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A GTZ no Brasil
Uma etnografia da cooperação
alemã para o desenvolvimento
ISBN 978-85-7650-272-2
Este livro está sendo publicado com recursos dos projetos Cooperação internacional, Povos indígenas e
Educação Superior (bolsa Cientistas do Nosso Estado/Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro concedida a Antonio Carlos de Souza Lima, no período 2007-2009. Processo Faperj: E-26/100.460/2007)
e Políticas para a “Diversidade” e os Novos “Sujeitos de Direitos”: estudos antropológicos das práticas, gêneros
textuais e organizações de governo, coordenado por Antonio Carlos de Souza Lima (MN/UFRJ), Adriana
de Resende Barreto Vianna (MN/UFRJ) e Eliane Cantarino O’Dwyer (UFF), por meio do Convênio Finep nº
01.06.0740.00 – REF: 2173/06 – Processo FUJB nº 12.867-8, nos quadros do Laboratório de Pesquisas em
Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced)/Setor de Etnologia – Dept. de Antropologia/Museu Nacional-
UFRJ, em curso desde dezembro de 2006 até o presente.
V25e
Valente, Renata Curcio
A GTZ no Brasil: uma etnografia da cooperação alemã para o desenvolvimento/Renata Curcio
Valente. - Rio de Janeiro: E-papers: UFRJ, Laced, 2010.
300p. : il. - (Antropologias ; 5)
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7650-272-2
1. Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. 2. Cooperação
internacional - Aspectos sociais. 3. Florestas tropicais - Conservação - Brasil. 4. Brasil -
Relações - Alemanha. 5. Alemanha - Relações - Brasil. I. Título. II. Título: A GTZ no Brasil: uma
etnografia da cooperação alemã para o desenvolvimento. III. Série.
Prefácio 20
Introdução 23
Metodologia 31
A GTZ no Brasil 21
A GTZ no Brasil coloca também à leitura dos antropólogos, e ao mer-
cado editorial brasileiro, os desafios de se produzir etnografias eticamente
corretas frente aos, e com consentimento dos participantes do mundo so-
cial analisado. Afi nal, aqueles de que trata não apenas ocupam posições
de prestígio e poder na hierarquia social, mas também têm os meios inte-
lectuais necessários a ler, criticar e contraditar o trabalho produzido, apre-
sentando-lhes questões em pé de igualdade ou mesmo de superioridade. E
é bom que assim seja. Tais aspectos não são nada desprezíveis, em especial
em pesquisas envolvendo agências e agentes dotados do perfil daqueles aqui
analisados, e fazem com que a solução (mágica, por vezes) de denominar
“interlocução” à relação entre pesquisadores e pesquisados, como hoje fa-
zem alguns antropólogos, na perspectiva de neutralizar efeitos inevitáveis
da abordagem científica, precise ser sopesada. Sua publicação contribuirá,
pois, para que o público leitor conheça os modos pelos quais o trabalho foi
possível, permitindo-nos ampliar o escopo das discussões metodológicas
sobre a dita “cooperação”, bem como de estudos de elites em posições de
poder, sobre os processos de formação de Estado no Brasil (só perceptíveis
em múltiplas escalas), dentre muitas outras coisas.
O resultado é um texto denso, com profundidade analítica e empírica,
que reconhece os trabalhos prévios sobre o tema e a diversidade de posi-
ções sobre o tema que aborda. Prova da obstinação e reflexividade de sua
autora, A GTZ no Brasil. Uma etnografi a da cooperação alemã para o
desenvolvimento é uma contribuição fundamental aos estudos acerca do
mundo do desenvolvimento para além do ensaísmo, de certo construtivo,
mas limitado pela parca presença de dados que só a investigação empírica
densa e prolongada pode prover.
1 Nader, L. “Up the anthropologist.” In: Hymes, D. Reinventing Anthropology. New York,
Ramdom House, 1972, p. 289.
A GTZ no Brasil 23
de Aprendizagem Industrial (Senai), representando o presidente do Conse-
lho Nacional de Indústrias – CNI.
Para entreter a numerosa plateia depois dos longos discursos, apresen-
tou-se uma orquestra formada por crianças e jovens amazonenses de fa-
mílias de baixa renda, a Orquestra Infanto-Juvenil de Câmara “Encontro
das Águas”, do Centro Cultural Cláudio Santoro, ligada à Secretaria de
Cultura do Estado do Amazonas, que contava na época com o apoio do
governo alemão. Após a orquestra, muito aplaudida, discursou a diretora
do Departamento de Política de Desenvolvimento com Países e Regiões
da Ásia, América Latina, Europa, Garantia da Paz e Nações Unidas, 2 do
BMZ, seguida pelo secretário-geral das Relações Exteriores do Brasil, Sa-
muel Pinheiro Guimarães, que encerrou a primeira parte do evento.
Em seguida, todos os presentes foram encaminhados ao mezanino, onde
estava montada uma ampla exposição com fotos em painéis que contavam
a história das relações entre Brasil e Alemanha, organizada por ordem
cronológica e separada por décadas. Notava-se nos anos 1990 o destaque
para a Amazônia, ressaltando imagens que mostravam a floresta intacta,
a vasta profusão de rios e muitas fotografias de indígenas nus e ricamente
enfeitados. O destaque atribuído aos indígenas ultrapassou as fotografias,
sendo feita a transmissão de um vídeo em que Davi Kopenawa, uma líder
indígena do povo Yanomami de grande projeção nacional e internacional,
falou da importância da terra e da natureza para os povos indígenas. 3
Já neste momento, iniciaram os serviços de buffet, muito fi no e farto.
Serviram várias iguarias típicas brasileiras, em pequeninas porções: vata-
pá, acarajé, casquinha de siri, acompanhados de chopp e caipirinha, segui-
dos de doces típicos, como cuscuz, cocada e quindim. Aos poucos, o tom
de formalidade e pompa, que caracterizaram o início do evento foi dando
lugar à informalidade, aos abraços efusivos, às risadas mais altas. A noite
estava apenas começando: após o coquetel, os presentes foram convidados
para um jantar em uma churrascaria, o que acabou se transformando em
uma grande celebração entre brasileiros e alemães.
2 A estrutura do BMZ prevê uma divisão setorial, por região e por temas.
3 De acordo com os organizadores, Davi Kopenawa havia sido chamado para dar um de-
poimento no dia da solenidade, juntamente com os representantes das instituições governa-
mentais que relataram suas experiências nos projetos com as agências alemãs de cooperação.
No entanto, os representantes da ABC não aceitaram esta “informalidade” proposta pelos
organizadores alemães que, como alternativa, gravaram o vídeo, embora Kopenawa estivesse
presente na comemoração como um dos VIPs.
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vernamentais quanto das governamentais, que já desenvolviam trabalhos
juntas ao longo de décadas. No contexto atual da política internacional e
das relações entre o governo brasileiro e alemão – em tempos de paz e de
democracia, marcados pelo fi m da Guerra Fria – esta história ganhou novo
sentido. Dela foram extraídos trechos de “sucesso”, histórias particulares
como histórias institucionais, registros do passado, daquilo que se quer
guardar como memória para solidificar as perspectivas futuras. Mais do
que uma comemoração, esta festa histórica permitiu elaborações do passa-
do, histórias interpretadas de maneira performática, como elementos úteis
à elaboração de uma imagem de Estado para determinados fi ns, visando
sua atuação no campo da chamada “cooperação internacional”.
O evento deu visibilidade às pessoas que participam ou participaram
da história das atividades que fazem parte de ações governamentais e não
governamentais e de medidas de intervenção em programas das institui-
ções alemãs no Brasil. Nos atos públicos, eventos ou rituais da “coopera-
ção internacional” revelava-se, de forma clara, um conjunto não homogê-
neo, mas bem-defi nido, de alemães, funcionários de um Estado estrangeiro
que adotam práticas de intervenção em setores e órgãos de administração
pública no exterior, que fazem parte de uma elite. Têm status de quase di-
plomatas, senão de diplomatas propriamente, cujo elo central era a GTZ,
a agência alemã que empregava maior número de técnicos e funcionários
administrativos entre as instituições alemãs atuantes na área do desenvol-
vimento no Brasil.
O trabalho que aqui se apresenta pretende analisar o tema da coo-
peração internacional para o desenvolvimento, assunto pouco familiar à
antropologia e à prática da etnografia, objeto mais comum da área de re-
lações internacionais, na qual desenvolvi minha dissertação de mestrado.
Naquela ocasião, abordei o tema da cooperação internacional a partir da
análise de algumas instituições europeias e das estratégias de formação de
regimes internacionais4 e de um “espaço público transnacional”, que en-
tendia como fundamental para a consolidação de relações de cooperação
entre Norte e Sul.5 A partir do enfoque sobre a atuação de organizações
4 Uma das principais referências na área de relações internacionais sobre regimes interna-
cionais é Krasner, Stephen. Ver International regimes. New York: Cornell University Press,
1983. Voltaremos a analisar os regimes internacionais no Capítulo 1.
5 A pesquisa citada resultou na dissertação de mestrado pelo Instituto de Relações Interna-
cionais da PUC-Rio, cujo título é O meio ambiente em pauta: uma abordagem da coopera-
ção internacional entre Europa e Brasil, defendida em 1997 pela presente autora. Orienta-
dora: Sonia de Camargo.
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nia Legal, usualmente conhecido por PPTAL, em andamento desde 1996.
O PPTAL promoveu o avanço do processo demarcatório e uma normatiza-
ção de procedimentos, o que o caracterizou como um divisor de águas em
relação à política governamental de regularização das terras indígenas da
Amazônia Legal, instituindo uma “forma de fazer” por meio do acompa-
nhamento constante de funcionários da GTZ. O PPTAL, no entanto, não
representou um eixo de transformações somente para o governo brasileiro,
mas também para as próprias referências da GTZ quando se trata de terras
e populações indígenas. A agência acumulou uma experiência em projetos
de demarcação de terras indígenas que não tinha anteriormente e que pas-
sou a ser traduzida em produção de conhecimento para ser aplicado em
outros territórios e outras populações.
Entendemos cooperação internacional como uma política de Estados
Nacionais formulada para uma determinada forma de atuação em terri-
tórios estrangeiros, que garante a este Estado a projeção internacional de
uma imagem, preferencialmente positiva. Esta política institui um corpo
de profissionais e um conjunto de práticas rotineiras referentes a um deter-
minado conhecimento de Estado, não somente como intervenções esporá-
dicas ou excepcionais, quando no caso de ajuda humanitária para vítimas
de catástrofes naturais, mas como dinâmica cotidiana de administração
de Estados sobre territórios e populações. No entanto, apesar de ser esta
a defi nição das práticas coloniais, a cooperação internacional para o de-
senvolvimento não se configura a partir da mesma lógica, ainda que man-
tenha muitos de seus elementos. As políticas de cooperação internacional,
enquanto práticas de intervenção, são adotadas a partir do consentimento
do governo do país receptor, se caracterizando, portanto, como procedi-
mentos diplomáticos legítimos. Sua legitimidade, apesar da natureza in-
tervencionista da ação, se deve à construção discursiva de um problema
como “global’, que deve ser resolvido em instâncias administrativas que
ultrapassam às domésticas.
Entre as variadas formas como se dão as práticas e conhecimentos
administrativos de um Estado sobre populações, territórios e Estados es-
trangeiros, os projetos são instrumentos de operacionalização da coopera-
ção técnica, que envolve diferenciados fluxos e contrafluxos entre frontei-
ras nacionais.
Como um canal ou uma ponte que liga estruturas administrativas de
diferentes Estados, a cooperação pode ser entendida, por analogia, a uma
estrada de mão dupla, por onde veiculam fluxos de diferentes naturezas
– de conhecimentos, fi nanceiros e humanos – em ambas as direções. E
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nha circulam por meio de caminhos menos conhecidos, pequenas estradas
marginais, fugindo das grandes vias. São as características “desta estrada
de mão dupla” que buscamos explorar ao longo deste trabalho.
As formas de intervenção da GTZ expressam um dos meios pelos quais
a administração do Estado alemão se efetiva em outros territórios, deli-
neando representações para o outro, o estrangeiro, e servindo de lente pri-
vilegiada para se proceder a uma leitura antropológica do Estado. Assim,
nosso foco está exatamente naquilo que parece rotina, o que está no coti-
diano e que não se nota, não se publica, não se percebe, que está implícito
nas rotinas dos escritórios das agências estrangeiras. No entanto, também
passa pelas dinâmicas locais – também rotinizadas – que viabilizaram a
entrada de profissionais estrangeiros nas instituições do governo brasilei-
ro, quando desenvolve um projeto com agências de cooperação.
Como o objeto que observamos é a operacionalidade administrativa
de controle e regulação da GTZ em políticas governamentais, buscamos
observar as práticas de cooperação técnica alemã enquanto técnicas de po-
der rituais e simbólicas implementadas junto aos órgãos da administração
pública brasileira. Em outras palavras, sendo a cooperação entendida aqui
como um conjunto de práticas de intervenção de Estado sobre Estados
que tem como fi nalidade produzir e difundir uma autorrepresentação, no
processo de construção de uma história recente das políticas ambientais e
sociais, inclusive indígenas, no Brasil, as instituições alemãs de cooperação
se destacam.
A expressão cooperação para o desenvolvimento e todo o léxico a ela
associado – cooperação técnica, peritos, projetos, programas, missão, en-
tre outros – é incorporado e naturalizado pelas instituições locais, que
os adotam supondo haver uma neutralidade política devido à ênfase nos
aspectos técnicos. A este processo Foucault denominou tecnologias polí-
ticas, instrumentos que promovem o mascaramento do aspecto político
sob o véu da neutralidade. Aqui ela assume uma dimensão específica, que
ultrapassa as dinâmicas de poder em um espaço nacional, porque institui
formas de dominação em territórios estrangeiros.10
O objetivo é analisar como a política de cooperação técnica funciona
e como opera enquanto instrumento de governo e administração de um
Estado Nacional em espaços estrangeiros, considerando que, por ser uma
política de Estado, viabiliza a produção de categorias de pensamento que
Metodologia
Este livro expressa o esforço empreendido no desenvolvimento de uma
longa pesquisa de doutorado na área de antropologia social, e é o resulta-
do da adaptação, com alguns ajustes, da tese apresentada no Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro, em 2007, sob orientação do professor dr.
Antonio Carlos de Souza Lima.
A pesquisa sobre este campo apresenta grande complexidade por en-
volver uma diversidade de atores em escalas diferenciadas (locais, nacio-
nais, internacionais e globais), um conjunto de formas de atuação e fluxos
de distintas naturezas entre fronteiras nacionais (de conhecimentos, de
pessoas, de recursos financeiros, de equipamentos, entre outros).12 Foi ne-
cessário, para isso, repensar o conceito antropológico de campo em novas
bases, buscando alternativas à concepção tradicional baseada em uma al-
deia ou em uma comunidade local específica. Ao caminhar no sentido pro-
posto por Shore e Wright,13 o campo deslocou-se para as “conexões entre
níveis e formas de processos e ações sociais em diferentes lugares”, desde
as organizações de Estados nacionais distintos até os lugares de encontro:
projetos e eventos públicos enquanto rituais do Estado. O levantamento
de dados de informações sobre as práticas da cooperação internacional
foi feito a partir dos projetos desenvolvidos por organizações alemãs no
Brasil fundamentou-se em uma estratégia de pesquisa “multissituada” e
multi-institucional no Brasil. A cidade de Brasília foi o lugar privilegiado
de observação das dinâmicas das práticas de poder envolvidas no que se
denomina de cooperação técnica para o desenvolvimento, por ser o centro
político e administrativo do país. Além de Brasília, pesquisei também no
Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Manaus.
O período de pesquisa foi dividido em três etapas, de 2002 a 2007: em
2002, por cerca de dois meses estive em Brasília e Manaus; de 2003 até
2005, passei a residir em Brasília e participei diretamente de atividades
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nas instituições e em eventos e convenções internacionais realizadas pela
GTZ; em 2006 e 2007, atividades eventuais ainda foram concretizadas no
sentido de complementar alguma informação que ainda se fazia necessário
levantar.
O levantamento de dados para a pesquisa foi baseado em três proce-
dimentos principais: levantamento e análise documental, observação par-
ticipante nas instituições e entrevistas com funcionários das organizações
e dos órgãos alemães e brasileiros, governamentais e não governamentais:
GTZ, Funai, Ministério do Meio Ambiente (MMA), Agência Brasilei-
ra de Cooperação (ABC), Ministério de Relações Exteriores (MRE), da
ONG Centro de Trabalho Indigenista (CTI), entre outras.
Foram pesquisados documentos sobre as instituições e suas regras de
atuação e sobre acordos e atos internacionais. Além destes, documentos
administrativos e dos projetos da GTZ que regulamentam suas práticas e
as de seus funcionários no Brasil, com normas e diretrizes, procedimentos
e conceitos fundamentais da cooperação técnica alemã, desvendando nor-
mas e defi nições a partir das quais trabalham no exterior.
Os documentos levantados colaboram como referências históricas de
dados etnográficos fundamentais para indicar alguns caminhos inovado-
res de interpretação e estabelecem correlações entre pessoas e contextos
capazes de esclarecer muitos aspectos do objeto pesquisado.
Quanto à observação participante, priorizei dois “lugares”: o projeto
PPTAL, que frequentei de forma menos sistemática, entre 2002 e 2003 e
a GTZ, onde permaneci por período mais longo no escritório, entre 2003
e 2004. No PPTAL, busquei explorar o estabelecimento inicial de proce-
dimentos para entrada dos alemães no órgão indigenista brasileiro, sua
elaboração e as articulações locais postas em prática. Busquei explorar a
redefi nição de orientações na administração pública, que passou a incor-
porar o projeto de cooperação. Neste sentido, recorri às histórias pessoais
de alguns ex-funcionários da Funai e membros da ONG Centro de Tra-
balho Indigenista que participaram da negociação e da formulação inicial
do projeto, o que contribuiu em muito para nortear alguns eixos da pes-
quisa.
Conforme avançava, compreendi que analisar somente um projeto limi-
tava muitos aspectos que explicavam a lógica própria à cooperação técnica
alemã da GTZ, porque não garantia uma observação comparada entre
trabalhos daquela mesma organização. Além disso, as particularidades do
14 Lima, Ludmila. “Se a Funai não faz, nós fazemos.” Confl ito e mudança no contexto
de um projeto de cooperação. Tese de doutorado, UnB/DAN, Brasília, 2000. Ver também:
Almeida, Alfredo Wagner Berno de. Avaliação Independente sobre o PPTAL. Consultoria
apresentada à GTZ, 2001.
15 Nader, L. “Up the anthropologist.” In: Hymes, D. Reinventing Anthropology. New York,
Ramdom House, 1972, p. 289.
16 Hinshaw, R. E. “Anthropology, administration and public policy.” Annual Review of
Anthropology, 9, p. 509, 1980.
A GTZ no Brasil 33
versitária e pouco favoráveis à sua aceitação entre eles. Trabalhos como o
de Helen Schwartzman, Ethnography in Organizations (1993) e de Susan
Wright, Anthropology of Organizations (1994) apontam para um cres-
cente interesse por parte de antropólogos a partir dos anos 1990 em re-
lação ao tema e apresentam questões que foram muito inspiradoras para
o presente trabalho, particularmente em relação a abordagem que trazem
sobre poder nas organizações. Algumas delas são pesquisas desenvolvidas
a partir de análise documental; outras são realizadas por meio da obser-
vação participante diretamente em instituições.17 Neste caso, o processo
de levantamento de dados é mais difícil, ficando o pesquisador mais vul-
nerável às dinâmicas de poder dos atores em jogo. Tão enredadas relações
implicam uma relativa perda da noção de distanciamento do pesquisador,
o que ocorre de forma mais intensa do que as pesquisas que lidam com
dados históricos e documentos arquivados.
Além da falta de interesse que este ambiente dos escritórios de agên-
cias públicas promove em boa parte dos antropólogos, em suas salas com
ar-condicionado, janelas semifechadas, luz fria, telefones e computadores
individuais, a própria pesquisa é uma atividade estranha, pouco usual,
demonstrando quão pouco público é o seu fazer. De maneira geral e inde-
pendente da nacionalidade, a entrada do pesquisador nos ambientes das
burocracias cria um temor de auditoria, de investigação criminal, não ha-
vendo um claro entendimento por parte dos funcionários quanto às fi nali-
dades de um estudo acadêmico, principalmente antropológico baseado na
observação direta naquele local. São raras as ocasiões em que isto aconte-
ce, dependendo da formação de algumas pessoas nas instituições.
Os documentos “públicos”, por sua vez, são usados frequentemente
como recursos de poder nas instituições públicas. Apesar de haver um ar-
quivo de documentos, muitos deles são pessoalmente guardados pelos co-
ordenadores de projetos, chefes de departamentos ou mesmo funcionários.
Apesar de serem “públicos”, acessá-los é uma manobra diplomática, uma
conquista que exige procedimentos formais de apresentação de compro-
missos escritos e cartas aos superiores para o convencimento do interesse
exclusivamente acadêmico da pesquisa.
Assim, o segundo contexto de observação da cooperação alemã foi o
escritório da agência GTZ, local privilegiado de produção de saberes e
ponto de encontro e referência cultural para os funcionários alemães, o
qual frequentei durante seis meses, sendo recebida de forma muito cordial
A GTZ no Brasil 35
“profissionais da cooperação” alemã, estes são formados em diferentes
áreas de conhecimento: desde a fi lologia, teologia, antropologia, sociolo-
gia, economia, administração, pedagogia, agronomia, engenharia, entre
outros. No Brasil, é muito frequente a atuação de agrônomos e sociólogos,
sendo rara, para minha surpresa, a presença de antropólogos.
Uma de minhas hipóteses, a partir da análise das trajetórias sociais dos
“peritos” da GTZ, de voluntários e de outros que trabalham em projetos
de cooperação para o desenvolvimento, é de haver uma intensa circulação
destes profissionais entre as instituições governamentais e não governa-
mentais alemãs de cooperação em um mesmo país, o que contribui para a
administração de informações e de conhecimento dentro de uma mesma
rede. Outra hipótese é a argumentação de que a atribuição do sucesso de
um projeto não se deve a fatores associados a racionalidade “técnica” das
burocracias, mas se basearia em características pessoais do perito e em sua
capacidade de estabelecer vínculos com a comunidade com a qual traba-
lha. O sucesso de um projeto estaria relacionado, portanto, à construção
de uma relação de confiança entre o perito e o grupo com o qual traba-
lha, que reconhece seu valor. Este é um elemento de grande importância,
que não está em nenhum formulário ou manual da GTZ, mas depende
de atributos pessoais dos profissionais em campo, dos compromissos que
assumem no seu trabalho, além das redes sociais que constroem no país a
partir de suas relações profissionais.
A GTZ se constitui como empresa por meio de um corpo de profis-
sionais característico de burocracias da administração pública: diretores
e coordenadores de programas, funcionários responsáveis pela adminis-
tração e coordenação dos projetos, auxiliares de contabilidade do escritó-
rio e as secretárias, além daqueles que desempenham a função direta de
execução dos projetos em órgãos de governo local, que no caso alemão,
são os peritos técnicos de atuação local. Eles são os portadores de sabe-
res e conhecimentos específicos de Estado e os transmissores desses co-
nhecimentos para órgãos de governo de outros estados. Articulam-se, nas
variadas instituições às quais estão vinculados, por meio de redes sociais
estabelecidas não somente por ideais terceiro-mundistas, mas também por
fundamentos de solidariedade, de cristianismo e de princípios ambienta-
listas e conservacionistas.
Os profissionais da GTZ que atuam no Brasil são, em sua maioria,
alemães nativos, cabendo àqueles que falam alemão (seus descendentes ou
cônjuges) as funções administrativas. No caso dos peritos, em geral são
todos alemães nativos, sendo raros os que não coordenam projetos.
A GTZ no Brasil 37
É importante ressaltar que o mercado de trabalho na Europa, sobretu-
do para profissionais de áreas como sociologia, antropologia, pedagogia,
zootecnia, botânica, ecologia ou agronomia é limitado, sendo o campo
da cooperação para o desenvolvimento muitas vezes uma perspectiva de
trabalho muito bem remunerada. Assim, para além do discurso oficial da
bondade, das parcerias e da ajuda internacional, o campo do “desenvol-
vimento” representa um importante mercado de trabalho para alemães e
para europeus, em geral, no exterior.
O trabalho de um perito envolve deslocamento ao campo, acompa-
nhamento de perto das atividades do projeto, exigindo conhecimento es-
pecífico de sua formação, mas também conhecimentos sobre execução de
projetos e metodologias de monitoramento e avaliação. Ainda que muito
burocrático, no entanto, se difere de um trabalho administrativo, que é
desenvolvido por uma equipe de escritório da GTZ.
Os peritos são responsáveis por repassar uma forma de administrar de-
fi nida por princípio como eficiente, sendo eles os “especialistas” treinados
para implementar as normas e os procedimentos de planejamento e ge-
renciamento de projetos desenvolvidos pela GTZ. São familiarizados com
esta forma de administrar por meio de cursos que recebem na Alemanha
e de estágios práticos que fazem em campo junto a outros peritos mais ex-
perientes. A função dos peritos é fazer com que os conhecimentos relativos
a “administrar em territórios estrangeiros” sejam aplicados e transmitidos
para os profissionais locais com os quais trabalham, independente do tipo
de projeto que eles venham a executar. Assim, eles atuam como elos de
uma cadeia de transmissão de saberes do Estado alemão aos Estados com
os quais cooperam, conectando a sede na Alemanha à instância local e
atribuindo valores e representações em um duplo processo de significação:
traduzem para os “locais” o que entendem ser a GTZ, da mesma forma
que também o fazem sobre os significados dos problemas e questões dos
países onde desenvolvem os projetos de volta para a GTZ. São eles os por-
tadores de informações à sede da organização na Alemanha sobre o anda-
mento do projeto, como também trazem de lá novas normas e diretrizes
para execução de projetos. São, para a sede alemã, os tradutores e intér-
pretes do “local”, transportando conhecimentos para lá e para cá, de uma
direção para a outra, fazendo circular nesta estrada de mão dupla saberes
e fazeres administrativos muito particulares. Sua atuação é de grande re-
levância no que se refere à produção de conhecimentos sobre o mundo do
“desenvolvimento”, se considerarmos os múltiplos fluxos estabelecidos por
uma mesma agência de cooperação, como a GTZ, e as inúmeras agências
de cooperação que atuam no chamado “Terceiro Mundo”.
A GTZ no Brasil 39
Diante de algumas dificuldades no contato pessoal, resolvi optar por
uma estratégia mais abrangente de levantamento de dados por meio de um
questionário sobre as experiências e trajetórias pessoais de alguns funcio-
nários da cooperação alemã em geral e, particularmente, na GTZ, para o
que solicitei autorização da direção.
Dois anos depois de formulado o questionário, para o qual não obtive
respostas, um perito da GTZ explicou-me que o grupo não respondeu às
perguntas porque o questionário foi repassado por meio da Internet, rede
de fácil veiculação pública, onde não interessa que circulem informações
pessoais. Para eles, ainda, o questionário envolvia certa “indicação” da di-
retora da GTZ, e isto insinuava estar a pesquisa submetida àquela que era
a chefe de todos eles. Este mesmo perito explicou também que há um sindi-
cato dentro da empresa, na Alemanha, que anualmente investiga questões
pessoais sobre as condições de trabalho e de adaptação ao país, informa-
ções guardadas confidencialmente, com a segurança de estarem relaciona-
das a uma senha de acesso, muito diferente do que eu havia feito.
Suas considerações colocaram a questão do trabalho e das relações
hierárquicas dentro da empresa GTZ e do próprio governo alemão como
elementos inibidores de uma aproximação e colaboração maior com pes-
quisadores. Trabalhar para um órgão de governo garante um estatuto
muito diferenciado do trabalho não governamental, o que foi apontado
por muitos como duas situações muito distantes. Em suas palavras: “Nós
somos governo. Tem coisas pessoais que são colocadas em relatórios que
não podem se tornar públicas. Uma das demandas das ONGs era de que
fôssemos mais próximos às ONGs, mas nós somos governo.”
Cheguei a Brasília para fazer a pesquisa sem vínculos com aquele
“mundo da cooperação” e com as instituições que pesquisava, o que me
colocava em uma posição de outsider em vários sentidos. Do ponto de
vista da “comunidade da cooperação internacional”, eu também não me
enquadrava: não era funcionária pública, não era consultora de agências
de cooperação internacional, não era diplomata, estas sendo algumas das
principais formas de inserção nas políticas de cooperação internacional.
Era uma pesquisadora, e com vínculos distantes da UnB, o que predomina
no meio acadêmico de Brasília. Entre os funcionários da GTZ, alemães e
não alemães, fui muitas vezes questionada sobre minhas afi nidades com
o mundo deutschland, comunidade da qual também não me enquadrava:
não sou alemã, nem mesmo descendente de alemães ou cônjuge de um, não
sou uma exímia falante da sua língua, nem sequer morei na Alemanha ou
trabalhei em suas empresas ou agências. A língua foi um dos pontos de
20 Fiz durante um ano um curso particular com um professor alemão, o que me forneceu
uma estrutura da língua, favorecendo particularmente a leitura, acompanhada de dicionário,
mas não sendo suficiente para pesquisa e leitura aprofundada de relatórios e documentos de
análise de órgãos de governo alemão.
A GTZ no Brasil 41
o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Comissão Econômi-
ca para América Latina e Caribe (Cepal), a Organização Internacional do
Trabalho (OIT), a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização
das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura (Unesco), o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 21 bem
como os escritórios das principais instituições que executam a política de
cooperação para o desenvolvimento da Alemanha no Brasil, dentre elas, a
GTZ, o Banco KfW e a embaixada da Alemanha.
Como capital federal, Brasília é espaço de elaboração e reprodução de
inúmeros rituais de poder, centro das decisões políticas, sendo, portanto, o
local mais importante para captar as dinâmicas das políticas e das relações
diplomáticas associadas à cooperação técnica para o desenvolvimento.
Em Brasília, há uma “falsa” ideia de igualdade na disposição urbana.
Somente aos poucos é possível compreender a lógica que impera quanto
ao valor atribuído a determinados endereços, o que tem relação com o
status dos funcionários que ali residem, e não com a vista mais bonita
de uma montanha ou do mar, nem com o acesso a facilidades urbanas de
abastecimento ou diversão, como acontece no Rio de Janeiro. Somente
para quem se familiariza com as dinâmicas da administração pública, em
função da lógica interna de uma capital federal, é possível entender porque
a quadra 305 ou a 406 da Asa Sul pode ser mais valorizada do que a 412.
A distribuição das moradias funcionais, hoje mais raras, é um fator impor-
tante na defi nição do status das quadras, que tem relação com o grau de
importância da função e do cargo que seu morador ocupa no governo. Os
funcionários de uma “repartição” ou de um ministério são “alojados” na
mesma quadra ou prédio de apartamentos.
Talvez por ter vindo de uma cidade como o Rio de Janeiro, em que
os espaços públicos, mais do que outros, proporcionam a integração en-
tre estratos sociais e membros de grupos sociais muito distintos, tem-se
a impressão de que a disposição urbana planejada e ordenada das ruas e
das quadras acabaram contribuindo para que uma certa fragmentação e
segmentação social se incorporasse ao modo de ser “brasiliense”.
Podemos argumentar que uma determinada dinâmica social e urbana
da cidade relaciona-se com as estruturas burocráticas de poder. É uma
cidade regulada pela economia e pela etiqueta do “poder”, costurada por
redes sociais entrelaçadas e baseadas em vínculos profi ssionais e políticos,
21 Verificar na página correspondente a lista de siglas para as defi nições específicas de cada
uma das organizações aqui citadas.
22 Esta afi rmação de pertencimento profi ssional ou “funcional” é tão forte que tive a oportu-
nidade de conhecer um diplomata já em carreira que fez questão de comprar um antigo carro
Opala, já fora de linha, o “Diplomata”.
A GTZ no Brasil 43
sionais que fazem parte da engrenagem administrativa. Muitas vezes, essas
redes de relações profissionais são anteriores à própria prática profissional,
gerações formadas em uma mesma instituição de ensino que, em função
da atuação profissional, assumem em Brasília cargos na administração pú-
blica ou em ONGs, e contribuem para a composição de suas “equipes” de
trabalho com conhecidos de tempos anteriores.
As representações simbólicas de rituais de poder, a encenação e a ficção
fundem-se e recriam-se com as próprias práticas colocadas em ação, não
sendo restritas às instituições de governo, aos ministérios, mas estando
presentes nas mais corriqueiras conversas, em espaços informais, nos raros
botequins e nos inúmeros bares e restaurantes elegantes. 23
O livro está dividido em duas partes e sete capítulos. Na primeira par-
te, buscamos desvendar as diferentes abordagens contemporâneas sobre
cooperação internacional para o desenvolvimento, analisando o conjunto
de defi nições e uma discussão conceitual e teórica da expressão “coopera-
ção técnica internacional” em distintos campos de conhecimento, das rela-
ções internacionais à antropologia. Adotamos como proposta de trabalho
a ideia de “cooperação internacional para o desenvolvimento” enquanto
um conjunto de práticas governamentais de intervenção de um Estado em
outro Estado ou territórios estrangeiros, em que estão implicados fluxos
variados.
A análise das condições políticas e conceituais que viabilizaram, em
determinado momento da história contemporânea, em vários Estados Na-
cionais, a adoção de um conjunto de normas e instituições de intervenção
para a administração de populações e territórios em outros Estados. Isto se
deu por meio de projetos que promoviam a circulação – envio e recebimen-
to – de recursos em fluxos distintos dos comerciais, além de investimentos
no setor produtivo. O intuito aqui foi o de historicizar este campo usu-
almente tratado pelas abordagens funcionalistas que se atém aos discur-
sos naturalizados dos projetos ou dos programas em jogo. A análise deste
contexto nos permite ter maior clareza sobre a intensificação das relações
entre os governos do Brasil e da Alemanha em diferentes momentos da
história.
23 Esta não é uma prática que se restringe ao meio de funcionários da área da cultura. A
distribuição de ingressos de shows e espetáculos de teatro, mais caros em Brasília do que a
média no Rio de Janeiro, é exercício comum na administração pública, entre os diplomatas,
na Câmara e no Senado, entre políticos em geral, como “agrado” a determinados funcioná-
rios e diretores de ministérios, além de amigos pessoais. Certa vez, no Ministério de Relações
Exteriores, escutei um funcionário comentando que o preço do ingresso em Brasília tinha de
ser mais alto porque precisava compensar os ingressos gratuitamente distribuídos.
A GTZ no Brasil 45
alizada em seu escritório. A observação participante no escritório da GTZ
foi um dos eixos centrais a partir dos quais desenvolvi esta tese, com o
propósito de dar visibilidade ao trabalho do governo alemão no campo da
solidariedade e da cooperação internacional através de suas práticas.
No Capítulo 5, abordamos o grupo de funcionários da GTZ no Bra-
sil, partindo de uma análise de suas atribuições funcionais no escritório
e da análise de quatro trajetórias particulares de peritos que trabalharam
na GTZ no acompanhamento da execução de projetos. No Capítulo 6,
analisamos o processo de elaboração, negociação e implementação de um
projeto em que a GTZ assume a responsabilidade gerencial e administra-
tiva, o Projeto Integrado para Proteção das Populações e Terras da Ama-
zônia Legal, o PPTAL. A partir de sua análise, vimos que a “capacidade
administrativa” da GTZ se viabiliza por meio das articulações com as
redes governamentais e não governamentais existentes nas dinâmicas da
administração pública brasileira.
A GTZ no Brasil 47
Capítulo 1
A GTZ no Brasil 49
as expectativas dos atores convergem”, segundo a defi nição de Krasner. 29
Para John Ruggie, regimes referem-se mais a “um conjunto de expectati-
vas, regras e regulações, planos e compromissos sociais que foram aceitos
por um grupo de Estados” e se voltam para normas de defesa de interesses
e bens comuns, coletivos ou globais, como meio ambiente, direitos huma-
nos, segurança internacional, narcotráfico, entre outros.30
É muito frequente entre autores que adotam uma abordagem liberal-
institucionalista que cooperação internacional seja defi nida como um
processo de interdependência entre os atores do sistema internacional.31
Keohane e Joseph Nye argumentam que esta crescente interdependência
se deve ao desenvolvimento de novas tecnologias e a uma maior integra-
ção econômica mundial e que tem por objetivo a realização de “interesses
comuns”. No entanto, para estes autores, a ideia de interdependência não
exclui a de assimetria. Supõem, neste sentido, a existência de condições
de desigualdade em termos de distribuição de poder entre os Estados, e
explicam o fato de que, embora se obtenham ganhos absolutos em uma
relação de troca, os ganhos relativos podem ser distintos e acentuados com
as relações de cooperação.
Para Robert Keohane, confl ito e cooperação são, no sistema interna-
cional, condições interligadas e não incompatíveis ou contraditórias. Para
ele, não existe cooperação sem a eminência do confl ito e seria uma opção
que os atores internacionais teriam diante de uma situação de confl ito real
ou potencial. Ele assim defi ne a circunstância em que a cooperação ocorre:
“cooperação não significa harmonia e não significa que não haja conflito.
Sem o espectro do confl ito, não há por que cooperar. Cooperação é uma
situação política”.32
Alguns autores, como James Rosenau e Ernst Czempiel, Oran Young,
Robert Keohane e Joseph Nye adotam a hipótese de deslocamento dos
centros de autoridade dos Estados para novas esferas de poder e discutem
a permanência dos Estados como instâncias de governo, questão que reme-
te às discussões contemporâneas sobre a permeabilidade dos Estados em
29 Krasner, Stephen. International regimes. New York: Cornell University Press, 1983.
30 Ruggie, John (1975) apud Keohane, R. After hegemony, 1984, p.53.
31 Alguns teóricos de relações internacionais que adotam uma abordagem liberal-institu-
cionalista, como Robert Keohane e Joseph Nye, compartilham das ideias de que a maior
integração econômica mundial, novas tecnologias, atores não governamentais e organismos
internacionais são fatores que têm contribuído para a interdependência mundial.
32 Keohane, R. After hegemony: cooperation and discord in the world political economy.
Princeton: Princeton University Press, 1984, p. 63.
A GTZ no Brasil 51
Antropologia e cooperação para o desenvolvimento
No campo da antropologia, em uma concepção contemporânea, o termo
cooperação internacional está fortemente vinculado aos Estados Nacio-
nais e à ideia de desenvolvimento.37 Esta abordagem gerou uma ampla
produção de artigos acadêmicos sobre antropologia aplicada e a atuação
de antropólogos em projetos de desenvolvimento, principalmente entre os
anos 1970 e 1980.
Diante de um universo amplo e complexo, essas práticas estão intrin-
secamente relacionadas às estruturas jurídicas e burocráticas de determi-
nados setores dos governos (Relações Exteriores, Ciência e Tecnologia,
Planejamento e Economia, Meio Ambiente, Educação, entre outros, que
variam em função da especificidade do tema envolvido), através de contra-
tos que expressam o conjunto permitido de normas e regras.
Como dito anteriormente, esta pesquisa muito se inspirou em um dos
trabalhos pioneiros no enfoque sobre instituições de poder e organizações
burocráticas, desenvolvido por Laura Nader ainda nos anos 1970. Sua
proposta era de que fossem feitos mais estudos sobre instituições, pela
interferência que elas têm sobre as vidas das pessoas que os antropólogos
tradicionalmente estudam. Para a autora, os registros etnográficos deve-
riam descrever as instituições que dão suporte ao setor industrial.38 Neste
mesmo período, o trabalho de Talal Asad, Anthropology and the Colonial
Encounter, trouxe também importantes contribuições. Nas décadas subse-
quentes, particularmente nos anos 1990, muitos trabalhos foram realiza-
dos explorando, pela lente da antropologia, o conceito de desenvolvimento:
Douglas, M. (1985), Apfel Marglin (1996), Escobar, E. (1995), Schwartz-
man, H. (1989 e 1993), Chris Shore (1993) e Susan Wright (1997), J. Crush
(1995), Ferguson (1994), entre outros.
Ferguson39 tratou das operações do “aparato” do desenvolvimento in-
ternacional e não das pessoas a serem desenvolvidas, objeto central da
maioria dos trabalhos antropológicos. Ferguson desenvolve ainda o ar-
gumento de que esta mudança de enfoque envolve uma abordagem des-
centralizada, em que a inteligibilidade deste “problema antropológico”
37 Arturo Escobar (1995), Gilbert Rist (1999), Lucy Mair (1984), James Ferguson (1994), Fre-
derick Cooper & Randall (1997) são alguns dos autores que contribuíram para este debate.
38 Nader, Laura. “Up the anthropologists: perspectives gained from studying up.” In: Hy-
mes, Dell. Reinventing anthropology. New York: Pantheon Books, 1972, p. 292.
39 Ferguson, J. The anti-politics machin.“Development”, depolitization and bureaucratic
power in Lesotho. Minneapolis/London: University of Minnesota Press, 1994, p. 17-19.
40 Escobar, Arturo. Encountering development. The making and unmaking of the Third
World. Princeton: Princeton Studies in Culture/Power/History – Princeton University Press,
1995, p. 108.
41 Lima, L. M. M. “Se a Funai não faz, nós fazemos”: confl ito e mudança no contexto de
um projeto de cooperação. Tese de doutorado, Departamento de Antropologia – UnB, Bra-
sília, 2000.
42 A tese de doutorado de Ludmila M. Lima sobre a análise do PPTAL enquanto “aldeia”,
espaço de confl ito e socialização, apresenta uma abordagem detalhada de como se dão esses
confl itos no interior de uma instituição que se depara com “o novo”, com mudanças. Ver
Lima, L. M. M., ibid.
A GTZ no Brasil 53
As pesquisas desenvolvidas no Brasil sobre o tema não se limitaram,
no entanto, a projetos desenvolvidos no Brasil enquanto País “receptor”
de cooperação, mas também como agente de cooperação no exterior. Em
2005, o trabalho de Kelly Cristiane da Silva analisou as missões da ONU
no Timor Leste, ou seja, visou ao deslocamento do olhar para fora, às ati-
vidades de “cooperação” realizadas pelo Brasil, agora em outra posição,
como um dos “doadores” para a “reconstrução do Estado” no Timor.
Notamos que os esforços iniciais de discussão sobre o que se denomina
por cooperação técnica partiram em grande medida do Departamento de
Antropologia da UnB, não sem explicação: em Brasília, os antropólogos
usufruem da proximidade com o centro simbólico e administrativo do Po-
der Federal, o que os coloca em estrita ligação com “políticas públicas
sociais”, garantindo a eles possibilidades concretas de trabalho, especial-
mente em “consultorias”, e certo tipo de “engajamento” político em ques-
tões sociais e de direitos humanos que dão aos antropólogos de Brasília
uma posição privilegiada em função da prática de uma aparente antro-
pologia “aplicada”. Esta prática vai desde a atuação em projetos sociais
em ONGs, em consultorias de curto prazo prestadas a órgãos públicos e
mesmo diretamente no serviço público, em órgãos como Funai, Ministério
da Educação (MEC), Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Nem sempre
uma antropologia “militante” garante reflexão antropológica, mas a ex-
periência etnográfica, associada às políticas de Estado, são características
bastante comuns de uma “antropologia de Brasília”.
Em Brasília, observa-se todo um conjunto de situações que dizem res-
peito à administração pública, às políticas governamentais e à cooperação
internacional, situações essas que estão presentes na vida cotidiana, acon-
tecendo de forma “naturalizada”. A proximidade existente dos escritórios
de organismos e agências internacionais, com o Banco Mundial, o PNUD,
o GTZ etc. – centros de decisão dos projetos; as conversas informais com
antropólogos e outros participantes como consultores de projetos de coo-
peração e de órgãos do governo que desenvolvem projetos; os comentários
sobre novos editais de recursos; estas são algumas das experiências que um
pesquisador se depara no seu dia a dia na capital.
A rede de antropólogos que tem sua base de referência e ponto de par-
tida na UnB, no Departamento de Antropologia, compõe-se de alunos e
ex-alunos formados pelo DAN-UnB, constituindo um dos grupos mais
fi rmes, coesos e gregários no meio universitário e acadêmico de Brasília.
A formação desta sólida rede começa pela disponibilidade de um espaço
de convívio social e de discussões acadêmicas para os alunos dentro do
43 Alguns dos trabalhos de Souza Lima marcam a abordagem sobre o tema, analisado atra-
vés do prisma do indigenismo como um conjunto de saberes associados a formas de gestão de
desigualdades. Entre eles, citaremos Souza Lima, A. C. “O indigenismo no Brasil: migração
e reapropriações de um saber administrativo”. In: Léstoile, Benoit de, Neiburg, Federico e
Sigaud, Lygia (Org.). Antropologia, impérios e estados nacionais. Rio de Janeiro: Relume-
Dumará/Faperj, 2002, p. 160. Também adota reflexões sobre o tema em: Souza Lima, A.
C. “Tradições de conhecimento na gestão colonial da desigualdade: reflexões a partir da
administração indigenista no Brasil.” In: Bastos, C.; Almeida, M. V. & Feldman-Bianco, B.
Trânsitos coloniais: diálogos críticos luso-brasileiros. Lisboa: ICS, Universidade de Lisboa,
Estudos e Investigações n. 25, 2002, p. 1.
44 Quanto à produção de alunos de Antonio Carlos de Souza Lima, vale destacar a disser-
tação de mestrado de Roberto Salviani, As propostas para participação dos povos indígenas
no Brasil em projetos de desenvolvimento geridos pelo Banco Mundial: um ensaio de análise
crítica, publicada em 2002; a tese de doutorado de J. P. M. Castro sobre a atuação da Unesco
em projetos sociais no Brasil, envolvendo as categorias “juventude, violência e cidadania”,
defendida em 2005 e publicada com o título A invenção da juventude violenta : análise da
elaboração de uma política pública (E-papers, 2009); o trabalho de Maria Barroso-Hoff-
mann sobre a atuação da Norad com populações indígenas, Fronteiras étnicas, fronteiras
de Estado e imaginação da nação: um estudo sobre a cooperação internacional norueguesa
junto aos povos indígenas (E-papers, 2009); e o de Natasha Nicaise sobre a política de co-
municação da União Europeia.
A GTZ no Brasil 55
cionais, as organizações não governamentais e até mesmo os indivíduos
que tenham capacidade de expressão no plano internacional, enquanto
lideranças representativas de grupos sociais organizados.
Em sua tese, na qual analisa a pluralidade de atores ligados à disputa
do processo de construção do Estado em Timor-Leste, Kelly Silva defi ne
o sistema de doação envolvido na relação de cooperação em Timor-Leste
como um fato social total.45 A autora entende o campo da cooperação in-
ternacional como “o conjunto de práticas, valores e atores envolvidos na
gestão da assistência externa”46 e destaca as políticas de doação adotadas
pelas agências do Brasil, Austrália e Portugal, entre outros, comparando-
as a uma corrida por status político, “no qual a dádiva é a moeda de troca
e fonte de poder e prestígio”. Para ela, a abordagem sobre um conjunto de
práticas, valores e atores envolvidos na gestão de assistência externa (em
alguns casos, sinônimo de cooperação internacional) caracteriza um cam-
po de ação política, mais do que simplesmente as ações em si.
A noção desenvolvida por Bourdieu sobre “campo” é muito adotada
para análise da atuação de instituições em projetos de cooperação.47 O
conceito de campo para Bourdieu está imbricado na defi nição do modo de
produção de uma ordem observada e na construção de uma teoria da prá-
tica. Para ele, campo é “espaço estruturado de posições cujas propriedades
específicas dependem das relações entre essas posições e que são passíveis
de análise independente de seus ocupantes” 48 e, ainda, campo como um
local onde se trava uma luta concorrencial que opõe o novo que força sua
entrada e o dominante que procura excluir a concorrência, defendendo seu
monopólio.
Neste mesmo sentido, em trabalho sobre as “respostas” – práticas locais
– para o combate ao fenômeno de disseminação da Aids como epidemia
global, Cristiana Bastos49 tomou como objeto de sua análise não somente
um ou outro ator, mas o “campo” defi nido pelo universo complexo de
A GTZ no Brasil 57
atuação de cada instituição e de ressaltar que “assim como não há ONGs
em geral também não existe a cooperação em geral”.52
A “cooperação não governamental” como formas específicas de desen-
volvimento de projetos internacionais denota a centralidade deste atores
sociais mas também sua articulação em redes (networks) que caracteriza
uma configuração diferenciada em relação às formas de organização dos
Estados nacionais. As formas de relações entre organizações não governa-
mentais defi nidas por cooperação ocorrem prioritariamente por meio de
redes de organizações, associações e pessoas, articuladas e mobilizadas
pelo “ativismo” político, por ações e movimentos sociais. Ainda assim, a
inter-relação entre os campos governamental e não governamental merece
uma apreciação cuidadosa, já que são inúmeras as sobreposições e inter-
seções entre essas áreas, seja no que diz respeito à elaboração do aparato
conceitual, seja quanto aos profissionais que circulam de um campo ao
outro, ou nas próprias funções em atividades realizadas pelas organiza-
ções, muitas vezes de complementação ou mesmo de competição na área
social. 53
O termo “transnacionalismo” é usado associado aos contextos de redes
transnacionais e muito frequentemente à atuação das ONGs. Gustavo Lins
Ribeiro usa-o para defi nir “um eixo transversal que recorta outros níveis
de integração, no qual está ausente uma realidade territorial e os aspectos
políticos e ideológicos são privilegiados.”54 Seu espaço é difuso, dissemina-
do em uma malha que vai do local regional nacional ao internacional, por
isso, um termo recorrente entre instituições da “sociedade civil”, das redes
de organizações, das associações e as pessoas articuladas pelo ativismo
político, ações e movimentos sociais que promovem atividades chamadas
de cooperação internacional ou solidariedade internacional.
Outra proposição também é encontrada em alguns trabalhos sobre co-
operação, tendo sido sistematizada pelo Dicionário de Ciências Sociais
como uma forma de organização social, particularmente na área de econo-
eme
55 Guéslin, André. L’invention de l’économie sociale – Le XIX siècle français. Paris:
Econômica, 1987, p. 214.
56 Id., ibid., p. 214.
A GTZ no Brasil 59
a Igreja católica teria dado a sua contribuição na formação de estruturas
de solidariedade – organizações que colaborariam para um projeto global
de sociedade – quando deixou de controlar as obras de caridade no Antigo
Regime e passou a apoiar estas organizações a partir de 1870.
Para autores como Gueslin e Robert Castels, 57 a argumentação sobre
processos de sociabilidade primária ou de construção de redes de solidarie-
dade e cooperação dirige-se à análise das questões domésticas entre grupos
sociais relacionados ou subordinados a um Estado Nacional, e não exata-
mente sobre cooperação internacional. A construção da cooperação se dá
por meio de laços de sociabilidade58 entre “iguais”, em idêntico contexto
nacional, como forma de suporte a grupos de uma mesma sociedade, laços
estes que abrangem os diferentes membros de uma coletividade. Esta é
caracterizada por indivíduos, grupos sociais e nações que, conscientes das
diferenças e das desigualdades, se empenhariam em garantir grupos menos
favorecidos ou atendê-los.
Em alguns casos, a concepção centrada no grupo que adota políticas ou
práticas de cooperação pode remeter à ideia da existência de uma “comu-
nidade”. O conceito de comunidade, no entanto, é passível de muitas crí-
ticas. Para Thornton e Ramphele, comunidade é um ideal, uma expressão
da utopia, praticamente inócua, estática e totalmente distinta de entidades
sociais. Para os autores, se comunidade é um termo político, também é
obscura e esteriotipada.59 Para eles, o termo comunidade teria surgido em
sociedades ou grupos religiosos cristãos medievais, sendo originalmente
defi nido por Santo Agostinho, sendo que, apesar de a ideologia cristã enfa-
tizar o compromisso voluntário dos indivíduos com as comunidades, estas
eram submetidas ao poder de nobres e reis que garantiam sua segurança e
proteção. As comunidades, por sua vez, legitimavam o poder autoritário
dos reis e dos nobres por meio de justificativas religiosas, e ofereciam assim
um modelo de comunidade política que seria reelaborado em outras situa-
ções ao longo da história. Um exemplo são os movimentos missionários
de igrejas, que se basearam em estruturas sociais de comunidades como
modelos de ação política no trabalho de conversão religiosa no mundo. 60
57 Castel, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 4. ed. Petró-
polis: Vozes, 1998.
58 Idem, ibidem.
59 Thornton, R.J. & Ramphele, M. “Community, concept and practice in South África.” In:
Critique of Anthropology, (9) 1, London: Sage Publications, 1989, p. 75-87.
60 Idem, p. 84-85.
61 Steinmetz, G. (ed.) State/culture: State formation after the cultural turn. Ithaca/London:
Cornel University Press, 1999, p. 8-9.
A GTZ no Brasil 61
ideológica ou cultural de origens nacionais, a partir das quais são elabora-
das e produzidas tais práticas e discursos.
Alguns autores, como Max Weber, George Steinmetz e Pierre Bourdieu
apresentam importantes contribuições para a análise do Estado. Bourdieu
destaca que a influência do Estado é mais fortemente sentida no domínio da
produção simbólica, sendo as administrações públicas e seus representantes
grandes produtores de problemas sociais, os quais a ciência social apenas
ratifica, retomando-os por sua conta como problema sociológico.62
Como atividades governamentais, as práticas de cooperação interna-
cional para o desenvolvimento envolvem acordos e compromissos jurídicos
que regulamentam a transferência de recursos públicos internacionais e
estabelecem formas de atuação no exterior. Estas formas de atuação no
exterior, que poderiam ser chamadas de “práticas de intervenção” no exte-
rior se expressam por meio de atividades unilaterais, bem como por trocas
e intercâmbios (fluxos e contrafluxos) de múltiplas e diferenciadas nature-
zas, envolvendo recursos fi nanceiros, equipamentos, conhecimentos, ideias
e pessoas.
A política governamental de cooperação para o desenvolvimento
engloba as várias maneiras pelas quais são adotadas certas práticas da
administração pública em territórios estrangeiros, formas de intervenção
em escala global. São cooperações técnica, fi nanceira, científica, acadêmi-
ca, humanitária, entre outras.
Cooperação fi nanceira refere-se aos fluxos de recursos fi nanceiros e in-
vestimentos. Na cooperação acadêmica e científica, são estabelecidos pro-
jetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico entre centros de pesquisa,
universidades e fundações para intercâmbio de conhecimentos, experi-
ências e aprimoramento científico. No campo cultural, os programas de
cooperação podem ser estabelecidos através dos incentivos a determinadas
expressões ou eventos culturais importantes, intercâmbio entre artistas,
grupos musicais, teatrais ou projetos culturais e outros. Em alguns casos,
no entanto, a cooperação científica insere-se no contexto de uma relação
de cooperação chamada técnica.
Deste conjunto diferenciado de formas de ação governamental em ter-
ritórios estrangeiros, a cooperação técnica oferece alguns desafios, parti-
cularmente para a análise antropológica, sendo esta a mais flexível e fugi-
dia defi nição que há entre as tantas de cooperação.
A GTZ no Brasil 63
âmbito de um mesmo acordo de cooperação. Para cada projeto específico
é assinado um acordo complementar diferente.
Em relação a quaisquer mudanças ou emendas nos textos dos acordos
complementares, faz-se uso da Troca de Notas, documento com formato
próprio, intercambiado entre o Ministério de Relações Exteriores do Brasil
e a outra parte, seja ela um organismo internacional ou uma agência de
outro Estado.63 Os projetos são, por sua vez, os instrumentos por excelên-
cia de operacionalização da cooperação técnica entre duas ou mais insti-
tuições executoras dos dois países envolvidos, neles estando contidos os
objetivos e os meios para alcançá-los e o planejamento do trabalho.
As chamadas agências de cooperação técnica internacional, parte de
uma engrenagem mais ampla da cooperação para o desenvolvimento, são
órgãos de governos que atuam em solo estrangeiro, vinculadas às embaixa-
das de seus países de origem, sem uma personalidade jurídica própria, mas
adotam a personalidade jurídica da embaixada no local, diferentemente
dos organismos internacionais, que são organizações de direito público in-
ternacional com personalidade jurídica própria, autonomia administrativa
e mandato específico.64
As atividades de cooperação técnica são apresentadas na forma de con-
sultoria especializada, treinamento de recursos humanos, planejamento
de atividades e aquisição de equipamentos, por meio de projetos ou pro-
gramas. O pressuposto do qual se parte é a fragilidade institucional dos
órgãos de Estado, de forma que o projeto visa a “capacitação” dos órgãos
públicos, a fi m de que estes possam implementar por seus próprios meios,
de forma mais eficiente e com maior impacto e sustentabilidade, políticas
e programas públicos.65 Como instrumento de capacitação de órgãos pú-
blicos, seus objetivos revelam um enfoque pedagógico, educativo, mas não
se destinam a permanecer por tempo ilimitado. Na defi nição do governo
brasileiro, cooperação técnica é uma intervenção temporária por meio do
desenvolvimento de capacidades técnicas de instituições ou indivíduos,
destinada a promover mudanças, sanar ou minimizar problemas e explo-
rar oportunidades de desenvolvimento. Assim, não devem ser entendidas
A GTZ no Brasil 65
Capítulo 2
68 Elias, N. Escritos e Ensaios; 1. Estado, Processo, Opinião Pública. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2006.
69 Lucy Mair, Arturo Escobar, James Ferguson, somente para citar alguns entre outros an-
tropólogos que vêm discutindo a relação entre antropologia e desenvolvimento.
A GTZ no Brasil 67
peração Econômica Europeia (OEEC), em 1947.70 No caso das agências da
ONU, os temas internacionais eram debatidos nos encontros internacio-
nais e nas reuniões das agências, como a Unesco, criada em 1945; a World
Health Organization (WHO), em 1946; a International Civil Aviation
Organization (ICAO), em 1947; a World Metheorological Organization
(WMO), em 1951; a International Atomic Energy Agency (IAEA), entre
outras. Foi nesse contexto que começou a se consolidar uma política mul-
tilateral de cooperação internacional.
Esta “história oficial” está fortemente conectada a uma ideologia da
dominação, dos vencedores da guerra, do progresso e do desenvolvimento.
Políticas sociais para o desenvolvimento, associadas à educação básica,
à saúde pública, à agricultura familiar e, mais recentemente, à questão
ambiental por meio do conceito do desenvolvimento sustentável, têm sido
o foco dos programas de cooperação técnica internacional destinados aos
chamados países em desenvolvimento. Como argumentam Okongwu e
Mencher, é fundamental analisarmos criticamente a relação entre ideolo-
gia e políticas públicas, uma vez que cada vez mais as atividades de coo-
peração para o desenvolvimento ganham peso, com a crescente conexão
entre os planos local, nacional e internacional na sua formulação.71
70 Tickner, Fred. Technical cooperation. United Nations Special Projects Offi ce. New York:
Praeguer Publishers, 1966, p. 12.
71 Okongwu, Anne; Mencher, Joan. “The anthropology of public policy: shifting terrains.”
Annual Review of Anthropology, 29, p. 109, 2000.
72 Inoue, Cristina Y. A. & Apostolova, M. S. A cooperação internacional na política bra-
sileira de desenvolvimento. São Paulo: Abong; Rio de Janeiro: Núcleo de Animação Terra
e Democracia, 1995; Cervo, Amado Luiz. “Socializando o desenvolvimento: uma história
da cooperação técnica internacional do Brasil.” Revista Brasileira de Política Internacional.
Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, ano 37, n. 1, p. 39, 1994.
73 Tickner, Fred. Technical cooperation. United Nations Special Projects Offi ce. New York:
Praeguer Publishers, 1966.
74 Idem, p. 120.
75 Said, E. Cultura e imperialismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1999, p. 48-49
A GTZ no Brasil 69
da Inglaterra para as suas colônias, reconhecendo em 1929 o Colonial
Development Act, um dos documentos que introduziram a política de
assistência das metrópoles para o desenvolvimento das colônias, assunto
a ser fi nanciado por meio dos recursos de exportação ou de outros inves-
timentos privados. Esses serviços especializados – uma prática que ante-
cedeu e deu origem ao que posteriormente se instituiu como uma forma
de cooperação técnica e científica internacional – eram feitos em várias
áreas: de saúde animal e agricultura, de medicina tropical e educação su-
perior, no desenvolvimento de conhecimentos específicos científicos sobre
populações e espaços nacionais e estrangeiros. Eles eram realizados por
conselhos universitários (University Council), por instituições de pesquisa
(Research Board), ou por comitês de aconselhamento (Advisory Commit-
tee), tendo sido o Colonial Advisory Council for Agriculture and Animal
Health (Conselho Colonial para Agricultura e Saúde Animal) a primei-
ra instituição a ser criada em 1929, ano de estabelecimento do Colonial
Act.76 Estes representavam um conjunto de instituições da metrópole que
atuavam para controle do conhecimento sobre regiões que ocupavam ou
intervinham que atendiam à lógica de Estados metropolitanos.
A listagem de organizações consultivas do império britânico era ex-
tensa, o que justificou, do ponto de vista administrativo, a criação do Co-
lonial Office como instituição que centralizou posteriormente todas essas
funções, substituindo os conselhos. Com o processo de descolonização,
foram feitas mudanças na forma de classificação (na nomenclatura) das
instituições responsáveis pela função de promover o desenvolvimento das
colônias, a fi m de dissociá-las da tradição colonial. No entanto, na prática,
quase nada mudou no caráter funcional das instituições e naquele que se
referia aos recursos fi nanceiros disponíveis para tais atividades. Muda-
vam-se os nomes e as siglas, mas mantinham-se as práticas.
Em 1964, funções do Colonial Office, um departamento do governo
Britânico para administrar suas colônias, incorporado pelo Foreign and
Commonwealth Office em 1968, do Foreign Office77 e do Commonwealth
Relations seriam assumidas pelo Overseas Development Ministry (Minis-
tério de Desenvolvimento do Ultramar), que passaria a operar com fundos
do Colonial Welfare and Development Acts.78 Em 1970, novamente, extin-
A guerra e a diplomacia
Outra vertente originária da cooperação técnica internacional está asso-
ciada aos contextos de guerra e à lógica militar, surgida mesmo antes da
Segunda Guerra Mundial na forma de assistência.81 As funções do aparato
institucional militar de envio de alimentos, remédios e suprimentos para
populações afetadas por guerras ou confl itos, desabrigadas e refugiadas
– com o início, inclusive, de trabalhos de reassentamento de populações –
marcariam defi nitivamente as práticas que seriam depois desempenhadas
79 Lackner, H. “Social anthropology and indirect rule. The colonial administration and
anthropology in Eastern Nigéria: 1920-1940.” In: Asad, Talal (ed.). Anthropology and the
colonial encounter. New York: Humanities Press, 1973, p. 24-151.
80 Ela argumenta que a teoria funcionalista da escola britânica vincula-se à administração
indireta adotada pela Grã-Bretanha em suas colônias e protetorados e à relação dos antro-
pólogos com esta estrutura administrativa. O que se produziu tem conexão com o que se
observava e com a forma com a qual os antropólogos se inseriam na administração colonial.
Lackner, H., 1973, p. 148.
81 Ver Tickner, F., op. cit., p.3.
A GTZ no Brasil 71
por departamentos diplomáticos dos Estados Nacionais. Igrejas, hospitais
e outras instituições de assistência social teriam papel central na consoli-
dação de uma lógica de auxílio fundamentada na ideia de solidariedade.
As práticas voltadas para a reconstrução de países destruídos pela Se-
gunda Guerra Mundial ganharam força, em um primeiro momento, atra-
vés do Plano Marshall, com a prestação de ajuda e assistência, fundamen-
talmente militares, a populações atingidas pela guerra.
A cooperação aparece aqui como um dos eixos centrais da diplomacia,
condição para que ocorra negociação para a resolução de confl itos como
uma alternativa à guerra. O contexto militar e as práticas de assistência
ou ajuda humanitária em situações de guerra caracterizam uma das mais
antigas experiências referidas como technical aid e technical assistance
(ajuda técnica e assistência técnica).
A ajuda humanitária durante e após as guerras, particularmente nos
anos 1940, com a Segunda Guerra Mundial, antecedeu o que viria a ser
chamado de cooperação técnica para o desenvolvimento. Com a difusão
de princípios de reconhecimento da soberania dos povos e da igualdade de
direitos, estabelecidos na Carta das Nações Unidas logo após a Segunda
Guerra Mundial, instaurava-se um contexto internacional de paz e cresci-
mento econômico sob a hegemonia americana, o que estaria sinalizando
uma mudança de mentalidade em meados dos anos 1940:82
“at the same time it has become generally accepted that the less fortunate
countries also have the rights to share in the benefits to be derived from
progress […] these changes in thinking all have their implications in the
Charter of the United Nations”.
A GTZ no Brasil 73
Neste ano, a Assembleia Geral da ONU, ao autorizar a contratação
de recursos humanos para atuar na área de “bem-estar social”, contribuiu
para a defi nição das primeiras diretrizes de assistência técnica das Nações
Unidas: ajuda através do envio de experts (especialistas) e de assessores
técnicos especializados (expert advice). Dessa forma, as primeiras ativida-
des de assistência técnica se deram por meio do envio de peritos ou espe-
cialistas e do fornecimento de equipamentos para uso dos oficiais, o que
era objeto de demonstração de projetos-piloto. Além disso, eram práticas
comuns a oferta de bolsas de estudos (fellowship awards) e o recebimento
de estudantes das colônias nas suas instituições de formação.
Essas atividades contribuíram para a elaboração do Programa de As-
sistência das Nações Unidas, que foi criado em 1948, com a assinatura
da Resolução nº 200. Seu texto defi nia que assistência técnica envolve-
ria o envio de especialistas (experts e peritos) para atuarem nos países,
a educação no estrangeiro de especialistas dos países insuficientemente
desenvolvidos (bolsas de estudo no exterior), a organização da formação
de técnicos locais, a ajuda aos governos com recursos humanos, material
e equipamentos técnicos necessários (fornecimento de equipamentos) e a
estruturação de seminários e intercâmbio de informações atualizadas (ati-
vidades pedagógicas de formação). A Resolução no 200 ampliou os termos
em que se defi nia assistência técnica em relação ao que fora estabelecido
na Assembleia Geral de 1946 e seria considerada decisiva para o desenvol-
vimento de atividades de assistência técnica, tendo instituído a expressão
e criado os fundos apropriados a essa modalidade de assistência.89
A defi nição de critérios para prestação de assistência técnica deixava
claro o interesse em estabelecer esta área de “assistência ao bem-estar”
como um campo técnico e não político. Como critério, esse tipo de assis-
tência seria consolidado exclusivamente com governos ou através da sua
condução e deveria responder às necessidades do país interessado e ser
proporcionada na forma desejada, objetivando os mais altos níveis de qua-
lidade e competência técnica.
A GTZ no Brasil 75
os nossos recursos inestimáveis de conhecimento técnico estão crescendo
constantemente e são inesgotáveis”.93
Neste discurso aparecem todos os elementos que posteriormente iriam
caracterizar as formas de intervenção adotadas como “assistência ao de-
senvolvimento”: a assimetria em termos de diferenças de conhecimentos
técnicos e tecnológicos, industriais e científicos; a ênfase na necessidade
de ajudar em função da carência e do padecimento de “outros” povos; a
ilimitada capacidade dos Estados Unidos de ajudar; sua disponibilidade de
recursos materiais e fi nanceiros; a definição de condições para recebimen-
to de recursos pelos que eram “de paz”, ou seja, aliados ideologicamente
ligados aos Estados Unidos. O Ponto Quatro foi assumido como uma de-
terminação da política externa norte-americana, passando a coordená-lo
através da Administração de Cooperação Técnica (Technical Cooperation
Administration of United States), estabelecida no Departamento de Estado
Norte-Americano em 1950.
Assim, ficou conformado um amplo modelo de programa de ação desti-
nado a promover o desenvolvimento de países que não o tivessem. Era uma
iniciativa que partia dos Estados Unidos que, enquanto liderança política
e econômica, anunciava as diretrizes mais amplas que não se restringiam
à sua política externa. Os fóruns internacionais das Nações Unidas – As-
sembleia Geral da ONU – prestaram-se a ser um espaço de interlocução e
de repercussão das propostas norte-americanas em relação ao desenvolvi-
mento e à cooperação técnica.
As ações de cooperação estabelecidas no Ponto Quatro deveriam ser
implementadas pela ONU e por suas agências especializadas, mas não
era possível fazê-lo administrativa ou politicamente. Em 1948, as Nações
Unidas não tinham muitos recursos para a assistência técnica ao desen-
volvimento econômico, o que caracterizava a instituição de ter “princí-
pios admiráveis, mas sem suporte econômico”, considerando-se que tinha
somente US$ 288 mil.94 Para Tickner, o programa de assistência técnica
da ONU também encontrou dificuldades de organização pela falta de pes-
soal, problemas em relação aos impactos em função da atuação dos peritos
técnicos nos locais. Dessa forma, a improvisação teria marcado os primei-
ros esforços de cooperação técnica da ONU.95
96 “Ecosoc 222 {IX} de 14 e 15 de agosto de 1949.” Lopes, Carlos, op. cit., p. 196.
97 Tickner, op. cit., p. 15-16.
98 Os recursos do programa de cooperação técnica das Nações Unidas, representavam em
1963 cerca de 10% dos fluxos de fundos públicos para assistência técnica internacional. Ver:
Tickner, ibidem, p. 7.
A GTZ no Brasil 77
mento (Development Assistance Committee – DAC) contabilizavam mais
de 90% da Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA) no mundo.
O fato é que nas duas primeiras décadas posteriores à Segunda Guerra,
entre fi nal dos anos 1940 e fi nal dos 1960 foram estabelecidos os pilares
dessas políticas pelos Estados Unidos, influenciando a criação de insti-
tuições multilaterais. Quanto à política dos Estados Unidos para o desen-
volvimento, imediatamente posterior a Truman e já na era de Eisenhower,
houve um retrocesso quanto às políticas de financiamento público para o
desenvolvimento propostas no Ponto Quatro. O novo presidente priorizou
investimentos privados e fortaleceu o papel do Banco Mundial em relação
à América Latina.
Foi ainda nos anos 1970 que as Nações Unidas adotaram o conceito de
cooperação entre países em desenvolvimento, ou cooperação horizontal,
que redefi niria as bases sobre as quais se sustentavam os princípios de coo-
peração para o desenvolvimento, no sentido de uma maior simetria em ter-
mos de níveis de desenvolvimento. A reação a esta premissa foi esboçada,
em primeiro lugar, em uma série de conferências para o desenvolvimento
realizada nos anos 1970, a United Nations Conference on Trade and De-
velopment (Unctad). Em 1978, em Buenos Aires, aconteceu a Conferência
Mundial sobre Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento, ins-
tituindo uma prática que o Brasil passaria a adotar com crescente interesse
a partir de então, de forma especial, em relação aos países africanos e
latino-americanos.99 Já havia acordos de cooperação horizontal do Brasil
com esses países desde 1972, a maioria deles diretamente entre governos,
mas em alguns casos envolvendo um grupo de países, como acordos para
a América Latina e para os países de língua portuguesa.100
Vejamos, no contexto nacional brasileiro, as inovações em relação ao
aparato institucional para cooperação internacional que vinha sendo criado.
101 Esta é a visão de Moura, Gerson. Sucessos e ilusões: relações internacionais do Brasil
durante e após a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: FGV, 1990. Também em Besser-
man Vianna, S. “Política econômica externa e industrialização”. In: Abreu, M. de P. (Org.). A
ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana 1889-1989. Rio de Janeiro:
Campus, 1990, p. 105-122; e em Abreu, M. de P. “Infl ação, estagnação e ruptura”. In: .
(Org.). A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana 1889-1989. Rio
de Janeiro: Campus, 1990, p. 197-212.
102 A CNAT foi regulamentada pelo Decreto no 34.763/1953.
A GTZ no Brasil 79
em 1950, quando assinou o Acordo Básico de Cooperação Técnica com
aquele país.103
Durante o governo Dutra, havia uma expectativa de obtenção de re-
cursos externos, particularmente de assistência fi nanceira oficial do go-
verno dos Estados Unidos, bem como de capitais privados internacionais
para projetos de desenvolvimento em infraestrutura, o que se esperava
consolidar com a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), ins-
tituída em dezembro de 1950.104 No entanto, em 1953, a CMBEU ruiu,
segundo Besserman Vianna, em função de mudanças de orientação da
política norte-americana, sendo abandonada, como sinalizamos, a política
do Ponto Quatro com a entrada de Eisenhower como presidente.105 Para
Orestein e Sochaczewski, a CMBEU teria deixado algumas consequências
importantes no que diz respeito a uma política de desenvolvimento, como
a criação, naquele momento, do Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-
nômico (BNDE), em 1952.106 Em 1956, foi formado o Conselho de Desen-
volvimento, órgão subordinado diretamente à Presidência da República,
encarregado de traçar uma estratégia de desenvolvimento para o País.107
Em 1959, o Escritório do Governo Brasileiro para Coordenação do
Programa de Assistência Técnica foi criado pelo Decreto no 45.660 em
março de 1959 e o Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o
Progresso (Contap), em 1965, pelo Decreto no 56.979, o que reflete o ali-
nhamento com as decisões norte-americanas.
No Brasil, até o fi nal dos anos 1960, as práticas de assistência técnica
internacional eram descentralizadas em diferentes órgãos do aparelho da
administração pública brasileira, apesar de algumas instituições nacionais
Anos 1960-1970
Como vimos, nos anos 50 já haviam iniciativas quanto à criação de ins-
tituições para programas de assistência técnica no Brasil. No entanto, o
Decreto 65.476, de 1969, é considerado o marco de fundação de um sis-
tema interministerial para coordenação da cooperação técnica bilateral e
multilateral no Brasil.110, 111
O Decreto no 65.476/69 versa sobre atividades de cooperação técnica
internacional e determina que os órgãos competentes para tratar de assun-
tos referentes à cooperação técnica internacional seriam a Subsecretaria de
Cooperação Econômica e Técnica Internacional (Subin), do Ministério do
Planejamento e Coordenação Geral, e a Divisão de Cooperação Técnica
do MRE.112 O Ministério do Planejamento e Coordenação Geral estabe-
leceria a formulação da política interna de cooperação técnica e a coor-
denação de sua execução, e caberia ao Ministério de Relações Exteriores
a formulação de política externa de cooperação técnica, a negociação dos
seus instrumentos básicos e o encaminhamento de solicitações de agências
e de organismos estrangeiros.113 Ainda assim, todos os ministérios tinham
108 Lohbauer, C. Brasil-Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação
Konrad-Adenauer, 2000, p. 29.
109 Idem, p. 37.
110 Cervo, Amado Luiz, op. cit., p. 37-63.
111 Inoue, Cristina Y. A. & Apostolova, M. S., op. cit., p. 22.
112 Idem, Artigo 4o.
113 MRE. Decreto no 65.476, de outubro de 1969. In: http://www6senado.gov.br/legislacao/
listapublicacoes.action?id=196112. Acessado em: 24/3/2007.
A GTZ no Brasil 81
suas assessorias internacionais, as quais intervinham na aprovação dos
projetos, como afi rmam Inoue e Apostolova.114
De acordo com o texto do decreto, a Comissão Nacional de Assistência
Técnica (CNAT), bem como o Escritório do Governo Brasileiro para Co-
ordenação do Programa de Assistência Técnica e o Contap foram extintos,
e suas atribuições passaram à Subin e à Divisão de Cooperação Técnica do
Ministério de Relações Exteriores, que assumiram a responsabilidade de
tratar de assuntos de cooperação técnica internacional a partir de então.
Estava sendo estruturado um sistema interministerial para a coordenação
da cooperação técnica internacional bilateral e multilateral, tendo o Ita-
maraty o seu papel fortalecido em razão da sua capacidade negociadora
pela via diplomática, da mesma forma que a Subin. Isto porque a Secre-
taria de Planejamento tinha a função de determinar quais os projetos de
cooperação internacional que atendiam aos objetivos e às prioridades de
desenvolvimento nacional.
Nessa época institucionaliza-se a lógica de divisão entre um departa-
mento “técnico” e outro fi nanceiro para análise dos programas encami-
nhados: de um lado, a Coordenação da Cooperação Técnica no Ministério
das Relações Exteriores analisava os projetos, como o próprio nome diz,
sob o ponto de vista técnico; a Coordenação da Cooperação Financeira,
no Ministério do Planejamento, por sua vez, avaliava as condições de via-
bilidade dos projetos do ponto de vista fi nanceiro. Os mesmos critérios
permanecem até os dias de hoje, tendo havido apenas mudança nos nomes
dos departamentos.115 Tomavam-se por referência os Planos Nacionais de
Desenvolvimento, ou planos regionais, estabelecidos como diretrizes das
políticas públicas nacionais.
A diferença qualitativa que se atribuía à assinatura do Decreto no
65.476/69 em relação ao desenvolvimento de um “sistema de cooperação
técnica no Brasil” era, além da centralização institucional, a presença do
aperfeiçoamento dos mecanismos existentes destinados aos programas de
cooperação técnica internacional, com a elaboração de um manual de nor-
mas e procedimentos relativos à tramitação de projetos, que objetivava a
padronização da formulação desses mesmos projetos até a sua execução e
a elaboração de relatórios.116
A GTZ no Brasil 83
refletiu-se diretamente nos fluxos de recursos destinados à cooperação in-
ternacional, marcando de 1981 a 1987 uma fase de relativa estagnação no
que diz respeito à cooperação internacional. No caso específico do Brasil,
a economia brasileira revelou instabilidade e depreciação monetária cons-
tante, em uma crise inflacionária que acarretou para o período a denomi-
nação de década perdida.
A criação da ABC
Em 1987, foi criada a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), com o
Decreto nº 94.973, vinculada à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag),
do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Sua criação foi considerada
um passo importante em relação à organização de uma estrutura institu-
cional e, portanto, à consolidação de um sistema de cooperação interna-
cional no Brasil.122
Alguns cientistas e peritos técnicos que desenvolveram projetos de
cooperação técnica no Brasil antes da existência da ABC, mesmo nos anos
1980, afi rmam que havia uma descentralização das instâncias decisórias
da cooperação técnica no Brasil. Cada ministério tinha seu departamento
internacional, onde eram negociados os projetos com o MRE, individual-
mente.123 Os procedimentos eram incipientes e dispersos em vários depar-
tamentos, o que tornava o processo de negociação de um projeto muito
lento. Com sua criação, a ABC centralizou a negociação dos projetos, e
desenvolveu procedimentos e normas.124
A ABC tem a atribuição de ser o órgão normatizador da cooperação
técnica internacional do governo brasileiro, sendo responsável pela execu-
ção e coordenação da cooperação técnica por meio dos processos de opera-
cionalização dos acordos, nos quais ficam defi nidas as atribuições de cada
participante. Nesta agência, é possível obterem-se todos os documentos
que regulamentam as relações do governo brasileiro com outros governos
ou organizações internacionais. Hoje em dia, os projetos de cooperação
técnica e fi nanceira são assinados entre o ministro das Relações Exteriores
do Brasil e o embaixador de outro país, estando sujeitos à aprovação dos
Congressos Nacionais dos respectivos países.
A GTZ no Brasil 85
avaliando as condições de adequação e viabilidade técnica de execução do
projeto, encaminha para o departamento de análise do Ministério de Re-
lações Exteriores, conforme o tema em questão – seja meio ambiente ou te-
mas sociais, por exemplo – remete o projeto para ajustes, caso necessário,
para a instituição que o formulou para ser redefi nido conforme a proposta
indicada. Sendo aprovado no âmbito da ABC, satisfazendo os critérios de
exigência do Brasil, ele segue para a embaixada do país em questão, para
seu andamento. Aprovado e iniciado o projeto, a ABC acompanha todas
as fases de sua execução.
No caso de um projeto apresentado por um órgão público brasileiro
para apoio do governo alemão, como explicou um ex-perito alemão da
agência alemã, o projeto é enviado pela GTZ para a ABC, no Brasil. A
ABC remete à Embaixada alemã no Brasil, que, por sua vez, envia ao
BMZ, o Ministério alemão responsável, que avalia o projeto em várias ins-
tâncias e defi ne qual será a agência alemã que desenvolverá o projeto. No
caso de ser a GTZ, o projeto aprovado lá na Alemanha, retorna ao Brasil,
sendo solicitada à GTZ uma avaliação preliminar dos projetos brasileiros
apresentados e elaborada uma proposta própria para a participação ale-
mã, enviada então ao BMZ que, por sua vez, formaliza o projeto ao enco-
mendar sua execução para a GTZ. Se ambas as partes entram em acordo,
o projeto é considerado aprovado e encaminhado para execução, conforme
fluxograma simplificado a seguir:
O Acordo Básico
O Acordo Básico de Cooperação Técnica entre o Brasil e a Alemanha foi
um dos primeiros pactos bilaterais a serem assinados pelo governo brasi-
leiro, precedido somente por outro realizado com os Estados Unidos em
1950. Após negociações que se iniciaram em 1962, o acordo foi fi rmado,
ainda no governo de João Goulart, exatamente um ano após a criação
do Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alema-
nha, o BMZ, em 1962. Promulgado o acordo pelo Decreto no 54.075,
de 30/07/64, nele foram estabelecidas as diretrizes que fundamentam as
linhas gerais da cooperação bilateral e os objetivos amplos das relações
diplomáticas entre Brasil e Alemanha e, ainda, as atribuições de cada um
dos governos e de suas instituições executoras. Este instrumento jurídico
defi ne os itens de custeio por parte dos alemães (remuneração de técnicos
enviados e contratados locais, alojamento, viagens dos técnicos a serviço,
aquisição e transporte de equipamentos), e garante os meios de apoio por
parte do governo alemão.
O Acordo Básico de 1963 foi substituído por outro, assinado em Bra-
sília em 17 de setembro de 1996 por Luiz Felipe Lampreia, então minis-
tro de Relações Exteriores, e por Carl Duisberg, membro do governo da
Alemanha unificada, a República Federativa da Alemanha. O acordo foi
aprovado por Decreto legislativo no 87, de 12/12/1997, e promulgado pelo
Decreto no 2.579, de 06/05/98. Tinha vigência de cinco anos, o que vem
A GTZ no Brasil 87
sendo automaticamente prorrogado por períodos sucessivos de um ano,
não havendo até o momento qualquer interesse dos governos em rompê-lo.
O rompimento de um acordo internacional se faz por meio de uma denún-
cia ou declaração, com antecedência de três meses em relação ao término
do prazo de vigência do acordo.
O Acordo Básico, em seus 11 artigos, defi ne questões mais gerais de
cooperação técnica, como o tipo de apoio e seus instrumentos, as despe-
sas custeadas pelo governo alemão, entre outros. Além disso, formaliza as
atribuições do governo brasileiro em termos de contribuições financeiras,
encargos e impostos, facilidades fiscais, licenças de importação, direitos de
importação e de reexportação, encargos fiscais sobre importação e sobre
os equipamentos adquiridos no exterior. Assim, é um instrumento que en-
volve estruturas fundamentais de decisão das administrações públicas de
parte a parte, como as áreas de orçamento, fiscal, contas nacionais, além
dos setores técnicos específicos. Neste sentido, aspectos técnicos prescin-
dem de decisões políticas que vão para além das que respondem pelo esco-
po do projeto ou programa em questão.
O detalhamento que explicita as particularidades de cada um dos pro-
gramas e projetos de cooperação técnica assinados fica estabelecido nos
chamados Ajustes Complementares.
Com intermediação da ABC, são realizadas as negociações entre os
países signatários do acordo, as chamadas negociações intergovernamen-
tais, realizadas de dois em dois anos, nos casos de relações de cooperação
bilateral.
As “negociações intergovernamentais” são reuniões entre representan-
tes dos órgãos dos dois governos para estabelecer o diálogo político e de-
fi nir objetivos e prioridades para a atuação no Programa de Cooperação
Técnica Brasil-Alemanha. Até 2001, as reuniões ocorriam anualmente,
sendo alternados os locais de sua realização entre Bonn, na Alemanha, e
Brasília, no Brasil. Depois de 2001, as reuniões passaram a ser de dois em
dois anos, alternando entre Brasil e Alemanha.
Participam dessas reuniões os representantes dos órgãos governamen-
tais destinados à formulação política e à execução da política de cooperação
técnica e fi nanceira dos dois países. Os representantes do lado brasileiro
são funcionários da ABC/MRE e da Secretaria de Assuntos Internacionais
(Seain), do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, responsáveis
pela cooperação bilateral com a Alemanha. Estes podem vir acompanha-
dos, eventualmente, por um funcionário de outro órgão de governo, cuja
função tenha relação com o assunto a ser tratado; por exemplo, um re-
A GTZ no Brasil 89
Capítulo 3
125 Camargo, Sonia de. “Brasil e Alemanha: Uma Parceria Desejada.” In: Moniz Bandeira,
L. A. e Pinheiro Guimarães, S. Brasil e Alemanha: A Construção do Futuro. Brasília: IPRI,
1995, p. 177-193.
126 Inoue, Cristina. “Bases para um novo pacto de cooperação.” Cadernos Abong, n. 17,
julho 1997, p. 10.
127 Goddard V.; Llobera, J. & Shore, C. “Introduction: the anthropology of Europe.” In: .
The anthropology of Europe: identities and boundaries in conflict. Oxford/Washington D.C.:
Berg, 1996, p. 1-40.
A GTZ no Brasil 91
a despeito de sua abordagem não ter um propósito crítico. Para Harries,
o histórico da reconstrução econômica e política da Alemanha Ocidental
no pós-guerra e sua posterior política para o desenvolvimento estão muito
ligados ao papel desempenhado pelo KfW para políticas públicas alemãs
e para investimentos estatais.130 Harries analisa a fase de surgimento do
KfW e a de construção de um espaço da Alemanha no mundo fi nanceiro
do pós-guerra, considerando que o seu sucesso garantiria maior estabili-
dade política para o país assumir a função de fornecedor de recursos para
países em piores condições econômicas que a sua na década de 1960.
O livro é uma autorrepresentação do papel da instituição alemã para o
desenvolvimento e divide a sua história em capítulos associados às etapas
da “evolução” da economia alemã: desde a reconstrução, entre 1948 e
1960; passa pelo processo de crescente atuação global, com a expansão do
comércio e da “ajuda para o desenvolvimento”, até 1970; enfoca a reorien-
tação econômica e a queda do Muro de Berlim nos anos 1980; e relata a
unificação alemã nos anos 1990. É um trabalho bastante minucioso sobre
o papel do KfW na economia e na política alemãs, sempre situando-as em
relação às mudanças e à inclusão de novos temas na política e na economia
internacionais, destacando nesse processo a eficiência alemã em superar
restrições. De maneira geral, em todo o livro são enfatizadas as próprias
estratégias alemãs para ultrapassar limites, inovar, empreender, tanto no
país quanto no exterior.131
O propósito do livro é destacar o papel do KfW na história da atuação
alemã no campo da cooperação internacional. Depois de ter sua estrutura
econômica e industrial completamente destruída, com a rápida recuperação
de sua economia, em pouco mais de uma década, a Alemanha passou a
atuar como exportador de recursos financeiros, tecnológicos, científicos e
de planejamento regional e administração pública. A recuperação da eco-
nomia alemã, com os fluxos de recursos do Plano Marshall, levou o país
a competir com outros neste campo de múltiplas oportunidades de inves-
timentos estrangeiros que a cooperação internacional para o desenvolvi-
mento significava. Para Harries, o Plano Marshall estimulou, sem dúvida,
130 Harries, Heinrich. Financing the future: KfW a german bank with a public mission.
Frankfurt am Main: Verlag Fritz Knapp GmbH, 1948. Foi publicado em 1998, simultanea-
mente em inglês e alemão. Apesar da intensa participação do banco alemão em programas
e projetos de cooperação internacional no Brasil, são praticamente inexistentes publicações
no Brasil referentes ao Banco KfW e à sua atuação no campo do desenvolvimento. A única
fonte a que tive acesso foi através de Dietmar Weinz, diretor do KfW, quando o entrevistei
em julho de 2002, na sede do banco em Brasília.
131 Id., ibid., p. 76-104.
132 Os ERPs eram papéis ou títulos do governo, fundos especiais que foram os principais ins-
trumentos de autofi nanciamento econômico regulamentado pelo Parlamento alemão em 1953.
133 Harries, H., op. cit., p. 48.
A GTZ no Brasil 93
dicadores da balança comercial alemã, que apresentou em 1951 superávits
pela primeira vez depois da guerra. O KfW começou a atuar de forma sig-
nificativa em negócios internacionais por meio do financiamento de longo
prazo para exportação, pois o interesse em expandir seus mercados no ex-
terior, particularmente na Europa Ocidental e nas ex-colônias (na época)
recentemente independentes, o que demandava maior suporte financeiro.
Simultaneamente, a política norte-americana pressionava pela partici-
pação na ajuda internacional que visava combater a expansão do comu-
nismo no Terceiro Mundo. Assim, segundo Harries, a atuação do banco
como representante da RFA na área da cooperação para o desenvolvimen-
to vai ter início em 1961. O banco passou a ter responsabilidade sobre a
chamada ajuda fi nanceira para o desenvolvimento, sendo a primeira insti-
tuição a exercer esta função no fomento a programas em países do chama-
do “Terceiro Mundo”.134
Por meio do Banco KfW, o governo alemão disponibilizou recursos
fi nanceiros em condições de competir com instituições fi nanceiras do por-
te do Banco Mundial e de outros organismos internacionais atuantes no
mundo do desenvolvimento, notando-se em discursos de seus membros
uma disputa explícita com outras instituições fi nanceiras que, segundo
eles, eram menos interessantes para a tomada de empréstimos. Esta am-
bição estratégica do Banco KfW talvez explique a lógica de atuação do
aparato do desenvolvimento alemão, que se estruturava como contraponto
às formas de ação de instituições norte-americanas.
Esta foi a marca não só no período inicial de atuação do KfW no cam-
po do desenvolvimento, mas também a característica da sua atuação até os
dias de hoje, pois o banco continua a oferecer juros mais baixos aos países
com os quais têm relações de cooperação. Uma situação específica poderia
ilustrar esta observação: em entrevista, um funcionário do KfW comentou
que a opção de fidelidade da parte do governo brasileiro a determinadas
instituições fi nanceiras, como o FMI e o Banco Mundial, representa uma
atitude de dependência política, e não a melhor escolha econômica que ele
possa fazer, apontando vantagens do KfW em termos de juros em relação
àquelas instituições.
No que diz respeito à “formação” de um quadro de profissionais do ban-
co orientados para o financiamento de projetos de desenvolvimento, Harries
destaca que em princípio atraídos por desafios de aprender com a variedade
que este tipo de trabalho apresentava, jovens funcionários envolveram-se na
A GTZ no Brasil 95
Ampliando horizontes: a criação do BMZ
O BMZ iniciou sua atuação prática no início de 1962, com autonomia para
elaborar as diretrizes da política de cooperação para o desenvolvimento
e implementá-la nacional e internacionalmente.137 A criação do BMZ foi
facilitada em função do papel político e econômico que o KfW já vinha
desempenhando na Alemanha e no exterior. A estrutura administrativa do
ministério passaria a concentrar todo o núcleo decisório político e orça-
mentário da política de cooperação para o desenvolvimento, de forma que
os recursos do orçamento governamental fossem destinados às instituições
executoras da política de cooperação para atividades específicas de coope-
ração fi nanceira, técnica ou científica.
A análise das categorias simbólicas e conceituais adotadas textualmente
em declarações oficiais, bem como visualmente, em propaganda veiculada
pelo Estado alemão, torna-se aqui um elemento importante para identificar-
mos os processos de produção simbólica enquanto mecanismo de poder para
o mundo em desenvolvimento. Bourdieu afirmou que um dos poderes princi-
pais do Estado é o de produzir e impor as categorias de pensamento que uti-
lizamos espontaneamente em todas as coisas do mundo e no próprio Estado.
Para ele, “é no domínio da produção simbólica que particularmente se faz
sentir a influência do Estado: as administrações públicas e seus representan-
tes são grandes produtores de problemas sociais que a ciência social apenas
ratifica, retomando-os por sua conta como problemas sociológicos”.138
No caso das organizações da administração pública com atribuição de
atuar no campo da cooperação para o desenvolvimento, produz-se o proble-
ma dos outros: a fome, a falta de saneamento, a poluição, o desmatamento
florestal, a poluição de águas, as desigualdades sociais, entre outros.
A GTZ no Brasil 97
Mark Hobart,142 por sua vez, aponta o fato de que não existe um, mas
múltiplos discursos do desenvolvimento coexistindo. Sua argumentação
vai no sentido de contestar a homogeneidade no plano discursivo e concei-
tual do desenvolvimento. Preston143 menciona pelo menos três discursos,
destacando na sua formulação a instância decisória, entre outros, como
critério: o discurso da ordem estatal, associado a uma ideologia interven-
cionista, à cientificidade técnica e à afi rmação etnocêntrica do Ocidente;
outro da ordem liberal, que se instaura com o colapso do intervencionismo
estatal nos anos 1970, que repassa para a dinâmica de mercado a razão do
desenvolvimento; por fi m, aquele que é centrado na defi nição de uma esfe-
ra pública ampliada, que afi rma o otimismo da modernidade e dos novos
arranjos entre mercado e Estado.
O debate oficial do governo alemão em torno do conceito de desenvol-
vimento foi iniciado na Alemanha em meados dos anos 1950. No entan-
to, a sistematização de um documento formal defi nindo as diretrizes de
uma política de cooperação para o desenvolvimento do governo federal
alemão tem sua origem em um decreto do Conselho de Ministros datado
de março de 1986.144 O documento, intitulado “Diretrizes da Política de
Desenvolvimento do Governo Federal Alemão”, apresentou os objetivos e
os princípios fundamentais da cooperação alemã para o desenvolvimento,
seus setores prioritários e os campos de ação. Diz o documento que as dire-
trizes da Política de Desenvolvimento do Governo Federal Alemão têm sua
origem num decreto do Conselho de Ministros de 19 de março de 1986,
mas que o BMZ adaptou a política de desenvolvimento alemã às alterações
ocorridas nas condições gerais internacionais para sua versão de outubro
de 1996. 145
Duas outras edições de textos de formulação de uma política de desen-
volvimento foram organizadas e publicadas com algumas mudanças; em
junho de 1993, o documento foi reeditado e, em outubro de 1996, o BMZ
adaptou-se às condições gerais internacionais e formulou uma proposta
própria, a “Concepção da Política de Desenvolvimento”.146
A GTZ no Brasil 99
Os documentos da GTZ afi rmam ter sido substituído o antigo termo
ajuda ao desenvolvimento, utilizado nos anos 1960 e 1970,150 pela expres-
são cooperação para o desenvolvimento. Os termos aid e charity ou ajuda
e assistência internacional foram utilizados em documentos de agências e
organismos internacionais para atividades humanitárias em contextos de
extrema pobreza, ou naqueles caracterizados por destruição pela guerra
ou por catástrofes naturais.
Um fato que torna absolutamente particular o caso da Alemanha foi o
fato de, sendo o principal país derrotado na Segunda Guerra Mundial, ter
se recuperado tão rapidamente sua força econômica, e que pudesse, como
decorrência, atuar como “país doador” no campo do desenvolvimento.
De maneira prática e objetiva, utilizou-se das políticas do desenvolvimen-
to como meio para difundir pelo mundo uma imagem renovada do país,
tendo como base valores de proteção do meio ambiente e de respeito aos
direitos humanos. A construção da problemática do desenvolvimento e de
desafios que ameaçam a paz mundial e o futuro da humanidade é funda-
mental para atribuir um sentido de valor moral à participação do governo
alemão no compromisso de solucioná-la. A cooperação foi assim de enor-
me importância interna como instrumento diplomático da reforma moral
da Alemanha expressa para o mundo. De acordo com uma informante
brasileira, “a Alemanha foi muito beneficiada pelo Plano Marshall, se re-
cuperou muito rapidamente; sentiu a necessidade dessa ajuda, que ela pres-
taria a outros países, até um pouco como forma de purgar sua consciência
por tudo o que aconteceu na guerra”.151
A política alemã de cooperação para o desenvolvimento depende de
objetivos políticos e, como é fi nanciada por meio de impostos recolhidos,
está sujeita ao controle público dos contribuintes alemães. Estes têm a ex-
pectativa de que a ajuda para o desenvolvimento melhore a situação dos in-
divíduos nos países parceiros e os objetivos de política de desenvolvimento
que apoiam são o combate à pobreza e à injustiça social, a proteção do
meio ambiente e dos recursos naturais, assim como a melhora da situação
das mulheres.152
A visibilidade da cooperação
A construção do “problema do desenvolvimento” utiliza-se não só de dis-
cursos textuais, mas também de imagens com grande força simbólica. As
publicações de instituições alemãs expõem de forma intensa imagens em
que se retrata o trabalho da Alemanha na política de cooperação para o de-
senvolvimento pelo mundo, particularmente centradas nas populações que
são definidas como “beneficiários”, alvo das intervenções da cooperação.
Fica evidente que são priorizadas as imagens que representem a ca-
rência de desenvolvimento associada aos aspectos identificados com a
pobreza: falta de saneamento (esgotos abertos e lixões), de asfaltamento
nas ruas, de eletrificação, e abastecimento de água (bicas d’água, água em
balde), ausência de planejamento urbano, de ordenamento espacial (caos
urbano, trânsito mal administrado, poluição, queimadas) e de mercados
organizados (feiras livres).
São imagens estereotipadas, que se caracterizam pela ideia de espaço
selvagem, inexplorado e de carência, em última instância, pela ideia que
poderíamos qualificar de “carência de desenvolvimento”. São retratos de
privações estruturais.
Muitas vezes estes aspectos aparecem em um mesmo quadro, em uma
mesma fotografia, simultaneamente, e registram florestas e ambientes selva-
160 GTZ. Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p.35; e Embaixada da Alemanha no
Brasil/BMZ/GTZ, op. cit., p. 3.
161 Ver: www.bmz.de. Acesso em: 14/05/2004.
162 A Conferência do Milênio foi realizada em 2000 e promoveu o debate em torno de me-
didas a serem tomadas por países desenvolvidos em relação à pobreza mundial, as Metas do
Milênio (United Nations Millennium Development Goals). São oito metas: erradicação da
pobreza e da fome; universalização da educação primária; promoção da igualdade entre gê-
neros; redução da mortalidade infantil; melhoria da saúde materna; combate à Aids e outras
doenças; promoção da sustentabilidade ambiental; criação de parcerias para o desenvolvi-
mento. O BMZ assumiu estas prioridades, incorporando-as aos seus objetivos.
Clima e biodiversidade
As atividades e políticas de cooperação internacional prescindem da elabo-
ração de um problema “global”. O caso das ameaças de desmatamentos e
queimadas na floresta amazônica ganhou importância global e tem gerado
controvérsias em alguns setores estratégicos nacionais. O desmatamento
da Amazônia é formulado como um problema que se desdobra em riscos
de aquecimento global e de desaparecimento de espécies de grande impor-
tância para a biodiversidade mundial.
A elaboração de um discurso que relaciona o risco de mudanças cli-
máticas globais à destruição das florestas, fundamentado na tese de que
as florestas tropicais seriam o “pulmão verde” do mundo é uma imagem
figurativa sugestiva. Embora não tenha resistido a uma verificação cientí-
fica, ainda é reproduzida em publicações sobre meio ambiente e desenvol-
vimento, como as do Ministério de Cooperação Econômica da Alemanha.
No prefácio, o ministro Spranger escreve: “O tempo urge. No Terceiro
Mundo se delineia o início de uma catástrofe ecológica, cujo impedimento
se torna uma questão de sobrevivência para a humanidade. Um exemplo
concreto são as florestas tropicais, o pulmão verde da terra que se torna
cada vez menor”.165
A defi nição do clima como uma questão global presente nos discur-
sos internacionais criou politicamente a “necessidade” de participação
de todos os países, principalmente dos mais industrializados, aqueles que
historicamente tinham sido os que mais poluíram o planeta. Estava em
166 Invoca-se um sentido de culpa histórica dos países desenvolvidos, implicado nos impac-
tos ambientais gerados pela industrialização nos países em desenvolvimento. Veja-se também
publicações como State of the World, do Worldwatch Institute, entre outras, que adotam o
tom de denúncia em relação aos governos/sociedades de países ricos ou industrializados.
167 Banco Mundial. Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. Brasí-
lia: Rain Forest Unit, Banco Mundial/Secretaria Executiva do PPG-7. Folder, sem data, p. 2.
168 Ministério de Relações Exteriores da Alemanha. Deutschland: Fórum de Política, Cultu-
ra e Economia. Frankfurt am Main: Frankfurter Societäts-Druckrei GmbH, 1995, p. 1.
169 Fatheuer, Thomas. “Cooperação Internacional de ONGs na Amazônia.” In: Oficina em
Diversidade Ecossocial e Estratégias de Cooperação entre ONGs na Amazônia. Anais... Fase/
Faor, 13-16 de junho de 1994, p. 85.
170 GTZ. Futuro da Floresta Tropical: A cooperação técnica alemã com o Programa Inter-
nacional de Conservação da Floresta Tropical no Brasil (PPG7). Folder, sem data, p. 3.
171 Conferência de Viena, em 1993, com a declaração da Década das Populações Indígenas
para 1994-2004 pela ONU.
172 Calhoun, C. “Introduction: Habermas and the public sphere”. In: . (Org.). Habermas
and the public sphere. London: MIT Press, 1993. No que diz respeito especificamente à
questão da participação, ver Lopes, J. S. L.; Antonaz, D.; Silva, G. O. & Prado, R. “Papel do
Estado e meio ambiente: algumas instâncias em foco.” In: Palmeira, M. (coord.). Cadernos
do NUAP, v. 4, Do local ao internacional: práticas políticas, relações pessoais, facções. Rio
de Janeiro: NAU, 1999.
173 GTZ. Futuro da Floresta Tropical: a cooperação técnica alemã com o Programa Inter-
nacional de Conservação da Floresta Tropical no Brasil (PPG-7), op. cit., p. 5.
174 GTZ. Futuro da Floresta Tropical: a cooperação técnica alemã com o Programa Inter-
nacional de Conservação da Floresta Tropical no Brasil (PPG-7), op. cit., p. 4.
175 Id., ibid., p. 25.
176 Id., ibid., p. 4.
Os alemães no PPG-7
As referências históricas sobre as origens do PPG-7 usualmente fazem
menção à atuação da liderança alemã na proposição de “responsabilida-
de global” sobre a questão climática. Desde o seu surgimento, a história
do programa tem relação com o chanceler alemão Helmut Khol, que te-
ria proposto o envolvimento da comunidade internacional na proteção da
maior floresta tropical do mundo, através de um programa internacional
para a cooperação das florestas tropicais no Brasil, durante o encontro dos
países do G7 em Houston, Estados Unidos, em 1990. 177
Nessa ocasião, Kohl fez um discurso em que comprometeu publica-
mente um volume de recursos financeiros a ser doado individualmente pela
Alemanha ao PPG-7, como também recursos para o RFT, gerenciado pelo
Banco Mundial. A quantia proposta de recursos fi nanceiros colocou o go-
verno alemão como o maior contribuinte individual em termos de coope-
ração fi nanceira, chegando a algo em torno de 47% do total dos recursos
disponíveis.178
177 MMA. Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil do G-7. Sem data.
178 Id., ibid.
As instituições do BMZ
Diferente da grande maioria dos países, em que as agências bilaterais de
cooperação para o desenvolvimento, subordinadas a ministérios de Re-
lações Exteriores, de Assuntos Exteriores (Foreing Affairs), do Ultramar
(Overseas) ou de Finanças, assumem a responsabilidade pela elaboração
e pela execução da política de cooperação para o desenvolvimento, no
caso alemão, o BMZ é um ministério que tem a atribuição de formular
181 Essa informação está presente em todos os documentos oficiais do Programa Piloto,
inclusive em “Conceitos básicos para a execução de projetos de cooperação técnica recebida
bilateral”, da ABC/MRE. No entanto, em uma conversa informal com uma representante da
cooperação não-governamental alemã, foi dito que houve um engano no anúncio do valor
dos recursos disponibilizados pelo Primeiro Ministro, que seria dez vezes inferior. Por essa
razão, os outros países do G-7 não quiseram se comprometer com doações muito elevadas,
sobrando para a própria Alemanha a maior parte da contribuição fi nanceira ao Programa.
Não há provas desse fato mas, segundo a informante, “todos sabem disso”, mas não querem
revelar, até porque o “erro” reverteu em ganhos políticos.
182 Foram analisados jornais disponíveis nos arquivos da Funai entre 1991 – quando foram
estabelecidas as bases para a Eco-92 e negociados os projetos que iriam fazer parte do PPG-7
– e 1996, quando se iniciou a implementação do PPTAL.
192 Neste caso, especificamente, o termo técnico refere-se à formação em escolas técnicas.
193 Wolff, L.; Kaiser, W. & Mello, F. Cooperação e solidariedade internacional na Alema-
nha. São Paulo: Abong; Rio de Janeiro: Núcleo de Animação Terra e Democracia, EZE/Ibase,
1995, p. 14.
194 DED. Relação dos projetos do DED – Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social
no Brasil, julho de 2004.
200 Há dois critérios para a “colocação de um perito” (na verdade, são critérios da própria
atividade de cooperação internacional): se não forem encontrados peritos nacionais no mer-
cado de trabalho local; o dever de contribuir para o desenvolvimento econômico e social do
país parceiro.
201 Supostamente não deveriam permanecer nos projetos, mas há casos de peritos de curto
prazo que renovam seus vínculos por longos e contínuos períodos.
202 Este foi o caso de Augo Knoke, que veio para o PPTAL nestas condições e acabou fican-
do por um ano.
Cooperativismo
As ideias cooperativistas na Alemanha têm um peso histórico considerável
e têm sido bastante influentes nas formas de organização “de bases” nos
projetos para promoção do desenvolvimento. Elas estão presentes tanto
nas instituições eclesiásticas, mas também nas ONGs e nos movimentos de
organização para apoio a pequenos produtores.
A primeira experiência de uma associação de apoio à população rural
foi criada por Friedrich Willhelm Raiffeisen, em 1847, para enfrentar uma
crise agrícola que se abatera sobre o campo e a população do povoado de
Organizações Eclesiásticas
O papel de instituições eclesiásticas alemãs na estruturação das instituições
democráticas na Alemanha no período pós-guerra é considerado decisivo.
As duas grandes igrejas cristãs deram uma contribuição decisiva na re-
construção das estruturas democráticas após 1945, bem como na transfor-
mação política pacífica da República Democrática da Alemanha, em 1989,
através de seu engajamento e apoio aos diversos grupos do movimento
popular. 206 Da mesma forma, o trabalho desenvolvido por instituições li-
204 Armbruster, Peter & Arzbach, Mathias. O setor fi nanceiro cooperativo na Alemanha.
Bonn; San Jose; São Paulo: Confederação Alemã das Cooperativas, 2004.
205 De acordo com dados da Confederação Alemã das Cooperativas, os bancos coopera-
tivos na Alemanha representam a mais alta porcentagem em relação ao mercado bancário,
excluindo-se os bancos especializados, como os hipotecários e os de incentivos, como o KfW,
entre outros.
206 Ministério Federal das Relações Exteriores. Perfil da Alemanha. Berlim: Media Consulta
Deutschland GmbH, 2003, p. 384.
Fundações Políticas
As fundações políticas são instituições vinculadas aos partidos políticos
que desenvolvem atividades na Alemanha e no exterior. Elas têm um papel
importante nesse tipo de trabalho, assim como na constituição de uma
cultura política democrática e de solidariedade, o que fazem por meio de
institutos em que dão treinamento e cursos para formação de valores po-
líticos e democráticos, além de programas de estudo na Alemanha para
bolsistas dos vários países onde atua.
Particularmente quanto a critérios de democracia e participação, as
fundações políticas trabalham estes valores no sentido de promovê-los in-
ternacionalmente, dando suporte a organizações promotoras de autoaju-
da, sobretudo nas áreas rurais, de educação de adultos e de capacitação
para pesquisas sociológicas em países em desenvolvimento. 215
As fundações políticas trabalham em estreita colaboração com sindi-
catos, partidos, cooperativas e outros grupos políticos ou sociais seme-
lhantes, sendo sua função fortalecer sindicatos de trabalhadores e partidos
políticos. Várias delas foram criadas antes do ministério, já tendo certa ex-
periência nas práticas da cooperação para o desenvolvimento antes mesmo
de sua institucionalização.216 No exterior, segundo Wolff suas atividades
são enquadradas como projetos de cooperação para o desenvolvimento. 217
O trabalho das fundações no exterior é fi nanciado exclusivamente por fun-
dos do governo federal, principalmente do BMZ, do Ministério de Rela-
ções Exteriores e do Ministério de Ciência e Tecnologia.
O governo alemão transferiu para as fundações políticas, entre 1962 e
fi nal de 2001, um total de 225 milhões de marcos alemães. No caso da co-
Conservadores
De oposição
220 A Cáritas Brasileira faz parte da Caritas Internationalis, rede da Igreja Católica de atua-
ção social composta por 162 organizações presentes em 200 países e territórios, com sede em
Roma. A Cáritas Brasileira é um organismo na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), criada em 12 de novembro de 1956, na ocasião da 3a Assembleia da CNBB, presidi-
da então por D. Hélder Câmara. A Cáritas Brasileira desenvolve um trabalho orientado para
populações excluídas, visando, nos próprios termos, “contribuir para a superação da miséria
e pobreza, testemunhando que Deus é caridade” por meio da promoção da “solidariedade
libertadora”. Disponível em: www.caritasbrasileira.com.br. Acesso em: 30/05/2007.
221 Wolff, L. A. et al., op. cit., p. 16.
222
222 Troppenwaldnetzwerk é rede da Floresta Amazônica, uma rede da Alemanha para a pro-
teção da Floresta. Katalise e Kobra, que significa “Kooperation-Brasil”, também são redes.
223 Bourdieu, P. “Esboço de uma Teoria da Prática.” In: Pierre Bourdieu. Sociologia. Org.
Renato Ortiz. São Paulo: Ática, 1983, p. 60.
227 A ressalva aqui é importante: o que chamamos de “aparato” governamental não se res-
tringe necessariamente à esfera de “governo” ou “estatal” no sentido estrito. Neste caso, isto
de fato não ocorre, pois inclui também instituições não-governamentais. O uso do termo “go-
vernamental” refere-se mais à ideia da existência de um “governo”, de uma esfera pública de
decisão que se orienta, no mundo, para atividades chamadas de cooperação internacional.
228 Araújo, Chico. “Funai sofre ingerência de investidor alemão”. Jornal de Brasília,
07/03/2004, p. 7.
229 Cavalcanti, Alcinéia. “Índios do Amapá demarcam suas terras”. Folha do Meio Ambien-
te, Brasília, maio de 1996, p. 15.
230 Tinoco, Silvia. “Joviña, cacique ou presidente? Uma aproximação ao Conselho das Al-
deias Wajãpi.” Arquivos do Museu Nacional. Rio de Janeiro: Museu Nacional, v. 61(2), p.
81-87, abril/junho de 2003.
231 Embaixada da Alemanha, op. cit., p. 12.
233 Soube por um funcionário da GTZ que há uma demanda para que se regularize a si-
tuação do CNPJ da empresa, mas afi rmou que muitas vezes ele tem que interromper esse
trabalho para atender a outras solicitações da diretoria, que “não está interessada em mexer
nisso”.
234 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p. 135.
238 GTZ. A GTZ no Brasil. Folder, sem data, p. 1. Ver organograma da GTZ no Anexo 1.
239 Embaixada da Alemanha. 40 anos de Cooperação para o Desenvolvimento Brasil-Ale-
manha, op. cit.
240 Id., ibid., p. 18.
241 Acordo Básico de Cooperação Técnica entre Brasil e Alemanha, 1996, artigo 3o.
242 Embaixada da Alemanha no Brasil/BMZ/GTZ. Política de cooperação para o desenvol-
vimento Brasil-Alemanha. Folder, sem data, p. 11.
243 Entrevista concedida em São Paulo, em 22/01/2007.
244 Entrevista concedida em Belo Horizonte, em 08/01/2007.
245 GTZ, Compêndio do vocabulário da GTZ, op. cit., p. 39-43.
250 Donner, Franziska. “Apresentação.” In: GTZ. Compêndio do vocabulário da GTZ, op.
cit., p. 3.
251 Wright, Susan. “Culture in anthropology and organizational studies.” In: . (Org.).
Anthropology of Organizations, op. cit., p. 2-3.
252 O método Zopp deve ser compreendido como estrutura básica de planejamento da GTZ.
Muitos de seus peritos argumentaram que os guias de orientação Zopp foram publicados
há quase 10 anos e que a própria metodologia já não corresponde mais à atualidade. Mais
recentemente, utiliza-se o termo Zopp em um sentido mais amplo, isto é, ele já não se limita
mais à mera descrição de uma determinada sequência de operações prescritas.
O povo falava: “Bem, vocês fi zeram aqui, com apoio do governo, dentro
da estação funciona, mas no nosso campo, funciona?” Então, a GTZ e o
BMZ saíam. Isso foi nos primeiros 20 anos da cooperação. Depois eles
chegaram à conclusão que não dá. Tanto que o primeiro projeto em que
trabalhei no Brasil já era de “Ownfarmer Research”. Você já fazia expe-
rimentação em nível da propriedade rural, saía da estação experimental.
Porque o agricultor quer ver o que você faz, ele quer presenciar. Porque se
você faz na estação experimental, eles dizem: “Não, porque vocês têm al-
guém que espanta os passarinhos, tem alguém que espanta os ratos. Tem
dinheiro para aplicar fungicidas e herbicidas e inseticidas.” Então, ele não
acredita muito. Agora, se você faz na propriedade dele, faz dias de campo
pra mostrar: isso aqui é arroz irrigado, isso tá dando 5 mil kg, 10-12 mil.
Ele acredita mais. [...] A cooperação chegou a evoluir para mostrar, pra
trabalhar junto e não para trabalhar só com uma elite e depois tentar
passar para os, vamos supor, usuários (grifos meus).
Temas
Em relação à abrangência de temas e áreas de atuação da GTZ no Brasil,
os seus projetos e programas de desenvolvimento abarcavam diferentes
temas, de saneamento básico à capacitação profissional, passando por for-
mação de cooperativas agrícolas e assentamentos rurais, desenvolvimento
de técnicas agrícolas e apoio ao planejamento em órgãos e instituições
governamentais.
Em termos geográficos, a atuação da GTZ vem se diversificando nos
últimos tempos, de uma concentração inicial nas regiões Sul, Sudeste e
Nordeste para as regiões Norte e Centro-Oeste de forma defi nitiva, sendo
possível afi rmar que foram desenvolvidos pela agência projetos em prati-
camente todas as regiões do Brasil.
Atualmente, o Programa de Cooperação Técnica Brasil-Alemanha tem
duas grandes áreas como prioridades para o Brasil: a área temática de
Meio Ambiente e a de Desenvolvimento Regional Integrado em Áreas Me-
nos Favorecidas. 262 É válido mencionar que a partir de dezembro de 2000,
na reunião de negociações intergovernamentais entre Brasil e Alemanha,
a delegação alemã propôs a concentração de sua atuação nestes dois pro-
gramas mais amplos, que chamam de “programas guarda-chuva”, con-
262 Segundo documento cedido pela ABC, intitulado “Programa de Cooperação Técnica
Brasil-Alemanha”, sem data, mas que contém dados de junho de 2002.
263 Ainda que não estejam explicitadas nos documentos oficiais da cooperação alemã as
razões de ser o Brasil o principal país na América Latina, algumas hipóteses podem ser suge-
ridas, como a continuidade de condições de pobreza e desigualdades sociais, principalmente
fundiárias. A existência das desigualdades sociais justifica a intervenção e a cooperação de
agências internacionais, pois estariam associadas a barreiras estruturais internas (políticas,
econômicas e sociais). A hipótese que acredito contribuir para a defi nição do Brasil como
prioridade entre os países da América Latina nas relações de cooperação alemãs, embora
seja ainda um país “emergente”, se deve à perspectiva de abertura futura de novas frentes de
intercâmbio, inclusive comerciais. O histórico das relações diplomáticas entre os dois países
também é sublinhado como forte razão para novos acordos de cooperação entre os países;
posteriormente, será feita uma abordagem mais específica sobre este assunto.
264 Embaixada da Alemanha, 40 anos de cooperação para o desenvolvimento Brasil-Ale-
manha, op. cit., p. 6-7.
1960 8 3 0 3 0 0 14
1970 18 13 4 7 0 7 49
1980 7 10 1 9 0 3 30
1990-2003 6 10 11 11 1 6 45
Fonte: Embaixada da Alemanha. 40 anos de cooperação para o desenvolvimento Brasil-
Alemanha. Brasília: Embaixada da República Federal da Alemanha, 2003, p. 160-164.
266 Segundo a publicação comemorativa dos 40 anos de cooperação entre Brasil e Alema-
nha, a ESAF foi criada a partir da ideia de um grupo de bolsistas brasileiros treinados na
Alemanha em auditoria fi scal, sendo as negociações encaminhadas pelo Ministério da Fa-
zenda do Brasil e o BMZ. Ver: Embaixada da Alemanha, 40 anos de cooperação para o
desenvolvimento Brasil-Alemanha, op. cit., p. 31.
267 Esta retração deve-se a fatores de ordem mais geral, em função da crise do petróleo que
provocou neste período instabilidades econômicas e a redução mais ampla de recursos inter-
nacionais para programas de cooperação internacional. Ainda quanto ao Brasil, o crescente
endividamento externo e processo infl acionário não sinalizavam para um contexto favorável
ao desenvolvimento de projetos. Ver: Lohbauer, C. Brasil-Alemanha: fases de uma parceria
(1964-1999). São Paulo: Fundação Konrad-Adenauer, 2000, p. 94-108.
O Programa ProRenda
O ProRenda foi concebido na década de 1980, sendo um dos programas
mais antigos desenvolvidos pela GTZ no Brasil. O programa se subdivide
entre ProRenda Rural e ProRenda Urbano, sendo seus objetivos defi nidos
em termos de melhoria da qualidade de vida de populações de baixa ren-
268 As reuniões de negociações intergovernamentais são feitas entre representantes dos go-
vernos dos dois países para estabelecer as diretrizes de projetos a serem realizados, com in-
termediação de representantes da Agência Brasileira de Cooperação. Até 2001, eram anuais,
sendo a partir de então realizadas de dois em dois anos, alternando o local de ocorrência
entre o Brasil e a Alemanha.
Meio ambiente
Como vimos, entre todos os programas, a área de meio ambiente tem prio-
ridade desde 1995, mantendo-se superior o número de projetos em relação
a todos os outros. O Programa de Meio Ambiente da GTZ divide-se entre
Meio Ambiente Urbano e Industrial e Meio Ambiente Florestal, sendo o
programa urbano-industrial o mais antigo. Atividades destinadas à área
florestal foram iniciadas somente com o PPG-7, nos anos 1990, e vêm se
tornando foco de crescente interesse da Alemanha no Brasil, uma tendên-
cia que, parece, irá se manter como a “futura contribuição à proteção das
272 Alguns dos programas do PPG-7: Promanejo, Provárzea, PDA, PPTAL, AMA, Corredo-
res Ecológicos, SPRN-OEMAS, Doces Matas (bilateral associado), Agricultura Familiar, no
Pará, Produtores Rurais – Idam-AM, Amapari – Perimetral Norte – AP.
273 GTZ. Nota Conceitual para a futura contribuição à proteção das florestas tropicais
da Amazônia Brasileira (2007-2014) – Apoio ao desenvolvimento de capacidades no nível
federal, regional e local para uma política brasileira de conservação e uso sustentável dos
recursos naturais renováveis na Amazônia.
274 Embaixada da Alemanha, 40 anos de cooperação para o desenvolvimento Brasil-Ale-
manha, op. cit., p. 160-164.
A GTZ no Brasil
A sede da GTZ no Brasil foi inaugurada em Brasília, no fi nal dos anos
1980, ficando na embaixada alemã no Brasil. Posteriormente, nos anos
1990, foi montado escritório próprio, situado em uma área comercial im-
portante da cidade, o Setor Comercial Norte. Ele se localiza em um prédio
de construção moderna, mas discreta, junto com outros escritórios co-
merciais e consultórios médicos. É um endereço comercial, sem qualquer
exagero na segurança interna, além de um controle de identidade e forneci-
mento de um crachá. No térreo, há lojas para atender ao público eventual
que passe pela rua, uma papelaria, um restaurante e um café, o que garan-
te uma diversidade de frequência. Esta caracterização parece demonstrar
que o fato de a GTZ ser uma agência internacional não determina maiores
restrições ao acesso, como é o caso de outros organismos internacionais,
cujos prédios onde estão instalados intimidam pela extravagância e pelas
normas restritivas ao acesso na portaria.
Este é o caso do Banco Mundial e do PNUD, cujos escritórios ficam
bem em frente ao prédio da GTZ, no Financial Corporate Center, um dos
prédios de arquitetura mais arrojada de Brasília, com formas irregulares
e acabamento externo todo em espelho dourado. A arquitetura por si só
já apresenta uma ostentação que afronta seus frequentadores, 275 o que
implica uma forma de elitização. Além disso, o Corporate Center, como
é chamado, possui um sistema de vigilância muito rigoroso que limita,
seleciona e controla o público que o visita. São vários seguranças, entre
homens e mulheres, que fornecem um crachá do prédio e registram uma
fotografia na entrada. Ao subir, no hall de entrada da instituição, mais
275 O público que frequenta o Corporate se veste de forma bastante padronizada, refi nada e
rica, com ternos escuros e gravatas, tailheurs e saltos altos.
279 Partiu-se aqui de uma analogia com a ideia de conquista desenvolvida por Lima (1995),
em que destaca, na página 47, que “o ponto de partida fundamental e operador da conquista
é a própria consciência da alteridade e a capacidade de utilizá-la instrumentalmente para
prever os passos e manipular o inimigo”.
281 A defi nição de “assessores seniores” não consta no Compêndio da GTZ como uma
significação administrativa, mas é comumente adotada no Brasil pelos funcionários da GTZ
para se referirem àqueles que têm maior tempo de experiência e de trabalho na assessoria e
no acompanhamento de projetos. Neste caso, era uma função exercida por duas funcioná-
rias brasileiras que trabalhavam praticamente desde a implantação do escritório da GTZ no
Brasil.
A língua da burocracia
A GTZ adota um padrão de funcionamento administrativo em que todos
os documentos dos projetos sejam feitos em alemão, desde os comunicados
entre os funcionários até contratos de serviços, inclusive de consultorias,
além da contabilidade, dos documentos de avaliação interna sobre os pro-
jetos e dos relatórios periódicos de peritos. Considerando sua atuação em
mais de cem países, a prerrogativa do alemão como língua de referência
tem de ser instituída para controle administrativo por parte da central. To-
dos os documentos de projetos e programas no mundo inteiro são enviados
à Alemanha. E, como consequência, todos os seus funcionários obrigato-
riamente devem ter conhecimentos amplos da língua alemã.
Assim, também as comunicações internas dos escritórios com a central
da GTZ na Alemanha e a totalidade dos relatórios periódicos (mensais, se-
mestrais e anuais) de acompanhamento de projetos enviados pelos peritos
que coordenam projetos da GTZ são feitos em alemão. Da mesma forma,
a documentação interna, a maneira de arquivar documentos, o sistema de
computador, as pastas de organização de arquivos e a Intranet estão em
alemão. 282 É um único código sem fronteiras entre os pares; no entanto,
para os outros, é exatamente a língua alemã que se constitui a fronteira.
Em suma, todos os funcionários da GTZ estão interconectados por meios
disponíveis de comunicação para melhor administração e controle de pes-
282 Intranet é a rede interna da GTZ que conecta todos os seus escritórios no mundo.
288 No presente trabalho, optei por mudar os nomes dos funcionários da GTZ como ma-
neira de preservar suas identidades pessoais, ainda que sejam facilmente identificáveis para
quem conhece a instituição ou os projetos em que a GTZ está envolvida.
289 Wright, S. (Org.). Anthropology of Organizations. London/New York: Routledge, 2002,
p. 18-19.
290 Como mencionado anteriormente, foram realizadas 24 entrevistas com um grupo de
alemães falantes da língua portuguesa, cuja prática profi ssional se deu, em algum momento
de suas experiências na GTZ, em projetos desenvolvidos na América Latina e no Brasil, além
de alguns representantes de outras instituições alemãs, como do KfW, da Fundação Heinrich
Böll, de ONGs e pesquisadores de universidades alemãs, estes últimos por e-mail. Os nomes
dos profi ssionais serão substituidos para preservar suas dentidades.
291 Bourdieu, P. “Espíritos de Estado.” In: Bourdieu, P. Razões práticas sobre a Teoria da
Ação. Campinas: Papirus Editora, 1996, p. 121.
292 A exceção era de uma mulher e um homem, ambos alemães, que também trabalhavam
na assessoria de projetos.
293 Como dito anteriormente, o Programa de Cooperação Técnica Brasil-Alemanha tem duas
grandes áreas como prioridades para o Brasil: Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional
Integrado em Áreas Menos Favorecidas.
296 Júlia não tinha formação superior. Sua relação com a Alemanha veio por meio de um
casamento com um alemão, o que a levou de Fortaleza para este país onde viveu alguns anos.
Quando voltou para o Brasil, entrou em um projeto da GTZ em Fortaleza, sendo depois de
alguns anos transferida para a sede em Brasília, onde deveria passar somente três meses,
mas já estava há mais de cinco anos, atarvés de contratos temporários renovados a cada seis
meses.
297 GTZ. Política de Pessoal Nacional (PPN). Proposta da Diretoria. Documento Interno,
06/09/2005 (data de impressão), p. 1-8.
A categoria “alemães”
A categoria “alemães” é usada entre os funcionários do governo brasileiro
e membros de organizações não governamentais brasileiras como uma for-
ma de defi nir o “outro”, os representantes do governo ou de organizações
não governamentais alemãs, não necessariamente nativos da Alemanha.
O fato é que de modo geral nas organizações alemãs, e particularmente
na GTZ, a maioria dos funcionários é composta de alemães nativos, de
descendentes deles, ou de cônjuges de alemães, o que favorece uma gene-
ralização que explica mais um grupo profissional (relações de trabalho,
vínculos profissionais em uma organização alemã de especialistas), do que
exatamente identidades nacionais pessoais. No entanto, a cultura da or-
ganização, ou a organização como cultura, espaço de formulação e de
defi nição de representações, acaba por imprimir uma lógica de ver e repre-
sentar o mundo que é considerada alemã, o que supostamente interfere na
defi nição de identidades pessoais.
Ainda, a definição do que a categoria “alemão” representa para um gru-
po de profissionais vimos que é mais do que uma caracterização de ordem
“nacional”. O termo é acionado em vários momentos pelos diferentes atores,
seja como categoria de acusação, subentendendo-se uma crítica por parte dos
brasileiros, como também no sentido de uma superioridade “qualitativa”.
A categoria, no entanto, não garante que se trate de fato de um grupo
coeso, homogêneo. A expressão usada no contexto em que a analisamos
refere-se a profissionais que na maioria das vezes trabalham nos programas
de cooperação da GTZ, assim como de outras instituições alemãs, especia-
listas na implementação de uma política do desenvolvimento, produtores e
transmissores de conhecimento, no caso alemão chamados de “peritos”. A
respeito disso, Josiah Heyman argumenta: “for organizational culture to
be strong, there need to be concrete and efficacious mechanisms by which
workers are socialized into the organization”. 298
298 Heyman, Josiah. “The anthropology of power wielding burocracies.” In: Human orga-
nization, v. 63, n. 4, winter 2004, p. 494.
300 A expressão “comunidade deutschland” foi usada na revista alemã Deutschland, pu-
blicada pelo Ministério de Relações Exteriores da Alemanha, para referir-se ao conjunto de
pessoas que têm nacionalidade alemã. Até 2000, a cidadania alemã baseava-se no princípio
do jus sanguinis, ou seja, da descendência, independente do nascimento em solo alemão. A
partir de então, passou a ser permitido aos fi lhos de estrangeiros nascidos na Alemanha ad-
quirirem a cidadania alemã desde o nascimento, conforme mudanças na Lei de Reforma do
Direito de Cidadania. In: Ministério Federal das Relações Exteriores. Perfi l da Alemanha.
Berlim: Media Consulta Deutschland GmbH, 2003, p. 20.
301 Refi ro-me particularmente ao acordo básico de cooperação técnica entre o governo da
República Federativa do Brasil e o governo da República Federal da Alemanha; nele, nos
primeiros parágrafos, como premissas fundamentais das relações entre os países, as bases são
defi nidas como: “relações amistosas”, “interesses comuns”, “igualdade entre os povos”.
Transmitindo saberes
Quando passei a pesquisar diretamente nos escritórios dos projetos em que
a GTZ estava envolvida, percebi que, para compreender como se davam
as práticas da cooperação no dia a dia dos projetos, tinha que investigar
quem eram esses funcionários alemães que tinham a especial atribuição
de portadores de saberes e conhecimentos específicos da Alemanha para
outros Estados.
Conhecidos pelo termo “perito técnico”, alguns alemães que desen-
volviam esta função não se identificam com a expressão, que tem relação
com a ideia de “especialista”. Muitos rejeitam o termo, como vemos na
declaração abaixo:
Eu acho que a GTZ, ao menos ela, está querendo cooperar com ativi-
dades do KfW e com atividades dos serviços de voluntários alemães, do
DED, tanto que, sempre que tivemos reuniões, isso foi falado. Chegaram
a fazer convênios em nível local... Esses projetos, todos, principalmente
os últimos dois, nós cooperávamos com o DED e com outras pequenas
empresas que não eram alemães não, eram locais mesmo: igrejas, asso-
ciações, amigos de certa reunião com quem nós fi zemos convênios, tra-
balhamos juntos. Porque a GTZ inicialmente não fazia muito isso não.
Não fazia cooperação com o DED, por exemplo. Até porque o DED e a
GTZ foram se aproximando mais porque dirigentes da GTZ foram ser
dirigentes do DED e vice-versa. Um dos diretores da GTZ durante muito
tempo foi diretor do DED na Alemanha. Então, isso deve ter ajudado a
aproximação.
312 Epstein, A. L. “Gossip, norms and social network”, op. cit.; Enne, Ana Lucia Silva, op.
cit., p. 147.
313 Landé, Carl. “Introduction: the dyadic basis of clientelism.” In: Schmidt, Steffen et al.
(ed.). Friends, follower ,and factions. A reader in political clientelism. Berkeley: University
of California Press, 1977, p. xxxiii; Enne, Ana Lucia Silva, op. cit., p. 141.
314 Mitchell, J. Clyde. “The concept and use of social networks.” In: (Ed.). Social net-
works in urban situations. Manchester: Manchester University Press, 1969, p. 12.
Naquele tempo, o Hans K. até disse pra mim naquela exposição dos 40
anos: “Albert L., nós não podíamos usar fotografia de vocês porque você
sempre aparece com os militares.” Daquele tempo eu não posso reclamar
de nada. Por exemplo, no programa que nós fizemos, a cada ano nós tra-
zíamos o melhor governador, o melhor secretário o melhor produtor de
cada Estado, as melhores cooperativas, convidávamos para Brasília e o
Presidente da época recebia essas pessoas no Palácio, almoçava com eles.
Hoje não sei se... um assessor de política, talvez, convidaria gente pobre,
Em sua fala, notamos que Albert L. tem uma postura política con-
servadora, diferentemente de alguns de seus “colegas” da GTZ, que se
posicionam claramente com uma orientação de esquerda. Ele representa
uma geração mais antiga, que tinha uma linha de atuação estritamente
“técnica”, ou seja, centrada nas práticas, nos mecanismos, nas metodolo-
gias, e menos nas ideologias, atuando com o mesmo compromisso e dedi-
cação junto a militares no poder e junto a pequenas comunidades rurais
no interior do País. Valoriza, sobretudo, as relações que estabeleceu com
as pessoas com as quais se envolveu no trabalho.
É uma pessoa simpática e acolhedora. Recebeu-me na rodoviária e se-
guimos para a sua confortável casa, decorada em um estilo colonial minei-
ro, com muitos passarinhos e objetos de decoração do artesanato regional.
Preparou ele mesmo um jantar com carne de porco, e bebeu muita cerveja,
sem se alterar. A entrevista transcorreu em tom muito agradável, sendo ele
muito direto em sua narrativa.
Colocou uma música tradicional alemã e falou sobre seus hobbies de-
pois de aposentado pela GTZ da Alemanha: começou a aprender a tocar
viola caipira por conta própria e a trabalhar em entalhes e pequenas es-
culturas de madeira e couro, o que aprendeu na Alemanha. Gosta de fazer
particularmente os santos, entre eles vários São Franciscos. Diz ter fascínio
pela arte popular e falou longamente sobre o que aprendeu com o povo
em sua vida profissional, e a importância que dá à “sabedoria popular”.
Falar sobre isso parecia ser uma forma de legitimar sua própria relação
com o trabalho que fazia, ligado diretamente às comunidades de pequenos
produtores rurais. Revelava não só o prazer que tinha em seu trabalho,
mas também o compromisso ético, o que se refletiu no sucesso dos proje-
tos e, sobretudo, no reconhecimento local. Para ele, o que o sustentou foi
o reconhecimento local, um reconhecimento tanto das comunidades com
as quais trabalhou, quanto aquele que foi formalizado em condecorações
oficiais a ele dadas por vários estados do Brasil, como afi rmou: “Eu sou
cidadão honorário do Estado de Minas Gerais como primeiro estrangeiro,
sou cidadão honorário de Santa Catarina como primeiro estrangeiro; aqui,
em Minas Gerais, sou cidadão honorário de mais de 20 cidades.”
A trajetória de Albert L. na área de cooperação técnica internacional
começou praticamente junto com a criação do ministério de cooperação, o
315 Segundo ele, quem comandava a cooperação era um departamento deste Ministério de
Agricultura.
nunca teve perito no Brasil que não fosse alemão. Tem os coordenadores,
tem os peritos adjuntos, mas perito, perito mesmo que assinasse e rece-
besse dinheiro, só alemão. Eu recebia dinheiro no meu nome. Eu fui caso
único, acho que na Alemanha toda, eu não conheço ninguém mais.
Não fui eu que descobri a GTZ, foi a GTZ que me descobriu. Depois
que a GTZ foi criada, como um órgão governamental, se você olhar daí
pra frente, exatamente em 1975, eu estava um dia no meu laboratório e
entra a diretora da minha divisão, a dra. Vitória Rosseti, com um amigo
dela que era alemão e que morava na Nicarágua. Eles com mais um ale-
mão e uma alemãzinha, aliás uma mocinha bem alta, e ela me disse que
eles queriam conversar e me perguntou se eu poderia atendê-los. Eu era
a chefe da sessão. E eles começaram a fazer perguntas sobre a ferrugem,
que era uma doença muito séria do café; é ainda, mas já está controlada.
Isso foi logo no começo do ano. Foi em 1974, em fevereiro. Em 1975 foi
a segunda vez. E tem uma passagem engraçada, eles diziam: “O que você
precisa?”. Eu dizia: “Preciso disso.” E eles: “Então põe no papel.” A esta
altura já estava uma conta assim de US$ 600 mil. Naquela época, nós
estávamos à míngua. Nós não tínhamos dinheiro pra comprar nem um
sal qualquer de laboratório e o cara vem me falar de US$ 600 mil... Eles
saíram e nós achamos muito engraçado, rimos muito e eu esqueci o caso.
Não levei a sério mesmo. Imagina, não sei quem é a GTZ, nunca ouvi
falar nisso, vem oferecer milhões! Quando foi no fi nal do ano, um colega
meu foi fazer um curso de microscopia eletrônica na Alemanha e em maio
de 1975 ele voltou e disse pra mim: “Marisa, eles estão esperando que
você mande um projeto.” Eu falei: “Como? Projeto, que projeto?”. “Você
Olha, trabalhar com a Alemanha, com outra língua, com outro jeito de
fazer a parte fi nanceira, tudo, prestação de conta, tudo, foi mais fácil para
mim do que com os brasileiros. Primeiro, porque eles têm esse livrão aqui,
que é o “Organizacionhandsbuch” para o pessoal de fora do País. Então,
a coisa era desse jeito, aqui a gente tinha todas as regras, pra tudo. Se você
quiser saber como é que faz qualquer coisa, as explicações, os modelos,
estão todos aqui dentro. Então, não é como aqui, isso era um problema
terrível no Brasil, porque, por exemplo, um dia você tinha que mandar pra
não sei quem da sessão, pro diretor; no dia seguinte, tinha que passar em
outro lugar, era por telefone, não valia mais, as normas eram uma loucura.
Lá, não! Isso aqui eram os pedidos, não tinha problema nenhum. Eu tra-
balhava melhor com a Alemanha, com menos problemas do que no Brasil.
Quando a gente fazia a prestação de contas, era um livro. Imagina, naque-
le tempo não tinha computador, tudo era feito à mão... não dava nem pra
fazer na máquina, porque era um livro descomunalmente grande.
Era uma coisa tão boa, o Zopp, mudou tanto a minha vida e a vida do
meu pessoal, de outras pessoas, que eu achei que aquilo devia ser passado
para outras pessoas. Aí, eu montei inicialmente um curso interno no insti-
tuto e convidei o Hans K., um amor de pessoa. Eu organizei todo o curso
e ele foi dar o curso no Instituto Biológico. Foi em 1989, foi o primeiro
curso de Zopp no Brasil. Primeiro mesmo. Foi o Hans que deu o curso.
Sua adesão a essas metodologias não foi facilmente aceita nos locais
onde trabalhou no Brasil. Segundo ela, sempre foi muito criticada pelos
brasileiros, que reagem à adoção de normas e procedimentos de monito-
ramento e avaliação de projetos. A monitoria é uma das atribuições dos
peritos e um aspecto a que a GTZ dedica particular atenção, sendo uma
exigência contratual dos projetos de cooperação técnica. Há dois níveis de
se implementar a monitoria: o nível do que está planejado (POA) e efetiva-
mente o que foi executado; e o nível dos resultados do projeto, a partir dos
[...] você tem as relações com os peritos, com o beneficiário e isso pra mim
é mais importante, do meu ponto de vista, do que a relação institucional.
Porque a relação institucional tem ainda a GTZ no meio e qualquer coisa,
eles se entendem por lá. Agora, a relação do perito com a comunidade,
com o beneficiário, é fundamental e é isso que o Albert L. faz divinamente
bem, que poucos realmente conseguem fazer. É você trazer e conseguir
Então, como eu trabalhei junto dos alemães, na Alemanha, com eles, den-
tro da GTZ, [...] nas reuniões nossas lá, com outros peritos de outros
lugares do mundo, havia sempre a recomendação de que se respeitasse
a cultura local: ”não se imponha, você não está lá para aparecer!”. Isto
era uma coisa que era repassada. E você vê, a maioria dos peritos (é claro
que de vez em quando tem um que escapa, como em qualquer lugar do
mundo), é muito discreta quanto a este ponto (grifos meus).
3. Martha S.
Martha S. é uma alemã de presença forte: é alta e também fala alto, é
bastante expansiva, alegre. Fomos apresentadas por uma antropóloga e
pesquisadora da Fase, sua amiga pessoal. Conversamos na sede da pró-
pria Fase no Rio de Janeiro, tomando um café no último andar, onde há
uma cozinha e um refeitório. Tinha vindo ao Brasil para continuar uma
318 Em alguns momentos, nota-se nas falas de profi ssionais que trabalham na área da coope-
ração que, além do idealismo e do trabalho político, esta é uma atividade que seduz também
porque envolve os prazeres dos viajantes, das descobertas típicas dos lugares, um pouco do
turismo. A Cerpa é uma cerveja paraense, de produção restrita, que praticamente não se
encontra nos grandes centros.
319 Entrevista em 27/05/2003, na sede da Fase, no Rio de Janeiro.
Você tem de ver que nas instituições dos doadores todo mundo que traba-
lhava lá, não todo mundo, mas 80% que trabalhavam na GTZ, no KfW,
no BMZ, eram do movimento. Todo mundo militava, todo mundo tinha
votado sempre no Partido Verde, todo mundo era da esquerda.
Eu conheço muita gente que está lá por causa de um bom emprego. Mas
tem também muita gente que está convencida de que tem de fazer alguma
coisa para mudar a m... de distribuição de renda. Com essas ideias de de-
senvolvimento que temos... eu não tenho muita esperança de que dê para
fazer muita coisa. 320
4. Paul F.
Conheci Paul F. na sede do Ministério do Meio Ambiente, onde ficava,
em 2003, o escritório do projeto PDA. Ele trabalhava em uma pequena
salinha, sem qualquer luxo ou regalia, em meio às dos outros funcioná-
rios. Ao nos apresentarmos, me fez sentar em frente à sua mesa, bastante
bagunçada com papéis espalhados desordenadamente, a respeito da qual
321 O KfW tem muitos projetos de fi nanciamento lucrativos, além de fazer doações. No
próprio PPG-7, há os projetos “bilaterais associados”, assim chamados porque, apesar de não
fazerem parte das doações destinadas ao conjunto de projetos do PPG-7, mesmo sendo proje-
tos de fi nanciamento, têm os mesmos objetivos considerados por parte do governo alemão.
322 As fotos expostas nas paredes do escritório do KfW fazem parte do acervo de fotografias
do PPTAL, as mesmas da publicação Demarcando terras indígenas, organizada pelas técnicas
da GTZ Márcia Gramkow e Carola Kasburg, em 1999 e 2001.
323 BMZ. “Concepto relativo a la cooperación para el desarrollo con poblaciones indígenas
en America Latina.” BMZ Actuell, 073, novembro de 1996, p. 2.
324 Id., ibid., p. 16-18.
Antecedentes históricos
Como argumenta Lisansky, a inclusão de um projeto para povos indígenas
no Brasil, como o PPTAL, em um programa de cooperação internacional,
o PPG-7, previsto para ser um modelo internacional, de forma nenhuma
foi bem-aceita no contexto de sua elaboração.330 O que atualmente pode
330 LISANKY, J. “Fostering Change for Brazilian Indigenous People during the Past Decade:
The Pilot Program’s Indigenous Lands Project (PPTAL)”. In: Hall, Anthony (Ed.). Global
Impact, Local Action: New Environmental Policy in Latin America. London: Institute for
the Study of the Americas: University of London, 2005, p. 4. Lisanski, como disse, era a
“task manager” do Banco Mundial, ou seja, uma espécie de “perita” ou gerente de projeto
do Banco Mundial no PPTAL.
331 Pacheco de Oliveira, J.; Souza Lima, A. C. Política indigenista e políticas indígenas no
Brasil: um mapeamento prospectivo. Sugestões para Fomento. Doação 985-0731, outubro
de 1999.
332 Ricardo, C. A.; Pacheco de Oliveira, J. “Apresentação.” In: Cedi/Peti. Terras Indígenas
no Brasil. São Paulo: Cedi/MN, 1987, p. 2.
333 No seu primeiro ano de vigência, entre 1985-1986, o projeto estabeleceu um convênio
com o Programa Povos Indígenas no Brasil (PIB), do extinto Centro Ecumênico de Documen-
tação e Informação (Cedi), quando então tiveram um primeiro fi nanciamento da Fundação
Ford.
334 Pacheco de Oliveira, J. “Terras Indígenas: uma avaliação preliminar de seu reconheci-
mento oficial e de outras destinações sobrepostas”. In: Cedi/Peti. Terras Indígenas no Brasil,
op. cit., p. 7.
335 Para citar somente alguns: Almeida, A.W.B.; Oliveira, J.P. de. “Demarcação e reafi rma-
ção étnica: um ensaio sobre a FUNAI.” In: Oliveira, J.P. (Org.). Indigenismo e territorializa-
ção: poderes, rotinas e saberes coloniais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Contraca-
pa, 1998; Souza Lima, A. C. S.; Pacheco de Oliveira, J. “Os muitos fôlegos do indigenismo.”
Anuário Antropológico, 1981; Cedi. Aconteceu Povos Indígenas Especial, 1984; Erthal, R.
Reconstituição cronológica das normas administrativas da Funai relativas ao processo de
demarcação das terras indígenas. Rio de Janeiro: Peti, 1987.
336 Ver Pacheco de Oliveira, Ensaios de antropologia histórica, 1999a, p. 236-241.
337 Brito, M. F. “Senadores dos EUA criticam política ecológica de Collor.” Jornal do Brasil,
18/06/1991, p. 3.
338 Dantas, E. “Collor atende pedidos de ecologistas dos EUA.” Folha de São Paulo,
26/06/1991, p. 8.
343 “Possuelo assume Funai para demarcar terras dos índios”. Jornal do Brasil, 29/06/1991,
p. 5.
344 Opinião de Maria Elisa Ladeira, como também de Sidney Possuelo, ambos entrevistados.
345 CTI. Projeto Demarcação 92-93 Convênio FUNAI-CTI, sem data, p. 4 (arquivo CTI).
346 Pacheco de Oliveira, João; Leite, Jurandyr C. F. “É possível acelerar a regularização das
Terras Indígenas?”. In: Resenha e debate: Brasil novo, indigenismo novo? Rio de Janeiro:
Peti/Museu Nacional, n. 3, março de 1991, p. 4.
347 CTI. Projeto Demarcação Wajãpi. Resumo do Relatório Final, agosto de 1996, p. 7.
348 Mendes, A. N. “A demarcação das terras indígenas no âmbito do PPTAL”. In: Gramkow,
M.; Kasburg, C. (Orgs.). Demarcando terras indígenas, op. cit., p. 15-19.
349 Lima, Antonio Carlos de Souza. “Os relatórios antropológicos de identificação de terras
indígenas da Fundação Nacional do Índio – Notas para o estudo da relação entre antropolo-
gia e indigenismo no Brasil, 1968-1985”. In: Oliveira, J. P. (Org). Indigenismo e territoriali-
zação, op. cit., p. 225.
352 UNDP/Ibase. Development, international cooperation and the NGOs meeting publica-
tion (English version). Rio de Janeiro: Ibase/PNUD, 1992.
353 Muitos dos convidados para as palestras eram estrangeiros que representavam agências
da Organização das Nações Unidas, redes de ONGs ou ONGs internacionais, como Third
World Network (Malásia), Crocevia (Itália), NOVIB (Holanda), e também acadêmicos de
universidades estrangeiras (The New School of Social Research) e nacionais (USP), além de
representantes das ONGs brasileiras que organizavam o evento, particularmente o Ibase, o
Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), o Instituto de Estudos da Religião
(Iser) e o Instituto de Ação Cultural (IDAC).
356 Fernandes, R. C.; Carneiro, L. P. As ONGs nos anos 1990: A opinião dos dirigentes
brasileiros. Rio de Janeiro: Iser, 1991. Série Textos de Pesquisa 1.
357 Wolff, Luciano A.; Kaiser, W. & Mello, F. V. (Coord.). Cooperação e solidariedade
internacional na Alemanha. 2. ed. Rio de Janeiro: Ibase/EZE; São Paulo: Abong, 1995, p.
17-22.
358 Educador, coordenador na época da Área de Meio Ambiente e Desenvolvimento da
Fase.
359 Fase/Ibase. Anais do Seminário de Estudos sobre o Programa Piloto para Amazônia.
Rio de Janeiro, 1993, p. 4.
366 Fundação Heinrich Böll. I Encontro dos Parceiros da Fundação Heinrich Böll. Edição
das palestras. Rio de Janeiro: FHB, 13 e 14 de março de 2001.
367 Gazeta Mercantil, 05/06/1995.
368 Brito, Manoel Francisco. “Países ricos vão socorrer a Amazônia”. Jornal do Brasil,
20/06/1991.
369 MMA. Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. Apresentação,
p. 7, sem data.
370 Em entrevista com diplomatas no MRE, pude constatar que desde a Conferência de
Durban sobre o racismo e outras formas de discriminação, realizada em 2001, e também
devido a outros encontros e fóruns internacionais sobre povos indígenas, tem havido um
maior diálogo entre a diplomacia e os representantes indígenas, revelando uma maior abertu-
ra à participação indígena nas reuniões internacionais que envolvam questões que lhes digam
respeito. Tem havido também uma maior proximidade entre representantes da diplomacia
brasileira com representantes de outros países amazônicos, principalmente no que se refere
a questões indígenas, crescendo o número de viagens de reconhecimento de diplomatas às
371 Couto e Silva, Golbery do. Aspectos geopolíticos do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército, 1957.
372 Mattos, Carlos de Meira. Uma geopolítica pan-amazônica. Biblioteca do Exército,
1980.
the relationship between those governing and those governed, and of the acceptance of state
policies”. Disponível em: www.bmz.de/en/media/speech. Acesso em: 16/06/2003.
375 Bird, Blue Cover, abril de 1994, p. 4.
376 FUNAI. PRODOC – Proposta de Cooperação Técnica com o PNUD PNUD/BRA/96/018,
maio de 1998, p. 18.
377 Funai, Prodoc, op. cit., p. 25.
378 Pacheco de Oliveira, João. “Terras Indígenas: uma avaliação preliminar de seu reco-
nhecimento oficial e de outras destinações sobrepostas”. In: Cedi/Peti. Terras Indígenas no
Brasil, op. cit., 1987, p. 7-32. Esta classificação é adotada usualmente na Funai e de forma
generalizada em estudos e trabalhos sobre terras indígenas.
Componente 2 Componente 4
Vigilância e Proteção das terras indígenas Gerenciamento do Projeto
379 Araújo, Chico. “Funai sofre ingerência de investidor alemão”. Jornal de Brasília,
07/03/2004, p. 17.
380 Souza Lima, A. C. Gestar e Gerir. Estudos para uma antropologia da administração
pública no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: NUAP/UFRJ, 2002, p. 11-22. Coleção
Antropologia da Política.
381 Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, criado em 22/02/1989 pela Lei nº 7.735/89.
382 A Semam/PR foi instituída pela Medida Provisória nº 150, instância à qual o Ibama
passou a ser vinculado pela Lei nº 8.028.
383 O MMA foi instituído pelo artigo 21 da Lei nº 8.490, de 1992.
384 Pela Lei nº 8.746, de 09/12/1993.
385 Souza Lima, A. C.; Barroso-Hoffmann, M. (Orgs.). “Questões para uma política indige-
nista: etnodesenvolvimento e políticas públicas. Uma apresentação.” In: . Etnodesenvolvi-
mento e políticas públicas. Bases para uma nova política indigenista. Rio de Janeiro: Laced/
Contra Capa Livraria, p. 15.
386 Virgínia Valadão, antropóloga, faleceu em 1998 e muitos dos documentos de sua ativi-
dade profi ssional ficaram guardados no CTI.
387 Carta aos Amigos da ICCO e PPM, de 11 de janeiro de 1995, p. 1.
388 Posteriormente foi contratada pela GTZ para atuar no projeto Subprograma de Políticas
de Recursos Naturais (SPRN), em Brasília, assumindo em 2007 a Diretoria de Assuntos Fun-
diários, novamente na Funai.
393 Maria Elisa Ladeira é antropóloga, com graduação e mestrado na USP e doutorado em
Linguística. É esposa de Gilberto Azanha e irmã de Maria Inês Ladeira, ambos do CTI.
394 Em documento de setembro de 1992, elaborado pelo CTI (presumivelmente, porque não
há referência de origem do documento) para a renovação do contrato de Maria Elisa, pede-
se a extensão da consultoria para a fase fi nal de revisão do projeto. A versão do projeto foi
apresentada ao Bird em 4 de julho de 1992.
395 Arnt, R. “Fundo para a Amazônia divide ambientalistas”. Folha de São Paulo,
08/07/1991, p. 5.
396 IEA. Projeto Políticas Públicas para a Amazônia. Relatório Anual. Doação 910-0914.
Brasília: Fundação Ford, janeiro de 1993, p. 11.
397 GTA. Boletim Informativo n. 1. Brasília, junho de 1992.
398 Fac-símile do IEA para CTI, de 11/06/1991, obtido no CTI.
399 CTI. Projeto de Demarcação – 92/93. Convênio FUNAI-CTI, mimeo, sem data, p. 7
(arquivo CTI).
400 O grupo de pessoas que trabalhava na época na Funai assumiu posteriormente res-
ponsabilidades profi ssionais em diferentes instituições, alguns deles na própria GTZ. Maria
Auxiliadora Leão foi para o projeto Subprograma de Políticas de Recursos Naturais (SPRN),
trabalhando na GTZ; Mara Vanessa trabalha atualmente em consultorias particulares para
cursos de capacitação e oficinas oferecidas, dentre outras, pela GTZ; Marina Khan foi para
o Instituto Socioambiental; Ana Lange estava, na época em que fi z o levantamento de dados,
no Ministério de Meio Ambiente, junto com Isa Pacheco.
401 A Comissão de Financiamentos Externos (COFIEX) é um colegiado composto por mem-
bros do Ministério do Planejamento (Secretaria de Assuntos Internacionais, Secretaria de
Planejamento e Investimentos Estratégicos, Secretaria de Orçamento Federal e Assessoria
Econômica), do Ministério de Relações Exteriores e do Ministério da Fazenda (Tesouro Na-
cional, Secretaria de Política Econômica e Secretaria de Assuntos Internacionais).
402 Aide Memoire. Projeto Integrado de Proteção das Terras e Populações Indígenas da
Amazônia, 3-14 de agosto de 1992.
415 Não tenho valores para uma comparação que tornem mais evidentes tais afi rmações,
mas em 2002, quando estive na Setec-PPTAL entrevistando alguns funcionários, soube que
a relação de salários era, para o consultor-PNUD, de praticamente o dobro do que ganhava
o funcionário da Funai.
416 Melissa de Oliveira, funcionária da ABC em situação de contrato PNUD aponta estas
questões em entrevista concedida em 16/07/2002.
417 Conforme depoimentos de funcionários da ABC que participavam de reuniões de proje-
tos do PPG-7, inclusive do PPTAL, é muito comum nos acordos de cooperação técnica haver
concordância verbal quanto a procedimentos a serem adotados, sem a concretização formal
em documentos escritos.
418 Slowacki de Assis, atualmente diretor de Administração da Funai, era na época gerente
técnico de projetos do PPTAL. Segundo ele, esta função não existe formalmente na estrutura
do PPTAL, mas esta teria sido a sua.
419 Portaria n. 542/93. In: Magalhães, E. D., op. cit., p. 116.
420 Até o momento, não tenho documentos que claramente estabeleçam a data de criação
da Setec-PPTAL. No entanto, em setembro de 1995, o Ofício da Funai para a ABC (Ofício
Apoio à Setec
A partir de maio de 1994, o projeto entrou na fase de negociação, quando
foi assinado o acordo de cooperação fi nanceira. Com isso, os vínculos da
Funai com a GTZ se tornaram cada vez mais estáveis e continuados, com
a presença física de um funcionário e com a montagem de um escritório
nas instalações da Funai.
424 CTI. Projeto Demarcação Wajãpi. Resumo do Relatório Final, agosto de 1996, p. 5.
427 Acordo em Separado entre KfW, Funai e MMA. Cooperação Financeira Oficial Alema-
nha/Brasil, Contribuição Financeira n. 94 65 774 de DM 30 milhões, de 07/04/1995.
428 Acordo em separado de cooperação fi nanceira oficial Alemanha/Brasil, de 07/04/1995,
p. 10, item 3.2.
429 Esta ideia não consta do Acordo Básico de Cooperação Técnica entre Brasil e República
Federal da Alemanha, nem também no Compêndio do vocabulário da GTZ, que apresenta
normas, conceitos e diretrizes da CT.
Organograma da GTZ
DIRETORIA
Assuntos jurídicos e
Tecnologia de informações Comunicação empresarial Auditoria seguro
Desenvolvimento empresarial
Agência em Berlim
Agência em Bonn
Agência em Bruxelas
Controladoria departamental e
Controladoria e assessoramento Equipe regional PPP Equipe regional PPP equipe de gestão financeira
departamental
Ásia do Sul, Laos e Camboja Europa, Cáucaso, Ásia Central Assess. organizacional e gerencial,
Equipe de gestão financeira • Bangladesh • Maldivas equipe de consultoria MODeLs
• Albânia • Kosovo
• Camboja • Nepal • Armênia • Macedônia
Assuntos econômicos e regionais, • Laos • Sri Lanka • Azerbaijão • Moldávia Gestão de conhecimentos
DERP • Belarus • Montenegro
• Bósnia- • Quirguistão
Sudeste Asiático e Pacífico Economia e emprego
Herzegovina • Romênia
Equipe regional PPP • Filipinas • Papua Nova Guiné
• Formação prof. e mercado de trabalho
• Bulgária • Sérvia
• Indonésia • Tailândia • Política econômica e desenvolvimento da
• Cazaquistão • Tajiquistão
• Malásia • Timor Leste economia privada
• Croácia • Turquia
Sahel e África Ocidental I • Myanmar • Vietnã • Desenvolvimento de sistemas financeiros
• Federação Russa • Turcmenistão
• Burkina Fasso • Mali • Pacífico e créditos
• Geórgia • Ucrânia
• Cabo Verde • Mauritânia
• Irã • Uzbequistão
• Costa do Marfim • Níger Governança e democracia
• Gâmbia • Senegal Leste Asiático e Índia Programas de Privatização do BMF
• Butão • Índia • Cluster de governança (promoção da
• Guiné • Serra Leoa (Ministério Fed. da Fazenda)
democracia, direitos humanos, direitos da
• Libéria • China • Mongólia
mulher, gênero)
• Coreia do Norte
Países Mediterrâneos e Médio • Governança no setor público – finanças
Oriente públicas, administração, anticorrupção
África Ocidental II, Angola e África • Descentralização, regionalização,
suprarregional Países Andinos e Paraguai • Argélia • Líbano
• Egito • Marrocos desenvolvimento local e urbano
• Angola • Togo • Bolívia • Equador
• Chile • Paraguai • Iêmen • Síria
• Benin • União Africana
• Colômbia • Peru • Iraque • Territórios palestinos Saúde, educação, proteção social
• Gana • ECOWAS
• ECLAC • Jordânia • Tunísia • Sistemas sanitários e promoção da saúde
• Nigéria • NEPAD
• Educação
Agência de programas de relações • Segurança social
África Austral América Central, Caribe, México, interculturais com países de cunho
• Botsuana • Rep. da África do Brasil islâmico Água, energia, transportes
• Lesoto Sul • Argentina • Ilhotes no Leste das • Água
• Malawi • SADC • Brasil Caraíbas • Energia e transportes
• Moçambique • Suazilância Construção
• Caribe • México
• Namíbia • Zâmbia • Costa Rica • Nicarágua • Engenharia civil e obras públicas
• Zimbábue • Fiscalização técnica de obras Economia agrícola, pesca e
• Cuba • Panamá
• Programas do BMVg (Ministério Federal alimentação
• El Salvador • República
da Defesa) • Política agrícola e espaço rural
• Guatemala Dominicana
África Central e Madagáscar • Eonomia agrícola e alimentar
• Haiti • SICA • Comércio agrícola e padrões
• Burundi • Rep. Centro- • Honduras • Uruguai Afeganistão, Paquistão
• Camarões Africana
• CEMAC • Rep. Democrática • Afeganistão • Paquistão Meio ambiente e mudança climática
• Chade do Congo • Biodiversidade, florestas, governança de
• Gabão • Ruanda recursos naturais
• Madagáscar • Meio ambiente, eficiência dos recursos
naturais, lixo
• Grupo de trabalho Mudança climática
África Oriental
• Eritreia • Uganda
• Etiópia • EAC
Segurança, reconstrução e paz
• Quênia • IGAD • Prevenção, segurança e paz
• Somália • Parceria BMZ- • Programa global de ajuda de emergência
e transitória centrada no desenvolvimento
• Sul do Sudão ACNUR
• Tanzânia
Departamento de Pessoal e
Departamento Comercial GTZ-International Services
Assuntos Sociais