil um pensamento
nacionalista, tanto nos meios acadêmicos, quanto na formação de uma
concepção ou “política de Estado Nacional” durante o período de autori-
tarismo no Brasil. Golbery do Couto e Silva foi um dos grandes mentores
intelectuais desta visão, tendo publicado em 1957 Aspectos geopolíticos
do Brasil, pela Biblioteca do Exército. No livro, definiu a importância que

regiões onde há maior concentração de populações indígenas, principalmente aos estados da


região Norte.

A GTZ no Brasil 237


assumiu a geopolítica no pensamento político brasileiro, desde o Barão do
Rio Branco a Euclides da Cunha, passando por Cândido Rondon, entre
muitos do Exército brasileiro:371

Sobretudo no Brasil, País de continentalidade – mais no sentido de ilhas


culturais de um grande arquipélago pan-brasileiro – a geopolítica pede
um meditado e realista sistema de ideias, ou de doutrinas flexíveis, que ve-
nha a ajudar na solução dos problemas nacionais, na orientação racional,
serena, equitativa das questões ditadas pela conjuntura internacional.

O gen. Carlos de Meira Mattos, utilizando-se de textos históricos para


justificar o que seria, segundo ele, a defesa da região Amazônica como
parte do espaço “nacional” do Brasil, argumentou, a partir do princípio
geopolítico, que a presença e a ocupação física do Estado e da população
defi nem a soberania de um espaço. Ele afi rma:372

Graças à ação de governo de Lisboa, protegendo a cobiçada foz do Ama-


zonas, expulsando os aventureiros ingleses, holandeses e franceses que
se atreveram rio acima; e expandindo os marcos da ocupação lusa até
as proximidades das nascentes andinas do grande rio e seus principais
afluentes da margem norte, foi possível aos demarcadores da fronteira
assente através do Tratado de Madri (1750) fi rmado no princípio do uti
possidetis comprovar a antecipação de ocupação lusa do imenso leque
Norte e Oeste do grande rio e seus afluentes, dando nascimento ao atual
delineamento da fronteira da Amazônia brasileira.

O PPG-7 foi e ainda é um dos programas de maior repercussão nas po-


líticas públicas para a Amazônia e tem como meta fundamental promover
mudanças neste contexto. Seus principais objetivos foram assim defi nidos:
a) demonstrar que um desenvolvimento harmônico entre economia e meio
ambiente pode ser obtido em florestas tropicais; b) obter a conservação dos
recursos genéticos; c) reduzir a contribuição das florestas tropicais brasi-
leiras na emissão global de gás carbônico; d) proporcionar um exemplo de
cooperação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

371 Couto e Silva, Golbery do. Aspectos geopolíticos do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército, 1957.
372 Mattos, Carlos de Meira. Uma geopolítica pan-amazônica. Biblioteca do Exército,
1980.

238 Renata Curcio Valente


O PPG-7 envolveu um conjunto bastante complexo de atores, sendo
um dos mais representativos cenários de arranjo multilateral direciona-
dos para questões ambientais internacionais no processo de constituição
e desenvolvimento de mecanismos de administração pública federal. Dele
participam o Banco Mundial, por meio do Fundo Fiduciário para Flores-
tas Tropicais (RFT) (Rain Forest Trust Fund) como “administrador” geral,
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e as
agências de cooperação técnica e fi nanceira da Grã-Bretanha, Estados Uni-
dos, Alemanha, Países Baixos, Japão, França e Itália. Foi desenhado como
um programa “piloto”, o que lhe atribui um caráter experimental no que
concerne ao objetivo de representar um exemplo mundial de cooperação
internacional e um modelo de gestão de florestas tropicais.373
Para geri-lo, foi criada uma instância superior de coordenação, a Co-
missão Coordenadora formada por representantes de cinco ministérios
participantes do programa e de três representantes de ONGs, que seria
apoiada técnica e administrativamente por um secretariado executivo. São
dois os instrumentos de fi nanciamento: o Rain Forest Trust Fund (RFT),
administrado pelo Banco Mundial, e a cooperação bilateral diretamente
fi nanciada por recursos governamentais dos países doadores envolvidos no
programa.
O PPG-7 foi representado como modelo de cooperação internacional a
partir da ideia de eficiência, relacionada à lógica de administração pública
moderna, de boa governança, como um processo de “desburocratização”
ou “reforma no modo de gestão de Estado”, defi nições estas presentes no
campo do desenvolvimento, compartilhadas e difundidas por organismos
multilaterais e governos de países estrangeiros. 374

373 Os atores da cooperação internacional são funcionários, representantes e peritos técni-


cos tanto de agências da cooperação multilateral, Banco Mundial e Nações Unidas (PNUD),
como de agências da cooperação bilateral, como Dfid (Department foi International Develo-
pment) ou KfW e GTZ, por exemplo.
374 O Banco Mundial difundiu a ideia de “Good Governance” como gestão efi ciente, mo-
derna e transparente. Podemos ver presente também nos discursos das agências alemãs “de
desenvolvimento” este princípio. Uschi Eid, na conferência “Assisting Good Governance and
Democracy: a learning process – reflections on developments in Africa”, na GTZ House
Berlin, em 27 de maio de 2002, organizada pelo BMZ/IDEA, afi rmou que: “Democracy
and good governance are, however, also a fundamental precondition for development. Even
though some examples exist of economic success stories in authoritarian regimes, it is my
view that the best foundation for sustainable development is a democratic foundation. De-
mocracy and good governance belong together. Good governance, after all, means more than
mere efficiency in the government machinery. It is a matter of the “rules of the game” in a
society, the possibilities for citizens to develop their own creative powers, it is a matter of

A GTZ no Brasil 239


O PPTAL
Entender que o PPTAL surge neste contexto de negociações internacionais
em torno da Eco-92 e a partir da instauração do PPG-7 como um modelo
de cooperação, nos ajuda para avançarmos em direção a uma análise do
projeto em si. Foi a partir deste projeto que primeiramente observei as
práticas de cooperação técnica da GTZ no Brasil.375 O PPTAL figurava
entre os dois únicos projetos orientados para povos indígenas no conjun-
to dos projetos do PPG-7, sendo que o Projeto Demonstrativo dos Povos
Indígenas (PDPI) surgiu posteriormente como decorrência de um arranjo
entre PPTAL e Projetos Demonstrativos (PDA), pensado para dar suporte
a atividades de sustentabilidade em terras indígenas, um desdobramento
das demarcações realizadas pelo PPTAL.
Na estrutura do PPG-7, que se divide entre Subprogramas Estrutu-
rais e Subprogramas Demonstrativos, de acordo com o tipo de política
executada, o PPTAL se localiza na área dos subprogramas estruturais,
entre os projetos de Unidades de Conservação e Manejo de Recursos Na-
turais. Os subprogramas estruturais orientam-se para ações que atinjam
“diretamente as deficiências institucionais que inibem a implementação da
Política Ambiental Brasileira na Região Amazônica, além da ampliação
dos conhecimentos sobre os ecossistemas da Amazônia e uso sustentável
de seus recursos” enquanto os demonstrativos destinavam-se a viabilizar
o envolvimento de comunidades e ONGs, estados e municípios em testes e
difusão de modelos de desenvolvimento sustentável. 376
Em relação à caracterização geográfica do projeto, restrito à Amazônia
Legal, havia a ressalva de que estariam aí incluídas somente as terras in-
dígenas existentes nos seguintes estados: Acre, Amazonas, Amapá, Mara-
nhão, Pará, Roraima e Tocantins, sendo excluídas aquelas dos estados de
Mato Grosso e Rondônia pelo fato de terem sido contempladas em outros
projetos em que o Banco Mundial já estava envolvido.377
Considerando ser um projeto fundamentalmente vinculado a uma lógi-
ca internacional e ambientalista, sua abrangência restringia-se à Amazônia,
determinada pelo enfoque exclusivo sobre povos indígenas amazônicos,

the relationship between those governing and those governed, and of the acceptance of state
policies”. Disponível em: www.bmz.de/en/media/speech. Acesso em: 16/06/2003.
375 Bird, Blue Cover, abril de 1994, p. 4.
376 FUNAI. PRODOC – Proposta de Cooperação Técnica com o PNUD PNUD/BRA/96/018,
maio de 1998, p. 18.
377 Funai, Prodoc, op. cit., p. 25.

240 Renata Curcio Valente


negligenciando outras situações fundiárias de terras indígenas tão ou mais
graves, pela ameaça que sofrem de atividades altamente impactantes.
Após todas as mudanças pelas quais passou ao longo de sua negociação
e execução, o desenho fi nal do projeto foi pensado a partir de quatro com-
ponentes: regularização fundiária; vigilância e proteção; estudos e capaci-
tação e apoio ao gerenciamento. O Componente 1 seria a “Regularização
fundiária das terras indígenas”, eixo central do projeto, orientado para
implementar as atividades de identificação, delimitação e demarcação das
terras indígenas, de forma a regularizar a sua situação juridicamente.378
Este componente se dividiria em subcomponentes de “Identificação”,
como o nome diz, visando identificar e delimitar áreas e atualizar infor-
mações; “Demarcação e regularização”, inicialmente realizado por fi rmas
contratadas pela Funai, sendo adotadas algumas experiências de demarca-
ção participativa com os próprios indígenas; e “Avaliação ambiental”. Este
primeiro componente absorveu praticamente 80% das verbas do projeto,
sendo fi nanciado por recursos do Banco KfW.
O Componente 2, “Vigilância e proteção das terras indígenas”, orien-
tava-se para garantir a proteção daquelas terras já regularizadas através
de “planos de vigilância”, uma atividade posterior que envolveria recursos
de US$ 1,6 milhão. O Componente 3, “Estudos e capacitação”, pautava-se
no desenvolvimento de cursos e treinamentos para funcionários da Funai,
bem como para os próprios indígenas, como condição para melhorar a
proteção das terras indígenas, sendo destinado para a este componente
um volume de recursos na faixa de US$ 1,6 milhão. As atividades de coor-
denação, administração, monitoria e avaliação do projeto, integrantes do
“Apoio ao Gerenciamento”, Componente 4, teriam recursos disponíveis de
US$ 1,1 milhão.
Ao se observarem não mais os recursos por tipo de atividade, mas em
relação aos doadores do projeto, detectamos que o governo alemão apor-
tou um volume de recursos fi nanceiros para o projeto de cerca de 80% do
total do seu valor, por meio do Banco KfW, sendo este o maior doador.
Além do total de 30 milhões de marcos alemães, que na época equiva-
liam a aproximadamente US$ 17 milhões, o projeto contava com recursos
do RFT, uma pequena parcela de US$ 2,1 milhões, e do governo brasileiro,
US$ 2,2 milhões, estes destinados a indenizações de benfeitorias de boa-fé

378 Pacheco de Oliveira, João. “Terras Indígenas: uma avaliação preliminar de seu reco-
nhecimento oficial e de outras destinações sobrepostas”. In: Cedi/Peti. Terras Indígenas no
Brasil, op. cit., 1987, p. 7-32. Esta classificação é adotada usualmente na Funai e de forma
generalizada em estudos e trabalhos sobre terras indígenas.

A GTZ no Brasil 241


nas terras indígenas. Os recursos do KfW direcionavam-se principalmente
para a regularização das terras indígenas, vigilância e proteção, e uma par-
cela muito pequena para estudos e capacitação, não sendo alocada nenhu-
ma parte para o Componente 4, apoio ao gerenciamento, integralmente
coberto por recursos do RFT.
Se comparados ao volume total de recursos colocados pelo governo ale-
mão no PPG-7 como um todo, que variava em torno de 45% dos recursos
totais, verifica-se o aporte substancialmente significativo para este projeto,
revelando uma atenção especial dedicada a ele. O Projeto PPTAL é, por
defi nição, multilateral, havendo além do Brasil e da Alemanha, a partici-
pação do Banco Mundial. No entanto, proporcionalmente, o volume de
recursos fi nanceiros aportados pelo Banco KfW e a presença da equipe da
GTZ diretamente ligada à execução do projeto pela Funai, esta situação
“privilegiada” dos alemães no PPTAL praticamente caracterizou o projeto
como bilateral, colocando em pauta um eixo de discussões sobre a Amazô-
nia de longa vigência histórica, relacionado à perda de soberania nacional
e à internacionalização da Amazônia.
A participação fi nanceira dos alemães, acompanhada da presença de
uma funcionária da agência de cooperação técnica intervindo na admi-
nistração cotidiana dos recursos e na elaboração de planejamentos junto
à equipe do projeto fi zeram ecoar ainda mais forte as vozes que alertavam
sobre a internacionalização da Amazônia e sobre a invasão de estrangeiros
nas terras dos “nossos índios”.
A seguir temos o quadro dos componentes do projeto e as participa-
ções dos respectivos doadores:

Quadro 4. Componentes por financiadores

Componente RFT KFW GOB Total

Componente 1 0 11,68 2,13 13,81

Componente 2 0 1,33 0 1,33

Componente 3 0,87 0,50 0 1,37

Componente 4 0,94 0 0 0,94

Sem alocação 0,29 3,08 0,11 3,48

Total 2,10 16,59 2,24 20,9


Fonte: Bird, Blue Cover, abril de 1994, p. 17 (valores em milhões de dólares).

242 Renata Curcio Valente


Componente 1 Componente 3
Regularização fundiária de terras indígenas Estudos e Capacitação

Componente 2 Componente 4
Vigilância e Proteção das terras indígenas Gerenciamento do Projeto

O caso do PPTAL deu visibilidade particularmente aos procedimen-


tos administrativos e burocráticos da organização alemã GTZ no Brasil.
Até então, pouco conhecida para a grande maioria das pessoas, inclusive
para aqueles que trabalhavam em projetos de cooperação técnica, a GTZ
tornou-se objeto de análise. Como nos fala uma alemã que coordenou o
programa do PPG-7 e participou das negociações iniciais deste projeto:
“O PPTAL entrou em muito conflito no governo brasileiro, porque eles
não queriam que os estrangeiros mexessem na causa indígena. Tem muita
resistência por aí.”
Esta posição de conflito fica também muito clara na reportagem que
apresenta a visão de um senador particularmente anti-indígena sobre a
“ingerência” estrangeira em assuntos considerados domésticos, como é o
caso da demarcação de terras indígenas. O tom alarmista de toda a repor-
tagem contribuiu para enfatizar a imagem da cooperação técnica e fi nan-
ceira como a de invasores que ameaçavam a soberania e intervinham na
administração pública. A reportagem tinha o claro propósito de denunciar
essas práticas, e dizia que o senador propunha uma devassa sobre o uso de
fi nanciamentos de organismos internacionais, como a Agência de Coope-
ração Alemã (GTZ), destinados a ações sociais e de demarcação de terras
indígenas no País, por meio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) da qual era autor.379
Assim, penso poder escapar de uma concepção maniqueísta em que os
projetos de cooperação técnica internacional resultam de uma aceitação
passiva por parte de agentes locais (funcionários de órgãos de governo) em
relação a decisões internacionais, o que caracterizaria uma intervenção
direta e coercitiva.
A hipótese em que nos apoiamos é a de que a abertura para imple-
mentar este modelo de administração pública, que faz uso de recursos
fi nanceiros e humanos internacionais, não suplantou mas utilizou-se de
um já existente “clientelismo de Estado”, expressão adotada por Souza
Lima para designar um “certo tipo de arregimentação de redes de clientela

379 Araújo, Chico. “Funai sofre ingerência de investidor alemão”. Jornal de Brasília,
07/03/2004, p. 17.

A GTZ no Brasil 243


baseado na troca de lealdades interpessoais e no estabelecimento de vín-
culos com base na concentração e na distribuição de “bens” condensados
na administração pública federal (cargos, verbas etc.), isto é, dá-se como
“privado” aquilo que é, de direito, acessível na qualidade de público.380
A instauração de condições para um projeto de cooperação técnica e
fi nanceira em políticas de demarcação de terras indígenas no Brasil valeu-
se da construção de redes locais e internacionais que articularam organi-
zações ambientalistas e indigenistas. A entrada da GTZ no projeto não
foi opcional, mas o resultado de um acordo formalmente estabelecido que
se impunha como condição para o repasse dos recursos do KfW, condi-
ção esta aceita pelo governo brasileiro. Tendo aceito, não estava mais em
discussão a sua presença ou não, mas a forma como ela seria realmente
efetivada, o que passou pela relação direta de uma funcionária alemã com
os membros da equipe brasileira, e não de uma “organização”, a GTZ.

As redes do indigenismo e a negociação do PPTAL


A elaboração do projeto foi um processo longo, entre fi nal de 1991 e fi-
nal de 1992, e que se deu em um período bastante conturbado no que
dizia respeito à gestão dos recursos naturais no País. Algumas mudanças
administrativas orientadas para um quadro institucional para gestão da
política ambiental vinham se processando desde 1989, quando foi criado
o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), vinculado ao Ministério
do Interior, extinguindo a SUDHEVEA, o IBDF, a Sudepe e a antiga Se-
cretaria de Meio Ambiente (Sema).381 Em abril de 1990, o Ibama passou a
ser vinculado à Secretaria de Meio Ambiente (Semam/PR), órgão de assis-
tência direta da Presidência da República.382 Posteriormente, em novembro
de 1992, a Semam/PR foi transformada em Ministério do Meio Ambiente
(MMA), 383 que em 1993 passou a ser o Ministério do Meio Ambiente e da
Amazônia Legal.384

380 Souza Lima, A. C. Gestar e Gerir. Estudos para uma antropologia da administração
pública no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: NUAP/UFRJ, 2002, p. 11-22. Coleção
Antropologia da Política.
381 Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, criado em 22/02/1989 pela Lei nº 7.735/89.
382 A Semam/PR foi instituída pela Medida Provisória nº 150, instância à qual o Ibama
passou a ser vinculado pela Lei nº 8.028.
383 O MMA foi instituído pelo artigo 21 da Lei nº 8.490, de 1992.
384 Pela Lei nº 8.746, de 09/12/1993.

244 Renata Curcio Valente


As bases do PPTAL resultariam de articulação e negociação para a
inclusão da questão indígena no PPG-7, o que foi feito por um conjunto de
atores de instituições brasileiras e organizações internacionais. Quanto às
instituições brasileiras, a Funai era oficialmente o órgão executor do pro-
jeto, enquanto a Semam/PR, ligada à Presidência, coordenava o quadro ge-
ral do PPG-7, ao qual o PPTAL se subordinava. Além disso, organizações
indigenistas vinham se articulando em torno da questão territorial dos po-
vos indígenas e constituíram um grupo para elaborar o projeto PPTAL.
O fato é que um grupo bastante afi m às práticas de cooperação téc-
nica – com envolvimento de profissionais que atuavam em ONGs com
fi nanciamentos externos, com certo canal de comunicação com o Banco
Mundial por conhecerem a lógica e os procedimentos da cooperação –
agilizou alianças e articulações políticas de forma tão ágil que restringiu a
capacidade dos setores mais conservadores de inviabilizar o projeto.
A proximidade entre o debate constituinte e a realização da Eco/92
contribuiu para que as discussões em torno das referências conceituais e
das práticas do Estado em relação aos povos indígenas não perdessem o
fôlego. Ao contrário, a oportunidade de se colocarem em foco as questões
do ambientalismo permitiu a inclusão na pauta das negociações de um
projeto para povos e terras indígenas.
Apesar de a origem das questões relativas a “desenvolvimento susten-
tável” ser diferente das questões fundiárias e de desenvolvimento relativas
aos povos indígenas, elas se viram associadas diante da lógica de funcio-
namento dos organismos internacionais. Isto se deu em função da questão
indígena no Brasil ganhar visibilidade no exterior pelas vias da Amazônia,
particularmente dos seringueiros e da sua relação com os povos indíge-
nas. Souza Lima e Barroso-Hoffmann argumentam que “produziu-se e
generalizou-se a ideia de uma aliança entre os povos da floresta, confe-
rindo ênfase a certo utopismo ecologista em razão da generalidade com
que foi aplicado. A partir de então, a ampla propaganda feita em torno
do tema no exterior se deu em consonância com a crescente repercussão
de argumentos ambientalistas variados, tanto nos Estados Unidos quanto
na Europa Ocidental: pouco a pouco a especificidade dos problemas dos
povos indígenas, assim como de suas soluções, foi equacionada sob a con-
dição de problemas de conservação e utilização racional e sustentável do
meio ambiente”. 385

385 Souza Lima, A. C.; Barroso-Hoffmann, M. (Orgs.). “Questões para uma política indige-
nista: etnodesenvolvimento e políticas públicas. Uma apresentação.” In: . Etnodesenvolvi-

A GTZ no Brasil 245


A Eco/92 foi um momento importante de redefi nição de prioridades;
a partir dela, as terras indígenas reassumiram importância e destaque nas
práticas administrativas em relação aos povos indígenas, tendo em vista
a sua contribuição na preservação das áreas de florestas. Os mesmos gru-
pos envolvidos no debate na Constituinte participaram da mobilização da
questão indígena no âmbito da conferência internacional.
Assim, por meio desta “oportunidade” que o campo do desenvolvi-
mento sustentável abriu com a realização da Eco/92 no Brasil, consolidou-
se uma rede composta de membros de ONGs, funcionários de órgãos de
governo, pesquisadores e intelectuais ligados a universidades que contri-
buíram com propostas conceituais e passaram a atuar na articulação de
políticas para povos indígenas, obviamente contando com a possibilidade
de fi nanciamentos provenientes de agências e organismos internacionais.
O processo de levantamento de dados sobre as negociações iniciais do
PPTAL foi bastante ilustrativo para que se possa entender a importância
que certas pessoas tiveram na condução das dinâmicas relacionadas ao
projeto. A partir da pesquisa etnográfica, do levantamento dos dados so-
bre o projeto, foram clareando os elos de uma rede de relações que conso-
lidou as articulações nacionais e internacionais em torno dele, rede ainda
hoje atuante.
O caminho de pesquisa que percorri para o levantamento de infor-
mações sobre as origens do PPTAL e suas negociações iniciais foi o da
identificação de algumas pessoas que estavam em posições profissionais
ou políticas estratégicas naquele momento, no início dos anos 1990, que
acompanharam de perto e tomaram decisões no processo de negociação
do projeto. A partir dessas pessoas – elos centrais de uma cadeia de rela-
ções – me foram indicadas outras pessoas de instituições governamentais
e não governamentais.
Não havia informações sobre a história das negociações iniciais do
PPTAL e de sua formulação na secretaria do projeto, nem nos arquivos
da Coordenação Geral de Documentação (CGDOC). Era praticamente
inexistente qualquer documento que guardasse vestígios da memória des-
se momento de nascimento do projeto dentro da Funai. Durante algum
tempo, dediquei-me a pesquisar e a procurar informações sobre o PPTAL
nos diferentes departamentos, desde os arquivos do CGDOC e da Coor-
denação Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente (CGPIMA), até

mento e políticas públicas. Bases para uma nova política indigenista. Rio de Janeiro: Laced/
Contra Capa Livraria, p. 15.

246 Renata Curcio Valente


a Coordenação Geral de Projetos Especiais, à qual o projeto inicialmente
estava vinculado, mas sem sucesso. Havia silêncio dos funcionários da
Funai, o que revelava uma posição clara de não envolvimento dos mais
antigos em relação ao PPTAL.
No primeiro momento, fui procurar diretamente Artur Nobre Mendes,
que acompanhara desde o início as negociações entre a Funai, o Banco
Mundial e o governo alemão, representado pela GTZ e pelo KfW. Men-
des havia sido coordenador de Projetos Especiais e mais tarde, por muito
tempo, o coordenador da Secretaria Técnica do PPTAL, de certa forma
a memória do projeto. Por duas vezes eu o entrevistei na Funai, em 2002
e 2003. Na época do primeiro contato, ele era diretor da Diretoria de
Assuntos Fundiários (DAF) e estava a dias de assumir sua presidência;
no segundo contato, em 2003, deixara a presidência para voltar à DAF,
onde dizia sentir-se mais confortável, principalmente dadas as diferenças
políticas com o Partido dos Trabalhadores (PT). Mendes é discreto e di-
plomático, de poucas palavras, uma figura de reconhecida importância
política na Funai.
Tomei conhecimento também que Isa Pacheco atuava como outro elo
importante na relação de pessoas que participaram do momento inicial do
PPTAL. Isa foi funcionária da Funai por muitos anos e havia sido diretora
da DAF durante a presidência de Sidney Possuelo na Funai, e a sua função
foi central para o processo decisório na negociação do projeto, entre 1991
e 1992. Ela participou de várias reuniões com este fi m, até se aposentar.
Quando a entrevistei, em 2003, estava na Secretaria da Amazônia, no
MMA, trabalhando em um programa sob a coordenação de Ana Lange,
sua amiga pessoal e também antiga funcionária da Funai e da Semam/PR,
órgão ao qual o PPG-7 esteve vinculado quando da sua formulação, antes
da criação do MMA.
Suas relações pessoais com indigenistas e com profissionais da área
de meio ambiente colocavam Isa Pacheco em uma posição central no que
dizia respeito à montagem desta história. Reconheci nela a força que ligava
pessoas que se situavam em posições estratégicas naquele momento, 1991-
1996, além das instituições envolvidas, estabelecendo para a minha traje-
tória de pesquisa o que ela de certa forma traçara para mim: um mapa de
suas relações pessoais. As indicações que me deu de algumas das pessoas
que estavam nas negociações iniciais do PPTAL me levaram a um conjunto
de atores do qual fazia parte Maria Auxiliadora Cruz de Sá Leão, Sidney
Possuelo, Maria Elisa Ladeira e Gilberto Azanha. A partir destas pessoas

A GTZ no Brasil 247


que Isa me indicou, cheguei ao Centro de Trabalho Indigenista (CTI), do
qual Isa fazia parte, como membro de seu Conselho Consultivo.
Todos estiveram, ora como consultores, ora como colegas na Funai,
trabalhando juntos no PPTAL e, de certa forma, tinham relações, direta
ou indiretamente, com o CTI, onde encontrei a maior parte dos documen-
tos no acervo de Virgínia Valadão.386
O CTI é uma organização não governamental “sem fi ns lucrativos” e
foi fundado em 1979, em São Paulo, por um grupo de antropólogos. Ori-
ginalmente, pode-se afi rmar, tinha um perfi l quase familiar, de amigos e
alguns casais em convívio bastante próximo, sendo a USP e São Paulo seus
espaços de convivência. Entre eles estavam os casais Maria Elisa Ladeira e
Gilberto Azanha, Virgínia Valadão e Vincent Carrelli, além de Iara Ferraz
e Dominique Gallois, que entrou depois.
Os antropólogos do CTI tinham também boas relações nos meios aca-
dêmicos. Todos possuíam uma trajetória que passava pela formação essen-
cialmente acadêmica na Universidade de São Paulo, mas tinham uma par-
ticipação marcante em organizações da sociedade civil, como também na
Funai. A relação com este órgão iria ser particularmente distintiva durante
a gestão de Sidney Possuelo. Não se pode deixar de mencionar que, desde o
início da instituição, as atividades do CTI com populações indígenas rece-
beram apoio de organismos e agências alemãs, como a Pão para o Mundo
(Brot für Die Welt), uma organização ligada à Igreja Evangélica.
A principal atividade do CTI ao longo de sua história foi no processo de
regularização fundiária de terras indígenas no Brasil. Segundo documen-
tos institucionais publicados entre 1992 e 2003, a ONG tem por objetivo
“possibilitar aos índios um maior controle sobre suas terras e valorizações
das formas próprias de manejo e aproveitamento não predatórios de seus
recursos naturais”.387
Entre as várias organizações indigenistas que visitei em Brasília, o CTI
é aquela que tem as instalações mais simples e discretas. São poucos fun-
cionários. Seus membros têm uma postura bastante politizada e de resis-
tência; são particularmente críticos em relação aos modelos “neoliberais”
e empresariais de execução de projetos sociais e às exigências que são cada
vez mais cobradas pelas instituições doadoras internacionais em termos de
prestação de contas e cumprimento de normas. Outras organizações, como

386 Virgínia Valadão, antropóloga, faleceu em 1998 e muitos dos documentos de sua ativi-
dade profi ssional ficaram guardados no CTI.
387 Carta aos Amigos da ICCO e PPM, de 11 de janeiro de 1995, p. 1.

248 Renata Curcio Valente


o Instituto Socioambiental (ISA), têm muito mais visibilidade e maior in-
serção, tanto em relação às suas publicações, que são referência, quanto na
articulação política de seus membros.
No caso específico do PPTAL, observei que alguns antropólogos e an-
tropólogas do CTI tiveram uma participação continuada e diversificada na
malha administrativa na qual o projeto se institucionalizaria: Virgínia Va-
ladão havia sido consultora do Banco Mundial, no início das negociações
do PPTAL; Maria Elisa Ladeira trabalhara como consultora na elaboração
do projeto e em outros momentos; Gilberto Azanha participou de reuniões
do PPTAL e do PPG-7 como um dos representantes da sociedade civil; Do-
minique Gallois coordenou o projeto-piloto de demarcação da Terra indí-
gena Wajãpi levado a cabo com a cooperação técnica da GTZ no Brasil.
O CTI foi o ponto de partida dos mais antigos rascunhos e documen-
tos sobre as negociações iniciais do projeto PPTAL. Ali foi possível acom-
panhar algumas das mudanças no seu desenho e vislumbrar o grupo de
pessoas envolvido na sua viabilização junto ao governo. Encontrei no CTI
muitos dos mais importantes documentos relativos ao PPTAL, documen-
tos estes que jamais vi na Biblioteca da Funai, na Secretaria Técnica do
PPTAL ou na GTZ, e que faziam parte do acervo de Virginia Valadão.
Após seu falecimento, ficaram intactos, sem tratamento, guardados sem
destino certo em caixas de papelão e em gavetas fechadas da sua antiga
mesa. Como ocorre com vários documentos que contam a história de pro-
gramas e processos políticos e sociais no Brasil, o acervo era riquíssimo,
guardava não só uma história pessoal, mas também a de outros projetos
nos quais Virginia participara.
Os primeiros desenhos em que figuravam as linhas gerais do PPTAL
começaram a ser elaborados com a disponibilização dos recursos que vie-
ram do Banco Mundial, instituição que coordenava o PPG-7, para defi ni-
ção de aplicação de verbas e para contratação de consultores técnicos (as
integrantes do CTI), que contavam com a colaboração de antropólogos do
quadro do Banco Mundial.
Um dos primeiros documentos que fazem referência à existência de
um Projeto de Terras Indígenas, que era o PPTAL, foi a lembrança de uma
missão do Banco Mundial na Funai e na Semam, em maio de 1992. Ajuda-
Memória é o termo que se atribui a um relatório-síntese que se faz a partir
da reunião ou do evento de um grupo de especialistas e representantes do
Banco Mundial, ou de outros organismos internacionais, em que são elen-
cados os participantes, os principais pontos discutidos e as resoluções ou
decisões essenciais que foram tomadas, formalizando as bases de um com-

A GTZ no Brasil 249


promisso. Tem o caráter de uma “ata de reunião”, sendo um documento
que comprova os compromissos assumidos pelos participantes, ainda que
seja possível discutir longamente quais as condições em que são feitas essas
memórias, por quem e o quê.
O termo missão é usualmente adotado por organismos internacionais e
agências de cooperação para o desenvolvimento, fazendo parte do léxico do
Banco Mundial. Refere-se à ida de um grupo de especialistas ou decisores de
departamentos do Banco, divididos por critérios de região ou temas especí-
ficos, a países que recebem recursos do Banco para projetos ou programas.
É usada também para definir as reuniões promovidas junto a instituições
nacionais que desenvolvem projetos ou programas nos quais são tomadas
decisões que envolvem os representantes do Banco, e serve para denominar
o próprio grupo de especialistas do Banco Mundial. A finalidade das mis-
sões organizadas pelo Banco é geralmente de negociação de projetos novos
ou de acompanhamento de fases de projetos em andamento.
Realizada entre 12 e 15 de maio de 1992, essa reunião contou com a
participação de funcionários da Funai, como Maria Auxiliadora Cruz de
Sá Leão, então coordenadora de Projetos Especiais,388 Isa Pacheco, na épo-
ca diretora da DAF, Elias Bigio e Artur N. Mendes, da área de identificação
– DEID/DAF. O último destes assumiria mais tarde a coordenação de Pro-
jetos Especiais e, depois, a coordenação da secretaria técnica do PPTAL.
Da Semam vieram Ana Lange, Maria L. D. Freitas e Silbene de Almeida.
Como representantes de organizações da sociedade civil participaram Gil-
berto Azanha (CTI); Luiz Carlos Pinagé (Fundação Vitória Amazônica –
FVA), Eduardo Martins (Grupo de Trabalho Amazônico – GTA), Pedro
Ramos de Souza (Conselho Nacional de Seringueiros – CNS), além de uma
representante da Comunidade Europeia, Martine Delogne (CCE).
Defi nia-se, nas conclusões daquele documento que o governo brasi-
leiro, por meio da Funai, se empenharia em elaborar, o detalhamento do
projeto em dois meses a partir daquela reunião. A Funai comprometia-
se também, ao longo do processo, a: “Fornecer ao Banco Mundial todas
as informações que se fi zerem necessárias a respeito das terras indígenas
objeto de demarcação e os seus procedimentos internos.”
Note-se que já se fazia a ressalva, ainda que em nota de rodapé, da não
inclusão das terras indígenas situadas nos estados de Mato Grosso e Ron-
dônia como área de abrangência do projeto, o que se justificava em fun-

388 Posteriormente foi contratada pela GTZ para atuar no projeto Subprograma de Políticas
de Recursos Naturais (SPRN), em Brasília, assumindo em 2007 a Diretoria de Assuntos Fun-
diários, novamente na Funai.

250 Renata Curcio Valente


ção de já estarem sendo contempladas em outros projetos fi nanciados pelo
Banco Mundial, o Prodeagro e o Planafloro.389 O PPTAL seria o primeiro
projeto em que o Banco Mundial estaria implicado diretamente para o
trabalho com populações indígenas, e não o resultado de medidas compen-
satórias, como foi o caso dos dois projetos citados acima.
Estavam presentes da parte do Banco Mundial Daniel Gross e Virgínia
Valadão, ambos antropólogos, mas somente Gross fazia parte do quadro
do Banco Mundial. Valadão, do CTI, fora contratada temporariamente
como consultora do Bird durante a fase inicial de negociação para a prepa-
ração do PPTAL. Eles atuavam como “colaboradores”, acompanhando e
avaliando os resultados desenvolvidos pela equipe de elaboração do proje-
to, junto com grupos da Funai, especialmente da DAF e da Semam, e com
representantes de ONGs.390
Daniel Gross já havia trabalhado no Brasil em projetos com populações
indígenas atingidas pela construção da estrada de ferro Carajás. Nessa
época, a antropóloga Lux Vidal, 391 da Universidade de São Paulo, foi indi-
cada para os trabalhos de demarcação de todo o conjunto de terras relati-
vas às compensações do projeto, com o respaldo da Associação Brasileira
de Antropologia (ABA). Lux Vidal, por sua vez, chamou alguns de seus
alunos da USP para colaborarem, sob a sua supervisão, nos trabalhos de
demarcação.392 Entre seus alunos, Maria Elisa Ladeira e Iara Ferraz atu-
aram como consultoras no acompanhamento das demarcações das terras
indígenas na área de abrangência do Programa Estrada de Ferro Carajás.
As relações de trabalho dos membros do CTI com o Banco Mundial
vinham dos anos 1980, desde a época em que Valadão e Ladeira já presta-

389 Prodeagro é o Programa de Desenvolvimento Agro-Ambiental do Estado do Mato Gros-


so; Planafloro é o Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia. Ambos foram elaborados
como projetos compensatórios ao Programa Polonoroeste, que resultou da construção da BR
364 nos estados de Mato Grosso e Rondônia, com empréstimo do Banco Mundial. Alguns
entrevistados mencionaram que a razão da retirada destas terras do PPTAL seria a imagem
negativa dos dois projetos que tiveram o envolvimento do Banco. Ver em Banco Mundial/
Semam/Funai. Programa Piloto para a Conservação da Floresta Tropical Brasileira, Projeto
das Terras Indígenas, 12-15 de maio de 1992.
390 Funai/Semam/Banco Mundial. Missão. 12 a 15 de maio de 1992.
391 Lux Vidal é doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo, onde leciona
desde 1971. Segundo Maria Elisa Ladeira, Lux Vidal teria sido indicada por Daniel Gross,
mas não aceitou assumir sozinha, formando um grupo de pesquisadores, com o respaldo da
ABA.
392 Os antropólogos que foram consultores da Cia. Vale do Rio Doce para identificação das
terras indígenas nas áreas de impacto da estrada de ferro Carajás foram Maria Elisa Ladeira,
Iara Ferraz, Mércio Gomes e Antonio Arantes.

A GTZ no Brasil 251


vam consultorias para a Cia. Vale do Rio Doce (CVRD), para o programa
de Carajás, em demarcações de terras indígenas nos estados de Rondônia e
Mato Grosso. Ali também esteve presente o Banco Mundial, o que pode ter
sido um dos fatores que favoreceram a indicação de antropólogos do CTI.
Foi proposta pelo governo a contratação de uma consultoria antro-
pológica para a elaboração do projeto na Funai, representada pela DAF
(DAF/Funai). A consultoria solicitada pelo Bird foi para elaboração de
um esboço do PPTAL em 1992, para a qual foi chamada Maria Elisa
Ladeira, 393 antropóloga e amiga do CTI de Valadão. Ladeira foi contrata-
da em junho de 1992 pelo Bird como consultora que faria parte da equipe
de preparação do PPTAL na Funai.394
Os antropólogos do CTI participaram de redes integradas que atuaram
ao longo das negociações do PPG-7, juntamente com o Instituto de Estudos
Amazônicos (IEA) e o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).395 O IEA foi
criado como entidade de apoio ao Conselho Nacional dos Seringueiros, em
1986, no Acre; em 1991 trabalhou com esta instituição na implementação
do Programa Nacional de Reservas Extrativistas. Em agosto de 1991, foi
transferido do Acre para Brasília, período em que outras ONGs também
estabeleceram sucursais na capital federal. Foi um tempo de efervescên-
cia política na área ambiental, com a criação de um órgão federal de im-
plementação de políticas ambientais, a Semam, já nas proximidades da
Eco/92, que abria oportunidades para a atuação da sociedade civil nas
políticas democráticas em articulação.
O IEA teve atuação importante nas negociações do PPG-7 e contribuiu
para a articulação do Grupo de Trabalho Amazônico. Em documento do
projeto, afirmava-se que “o IEA vinha acompanhando as negociações sobre
o programa-piloto desde a primeira reunião com o governo brasileiro, em
4 de março de 1991, quando foi discutido o primeiro documento governa-
mental sobre o assunto. [...] A proposta apresentada pelo governo brasilei-

393 Maria Elisa Ladeira é antropóloga, com graduação e mestrado na USP e doutorado em
Linguística. É esposa de Gilberto Azanha e irmã de Maria Inês Ladeira, ambos do CTI.
394 Em documento de setembro de 1992, elaborado pelo CTI (presumivelmente, porque não
há referência de origem do documento) para a renovação do contrato de Maria Elisa, pede-
se a extensão da consultoria para a fase fi nal de revisão do projeto. A versão do projeto foi
apresentada ao Bird em 4 de julho de 1992.
395 Arnt, R. “Fundo para a Amazônia divide ambientalistas”. Folha de São Paulo,
08/07/1991, p. 5.

252 Renata Curcio Valente


ro, com aval e incentivo dos países doadores, era a de realizar um trabalho
conjunto governo-ONGs para a implementação do Programa”.396
O trabalho de apoio e assessoria ao CNS desde 1986 e a articulação
estabelecida com a implantação do Programa Nacional de Reservas Extra-
tivistas deram aos seus representantes o conhecimento das pessoas e das
redes locais da Amazônia, o que facilitou a articulação de ONGs da re-
gião. O GTA foi criado em 1 de junho de 1991 por um grupo de 11 entida-
des, a saber: Instituto de Estudos Amazônicos (IEA), Centro de Trabalho
Indigenista (CTI), Fundação Mata Virgem (FMV), Associação Brasileira
de Antropologia (ABA), Central Única de Trabalhadores (CUT), Movi-
mento pela Sobrevivência da Transamazônica (MPST), Fundação Vitória
Amazônica (FVA), Projeto Estudos Sobre Terras Indígenas no Brasil (Peti),
Comissão pela Criação do Parque Yanomâmi (CCPY), Instituto de Pré-
História, Antropologia e Ecologia (Iphae), Projeto Saúde e Alegria (CE-
APS) e Funatura.397
Como publicado no primeiro Boletim Informativo do GTA, de junho
de 1992, a rede GTA participaria como representação da sociedade civil
no PPG-7. A organização desta rede se deu paralelamente à organização da
Associação Brasileira de ONGs/Abong, cuja posição foi contrária ao PPG-
7. No dia 11/06/1991, o IEA enviou um fax para o CTI exigindo maior
participação da sociedade civil, pedindo claramente que se solicitasse uma
reunião junto a Secretaria Nacional de Meio Ambiente (Semam) com as
ONGs objetivando analisar a versão do PPG-7. 398
Ao retornar da viagem ao exterior, Mary Allegretti assumiu a atribui-
ção de mobilizar organizações não governamentais para que fossem acom-
panhar as discussões e as negociações dos projetos do PPG-7. A proposta
de inclusão das ONGs no programa do PPG-7 tinha uma forte relação
com a atuação dos doadores para a implementação dos projetos. Em do-
cumento do CTI, afi rma-se que os doadores chegaram à conclusão que
apenas as propostas oriundas da sociedade civil e a proposta da Funai
relativa à identificação e à demarcação de terras indígenas estavam sufi-

396 IEA. Projeto Políticas Públicas para a Amazônia. Relatório Anual. Doação 910-0914.
Brasília: Fundação Ford, janeiro de 1993, p. 11.
397 GTA. Boletim Informativo n. 1. Brasília, junho de 1992.
398 Fac-símile do IEA para CTI, de 11/06/1991, obtido no CTI.

A GTZ no Brasil 253


cientemente fundamentadas para receberem os recursos para a primeira
fase do PPA.399
A relação entre o Banco Mundial e as ONGs se deu por meio da con-
tratação de serviços de consultoria para elaboração de projetos. No caso
do PPTAL, o Bird contratou consultorias de antropólogos ligados a ONGs
que, em conjunto com um grupo da Funai e da Semam, começaram a
formular os esboços do projeto, em 1992, para apresentação dentro dos
prazos dados pelos organismos internacionais.
De acordo com a análise de documentos do PPTAL, alguns dos mem-
bros do CTI tiveram participação intensa na fase inicial de negociação e
elaboração do PPTAL, principalmente entre 1991 e 1994, seja na forma
de consultorias temporárias, seja dentro da Funai, como foi o caso de Gil-
berto Azanha que assumiu cargo comissionado durante a gestão de Sid-
ney Possuelo no Departamento de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente
(Depima). Atuaram particularmente na elaboração e no planejamento de
projetos e na execução e no acompanhamento de demarcações pela Fu-
nai. Primeiro, houve a elaboração da versão inicial do projeto, em 1992,
depois, a demarcação-piloto realizada juntamente com a GTZ na Terra
Indígena Wajãpi, em 1994.
Também no PPG-7, alguns membros do CTI participaram como “re-
presentantes da sociedade civil” em reuniões com doadores, particular-
mente as organizadas pelo Banco Mundial, como consultores diretos do
Bird ou mesmo consultores para prestação de serviços esporádicos para a
Funai.

A entrada dos alemães e as mudanças no projeto


Em agosto de 1992, uma nova missão do Banco Mundial veio ao Bra-
sil para avaliar o andamento da elaboração do PPTAL. O documento de
“ajuda-memória” desta missão apresentou um esboço do projeto, solicita-
do para ser apresentado após a revisão do detalhamento feito em julho de
1992.
Fizeram parte desta segunda reunião de missão do Banco Mundial:
representando a Funai: Maria Auxiliadora Cruz de Sá Leão, Artur Nobre
Mendes, Mara Vanessa Dutra, Elias Bigio, Marina Kahn, Isa Pacheco,

399 CTI. Projeto de Demarcação – 92/93. Convênio FUNAI-CTI, mimeo, sem data, p. 7
(arquivo CTI).

254 Renata Curcio Valente


Maria Elisa Ladeira; pela Semam: Ana Lange e Silbene de Almeida; pelo
Bird: Daniel Gross e Virgínia Valadão, consultora.400
Mantinha-se basicamente o mesmo grupo da reunião anterior de maio,
aparecendo um novo participante, Otto Freiherr Von Grotthuss, repre-
sentante do Banco KfW, o principal doador. Não tive acesso a qualquer
documento que mencionasse as condições de entrada do banco alemão na
composição dos doadores antes desta missão, nem se a esta altura já se
sabia a respeito das participações fi nanceiras de cada doador. No entanto,
uma funcionária da atual Secretaria de Assuntos Internacionais (Seain),
do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), nos escla-
receu como se processam ainda hoje as negociações fi nanceira e técnica
de detalhamento das atividades de um projeto. Segundo ela, quando o
projeto foi concebido, ele passou pela Cofiex401 e foi aprovado o montante
de US$ 250 milhões para preparação dos projetos do PPG-7. O recurso foi
aprovado pela Cofiex ao MMA, que é o responsável pela coordenação do
grupo. Este foi o sinal verde para a partir de então, junto com os doadores,
preparar os projetos, elaborar o projeto executivo, o chamado “projetão”.
A partir de então, com a vinda das missões do Banco Mundial e do banco
alemão, os projetos são elaborados em seus detalhes.
A entrada dos alemães na reunião marcou uma mudança significativa
no processo de negociação, sendo imposta desde o início a aprovação das
autoridades competentes do governo da Alemanha como condição para
validar as decisões tomadas, de acordo com as normas da cooperação fi-
nanceira oficial alemã.402

400 O grupo de pessoas que trabalhava na época na Funai assumiu posteriormente res-
ponsabilidades profi ssionais em diferentes instituições, alguns deles na própria GTZ. Maria
Auxiliadora Leão foi para o projeto Subprograma de Políticas de Recursos Naturais (SPRN),
trabalhando na GTZ; Mara Vanessa trabalha atualmente em consultorias particulares para
cursos de capacitação e oficinas oferecidas, dentre outras, pela GTZ; Marina Khan foi para
o Instituto Socioambiental; Ana Lange estava, na época em que fi z o levantamento de dados,
no Ministério de Meio Ambiente, junto com Isa Pacheco.
401 A Comissão de Financiamentos Externos (COFIEX) é um colegiado composto por mem-
bros do Ministério do Planejamento (Secretaria de Assuntos Internacionais, Secretaria de
Planejamento e Investimentos Estratégicos, Secretaria de Orçamento Federal e Assessoria
Econômica), do Ministério de Relações Exteriores e do Ministério da Fazenda (Tesouro Na-
cional, Secretaria de Política Econômica e Secretaria de Assuntos Internacionais).
402 Aide Memoire. Projeto Integrado de Proteção das Terras e Populações Indígenas da
Amazônia, 3-14 de agosto de 1992.

A GTZ no Brasil 255


Na reunião de agosto, algumas mudanças foram observadas quanto
às ações previstas: no lugar de identificação e demarcação, anteriormente
apresentadas em dois itens separados, propôs-se a regularização fundiária
das terras indígenas. A partir de agosto de 1992, nota-se também que
o título do projeto passou a incluir “populações” juntamente com terras
indígenas, quando em maio era mencionado exclusivamente “terras” in-
dígenas, ficando “Projeto Integrado de Proteção das Terras e Populações
Indígenas da Amazônia”. Esta mudança parece refletir uma preocupação
de alguns membros do grupo em não restringir os objetivos somente a as-
pectos físicos, como um projeto de “zoneamento”, mas enfocar a questão
da territorialidade como um dos aspectos culturais e sociais para as popu-
lações indígenas. No texto, consta: “o objetivo geral do projeto é proteger
as terras e as populações indígenas da Amazônia contra intervenções que
ameacem sua integridade física e cultural”. Esta modificação foi conside-
rada um avanço importante.
A proposta de capacitação indigenista revelava não somente um dos ei-
xos centrais de operacionalidade da cooperação técnica, associado à trans-
ferência de know-how e aos “treinamentos” (oficinas, cursos seminários),
mas particularmente que aquele grupo não estava de acordo com a visão e
a prática do indigenismo que vinha sendo adotada pela Funai. A ideia de
fazer um “curso” indicava uma avaliação de ineficiência das práticas deste
órgão e falta de capacidade de seus funcionários. Neste sentido, treinar
significava adotar novas práticas, o que justificava uma forma de inter-
venção direcionada à “formação dos funcionários”. Neste caso, como se
caracterizava como treinamento aos funcionários da Funai, a proposta se
orientava para uma determinada concepção de ações indigenistas distintas
das que vinham sendo adotadas, consideradas, portanto, mais modernas
e mais eficientes.
A ênfase neste ponto já havia sido colocada na missão de maio de
1992403 como uma das seis principais linhas de ação para a realização dos
objetivos do PPTAL, reaparecendo no documento de memória da missão.
Previa-se, pois, a capacitação de funcionários da Funai: “apoiar cursos
de capacitação de indigenistas da Funai e outros que trabalham junto a
populações indígenas”.404
Na Ajuda Memória, ficou estabelecido que a Funai recorreria a consul-
tores para a execução dos cursos de capacitação, ficando responsável pela

403 Funai/Semam/Banco Mundial. Missão. 12 a 15 de maio de 1992.


404 Aide Memoire, op. cit., p. 2.

256 Renata Curcio Valente


defi nição de seu perfil sendo a contratação viabilizada por meio de um or-
ganismo internacional, sem burocracia. Por fi m, entre as ações propostas,
foram incluídas a coordenação e a monitoria do projeto. Esta meta especí-
fica reflete o desempenho direto das agências internacionais que têm neste
ponto a preocupação com o controle e o exercício de poder sobre planeja-
mento, implementação e gerenciamento de projetos – o seu forte – como
prestadoras de serviços de cooperação técnica. Na verdade, a intenção era
de que o PPTAL servisse como laboratório para a reestruturação da Funai,
o que nem sempre ficava claro: “A Funai se compromete a apresentar aos
doadores detalhamento, organograma, funcionamento e custos relativos à
coordenação e à monitoria do projeto”.405
Em relação aos projetos de saúde e meio ambiente, foi defi nido que
seriam feitos projetos-piloto em áreas a serem defi nidas. A proposta dos
“pilotos” seria uma forma de restringir e dar maior ênfase às ações im-
plementadas, o que serviria de exemplo para serem replicados em outras
áreas. Determinou-se o prazo de 60 dias para detalhamento destes dois pi-
lotos, com o compromisso de se entrar em entendimento com o Ministério
da Saúde e com a Semam.406
Pelo que pode ser visto nos textos das missões do Banco Mundial, já
estavam traçadas as diretrizes do projeto. Aquilo que fora colocado nas
ajudas-memória das reuniões, particularmente na de agosto de 1992, já
eram as linhas fundamentais do projeto, que posteriormente figurariam na
versão desenvolvida a partir da consultoria de Maria Elisa Ladeira para a
Funai, em dezembro de 1992.
Um aspecto que pode ser ressaltado aqui é o fato de que a participação
de representantes da sociedade civil nessas reuniões alteraria pouca coisa,
mas parecia mais uma forma de garantir uma certa legitimidade formal
por parte da sociedade civil. As decisões eram prévias e apresentadas de
forma concisa e encadeada, o que dificultava o senso crítico e a capacidade
de contestação. Entre os representantes dos grupos, por sua vez, relações
de afi nidade colaboraram para consolidar na reunião a premissa de que
havia consenso para aprovação da versão fi nal de um projeto de coopera-
ção técnica.
Uma primeira versão completa saiu em dezembro de 1992; nela já
estavam estabelecidas algumas das linhas que caracterizariam o PPTAL

405 Id., p. 2-4.


406 Tal proposta fundamentava-se nos Decretos ns. 23/91 e 24/91, que defi niam que a as-
sistência à saúde indígena seria competência do MS e que a proteção ao meio ambiente em
terras indígenas seria competência da Semam.

A GTZ no Brasil 257


no documento oficial do Banco Mundial,407 mais conhecido entre os téc-
nicos do projeto como Blue Cover. Ele foi editado, no entanto, somente
em 1994, como documento oficial do governo brasileiro, oficializado pelo
Banco Mundial. De acordo com Mendes, os projetos-piloto eram exigên-
cias do Banco Mundial, sendo proposta do governo brasileiro priorizar a
demarcação, o que acabou prevalecendo posteriormente. A ideia era cen-
trar forças na demarcação, talvez por perceberem a pouca visibilidade de
projetos de capacitação em uma estrutura organizacional que proporcio-
nava a obstinação da defesa do monopólio das ações indigenistas centra-
lizadas na Funai.
O projeto tinha um volume expressivo de recursos disponíveis, e con-
tava com uma rede de pessoas de diferentes instituições, tanto governa-
mentais, como a Funai e a Semam, como não governamentais, que tinham
grande interesse em promover a consolidação e o sucesso do projeto.
A questão que se colocava, diante do recurso disponível, era como in-
ternalizá-lo na estrutura de uma instituição pública. Não se sabia, ainda,
como contratar profissionais, como comprar equipamentos, como organi-
zar cursos, enfi m, como operacionalizar as ações do projeto, com recursos
que vinham de uma organização internacional alemã.
No caso do PPTAL, foram duas as organizações de cooperação técnica
que estiveram presentes na operacionalização de recursos internacionais: a
GTZ, a agência de cooperação técnica alemã e o PNUD, o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento.

A cooperação técnica do PNUD


Iniciado o projeto, depois de praticamente dois anos de tramitação buro-
crática no Brasil e também na Alemanha, fi nalmente em 1996 o PPTAL
iniciou sua fase de execução pela Funai.
Para Artur Mendes, o caso de um projeto de “cooperação internacio-
nal” era uma situação inédita para a Funai e havia muitas incertezas quan-
to aos seus significados e às implicações de se tomarem recursos externos e
de contratação por meio de agências multilaterais, como PNUD e Unesco,
já que o processo de regularização fundiária era uma atribuição do Esta-
do. Como argumentou Mendes, não se tinha ideia do que era cooperação
técnica quando eles começaram o projeto, nem mesmo dessa cooperação
técnica mais usual na administração pública, com atuação do PNUD e

407 Governo do Brasil/Bird/CEE. Projeto Integrado de Proteção às Terras e Populações


Indígenas da Amazônia Legal, op. cit.

258 Renata Curcio Valente


Unesco por meio de projetos, nem da cooperação internacional. Segundo
ele, o PPTAL inaugurou este processo para a cooperação técnica dentro
da Funai.408
Em setembro de 1996, a Funai formalizou, por meio de ofício, uma
proposta ao PNUD para contratação de pessoal com o fi m de “assistência
preparatória”. Defi nem por “assistência preparatória” uma possível fase
que se imaginava de implementação inicial do projeto na Funai.
A proposta passou pela instância de gerenciamento dos projetos do
PPG-7, o Ministério do Meio Ambiente, que aprovou a solicitação. Diz o
documento que a referida proposta tinha por objetivo: “resolver os proble-
mas atuais através da capacitação de RH e de prover apoio na identifica-
ção, planejamento, implementação e avaliação de experiências inovadoras
no processo de regulação fundiária”.409
Em novembro de 1996, foi assinado o projeto para uma primeira fase
preparatória, de 1996 a 1998, sendo posteriormente renovado até 2000 e,
mais uma vez, até 2004, o que praticamente caracteriza uma década desta
mesma situação de contratos temporários para funções permanentes na
administração pública.
O argumento de extensão do projeto se dava em função da constante
alteração proveniente do aumento do número de terras a serem regula-
rizadas, como também da justificativa de que “a parceria com o PNUD
tem demonstrado resultados expressivos ao abrir um espaço institucional
importante que tem permitido avançar na participação indígena e na co-
laboração de peritos externos”, como é mencionado em documento do
projeto PPTAL.410
O PNUD canalizou, para a execução dessas atividades, recursos tanto
do RFT quanto do KfW.411 Em documento de 2003, nota-se que a execu-
ção via PNUD ocorre em praticamente todos os componentes do projeto:
identificação, acompanhamento indígena, planos de vigilância e fiscaliza-

408 Artur Nobre Mendes, ex-coordenador da Secretaria Técnica da Funai, em entrevista


concedida no dia 3 de julho de 2002.
409 MMA. Ofício n. 605/MMA/SCA/PPG7, de 19/09/96.
410 Funai. Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia
Legal – Revisão Substantiva Q, junho de 2003, p. 5.
411 Idem. PRODOC, Proposta de Cooperação Técnica com PNUD, maio de 1998; a pri-
meira fase, orçada em praticamente US$ 2 milhões e a segunda em US$ 7,6 milhões.

A GTZ no Brasil 259


ção, estudos e capacitação, inclusive levantamentos etnoecológicos. A úni-
ca atividade que não exerceu foi a de demarcação.412
Cumpria à Funai justificar o uso de recursos externos, já que o proces-
so de regularização fundiária era uma atribuição do Estado. A razão para
tal solicitação era a de “haver dificuldades devido à falta de capacidade e
experiência da Funai de executar um projeto deste porte”.413
O mecanismo de contratação de pessoal temporário na administra-
ção pública, por meio de projetos com organismos internacionais, como
PNUD e Unesco, não foi exclusivo dos projetos do PPG-7, como o PPTAL,
mas representou um processo que se instituiu de maneira geral para suprir
uma demanda na administração pública por pessoal; isto porque não hou-
ve contratações de pessoal, muito menos concursos públicos nos quadros
do governo de Fernando Henrique Cardoso, em que vigia uma política de
enxugamento da máquina pública, reduzindo a contratação de pessoal e os
concursos públicos. Particularmente em relação à regularização fundiária,
desde 1993, o governo tomara providências legais para a formalização da
permissão de contratação de pessoal por tempo determinado.
Em dezembro de 1993, o presidente Itamar Franco sancionou a Lei no
8.745 que instituiu a contratação de pessoal por tempo determinado para
atender a que se denominou de necessidade temporária de excepcional in-
teresse público, que seriam situações de assistência à calamidade pública
(inc. I, art. 2o), combate a surtos endêmicos (inc. II, art. 2o), admissão de
professor e pesquisador substituto, visitante e estrangeiro (incs. IV e V,
art. 2o), e algumas atividades específicas. Entre estas, destacavam-se a in-
clusão daquelas relacionadas à identificação e à demarcação desenvolvidas
pela Funai (alínea b do inc. VI, art. 2o) e das técnicas especializadas, no
âmbito de projetos de cooperação com prazo determinado, implementados
mediante acordos internacionais, desde que houvesse em seu desempenho
subordinação do contratado ao órgão ou à entidade pública (alínea h do
inc. VI, art. 2o).414
A partir de então, tornou-se possível, na esfera da administração pú-
blica, a contratação de pessoal por meio de consultorias tanto para ela-
boração inicial de projeto, quanto para identificação de terras indígenas.

412 Idem, Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia


Legal – Revisão Substantiva Q, op. cit.
413 Ofício n. 605/MMA/SCA/PPG7, de 19/09/96.
414 Magalhães, E. (Org.). Legislação Indigenista Brasileira e Normas Correlatas. 2. ed.
Brasília: FUNAI/CGDOC, 2003, p. 143-145.

260 Renata Curcio Valente


Para isso, parte do orçamento do próprio governo seria passado para as
agências multilaterais, como o PNUD, para o pagamento dos salários dos
funcionários temporários.
Com a Lei no 8.745/93 ficou defi nido que as contratações seriam feitas
por meio de projetos por processo seletivo simplificado, com base em cri-
térios de capacidade técnica ou científica do profissional mediante análise
de currículo, prescindindo de concurso público. Como praticamente não
houve concurso público para contratação de pessoal por um longo perío-
do, que se estendeu pelos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso,
ficou instituído assim um funcionário-PNUD no funcionalismo público
que, apesar de defi nido como temporário, com contratos trimestrais ou
semestrais, ficou na administração pública federal até por 10 anos.
O cargo de consultor PNUD e Unesco tinha status diante dos funcio-
nários públicos em geral, sendo a indicação para a sua ocupação deter-
minada pelas relações de conhecimento. Recebiam salários mais elevados
para desempenhar funções idênticas ou equivalentes às dos funcionários
públicos, o que contribuiu para estabelecer uma hierarquia entre funcioná-
rios públicos e “consultores-PNUD”.415 Os salários mais elevados compen-
savam outras garantias trabalhistas que este tipo de contrato não previa,
como férias, décimo-terceiro salário, fundo de garantia, entre outros, con-
figurando um cenário de incerteza e insegurança entre os trabalhadores, o
que era recompensado por um reconhecimento social pelas boas relações
de conhecimento em Brasília. O cargo dependia de uma indicação, e per-
manecer era decorrente da competência em se manter nele, apesar de mu-
danças políticas que eventualmente ocorressem na administração pública.
No que se referia ao PPTAL, o documento da missão vinculava assim
a obrigação da Funai em preparar os “termos de referência” para contra-
tação de consultores nas mais diferentes etapas e ações do projeto, como:
consultoria especializada que estudará as operações fundiárias da Funai e
fará recomendações detalhadas sobre os equipamentos que o órgão deverá
adquirir, bem como sobre o treinamento de pessoal necessário para a uti-
lização de imagens de satélite, a digitalização de dados cartográficos sob a
base de um sistema de Informações Geográficas.
Os argumentos que ouvi para explicar a contratação de pessoal através
de projetos de cooperação internacional recaíam sobre a burocracia e a len-

415 Não tenho valores para uma comparação que tornem mais evidentes tais afi rmações,
mas em 2002, quando estive na Setec-PPTAL entrevistando alguns funcionários, soube que
a relação de salários era, para o consultor-PNUD, de praticamente o dobro do que ganhava
o funcionário da Funai.

A GTZ no Brasil 261


tidão dos processos de Estado, sendo uma forma alternativa à “ineficácia”
do Estado. No entanto, é importante esclarecer que o PNUD e a Unesco,
ambas agências da Organização das Nações Unidas, atuavam como “agen-
tes facilitadores” para viabilizar por meio de projetos, a internalização
dos recursos de programas de cooperação internacional na administração
pública. Como nos revelou uma funcionária da ABC, o PNUD realiza, de
forma mais simples e com maior agilidade, o que o governo deveria fazer,
sem burocracia. Segundo ela, as instituições brasileiras não têm agilidade
para a execução de projetos, não têm condições de recursos humanos, e o
PNUD entra para dar condição para agilizar o andamento do projeto.416

A entrada da GTZ e a demarcação piloto


Os primeiros sinais de participação da GTZ no PPTAL apareceram a par-
tir de janeiro de 1993, como resultado de demandas da própria DAF/Funai
para a realização do primeiro seminário de planejamento do projeto. Diz
o Ofício no 014/DAF/Funai de Artur Mendes endereçado à GTZ em 20
de janeiro de 1993 que seria encaminhada, conforme acertado em reu-
nião anterior, uma proposta para realização de Seminário de Planejamen-
to para complementar o componente ambiental do Projeto Integrado de
Proteção às Terras e Populações Indígenas da Amazônia Legal para apoio
da GTZ.
A solicitação se dá de forma direta, como se fosse uma prática usual
na instituição, mas a referência a uma reunião anterior nos leva a crer que
GTZ e Funai estabeleceram verbalmente os procedimentos a serem adota-
dos quanto à solicitação à GTZ de recursos para o seminário. Foi apresentada
uma proposta com custo de US$ 24 mil.417
Imediatamente depois desta solicitação, em fevereiro de 1993, Maria
Auxiliadora Cruz de Sá Leão, como coordenadora da Coordenação Geral
de Projetos Especiais (CGPE), envia um ofício à ABC solicitando recursos
à GTZ para a realização de seminários da metodologia Zopp, visando à
elaboração dos projetos ambiental e de saúde indígena que até então fa-
ziam parte do PPTAL. A elaboração do seminário e mais o aprendizado

416 Melissa de Oliveira, funcionária da ABC em situação de contrato PNUD aponta estas
questões em entrevista concedida em 16/07/2002.
417 Conforme depoimentos de funcionários da ABC que participavam de reuniões de proje-
tos do PPG-7, inclusive do PPTAL, é muito comum nos acordos de cooperação técnica haver
concordância verbal quanto a procedimentos a serem adotados, sem a concretização formal
em documentos escritos.

262 Renata Curcio Valente


do Zopp aparecem como pré-condição para que o projeto ambiental seja
defi nido (Ofício Funai/CGPE/003/93, de 09/02/93 e Ofício CGPE/005/93
de 17/02/93). Este projeto teria sido orçado em US$ 8,7 mil.
Interessante ressaltar que até então o canal de comunicação com a
ABC, e eventualmente com a GTZ, se dava por intermédio da DAF. Este
documento de fevereiro de 1993 já nos revela a existência de uma nova
coordenação, a CGPE. Formalmente, a CGPE foi instituída por meio da
Portaria no 542, de 21/12/1993, como órgão de assistência direta e ime-
diata ao Presidente da República. Na prática, no entanto, vimos que em
fevereiro de 1993 já se assinavam documentos com esta nomenclatura.
De acordo com o depoimento de um técnico do PPTAL,418 a CGPE tinha
a responsabilidade de acompanhamento de projetos em terras indígenas
que resultavam de convênios entre Funai e empresas do setor privado, bem
como de bancos multilaterais. Suas atribuições, no entanto, são de “coor-
denar e controlar a execução de projetos de caráter extraordinário e cir-
cunstancial, em áreas indígenas específicas, que passam à responsabilidade
da Administração Central”.419
Os recursos repassados por empresas ou bancos para administrações
regionais ou departamentos da Funai, alguns bastante altos, tornaram-
se um “fundo especial” que a Presidência dispõe diante de uma situação
orçamentária constantemente precária. Como argumenta uma antropó-
loga que atuara em um desses convênios com a Funai: “A Coordenação
de Projetos Especiais é um estranho apêndice, é uma caixa em que o
Presidente mexe.”
Em menos de um ano no cargo de coordenadora-geral de projetos es-
peciais, Maria Auxiliadora Leão foi substituída por Artur Nobre Mendes,
que vinha da DAF. Em novembro de 1993, em Ofício no 072/93, Artur
assinou com o duplo vínculo de coordenador geral de projetos especiais e
secretário técnico do PPTAL. Este foi o primeiro documento localizado que
aponta para a existência formal de um projeto com cargos específicos para
a sua execução pelo órgão de governo. A CGPE viria a ser a coordenação
responsável por gerenciar o PPTAL, até que fosse criada a sua secretaria
técnica.420 Por um longo período, na trajetória inicial do projeto, as relações

418 Slowacki de Assis, atualmente diretor de Administração da Funai, era na época gerente
técnico de projetos do PPTAL. Segundo ele, esta função não existe formalmente na estrutura
do PPTAL, mas esta teria sido a sua.
419 Portaria n. 542/93. In: Magalhães, E. D., op. cit., p. 116.
420 Até o momento, não tenho documentos que claramente estabeleçam a data de criação
da Setec-PPTAL. No entanto, em setembro de 1995, o Ofício da Funai para a ABC (Ofício

A GTZ no Brasil 263


entre DAF e CGPE foram ainda muito constantes. Era uma fórmula eficien-
te, uma forma rápida e dinâmica de se conhecerem os pontos críticos e as
qualidades de um grupo da administração pública, um aprendizado sobre
o grupo, os problemas e a possibilidade de se proporem saídas.
A entrada da GTZ nesse momento de negociação não apresenta clara-
mente a correlação direta com mecanismos de controle e gestão de recur-
sos do KfW, como veremos mais à frente, o que marcaria defi nitivamente
as características do projeto. O texto do documento delibera taxativamen-
te no item 17 da página 5 como uma das “Providências”: “A Funai fará
contatos com a GTZ (órgão de cooperação técnica do governo alemão)
para estudar a viabilidade de cooperação técnica em áreas específicas do
projeto.”421 Parecia, no entanto, ser este mais um campo aberto para a
atuação conjunta de organismos do governo alemão, mas não se poderia
afi rmar haver interesse em estabelecer sua função de reguladora dos re-
cursos.
A participação dos representantes do Banco KfW na reunião de agosto
de 1992 estabeleceu suas condições de apoio, condicionando as determi-
nações do Banco Mundial à análise e à aprovação das “autoridades do
governo da República Federativa da Alemanha”, conforme as normas de
cooperação fi nanceira. Apesar de o Banco Mundial ser a instituição de
coordenação do PPG-7 e estabelecer para cada um dos projetos um task
manager, no caso do PPTAL, Judith Lisansky, na verdade as decisões esta-
riam submetidas ao objections do Bird e ao governo alemão.
Após a solicitação da Funai para o apoio em seminários, em junho de
1993 notamos outra solicitação feita à GTZ por intermédio da ABC. Nes-
te caso, trata-se de um projeto de demarcação “piloto” que seria realizado
na Terra Indígena Wajãpi, que anteciparia experiências do subprojeto de
identificação e demarcação das terras indígenas. A demarcação Wajãpi foi

n. 070/CIRC/CGPE/95), de 05/09/95, foi emitido pela Coordenação Geral de Projetos Espe-


ciais. Em novembro de 1993, no entanto, registramos que Artur Nobre Mendes acumula duas
funções de coordenador geral de projetos especiais e de secretário técnico do PPTAL, vindo
da Coordenação de Identificação e assumindo eventualmente o cargo de diretor substituto da
DAF (janeiro de 1993). Registramos sua rápida ascensão política na administração da Funai
nesse período imediatamente posterior à Eco/92.
421 Voltaremos a este ponto por ocasião da análise do projeto em implementação, quan-
do veremos que a relação formalizada de gestão fi nanceira dos recursos alemães do KfW
pela GTZ vai se estabelecer posteriormente, em 1995, quando da assinatura do acordo de
cooperação fi nanceira, aí sim como condição imposta pelo banco de desenvolvimento para
participar do projeto.

264 Renata Curcio Valente


a primeira situação em que a GTZ esteve envolvida em uma demarcação
de terra indígena.
Como disse acima, a GTZ entrou nas atividades da Funai como orga-
nizadora de seminários para planejamento e elaboração de projetos, nos
quais se aplicava a grande novidade da cooperação alemã em termos de
planejamento de projetos, que era o método ZOPP. Sua participação, no
entanto, estaria apenas começando e não se restringiria apenas à organi-
zação de seminários. Estes eventos marcariam uma fase inicial, a de reco-
nhecimento de um campo e de seus significados, permitindo em uma eta-
pa posterior a execução efetivamente do projeto de demarcação de terras
indígenas na Amazônia. Para tanto, contaram com a experiência prática
de campo de uma instituição não governamental, o que garantiria uma
aproximação desvinculada de estruturas pesadas e burocráticas do Esta-
do. Esta demarcação teria um caráter “experimental”, caracterizando uma
demarcação-piloto, a ser feita na Terra Indígena Wajãpi, no Amapá, onde
o CTI tinha experiência desde os anos 1970.
Muitos projetos em terras indígenas, que resultaram de convênios entre
Funai e empresas do setor privado, foram estabelecidos mesmo antes da
criação de uma coordenação de projetos especiais, como os com a Eletro-
norte (Waimiri-Atroari), com a Itaipu (PMACI, Prodeagro e Planafloro),
com Sivam e Furnas (Avá-Canoeiro) e com a GTZ, alguns no âmbito do
Departamento de Meio Ambiente e Patrimônio Indígena (Depima) (atual
CGPIMA).
Apesar destes casos, isso não era considerado um procedimento usual,
ou próprio da administração pública, e recebia muitas críticas dentro da
Funai, onde a pretensão do monopólio das ações indigenistas se torna-
va a cada dia mais despida de qualquer possibilidade concreta. Assim,
a demarcação Wajãpi exigia explicações não somente no que concerne
às formas de relação entre ONGs e Funai, mas também quanto à busca
de recursos internacionais alemães, sem experiência prévia nesta área do
indigenismo.
Para tanto, o então presidente da Funai, Cláudio Romero, enviou ofício
à ABC (Ofício 184/93 de 14/06/93), no qual apresentou várias explicações.
Primeiramente quanto aos recursos internacionais dizia da “necessidade
de implementarmos as demarcações das áreas indígenas para cumprirmos
o prazo constitucional e sobretudo o fato de várias dessas áreas encontra-
rem-se aptas à demarcação física [...] levaram a Funai a procurar o apoio
do governo alemão no sentido de acelerar o processo de demarcação, an-

A GTZ no Brasil 265


tecipando, a título de experiência em caráter piloto, ações do subprojeto
para identificação e demarcação das terras indígenas”.
Em outra passagem do texto, o baixo orçamento para demarcação se-
ria o principal motivo que justificava recorrer a fontes de fi nanciamento al-
ternativas: “No momento, o único impedimento à demarcação dessa área
é a inexistência de recursos orçamentários neste órgão. [...] Propõe-se a
utilização de recursos destinados à preparação do PPG-7”.
Esta situação de dificuldades de captação de recursos para realizar as
demarcações foram relatadas por Isa Pacheco como um problema bastante
grave à época. Referiu-se também a estes mecanismos como uma alter-
nativa diante da escassez de orçamento na demarcação-piloto do PPTAL
da Terra Wajãpi, no período em que era diretora de terras. Segundo ela,
este foi um período em que a diretoria de terras estava passando por uma
“miséria franciscana”, mas que buscaram recursos na embaixada [da Ale-
manha] que repassava para as ONGs, e as ONGs faziam os serviços para
a Funai.422
A área indígena Wajãpi, no Estado do Amapá, foi a primeira a ser es-
colhida, justificando-se por estar pronta para ser demarcada desde 1991,
e devido às expectativas dos índios, que receberam a visita de represen-
tantes do Banco Mundial e do KfW em suas terras em agosto de 1992,
em Missão de Pré-Avaliação. O mesmo documento de Romero a ABC, de
1993, justifica a indicação de uma organização não governamental para
a realização desta demarcação pela ausência de mecanismos para interna-
lizar recursos em fase anterior à aprovação fi nal do projeto-piloto e pela
urgência da demarcação. Ao fi nal do documento, argumenta que a Funai
vem desde 1992 desenvolvendo trabalhos conjuntos com ONGs por meio
de convênios específicos em trabalhos demarcatórios, uma forma de justi-
ficar a solicitação de recursos externos.
Dominique Gallois,423 antropóloga do CTI que atuava na área Wajãpi
e que coordenou os trabalhos da demarcação, afi rmou em relatório que
“Diante dos entraves para obter apoio financeiro no Brasil, os líderes
wajãpi Kumai e Waiwai seguiram para Nova York e Washington, em maio
de 1993, apresentando o pleito Wajãpi a organismos internacionais. Após
esta viagem, o governo da República Federal da Alemanha manifestou
interesse no projeto.

422 Entrevista concedida em 13 de novembro de 2003, às 15h, no MMA.


423 Dominique Gallois é doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo,
onde leciona desde 1985. Hoje é uma das pessoas à frente da IEPE.

266 Renata Curcio Valente


Há uma outra dimensão de articulação política que se deu neste mo-
mento, que é importante destacar, que foi o contato das lideranças indíge-
nas, levadas por uma ONG brasileira, com instituições internacionais para
captação de recursos, sem a intermediação de órgãos do Estado brasileiro.
Parece distante, no entanto, a correlação entre as viagens a Nova York e
Washington e a resposta positiva da Alemanha interessada em apoiar a
demarcação, porque as negociações já estavam em andamento entre Fu-
nai, GTZ e ABC, estando previsto o piloto de demarcação. A viagem, no
entanto, pode ter sido um recurso para dar maior visibilidade e destaque
ao projeto e agilizar o processo mais amplo em que atuava a pesada buro-
cracia do Bird e que redundaria na efetiva implementação do PPTAL. Com
base em acordos de cooperação técnica estabelecidos entre os dois países,
a Funai apresentou o pedido de demarcação física da área à Agência Bra-
sileira de Cooperação que o acolheu em agosto de 1993. Por intermédio
do KfW, a demarcação Wajãpi foi encaminhada à GTZ, em Brasília, para
avaliação. Apesar de se tratar da primeira experiência da GTZ com povos
indígenas no Brasil, o projeto foi aceito pelos peritos alemães”. 424
Assim, a articulação entre ONGs e governo, entre agentes e agências
governamentais e não governamentais é difícil de ser reconhecida por am-
bas as partes, o que justifica um quase silêncio a respeito desse período
dos convênios. No entanto, vale lembrar que, no que concerne ao PPTAL e
aos projetos que naquele momento eram pensados como partes dele cons-
titutivas – refi ro-me aos pilotos ambiental e de saúde, que posteriormente
foram abandonados, e também ao piloto da demarcação, que foi o Wajãpi
– formou-se um conjunto de projetos cujos recursos, do RFT ou de acor-
dos bilaterais, eram todos “a fundo perdido”, ou seja, recursos de doações.
O Convênio no 06/94 foi assinado em 25 de julho de 1994 e publicado no
Diário Oficial em 1 de agosto de 1994.

Apoio à Setec
A partir de maio de 1994, o projeto entrou na fase de negociação, quando
foi assinado o acordo de cooperação fi nanceira. Com isso, os vínculos da
Funai com a GTZ se tornaram cada vez mais estáveis e continuados, com
a presença física de um funcionário e com a montagem de um escritório
nas instalações da Funai.

424 CTI. Projeto Demarcação Wajãpi. Resumo do Relatório Final, agosto de 1996, p. 5.

A GTZ no Brasil 267


O presidente da Funai naquele momento, Dinarte Madeiro, indicou
em documento encaminhado à ABC que seria “fundamental a cooperação
técnica da Sociedade Alemã de Cooperação Técnica, GTZ, oferecida pelo
governo da Alemanha com os objetivos de apoiar a secretaria técnica e
apoiar experimentos de manejo sustentado de recursos naturais”.425 Esta
declaração explícita do presidente do órgão nacional solicitando a presen-
ça ou a colaboração de uma agência internacional atribui à sua atuação
a condição de cooperação e não de intervenção. No entanto, a relação da
GTZ com o KfW não é neutra e o acordo de cooperação fi nanceira vai
ser determinante para ampliar a presença da GTZ nas atividades junto à
Funai.
Em função do elevado volume de recursos fi nanceiros disponibilizado
a título de doação ao projeto PPTAL pelo KfW, foi feito em abril de 1995
um acordo entre KfW e governo brasileiro, no qual a Funai aparece como
“beneficiária”, através do MMA, de 30 milhões de marcos alemães não
reembolsáveis. Com base neste acordo de cooperação fi nanceira observa-
se que a exigência de participação da cooperação técnica se impôs como
condição à cooperação financeira.
Para complementar o acordo de cooperação fi nanceira oficial entre
Alemanha e Brasil, de 07/04/1995, de trinta milhões de marcos alemães,
foi feito um acordo em separado que estabelecia os procedimentos ope-
racionais do projeto e as condições para sua execução, como normas de
execução fi nanceira. Neste documento, havia a obrigatoriedade de a Funai
submeter Planejamentos Operacionais Anuais (POA) ao KfW.426 Também
defi ne as atribuições da GTZ de assessoramento na preparação e no con-
trole das atividades previstas no projeto: elaboração dos POAs e de um
sistema de monitoramento e avaliação; identificação das necessidades de
treinamento e capacitação e apoio à realização das ações corresponden-
tes; implementação de um projeto-piloto ambiental e serviços de asses-
soramento específico visando aos regulamentos da cooperação fi nanceira
oficial no que diz respeito, entre outros, às licitações, à adjudicação e à
fiscalização da execução.
No mesmo contrato consta que “Todos os estudos a serem realizados
no âmbito do projeto serão elaborados em estreita coordenação com o
KfW, sendo os respectivos detalhes defi nidos em cada caso. {E ainda:] “dos

425 Ofício n. 256/94, de 12 de maio de 1994, de Dinarte Madeiro, presidente da Funai, a


Sergio Arruda, diretor da ABC.
426 Acordo entre KfW e governo brasileiro, de 7 de abril de 1995.

268 Renata Curcio Valente


POAs constarão, entre outros aspectos, as seguintes informações: lista de
prioridades de terras, lista de terras com situações conflitantes não solu-
cionadas com Unidades de Conservação e datas referentes a eventos-chave
do processo de regularização.427
Neste item referente à execução do projeto, vimos que a cooperação
técnica é uma atividade que aparece vinculada, como condicionalidade,
ao controle dos recursos provenientes da cooperação fi nanceira. Diz no
acordo que “a entidade executora e o KfW encarregarão a cooperação
técnica alemã das funções de assessoramento externo que abrangem: ser-
viços de assessoramento à unidade de coordenação da entidade executora
[...] e serviços de assessoramento específico visando aos regulamentos da
cooperação financeira oficial no que diz respeito, entre outros, a licitações,
adjudicação e fiscalização da execução.”428
De acordo com publicações que defi nem as “normas da cooperação
alemã”, e conforme depoimentos de funcionários da GTZ e da ABC, não
há nada que vincule obrigatoriamente os projetos que o KfW fi nancia à
atuação conjunta da GTZ como uma espécie de supervisora no que con-
cerne às despesas e aos usos dos recursos do governo alemão.429 Isto é
procedente no caso do PPG-7, que é um programa que trabalha integral-
mente com recursos de doação, também chamados de recursos “a fundo
perdido”. Não vale, no entanto, para todos os projetos como uma regra
ou norma da cooperação alemã. Conforme argumenta a coordenadora da
área de cooperação bilateral alemã (CTRB) da ABC, a grande diferença
em relação ao KfW é que ele coloca dinheiro no orçamento da União, no
caso, na Funai. Então, é o coordenador brasileiro que ordena as despesas
desse dinheiro e o perito alemão acumula a função de acompanhamento
fi nanceiro, além do técnico, tendo que verificar como está sendo feito esse
desembolso e a prestação de contas desse recurso do KfW. Segundo ela,
o PPG-7 seria o único caso que tem isso, pois, normalmente, a coopera-
ção fi nanceira é totalmente separada; o lado brasileiro coordena tudo, só
obedece às regras de prestação de contas com a Seain, tem auditoria do

427 Acordo em Separado entre KfW, Funai e MMA. Cooperação Financeira Oficial Alema-
nha/Brasil, Contribuição Financeira n. 94 65 774 de DM 30 milhões, de 07/04/1995.
428 Acordo em separado de cooperação fi nanceira oficial Alemanha/Brasil, de 07/04/1995,
p. 10, item 3.2.
429 Esta ideia não consta do Acordo Básico de Cooperação Técnica entre Brasil e República
Federal da Alemanha, nem também no Compêndio do vocabulário da GTZ, que apresenta
normas, conceitos e diretrizes da CT.

A GTZ no Brasil 269


próprio governo brasileiro, e externa. Pode ter a qualquer momento uma
auditoria independente, mas o PPG-7 é o único neste caso. 430
Artur Mendes argumenta que esta dupla função da GTZ, de ser tanto
uma agência de atribuições “técnicas” e de funções sobre os recursos fi-
nanceiros, causa muitos problemas e resistências no trato com as equipes
de execução dos projetos. Para Mendes, até hoje há resistência na Funai
em relação à cooperação alemã. Para ele, há um agravante que é o fato de
a cooperação técnica ter papel duplo, um que é simpático à instituição,
e outro que é antipático: ela é tanto uma cooperação técnica, que dispo-
nibiliza técnicos para a Funai, viabiliza encontros, discussões, cursos de
treinamento, todo esse papel típico que é específico da cooperação técnica,
como também é o representante do KfW dentro do projeto, aprova presta-
ções de contas, aprova planos operacionais, termos de referência, tudo em
nome da cooperação fi nanceira.431

A vinda dos peritos


Com o acordo, em 1994, de que a cooperação técnica tinha sido solicitada
e acordada entre as partes, foram feitos acertos diplomáticos para a vinda
de um funcionário alemão para acompanhar a implantação do PPTAL,
os quais se iniciaram em junho do mesmo ano.432 A proposta encaminha-
da pela Funai incluía um termo de referência para contratação de perito
de curto prazo em que estariam já defi nidas suas atribuições, que eram
de assessorar a Setec/PPTAL na elaboração e implementação do mode-
lo e sistemática da gestão do projeto, na elaboração do Plano Operativo
Anual (POA) e de um sistema de monitoramento (monitoria do projeto) e
de difusão interna do projeto, além de assessorar na implantação de um
projeto-piloto ambiental; treinamento e capacitação gerencial da Funai;
assistência à Funai para elaboração dos Termos de Cooperação Técnica de
Longo Prazo.433
Como já mencionado anteriormente, é usual que peritos de curto prazo
sejam deslocados para avaliar ou dar início a projetos da GTZ. No con-

430 Elke Constanti, em entrevista.


431 Em entrevista concedida na Setec-PPTAL-Funai, em julho de 2002.
432 Ofício n. 1.486/ABC/CTRB, de 21 de junho de 1994, de Sergio Arruda, diretor da ABC,
a Garry Soares de Lima, diretor do Detec/MMA.
433 Termo de Referência (TR) é uma peça administrativa que estabelece critérios e bases nor-
mativas para contratação de pessoal ou de serviços, muito frequentemente associada a servi-
ços de consultorias ou prestação de serviços por meio de licitação para órgãos de governo.

270 Renata Curcio Valente


trato – termo de referência – estava definido o prazo de um ano para que
o funcionário realizasse um levantamento preliminar das condições insti-
tucionais, e outras, que fossem encontradas para a execução do projeto, o
que faria por meio de relatórios e avaliações para a GTZ.
A GTZ defi niu que a primeira fase do projeto seria fi nanciada através
de recursos provenientes do fundo para estudos e peritos, chamado “Pool
de Peritos”, destinado a cobrir salários e despesas de moradia de um perito
de curto prazo, peritos locais, treinamento e equipamentos para iniciar a
execução de projetos.434
O processo de regulamentação da entrada de um profissional estran-
geiro da área técnica de agência de cooperação no País não é simples, sen-
do nesses casos a intermediação da ABC bastante útil. Viabiliza desde a
documentação de identidade até a renovação de vistos. Fica arquivado na
ABC o currículo do técnico, bem como uma ficha de identificação como
“funcionário estrangeiro” no País. Os técnicos possuem passaporte oficial
(governamental) diplomático na categoria de “organização internacional”,
em uma defi nição do MRE de “perito técnico”.
Em fevereiro de 1994, o governo alemão comunicou ao MRE que o
técnico designado, Ernst August Victor Knoke, um agrônomo alemão de
cerca de 40 anos, estaria chegando em março de 1995. Knoke tinha já
uma experiência de sete anos em trabalhos com a GTZ, desde 1988 e suas
atribuições como perito de curto prazo foram defi nidas como assessoria
à Funai na implementação do projeto, na elaboração e na implementação
do piloto ambiental e na elaboração, no treinamento e no aperfeiçoamento
de técnicos parceiros na concepção do projeto ambiental nas terras indí-
genas.
Em apenas um ano, Knoke foi substituído, e sua saída seria atribuída
à pressão de alguns antropólogos da Funai. Pediram sua substituição por
considerá-lo muito incompetente, muito fraco. No entanto, isto não condiz
com a documentação alemã, que prevê situações de início de projetos em
que o perito fica por um curto período. No entanto, nota-se já nas falas
de antropólogos brasileiros envolvidos com o projeto a construção de uma
imagem de confl ito, como parte da luta pelo controle das ações no campo
indigenista.
Em dezembro de 1996, a ABC solicita parecer da Funai sobre currículo
da funcionária que viria ao Brasil como perita de longo prazo, em subs-

434 Nota Verbal WE 445 SFF/U/75/95, de 31 de janeiro de 1995, da embaixada da República


Federativa da Alemanha ao MRE.

A GTZ no Brasil 271


tituição a Augo Knoke. Este parecer seria condição imprescindível para
a continuidade do processo no âmbito da ABC para a vinda da técnica
da cooperação técnica, de fato, uma peça a posteriori. A decisão sobre
a escolha da perita já havia sido feita no processo seletivo da GTZ na
Alemanha, sem participação do governo brasileiro. Como formalidade, a
ABC solicitava à Funai aceite para que o trâmite diplomático se desse sem
problemas.
Em 7 de fevereiro de 1997, Artur Nobre Mendes, como coordenador
do Setec-PPTAL, responde à ABC não colocando objeções à vinda daquela
técnica.435 Em 9 de fevereiro chegava ao Brasil Carola Kasburg, ficando até
maio de 2004 na coordenação do projeto pelo lado da GTZ.436
O período de atuação de Carola Kasburg foi amplamente analisado na
tese de Lima, que enfocou particularmente os confl itos decorrentes desta
relação que durou até 2004, quando Carola saiu de sua função na GTZ
junto ao projeto, em meio a mais uma crise devido a dificuldades na rela-
ção com a equipe brasileira.
O projeto PPTAL até os dias de hoje está em vigência, sendo que a di-
nâmica de funcionamento do projeto de certa forma já está incorporada à
de sua equipe, com poucas mudanças. Mesmo após a saída de Carola do
projeto, manteve-se ali na sede da Funai a mesma equipe local de apoio,
com mais um assessor alemão, que acompanha o dia a dia do projeto.
Em relação às propostas de mudanças na organização e administração da
Funai, estas continuam sendo implementadas, não somente por recomen-
dações da GTZ, mas com participação ativa de determinados grupos da
própria Funai.

435 Fax 008/PPTAL/97 de 07/02/97 do PPTAL/Funai para ABC.


436 Nota Verbal da embaixada da Alemanha para MRE de 26/02/97.

272 Renata Curcio Valente


Capítulo 7

Os desafios das parcerias internacionais


Mais do que estabelecer um desfecho sintético para a complexidade das
questões sobre cooperação técnica alemã abordadas nos capítulos deste
livro, nos propomos a articular alguns pontos que foram analisados, de
forma a contribuir para a continuidade do debate sobre relações de poder
nas práticas de cooperação técnica internacional. Esperamos que sejam
realizadas outras experiências de etnografias em contextos de coopera-
ção técnica internacional, bem como de suas organizações, uma forma de
revelarmos não só os mecanismos de poder implícitos nas práticas destas
instituições mas, sobretudo, entre determinados grupos nas instituições da
administração pública brasileira.
O desafio deste trabalho foi o de buscar descortinar um conjunto de
práticas e conhecimentos administrativos e de planejamento adotado pela
GTZ por meio de arranjos com órgãos da administração pública brasilei-
ra. A questão central que se procurou responder foi o porquê de o governo
brasileiro servir-se de recursos e de profissionais estrangeiros para imple-
mentar políticas na administração pública, já que muitas vezes ele dispõe
de recursos e de profissionais, sejam eles do governo ou de fora dele – uma
elite capacitada técnica e politicamente para desenvolver projetos e imple-
mentar políticas.
Esta questão torna-se ainda mais inquietante se considerarmos a área
de abrangência das políticas indigenistas no Brasil, que tem uma longa
tradição de conhecimentos desenvolvidos por parte da atuação do Esta-
do e, mais recentemente, por grupos não governamentais. Além disso, há
uma ampla reflexão crítica sobre as formas de subordinação dos povos
indígenas diante destes “saberes e poderes coloniais” associados à política
indigenista brasileira, elaborada tanto pelos meios acadêmicos como da
sociedade civil. Por outro lado, este conhecimento a respeito das práticas
administrativas relacionadas ao indigenismo é praticamente inexistente no
caso da Alemanha. Em função disso, são muito grandes as resistências no
Brasil em relação às atividades de agências de cooperação internacional

A GTZ no Brasil 273


em políticas governamentais, sob a acusação de ingerência na soberania
nacional. Assim, procurei elementos que demonstrassem tais afi rmações,
mas na prática, o que revelou foi a criação de um espaço na administração
pública brasileira, a partir de uma negociação e de um consentimento, que
viabilizou várias iniciativas que não eram possíveis dentro de uma lógica
administrativa existente. Assim, foram apoiadas várias atividades, como
pesquisas científicas, demarcação de terras indígenas, políticas de proteção
florestal, entre outras.
A cooperação técnica, em muitos casos, como na demarcação de ter-
ras indígenas no Brasil, é uma opção de determinados setores ou grupos
da administração pública que resolvem adotá-la como estratégia política,
e não como resultado de simples coerção ou imposição externa, o que a
diferencia, neste sentido, do colonialismo. São decisões de determinados
grupos que avaliam as dificuldades de se adotarem políticas através das vias
tradicionais, como articulações e negociações em fóruns fechados, em reu-
niões que não são públicas e nem transparentes, envolvendo setores do go-
verno diretamente ligados ao tema e também a setores da diplomacia. Para
aqueles que, no governo local, são excluídos desses arranjos e negociações
– processo que faz parte das próprias dinâmicas da administração pública –
os projetos de cooperação técnica são apontados, em tom acusatório, como
resultado de “intervenção estrangeira” e dominação neocolonial.
Pretendi explorar um dos aspectos relacionados ao exercício do po-
der de Estados Nacionais em expansão. Por serem práticas que projetam
determinados poderes estatais em escala mundial, a cooperação técnica
internacional é parte de estratégias expansionistas dos Estados Nacionais
e, com ressalvas ao aspecto ideológico do termo, imperialistas.
As relações de cooperação, dirigidas ainda hoje por Estados econômica
e politicamente fortes, acirram a competição entre eles, seja por conheci-
mentos sobre formas de intervenção, como sobre os próprios espaços físicos
de dominação. Poderíamos dizer que a atuação das diferentes agências e ins-
tituições de Estados Nacionais, nas relações bilaterais, promove a partilha
do “mundo em desenvolvimento” em espaços de intervenção (ou de atuação
nas políticas de cooperação para o desenvolvimento) que estabelece víncu-
los e dependências em condições diferenciadas e com duração restrita.
Seria um equívoco enorme menosprezar os aspectos de poder envolvi-
dos nas relações de cooperação entre dois Estados. No entanto, a análise
do PPTAL a partir de uma etnografia das organizações nos revelou dife-
rentes nuances das relações de poder. Permitiu adotar uma estratégia alter-
nativa ao dualismo entre o discurso de denúncia e a filiação aos princípios

274 Renata Curcio Valente


veiculados pelos mecanismos de autopropaganda das agências. Apontou
as articulações entre grupos do próprio governo brasileiro como alterna-
tiva ao indigenismo tradicional do Estado, adotado historicamente pela
Funai. Como a tentativa de mudanças dessas estruturas de funcionamento
administrativo e político é normalmente malsucedida, adota-se a opção da
articulação com um agente externo, que tem legitimidade para agir sem
comprometimentos com grupos tradicionais locais, implementando assim
um novo regime de forças.
Este trabalho priorizou um enfoque histórico que visava contextuali-
zar processos característicos das relações de cooperação técnica interna-
cional, tão amplamente difundida entre órgãos da administração pública
de Estados Nacionais. Para isso, recorremos, sobretudo, à formação das
estruturas específicas da Alemanha e do Brasil, que acabaram contribuin-
do para a intensificação dos vínculos entre os governos destes dois países,
em diferentes momentos da história, a partir da assinatura do Acordo Bá-
sico de Cooperação Técnica de 1963.
A cooperação foi percebida, naquele momento, como forma de viabili-
zar as condições para um ordenamento pacífico e de promoção do desenvol-
vimento econômico no plano internacional, processo este particularmente
dirigido pelas potências vencedoras da guerra. A cooperação envolveu, e
ainda envolve práticas e processos diplomáticos em seus mecanismos de
operação. Criaram-se, assim, instituições e normas jurídicas cada vez mais
complexas e diferenciadas que viabilizam fluxos e contrafluxos de diversas
naturezas entre os Estados em contextos de paz, e não de guerra, como
acordos, tratados, programas e projetos.
Um segundo aspecto que se pretendeu destacar na tese foi a observação
das práticas reais adotadas pela GTZ na sua atuação no Brasil. A proposta
de recorrer a este conjunto de situações que observamos refletiu o interes-
se em estabelecer os princípios de produção de uma teoria da prática ou,
como argumenta Bourdieu, ir do opus operatum ao modus operandi das
práticas de cooperação técnica, o que usualmente se define pela expressão
“transmissão de conhecimentos”. Esta foi analisada aqui a partir de três
dimensões: no escritório, a partir das normas institucionais alemãs que
visam regularizar seus procedimentos na implementação das práticas da
cooperação; nas subjetividades dos cooperantes e nas situações próprias
para integrar e articular um projeto, em que ficam explícitos os manejos
de construção das relações para viabilizar sua execução.437

437 Bourdieu, P. “Esboço de uma Teoria da Prática”, op. cit., p. 60.

A GTZ no Brasil 275


Procuramos adotar uma abordagem que destacasse as relações de coo-
peração como relações de poder e não meras formas de executar projetos
técnicos em diferentes países. No entanto, pretendi distinguir da produção
do campo das Relações Internacionais. Para isso, recorremos a algumas
contribuições de Michel Foucault438 sobre poder. Para ele, poder não se dá,
não se troca, nem se retoma, mas se exerce e só existe em ato. Neste sen-
tido, suas perguntas – o que é esse exercício?; em que consiste?; qual a sua
mecânica? – foram eixos fundamentais aos quais me ative para investigar a
“microfísica do poder” nas práticas de uma relação de cooperação especí-
fica, a saber, a cooperação técnica, envolvendo políticas de meio ambiente
entre Brasil e Alemanha nos anos 1990.
Foucault afi rma que poder é a guerra continuada por outros meios. Para
ele, as estruturas de poder têm como ponto de ancoragem certa correlação
de força em um momento historicamente necessário na guerra e pela guer-
ra, o que no caso das estruturas e dos sistemas de cooperação internacio-
nal estabelecidos é absolutamente apropriado.439 Este é outro aspecto que
decorre de uma abordagem histórica da cooperação técnica internacional,
pois ainda que houvesse já antes da Segunda Guerra Mundial situações
esporádicas de “ajuda ou assistência internacional”, como aquelas adota-
das por igrejas ou outras instituições religiosas, foi no decorrer da guerra
que se defi niram, enquanto parte de processos de formação dos Estados
Nacionais, ações continuadas de consolidação de sistemas de cooperação
internacional, com instituições, normas e procedimentos formulados para
serem implementados como forma de governo e administração no estran-
geiro. Para Foucault, sempre se escreveria a história da mesma guerra,
mesmo quando se escrevesse a história da paz e de suas instituições.
Assim, segundo Foucault, o poder não só reprime, mas é também uma
força criativa ou uma rede produtiva que atravessa o corpo social e induz
ao prazer, constrói saberes, produz discursos, exclui e estabelece desigual-
dades, sendo fundamental, na sua concepção, orientar o foco de investi-
gação para as formas de sujeição e as conexões e utilizações dos sistemas
locais dessa sujeição no âmbito dos dispositivos de saber. Neste sentido,
é possível afi rmar que os mecanismos de implementação das práticas da
cooperação, enquanto mecanismos de poder associados ao quadro do pós-
guerra, constituem um dos modos de expressão dos poderes de Estados,
que não são neutros nem despolitizados, mas produzem saberes, discursos,

438 Foucault, Michel. Em defesa da sociedade, op. cit., p. 21.


439 Id., ibid., p. 2.

276 Renata Curcio Valente


disciplinam comportamentos e estabelecem desigualdades. São, desta for-
ma, tecnologias políticas.
Pretendemos destacar que, diferente das relações coloniais nas quais
há coerção e uso de força física, no caso das relações de cooperação faz-
se uso de outros mecanismos de poder que não exatamente a força. As-
sim, nosso argumento é que cooperação técnica representa um conjunto de
“tecnologias políticas”, no sentido que Foucault atribui ao termo, histori-
camente desenvolvido no processo de formação dos Estados Nacionais na
segunda metade do século XX, o que é constatado no caso da atuação da
GTZ, mas também observado em outras agências e organismos alemães.
As práticas de planejamento, monitoria, avaliações, cursos e treinamentos
que são adotadas no desenvolvimento de projetos, bem como a apresenta-
ção dos seus resultados em eventos-rituais públicos, caracterizam-se como
“tecnologias políticas”, porque são formas de disciplinamento adminis-
trativo e social (comportamental) acionados por mecanismos pedagógicos
cotidianos pouco visíveis como mecanismos de poder.
A partir das referências teóricas mencionadas, a pesquisa orientou-
se na direção do desvendamento de mecanismos e dispositivos de poder
envolvidos em práticas supostamente desprovidas dele, mas presentes em
projetos de cooperação técnica entre dois Estados Nacionais. Foi levada
em conta a discrição como marca da atuação alemã no Brasil, o que a ela
garantiu certa invisibilidade, certamente adequada ao pleno desenvolvi-
mento de suas atividades disciplinadoras.
Os mecanismos implícitos nas práticas ditas técnicas da GTZ, além
do que a agência afi rma executar – disseminar um “modo de fazer” (uma
metodologia) por meio da transferência de conhecimentos – propaga tam-
bém valores e símbolos relacionados à cultura alemã, promovendo uma
conversão que se dá em uma dimensão bem maior do que simplesmente
aquela restrita a um projeto.
Como disse um importante funcionário da Embaixada alemã, a trans-
ferência de tecnologia, de know-how, no caso alemão é muito importan-
te, inclusive o intercâmbio de pessoal, que chegava a praticamente 2000
brasileiros que foram treinados na Alemanha no tempo da cooperação,
profissionais de qualquer tipo, não contando os acadêmicos, que depois
apareceram em funções importantes. O intercâmbio, para ele, é um convi-
te para se ver como tudo funciona lá na Alemanha, do jeito que eles fazem,
o que é diferente de somente falar como se deve fazer, a pessoa não pode
imaginar se não puder ver.

A GTZ no Brasil 277


Os temas que mobilizaram o deslocamento de recursos pelo governo
alemão foram sendo historicamente modificados, acompanhando novas
concepções e novas tendências de investimentos: da ênfase na área rural e
na produção alimentar, características do período do imediato pós-guerra,
passou-se a investir mais recentemente em sustentabilidade ambiental, com
recursos para projetos em indústrias, mas também para a conservação de
florestas e outros ecossistemas ameaçados. Neste sentido, o Brasil, como
detentor de um poder simbólico em função da reserva florestal em seu
território, a Amazônia, tornou-se palco de projetos e programas interna-
cionais, entre os quais se destacam os de origem alemã.
Nosso argumento segue no sentido de que as práticas de cooperação
entre organizações não governamentais alemãs e brasileiras, inclusive de
igrejas, foi um dos caminhos seguidos pela GTZ para atuar em políticas
ambientais na Amazônia e, particularmente, em políticas para povos in-
dígenas no Brasil. É importante se fazer aqui a ressalva de que não são
claras as fronteiras entre o governamental e o não governamental, pois,
na observação empírica, são inúmeros os fluxos existentes em ambos os
sentidos na comunicação entre estes campos. Esta conexão existe em mui-
tos planos, que vão desde o fi nanciamento pelo governo de instituições
não governamentais, até a formação de quadros governamentais com pro-
fissionais vindos da área não governamental. Da mesma forma, quando
analisamos que as diretrizes políticas do governo orientam as instituições
não governamentais, vale lembrar que muitas delas foram formuladas em
instâncias alternativas, ocupadas pelas organizações não governamentais.
O engajamento do governo da Alemanha em políticas de cooperação para
o desenvolvimento foi viabilizado não somente pela disponibilidade de re-
cursos fi nanceiros efetivada no plano internacional, mas também por sua
tradição cultural de movimentos de solidariedade e de cooperativismo que
tem origem no século XVIII, tradição esta que teve continuidade através
da atuação das ONGs em territórios estrangeiros.
As organizações alemãs – governamentais, eclesiásticas, fundações po-
líticas – estão no Brasil há muitas décadas. Entre os anos 1960 e 1980, tan-
to no Brasil quanto em outros países da América Latina, organizações não
governamentais alemãs, sobretudo aquelas vinculadas às igrejas, atuaram
de forma intensa no apoio a movimentos sociais e políticos contra a dita-
dura militar. Esse histórico de articulação, principalmente por meio das
Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs, marcou as trajetórias de alguns
dos profissionais que fazem parte de uma geração mais recente da GTZ,
um grupo que se defi ne como politicamente de esquerda e com uma for-

278 Renata Curcio Valente


mação profissional no campo do desenvolvimento que se deu na atuação
em ONGs. Desenvolveram um know-how sobre as dinâmicas sociais, po-
líticas e econômicas do País e, particularmente, sobre determinadas áreas,
como a região Nordeste. Esse know-how está presente na sede da agência
estrangeira e também entre estrangeiros de outras instituições da Alema-
nha, fazendo circular a informação e articulando diferentes grupos locais
e estrangeiros de mesma origem. Dessa maneira, estabelecem vínculos com
alguns desses grupos locais, sobretudo em diálogos com determinadas pes-
soas – elos importantes de um conjunto de relações sociais privilegiadas
localmente – o que garante espaços de ação política.
Um momento-chave desta história foi a Eco/92, com foco em políticas
para a Amazônia e na articulação com ONGs, como Fase, Ibase e Inesc,
com as quais, por exemplo, fi zeram convênios e patrocinaram publicações
e eventos. Entre elas, a GTZ desenvolveu projetos no Brasil, desde a sua
criação, em áreas rurais, visando ao aumento de produtividade alimentar,
ao desenvolvimento de novas técnicas agrícolas, à implementação de esco-
las técnicas. Também promoveu projetos com populações de baixa renda
em centros urbanos.
Mais recentemente, a questão ambiental tornou-se uma prioridade
para a política alemã de cooperação técnica no Brasil, o que é uma opção
que contribui para a construção de uma imagem de liderança alemã em re-
lação à prioridade ecológica enquanto capital simbólico moral. Neste mes-
mo eixo de questões de proteção ambiental de florestas, passaram a estar
integradas nas ações da GTZ as populações indígenas no Brasil. O PPTAL
é exemplar por mostrar o processo inicial de construção tanto deste know-
how como das articulações sociais e políticas de profissionais alemães da
GTZ no campo do indigenismo. Sem relações anteriormente estabelecidas
neste campo, utilizaram-se de outras redes, do ambientalismo e dos movi-
mentos sociais da Amazônia para a entrada no campo.
A intervenção alemã para administração de territórios estrangeiros
viabilizou-se fundamentalmente com a circulação de profissionais “da co-
operação para o desenvolvimento” por canais e redes sociais na Alema-
nha, assim como pelos espaços locais de atuação. Tais peritos, embora
sejam os elos de transmissão de saberes administrativos para o “local” –
atuando como educadores e tradutores, formadores de opinião que estabe-
lecem uma mão dupla no processo de formação de conhecimentos – estão
submetidos às próprias normas institucionais, ficando presos a processos
burocráticos que exigem muito tempo de dedicação às práticas dos proje-

A GTZ no Brasil 279


tos quando atuam junto aos grupos sociais envolvidos, o que dificulta a
sistematização de seus trabalhos.
Aquilo que os funcionários da GTZ propõem para as equipes dos ór-
gãos da administração brasileira com os quais trabalham nem sempre con-
seguem realizar nas próprias atividades. Estas vão desde a sistematização
das práticas cotidianas, até a concessão de uma maior abertura a interven-
ções dos grupos locais em procedimentos da GTZ. Isto reflete, sobretudo,
uma lógica administrativa da organização, ou melhor, da administração
pública alemã, e não uma incapacidade inerente aos peritos. O descompas-
so entre o dito e o feito tem relação com o controle de informações, as exi-
gências na elaboração de relatórios, a submissão a estruturas burocráticas
com pouca margem de autonomia, todos estes aspectos criticados quando
da análise de órgãos estrangeiros de administração pública.
A forma de atuação dos alemães em geral, e particularmente da GTZ,
é marcada pelo pragmatismo, pela aplicação direta de conhecimentos, pela
sistematização de informações a partir da prática, ainda que muitos de
seus funcionários se dediquem às suas profissões movidos por ideais e por
uma experiência viva nos movimentos sociais e políticos, tanto em seus
países como em regiões longínquas. O perfi l low profile da GTZ, que atua
com pouca propaganda de seus feitos, é delineado pela discrição e pela
visibilidade restrita. O enfoque na trajetória histórica de atuação da GTZ
em projetos de cooperação técnica no Brasil, há mais de 40 anos consoli-
dando um conjunto de metodologias, de práticas e de conhecimentos so-
ciais e ambientais enquanto tecnologias de poder – conjunto este mascara-
do como “conhecimentos técnicos” – permite-nos ter uma visão mais clara
sobre as diretrizes desta organização e sobre os procedimentos adotados
em um País como o Brasil. Esta visão panorâmica não nos possibilita fazer
afi rmações gerais sobre uma conduta-padrão adotada pela GTZ em escala
global, mas sim extrair considerações sobre como atua no Brasil, diante
do conjunto de atores e de condições aqui existentes. Este é um propósito
mais do que importante para dimensionarmos as condições políticas e so-
ciais existentes em espaços de luta de poder. Acreditamos que tais esforços
devam ser empreendidos na direção de outras instituições que trabalham
no Brasil por longos períodos.
Neste sentido, todo o trabalho de pesquisa sobre o arranjo institucio-
nal da Alemanha realizado, bem como as práticas observadas a partir de
pesquisa etnográfica na GTZ, corroboraram para afi rmar a hipótese de
que o campo da cooperação técnica internacional se caracteriza por fluxos
de “transferência de conhecimentos” que não são de uma só direção, do

280 Renata Curcio Valente


país dito “doador” para o país dito “receptor”, mas sim, são fluxos que
circulam nos dois sentidos, como em uma estrada de mão dupla. Ocorre,
no entanto, que os países doadores detêm a hegemonia “discursiva”, en-
quanto a maioria dos países ditos “em desenvolvimento” não têm voz, o
que contribui para obscurecer os fluxos na direção inversa, no sentido do
país de origem da agência de cooperação.
No PPTAL, devido à abrangência do projeto como também à diver-
sidade étnica dos grupos indígenas envolvidos, o volume de recursos ale-
mães aportados, sejam fi nanceiros ou de capital humano, se justifica em
troca da experiência adquirida e da maior chance de novos contratos de
cooperação internacional na área. O projeto “capacita” a agência, lhe ga-
rante expertise para trabalhar em outros projetos sobre povos indígenas,
particularmente sobre questões territoriais. Os projetos seriam experiên-
cias “de laboratório” para verificação da eficácia do planejamento e de
práticas destinadas a essas populações.
As agências internacionais estão no Brasil há décadas, atuando e inter-
ferindo em realidades sociais, independentemente de julgarmos aqui seus
efeitos reais, com a colaboração e participação de órgãos nacionais e de
organismos da sociedade civil. Nas suas estruturas, não há espaço para
pesquisa externa ou observação participante; não é um trabalho fácil, mas
nem por isso devemos acatar suas estratégias de evitar estudos antropoló-
gicos sobre suas lógicas internas.
Sobre o campo da cooperação internacional no Brasil, ainda temos
muito a refletir e a produzir, ainda há muitas etnografias a serem feitas,
para que possamos olhar mais de perto e com uma lente menos distorci-
da as práticas efetivamente colocadas em ação, nas várias instâncias da
administração pública e com o crescente envolvimento da sociedade civil.
As críticas não podem ser poupadas, mas tampouco não faz sentido repro-
duzirmos discursos naturalizados e muitas vezes, equivocados. Portanto,
mãos à obra, pois nesta história, estamos, apenas, dando os primeiros
passos.

A GTZ no Brasil 281


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294 Renata Curcio Valente


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A GTZ no Brasil 295


Anexo 1

Organograma da GTZ
DIRETORIA

Assuntos jurídicos e
Tecnologia de informações Comunicação empresarial Auditoria seguro
Desenvolvimento empresarial
Agência em Berlim
Agência em Bonn
Agência em Bruxelas

Departamento Regional Ásia/ Departamento Regional


Departamento Regional África Mediterrâneo, Europa e Países Departamento de Planejamento e
Pacífico, América Latina/Caribe Desenvolvimento
Centro-Asiáticos

Controladoria e assessoramento Controladoria e assessoramento


Centro de estratégias departamental departamental Escritório para a cooperação com o
Parcerias novas para o setor privado
desenvolvimento global Equipe de gestão financeira Equipe de gestão financeira

Controladoria departamental e
Controladoria e assessoramento Equipe regional PPP Equipe regional PPP equipe de gestão financeira
departamental
Ásia do Sul, Laos e Camboja Europa, Cáucaso, Ásia Central Assess. organizacional e gerencial,
Equipe de gestão financeira • Bangladesh • Maldivas equipe de consultoria MODeLs
• Albânia • Kosovo
• Camboja • Nepal • Armênia • Macedônia
Assuntos econômicos e regionais, • Laos • Sri Lanka • Azerbaijão • Moldávia Gestão de conhecimentos
DERP • Belarus • Montenegro
• Bósnia- • Quirguistão
Sudeste Asiático e Pacífico Economia e emprego
Herzegovina • Romênia
Equipe regional PPP • Filipinas • Papua Nova Guiné
• Formação prof. e mercado de trabalho
• Bulgária • Sérvia
• Indonésia • Tailândia • Política econômica e desenvolvimento da
• Cazaquistão • Tajiquistão
• Malásia • Timor Leste economia privada
• Croácia • Turquia
Sahel e África Ocidental I • Myanmar • Vietnã • Desenvolvimento de sistemas financeiros
• Federação Russa • Turcmenistão
• Burkina Fasso • Mali • Pacífico e créditos
• Geórgia • Ucrânia
• Cabo Verde • Mauritânia
• Irã • Uzbequistão
• Costa do Marfim • Níger Governança e democracia
• Gâmbia • Senegal Leste Asiático e Índia Programas de Privatização do BMF
• Butão • Índia • Cluster de governança (promoção da
• Guiné • Serra Leoa (Ministério Fed. da Fazenda)
democracia, direitos humanos, direitos da
• Libéria • China • Mongólia
mulher, gênero)
• Coreia do Norte
Países Mediterrâneos e Médio • Governança no setor público – finanças
Oriente públicas, administração, anticorrupção
África Ocidental II, Angola e África • Descentralização, regionalização,
suprarregional Países Andinos e Paraguai • Argélia • Líbano
• Egito • Marrocos desenvolvimento local e urbano
• Angola • Togo • Bolívia • Equador
• Chile • Paraguai • Iêmen • Síria
• Benin • União Africana
• Colômbia • Peru • Iraque • Territórios palestinos Saúde, educação, proteção social
• Gana • ECOWAS
• ECLAC • Jordânia • Tunísia • Sistemas sanitários e promoção da saúde
• Nigéria • NEPAD
• Educação
Agência de programas de relações • Segurança social
África Austral América Central, Caribe, México, interculturais com países de cunho
• Botsuana • Rep. da África do Brasil islâmico Água, energia, transportes
• Lesoto Sul • Argentina • Ilhotes no Leste das • Água
• Malawi • SADC • Brasil Caraíbas • Energia e transportes
• Moçambique • Suazilância Construção
• Caribe • México
• Namíbia • Zâmbia • Costa Rica • Nicarágua • Engenharia civil e obras públicas
• Zimbábue • Fiscalização técnica de obras Economia agrícola, pesca e
• Cuba • Panamá
• Programas do BMVg (Ministério Federal alimentação
• El Salvador • República
da Defesa) • Política agrícola e espaço rural
• Guatemala Dominicana
África Central e Madagáscar • Eonomia agrícola e alimentar
• Haiti • SICA • Comércio agrícola e padrões
• Burundi • Rep. Centro- • Honduras • Uruguai Afeganistão, Paquistão
• Camarões Africana
• CEMAC • Rep. Democrática • Afeganistão • Paquistão Meio ambiente e mudança climática
• Chade do Congo • Biodiversidade, florestas, governança de
• Gabão • Ruanda recursos naturais
• Madagáscar • Meio ambiente, eficiência dos recursos
naturais, lixo
• Grupo de trabalho Mudança climática
África Oriental
• Eritreia • Uganda
• Etiópia • EAC
Segurança, reconstrução e paz
• Quênia • IGAD • Prevenção, segurança e paz
• Somália • Parceria BMZ- • Programa global de ajuda de emergência
e transitória centrada no desenvolvimento
• Sul do Sudão ACNUR
• Tanzânia

Obs: Países com presença da GTZ.

296 Renata Curcio Valente


Centrum für internationale Agência para concepções Avaliação Agência para comitentes
Migration und Entwicklung de marketing estratégico
públicos alemães
(CIM) (AgenZ)

Departamento de Pessoal e
Departamento Comercial GTZ-International Services
Assuntos Sociais

Controladoria departamental Controladoria departamental, Bruxelas


princípios de assistência social,
Equipe consultora em gestão plano de aposentadoria empresarial Estados do Golfo, suprarregional
financeira
Focus Regions
Fundamentos da gestão de RH
Serviços técnicos internos, correio, Etiópia
arquivo central
Assessoramento departamental e Desenvolvimento de temáticas e
gestão de contratos cooperação envolvendo várias áreas
Controladoria empresarial de negócios
• Planejamento financeiro, orçamentos e Disponibilização de pessoal
prognósticos Pessoal
• Informações gerenciais e apresentação • Centro de competências
de relatórios externos - Desenvolvimento econômico e rural Estratégia e finanças
• Contabilidade analítica e análise do - Meio ambiente e infraestrutura
desempenho - Governança
• Contabilidade de despesas - Educação, saúde e segurança social
• Liquidação de contratos - Serviços, faixas salariais 1 e 2,
promoção de pessoal júnior
• Cargos executivos
Contabilidade, transações
financeiras e assuntos fiscais Desenvolvimento de recursos
• Contabilidade de credores humanos
• Contabilidade de devedores • Desenvolvimento de competências
• Contabilidade do imobilizado • Promoção de quadros executivos
• Balanço anual
• Contabilidade de clientes
• Transações financeiras/cartas de crédito Serviços médicos, exame médico
em espécie tropical
• Impostos
• Arquivo financeiro
Acompanhamento de pessoal
Contratos, aquisição de materiais e • Centros de atendimento
- África
logística - Ásia/Pacífico, América Latina/Caribe e
• Gestão de contratos assistência social
• Sistemas de aquisições públicas, - Região mediterrânea, Europa, Ásia
qualificação gestão de aquisições Central
• Aquisição de materiais e equipamentos - Planejamento e Desenvolvimento
• Equipe de gestão financeira de contratos, - Departamento comercial, Unidades e
abertura de propostas, arquivo de creche
subcontratadas • Liquidação de salários, registro das horas
de trabalho e gestão de viagens
• Central de ação para a gestão de
situações de crise e COPE

Fonte: Elaborado a partir de organograma disponível no site da GTZ, http://www.gtz.de/


en/dokumente/gtz-pt-organisationsplan.pdf. Acesso em: 22 out. 2010.

A GTZ no Brasil 297


Anexo 2

Planta esquemática do escritório de representação da GTZ no Brasil


– Brasília, DF

Arte: Pedro Henrique Valente.

298 Renata Curcio Valente


Sobre a autora

Renata Curcio Valente é doutora em Antropologia Social pelo Programa


de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ) des-
de 2007, com mestrado em Relações Internacionais pela Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e graduação em Economia
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sua pesquisa se deu
na área de políticas públicas de cooperação para o desenvolvimento e meio
ambiente. Foi pesquisadora do Instituto de Economia e de organizações
não governamentais, como a Federação de Órgãos para Assistência Social
e Educacional – Fase. Atuou como docente no curso de Relações Inter-
nacionais da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, entre 1998
e 2003, e no Instituto de Ensino Superior de Brasília (Iesb), entre 2003 e
2005, onde orientou e coordenou a área de monografias de final de cur-
so. Atualmente, é chefe do Serviço de Estudos e Pesquisas – Seesp, ligado
à Coordenação de Divulgação Científica do Museu do Índio/Funai, no
Rio de Janeiro, onde desenvolve pesquisas e coordena cursos. Participa
do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento –
Laced, da UFRJ.

A GTZ no Brasil 299

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