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Livro oficial do filme

Adaptação: Steve Behling


Roteiro: Brigitte Hales
História: Bill Kelly, J. David Stem & David N. Weiss

Baseado no filme Desencantada da Disney


Disenchanted - the junior novelization
Copyright © 2022 by Disney Enterprises, Inc.
© 2022 by Universo dos Livros

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Diretor editorial Tradução


Luis Matos Carlos César da Silva

Gerente editorial Preparação


Marcia Batista Nilce Xavier

Assistentes editoriais Revisão


Letícia Nakamura Rafael Bisoffi
Raquel F. Abranches Bia Bernardi

Arte
Renato Klisman

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacqua CRB-8/7057

B365d

Behling, Steve
Desencantada : livro oficial do filme / ; adaptação de
Steve Behling ; roteiro de Brigitte Hales ; história de
Bill Kelly, J. David Stem, David N. Weiss ; tradução
de Carlos César da Silva. –– São Paulo : Universo dos
Livros, 2022.
168 p : il., color.

e-ISBN 978-65-5609-306-2
Título original: Disenchanted

1. Literatura infantojuvenil 2. Contos de fadas I. Título


II. Hales, Brigitte III. Kelly, Bill IV. Stem, J. David
III. Weiss, David N. IV. Silva, Carlos César da

22-5206 CDD 028.5

Universo dos Livros Editora Ltda.


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PRÓLOGO

ERA UMA VEZ, EM UMA TERRA MÁGICA DE CONTOS DE FADAS chamada Andalasia,
um esquilo de nome Pip. Ele era uma criaturinha da floresta, não tão mágico
quando
comparado a alguns outros cidadãos de Andalasia, mas, o que Pip não
tinha de habilidades mágicas, ele mais do que compensava com seu coração
gigante. E seu barulho. Pip era um esquilo muito barulhento.
No entanto, em uma noite, ele estava mais quieto do que o normal.
Já era chegada a hora de seus filhos, Kip e Nip, dormirem. Ele lia aos dois
uma história, esperando que isso os acalmasse para que pudessem cair no
sono.
— Era uma vez, em um reino mágico chamado Andalasia, uma bebê que
fora encontrada na floresta — começou Pip. — Sem mãe ou pai à vista, a
bebê foi criada pelos animais que lá habitavam, e eles a amaram como se ela
fosse uma deles.
As crianças se sentaram e ouviam o pai, deslumbradas.
— Seu nome era Giselle — continuou Pip. — Ela cresceu e se tornou uma
bela jovem, com um coração amoroso que guardava um desejo secreto.
Pip contou como Giselle desejava trocar um beijo de amor verdadeiro com
um belo príncipe.
— Até que um dia ela ganhou o amor do príncipe mais destemido de todos
e lhe pareceu que finalmente teria o seu próprio “felizes para sempre”.
É claro que Pip estava falando de Edward, um homem muito corajoso que
levava jeito para a música — e para a espada.
— E então… — começou Pip.
— Giselle foi banida pela Rainha Má, exilada para um lugar sombrio e
assustador chamado Nova York — interrompeu Nip.
Pip ficou parado segurando o livro enquanto Kip e Nip tagarelavam.
— Lá, ela conheceu animais que eram nojentos, mas que a ajudaram —
disse Kip, num tom brincalhão.
Nip se virou para a parede e brincou com a sombra, imitando as baratas
que prestaram ajuda a Giselle em Nova York.
Pip se aconchegou na poltrona enquanto seus filhos continuavam.
— Ela também conheceu Robert! — disse Kip. — Que tinha uma filha e
olhos bonitões, então, os dois se apaixonaram!
Pip se lembrava de tudo como se tivesse acontecido ontem: Giselle,
enviada para Nova York, encontrou Robert e sua filhinha, Morgan. Os dois
acolheram Giselle e lhe demonstraram bondade.
Depois, com grande empolgação, Kip narrou como Giselle tinha sido
amaldiçoada e recebido um beijo de Robert, e como, juntos, os dois
enfrentaram a rainha má transformada em um dragão!
E Nip não podia deixar de destacar que todos viveram felizes para sempre.
Ele fez a sombra de duas pessoas dançando na parede para ilustrar o que
dizia.
Pip estava impressionado. É claro que a versão da história contada pelos
filhos passava por cima de alguns detalhes. Por exemplo, havia Nancy, uma
amiga de Robert e Morgan, que acabou conhecendo Edward. Eles se
apaixonaram e tiveram o próprio “felizes para sempre” em Andalasia.
Pip fechou o livro e disse:
— Então vocês já conhecem essa.
— Lê de novo, papai! — pediu Nip.
— Papai, você acha que, quando Giselle se mudou para o reino de Nova
York, ela se esqueceu de Andalasia? — perguntou Kip.
Antes que Pip pudesse responder, Nip falou:
— Claro que não, Kip! Ela tinha a Árvore de Lembranças!
— Nip tem razão — concordou Pip. — Todo mundo em nossa terra tem
uma Árvore de Lembranças mágica. Isso significa que, aonde quer que vá,
nenhum cidadão de Andalasia poderia esquecer o que mais importa. Exceto
por aquela vez em que ela e eu, de fato, esquecemos tudo que mais
importava.
— O quê? — indagou Kip.
— Quando foi isso? — perguntou Nip, chocado.
Respirando fundo, Pip se levantou e foi até a estante de livros.
— Certo, pode ser que a história de Giselle seja um pouco mais longa do
que a que vocês conhecem — admitiu ele, tirando um livro empoeirado da
prateleira. — Não me orgulho do meu papel nela, mas, se forem para a cama,
conto para vocês.
Ao sentar-se em sua poltrona, Pip abriu o livro. Seus dois meninos mal
podiam esperar para que a história começasse.
— Tudo começa basicamente no mesmo ponto em que a última parte
acabou — disse Pip. — No reino de Nova York, depois do “felizes para
sempre”.
— Depois? — interrompeu Kip. — Mas não existe nada depois do “felizes
para sempre”.
— É — concordou Nip. — Você só se casa e, então, nada nunca mais
acontece com você.
Pip sorriu.
— Não naquele mundo. Lá, as coisas nunca param de acontecer. Para
Giselle, passaram-se alguns anos, Morgan deu uma espichada, e não demorou
para que…
As crianças olharam maravilhadas para o livro, onde viam Giselle e Robert
segurando um bebê. E bem ao lado deles estava Morgan, agora adolescente.
— Robert e Giselle tiveram uma filha, uma linda menininha chamada Sofia
— contou Pip. — Por um momento, Giselle tinha tudo o que sempre quis. E
foi aí que as coisas começaram a mudar.
Pip virou a página. Kip e Nip viram uma ilustração de Giselle e sua
família. Eles estavam espremidos em seu apartamento pequeno.
— Primeiro, o castelo deles no céu parecia ter diminuído de tamanho —
explicou Pip. — Depois…
Quando Pip virou mais uma a página, as crianças viram Giselle na loja de
vestidos da qual era dona. A página ao lado mostrava Robert em seu
escritório, trabalhando até tarde. Tanto Giselle quanto Robert estavam
imersos em papelada.
— Robert e Giselle ficaram tão ocupados que não era incomum o relógio
bater meia-noite antes que eles parassem de trabalhar.
Mais uma página virada, revelando Morgan em sua cama com o celular na
mão.
— Mas o mais difícil foi Morgan — declarou Pip. — Ela se tornou o que
esse mundo chama de “adolescente” e, para Giselle, era como se Morgan
tivesse ido a uma terra muito distante à qual ela jamais conseguiria chegar.
Quando Pip virou para a página seguinte, Kip e Nip viram Giselle parada
diante da porta do quarto de Morgan. A garota encarava o celular, sem se dar
conta de que Giselle estava logo ali.
Mais uma página foi virada, e as crianças viram Giselle com Robert e
Morgan, empurrando um carrinho com a bebê Sofia pelas ruas cheias da
cidade de Nova York.
— Giselle começou a se perguntar se o reino de Nova York era mesmo o
seu “felizes para sempre”. E foi aí que ela recebeu um sinal.
Pip virou mais uma página, mostrando Giselle olhando para uma placa
com uma foto de uma linda cidadezinha e os dizeres MONROEVILLE — SEU
CONTO DE FADAS COMEÇA AQUI!
— E, de repente, eles souberam o que precisavam fazer — disse Pip. —
Precisavam ir atrás da felicidade, onde quer que ela estivesse. E então…
A ilustração seguinte mostrava três caminhões de mudança estacionados à
frente do prédio onde moravam.
— Eles fizeram as malas e partiram…
CAPÍTULO UM

DO LADO DE FORA DO PRÉDIO ONDE FICAVA O APARTAmento de Robert, a porta de


um caminhão em movimento se fechou com um estrondo. De olhos
arregalados, Giselle observou esperançosa o veículo.
Sendo uma princesa da cabeça aos pés, os longos cabelos ruivos de Giselle
cascateavam-lhe pelos ombros e ela sorria com graciosidade em meio à
correria da equipe de mudança, conforme os caminhões restantes eram
carregados com os últimos pertences da família que estavam no apartamento.
Ela viu Robert, que, como de costume, estava fazendo mais de uma coisa ao
mesmo tempo — falava ao celular enquanto desviava dos trabalhadores na
porta do prédio e segurava uma Sofia chorosa com o outro braço.
Quando Giselle conheceu Robert, ele era um advogado de divórcios que
trabalhava em um grande escritório de advocacia na cidade de Nova York.
Ele era o tipo de pessoa “pé no chão” que não se importava com nada além
dos fatos. Robert conhecia os meandros da lei de trás para a frente. Mas,
quando conheceu Giselle, foi forçado a deixar a lógica de lado e aceitar os
aspectos mais maravilhosos, e quase mágicos, da vida. E aí, é claro, tinha a
magia de verdade, e ele abraçou isso também.
Depois de entregar Sofia para Giselle, Robert passou a mão pelos cabelos
castanhos e falou no celular:
— Sim, estou com os documentos do caso bem aqui.
— Você prometeu que não iria trabalhar hoje — relembrou-o Giselle.
Robert colocou a mão sobre o microfone do celular e respondeu:
— O divórcio de Goldman já está quase finalizado. Só mais cinco minutos,
prometo.
E, então, Robert se enfiou de volta no prédio enquanto Morgan saiu por
onde o pai havia entrado, carregando várias mochilas com os próprios
pertences. Sem animação alguma, ela as jogou dentro do carro da família.
— É só isso — disse a garota, com a derrota evidente em sua voz. — Vou
ficar esperando no carro agora e me despedindo da ideia de um dia ter amigos
de novo.
Giselle olhou para Morgan e ofereceu uma palavra amiga:
— Eu sei. É difícil deixar bons amigos para trás.
Após dizer isso, Giselle olhou para uma árvore próxima ao carro, onde
várias pombas e até alguns camundongos estavam empoleirados, observando
cada movimento seu.Todos tomados pela tristeza, as pombas arrulharam e os
camundongos chiaram.
— Mas agora poderemos fazer muitos amigos novos — disse Giselle. —
Monroeville é maravilhosa.
Ao continuar com seu discurso esperançoso, Giselle se surpreendeu
quando Morgan falou ao mesmo tempo que ela:
— É o lugar mais parecido com Andalasia que já vi. Nossa casa é como
um castelo, e você vai ter seu próprio quarto.
— É, você já me disse isso um milhão de vezes — resmungou Morgan.
— Bom, fatos felizes merecem ser repetidos — defendeu Giselle. —
Cantados também, quando possível. E não se esqueça das árvores! Algumas
das minhas lembranças mais queridas estão crescendo em uma árvore.
Morgan se esforçou para não revirar os olhos.
— Aham, uma árvore mágica em uma Terra Mágica —disse Morgan com
indiferença. — Tenho certeza de que é bem assim mesmo.
Giselle parou por um momento, e então perguntou:
— Isso por acaso é…
— Sarcasmo? — completou Morgan. — É. Pode apostar que é sim.
Giselle não entendia sarcasmo. Por que alguém falaria algo que significava
o contrário do que estava dizendo? Não fazia sentido.
Seus pensamentos foram interrompidos com o som da queda de uma caixa
identificada como FRÁGIL. O ajudante de mudança que a carregava ficou com
cara de envergonhado, e Sofia começou a chorar, assustada com o barulho.
Segurando uma última pilha, Robert surgiu da porta do prédio mais uma
vez.
— Pronto, acabou — disse, ofegante. — Hora de cair na estrada. Quem
está pronto?
— Eu não — respondeu Morgan. — E vocês dois sabem disso, mas não se
importam.
Robert sugeriu que fizessem uma parada para tomar sorvete antes de
partirem. Esperava que essa oferta de paz ajudasse a aliviar a situação.
A filha pensou por um segundo.
— Tá — disse enfim. — Calda em dobro, e eu tô dentro.
Com uma última olhada para o apartamento, Morgan entrou no carro.
Robert sorriu ao se virar para o prédio onde passou muitos anos felizes
com Morgan e Giselle. Atrás dele, os caminhões de mudança começavam a
seguir pela rua. Giselle colocou Sofia em sua cadeirinha dentro do carro.
— E que a aventura comece! — exclamou Robert.
Ao partirem em direção a Monroeville, Giselle olhou pela janela do carro.
Deu um aceno de adeus para as pombas e os camundongos. Eles acenaram de
volta.
Morgan imediatamente pegou o celular, tentando não olhar pela janela para
a cidade — o lar — que estava deixando para trás. Do lado dela, Sofia estava
sentada em sua cadeirinha, feliz da vida jogando os brinquedos pelo carro.
E, então, Giselle começou a cantar uma música animada sobre a nova vida
que teriam em sua nova cidade. Giselle cantou sobre Monroeville como se lá
fosse a terra dos sonhos, feito Andalasia.
A música continuou conforme os prédios começavam a desaparecer,
substituídos pela paisagem repleta de árvores que levava a Monroeville.
Na estrada do campo, a família ouviu um baque alto. De repente, o carro
cambaleou para um lado com um pneu estourado. Robert dirigiu até o
acostamento e estacionou.
— Nem o carro quer sair da cidade — reclamou Morgan.
Depois de uma rápida ligação e mais um tempinho, a assistência chegou.
Com Sofia nos braços, Morgan observou o pneu furado sendo trocado.
Depois, entregou a irmã aos braços de Giselle. No mesmo instante, a bebê
vomitou nela.
E então o novo pneu fez pow! e se esvaziou sem demora.
Morgan balançou a cabeça em reprovação enquanto Robert fazia outra
ligação para pedir mais um pneu.

Depois de trocar de roupa, Giselle agora vestia um blusão velho e


confortável com uma estampa que dizia A MELHOR MÃE DO MUNDO. Ela
segurava Sofia enquanto Robert trocava o pneu mais uma vez.
Ele apareceu de trás do carro — sujo, mas com um sorriso no rosto.
— E lá vamos nós! — animou ele. — De novo.
Com o carro seguindo pela estrada do interior, eles se aproximaram de uma
placa que dizia BOAS-VINDAS A MONROEVILLE — SEU CONTO DE FADAS COMEÇA
AQUI!
Entrando na cidade, a família observou pelas janelas do carro a pacata
avenida principal, cheia de lojinhas adoráveis. O relógio de uma torre soou
com a virada de hora.
Por fim, Robert parou o carro na entrada do novo lar. Morgan reparou na
pequena torre, que realmente fazia a casa parecer um castelo de contos de
fadas — exceto pelo fato de que a torre precisava muito de uma reforma. Na
verdade, a casa toda parecia precisar com urgência de uma boa reforma.
Quando desceram do carro, Morgan viu um encanador consertando uma
tubulação, um pintor passando uma camada de tinta fresca na casa e os
jardineiros aparando os arbustos. A equipe de mudança já havia chegado e
estava descarregando as caixas dos caminhões.
Robert se aproximou da casa com Morgan ao seu lado.
— Então esse é o “castelo” de que vocês tanto falaram? — disse a garota
com o deboche explícito na voz.
— A reforma atrasou — explicou o pai, tentando soar mais otimista. —
Você só precisa tentar ver além.
— Ou apenas não ver — acrescentou Morgan.
Giselle apareceu atrás deles com Sofia nos braços.
— Ok, nós temos uma surpresinha para você — anunciou Giselle,
empolgada.
— Para mim? — perguntou Morgan.
Giselle pegou a mão da garota e praticamente arrastou Morgan para dentro
da casa.
O lado de dentro era um desastre ainda maior do que o lado de fora. Tinha
gente trabalhando por toda parte — pintando as paredes, lixando o chão e
arrumando a fiação elétrica.
— Agora feche os olhos — pediu Giselle a Morgan.
No entanto, antes que Morgan tivesse tempo de obedecer, ouviu um
barulhão. O piso velho tinha cedido sob o peso de uma mulher que estava
lixando o chão.
— Estou bem! — gritou a mulher com dificuldade de sair do buraco. — Eu
acho...
— Primeiro, cuidado para não cair ali — disse Giselle, com vergonha.
Morgan se afastou, pisando com cuidado para não cair no buraco, e fechou
os olhos. Com Robert a guiando, ela subiu as escadas. Giselle os
acompanhava degrau a degrau, com Sofia balbuciando em seus braços.
Ao chegarem ao fim das escadas, Giselle levou Morgan até uma porta e
falou:
— Pronto, pode abrir os olhos.
Quando Morgan obedeceu, não acreditou no que viu. Do outro lado da
porta, havia um verdadeiro quarto de princesa com uma enorme cama de
dossel e um espelho florido em uma das paredes.
Entrando, Morgan ficou sem palavras.
— Exagerei um pouquinho, eu sei — admitiu Giselle. — E você pode
mudar tudo, se quiser. Só queria que tivesse um quarto de verdade quando
chegássemos aqui. Fiz eles prometerem que estaria pronto a tempo.
— Era a única coisa que importava para ela — acrescentou Robert.
Em seguida, ele apontou para a parede. Morgan viu seus desenhos colados.
No meio, estava uma árvore de cartolina, coberta de fotos do pai, Giselle e de
si mesma, quando era mais nova. No alto, em sua própria letra, estavam
escritas as palavras ÁRVORE DE LEMBRANÇAS DA MORGAN.
— Que lindo, mãe — falou Morgan, agora derretida.
— Achou mesmo? — respondeu Giselle. — Fico tão feliz que tenha
gostado. Logo, logo transformaremos a casa toda em um lar, vocês vão ver
só!
Giselle sorriu para Robert, que sussurrou um “obrigado”.
E, então, Morgan apertou o interruptor na parede. Inesperadamente, a
fiação elétrica se acendeu com uma faísca. A eletricidade correu pelos fios,
passando pelo teto, outra parede, finalmente atingindo as caixas com as
roupas de Morgan e terminando com uma explosão na base da parede.
— Ai! — exclamou Giselle enquanto todos encaravam o estouro,
descrentes.
— Essas eram todas as minhas roupas — disse Morgan.
— Olá! — ressoou uma voz lá de baixo. — Olá! Olááááá!
Robert olhou para Giselle.
— Já conhecemos alguém? — perguntou ele, confuso.
— Não, mas podemos conhecer agora! — respondeu Giselle!
Eles voltaram para o primeiro andar da casa, onde encontraram três
mulheres. Uma delas estava na frente das outras duas, que por sua vez
seguravam grandes cestas. Todas as três tentavam desviar do gesso caindo ao
redor delas.
— Esperamos que não se importem de termos entrado — disse a mulher à
frente. — A porta estava aberta. Vocês são Giselle e Robert, não é? E
Morgan. Ah, e a pequena Sofia.
— Somos sim! — respondeu Giselle, impressionada. — Como sabia?
Estendendo a mão para um cumprimento, a mulher se apresentou:
— Malvina Monroe. Eu mesma teria vendido esta casa para vocês, mas
trabalho com propriedades num nível um pouco mais alto. Que bom que
alguém enfim enxergou o charme deste lugar.
Em seguida, Malvina adotou um tom bastante intenso e disse:
— Rosaleen e Ruby. Vamos dar as boas-vindas a eles.
Imediatamente, as outras duas mulheres entregaram as cestas para Robert e
Morgan.
— Ela fez tudo sozinha — apontou Rosaleen.
— Até as cestas! — completou Ruby.
— Gosto de tecer — falou Malvina com orgulho.
— Ora, mas que gentileza sua — disse Giselle.
— É um pouco estranho também — alfinetou Morgan.
— Morgan, por que não levamos essas cestas para a cozinha? — sugeriu
Robert, saindo da sala com a filha. — Prazer em conhecê-las.
Quando Morgan e Robert estavam fora de vista, Malvina começou a
observar a blusa de Giselle com um olhar de desdém.
— Dá para ver que você também gosta de artesanato — disse Malvina. —
É um visual… bem interessante.
— Ah — disse Giselle, olhando para o blusão. — Morgan fez esta blusa
quando era mais nova.
— Aquela idade era maravilhosa, não era? — respondeu Malvina. —
Tenho um adolescente também. Sempre resmungando, mas é o tesouro do
meu coração.
— De todos os nossos corações — contribuiu Rosaleen.
— Até de quem não tem coração! — acrescentou Ruby.
Malvina deu de ombros.
— Agora, se precisarem de alguma coisa, podem contar comigo. Acho que
eu conheço esta cidade melhor do que qualquer um. Gosto de estar envolvida
nisso e naquilo.
— É verdade — concordou Rosaleen.
— É como se ela fosse a rainha daqui — acrescentou Ruby.
— Então estou duas vezes honrada — disse Giselle. — Acho que todo
reino deve ter uma rainha.
Naquela noite, Morgan se deitou no chão do quarto de Giselle e Robert, em
um saco de dormir. Robert gentilmente colocou Sofia em seu berço e foi para
a cama.
— Ouçam só isso — disse ele. — É tão melhor do que ouvir a Quinta
Avenida.
— É tão barulhento quanto lá — observou Morgan.
— Os grilos estão muito felizes por estarmos aqui — disse Giselle ao
entrar no quarto. — Eles compuseram esta música inteira só para a gente.
Deveríamos construir um parquinho para eles. Duvido que já tenham um.
Morgan lançou a Giselle um olhar enigmático.
— Grilos precisam de algo assim?
— Ora, todos precisam de um lugar para brincar — disse Giselle. — Vou
discutir isso com eles amanhã. Depois de darmos um jeito no seu quarto.
— Ótimo — respondeu Morgan —, porque vocês me prometeram que eu
teria mais espaço aqui, e isso é bem menos do que eu tinha na casa antiga.
— Nada que uma pintura não resolva — disse Robert, tentando levantar o
ânimo da filha. — Amanhã será um novo dia, Morgan.
— E vai ser um ótimo dia! — acrescentou Giselle.
CAPÍTULO DOIS

QUANDO O DESPERTADOR SOOU, MORGAN SE LEVANTOU do chão com um impulso.


Ainda estava escuro do lado de fora. Ela ouviu o pai batendo no despertador.
O barulho acordou Sofia, que começou a chorar, e então Giselle e Robert
esfregaram os olhos para afastar o sono e se levantaram da cama.
— Por que o despertador já está tocando? — reclamou Morgan. — Lá fora
ainda é ontem.
— Agora tenho um longo caminho até o trabalho — disse Robert. — Vou
me levantar junto com o sol.
Morgan cobriu o rosto com um travesseiro.
Um pouco depois, a correria matinal começou na cozinha. Giselle andava
para lá e para cá tentando fazer o café da manhã, mas nada parecia funcionar.
O forno não ligava, tinha fumaça saindo da torradeira e até a cafeteira estava
fazendo um ruído preocupante.
Enquanto isso, Sofia não parava de chorar em seu cadeirão.
Um pássaro azul pousou no parapeito da janela da cozinha e piou.
— Ah, sim, eu concordo, é uma bela manhã — falou Giselle, tentando soar
animada.
Robert apareceu às pressas, dando um beijo rápido em Sofia. Giselle se
virou, esperando um beijo também, mas ele nunca veio. Robert passou direto
por ela, pegando uma caneca.
— Estou super atrasado — disse ele, não percebendo a expressão
decepcionada no rosto da esposa. — Ainda não peguei o jeito da coisa.
Morgan surgiu à porta da cozinha um momento depois, vestindo roupas
amassadas.
— É um milagre! — anunciou. — Pelo menos uma camiseta sobreviv…
Neste exato momento, Robert foi pegar o bule e acidentalmente derrubou
café. A maior parte caiu em Morgan, ensopando por completo sua camiseta.
— Me desculpe — disse Robert. — Você está bem?
— Sim — respondeu Morgan, abatida. — Mas era a única peça que eu
tinha.
Antes que Robert pudesse responder, sua atenção foi desviada para um
barulho alto do lado de fora da casa. Giselle pegou Sofia do cadeirão, e os
quatro foram correndo para o quintal.
Lá, depararam-se com um poço espirrando um jato d’água para cima. O
jorro se transformou em bolas douradas de luz brilhante. Através da névoa
cintilante, surgiu um lindo homem de olhos azuis. Junto a ele estava uma
mulher de cabelos escuros e cacheados e um sorriso acolhedor. Eram Edward
e Nancy!
Os trabalhadores ficaram chocados. Com cuidado, espiaram dentro do
poço enquanto a água desaparecia.
Giselle soltou um gritinho de felicidade e Morgan e Robert a seguiram até
o casal.
— O que estão fazendo aqui? — perguntou Giselle, cumprimentando
Nancy com um grande abraço.
— A gente precisava abrir um portal para a sua casa nova! — explicou
Nancy.
— A ideia era ter feito isso antes, mas a Branca de Neve e sua ninhada
apareceram — acrescentou Edward.
— Odeio quando isso acontece — riu Morgan.
— Ah, olha só quem ficou atrevida — observou Nancy, abraçando Morgan
com carinho.
Enquanto isso, Robert e Edward trocaram olhares de desconforto.
— Robert — disse Edward, procurando algo para dizer. — Meus parabéns
por ter aumentado sua prole.
Depois, olhou para a casa, ainda um caos, e acrescentou:
— Então agora vocês são pobres?
— Edward… — repreendeu Nancy.
— Não, não estamos pobres — respondeu Robert, um pouco insultado.
— É o que chamam de projeto em desenvolvimento — disse Giselle.
— Ah, entendi — respondeu Edward. — Bem, tenho certeza de que vai
ficar mais bonita assim que seus aldeões terminarem de cavar o fosso.
— Acho que essa é a minha deixa… fui! — anunciou Robert antes de sair.
— Vamos, entrem, vou mostrar o resto da casa — convidou Giselle, feliz
por ter companhia.
— Tá mais para a ideia de uma casa — acrescentou Morgan.
Nancy riu da piada, e elas entraram. Edward continuou do lado de fora por
um momento.
— Robert! — gritou, correndo em direção ao outro homem. — Parece que
você se esqueceu de sua espada.
— Não tenho uma espada, Edward — respondeu Robert.
— Ah, presumi que agora que você é um cavaleiro campestre, teria mais
necessidade de uma espada — provocou Edward.
— Não. Ainda sou advogado.
— Naquela caixa pequena nos céus?
— Um edifício empresarial — respondeu Robert. — Sim. E não costuma
ser um lugar adequando para levar espadas.
— Que trágico — observou Edward. — Não consigo nem imaginar o quão
desesperado você deve estar para enfim fazer algo da sua vida.
Mais uma vez, Robert se sentiu um pouco ofendido.
— Eu faço muita coisa, Edward.
— É claro — respondeu o príncipe. — Entendo. Uma atitude corajosa é
necessária quando se leva uma vida tão apática assim. — E, após uma breve
pausa, Edward acrescentou: — Talvez isto ajude.
Num rápido movimento, Edward desembainhou a espada. Robert se
abaixou, escapando por pouco de ser decapitado.
— Juntos, esta espada e eu matamos muitas feras e vivemos aventuras
magníficas, que testaram meu corpo tanto quanto meu espírito — explicou
Edward, não percebendo que havia chegado perto de decepar Robert. Depois,
entregando a espada a ele, disse: — Que ela sirva igualmente a você.
Edward deu tapinhas intensos no ombro de Robert, depois entrou na casa,
deixando-o com a espada em uma mão e a maleta do trabalho na outra.
— Isso nunca fica mais fácil — suspirou Robert, indo a caminho da
estação de trem.

Ao entrar na casa, Edward se juntou às mulheres. Um trabalhador o mediu


de cima a baixo, observando suas vestimentas típicas da realeza de Andalasia.
Edward notou o macacão do rapaz e devolveu a encarada.
— Na verdade, temos outro motivo para estar aqui — admitiu Nancy,
olhando para Sofia. — Perdemos o aniversário dela no mês passado.
— Protestos repentinos dos gnomos da floresta — explicou Edward.
— Mas precisávamos garantir que a afilhada do rei e da rainha de
Andalasia tivesse uma dessas — disse Nancy, apresentando uma caixa
bastante entalhada. Ela a abriu, mostrando o conteúdo: uma varinha brilhante
e um rolo de pergaminho.
Cativada pelo brilho, Sofia pegou a varinha.
— Uma Varinha dos Desejos de Andalasia! — exclamou Giselle.
— Uma varinha do quê? — perguntou Morgan.
— Uma Varinha dos Desejos — explicou Giselle. — Sempre ouvi falar
delas, mas nunca vi uma de verdade.
— Bem, quando se tem o rei e a rainha como padrinho e madrinha, você
merece ganhar algo mais especial — explicou Edward.
E, então, Edward e Nancy apresentaram formalmente a caixa. Os dois
cantaram sobre a varinha, sobre como usá-la com boas intenções e sobre
seguir as regras, é claro.
— Alguém em Andalasia já tentou só falar? — perguntou Morgan.
— Não se puderem cantar! — respondeu Giselle, animada.
Edward e Nancy continuaram sua canção, revelando que a varinha só
poderia ser usada por verdadeiros descendentes de Andalasia, e que se
tivessem algum problema ou se surgissem dúvidas, poderiam perguntar ao
pergaminho.
Ao fim da música, Giselle tirou com cuidado a varinha da mão da filha.
— Ouviu só, querida? Você é uma andalasiana de verdade.
Morgan sentiu uma forte pontada de inveja.
— Bom, a menos que vocês tenham aí uma varinha para andalasianos de
mentira, eu preciso ir me arrumar — disse Morgan. Então, antes que Giselle
pudesse dizer qualquer coisa, ela acrescentou: — Sim. Vou dar uma olhada
no seu guarda-roupa. Tenho certeza de que tem muitas opções incríveis para
mim.
Morgan se virou e subiu as escadas pisando duro.
— Às vezes ela diz uma coisa, mas quer dizer outra — falou Giselle, um
pouco chateada. — Nunca consigo decifrar.
Edward e Nancy se entreolharam, percebendo a aflição de Giselle.
Mas Giselle já tinha deixado aquilo de lado. Foi até a cozinha e colocou a
caixa brilhante que guardava a varinha no parapeito da janela.
— Você acha que a vida em Andalasia é mais fácil? — perguntou Giselle.
— Eu não diria “mais fácil” — respondeu Nancy. — Tem as rebeliões dos
dragões e dos ogros e, de vez em quando, uma maldição ou outra cai sobre
todo o reino.
— Sim, mas é possível matar um dragão — retorquiu Giselle. — E
maldições quase sempre podem ser revertidas, mais cedo ou mais tarde. Os
problemas neste mundo são bem diferentes.
Nancy assentiu. Havia passado a maior parte da vida naquele mundo, e
entendia o que Giselle estava dizendo.
Mas Edward, não.
— Se este mundo não lhe agrada — sugeriu ele —, você deveria mudá-lo.
— Não é tão simples assim, Edward — protestou Nancy.
— Ora, que bobagem! — Edward não levou a sério. — Se tem alguém que
pode tirar algo disto aqui — ele gesticulou a tudo ao seu redor — é a nossa
Giselle.
— Talvez você esteja certo — respondeu Giselle.
— Ok, mas caso seja mais difícil do que parece — falou Nancy —,
lembre-se de que o reino de Andalasia estará sempre lá para quando você
precisar.

Na estação de trem, Robert embarcou em sua viagem matinal sem


incidente algum. Segurando uma sacola de papel em uma mão e um copo de
café na outra (e a maleta e a espada embaixo de um braço), acomodou-se em
um assento à janela.
Enquanto os demais passageiros entravam no vagão, ele tentava tirar o
bagel da sacola usando apenas uma mão.
Não estava dando muito certo.
Uma mulher de negócios sentada ao lado dele falou:
— Você deveria ter pedido para não colocarem em uma sacola.
Robert viu que a mulher segurava um bagel enrolado em papel. Em
seguida, vários passageiros levantaram seus bagels no ar, todos embrulhados
da mesma forma.
— Entendi — disse Robert. — Ainda estou pegando o jeito desta vida de
transporte até o trabalho. Antes era apenas dez minutos a pé.
Um homem de terno olhou para Robert e disse, mal-humorado:
— Não se preocupe. Você tem tempo.
— Afinal, vai passar muito, muito tempo nesse trem. Muito, muito tempo
mesmo — disse a mulher de negócios. — Até morrer.
— Isso é meio pessimista, não? — respondeu Robert.
— É só a verdade, cara — disse um homem de paletó com cara de
cansado.
Todos ao redor balançaram a cabeça para concordar. Robert então olhou
triste para seu bagel e sentiu seu ânimo diminuindo.
CAPÍTULO TRÊS

GISELLE E MORGAN, COM SOFIA NO CARRINHO, ESTAVAM paradas em frente à


abarrotada escola nova de Morgan. A garota observava os grupos de
adolescentes indo em direção à entrada. Estavam todos enturmados,
conversando e rindo como se fossem amigos há anos, o que provavelmente
era verdade.
Mas Morgan não estava inclusa nisso.
Todos os seus amigos de longa data tinham ficado em Nova York.
Ao seguirem adiante, Morgan sentiu que chamava a atenção como se
tivesse uma melancia no pescoço com aquela camisa clara e a saia toda
florida que tinha pegado emprestado de Giselle.
— Eu não fico bem com tantas flores assim — resmungou.
— Ora, que bobinha — disse Giselle com um sorriso encorajador. — Você
está linda. Quer que eu fique mais um pouco?
— Você está vendo mais alguma mãe ou pai por aqui? — rebateu Morgan.
Giselle estava prestes a responder quando, de repente, ficou boquiaberta ao
ver uma enorme banca de venda de doces bem na frente da escola. Havia uma
placa grande que dizia VOTE EM TYSON MONROE PARA PRÍNCIPE DO FESTIVAL
MONROE! Logo abaixo, a foto de um adolescente, que devia ser o próprio
Tyson Monroe.
Atrás da mesa, estavam Malvina, Ruby e Rosaleen. Pais e mães com um ar
ansioso passavam por ali, deixando doces para serem vendidos.
— Ela está mesmo envolvida na cidade — apontou Giselle. Um casal um
tanto quanto nervoso entregou uma bandeja de brownies. Rosaleen pegou um
pedaço e o mediu.
É isso mesmo.
Ela mediu.
— Quadrados perfeitos. Parabéns! — disse Rosaleen.
O casal suspirou de alívio por seus brownies terem sido validados para
comporem a mesa da venda de doces.
Em seguida, um pai atordoado entregou a Ruby um prato de cupcakes mal
decorados.
Ruby os jogou no lixo.
— Decoração para doces com pasta de açúcar — disse ela, secamente. —
Joga no Google da próxima vez se não quiser perder a cabeça.
O pai, cabisbaixo, foi embora. Giselle e Morgan se aproximaram de
Malvina enquanto ela organizava vários cupcakes decorados com perfeição.
— Você tem muito talento com culinária — elogiou Giselle.
— Ah, é só uma arrecadaçãozinha — respondeu Malvina com um tom de
falsa modéstia.
Morgan olhou para os cupcakes, depois para a faixa, e leu em voz alta:
— “Para o… Festival Monroe”. O que é isso?
— É o nosso maior festival do ano — explicou Rosaleen.
— Com maçãs do amor! A especialidade de Malvina — gabou-se Ruby.
— Dizem por aí que elas são de matar — disse Malvina com um
sorrisinho. — E o festival também tem muitas outras guloseimas, quase tão
boas quanto. Algumas brincadeiras. Uma votação divertida que elege um
príncipe e uma princesa.
— Tyson ganha como príncipe há três anos consecutivos — declarou
Rosaleen.
— Até quando quebrou as duas pernas, ele ganhou mesmo assim — disse
Ruby.
— Juro que a votação não é burlada — brincou Malvina. — Na verdade, o
final de semana todo é uma celebração de tudo o que faz de Monroeville um
lugar tão mágico. Provavelmente soa estranho para quem vem da cidade
grande.
— De maneira alguma! — respondeu Giselle com sinceridade. — Eu amo
festivais! De onde eu venho, havia muitos. Em geral eles acabavam sendo
interrompidos por alguma força do mal, mas, quando não eram, esses eventos
uniam mesmo as pessoas. Eu adoraria ajudar, se precisarem de uma
mãozinha.
Animada, Giselle colocou uma nota de dinheiro na jarra de doações.
— Pode apostar que ela é pau pra toda obra — disse Morgan. — Uma vez,
ela fez a maquete de uma floresta com seis mil M&M’s, e mandou pombas
entregarem na minha escola. Ninguém é melhor do que ela nesse tipo de
coisa.
— Ah, é mesmo? — perguntou Malvina.
A conversa foi interrompida pelo primeiro sinal para os alunos.
— Bom — disse Morgan —, hora da minha execução.
Giselle colocou as mãos nos braços de Morgan, dando à filha um aperto
reconfortante.
— Pare com isso. Você vai ser ótima — disse Giselle.
Morgan olhou para Giselle e, por alguns segundos, acreditou nela. Depois
respirou fundo e se enfiou na confusão de alunos.
— Só acredite em si mesma! — gritou Giselle por sobre o barulho da
multidão.
Morgan parou, sem acreditar que Giselle poderia envergonhá-la daquele
jeito na frente de todos… e, ao mesmo tempo, acreditando completamente.
Alguns estudantes riram, o que fez Morgan sentir no estômago um embrulho
de que não gostou nem um pouco.
Malvina notou alguns pais e alunos olhando para Giselle quase como se
estivessem maravilhados.
— Se estiver livre, Giselle, eu adoraria te convidar para um café para você
me contar mais sobre essa tal obra de arte de M&M’s e o que mais eu puder
saber sobre nossos novos monrovianos — disse Malvina.
— Ah, eu adoraria! — respondeu Giselle, sem hesitar.
Malvina forçou um sorriso.

Quando Morgan virou em um corredor abarrotado, trombou com três


garotas que tinham as caras enfiadas no celular e derrubou os livros no chão.
Sem nem se darem ao trabalho de tirar os olhos das telas, as garotas
continuaram andando.
— E eu pensando que não poderia viver um clichê maior... — disse
Morgan para si mesma.
Ajoelhando-se, começou a recolher os pertences e notou que alguém
estendeu a mão para ajudá-la. Levantando a cabeça, viu Tyson — o garoto da
faixa. Ele pegou o resto dos livros de Morgan.
— Elas devem ter uma selfie urgente para postar — brincou Tyson.
— Bom, sozinha é que a foto não vai se postar — disse Morgan.
Tyson sorriu para ela.
— Você é a aluna nova, de Nova York.
— Morgan — apresentou-se ela. — E você é Tyson, dos cupcakes.
— Ah — exclamou o garoto, entendendo. — Então você já conheceu a
minha mãe. Tento ignorar o que ela está fazendo. Ela tem mania de levar tudo
a sério demais.
— Imagina só se ela fosse feita de magia — disse Morgan.
— Ah, não. — Tyson rejeitou a ideia com um tremelique. — Isso seria
horrível para todo mundo.
Naquele momento, o segundo sinal tocou e alguém gritou, do outro lado do
corredor:
— Tyson, vamos!
O garoto olhou na direção do chamado e viu um grupo de adolescentes
impacientes. Entregou os livros a Morgan.
— Bom, que pena que você teve que se mudar para cá, porque nada nunca
acontece por aqui. Se eu fosse você, voltaria para uma cidade de verdade
assim que possível.
— Bem que eu queria — respondeu a garota.
Morgan observou Tyson lhe oferecendo mais um sorriso e depois indo
embora. E percebeu que estava se sentindo melhor.
Quando se virou, algumas garotas extremamente bem--vestidas a
encaravam, perplexas com a roupa de Morgan, que bufou, agora que a
sensação boa tinha passado.
— Eu odeio esta cidade — resmungou baixinho a caminho da aula.

— Eu amo esta cidade! — disse Giselle, radiante ao caminhar pela avenida


principal, empurrando o carrinho de Sofia. Malvina andava a seu lado
enquanto passavam por lojinhas pitorescas. Ao redor delas, os comerciantes
penduravam suas faixas, em preparação para o Festival Monroe.
— É movimentada, mas não movimentada demais, e os animais nos
bosques são bastante limpinhos — apontou Giselle. — É o lugar perfeito.
Malvina tirou da bolsa uma pequena tesoura de jardinagem e com rapidez
cortou uma flor morta que estava em um arbusto.
— Bem, tive que criar uma dezena de comitês para deixar a cidade assim
— disse ela. — E sempre há mais que pode ser feito. As pessoas acham que
isso tudo aparece num passe de mágica, mas na verdade tem muito trabalho
envolvido. Às vezes, eu queria poder fazer tudo exatamente como eu quero.
— Ah, você pode — disse Giselle, a voz cheia de otimismo. — Só precisa
acreditar que consegue. Por exemplo, um dia, assim que estivermos
assentados, vou abrir minha loja aqui. Já consigo imaginar.
— Então você tem um negócio também — concluiu Malvina. — Acho que
nós duas estamos tentando ter tudo.
Giselle pareceu confusa.
— E não é o que todo mundo faz?
Malvina sorriu enquanto elas entravam em uma cafeteria repleta de sofás e
paredes espelhadas. Um sino pequenininho na porta anunciou a presença das
moças.
Um homem intensamente silencioso que estava atrás do balcão entregou
uma xícara de café para Malvina.
— Cappuccino extragrande com cinco doses de espresso — disse o
homem. Depois, ele virou sua atenção para Giselle. — E, deixe-me ver… chá
de ervas. Hibisco.
— Isso mesmo! — confirmou Giselle, surpresa.
— Edgar sabe de tudo que acontece em Monroeville — disse Malvina de
maneira conspiratória. — Quando estiver pronta para abrir sua loja, saiba que
as fofocas todas estão aqui.
— Pessoas cafeinadas amam falar — explicou Edgar, e então abaixou a
voz e se aproximou de Malvina. — A Casa de Yoga rompeu com o Vila
Vegana hoje de manhã. Não foi nada zen.
— Aposto que não tem nenhum mantra para isso — disse Malvina, rindo,
enquanto olhava para Giselle. — Talvez você tenha um lugar disponível mais
rápido do que pensa.
Malvina pegou o café e conduziu Giselle a uma cadeira que parecia um
trono. Giselle percebeu que havia uma placa de RESERVADO na poltrona.
Rosaleen e Ruby já estavam lá, cada uma de um lado da cadeira.
— Minha nossa, vocês são rápidas! — disse Giselle.
— Pegamos um atalho — ofereceu Rosaleen.
— E corremos — disse Ruby, um pouco ofegante, enquanto tirava uma
folha do cabelo. Malvina tirou a placa de RESERVADO e se sentou.
— Como pode ver, Giselle, nossa cidade é uma grande família — disse
Malvina. — E, como em qualquer família, cada um tem seu lugar aqui.
Quando encontrar o seu, Monroeville pode ser… o que você quiser.
Giselle sorriu em resposta, claramente não percebendo a ameaça
subentendida nas palavras de Malvina.
— Acho que você está certa! — respondeu Giselle.

Quando Morgan voltou para casa depois da aula, não se surpreendeu ao ver
Giselle na sala de estar, debruçada sobre o que parecia ser uma maquete de
parquinho feita de palitos de dente e tampinhas de garrafa. Um sinal no topo
dizia SEJAM BEM-VINDOS, GRILOS!
Sofia deu um gritinho de felicidade em seu cercadinho.
— Morgan, como foi? — perguntou Giselle.
— Tudo bem — respondeu Morgan, apesar de não soar nada bem.
A garota foi direto para as escadas.
Giselle lançou a Sofia um olhar de preocupação.

Em seu quarto, Morgan remexeu nas roupas, jogando as peças queimadas


em um saco de lixo grande. Já que quase tudo tinha sido afetado pelo
pequeno incêndio, quase tudo foi descartado.
Não demorou até que ouvisse uma batidinha na porta. Giselle a abriu, e
então entrou.
— Isso quer dizer que não correu tudo bem? — perguntou Giselle.
— Bem, ninguém falou comigo o dia todo, então tive muito tempo livre —
respondeu Morgan. — O que foi ótimo. — E então, antes que Giselle pudesse
emendar mais uma pergunta, Morgan acrescentou: — E, sim, isso foi
sarcasmo. Meu dia foi horrível.
Jogando fora uma camiseta queimada, Morgan suspirou em derrota.
Giselle estava prestes a falar algo quando percebeu um pequeno triângulo de
papel verde despontando do saco.
Ao tirar, Giselle viu que era a Árvore de Lembranças que decorava a
parede de Morgan. As fotos nela estavam intactas. Estavam só um pouco
queimadas nos cantos por causa do problema de eletricidade do dia anterior.
— Ah, não é nada que um pouco de glitter não possa consertar —
respondeu Giselle.
— Para quê? — Morgan deu de ombros. — Já está velho mesmo.
— Porque é uma lembrança — disse Giselle. — E, como dizemos em
Andalasia…
— As lembranças são a magia mais importante de todas — disse Morgan,
completando a frase. — Eu sei. Mas talvez isso não funcione dessa forma
aqui também.
Giselle olhou para o chão e suspirou de exaustão. Estava cansada de
discutir com a filha.
— Morgan, sei que você não queria vir para cá — disse Giselle. — Mas, se
der uma chance, as coisas vão melhorar.
— Ou talvez não melhorem — rebateu Morgan —, e eu devesse voltar
para a escola em Nova York. Eu posso ir de trem com o papai.
— Só se passou um dia — apontou Giselle. Depois, sem perceber, repetiu
as palavras que Malvina tinha dito mais cedo. — Só precisamos encontrar o
seu lugar. E nós vamos.
— Nós não vamos fazer nada — insistiu Morgan. — Se eu precisar mesmo
fazer isso, vou fazer sozinha. Está bem? Não preciso de nenhum passarinho
azul.
— Certo — disse Giselle. — É claro, você consegue fazer isso sozinha.
— Mas se eu tentar e não der certo, vou voltar para a cidade — afirmou
Morgan.
Em seguida, a garota colocou o saco de lixo cheio nas mãos de Giselle, que
saiu do quarto da filha, fechou a porta e foi para a cozinha. Ela pôs o saco de
lixo no chão e a Árvore de Lembranças sobre uma mesa.
E suspirou. Giselle viu então um folheto do Festival Monroe.
E teve uma ideia…

Na manhã seguinte, Morgan se levantou ainda sonolenta e desceu as


escadas.
Ela ficou surpresa que Giselle não estava no primeiro andar para lhe dar
bom-dia.
— O-oi? — falou Morgan.
Não houve resposta. Seu pai tinha ido trabalhar, mas Giselle ainda deveria
estar em casa.
Quando Morgan entrou na cozinha, teve uma resposta. O cômodo estava
abarrotado de materiais de arte. Na mesa, havia um prato de torradas cortadas
com capricho, além de um bilhete que dizia:
TE VEJO NA ESCOLA!
TIVE UMA IDEIA MARAVILHOSA!
Morgan fez uma careta.
— Ai, isso não vai prestar…

Quando Morgan chegou na escola, passou pela multidão de alunos usando


as roupas apenas levemente chamuscadas.
Ao contrário de antes, no entanto, todo mundo pareceu reparar nela desta
vez. Eles davam sorrisinhos que deixavam Morgan desconfortável. A garota
virou em um canto e viu um cartaz enorme que dizia VOTE EM MORGAN PARA
PRINCESA DO FESTIVAL MONROE!
Mas não era só isso.
Também tinha uma imagem de Morgan, desenhada com perfeição em uma
cortina de banho.
Morgan estremeceu de vergonha. Abaixo do cartaz, Giselle estava atrás de
uma mesa com uma banca impressionante de cupcakes.
Alunos e pais se aglomeravam ao redor da mesa, na tentativa de conseguir
um daqueles bolinhos, que pareciam deliciosos.
— Vote na Morgan! — disse Giselle. — Ela é nova aqui na escola e é
adorável.
— Isso aqui tem um sabor mágico! — alguém falou.
— Na verdade, neste reino é chamado de chocolate — respondeu Giselle.
Morgan estava chocada.
— O que é que você está fazendo? — ralhou entredentes com Giselle ao se
aproximar da mesa.
— Bem, eu estava pensando… Nós tínhamos festivais assim em
Andalasia, e todos conheciam o príncipe e a princesa da festa. Agora, todo
mundo aqui vai saber quem você é também.
Uma veia começou a pulsar na têmpora de Morgan.
— Eu disse que daria um jeito — falou ela, levantando o tom de voz. —
Por que não deixou eu me virar sozinha?
Giselle olhou ao redor e percebeu que algumas pessoas estavam
observando a conversa das duas.
— Eu só estava tentando ajudar — explicou Giselle.
— Pois é, e que ótimo trabalho você fez — respondeu Morgan com
sarcasmo.
Enquanto a garota saía irritada em meio à multidão de pais e alunos, Tyson
chegou.
— Morgan, espera aí — ele chamou.
Mas Morgan continuou andando.
Giselle estava prestes a ir atrás da filha quando Malvina apareceu com
Rosaleen e Ruby.
— Sinto muito, Giselle — começou Malvina —, você não pode ter uma
mesa nas dependências da escola se não for membra oficial do comitê.
— Ah — suspirou Giselle, distraída. — Eu não sabia…
— Bom, agora você sabe — respondeu Malvina com frieza. Em seguida,
estalou os dedos e disse: — Senhoritas…
Prontamente, Rosaleen começou a desmontar a belíssima banca de Giselle.
Ruby, no entanto, só encarou a mesa.
— Esses cupcakes são incríveis — disse a moça.
— Ruby — repreendeu-a Rosaleen. — Cara de séria.
Percebendo seu erro, Ruby fez cara de séria e começou a ajudar Rosaleen a
desmontar a mesa.
Mas Giselle mal se importava com isso agora. Estava de coração partido
por causa de Morgan.

Giselle estava sentada no sofá da sala quando o relógio bateu dez horas.
Ela segurava a Árvore de Lembranças de Morgan e a encarava com tristeza
nos olhos.
Robert andava para lá e para cá com o telefone grudado no ouvido.
— Ela deve ter desligado o celular — disse ele, com raiva. — Não estou
nem aí que o quarto dela esteja quase todo incinerado, ela nunca mais vai sair
de lá.
Giselle estava em silêncio. Continuou passando os dedos pelas fotos da
Árvore de Lembranças, de quando Morgan ainda era menina. Mãe e filha
estavam abraçadas. E felizes.
— Lembra de quando fizemos isso? — perguntou Giselle.
— Não sei, talvez? — respondeu Robert, distraído.
— Ela me implorava para contar histórias de Andalasia todas as noites —
disse Giselle. — E suas favoritas eram sobre as Árvores mágicas de
Lembranças. Ela as amava tanto.
Robert se sentou ao lado de Giselle.
— Ela só está crescendo — disse ele, com calma.
— Mas nada mais é como antigamente — falou Giselle. — Quase não
conversamos e, quando acontece, eu nunca digo a coisa certa. Achei que ao
menos poderíamos criar lembranças novas aqui. Quer dizer, lembranças boas.
— E nós vamos — disse Robert, tentando confortar a esposa. — Mas você
precisa dar um tempo para que isso aconteça. As coisas não mudam da noite
para o dia como num passe de mágica.
— E você também não quer que elas mudem? Você não parece muito feliz
aqui.
— Isso não é verdade — disse Robert, pego de surpresa.
— Não é? — perguntou Giselle. — Quando foi a última vez que você foi
feliz de verdade, Robert?
Ele hesitou.
— Não é que eu esteja infeliz — respondeu ele finalmente. — É que às
vezes eu só me pergunto se tudo o que me resta é pegar o trem de novo e de
novo até morrer.
— Por que você faria isso? — perguntou Giselle, horrorizada.
Robert percebeu que, fora de contexto, sua fala não fazia muito sentido.
Antes que pudesse explicar a Giselle, uma chave girou na fechadura da porta
de casa e Morgan entrou. Ela não parecia nem um pouco arrependida por
chegar tarde.
— Onde você estava, mocinha? — Robert exigiu saber.
— Fui a Nova York — respondeu Morgan com indiferença.
— Nova York? — perguntou Robert, abismado.
— Sozinha? — perguntou Giselle?
— Eu ando de metrô sozinha desde que tinha treze anos — relembrou-os
Morgan.
— Não acredito que você fez isso — disse Robert. — O que é que estava
passando pela sua cabeça?
— Sei lá, pai — respondeu Morgan, com a voz carregada de sarcasmo. —
Que talvez você devia ter me deixado lá, que é meu lugar.
— Morgan, seu lugar é aqui — disse Giselle, tentando confortar a filha.
Aquilo foi a gota d’água para Morgan.
— Não, não é, e nunca vai ser — ela vociferou. — Sei que você quer viver
num país das fadas perfeito, mas não moramos lá. Nós moramos aqui, nesta
cidade idiota, e eu odeio esse lugar.
Giselle estava prestes a começar a chorar.
— Ei, pode ficar brava comigo o quanto quiser, mas não fale com a sua
mãe desse jeito — repreendeu Robert.
— Minha mãe? — protestou Morgan. — Ela não é minha mãe, ela é minha
madrasta.
Giselle ficou atônita. Morgan a fulminou com olhar.
— E isso é tudo que ela sempre vai ser.
Giselle estava sem palavras.
— Morgan! — gritou Robert enquanto a filha subia as escadas. Em
seguida, a garota bateu a porta do quarto.
— Madrasta... — repetiu Giselle, quase sussurrando. Morgan pensava
mesmo que ela era uma madrasta má?
Giselle foi até a porta.
— Giselle, ela não quis dizer aquilo. — Robert tentou acalmá-la.
Giselle bateu a porta ao sair da casa. Respirou o ar da noite e sentiu a
escuridão a seu redor. A vontade de cantar a tomou por inteiro. Então, como a
verdadeira andalasiana que era, Giselle colocou seus sentimentos em uma
música.
Sentou-se na beira do poço. Encarando o fundo, Andalasia apareceu em
um reflexo na água. Nele, Giselle via Pip, o esquilo, que tinha ouvido a triste
canção de sua amiga. Ele não podia ficar parado diante desta situação. Se
pudesse ajudar Giselle, faria isso.
Então, Pip pulou do fundo do poço, cruzando mais uma vez a barreira entre
Andalasia e este mundo.
— Olá, velho amigo — cumprimentou Giselle, com um sorriso fraco.
Em seguida, o olhar dela repousou em algo no parapeito da janela da
cozinha.
— A Varinha dos Desejos — disse baixinho.
Correu para dentro da cozinha, abriu a caixa e pegou a Varinha.
— É isso! — concluiu.
Pip foi atrás dela, chiando com sua voz aguda de esquilo. Ele tentou fazer a
amiga desistir do que quer que estivesse passando por sua cabeça.
— Talvez eu não deva — respondeu Giselle. — Mas que escolha tenho?
Se eu quiser ser feliz aqui, preciso fazer as coisas serem como eu quero.
Giselle voltou para o jardim com a varinha em mãos.
Mais uma vez, cantou enquanto se preparava para fazer seu desejo.
Segurou a varinha com mais força e fechou bem os olhos. Giselle sabia o
que queria: que ela e a família tivessem uma vida de contos de fadas.
E assim, o desejo foi feito.
Um tímido brilho reluzente caiu sobre Giselle e Pip.
Giselle abriu os olhos com esperança.
Tudo continuava igual.
Ela suspirou, decepcionada:
— Acho que não funcionou.
Pip se sentiu mal pela amiga, mas também aliviado. Se o feitiço tivesse
funcionado, que problemas poderia ter causado?
— Fazer o quê… — disse Giselle. — Amanhã é um novo dia. Por que não
dorme aqui em casa? Temos galhos bastante confortáveis.
Pip adorou a ideia. Empoleirou-se no ombro de Giselle e juntos foram para
dentro da casa.
Se tivessem se demorado mais um minuto que fosse, teriam visto as
videiras e flores subindo pela lateral do poço.
O relógio anunciou a meia-noite.
Parecia coisa de contos de fadas.
CAPÍTULO QUATRO

QUANDO GISELLE ACORDOU NA MANHÃ SEGUINTE, PERCEBEU uma luz calorosa


vindo da janela do quarto. Parecia até um brilho mágico.
Dois pássaros azuis estavam no parapeito, piando com alegria. De
costume, Giselle recebia os passarinhos com um sorriso enorme. Mas,
naquela manhã, não teve forças.
— Não é um dia muito bom, infelizmente — disse Giselle com pesar.
Os azulões olharam para ela por um momento. E, então, em conjunto,
disseram:
— Bem, então você só precisa fazer com que seja um bom dia.
Giselle ainda não estava completamente desperta, por isso não notou nada
fora do comum.
— Quer saber? Vocês estão certos, senhor e senhora Azulão — disse
Giselle. — Eu deveria…
E, então, a ficha caiu. O que as aves disseram era, na prática, o mesmo que
Malvina tinha falado na cafeteria. Ela lançou um olhar de surpresa para os
passarinhos, mas eles saíram voando.
Giselle se vestiu, foi ao quarto de Sofia e desceu com a filha até o andar de
baixo.
No caminho, pensou em Morgan e na discussão terrível que tiveram na
noite anterior. Giselle queria lhe mostrar o quanto se importava com ela. Por
sorte, sabia exatamente o que fazer.
— Certo, então vamos preparar o café da manhã favorito dela, com
chantilly em tudo! — disse Giselle a Sofia. — O que acha?
Sofia deu uma risadinha para a mãe.
— Você está toda sorridente hoje! — observou Giselle.
Ainda de camisola e roupão, Giselle foi até a cozinha e levou um susto.
Todos os utensílios tinham criado vida própria! A torradeira estava ocupada
esquentando uma fatia de pão. A cafeteira borbulhava enquanto fervia o café.
Uma espátula lançou uma panqueca em um prato, e um fouet estava batendo
ovos em uma tigela — tudo isso sozinhos.
E, como se não bastasse, também cantavam uma música sobre preparar o
café da manhã.
Morgan então apareceu na cozinha. Ela vestia uma roupa meio sem graça,
mas estava radiante de felicidade.
— Que belo dia, não é? — disse a garota, e, então, se pôs a cantar uma
música sobre como adorava fazer tarefas domésticas.
Giselle estava chocada.Tinha diante de si uma Morgan bem diferente da
que tinha fugido para Nova York no dia anterior!
E aí foi a vez de Robert entrar na cozinha, usando o que só poderia ser
descrito como um traje majestoso.
— Giselle! Você está ainda mais linda do que ontem.
Ao dizer isso, Robert beijou a esposa.
Logo, ele também começou a cantar. Sua música era sobre sair em uma
aventura.
Com um grande sorriso, Robert enlaçou Giselle pela cintura e a inclinou.
Ele a beijou mais uma vez, e os dois começaram a dançar pela cozinha.
Morgan também dançou, com uma vassoura.
— Bom, vou nessa — anunciou Robert quando a dança terminou.
— Estou indo também — acrescentou Morgan. Ela pegou Sofia dos braços
de Giselle e disse: — Mas não sem minha pequena ajudante. Tarefas são uma
aventura também. É o que sempre digo.
Robert, Morgan e Sofia saíram da cozinha enquanto Pip descia pelas
escadas. O esquilo esfregou os olhos sonolentos ao entrar no cômodo.
— Aqueles galhos acabaram com o meu nervo ciático — disse Pip, e então
arregalou os olhos. — Ei! Estou falando! Espera aí, como posso estar
falando?
Giselle olhou para a Varinha dos Desejos no parapeito da janela e foi
tomada por uma sensação de gratidão. A varinha brilhou.
Sem que Giselle percebesse, a varinha tinha chamado a atenção de Sofia
antes que a bebê fosse levada para fora da cozinha.
— Pip! — exclamou Giselle. — Sabe o desejo que fiz ontem à noite para
termos uma vida de contos de fadas? Acho que se realizou.
— O que está querendo dizer? — perguntou Pip, incrédulo.
Giselle olhou pela janela.
— Olhe só — disse, estupefata. — Estamos em um conto de fadas.
Ela correu para a porta da frente e foi para o lado de fora. Pip a seguiu.
De fato, o mundo todo parecia ter sido transformado da noite para o dia. A
fachada da casa, que antes tinha um jardim simples, agora era um
caleidoscópio vibrante de cores. Havia uma carruagem onde antes estava o
carro da família. A torre, que um dia antes necessitava de uma bela reforma,
agora reluzia nova em folha.
Até mesmo os trabalhadores tinham se transformado em versões de contos
de fadas de si mesmos. O pintor agora tinha uma barba longa, quase como
Rip van Winkle. As três jardineiras pareciam fadas. E o encanador estava
vestido de um jeito que lembrava o Flautista Encantado.
— Minha santa noz! — gritou Pip. — Estamos mágicos. Minha nossa!
Não perdi nenhuma parte do corpo, né?
O esquilo girou rapidamente, checando se seus braços, pernas e cauda
estavam no lugar.
— Odeio mágica — resmungou Pip.
Giselle tinha uma resposta para a reclamação do amigo, mas não falou.
Em vez disso, ela cantou.
A canção era sobre o mundo ao redor deles e como com certeza teriam um
“felizes para sempre” de novo.

Giselle, ainda de roupão, correu pela Avenida Principal com seu bom-
humor inabalável. Ela viu que a placa da cidade agora dizia BOAS-VINDAS A
MONROLASIA — SEU CONTO DE FADAS ESTÁ AQUI!
Os estabelecimentos estavam todos no mesmo lugar, mas pareciam mais
embelezados do que no dia anterior.
E os cidadãos, agora vestidos com roupas de contos de fadas, formavam
uma multidão na avenida para cantarem e dançarem junto com Giselle.
O coração de Giselle se encheu de felicidade quando Morgan apareceu,
empurrando o carrinho de Sofia. Giselle viu de relance algo brilhando na mão
da bebê.
Quando a música terminou, uma grande carruagem surgiu na rua.
— É a rainha! — exclamou Morgan.
— Quem? — perguntou Giselle.
O cocheiro correu até a lateral da carruagem e abriu a porta com um gesto
floreado. De dentro, saiu Malvina, vestindo um sofisticadíssimo traje da
realeza, mas com um toque obscuro.
Ela exalava uma energia de rainha má.
— Oh! — exclamou Giselle, olhando inocentemente para Malvina. —
Monrolasia tem uma rainha. Parece que todo mundo teve seu desejo
realizado.
E então, Ruby e Rosaleen saíram da carruagem, imitando os movimentos
elegantes de Malvina. Giselle notou que Ruby usava grandes brincos
vermelhos que realçavam com perfeição o seu rosto. As moças afofavam a
cauda do vestido da rainha quando, por acidente, derrubaram o tecido em
uma poça de lama.
Malvina não pareceu notar. Sua atenção estava voltada para uma flor morta
em um canteiro. Desta vez, em vez de usar uma tesoura de jardinagem,
Malvina apenas mexeu a mão. Magicamente, a flor ganhou vida com um tom
vermelho-sangue.
— E ela é uma rainha mágica — disse Giselle. — Elas são sempre
divertidas!
— Ahm, Giselle? — chamou Pip, incapaz de ignorar a energia sinistra de
Malvina.
Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, a multidão se curvou
diante da rainha. Pip teve que desviar de joelhos, e então tropeçou e caiu em
um bueiro, espirrando água.
Malvina viu Giselle, que ainda estava de camisola e roupão, e foi até ela.
— Giselle, que bom ver você — disse Malvina, no tom mais insincero
possível.
— É mesmo — concordou Ruby.
— Para mim, nem tanto — reclamou Rosaleen.
— Veio fazer comprinhas de última hora para hoje à noite, é? —
perguntou Malvina.
— O que tem hoje à noite? — perguntou Giselle, e logo acrescentou: —
Majestade.
— O festival, milady! — gritou um camponês.
— O Festival de Monrolasia, milady? — Uma mulher relembrou Giselle.
Olhando para cima, Giselle viu que as faixas que anunciavam o Festival
Monroe ainda estavam lá, só que agora diziam Festival de Monrolasia.
— O festival! — disse Giselle, lembrando-se do evento. — Ainda vai
acontecer?
— Por que não aconteceria? — perguntou Malvina. — Não há poder na
face da Terra que poderia impedi-lo. É meu presentinho para o meu povo.
— É claro, Vossa Majestade — disse Giselle, um tanto quanto entretida.
Malvina sentiu que algo estranho estava acontecendo. Independentemente
do que fosse, ela iria descobrir. Olhou para Morgan, que estava segurando
Sofia. E então, algo na mão da bebê chamou a atenção da rainha.
Era uma varinha.
Uma varinha brilhante.
— Que brinquedo interessante — disse Malvina.
A rainha foi sem pressa em direção à Sofia e fez menção de pegar o objeto
da mão da bebê, mas Giselle se colocou entre as duas, bloqueando o caminho
de Malvina. Não queria que ela segurasse a varinha. Vai saber o que poderia
acontecer?
— Não é nada de mais — disse Giselle. — Só um brinquedo bobo.
— Um brinquedo bobo? — repetiu Malvina. — É mesmo?
Ela se inclinou em direção à Sofia e disse, com calma:
— Posso ver, querida?
No mesmo instante, um badalar alto veio da torre do relógio. Embora
tivesse um aspecto impressionante no dia anterior, Giselle percebeu que a
torre agora era monumental, estendendo-se em direção ao céu, parecendo
uma das belas e opulentas torres de Andalasia.
O relógio bateu, anunciando o meio-dia. E, nesse instante, Giselle
pestanejou de leve e sentiu um pequeno arrepio.
De repente, algo mudou por completo na postura de Giselle. O carinho e a
doçura de sempre tinham desaparecido, ela agora parecia fria e um pouco
perversa.
— Por que não se ocupa com a sua festinha? — Giselle respondeu para
Malvina em um tom ligeiramente arrogante. — Afinal de contas, doces são o
seu forte. Vossa Majestade.
Em seguida, pegou a varinha de Sofia e a enfiou na camisola. Um gesto
nada típico de Giselle.
Um segundo depois, estremeceu de novo e sua doçura voltou.
— Que malvada — murmurou Rosaleen.
— Cruel — confirmou Ruby.
Giselle olhou ao seu redor, de repente desejando estar em qualquer lugar
que não fosse ali.
— Quer saber? Acabei de me dar conta… — disse Giselle para Morgan.
— Esta é a sua primeira festa de contos de fadas. Você precisa de um
vestido! Melhor corrermos para resolver isso. Vejo você hoje à noite,
Majestade!
Antes que Malvina pudesse responder, Giselle e Morgan saíram depressa.
A rainha observou enquanto as duas se afastavam, a mente girando a todo
vapor.
— Nós também vamos precisar de vestidos novos? — perguntou Ruby.
— Já temos, lembra? — respondeu Rosaleen. — Para combinar com os de
sua majestade.
— Mas eu fico feia de roxo — reclamou Ruby. — Que tal fúcsia? Fico
linda de fúcsia.
— Pare de dizer “fúcsia” — rebateu Rosaleen.
— Tem algo de estranho acontecendo com ela — disse Malvina,
interrompendo as duas. — E eu quero saber o quê.

Robert marchou determinado por Monrolasia, aproveitando o sol quente


em seu rosto.
Este é um belo dia para uma aventura, pensou ele, sentindo a bainha da
espada em seu cinto. Tinha decidido não deixar nenhuma oportunidade
passar.
E, então, enfim, Robert viu uma: um homem passeando com seu cachorro.
Indo em direção a eles, Robert disse:
— Com licença, meu bom senhor. Você ou sua pequena fera viram alguma
aventura por aí?
O homem coçou a cabeça, pensativo.
— Que tipo de aventura? — perguntou ele.
— Não tenho certeza — disse Robert. — Talvez uma nuvem sombria na
terra precisando de alguém corajoso para derrotá-la?
O homem olhou para o céu aberto.
— Não tem nuvem nenhuma hoje — respondeu.
— Nenhuma donzela presa em uma torre? — perguntou Robert.
— Nadica — respondeu o homem.
Robert bufou.
— Que decepção — lamentou.
— Já experimentou dar uma olhada no Bosque Encantado? — sugeriu o
homem. — Dizem que tem sempre alguma coisa acontecendo por lá.
A sugestão levantou o ânimo de Robert na mesma hora.
— É claro! O Bosque do Encantamento!
E então ele correu para a floresta… em busca de uma aventura!
Um sininho tilintou quando Malvina abriu a porta e entrou na cafeteria
seguida por Rosaleen e Ruby. Dentro do estabelecimento, cortesãos estavam
sentados em cadeiras de cogumelos, se deliciando com a variedade de
quitutes. Quando Malvina chegou, todos se levantaram.
— Saiam todos — ordenou ela.
Os súditos rapidamente saíram da cafeteria.
Malvina foi até sua cadeira que parecia um trono. E encarou o espelho na
parede.
— Espelho, espelho meu — começou ela —, existe alguém no mundo
mais poderosa do que eu?
Malvina esperou pela resposta. Quando ela não veio, a rainha se irritou.
— Espelho? — rosnou Malvina. — Espelho!
Enfim um rosto apareceu no espelho: Edgar, que até o dia anterior era
dono da cafeteria, agora era o Espelho Mágico.
— Não ouviu a pergunta? — indagou Malvina.
— Ouvi, Majestade — respondeu Edgar. — Mas eu preferiria não acabar
em cacos no chão, se puder evitar.
— Me diga quem é — exigiu Malvina.
Edgar suspirou. Sua imagem no espelho sumiu devagar.
E foi substituída pela imagem de Giselle.
Ela estava em uma loja, olhando vestidos pendurados em uma arara de
roupas.
Malvina fez cara de pouco caso.
— Mas é sempre você — disse Rosaleen, descrente.
— Ele não deve ter entendido — disse Ruby. E então, mais alto, bem na
frente do espelho, ela repetiu: — Perguntamos quem é a “mais poderosa”,
não a “mais bonita”.
Aquilo deixou Malvina furiosa.
— Eu entendi bem — disse Edgar. — Me desculpe, Vossa Majestade. Não
sei o que aconteceu.
— Eu sei — falou Malvina. — É aquela varinha que ela estava
escondendo. Estava impregnada de magia. Até um tolo perceberia.
— Aquela varinha era mágica? — perguntou Ruby, inocentemente.
— É óbvio — disse Rosaleen, como se soubesse o tempo todo que a
varinha era mesmo mágica, o que, é claro, não sabia.
— Na verdade, Majestade, agora que tocou no assunto, ouvi mesmo algo
sobre uma varinha hoje de manhã — disse Edgar. — Presumi que era fofoca
sem fundamento, já que a única pessoa que pode ter magia nesta cidade é
você.
— Está certo — concordou Malvina. — Sou mesmo.
A rainha estalou os dedos e vociferou:
— Vocês duas, peguem a varinha para mim.
— Quer dizer roubar? — perguntou Ruby.
— Sim, Majestade — acrescentou Rosaleen, arrastando Ruby para fora da
cafeteria.
Enquanto isso, Malvina balançou a mão em frente ao espelho. Mais uma
vez, apareceu a imagem de Giselle comprando vestidos, despreocupada.
— Ah, Giselle... — falou Malvina. — O que foi que você fez?

Ainda de roupão, Giselle empurrou um vestido na arara para olhar outro,


até então se sentindo estranha pelo que tinha acontecido na praça. Por que
tinha falado com a Rainha Malvina daquele jeito? Não era do feitio de Giselle
falar com alguém de maneira tão perversa.
— Os vestidos mudaram muito desde a época em que eu quase fui princesa
— ela comentou.
Então viu sapatinhos de cristal e gritou de excitação.
Giselle os pegou e estava prestes a experimentá-los quando, de repente, foi
tomada por uma estranha sensação:

— Ah, mas não vai mesmo, queridinha — disse com desdém para si
mesma.

— Se couber, é seu — disse a vendedora, vendo Giselle com os


sapatinhos.
Giselle fez cara de desentendida, e a moça veio para seu lado.
— É a política da loja — explicou.
Ainda meio abalada, Giselle colocou o sapatinho de volta no lugar,
observando-o com cautela.
— Não é bem o que estamos procurando — disse.
— C-como estou?
Giselle se virou em direção à voz e viu Morgan com um belíssimo vestido
de Cinderella, que parecia um mar reluzente de brilhos azuis e brancos.
— Ah, Morgan — exclamou Giselle. — Você está tão linda. O que você
achou?
Morgan viu seu reflexo no espelho.
— É lindo — disse a menina com um sorriso.
Giselle sorriu de volta para a filha. Pela primeira vez em bastante tempo, as
duas compartilhavam um momento de qualidade para se aproximarem.
— Então vamos levar — declarou Giselle.
— Deve ser muito caro — disse Morgan, hesitando. — Você não precisa
fazer isso.
— É claro que preciso — insistiu Giselle. — Sempre sonhei em ter uma
noite assim com você, e ela vai ser perfeita. Agora só precisamos de sapatos.
Giselle e a vendedora foram em direção à mostra de sapatos quando
Morgan viu algo do lado de fora da vitrine da loja.
Era Tyson, vestido de príncipe e andando a cavalo. Ele olhou na direção de
Morgan e sussurrou: “mercado”.
Corando, Morgan voltou para o provador.
— Então, senhora Giselle, precisamos encontrar um vestido para você
também — disse a vendedora.
— Ah, não, obrigada. Só este vestido basta.
— Bobagem — falou a moça, mostrando uma arara de vestidos
extremamente brilhantes. — Estes aqui são únicos. Decorados com pó de
fadas de verdade. Você vai brilhar como uma estrela.
Giselle admirou os vestidos.
— É um brilho bastante intenso — disse ela, com educação —, mas de fato
não preciso de…
Ela foi interrompida pelo barulho da torre do relógio, que marcava uma
nova hora. Era como se o som a enfeitiçasse.
Indo até a janela, Giselle encarou a torre e estremeceu. Um arrepio
percorreu seu corpo. Era a mesma sensação que tinha sentido na hora
anterior, quando o relógio bateu ao meio-dia.
— Senhora Giselle?
Com um ar de superioridade, Giselle se virou e encarou a mulher.
— Está tudo bem? — perguntou a vendedora.
Giselle desfilou até o espelho, olhando seu reflexo como se fosse a
primeira vez. Ficou claro pela expressão em seu rosto que estava apaixonada
pelo que via. A vaidade a tinha consumido.
— Eu só estava pensando… Tenho mesmo o corpo para o mundo da moda
— disse Giselle.
— Até a melhor das ampulhetas quebraria de inveja — concordou a
vendedora com empolgação.
— E, para um corpo tão bonito assim, só o melhor serve — disse Giselle.
— Você não acha?
— Só o melhor do melhor. E com dez por cento de desconto para uma
beleza como a sua — respondeu a vendedora.
Aquilo soou como música para os ouvidos de Giselle. Ela olhou para a
arara de vestidos caros e falou:
— Vou experimentar todos.
CAPÍTULO CINCO

MAIS UMA VEZ, ROBERT SENTIU AQUELE CHAMADO PARA aventura quando chegou
a uma taverna. Ao entrar, percebeu que ela estava lotada de fregueses. Ele viu
um príncipe, um caçador, um guerreiro e mais do que um ou dois ferreiros.
Se Robert não estivesse tão consumido por sua nova sede de conquistas
emocionantes, talvez os teria reconhecido como os trabalhadores que estavam
no mesmo trem que ele no dia anterior.
Todos estavam bebendo em canecas, e pareciam infelizes.
Mas Robert, não.
— Bom dia, amigos viajantes — bradou com entusiasmo. E, então, com
uma música, anunciou sua intenção de ir em busca de uma aventura para
testar sua valentia.
— Ótimo — disse uma guerreira, revirando os olhos. — Mais um.
— Pega uma caneca, amigão — disse um príncipe rabugento.
Uma mulher entregou uma caneca a Robert, e depois se afastou.
— O quê? Não! — disse ele. Não poderia perder o dia socializando entre
quatro paredes. — A aventura que buscamos está lá fora — proclamou.
— Antigamente, sim — disse um caçador cansado, corrigindo Robert.
— Agora tudo o que nos resta é passar muito, muito tempo andando pela
floresta. Muito, muito tempo mesmo, até morrermos! — reclamou a
guerreira.
— Mas eu estou com essa sede de aproveitar o dia — admitiu Robert.
— Eu também era assim — disse a guerreira. — Era uma vez…
— Todos nós éramos — disse o caçador.
— Mas fomos feitos para aventuras — argumentou Robert, tentando trazer
a multidão para o seu lado. — Com certeza vamos conseguir encontrar algo!
— Pensávamos isso também — disse o caçador.
Todos na taverna pareciam concordar que agora era mais difícil encontrar
aventuras.
E, então, eles cantaram sobre seus problemas, e dançaram. Ah, como
dançaram!
Aquele bando de pessoas estava transbordando de energia e entusiasmo,
mas não tinham mais como dar vazão a tudo o que sentiam — ou, pelo
menos, era o que pensavam.
Robert se juntou à cantoria e deu voz ao seu desejo de aproveitar a
oportunidade de mostrar ao mundo que ainda existem heróis.
Todos achavam que ele era otimista até demais, mas Robert permaneceu
implacável. Estava só começando sua jornada. Como é que ela poderia
terminar tão repentinamente?
E, aos poucos, a animação e o fervor de Robert cativaram a clientela da
taverna, e eles começaram a pensar que talvez — mas só talvez — se Robert
tivesse sucesso em sua busca por uma aventura heroica, ainda poderia haver
esperança para outros heróis.
— Então, lá vou eu! — gritou Robert em meio à agitação, dirigindo-se à
porta da taverna. Todos o saudaram, levantando seus canecos no ar.
Mas ninguém o seguiu.

Quando voltou para casa, o canto da boca de Giselle se contorceu em um


sorriso malicioso ao observar as muitas e muitas sacolas da loja de vestidos
em cima de uma poltrona.
E, então, olhou para Morgan, que segurava Sofia.
— Eu diria que fomos muito bem — ofereceu Giselle.
— Bem até demais — rebateu Morgan.
A garota colocou Sofia no cercado perto da janela. Giselle tirou a Varinha
dos Desejos do vestido e a colocou na mesa de lado.
— Eca! — reclamou Pip, entrando na sala. — Que cheiro é esse?
Seu pelo estava úmido e ele estava pingando no chão. Pip estava um caos.
— Ah, eita, sou eu. Sabe o que aconteceu? Eu caí em um bueiro. E olha
só! — disse Pip, gesticulando para o próprio corpo.
— Que estranho — disse Giselle. — Você costuma ser tão ligeiro.
Pip olhou para seu reflexo em uma lâmpada, examinando seus olhos e
colocando a língua para fora para ver se estava tudo bem.
Enquanto isso, do lado de fora da casa de Giselle, Ruby e Rosaleen se
esgueiravam nas pontas dos pés até a janela. Quando olharam para dentro,
Pip viu o reflexo delas na lâmpada e se virou. Ruby e Rosaleen se abaixaram.
Confuso, Pip balançou a cabeça.
— Tô te falando, tem alguma coisa errada comigo — disse o esquilo, e,
então, notou as sacolas de compras na cadeira. — Caramba, vocês
compraram a cidade toda?
— Ora, não é tudo para mim — disse Giselle em um tom que sugeria que
pelo menos a maior parte era, sim, para ela. — Imagine só a nossa Morgan, a
mais bela do baile…
Morgan baixou os olhos timidamente quando Giselle se inclinou para
pegar uma das sacolas.
— …vestindo isso aqui — continuou Giselle.
Ruby e Rosaleen se levantaram e espiaram mais uma vez pela janela.
Em seguida, com um gesto dramático, Giselle abriu o zíper do saco para
revelar um vestido feito de trapos esfarrapados.
— Hum… — disse Morgan. — Parece diferente de quando o vimos na
loja.
Giselle olhou para o vestido em absoluto choque.
Naquele momento, Ruby passou a mão pela janela sorrateiramente e tentou
pegar a varinha. A bebê Sofia foi a única que notou.
— O que aconteceu? — disse Giselle, surpresa. — O vestido foi arruinado,
mal serve para uma criada.
— Eu não diria algo assim — disse Pip, confuso com o comportamento
atípico de Giselle.
Tentando ser o mais discreta possível, Ruby estendeu o braço para pegar a
varinha, mas Sofia a tacou no chão antes que ela conseguisse alcançá-la.
Frustrada com a audácia da bebê, Ruby fez cara feia.
— Só preciso fazer uns ajustes — disse Morgan.
Mas Ruby se recusou a desistir. Se Malvina queria a varinha, Ruby a
pegaria! Ela subiu em Rosaleen, usando a cabeça da amiga de apoio e
esgueirou-se ainda mais janela adentro e conseguiu pegar a varinha. Já estava
prestes a sair quando Sofia agarrou o cabelo dela — e o puxou. Com força.
Ruby soltou um grito abafado, perguntando-se como é que um bebê
conseguia puxar tão forte.
— Ninguém vai fazer ajustes em nada — disse Giselle bastante ríspida. —
Vou voltar agora mesmo àquela loja e exigir uma explicação. O que eu não
entendo é por que alguém iria querer um vestido feito de trapos.
Com um puxão, Ruby conseguiu se livrar do aperto absurdamente forte de
Sofia e desapareceu pela janela. Em meio à comoção, não percebeu que um
dos brincos de rubi tinha caído no chão, dentro da casa.
Morgan se virou e pegou Sofia.
— Bom, vou colocar Sofia para tirar um cochilo. Depois vou ao mercado,
para ter bastante tempo para me arrumar para o festival. Sinto que esta vai ser
uma noite da qual vou me lembrar para sempre.
— Uhum — disse Giselle, claramente não prestando atenção a uma só
palavra que Morgan dizia.
Quando a garota estava prestes a sair da sala, virou-se para olhar para
Giselle de novo.
— Obrigado por tudo, Madrasta — disse a garota.
Morgan saiu e, num estalo, Giselle voltou a si mesma, isto é, a Giselle de
sempre.
Encarando o vestido feito de trapos, falou, aterrorizada:
— Madrasta! Ah, não.
— O que foi? — perguntou Pip.
Giselle correu até o espelho e deu uma boa olhada para si mesma. Seu pior
medo tinha sido confirmado.
— Veja só o meu cabelo! Está tão alto. E este vestido… tão decotado!
Além disso, eu quase cantei em um tom grave hoje de manhã. Eu nunca
canto em tom grave.
Giselle então pegou o vestido de trapos e o mostrou para Pip.
— E é claro que eu iria querer que este vestido parecesse trapos. Pessoas
como eu sempre querem isso!
— Pessoas como quem? — perguntou Pip, genuinamente confuso. — Do
que você está falando?
— Pip, meu desejo está me transformando em uma…
— Uma o quê?
— Em uma… madrasta cruel! — suspirou Giselle, quase sem conseguir
pronunciar as palavras.
— O quê? Qual é — disse Pip, mas então olhou para Giselle, seu penteado
que não tinha nada a ver com ela, e o vestido também.
— Na verdade, é, pode crer, agora eu reparei — admitiu Pip, enfim.
— Ah, Pip — disse Giselle, em pânico. — Não posso ser uma madrasta em
um conto de fadas. Isso vai estragar tudo com a Morgan. Vou fazê-la limpar
o chão, e odiar qualquer garoto de quem ela goste e… ah, não! O sótão!
Quando sua ficha caiu, Giselle correu escadas acima e foi até o sótão. Pip a
seguiu. Ao abrir a porta, viu uma bagunça tremenda. O cômodo estava
coberto por uma camada grossa de pó e tinha teias de aranha em todos os
cantos. No chão, havia um colchão velho e deprimente com alguns itens
pessoais ao redor, indicando que ali era o quarto de alguém.
— Quem é que mora nesse furdunço? — perguntou Pip.
— Morgan! — exclamou Giselle. — As enteadas sempre moram em
sótãos ou masmorras. Ah, Pip, sabe o que isso significa? Eu sou a vilã de
Monrolasia!
— Bem, você não é a única vilã — apontou Pip, como se isso melhorasse a
situação.
— Não seja tolo — disse Giselle. — Sempre existe apenas um vilão, isso
sem contar os ajudantes, ou animais de estimação, ou os vilões que você só
descobre que são vilões tarde demais.
Pip não parecia concordar.
— Então em Monrolasia é diferente, porque tem você e tem aquela rainha
má que você criou.
— Quem, Malvina? — perguntou Giselle inocentemente. — Ah, ela não é
má!
— Talvez não naquele outro mundo — disse Pip. — Mas você viu a roupa
dela?
Giselle quase perdeu o fôlego de surpresa.
— Tem razão! Eu criei uma rainha má! E elas nunca planejam nada de
bom.
— Não mesmo — concordou Pip. — Então é melhor você agir depressa,
antes que ela bole um plano para matar a gente…
De repente, Pip parou de falar.
— O que foi? — perguntou Giselle.
— Não estou me sentindo muito… — começou Pip.
Em seguida, ele colocou a mão na barriga e caiu de joelhos.
— Pip! — gritou Giselle.
O esquilo começou a se contorcer. Então, seu corpo começou a mudar. Sua
cauda ficou mais longa e seu corpo cresceu. As orelhas ficaram pontudas.
Caindo no chão, Pip percebeu que agora estava sobre as quatro patas,
ofegante.
— O que aconteceu comigo? — perguntou.
Giselle olhou para o amigo transformado e disse:
— Pip, madrastas cruéis não têm esquilos como amigos. Elas têm…
— Gatos! — berrou Pip. — Gatos malvados!
Olhando para si mesmo, Pip ficou chocado ao perceber que, de fato, agora
ele era um gato.
— Não posso ser um gato do mal! Eles comem esquilos! Ai, eu vou passar
mal…

Revigorado pela animada canção na taverna, Robert marchou pela floresta


de contos de fadas, que estava repleta de botões começando a florescer. Ele
notou borboletas voando gentilmente ao seu redor. Mas a calmaria da cena
foi interrompida por um grito.
Robert desembainhou a espada e correu pela clareira. Lá, viu o fogo que
ardia na entrada de uma caverna.
Ele ficou eufórico.
Um grupo de cidadãos da vila estava ali por perto, andando de um lado
para o outro. Correndo até o grupo, Robert viu que as pessoas pareciam
cansadas — todas, exceto um menininho.
— Você é um matador de dragões? — perguntou o garoto.
— Sou! — confirmou Robert. — E não tenha medo, eu vou matar esta
fera!
— Eu não tentaria, se fosse você — um dos camponeses disse com a voz
fraca. — Ele é bem grande.
— E mal-humorado — outra pessoa acrescentou.
— Um dragão mal-humorado é exatamente o que eu estava procurando —
garantiu Robert. — Volto já.
Respirando fundo, Robert entrou na caverna empunhando a espada à sua
frente.
E, então, foi jogado para fora dela.
Ao cair no chão com força, os moradores do vilarejo até se retraíram diante
da tentativa desastrada de Robert.
— Sim — disse ele, batendo a mão nas roupas para se limpar ao se
levantar. — Bem mal-humorado mesmo.
Mais uma vez, Robert correu até a caverna, desta vez com menos
entusiasmo.
Labaredas de fogo foram lançadas da entrada, e Robert saiu correndo.
— É quente demais — admitiu.
— Você está em chamas, senhor — um dos moradores sussurrou,
apontando para a manga da camisa dele.
Robert olhou para baixo e rapidamente bateu na manga, apagando o fogo.
— Você já fez isso antes? — perguntou o menininho.
— Ah, sim — disse Robert. — Já matei muitos dragões. Eu acho... O
segredo é não desistir.
Mais uma vez, Robert correu para a caverna e foi jogado para fora.
E de novo.
E de novo. Cada vez que era jogado para fora da caverna, ficava mais sujo
e mais machucado.
Isso continuou até que, enfim, uma rocha gigante caiu em frente à entrada
da caverna. O dragão estava preso ali dentro.
Os moradores do vilarejo olharam para cima e viram o menininho
segurando um galho enorme, que tinha usado para jogar a rocha para baixo.
O garoto olhou para os moradores, orgulhoso de ter triunfado sobre o dragão.
Robert, bastante sujo e machucado, espanou mais uma vez as roupas,
tentando disfarçar a vergonha.
— Sim — disse ele, olhando para o menininho e o galho. — Isso também
funciona.

No jardim da frente da casa de Giselle, Pip se inclinou sobre o poço.


— SOS! — gritou ele. — Temos um código vermelho aqui! Código preto?
Qual é o código usado para coisas ruins? É esse que temos aqui! Estão me
ouvindo? Andalasia? Olá-á?
Enquanto isso, dentro da casa, Giselle abriu a caixa que costumava guardar
a Varinha dos Desejos, procurando algo de útil ali dentro. Tudo que pôde
encontrar foi o rolo de pergaminho.
— Ninguém me responde nessa joça! — queixou-se Pip.
Giselle se virou e, quando viu Pip ao seu lado, soltou um gritinho.
— Você me assustou!
— Foi mal — disse Pip. — Sou sorrateiro agora. Nem eu me escuto
chegando.
— Nancy disse que se eu tivesse algum problema, era só perguntar… —
começou Giselle.
E olhou mais uma vez para o rolo, mas, quando fez menção de pegá-lo, ele
deu um pulo para cima e se desenrolou antes que pudesse alcançá-lo.
— Seja bem-vinda à sua experiência da Varinha dos Desejos — disse o
pergaminho, animado. — Se tiver alguma dúvida, é só perguntar, que eu
apareço!
Em seguida — puf! — o rolo sumiu.
— Espere! — falou Giselle.
— Para onde ele foi? — perguntou Pip enquanto os dois olhavam ao redor.
— Olá? — disse Giselle. — Senhor, hum… Pergaminho! Podemos fazer
nossa pergunta agora?
Puf! O pergaminho reapareceu em cima de Pip, o gato.
— É claro! — respondeu o rolo. — É só perguntar que eu apareço!
O pergaminho então desceu de cima de Pip.
— Ah, e só Pergaminho basta. Senhor Pergaminho é meu pai. Se bem que
ele estava mais para um folhetim…
— Não temos tempo para essa asneira — disse Pip, interrompendo o rolo.
— Me desculpe. Meu amigo está um pouco nervoso, porque gostaríamos
muito de desfazer nosso desejo assim que possível — disse Giselle, falando
rapidamente.
— Não gostou do que recebeu, né? — perguntou o pergaminho. — O que
foi que você pediu? Unicórnios? Arco-íris todos os dias? Parece uma ótima
ideia, né? Até começar a chover.
— Não foram arco-íris — murmurou Pip.
— Na verdade, eu, hum… desejei ter uma vida de contos de fadas e isso
fez minha cidade virar um lugar como Andalasia — explicou Giselle, aflita.
— E agora estou aos poucos me transformando em uma madrasta cruel.
— E eu no gato dela que logo vai ficar malvadão também — disse Pip,
desesperado.
O pergaminho piscou.
— É… isso certamente é um desejo a ser desfeito. Boa sorte!
E aí — puf! — o pergaminho sumiu de novo.
— Não deu para notar o nosso pânico? — bradou Pip.
— O que precisamos saber é: como desfazer um desejo? — perguntou
Giselle, olhando ao seu redor, esperando que o rolo de pergaminho ainda
pudesse ouvi-la.
Com mais um puf!, o pergaminho reapareceu no ombro de Giselle e pulou.
— Sem problemas — disse ele. — Deixa eu me dar uma olhadinha aqui.
O rolo começou a ler a si mesmo, de cabeça para baixo meio sem jeito.
— Achei! “Desejando desfazer um desejo”. Certo. Tá bom. Primeiro,
precisamos saber quanto ainda resta do seu verdadeiro eu. Porque você tem
que ser você para desfazer o desejo! É por isso que damos um tempinho até
que o desejo se forme completamente. Então, vejamos. Madrastas são…
O pergaminho pensou por um momento, depois disse:
— Bem, elas são maliciosas. Disso a gente já sabe.
— Maliciosamente boas! — retrucou Giselle, sua voz soando má com
perfeição.
Ela arfou, cobrindo a boca com as mãos. A maldade estava percorrendo
suas veias de novo.
— Pelo visto, já podemos riscar um atributo da lista — disse o
pergaminho. — E se me lembro bem de vilões, as outras três características
são vaidade, crueldade e ambição.
Pip olhou para Giselle e disse:
— Bom, vaidosa ela é mesmo.
— Não sou, não! — retorquiu Giselle. — É só que eu fico bem com
qualquer roupa.
Mais uma vez, Giselle soltou um grunhido de horror.
— Muito bem, então faltam só as últimas duas características... Se adquiri-
las, você vai ser malvada demais para desfazer seu desejo — explicou o
pergaminho. — Não se preocupe. Contanto que consiga fazer isso antes da
meia-noite, vai dar tudo certo.
O medo tomou conta do semblante de Giselle.
— O que acontece à meia-noite? — ela e Pip perguntaram ao mesmo
tempo.
— Ao soar das doze horas, o feitiço será finalizado e nada mais será como
antes — explicou o rolo de pergaminho. — Significa que seu desejo será
permanente para todo o sempre.
— Permanente? — balbuciou Giselle.
— Para sempre? Mas tem tanto pelo na minha boca! — reclamou Pip.
— Isso mesmo, então se apressem — disse o pergaminho. — Para desfazer
o desejo, você só precisa pegar a varinha cujo selo diz “varinha”.
— Avelã Maria, pega lá! — gritou Pip.
— Sim! — disse uma Giselle bastante nervosa. — Ela está bem…
Mas quando se virou para a mesa de canto onde havia deixado a Varinha
dos Desejos, Giselle se surpreendeu ao ver que o objeto mágico não estava
ali.
À medida que o terror cresceu dentro dela, Giselle rasgou as sacolas de
compras em busca da varinha.
Ansioso, Pip se virou para a janela e olhou para a torre do relógio.
— Rápido! — disse ele. — Já são quase…
Bong!
A torre do relógio badalou, e Giselle e Pip trocaram olhares de pânico. Ela
correu até a janela e viu o relógio batendo duas da tarde. Ao soar do meio-
dia, a malícia tinha tomado conta dela. Quando veio a uma da tarde, foi a
vaidade que a consumiu.
— Duas da tarde — disse Giselle, engolindo em seco. — Isso significa que
é a hora da crueldade.
E, então, ela olhou para Pip, tensa.
— Não, não podemos deixar isso acontecer. Só precisamos não ceder —
disse ela.
— Não sou um gato do mal. Não sou um gato do mal — repetiu Pip para si
mesmo.
Bong!
O segundo toque ressoou. Apesar de todas as suas boas intenções e seus
melhores esforços, Giselle sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Um olhar
sombrio passou por seu rosto antes de bater a mão em frente do rolo de
pergaminho.
— Eu sou Giselle — declarou ela. — Sou pura bondade, e você vai fazer o
que eu quero.
Em seguida, Pip pulou para cima do pergaminho com uma intenção cruel.
O rolo gritou e desapareceu com um puf!
Pip tropeçou no lugar onde o pergaminho tinha estado e caiu do sofá.
E com a mesma rapidez com que apareceu, o surto de crueldade dos dois
passou.
— O que foi que eu fiz? — perguntou Giselle.
Pip levantou do chão.
— Você? Eu acabei de matar alguém? — perguntou ele, olhando para um
pedaço de papel caído. — Aquilo é ele?
Tomada pelo pavor, Giselle olhou de novo para a torre do relógio.
— Em mais uma hora, serei uma vilã — disse Giselle, o medo evidente em
sua voz. — Você fica aqui. Preciso encontrar uma maneira de impedir isto.
Ela saiu correndo, deixando Pip para trás. Ele a observou por um
momento, mas logo sua atenção foi desviada para uma de suas patas.
— E eu preciso ficar aqui e lamber isso, por algum motivo — disse Pip,
lambendo a pata e depois se engasgando. — É, a coisa tá feia mesmo.
CAPÍTULO SEIS

MORGAN SEGUIU APRESSADA PELA RUA, PROCURANDO Tyson. Enfim, ela o viu
entrando com os amigos em um mercado.
Reunindo toda sua coragem, ela foi atrás do grupo. Mercadores lotavam o
espaço, vendendo elixires, poções, frutas exóticas e praticamente qualquer
coisa que a imaginação pudesse conjurar.
Quando Morgan foi até uma banca de frutas-dragão, muito parecidas com
pitaias comuns, Tyson se aproximou, tentando parecer casual, assim como a
garota.
Depois de um estranho momento de silêncio,Tyson pegou uma das frutas,
tentando pensar em algo para dizer.
— Esta aqui está bem molenga — disse ele, apertando o fruto.
— Melhor tomar cuidado então — avisou Morgan. — Quando molengas,
frutas-dragão podem ser um pouco…
A fruta se abriu, e um dragãozinho saiu de dentro dela.
— Rabugentas — continuou Morgan.
Tyson derrubou a fruta. Limpou as mãos, tentando manter a atitude
descolada.
— Bem, daqui para frente terei cuidado com frutas-dragão — disse ele
com um sorriso. — Presumo que você irá ao festival hoje à noite?
— Ah, sim — respondeu Morgan. — Minha madrasta não costuma
permitir este tipo de coisa… nem nada, na verdade… mas desta vez ela até
me comprou um vestido novo, e eu pretendo aproveitar.
— Você tem sorte — respondeu Tyson. — Queria que a minha mãe fosse
restrita assim.
— Você não gostaria de ir? — perguntou Morgan. — Mas por que não?
— Bem, em primeiro lugar, é meu dever dançar com cada princesa do
reino.
— Sim, isso soa como uma tarefa e tanto — provocou Morgan com um
sorriso.
Tyson sorriu de volta para ela.
— Juro que é mesmo — insistiu ele.
— Bem, sinto muito, mas não acredito nisso nem por um segundo — disse
Morgan.
Para ilustrar seu argumento, Tyson começou a cantar sobre como é
cansativo dançar com tantas princesas quando tudo o que ele queria era
conhecer alguém diferente.
Então, ele começou a dançar, e Morgan o acompanhou, cantando e
dançando com Tyson.

Giselle saiu em disparada pela rua, examinando as lojas atrás de algo que
pudesse ajudá-la.
Nesse mesmo momento, um pequeno grupo de garotos passou correndo
por ela, acidentalmente espirrando lama em seu vestido. Como se um botão
tivesse sido apertado, Giselle lançou um olhar cruel para os garotos.
Agarrou um deles pelo braço.Com a voz cheia de fúria,disse:
— Olha aqui, seu…
Mas, bem no fundo, a verdadeira Giselle lutou contra o impulso de ser
malvada.
— …doce garotinho, que é claro que não fez nada de errado — disse a
Giselle real, assumindo o controle de volta. — Pode seguir seu caminho. Vá
logo.
Ela soltou o braço do garoto e ele saiu correndo. Estava prestes a continuar
sua busca quando, do outro lado da rua, viu Morgan e Tyson trocando
sorrisos.
— Ah, não — falou Giselle, sentindo a raiva tomar conta de si mais uma
vez. — Não, não, não, não. Madrastas nunca levam isso numa boa.
Morgan e Tyson foram na direção dela. Giselle se virou.
— Vai guardar uma dança para mim hoje? — perguntou Tyson. — Quem
sabe duas?
— Só se você dançar assim — brincou Morgan.
Com uma reverência exagerada, Tyson respondeu:
— O que minha donzela desejar.
Morgan sorriu para Tyson. E então os dois seguiram caminhos opostos.
Giselle se virou.
A crueldade estava estampada em seu rosto quando sorriu para a enteada.
Rosaleen e Ruby se apressaram pela entrada de carros da casa de Malvina,
brigando pela varinha que tinham roubado da casa de Giselle.
— Eu entrego para ela — disse Rosaleen.
— Eu que roubei! — reclamou Ruby.
— Mas eu que te puxei — relembrou Rosaleen.
— Você não teria que me puxar se eu não tivesse roubado! — declarou
Ruby.
Rosaleen puxou a varinha da mão de Ruby e entrou na casa de Malvina
com Ruby vindo logo atrás.
Lá dentro, encontraram Malvina no salão do trono se consultando com
Edgar. Rosaleen entregou a varinha enquanto as duas explicavam o que havia
acontecido.
— Então Giselle fez algum tipo de desejo com a varinha? — disse Edgar,
olhando para o objeto mágico.
— Foi o que ela disse — ofereceu Rosaleen.
— E depois fez o esquilo dela virar um gato! — falou Ruby, tentando sair
por cima de Rosaleen.
— Que desejo mais peculiar para se fazer. — Edgar pensou em voz alta.
— Bem, estamos falando de Giselle — argumentou Malvina, e então
examinou a Varinha dos Desejos. — Uma varinha de Giselle não pode ser tão
poderosa, mas acho melhor testarmos o que eu posso fazer com ela. Vejamos.
Desejo… que Ruby seja um sapo pelo resto da eternidade.
Ruby soltou um gritinho, apertando os olhos. A mágica do feitiço lançou
Malvina contra a parede e, com o impacto, ela derrubou a varinha no chão.
Estantes caíram ao seu redor. Rosaleen assistiu à cena muda de pavor.
— Croac croac! — Foi o que saiu da garganta de Ruby. — Funcionou?
Rosaleen bateu no braço de Ruby, que então abriu os olhos. Quando a
moça viu que não tinha se transformado em um sapo, suspirou de alívio.
Malvina se levantou e pegou a varinha.
— Espelho! — gritou Malvina.
— Sim, Majestade — respondeu Edgar. — Estou consultando cada
espelho mágico que consigo encontrar, minha soberana.
Malvina ficou estática, a raiva exalando de seus poros. Ela olhou para a
varinha.
— Que tipo de magia é esta? — perguntou ela.
Puf! O rolo de pergaminho apareceu de repente na bancada.
— Faça qualquer pergunta que eu apareço! — disse o pergaminho,
animado. — Essa é fácil! É magia de Andalasia, o que significa que só uma
verdadeira filha ou um verdadeiro filho de Andalasia consegue… usá-la…
O rolo foi desacelerando sua fala quando percebeu que não estava mais em
posse de Giselle. Ele olhou para a varinha e depois para Malvina, Rosaleen e
Ruby.
— Ah... — ele gemeu. — Ah, não.
— Peguem-no! — ordenou Malvina, e Rosaleen e Ruby o agarraram.
— O que é isto? — perguntou Rosaleen a Ruby.
— Ele é tão bonitinho! — Ruby soltou um gritinho.
— Por favor, não relem nas minhas notas de rodapé — implorou o
pergaminho.
— Por acaso você disse “qualquer pergunta”? — indagou Malvina.
O pergaminho tentou se soltar de Ruby e Rosaleen para desaparecer.
Parecia que, enquanto o rolo estivesse sendo segurado, não podia fazer puf e
sumir.
— Ah, não, você não vai a lugar nenhum — disse Malvina com um nítido
tom de maldade. — Tenho algumas perguntinhas para você. Então por que
não — ela pegou uma tesoura e se aproximou dele — começamos do início?
O pergaminho engoliu seco.

Morgan voltou para casa, carregando uma cesta cheia de flores silvestres.
Cantarolava uma música feliz enquanto pensava no festival daquela noite.
Ao entrar em casa, a garota foi direto para seu quarto bolorento no sótão.
Lá, colocou as flores silvestres no colchão e começou a separá-las.
Morgan olhou para cima quando ouviu Giselle entrar no sótão.
— É um belo buquê — disse Giselle em um tom maldoso.
— É mesmo, não é? — concordou Morgan. — Vão combinar muito bem
com meu vestido. Eu as encontrei ao ar livre, ali perto do mercado. Não é
maravilhoso?
— O mundo é mesmo um milagre — disse Giselle. Agora sua voz estava
impregnada de sarcasmo. É claro que estava, pois Giselle estava se sentindo
particularmente perversa.
— Oh, preciso lhe contar — disse Morgan, não percebendo a mudança em
Giselle — a coisa maravilhosa que aconteceu comigo. Tyson me convidou
para acompanhá-lo ao festival! Pelo menos, tenho quase certeza de que me
convidou. Bem, nós cantamos sobre o festival, o que me parece sugerir um
convite. Seja como for, é maravilhoso.
— Hmm, que emocionante — respondeu Giselle, claramente nada
impressionada. — É mesmo uma pena que você não poderá ir ao festival esta
noite. Ainda tem muitas tarefas domésticas a fazer.
— Mas eu já fiz tudo o que você pediu — protestou Morgan.
— Ah, fez mesmo? — perguntou Giselle. — E o tapete no corredor? Está
empoeirado demais. E as janelas? Mal consigo enxergar o lado de fora. E tem
o jardim, as costuras, os ajustes em minhas roupas, e não se esqueça da
chaminé. Está imunda.
— Certo — disse Morgan. — Talvez eu tenha deixado passar alguns
afazeres, mas com certeza são tarefas que podem esperar.
Giselle encarou Morgan, furiosa.
— Está me contrariando?
— É claro que não — falou Morgan, se afastando. — Jamais faria isso.
— Talvez você precise se lembrar do seu lugar aqui — desdenhou Giselle.
— Até que consiga, não sairá deste quarto, exceto para cumprir suas tarefas.
E só quando eu deixar.
E, então, um saco caiu do teto, dando um susto em Morgan que a fez pular
para trás. O saco tinha o vestido que elas haviam comprado, além de
espanadores e aventais. Morgan levantou a cabeça e viu Pip, o gato,
empoleirado em um canto alto, onde esfregou o corpo, soltando pelos.
— Faltou limpar aqui — provocou ele.
— Sim, vejo que há muito a ser feito — disse Morgan. — E farei tudo
assim que o festival acabar. Não vou nem dormir, mas prometi a Tyson que
eu iria.
— Ora, ora, Morgan — falou Giselle. — Um garoto como ele tem muitas
opções. E, francamente, opções melhores. Mas não se preocupe. Você ainda
pode aproveitar a noite daqui do seu sótão. Tenho certeza de que será tão
mágica quanto lá no festival.
Uma sombra de compreensão passou pelo rosto de Giselle.
— Ah, isso foi sarcasmo, não foi? Olhe só! Não é tão difícil de entender,
afinal de contas.
— Madrasta, por favor — implorou Morgan. — Não seja tão cruel assim.
— Não consigo evitar, querida — respondeu Giselle, divertindo-se com o
momento. — É quem eu sou.
Em seguida, Giselle revelou que ela estava segurando a Árvore de
Lembranças o tempo todo, e a jogou em cima da pilha com o vestido de
trapos, os espanadores e os aventais. Deu as costas para a enteada, batendo a
porta ao sair.
E Morgan?
Morgan só conseguiu ficar parada ali, desolada.
Então ouviu o barulho de uma chave na porta.
E o barulho da tranca.
Giselle havia trancado a menina no sótão.
E, se tivesse visto o rosto de Giselle ao fazer aquilo, Morgan teria
testemunhado um sorriso fino e cruel surgindo nos lábios da madrasta
perversa.

Robert, parecendo e se sentindo consideravelmente pior, caminhou de


volta até a taverna. Ao chegar, viu os aventureiros do lado de fora,
preparando seus cavalos para voltarem para casa.
— Príncipe Robert! — gritou a guerreira.
— Como foi sua jornada? — perguntou o príncipe mal-humorado.
Robert hesitou um momento e então disse:
— Bem, encontrei uma fera gigante.
Quando ele falou isso, os aventureiros arregalaram os olhos de
empolgação.
— E teve luta de espadas? — perguntou a guerreira.
— Um… pouco. Sim — disse Robert, pensando no que configurava de
fato uma luta de espadas. — No geral, deu… tudo certo. Talvez não tenha
sido “heroico” no sentido clássico da palavra. Não sei ao certo se o dia foi
mesmo salvo.
Isso pareceu tirar o ânimo do grupo de aventureiros. Eles trocaram olhares
que indicavam que sabiam muito bem o que Robert estava querendo dizer
enquanto voltavam a seus cavalos.
— Só nos resta passar muito, muito tempo andando pela floresta —
reclamou o príncipe mal-humorado. — Muito, muito tempo mesmo.
— Até morrermos — acrescentou o caçador.
— Mas talvez amanhã tenhamos mais sorte! — ofereceu Robert.
— Continue se enganando — falou a guerreira, dando um tapinha nas
costas de Robert.
Em seguida, ela montou em seu cavalo enquanto Robert a observava,
recusando-se a desistir de sua busca por uma aventura heroica.

Enquanto isso, no sótão, Morgan estava muito quieta usando seu vestido de
trapos. Não conseguia deixar de olhar para o próprio reflexo no espelho
poeirento. A garota puxou uma tira solta e a prendeu no lugar com um
alfinete, mas ela cedeu de novo.
Suspirando derrotada, estava prestes a cair em desespero quando notou
algo diferente no espelho.
Era a fruta-dragão do mercado. Morgan se virou para pegá-la. Um sorriso
brincou em seus lábios ao se lembrar do encontro com Tyson.
Aos poucos, uma ideia começou a criar raízes em sua mente.
Alguns instantes depois, Morgan fez uma corda de lençóis. Amarrou uma
das pontas dentro do quarto, com um nó bem apertado. Depois, jogou o resto
pela janela do sótão.
Olhando para baixo, Morgan agarrou o lençol e saiu pela janela, descendo
pela parede da casa. Quando chegou a menos de um metro do chão, pulou,
caindo de pé.
Morgan estava batendo no vestido para se limpar quando ouviu alguém
dizer:
— Vai a algum lugar?
A garota se virou e viu Giselle com um sorriso zombeteiro.
— Não é o que está pensando — disse Morgan, nervosa. — Eu só preciso
avisar Tyson que não vou ao festival. Madrasta, por favor. Prometo voltar
logo.
— Tem razão — concordou Giselle. — Vai voltar logo mesmo. Porque
não vai a lugar algum.
A madrasta cruel agarrou o braço de Morgan e a menina protestou:
— Por favor. Por favor, não faça isso.
Algo no apelo sincero de Morgan tocou Giselle bem lá no fundo e, por um
momento, ela se lembrou de quem era.
— Morgan! — exclamou Giselle, soando apavorada consigo mesma.
— Madrasta? — perguntou a menina.
Giselle balançou a cabeça, lutando contra a perversidade dentro de si, mas
era uma batalha perdida.
E, então, a torre do relógio soou a primeira badalada das três horas.
Bong!
— Ah, não! — arfou Giselle. — Não pode ser! Ainda não!
— Do que está falando? — perguntou Morgan, sem entender.
— Ambição — falou Giselle. — É o último dos atributos. E, então, vou
virar ela por inteiro.
— Ela quem?
Mas Giselle não respondeu. Vasculhou ao redor com desespero no olhar e
viu o poço logo atrás delas. Arrastou Morgan até ele.
— O que está acontecendo? — Morgan exigiu saber.
— Sinto muito — falou Giselle, mal conseguindo manter a bondade que
lhe restava. — É tudo minha culpa! Eu desejei que Monroeville fosse como
Andalasia e tudo deu terrivelmente errado…
Bong! A segunda badalada veio. Morgan estava apavorada.
— Ou terrivelmente certo — disse Giselle, com seu alter ego perverso
tomando conta dela mais uma vez. — A pobrezinha não sabe o que quer. Mas
eu sei.
— Madrasta, por favor — implorou Morgan.
— Você precisa me ouvir, está bem? — falou Giselle com lágrimas nos
olhos, tentando se agarrar à sua bondade que já estava lhe escapando por
completo.
— Ah, sim, sim, sim — respondeu o alter ego perverso de Giselle. —
Morgan, a perfeitinha. Onde foi parar tamanha perfeição, hein?
— Você. Não. Ouse. — Giselle ameaçou sua inimiga interior.
— Ouso tanto quanto eu quiser!
— Você está me assustando — disse Morgan, chorando.
Reunindo todas as suas forças, a Giselle verdadeira ressurgiu.
— Eu sei, mas não há tempo. Queria eu mesma fazer isso, mas vai saber o
que pode acontecer se eu for lá assim? Você precisa ir. Vá atrás de ajuda
antes que seja tarde demais. Você só tem até a meia-noite para conseguir.
— Conseguir o quê? — perguntou Morgan.
Bong!
Veio o terceiro toque. Giselle lançou um último olhar a Morgan.
— Salve-nos — pediu Giselle.
E, então, sem dizer outra palavra, ela empurrou Morgan no poço.
A garota gritou ao cair. O pouco de bondade que restava em Giselle sabia
que Morgan não se machucaria, que o poço a levaria em segurança para
Andalasia.
Mas quando Giselle estremeceu uma última vez, o que restava de bondade
nela desapareceu.
Agora ela era pura maldade.
Giselle olhou para dentro do poço.
— Menina malcriada — disse, com uma perversidade aguda.
Checou a torre do relógio, enfim despreocupada com a hora.
O som de um choro veio de dentro da casa.
Era Sofia.
Giselle suspirou, revirando os olhos.
— Quem tem tempo para isso? — disse ela com desprezo.
Foi aí que viu três fadinhas ali por perto.
— Vocês três parecem ser boas com crianças — falou Giselle. — Minha
queridinha precisa de cuidados. Cuidem disso para mim, sim?
Estava claro para as fadas que Giselle não estava pedindo. Estava
mandando.
E elas obedeceram.
CAPÍTULO SETE

PIP, O GATO, ADMIRAVA-SE NO ESPELHO ENQUANTO RELAXAVA, cuidando de sua


pelagem. Ele alternava entre usar a língua áspera como lixa e as unhas,
afiadas como lâminas, de suas patas dianteiras.
Giselle entrou pisando duro em casa, emanando uma energia maléfica.
— Eu me sinto superior a todos os seres vivos — falou Pip. — Não sei por
que estávamos lutando contra isso.
Giselle se olhou no espelho com vaidade. Ajeitou o cabelo, satisfeita com
o que via.
— Tem toda razão. Quem diria que ser uma vilã poderia ser tão libertador.
Ela sorriu, deleitando-se com o momento. Ao analisar melhor seu reflexo
no espelho, porém, percebeu outra coisa. Algo pequeno, vermelho e
brilhante.
Virando-se, Giselle encontrou um brinco de rubi no chão e o apanhou.
Lembrou-se de ter visto alguém com a joia.
— Sabe, madrastas podem ter muitas coisas — refletiu Giselle. — Mas
uma coisa que elas não têm é poder. É por isso que se dão ao trabalho de
engenhar todas essas manipulações ridículas. Elas não são poderosas por si
só. Agora que Morgan se foi, não sou mais uma madrasta. Então, acho que é
hora de assumir um novo papel nesta cidade.
Encarou Pip e disse:
— Eu gostaria de ser rainha.
— Mas já tem uma rainha aqui — relembrou-a Pip.
— Isso deve ser fácil de consertar — propôs Giselle de maneira ambiciosa.
Pip alisou suas orelhas de gato erguidas.
— Aonde vamos? — perguntou ele.
— Uma vilã como Malvina nunca perde a chance de mostrar ao mundo o
quanto ela é má — explicou Giselle. — Eu sugiro darmos essa oportunidade
a ela, e é aí que você entra, meu bichano.
— Uuh! Vou poder ser malvadão agora? — perguntou Pip.
— Ah, sim — respondeu Giselle, continuando a bolar seu plano.
Morgan piscou de novo e de novo enquanto se dava conta do mundo
bidimensional ao seu redor. Estava um pouco tonta, confusa e desnorteada
com o vórtex de luz girando no céu bem acima dela.
— O-o que acont… — começou a garota.
Mas se interrompeu quando viu uma borboleta de contos de fadas passando
por ela, com dificuldade de continuar voando.
— Quê? — perguntou ela.
Ela se levantou e abanou os dedos. Eles pareciam mais achatados.
Em seguida, arregalou os olhos ao ver uma praça em estado de ruínas.
Tinha rachaduras nos muros velhos. As vinhas que escalavam as paredes já
estavam secas, e as flores, mortas. Ao longe, Morgan viu uma ponte que tinha
cedido.
O mais estranho de tudo eram as bolas de luz que flutuavam
silenciosamente no ar, em direção ao vórtex, como se estivesse chovendo,
mas ao contrário.
— Isto aqui é Andalasia? — perguntou Morgan em voz alta.
Uma voz familiar respondeu de trás dela.
— Morgan?
A garota a reconheceu de imediato. Era a voz de Nancy!
Mas, ao se virar, Morgan se assustou ao ver que Nancy e Edward estavam
diferentes, e com espadas em punho. Eram as versões bidimensionais dos
dois. Atrás deles, tinha um aglomerado de criaturas de contos de fadas: uma
princesa, um troll, um gigante, um grupo de animais da floresta, e, é claro,
uma bruxa.
— O que está fazendo aqui? — perguntou Nancy.
— E por que está vestindo esse saco de batatas? — perguntou Edward,
apontando para o vestido de Morgan.

Um tempinho depois, Morgan estava sentada no castelo de Nancy e


Edward com um cobertor enrolado em seus ombros. O cômodo estava
parcialmente destruído. As criaturas de contos de fadas também estavam lá,
sentadas ao redor de Morgan.
— E depois eu limpei uma chaminé, cantei uma música e dancei com uma
vassoura — contou Morgan. — E, o tempo todo, nenhum pensamento ruim
passou pela minha cabeça. Até mesmo quando Giselle endoidou e me
empurrou em um poço, eu só disse para mim mesma: “Nossa! Estou caindo
em um poço!”. E aí, bam! Vim parar aqui, e agora sou eu mesma, só que
mais… pontuda.
Nancy lançou um olhar de dúvida para a bruxa.
— É possível que o fato de ela ter vindo aqui tenha quebrado o feitiço? —
perguntou Nancy.
— Uma garota de outro mundo caindo aqui pela primeira vez? — disse a
bruxa, pensando em voz alta. E, então, encolhendo os ombros, ela respondeu:
— Pode ser. Esse processo é bastante misterioso.
Nancy, Edward e as criaturas mágicas olharam para Morgan, intrigados.
— Pelo menos agora sabemos o que está acontecendo — falou Nancy.
Morgan olhou ao redor na sala dilapidada. Viu mais algumas bolinhas de
luz subindo e desaparecendo pelo vórtex.
— E o que está acontecendo aqui? — perguntou a garota. — Não é bem a
terra de contos de fadas que eu tinha imaginado.
— Na noite passada, nossa mágica simplesmente começou a ir para outro
lugar — explicou Edward.
O gigante deu um passo à frente.
— Gigante não consegue levantar — queixou-se ao fazer uma tentativa
frustrada de pegar uma das menores cadeiras do salão.
— E nenhum dos nossos animais consegue mais falar — disse a princesa.
Na mesma hora, um cervo se aproximou de Morgan, mas, quando abriu a
boca para falar, apenas tossiu.
— E é possível que eu esteja um tiquinho menos estonteante hoje — disse
Edward, como se fosse a pior coisa do mundo todo. — É uma tragédia!
— Foi ontem à noite que Giselle fez o desejo — contou Morgan, juntando
mentalmente os pedaços do quebra-cabeça.
— Sim, e um desejo grande como esse não ia precisar de só um pouco de
nossa magia — concluiu a bruxa. — Ia precisar de tudo.
— E, Morgan, nosso reino não foi feito para funcionar sem a magia de
Andalasia — explicou Nancy. — Isso não seria nada bom.
Tais palavras foram um baque para Morgan, que falou:
— Mas tudo aqui é feito de magia. Se tudo sumir, o que acontece com
Andalasia?
Ninguém disse mais nada, até que, enfim, a bruxa falou:
— Desapareceria para sempre.
Morgan olhou para todas as criaturas mágicas no salão. Elas tinham uma
expressão cada vez mais derrotada conforme as bolinhas de luz continuavam
a sumir céu acima.
— Não quero que Andalasia desapareça para sempre! — chorou o gigante.
Uma fadinha voou até ele e apoiou sua mão pequenina nas costas dele para
confortá-lo.
— Não se preocupe — disse a fada. — O rei e a rainha têm um plano, não
é mesmo, Majestades?
As criaturas imediatamente se viraram para Edward.
— É claro que temos — falou ele, cheio de bravata. — É um plano muito
bom. Com muita coragem e triunfos envolvidos. Muitas músicas serão
cantadas sobre ele!
E, então, olhou para Nancy e sussurrou:
— Rápido, qual é nosso plano muito bom?
— Só precisamos fazer o que fazemos de melhor: realizar desejos —
respondeu ela.
Em seguida, Nancy dirigiu-se a todo o grupo:
— Andalasia, juntem toda a magia que puderem!

Pouco tempo depois, os cidadãos de Andalasia tinham retornado ao castelo


e estavam empilhando artefatos mágicos: varinhas, frascos, maçãs, fusos,
espelhos, entre outros. Qualquer objeto que contivesse mesmo que o menor
traço de magia tinha sido levado ao castelo.
As bolinhas de luz subiam da pilha em direção ao vórtex no céu que
crescia cada vez mais.
Morgan revirava a pilha com Edward e Nancy em busca de algo que
pudesse ajudá-los a salvar o dia.
Edward encontrou um pé de feijão e o levantou para que a bruxa pudesse
ver.
— Ahá! — disse ele. — Que tal isto aqui? Magia das grandes. Muito
grande. Lendas foram cantadas sobre seu…
— Sim, magia das grandes — concordou a bruxa, interrompendo Edward
— para quem quiser encontrar um gigante no céu.
O rei deixou de lado o pé de feijão.
Morgan, então, mostrou um frasco pequenininho.
— E isso aqui?
— Por acaso Giselle precisa diminuir de tamanho? — perguntou a bruxa,
confusa.
Um fuso chamou a atenção de Edward, mas então ele pensou melhor:
— Definitivamente não.
Frustrada, Morgan encarou a pilha de objetos.
— Ok — disse ela —, precisamos de algo que possa trazer nossa Giselle
de volta. Que tipo de magia é forte o bastante para fazer alguém se lembrar
do que esqueceu?
No mesmo instante, Nancy e Edward souberam a resposta.
— A Árvore de Lembranças! — falaram juntos.
— Ela ainda tem uma dessas? — perguntou Morgan, chocada.
— Mas é claro — disse Edward. — Nenhum andalasiano perde sua Árvore
de Lembranças. Mesmo que percam a si mesmos.
O vórtex girando em cima deles chamou a atenção de Morgan. Parecia que
estava ficando cada vez maior — e mais bravo.Toda a magia de Andalasia
estava sendo sugada… e logo a mágica se esgotaria.
— Aguenta aí, Giselle — disse Morgan.

Giselle entrou na cafeteria, que mais parecia um salão do trono, como se


fosse a dona do lugar.
Um chapeleiro maluco estava dando o que parecia ser uma
interessantíssima festa do chá. Enquanto isso, cozinheiros enchiam as mesas
com doces para o festival daquela noite. Entre os quitutes, tinham várias
pirâmides formadas por cupcakes de dar água na boca.
Malvina supervisionava a atividade. Ela monitorava a todos para garantir
que nenhum erro passasse despercebido. Rosaleen e Ruby a seguiam para lá e
para cá, garantindo que todos os caprichos da rainha fossem atendidos.
Com um pequeno espelho de mão, Malvina estava prestes a chamar Edgar
quando ouviu alguém dizer:
— Espelho, espelho dela…
Malvina se virou e deu de cara com Giselle.
— Existe alguém em todo o reino que seja mais escancaradamente
insegura, cujos constantes pedidos de validação ao próprio reflexo sugerem
que o que ela de fato precisa é de amor próprio? — perguntou Giselle em
tom provocativo.
Todos encararam Malvina.
— Giselle, é sempre um prazer te ver — falou Malvina, sem um pingo de
sinceridade.
— Sim — respondeu Giselle. — Imagino que seja mesmo. Eu queria de
verdade te encontrar aqui. E olhe só! Parece que encontrei.
Os espectadores pressentiram ao que isso tudo iria levar (dica: nada de
bom), e saíram depressa da cafeteria.
— Então, como posso ajudá-la? — perguntou Malvina. — Como pode ver,
estamos muito ocupados.
Giselle olhou para os cupcakes.
— Bolos e doces, como sempre — disse ela, na prática, desdenhando de
Malvina por ser tão previsível. — Isso vai levar só um instante. Achei que
seria justo te dar a chance de entregar Monrolasia para mim, pacificamente,
antes que ocorra qualquer contratempo.
— E por que eu faria isso? — perguntou Malvina.
— Porque esta cidade é minha — declarou Giselle. — Creio que nós duas
já sabemos disso.
Em seguida, mostrou o brinco cor de rubi que tinha achado em sua casa.
— Não é mesmo? — terminou.
Malvina, Ruby e Rosaleen encararam o brinco. Ruby arfou.
Todavia, Malvina não pareceu se importar. Ou pelo menos não
demonstrou.
— Acho que sim — disse ela. — Mesmo assim, terei de recusar sua
generosa oferta. Está claro que Monrolasia é tudo o que deveria ser,
independentemente de como isso tenha acontecido.
As duas mulheres se encararam, uma sem querer ceder à outra.
— Bem, eu tentei — falou Giselle. — Se não quiser aceitar minha oferta
de paz, só resta uma forma de resolver esse impasse.
— De fato — concordou Malvina.
— Uma de nós morrer? — sugeriu Giselle.
— Que tal à meia-noite? — propôs Malvina.
O relógio da torre então soou seis horas da tarde enquanto as mulheres se
encaravam, satisfeitas com o acordo.
— Me parece ótimo — falou Giselle.
As rivais trocaram olhares fuzilantes e então saíram às pressas da loja,
empurrando uma à outra. Cada uma foi para sua casa.
Quando Malvina chegou em sua casa, foi direto para o salão do trono, onde
pegou um caldeirão e alguns ingredientes de aparência maléfica. Ela
começou a preparar algo terrível.
Algum tempo depois, segurou um frasco que continha uma magia
fumegante e horrível.
— Acho que está pronto — falou Malvina.
Ela não percebeu que Pip estava se esgueirando por trás de uma cortina nas
sombras.

Logo Robert voltou para casa após um dia difícil de uma aventura quase
heroica. Ao entrar na sala, encontrou três fadas cuidando de Sofia. Lançou a
elas um olhar de curiosidade e subiu as escadas.
Quando chegou ao quarto, viu Giselle se admirando no espelho, de costas
para ele.
— Giselle, aí está você! — disse ele, cansado. — Eu tive um dia e tanto…
E, então, Giselle se virou, revelando um rosto que só poderia pertencer a
uma rainha má. Seus olhos estavam acentuados com maquiagem pesada,
dando a ela um ar ao mesmo tempo reverente e ameaçador.
— Somos dois — respondeu ela.

— Sabia que era uma casa na árvore — falou Morgan, assimilando o que
estava vendo. — Mas isso aqui é a casa na árvore.
— Aqui fazemos tudo no capricho — disse Nancy.
E, então, eles entraram na casa de verdade sobre a árvore onde Giselle
havia morado. Embora a magia estivesse sumindo, sendo sugada com
lentidão para o vórtex, a moradia ainda parecia um sonho.
— É bem como eu tinha imaginado — falou Morgan. Ela ouvia as
histórias de Giselle desde que era uma menininha. Até a estátua do Príncipe
Edward estava lá! O manequim tinha dois cristais brilhantes no lugar dos
olhos e o cabelo era feito de folhas. Curiosamente, não tinha uma boca.
Morgan observou enquanto Edward olhava para a estátua.
— Passe aquele pente para mim — pediu Edward, soando ofendido.
Morgan lhe entregou o pente e Edward o segurou na altura de onde a boca
do manequim deveria estar.
Mas aqueles lábios não agradaram a Edward.
— Edward, será que a gente não pode encontrar seus lábios depois de
salvarmos nosso reino da total e completa destruição? — perguntou Nancy
educadamente.
Os lábios do Edward de verdade fizeram bico.
— Certo — respondeu ele.
— A Árvore está aqui — falou Nancy, abrindo um painel em uma janela
circular.
Morgan e Edward a acompanharam pelo jardim. Bem no centro, estava a
Árvore de Lembranças de Giselle. A árvore estava coberta de enfeites de
memória. Morgan viu fotos do pai dela, de Sofia e de si mesma. Eram todos
momentos magníficos, congelados para sempre em lembranças do tempo que
eles haviam passado juntos como família.
As memórias estavam intactas, mas a árvore…
Morgan foi até ela, sentindo seu coração se partir.
— Está morta — a garota disse baixinho. — O que faremos agora?
— Não tenha medo — falou Edward, tentando soar corajoso. — Teremos
uma ideia brilhante no último minuto que resolverá todos os nossos
problemas.
Nancy e Morgan o encararam.
— O quê? É assim que as coisas funcionam aqui — explicou ele.
— Deve haver algo que possamos fazer — disse Nancy, pensativa.
Talvez houvesse, mas Morgan não sabia o quê. Olhou para um dos enfeites
na Árvore de Lembranças. Era uma foto dela criança, olhando para Giselle no
topo de um outdoor. Morgan se lembrava bem daquele momento. Foi a noite
em que ela e o pai conheceram Giselle.
Morgan passou os dedos pela imagem de si mesma mais nova.
— Essa versão de mim teria tido uma ideia. Eu vi uma princesa mágica em
cima de um outdoor mequetrefe no meio da chuva, de dentro de um táxi!
Talvez seja por isso que Giselle gosta mais daquela Morgan.
— Morgan, não, isso não é verdade — defendeu Nancy.
— É sim — continuou a garota. — E eu entendo. Naquela época, a gente
nunca brigava. A gente só se divertia juntas.
O calor daquela lembrança inundou cada pedaço de Morgan.
— Sei que ela acha que é minha culpa que tudo tenha mudado — falou
Morgan. — Mas a verdade é que… eu também sinto falta.
De repente, as flores que estavam em volta dos enfeites começaram a
brilhar. Só durou um momento, mas reluziram!
Conforme o brilho sumiu, Morgan perguntou:
— O que foi isso?
— Mágica — respondeu Edward. Uma bolinha de luz se desprendeu de
sua mão e subiu até o vórtex. — Bem, isso é preocupante — acrescentou
Edward.
— Rápido — Nancy incitou Morgan, — olhe para mais uma lembrança.
Vacilante, Morgan fez o que Nancy pediu. Nesta memória, a garota se via,
de novo como criança, dançando alegremente com Giselle e o pai no
apartamento deles em Nova York. Ela se lembrava como se fosse ontem.
Mais uma vez, as flores reluziram e, em seguida, de novo o brilho sumiu.
— Não consigo! — falou Morgan, frustrada. — Não consigo de novo.
Outra bola de luz saiu de Edward, desta vez de seu peito. E foi sugada pelo
vórtex.
— Por favor — implorou ele. — Por favor, tente de novo.
— Não sei como — admitiu Morgan.
Nancy foi até a garota e segurou sua mão.
— Morgan, você só precisa olhar para dentro de si mesma.
E, então, Nancy começou a cantar sobre mágica e como ela era necessária
naquele momento — não o tipo de magia que vinha de feitiços ou varinhas,
mas algo de dentro de Morgan.
A garota tentou de novo. As flores começaram a se iluminar mais uma vez.
— Está funcionando — disse ela, impressionada.
Ela continuou observando os enfeites de memórias, lembrando-se de todos
os momentos maravilhosos que sua família tinha compartilhado ao longo dos
anos. Festas de aniversário, primeiros dias de aula e jogos de futebol.
Atrelada a cada uma dessas lembranças estava Giselle, e seu amor pela
família.
Nancy continuou a cantar enquanto Morgan continuava a olhar as
memórias, que agora cresciam, girando ao redor delas. Logo, um portal
começou a se formar.
A energia mágica — de Edward, dos animais ali com eles, de tudo e todos
em Andalasia — continuou a flutuar para o céu em direção ao vórtex.
Enquanto isso, o portal crescia cada vez mais. Agora estava grande o
bastante para que passassem por ele.
Edward olhou para trás, para todas as criaturas de Andalasia. E viu o
quanto elas estavam com medo de perder a magia que tinham.
Nancy e Edward sabiam o que precisava ser feito.
Afastando-se de Nancy e Morgan, Edward desembainhou sua espada e
colocou-se à frente de seus amigos andalasianos. Por sua honra, ele os
defenderia até o final.
Um momento depois, com um barulho alto de ventania, Nancy e Morgan
foram parar no quintal da casa de Morgan em Monrolasia.
Ao redor das duas, as memórias reluzentes giravam e dançavam como se
fossem fantasmas. Elas observaram enquanto a trilha mágica seguiu pela
lateral da casa de Morgan e entrou pela janela da torre.
As duas correram para dentro e quando chegaram ao quarto de Morgan no
sótão, a garota viu a pilha de roupas brilhando com magia.
— O que é isso? — perguntou Nancy.
Morgan deu um passo adiante. E então viu que não eram as roupas que
estavam iluminadas. Era algo em cima da pilha.
Era a sua Árvore de Lembranças.
As pequenas flores de papel cor-de-rosa que Morgan havia colado nela
vários anos antes brilhavam com magia. Admirada, a garota pegou a Árvore
de Lembranças.
— É o poder do amor — disse Morgan.
Talvez não fosse tarde demais, ela pensou. Talvez ainda pudesse salvar
Giselle e Andalasia.
CAPÍTULO OITO

QUANDO O RELÓGIO BATEU ONZE E MEIA DA NOITE, UMA carruagem desceu pela
rua em direção ao centro de Monrolasia. Dentro dela estavam Giselle e
Robert, enquanto os cavalos trotavam pelo caminho.
— Vamos mesmo precisar de algo mais majestoso do que isso — disse
Giselle, gesticulando com nojo pela carruagem. — E servos. Vamos precisar
de serviçais se quisermos fazer tudo direito.
— Onde você disse que Morgan estava mesmo? — perguntou Robert, um
pouco distraído.
— Ah, vai saber — respondeu Giselle. — E quem se importa? Esta é
minha noite.
— Certo — disse Robert. — Pare a carruagem — disse ele para o
cocheiro, que obedeceu.
Os cavalos pararam. Robert desceu da carruagem em meio à multidão que
estava a caminho do festival.
— Robert! — gritou Giselle, incrédula com o comportamento dele.
— Morgan não iria simplesmente desaparecer assim — falou Robert. —
Se ela fez isso, é porque tem algo errado, e eu vou encontrá-la.
— Uma busca infrutífera — desdenhou Giselle. — Mas boa sorte com
isso.
Então, com um sorriso maldoso, ela se virou para o cocheiro.
— Adiante — ordenou ela.

Quando o relógio mostrou 11h35 da noite, os moradores do vilarejo


estavam aproveitando a festa de contos de fadas que deixava todas as outras
festas de contos de fadas no chinelo. As ruas estavam abarrotadas de pessoas
se divertindo, se deliciando com comidas saborosas e brincando nas atrações
do festival. Tinha uma Barraca do Beijo de Amor Verdadeiro, a Estação de
Poções da Bruxa e a Barraca da Coxa Gigante de Peru.
Tudo estava indo de acordo com o que Malvina havia desejado.
Embora a festa estivesse animada nas ruas, o salão de baile era onde a
verdadeira diversão estava. Localizado no interior da torre do relógio, o salão
parecia um paraíso. Vinhas floridas cobriam as paredes do chão ao teto.
Havia belos lustres pendurados acima da multidão, iluminando cada
movimento na melhor luz possível.
Havia até mesmo uma cachoeira interna que escorria para dentro de um
fosso artificial circundando a pista de dança. Moradores do vilarejo
dançavam ao ritmo de uma valsa tocada por uma orquestra.
Tyson estava lá, dançando com uma princesa atrás da outra. Cada uma
delas flertava com o príncipe, mas ele não estava nem um pouco a fim.
No centro de tudo, estava Malvina, sentada no trono e usando sua coroa.
— Acho que vou tomar um pouco de ar — Tyson avisou à mãe. Ele
esperava escapar da fila interminável de princesas esperando uma dança com
ele.
— Que seja, querido — disse Malvina. — Volte antes da meia-noite, está
bem?
O rapaz lançou à mãe um olhar curioso, depois saiu do salão.
Malvina olhou para o frasco cheio de magia perversa que havia preparado
no caldeirão. Seus olhos brilharam com malvadeza fatal.

— Tão injusto — lamentou Rosaleen.


Ruby e ela estavam na casa de Malvina, encarando a Varinha dos Desejos,
iluminada sobre a mesa. O rolo de pergaminho também estava lá, amarrado e
tremendo de medo.
Um grito de comemoração irrompeu do lado de fora.
— Eu deveria estar na festa! — reclamou Rosaleen para Ruby. — Em vez
disso, estou aqui, servindo de babá para você e essa varinha. Tudo isso
porque ela não confia em você.
Pip, o gato, esgueirou a cabeça por trás de uma cortina.
Para sua sorte, o pergaminho foi o único que percebeu.
Incrivelmente sorrateiro, Pip foi chegando mais e mais perto da varinha.
— Ou ela não confia em você — rebateu Ruby.
Atrás dela, Pip se escondeu atrás de uma cadeira nas sombras.
— Não foi a mim que ela tentou transformar em um sapo! — relembrou
Rosaleen.
— Talvez ela goste de sapos — sugeriu Ruby.
Agora mais perto, Pip se equilibrou sobre um vaso com notável
graciosidade.
— Ah, me poupe, ninguém gosta de sapo — retrucou Rosaleen. — Está
claro que eu sou a favorita dela, o que significa que você deveria estar
fazendo a parte chata e eu deveria estar fabulosa naquele festival.
— Vai, então — provocou Ruby. — E aí eu conto para Malvina que você
abandonou a varinha. Vamos ver quem ela vai transformar em sapo.
As duas continuaram a discutir até que finalmente Pip estava diante da
varinha. Ele estava prestes a alcançá-la com a pata quando ouviu alguém
dizer:
— Eu não faria isso se fosse você.
Pip olhou para cima. Edgar o observava de dentro de um espelho. Ruby e
Rosaleen se viraram na direção dele também.
— Só um conselhinho de um gato… — disse Pip às mulheres. — Vão
arrumar o que fazer. Ela odeia vocês duas!
Pip então pegou a varinha com a boca e, com um golpe de garras, libertou
o rolo de pergaminho.
Quando Rosaleen e Ruby foram atrás de Pip, ele começou a se contorcer,
desviando com facilidade das mãos delas.
— Senhor Gato, espere! — gritou o pergaminho.
Pip se virou e viu o rolo correndo atrás dele em um ritmo mais lento.
(Quer dizer, lento para os parâmetros de um gato. Para os parâmetros de
um rolo de pergaminho, ele era notoriamente rápido.)
— Espere por mim — pediu o rolo, tropeçando nas próprias páginas. —
Minhas notas de rodapé me atrapalham tanto!
— Se enrola! — resmungou Pip com a varinha presa na boca. — Se enrola
aí!
O pergaminho pulou no ar e se enrolou todinho. Pip então o pegou na boca
e fugiu levando o rolo e a varinha.

A festa estava fervendo quando a carruagem de Giselle estacionou na


entrada do festival. As rodas pararam com tudo quando Pip apareceu. Ele
entrou na carruagem e soltou da boca a varinha e o rolo de pergaminho.
— Você está babando tanto! Olhe só para mim! — reclamou o
pergaminho. — Estou todo inchado! O peso da parte inferior do meu corpo
dobrou!
— Nem me fale — resmungou Pip.
Giselle não cabia em si de satisfação. Pegou a varinha, que estava
pingando saliva felina.
Bastante enojada, usou o pergaminho para limpar a mão.
— Obrigada, meu bichano — disse ela.
— Ótimo, então agora que tem a varinha, você pode consertar seu erro —
disse o pergaminho. — Mais alguma pergunta?
Em resposta, Giselle sorriu maleficamente.
— Mas é claro que não — disse ela, descendo da carruagem. E então, antes
de sair para as sombras, Pip deu um sorriso com a mesma crueldade para o
pergaminho.
— É, eles são do mal mesmo — disse ele.

Morgan e Nancy saíram correndo da casa e dispararam pela rua, parando


apenas por breves instantes para pegar fôlego.
Segurando a Árvore de Lembranças, Morgan conferiu o relógio. Faltava
vinte minutos para a meia-noite.
— Morgan!
Ela se virou e viu Tyson vindo de cavalo até ela.
— Está tudo bem? — perguntou ele com a voz cheia de preocupação.
— Você não tem ideia — falou a garota. — Pode me dar uma carona?
— É claro — respondeu Tyson, feliz por poder ajudar.
— Vai! — disse Nancy, olhando para Morgan. — Estou bem atrás de
você.
E, então, Tyson ajudou Morgan a subir no cavalo e eles galoparam em
direção ao festival.
Não demorou para que chegassem à praça da cidade. Morgan viu a
carruagem de Giselle perto da torre do relógio.
— Ali! — gritou ela para Tyson enquanto se aproximavam de seu destino.
O relógio agora marcava 11h45.

Ao entrar no salão de baile, Giselle reparou na decoração elaborada, nas


pessoas dançando e principalmente em Malvina, em seu trono, com a coroa
repousada na cabeça e um ar de superioridade.
— Aposto que ela nunca encontrou um trono de que não gostasse —
debochou Giselle.
Ela se posicionou atrás de uma escultura gigante de chocolate feita à
imagem de Malvina e olhou para a varinha em suas mãos. Um brilho
perverso cintilou em seu olhar.
— Agora, vejamos… — falou Giselle. — Eu desejo…
E, então, ela fechou os olhos e, um momento depois, continuou:
— Ser a rainha de Monrolasia.
Abrindo os olhos, acrescentou:
— A rainha má. A escolha de palavras faz toda diferença.
A Varinha dos Desejos brilhou, e em seguida, uoosh!, a coroa de Malvina
apareceu na cabeça de Giselle.
Malvina, sem perceber as ações da adversária, tocou a própria cabeça em
busca da coroa, que não estava mais lá.
De repente, a música parou de tocar. A dança parou.
Todo o salão ficou em silêncio.
— Por que pararam? — indagou Malvina, perplexa.
— Porque eu desejei — explicou Giselle, indo até Malvina com a varinha
em mãos.
Foi então que Malvina reconheceu a coroa que Giselle usava.
Era a sua coroa. Ela logo entendeu o que estava acontecendo.
— Não dá para confiar naquelas duas para nada mesmo — disse ela,
pensando em Rosaleen e Ruby. — Acho que vamos ter que resolver isso de
rainha para rainha?
— Parece que sim — concordou Giselle.
As mulheres se encararam, saboreando aquele momento sinistro e maligno.
Elas então balançaram os punhos, atirando uma à outra em direções
opostas do salão. Malvina voou por cima de seu trono.
Giselle caiu com tudo na orquestra, causando um barulhão. Ela se levantou
depressa, pegando a varinha e apontando-a à sua frente. Só que não era a
varinha — era a batuta do regente! Giselle a jogou para o maestro, que estava
encolhido. E, então, pegou a varinha do chão.
— Continuem tocando — instruiu ela. O regente estava assustado demais
para fazer outra coisa a não ser obedecer.
O chão começou a tremer e o lustre balançou.
Giselle sorriu perversamente, ansiosa para continuar o caos que estava
prestes a se instaurar.

Do lado de fora, o tremor no chão fez os moradores do vilarejo perderem o


equilíbrio. Morgan se segurou no braço de Tyson para não cair.
— O que foi isso? — perguntou o garoto.
Morgan olhou para a torre do relógio e viu a hora.
Eram 11h50.
— Andalasia — falou Morgan, conferindo se ainda estava com a Árvore
de Lembranças. — Está chegando.
E, então, ouviram um forte estrondo. Morgan e Tyson foram jogados para
trás. Raízes retorcidas de árvores corriam pelo asfalto, quebrando-o, e uma
luz dourada brilhava através das rachaduras.
A multidão gritou.

Robert se aproximou de uma multidão que fugia aterrorizada da praça da


cidade.
O tremor da terra quase o derrubou e foi então que ele viu um rosto
familiar: era Nancy! Ela estava tentando atravessar aquele mundaréu de
gente, indo em direção ao que quer que estivesse fazendo as pessoas
correrem.
— Nancy! — gritou ele, correndo para o lado dela. — Você viu Morgan?
— Sim, ela está bem — respondeu Nancy. — Mas precisamos chegar à
praça. Giselle…
— Tem algo errado com ela, eu sei — interrompeu Robert. — Acho que
vamos precisar de ajuda.

Em meio à briga com Giselle, Malvina reparou no lustre que pairava acima
de sua inimiga e teve uma ideia horrível. Com um aceno de sua mão, ela fez
o lustre cair magicamente.
Giselle o desviou com a varinha antes que o lustre pudesse atingi-la,
transformando-o em uma revoada de pássaros azuis.
Mas não pássaros azuis comuns.
Pássaros azuis furiosos.
Que partiram para cima de Malvina.
— Armamento — comandou Malvina sem perder tempo.
De imediato, uma variedade de clavas, chicotes, marretas e outras armas
surgiram nas mãos das pessoas no festival.
— Destruam-na! — gritou Malvina com um aceno do punho.
Sob o controle de Malvina, a multidão avançou em direção a Giselle.
— Ah, Malvina — falou Giselle. — O amor é mais forte que o ódio.
Com um balanço da varinha, Giselle transformou as armas nas mãos dos
festeiros em borboletas.
Enquanto a batalha seguia, as paredes do salão de baile começaram a
desmoronar. Galhos surgiram do lado de fora, fazendo um buraco imenso na
parede.
Livres do controle de Malvina, as pessoas saíram correndo pelo buraco,
aproveitando a oportunidade de escapar.
Paft! Malvina bateu contra uma parede espelhada.
— Acho que, afinal de contas, existe, sim, alguém mais bela do que você
— gabou-se Giselle. Mais uma vez, Malvina sacudiu a mão e o chão abaixo
de Giselle cedeu e ela caiu.
— Você é que não é, queridinha — falou Malvina.

Lá fora, na rua, o festival tinha virado um caos. Mais e mais pedaços de


Andalasia estavam sendo transportadas pelo vórtex, aparecendo em
Monrolasia. Animais de Andalasia tinha cruzado para o mundo real e
estavam correndo pelas ruas, agitados e assustados. O mundo de Andalasia
estava se fundindo com Monrolasia. Quem poderia dizer o que aconteceria
com ambos?
Morgan viu o relógio marcar 11h53. Galhos tortos e vinhas tinham
serpenteado torre acima, se embolando e criando uma parede quase
impenetrável.
Apesar de parecer impossível, Morgan e Tyson precisavam entrar lá. As
pessoas que eles amavam estavam dentro do salão de baile, e os dois tinham
que fazer o que fosse preciso para salvá-las.
Tyson tentou cortar as vinhas para abrir caminho enquanto Morgan tentou
puxá-las da torre do relógio. Mas elas estavam crescendo rápido demais
agora. A vegetação na lateral da parede ficou mais grossa, apesar dos
esforços de ambos os adolescentes.
— Morgan!
A garota se virou e viu o pai correndo em meio à multidão. Robert lançou
os braços ao redor da filha, abraçando-a com força.
— Você está bem? — disse ele enquanto Nancy se aproximava dos dois.
— Estou — confirmou Morgan. — Mas Giselle…
— Eu sei — falou Robert. — Vim ajudar, e trouxe amigos.
— Só temos alguns minutos — respondeu Morgan, conferindo a Árvore de
Lembranças antes de olhar mais uma vez para o relógio, desesperada. — Eu
preciso entrar lá!
Foi então que Morgan os viu: um grupo de aventureiros atrás de Robert.
Todos pareciam esperar por aquele momento há anos. E exalavam uma
bravura contagiante.
— É hora de sermos heróis — bradou Robert.
Com isso, os aventureiros puxaram suas espadas e começaram a atacar e
cortar os galhos e as vinhas. Eles agarraram os galhos e os puxaram, abrindo
passagem o suficiente para Morgan se enfiar lá dentro.
Um minuto depois, Morgan estava dentro do salão, seguida por Tyson,
Nancy e Robert. Ela ficou chocada com o que viu. Parecia um estranho
mundo híbrido — uma combinação de Monrolasia e Andalasia. Era metade
salão de baile e metade floresta, com grama brilhante e árvores irrompendo
das paredes.
No meio de tudo, a batalha ainda acontecia. Os moradores do vilarejo que
ainda estavam lá dentro lutavam entre si enquanto Giselle e Malvina
continuavam a se enfrentar. A fúria das duas estava no ápice. Nenhuma delas
iria ceder um centímetro que fosse.
Ao mesmo tempo, Giselle e Malvina levantaram as mãos e começaram a
sufocar uma à outra com magia.
— Esta cidade só é grande o bastante… — arfou Malvina.
— Para mim — falou Giselle com dificuldade para fazer a voz sair.
E então Giselle apertou o pescoço de Malvina com ainda mais força e a
levantou no ar. Malvina tentou não perder o controle da magia que sufocava
Giselle, mas estava cedendo.
A hora agora era 11h55. Em apenas cinco minutos, a mudança estaria
finalizada e Giselle seria má para sempre.
Morgan desviou de espadas, abaixando-se por trás de mesas tombadas,
rochas e o que quer que aparecesse em seu caminho até Giselle.
Estava cada vez mais perto quando foi derrubada no chão. O golpe a fez
derrubar a Árvore de Lembranças que segurava nas mãos. Ela foi parar bem
no meio da briga, onde acabou sendo rasgada imediatamente.
— Nããããããão! — choramingou Morgan.
Sua única esperança se dissipou.
Mas foi então que algo aconteceu. Os pedaços rasgados da Árvore de
Lembranças não caíram no chão.
Eles começaram a girar no ar, banhados pelo restinho de magia de
Andalasia que resistia à escuridão. Foi sutil em um primeiro momento, mas
logo o movimento ganhou vida própria. Os pedaços de papel circularam
Giselle, formando um tornado de memórias que a envolvia com todo o amor
e as emoções que a família já havia sentido.
Em seguida, houve uma explosão de luz.
Giselle soltou Malvina, que caiu no chão, soltando Giselle, que, por sua
vez, também caiu no chão.
A coroa caiu da cabeça de Giselle.
O salão foi tomado pelo silêncio.
Giselle olhou para Morgan, que a observava do outro lado do salão.
— Morgan? — chamou Giselle, a voz gentil transbordando de alívio.
A bondade estava de volta a seus olhos.
A Giselle verdadeira tinha voltado.
Nancy correu até Giselle.
— Onde está Edward? — ela perguntou a Nancy.
— Ele não tem muito tempo — respondeu.
Na cachoeira, Giselle viu o reflexo de Andalasia colapsando. Sem tempo a
perder, ela pegou a Varinha dos Desejos.
Estava prestes a fazer seu pedido quando uma voz ordenou:
— Pare!
Giselle se virou e viu Malvina.
— Eu não faria isso se fosse você — alertou a rainha.
Com um passo para o lado, Malvina revelou Morgan, adormecida em meio
a uma névoa escura e brilhante. Seu corpo estava suspenso pelas vinhas que a
prendiam.
— Morgan! — gritaram Giselle e Robert.
Malvina colocou a tampa de volta em um frasco aberto que tinha nas mãos.
— O que você fez? — arfou Giselle.
— Relaxe — disse Malvina. — É só uma poçãozinha do sono. Era para
você, na verdade, mas isso também serve.
— Malvina, você precisa desfazer o feitiço — implorou Giselle.
— Veremos. Seu pergaminho foi muito prestativo ao me explicar que,
chegada meia-noite, seu desejo se tornaria permanente. E eu gosto deste
mundo aqui. Então você vai largar essa varinha e deixar a hora se completar.
— Mas, se eu fizer isso, Andalasia morre — argumentou Giselle.
— E se não fizer, ela é que morre — falou Malvina, gesticulando para
Morgan. Ela apertou com sutileza a mão em punho.
Giselle assistiu com horror às mãos se apertarem com ainda mais força ao
redor de Morgan. A adolescente chiou, desacordada.
— Pare, sua bruxa má! — ordenou Robert.
Ele e Nancy correram até Malvina, mas a rainha má usou magia para
afastá-los brutalmente.
A pele de Morgan foi ficando azulada conforme as vinhas continuavam a
apertá-la.
— Malvina, pare! — suplicou Giselle. — Por favor! Isso não é do seu
feitio.
— Agora é — respondeu Malvina. — Do jeitinho que você — a rainha má
fez ainda mais força com o punho — desejou.
Ao fazer tal gesto, o que restava de ar deixou os pulmões de Morgan.
Giselle derrubou a varinha. Ao cair no chão, os olhos de Morgan se
abriram. As vinhas a soltaram, e a cor saudável voltou às bochechas da
adolescente.
Bong! O relógio anunciou a meia-noite.
A magia começou a sair de Giselle.
CAPÍTULO NOVE

NA CACHOEIRA, NANCY CONSEGUIU VER EXATAMENTE O que estava acontecendo


naquele momento em Andalasia.
Edward estava caindo de joelhos com a magia se esvaindo de seu corpo.
Atrás dela no salão de baile, Pip, ainda em forma de gato, cambaleava para
longe das sombras. O mesmo brilho mágico se desprendia de seu corpo e era
sugado pelo chão.
A mágica continuava a fluir para longe de Giselle também. Ela foi ficando
mais fraca.
Malvina deu um passo à frente.
Crec!
A Varinha dos Desejos, quebrada, estava embaixo de seu pé.
A segunda badalada ecoou. Malvina encontrou sua coroa no chão e a
colocou de volta na cabeça.
Bong!
Fora do salão de baile, os estabelecimentos da avenida principal
começaram a escurecer, um a um.
A placa de boas-vindas a Monrolasia também havia mudado. Agora, ela
dizia BOAS-VINDAS A MONROLASIA — SEU CONTO DE FADAS TERMINA AQUI.
O relógio soou de novo.
Dentro do salão, com um estouro, o piso começou a rachar. Os moradores
do vilarejo que continuavam ali dentro pularam fora do caminho conforme a
fumaça e os escombros tomavam o salão.
Quando a poeira baixou, a casa na árvore onde Giselle morava em
Andalasia tinha aparecido contra a parede dos fundos. Ela estava quase
destruída.
No pé da casa na árvore estava Morgan, segurando Giselle, que ficava
mais e mais fraca a cada respiração. A magia dentro dela já tinha quase se
esgotado.
O relógio soou mais uma vez.
Robert olhou para a filha e a esposa.
— Não! — gritou ele. — Isso não acaba assim!
Ele correu para fora do salão de baile.
— Grande herói — debochou Malvina.
Morgan mal ouviu o sexto toque do relógio ao segurar a mão de sua mãe.
— Por favor, segure a minha mão. Por favor — implorou a menina.
No chão, Giselle mal conseguia manter os olhos abertos. Ela olhou para a
filha, e, então, viu sua casa na árvore. Estava em ruínas, assim como o mundo
que ela tinha criado.
— Sinto muito — lamentou Giselle, os olhos começando a se fechar.
— Eu te decepcionei — chorou Morgan quando a sétima badalada ressoou.
— Ah, Morgan — disse Giselle conforme a vida se esgotava dentro de si,
— você nunca poderia me decepcionar. Eu é que fiz isso. Não você.
Outro toque, e Morgan chorou ainda mais. Restava pouco tempo para
Giselle.
— Por favor — implorou a filha. — Por favor. O que vamos fazer?
— Não há muito que possa ser feito, meu amor — respondeu Giselle.
Outro toque do relógio soou com o barulho do vento.
Logo, o desejo de Giselle seria permanente e Andalasia estaria perdida
para sempre.
— Sei que é assustador — falou Giselle, com dificuldade. — Mas você vai
ficar bem. Você é forte, e sabe quem é, não importa em qual mundo esteja.
Nunca me preocupei com o que você vai se tornar.
Morgan viu a luz dos olhos da mãe diminuir mais e mais.
— Só queria… — falou Giselle, a voz quase sumindo.
O relógio tocou de novo.
O olhar de Giselle desviou de Morgan para os pedaços da varinha
quebrada, a apenas um metro de distância. Eles pareciam cintilar, como se
chamassem por Giselle.
A vida voltou ao seu semblante.
— O que foi? — perguntou Morgan.
— Aquele pedaço da varinha — falou Giselle. — Pegue-o.
Bong!
Só faltava mais um toque.

Malvina sorriu ao também ouvir a décima primeira badalada do relógio.


Seu reinado de fúria estava prestes a ser concretizado para todo o sempre. Ela
estava gloriosa, deleitando-se com a vitória. Com um aceno de mão —
uoosh! — Ruby e Rosaleen apareceram diante dela, transportadas da casa de
Malvina.
— Majestade — falou Rosaleen, — foi culpa dela que…
Mas palavras eram inúteis para Malvina. A rainha usou sua mágica para
enfim transformar suas ajudantes em sapos.
— Agora vocês duas podem lamber o chão onde piso — ordenou Malvina
com uma risada maléfica.

Quando Robert saiu do salão de baile, foi direto para a torre do relógio e
subiu correndo as escadas.
Ao chegar no topo, viu as engrenagens, cordas e polias que faziam o
relógio funcionar. Pensando rápido, puxou a espada bem quando o último
toque estava prestes a soar.
Então, golpeou as engrenagens com a espada, e o relógio parou.
A última badalada não ressoou.

Malvina olhou para cima, furiosa. Ela estava esperando o último toque,
mas agora só havia silêncio.
Morgan percebeu que ainda tinha tempo. Voltou para o lado de Giselle
com os pedaços da varinha quebrada em mãos.
— Peguei — falou a garota. — Mas está quebrada.
— Tudo bem — disse Giselle, fraca. — Precisamos fazer um novo desejo.
E então os olhos de Giselle se fecharam.
— Aqui — Morgan balançou a mãe.
Ela tentou colocar os pedaços da varinha na mão de Giselle, mas sua mãe
não tinha mais forças para segurá-los.
— Acho que precisa ser você — arfou Giselle.
— Mas não consigo usá-la — falou Morgan. — Não sou uma filha
verdadeira de Andalasia.
— Você é sim uma verdadeira filha de Andalasia — disse Giselle, ainda
fraca. — Porque é minha filha, Morgan.
Com toda a força que ainda lhe restava, Giselle cantou leve e docemente
sobre como tinha orgulho da filha e como o amor que tinha por ela sempre
estaria com Morgan.
Mas Giselle não conseguiu terminar sua canção.
Estava fraca demais. Seus olhos se fecharam mais uma vez.
Uma onda avassaladora de pânico e tristeza inundou Morgan.
— Espere. O que eu peço? Qual deve ser o meu desejo? — gritou ela,
desesperada.
Mas Giselle não respondeu.
Morgan respirou fundo para clarear a mente.
— Procure dentro si mesma — sussurrou. — Procure.
Quando a garota olhou para os pedaços da varinha, Malvina a encarou,
percebendo o que Morgan estava prestes a fazer. A rainha invocou sua magia
maligna, com um aceno da mão na direção da torre. Com um estalo agudo, o
vidro se quebrou.
Dentro da torre, Robert se protegeu dos cacos que caíram em cima dele.
Com grande esforço, tentou segurar a espada firmemente, mas seus dedos
escorregaram, e as engrenagens do relógio começaram a deslizar.
De volta ao salão de baile, Morgan olhou para a casa na árvore de Giselle
se lembrando de como era estar lá dentro. Com uma clareza impressionável,
de repente Morgan sabia exatamente o que pedir. Encarou os pedaços da
varinha em sua mão.
— Não ouse — ameaçou Malvina. Ela levantou as mãos, pronta para
atacar Morgan com sua magia.
As engrenagens do relógio voltaram a funcionar e, enfim, veio o último
toque da meia-noite.
Morgan fechou os olhos bem apertados e disse:
— Eu desejo estar em casa com a minha mãe.
De imediato, surgiu um feixe de luz.
Malvina gritou.
Robert estava com dificuldades na torre. Ao mesmo tempo, Nancy
observava o reflexo de Edward na cachoeira ficando cada vez mais fraco,
sem poder fazer nada para ajudar.
Pip, o gato, segurava o rolo de pergaminho.
Giselle deu seu último suspiro.
CAPÍTULO DEZ

GISELLE ABRIU OS OLHOS.


Era manhã e ela estava no quarto. Sentou-se na cama. O quarto estava
quente e silencioso, a luz do sol entrava pela janela. Parecia o sol de sempre.
Não um sol de contos de fadas.
Giselle se perguntou: será que poderia ser…?
Correu pelas escadas até a cozinha. Nenhum utensílio doméstico estava
cantando.
Ufa.
Ela ouviu Robert lhe desejar bom-dia quando entrou na cozinha, sorrindo
com Sofia no colo. Robert deu um beijinho na filha.
Giselle correu para abraçá-lo.
— Você está bem! — gritou ela.
— Hmm, sim, estou — ele confirmou. — Mas tive uns sonhos bem
estranhos, viu?
— Sonhos? — perguntou Giselle. E então se lembrou: — Andalasia!
Ela correu para o jardim e foi até o poço. Olhando lá no fundo, viu que
Andalasia estava de volta à sua forma de sempre. Edward e Nancy estavam
na sacada do castelo, acenando para ela.
Pip estava lá também. E não era mais um gato — tinha voltado a ser um
esquilo. Ele guinchou de felicidade, pulando sem parar.
O rolo de pergaminho também estava lá e fez dois joinhas para Giselle.
Ela suspirou de alívio. Robert foi até a esposa.
— Você está bem? — perguntou.
— Ah, sim — disse Giselle. — Agora estou. Mas preciso te contar uma
coisa.
— Eu também — falou Robert. — Pensei no que aconteceu ontem e no
que você me perguntou, e acho que talvez seja a hora de fazermos uma
mudança.
— O que quer dizer?
— Bom, fui caminhar esta manhã e percebi que um advogado como eu
seria uma boa adição a esta cidadezinha — disse Robert. — Não só para
divórcios, mas para tudo. Talvez eu até possa trabalhar com boas causas.
— Mas isso não é menos empolgante? — perguntou Giselle.
Robert deu de ombros.
— Empolgante não é essa coisa toda. Acho que o que eu estou procurando
está bem aqui.
Giselle estava tão feliz que jogou os braços ao redor de Robert, e eles se
beijaram. Foi um beijo mágico. Na verdade, se alguém dissesse que aquele
era um beijo de amor verdadeiro — essa pessoa estaria certa.
— Mãe?
Giselle se virou e viu Morgan correndo até ela.
— Você conseguiu! — exclamou Giselle, cheia de orgulho.
— Tive tanto medo — falou Morgan. — Eu não sabia se daria certo.
— Tá, parece que eu perdi alguma coisa — disse Robert.
Giselle e Morgan sorriram uma para a outra.
— Eu estava prestes a explicar — começou Giselle.
— Por que não me conta enquanto tomamos café da manhã? — sugeriu
Robert. — O forno ainda não está funcionando, então, que tal sairmos para
comemorar?
— Comemorar o quê? — perguntou Morgan.
Robert parou por um instante, e, então, respondeu:
— Um novo começo.
Ele sorriu e entrou na casa.
— Ele não se lembra de nada do que aconteceu? — perguntou Morgan.
— Só a pessoa que faz a magia se lembra dela com clareza — explicou
Giselle. — Para o resto, é mais como se tivesse sido um sonho. Ou um
pesadelo, no nosso caso. Enfim, depois contamos para ele. As panquecas vão
ajudar.
Morgan sorriu.
— E, depois disso, acho que nós duas poderíamos comemorar o fato de
termos derrotado uma rainha má com a magia nada destruidora de mundos
dos cartões de crédito — sugeriu Morgan.
Giselle sentiu um quentinho no peito ao se lembrar do momento quando,
anos antes, Morgan lhe explicou a “magia dos cartões de crédito”.
— Eu adoraria — falou Giselle, — mas preciso fazer algo antes.
Pouco tempo depois, Giselle entrou na cafeteria de Edgar. O proprietário
estava se encarando em um espelho atrás do balcão com uma cara estranha.
Era como se houvesse algo sobre o espelho de que ele quase conseguisse se
lembrar.
— Bom dia, Edgar — cumprimentou Giselle.
Ele se assustou, depois se virou para ela e sorriu.
— Giselle — saudou Edgar, voltando a si mesmo. — O de costume?
— Sim, por favor, Edgar — respondeu Giselle. — Malvina está por aqui?
— No lugar de sempre — indicou ele.
Giselle viu Malvina sentada em silêncio em sua poltrona que parecia um
trono. Ruby e Rosaleen também estavam lá, como sempre, uma de cada lado.
As três seguravam copos fumegantes de café e olhavam para o nada com cara
de peixe morto, atônitas, sem beber.
— Odeio bancas de doces — admitiu Ruby.
— E sapos — falou Rosaleen. — Tive um sonho horrível com sapos.
— Eu também! — disse Ruby. — O seu foi em uma banca de doces?
Malvina viu Giselle se aproximando e ajeitou a postura.
— Desculpe interromper — falou Giselle. — Pensei em dar só uma
passadinha para dizer oi e, hum…
Giselle então se inclinou e disse baixinho para Malvina:
— Eu gostaria de me desculpar pelos cupcakes ontem. E, na verdade, por
muitas outras coisas. Eu só queria que Morgan fosse feliz aqui, e acho que
exagerei um pouquinho.
Malvina encarou Giselle por um momento.
— Bem, então é isso, aproveite seu café — terminou Giselle.
Estava se virando para ir embora quando Malvina a interrompeu:
— Sabe, eu também tenho a tendência de exagerar, às vezes.
Giselle sorriu.
— No fim das contas, temos, sim, espaço para mais uma pessoa no nosso
comitê, se tiver interesse — ofereceu Malvina. — Acho que você seria boa
para a nossa cidade.
Por um breve momento, quase pareceu que Malvina se lembrava do que
tinha acontecido. Ou talvez fosse só a imaginação de Giselle falando mais
alto.
— Eu adoraria! — disse Giselle.
EPÍLOGO

— E ASSIM CHEGAMOS AO FIM DA NOSSA HISTÓRIA — falou Pip, virando a última


página do livro.
Nip e Kip estavam quase dormindo.
Pip explicou que tudo tinha voltado ao normal em Monroeville, mas, ao
mesmo tempo, parecia que todos na cidade sabiam que algo tinha mudado.
Ele contou aos filhos a conversa que Morgan e Tyson tiveram depois de
todo o incidente com a Varinha dos Desejos.
Tinha sido na frente da escola.
— Então, hum, meus amigos e eu vamos ao Festival Monroe mais tarde —
falou Tyson. — Sei que é meio bobo, mas não tem muitas outras coisas para
fazer nesta cidade, então, caso queira ir com a gente, eu poderia… te escoltar.
— Me “escoltar”? — perguntou Morgan.
— É, não sei de onde tirei isso — admitiu Tyson.
Morgan sorriu e falou:
— Hum, claro. Acho que vai ser bobo o bastante para eu gostar.
— Ótimo — respondeu Tyson. — Eu te busco.
Ele sorriu para Morgan e se misturou à multidão de alunos enquanto a
garota o observava, encantada.
Talvez este novo lugar será mesmo maravilhoso, pensou ela.
Pip também contou aos filhos sobre Robert e como ele abriu sua pequena
firma de advocacia em Monroeville. Ele estava ansioso para ajudar seus
colegas da cidade.
Ao lado do escritório de Robert, Giselle abriu sua própria loja, chamada
Uma Vida de Contos de Fadas. Ela ia até lá todos os dias, com Sofia no
carrinho e Robert bem na porta ao lado.
Antes de adormecerem, Kip e Nip quiseram saber o que tinha acontecido
com o quarto de Morgan.
Pip contou aos filhotes que a reforma finalmente tinha chegado ao fim, e o
quarto não era mais um pesadelo elétrico. Agora estava mais para moderno
do que para um conto de fadas. E Morgan adorou.
Mas o que a garota mais gostava no quarto em sua casa nova era a Árvore
de Lembranças pendurada na parede. Por mais que ela estivesse um pouco
avariada, a Árvore significava o mundo para Morgan.
Um dia, a garota percebeu que Giselle tinha voltado para casa do trabalho e
estava parada à porta do quarto dela, com os olhos marejados.
— Mã-ãe — reclamou Morgan, revirando os olhos.
— Desculpe — disse Giselle, enxugando as lágrimas. — É só que o quarto
está tão bonito.
Morgan balançou a cabeça e suspirou.
De repente, um barulho veio lá de fora: o som do poço.
— Nossos convidados chegaram para o jantar — falou Morgan. Ela passou
por Giselle, que lhe deu um beijo no rosto.
Morgan riu.
No quintal, Morgan, Giselle e Robert, com Sofia no colo, deram as boas-
vindas a Nancy e Edward.
Agora, eles tinham uma nova tradição: jantavam juntos aos domingos.
O casal havia trazido um presente também e o entregaram para Giselle. Era
um prato dourado.
— Qualquer refeição que você desejar vai aparecer neste prato — explicou
Edward. — É tudo o que ele faz. Temos quase certeza disso… Querem
saber? Por que não fazemos logo o desejo? — sugeriu ele, pegando o prato de
volta.
— Boa ideia — disse Morgan.
Eles riram ao caminharem em direção à casa.
Antes de entrar, Giselle refletiu sobre todas as alegrias e maravilhas de sua
vida, e no quanto amava sua família. Por mais que haja dias bons e dias ruins,
eles sempre teriam uns aos outros e criariam novas lembranças encantadas
juntos.
Com essas últimas palavras, Pip levantou os olhos do livro e viu que Nip e
Kip finalmente tinham dormido.
Observou os filhos e depois a última página do livro em seu colo, que dizia
apenas…

FIM
Giselle e sua família se mudam para uma casa encantadora em uma
cidadezinha chamada Monroeville.

Os desenhos que Morgan fez quando criança são parte da decoração de seu
novo quarto, incluindo sua ilustração da Árvore de Lembranças.
Malvina, Rosaleen e Ruby fazem uma visita de boas-vindas à família de
Giselle em sua nova casa.
Malvina, Rosaleen e Ruby organizam uma venda de doces para um grande
evento chamado Festival Monroe.

Em seu primeiro dia de aula na escola nova, Morgan conhece Tyson, o filho
de Malvina.
Giselle organiza sua própria venda de doces. Morgan fica morrendo de
vergonha.
Morgan diz a Giselle que ela nunca será sua mãe de verdade, apenas sua
madrasta.
Giselle usa a Varinha dos Desejos para pedir que ela e sua família tenham
uma vida de contos de fadas.
O desejo se torna realidade! Monroeville se torna Monroelasia, onde todos
vivem em um conto de fadas.

Mas Giselle percebe que, com o passar do tempo, ela começa a virar uma
madrasta perversa!
Giselle faz uma visita a Malvina, que se tornou uma rainha má.

Giselle planeja assumir o poder de Monrolasia.


Morgan usa sua Árvore de Lembranças para fazer Giselle voltar a ser quem
ela era.

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