Você está na página 1de 2

Formiguinhaz

Antz

Dirigido por Eric Darnell e Lawrence Guterman. Vozes de Woody Allen, Sharon Stone, Gene Hackman,
Sylvester Stallone, Christopher Walken, Anne Bancroft, Danny Glover, Dan Aykroyd, Jennifer Lopez, John
Mahoney e Paul Mazursky.
Nunca imaginei que ouviria, algum dia, a voz de Woody Allen saindo da `boca` de um personagem de animação.
No entanto, assistindo Formiguinhaz não consigo pensar em um ator melhor para dublar a deprimida formiguinha
Z do título. Na verdade, se Allen viesse a escrever o roteiro de um filme de animação, este filme seria Antz.
Z-4195 (Allen) é um operário de uma colônia de formigas que habitam o Central Park, em Nova York. Infeliz com
a vida que leva, ele procura um psicólogo para falar de seus problemas e de seu inconformismo diante da
posição que ocupa na `sociedade`: `Nunca fui capaz de levantar mais do que dez vezes o meu peso.`, ele se
queixa. Por que ele precisa ser um operário? Por que precisa fazer tudo pela colônia? E suas necessidades
pessoais?
Este é o `gancho` genial criado pelos roteiristas Todd Alcott, Chris Weitz e Paul Weitz. Uma formiga que deseja
ter um pouco de individualidade? Puro Woody Allen. Afinal, o diretor se especializou em criar personagens
desajustados, em conflito constante consigo mesmos e com a sociedade em que estão inseridos. Detalhe: os
filmes de Allen também se passam, na maior parte das vezes, em Nova York.
No entanto, Z não é a única formiga descontente com sua vida na colônia: a mimada Princesa Bala (Stone)
sente-se entediada e não vê com bons olhos a possibilidade de vir a se casar com o frio General Mandíbula
(Hackman), um militar mal-intencionado que nunca encontra tempo para ficar com sua noiva, estando sempre
ocupado com a construção de um `Mega Túnel` cuja finalidade permanece um mistério para todos. Certa noite,
Bala vai até o bar dos operários e lá fica conhecendo Z, com quem dança um pouco. Apaixonado pela Princesa,
o pobre operário convence Weaver (Stallone), um soldado, a trocar de lugar com ele por um tempo, a fim de que
ele possa rever a amada durante uma inspeção militar que contará com a presença da família real. Porém, ao
invés de reencontrar Bala, Z é enviado em uma missão suicida para combater uma colônia de cupins.
A verdade é que Formiguinhaz não é um filme infantil. Em alguns momentos, a história torna-se sombria demais
para que platéias mais jovens a acompanhem facilmente. A seqüência da batalha entre formigas e cupins, por
exemplo, inspirou em mim o mesmo tipo de revolta, de ódio à guerra, que senti durante o formidável  O Resgate
do Soldado Ryan. Além disso, o roteiro traz alguns diálogos pouco comuns em um filme para crianças, como
aquele em que Z diz que vai excluir Bala de suas `fantasias eróticas`, ou aquele em que um operário chama o
supervisor de obras do Mega Túnel de `títere do opressor`. Temos, ainda, algumas piadas que foram claramente
destinadas ao público adulto, como aquela que envolve uma certa canção de John Lennon.
Não quero dizer com isso que os filmes infantis devem ser, necessariamente, ingênuos. Ao contrário: julgo
extremamente louvável que temas importantes sejam abordados pelo gênero. Acho, inclusive,
que Formiguinhaz pode suscitar discussões muito interessantes entre pais e filhos, como a brutalidade da guerra;
a questão do egoísmo; do individualismo; e assim por diante. No entanto, é pouco provável que alguma criança
venha a se divertir assistindo este filme como se divertiria assistindo Toy Story, por exemplo. As cenas de ação
são fantásticas, de tirar o fôlego, e farão a criançada vibrar, é claro. Porém, entre elas há um falatório típico de
um filme de Woody Allen, com direito a todos os seus maneirismos, pausas e gagueiras - e isso torna a história
cansativa aos olhos de um irrequieto público infantil.
Aliás, o visual criado pelos animadores da PDI é absolutamente fantástico: a colônia é uma estrutura colossal,
massacrante. Não seria infundada uma comparação desta sociedade com a apresentada por Fritz Lang
em Metrópolis. Na verdade, as semelhanças vão ainda além: basta lembrar o destino da Cidade dos Operários,
no clássico alemão.
A caracterização dos personagens é perfeita: Z gesticula exatamente como Allen. Os animadores foram
extremamente felizes ao captarem a essência da persona cinematográfica do diretor - e não só dele: todos os
protagonistas deste filme lembram uma ou outra característica de seu dublador. Assim, temos a fleuma
assustadora de Cortador (Walken); a expressão fria e cruel de Mandíbula (mais um odiável vilão de Gene
Hackman); e o jeitão `brutamontes` de Weaver (Stallone).
Não é à toa que cito apenas os personagens masculinos. A verdade é que as caracterizações femininas neste
filme não chamam muito a atenção. Sharon Stone, Jennifer Lopez e Anne Bancroft poderiam perfeitamente ter
sido substituídas por outras atrizes, sem prejuízo para a história. A exceção fica por conta de Jane Curtin que, em
sua curta aparição como uma abelha esnobe, dá um show ao lado de Dan Aykroyd.
Outro destaque de Formiguinhaz fica por conta da música de Harry Gregson-Williams e John Powell, que cria o
clima ideal para o filme, se adequando perfeitamente a cada uma das situações apresentadas na história.
Observem, por exemplo, o uso sutil da música na cena em que Weaver conversa com Azteca (Lopez) pela
primeira vez: quase imperceptível, a trilha confere um tom divertido a uma cena que poderia ter passado
completamente desapercebida de outra maneira.
Com um dos roteiros mais inteligentes do ano (só não será indicado a um Oscar se não houver justiça no
mundo), Antz é um daqueles raros exemplares no cinema atual que conseguem divertir e levar à reflexão,
simultaneamente. Uma tarefa colossal que é desempenhada, com brilhantismo, pelos minúsculos insetos que
habitam este filme.
 
21 de Novembro de 1998

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site


Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando
filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi
Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.
 
Disponível em: https://cinemaemcena.com.br/critica/filme/7007/formiguinhaz

Acesso em 21.03.2020

Você também pode gostar