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Michikazu Tanaka da Daihatsu sobre O que aprendi com

Taiichi Ohno

JOHN SHOOK*

Essa semana (e sem dúvida em algumas colunas futuras também)


vou explorar meu profundo interesse na história da Toyota ao
compartilhar algumas das minhas histórias favoritas das Origens do
Lean (The Birth of Lean).

Considere as palavras de Michikazu Tanaka, em “O que aprendi com


Taiichi Ohno.” Inestimável. Inestimável parcialmente porque são
reflexões extraídas da sua época de aprendizado mais intenso sob a
tutela direta de Ohno. Tanaka já era um gerente de produção bem
sucedido na Daihatsu quando conheceu Ohno. Ainda assim, trabalhar
com Ohno deu início a uma nova e monumental jornada de
aprendizado para Tanaka e para sua equipe.

Grande parte do aprendizado de Tanaka ocorreu quando ele estava


convertendo a planta da Daihatsu em Kyoto para o TPS. Eu nunca
tive o prazer de visitar essa planta, mas muitos dos meus amigos me
dizem que até hoje a Daihatsu de Kyoto é um dos melhores exemplos
de TPS em uma montadora automotiva.
Quando o trabalho de transformar essa planta começou, Tanaka
conhecia Ohno principalmente pela sua reputação. E pelo que sabia,
trabalhar com Ohno não era algo que as pessoas desejavam com
alegria. Ohno já era famoso por ser uma espécie de capataz.

(As passagens a seguir são extraídas diretamente do capítulo dois da


publicação As Origens do Lean- The Birth Of Lean. Esse capítulo traz
uma longa narrativa de Tanaka sobre sua experiência. A menos que
observado em contrário, é o próprio Tanaka que conta sua história. O
material apresentado aqui foi parcialmente editado buscando maior
concisão. Recomendo que vocês leiam o original!)

Comece com o trabalho…

Um dia, Ohno-san exigiu que nos livrássemos do equipamento


automatizado para transportar painéis laterais entre os processos. Os
painéis laterais eram grandes e pesados, e difíceis até mesmo para
dois homens carregarem. Transportá-los manualmente significaria um
trabalho consideravelmente maior.

Nosso equipamento automatizado levantava os painéis laterais e


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então os movia horizontalmente para o próximo processo. Mas nosso
sistema de polias manuais arrastava os painéis laterais diretamente
para o próximo processo no decorrer de um caminho diagonal.
Portanto, o sistema manual transportava os painéis laterais mais
rápido que o sistema automático. Como era de se esperar, Ohno-san
observou a perda de tempo que nosso sistema automatizado
representava. Somente quando nós efetivamente tentamos um
método alternativo no local de trabalho, percebemos quanto tempo
estávamos desperdiçando.

Ohno-san foi direto ao ponto na sua próxima visita: “A eliminação do


equipamento automático está causando dores de cabeça nas pessoas
no local de trabalho?”
“A princípio ele era um problema”, admiti. “E testamos diversas
soluções possíveis. Finalmente implementamos um sistema de
roldanas que efetivamente reduziu um pouco o tempo de transporte”.

“É bom ouvir isso. Eu não estava totalmente confiante sobre como as


coisas funcionariam. E no carro estava pensando sobre o problema
que eu poderia ter causado para o nosso pessoal. Mas sabia que o
local de trabalho pode ser uma fonte de sabedoria incrível quando a
necessidade surge. É realmente bom ouvir isso”.
Ohno-san repetiu duas ou três vezes durante a nossa conversa que
estava preocupado em causar problemas para as pessoas no local de
trabalho. Ele era o primeiro executivo sênior de quem ouvia esse tipo
de preocupação.

Eu sabia então que ele realmente abordava o kaizen do ponto de


vista dos trabalhadores…
Gemba gembutsu [também genchi gembutsu: um compromisso em
ver as coisas (gembutsu) em primeira mão conforme estão realmente
no local de trabalho (gemba ou genchi)] era absolutamente
fundamental para a abordagem de Ohno-san. Ele nunca
simplesmente julgava com base no que ouvia sobre algo. Ele sempre
insistia em ir para o local em questão e observar. Algumas vezes,
quando pressionávamos buscando uma opinião, ele dizia, “Você é a
pessoa que viu a coisa. Você sabe melhor do que eu. Como eu
poderia falar sobre algo que não tenha visto?”

“Seu trabalho não é ‘ensinar’…”

(Ohno alocava indivíduos da Toyota para auxiliar a Daihatsu com seu


kaizen. Em uma ocasião, ele alocou um engenheiro de produção da
Toyota para ajudar em parte do kaizen de automação. Tanaka se
questionava como poderia ajudá-los.)
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…por uma semana, ele não fez nada. Ele simplesmente observou o
que estava ocorrendo no local de trabalho. Na segunda-feira da sua
segunda semana na nossa planta, ele veio até minha mesa e
descreveu suas impressões e seus planos da seguinte forma.

Observei a atividade no seu local de trabalho cuidadosamente por


uma semana, e vi que as pessoas estão trabalhando muito bem.
Esforcei-me para refletir sobre algo que poderia fazer por você, e
minha conclusão foi que não tenho nenhum papel a desempenhar
aqui.

Parei na casa de Ohno-san no meu trajeto para casa na sexta-feira à


noite e lhe disse o que acabei de lhe dizer. Ele disse, ‘Seu problema é
que você está tentando pensar em algo para ensinar as pessoas da
Daihatsu. Você não precisa lhes ensinar nada. O que você precisa
fazer lá é ajudar a tornar o trabalho mais fácil para os operadores.
Esse é o seu trabalho”.

O real propósito do kanban…

No início, Tanaka não era um fã do sistema kanban de Ohno. No


entanto, ao longo do tempo e por meio da experiência, Tanaka
aprendeu aonde Ohno estava tentando chegar com o kanban. Sua
conversa com Ohno:

…Eu estava completamente equivocado sobre o kanban. Eu pensava


nele totalmente em termos de reduzir o trabalho em andamento,
aumentar a produtividade e iluminar problemas. Claro, ele é bom
para todas essas coisas. Mas seu objetivo básico é outra coisa, não é?
Você usa o kanban para criar uma tensão positiva no local de
trabalho ao reduzir o trabalho em andamento, e isso motiva as
pessoas a se sair melhor que jamais pensariam que seriam capazes.
Não é isto o que você realmente está buscando?”
Um professor de uma universidade alemã veio para a nossa planta
uma vez para aprender sobre o sistema kanban. Ele começou
perguntando a mim sobre o propósito do kanban. Respondi que o
kanban era uma ferramenta para explorar o potencial das pessoas ao
promover uma tensão criativa no local de trabalho. “Sempre ouvi que
o kanban era para reduzir os estoques”, respondeu, “mas sua
resposta faz mais sentido”.

Kaizen e fracasso

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Para nós, Ohno-san era como um Deus. Mas ele sempre esteve ciente
de sua falibilidade, e estava determinado a não deixar seus erros se
tornarem um fardo para as pessoas no local de trabalho. Essa é a
razão pela qual ele estava sempre impaciente para testar novas
idéias imediatamente. “Eu nem sempre entendo bem as coisas”,
costumava dizer. “E se eu entendo algo errado, quero corrigir isso
direito imediatamente”. E essa é a razão pela qual agendamos nosso
kaizen em minutos e horas, e não dias e semanas.
“Se você vai praticar o kaizen continuamente,” continuou ele, “você
tem que assumir que as coisas são uma bagunça.”
Kaizen significa mudar a maneira que as coisas são. Se você assume
que as coisas estão corretas da maneira que estão, não pode praticar
o kaizen. Então mude algo!

Respeito pelas pessoas e o gemba e kaizen…

Ohno: “Quando você analisa o local de trabalho, deverá buscar coisas


que pode fazer pelas pessoas lá. Você não tem o que fazer no local
de trabalho se estiver lá apenas por estar. Você tem que estar
buscando mudanças que pode fazer para beneficiar as pessoas que
estão trabalhando lá”.

Aqui está um exemplo da abordagem de Ohno-san. Ele estava


observando o trabalho em uma linha de montagem de motores uma
vez quando era um gerente de fábrica, e observou que um dos
trabalhadores precisava levantar um bloco de motor pesado uma vez
durante cada ciclo de trabalho. Ohno-san se questionou por que isso
era necessário. Ele chamou o chefe de produção e lhe ordenou que
descobrisse o que estava acontecendo. O chefe de produção retornou
e reportou que o transportador de rolos estava quebrado.
“O que você pensa que está fazendo aqui?” gritou Ohno-san. “Nós
não contratamos pessoas para erguer blocos de motores. Vá verificar
imediatamente se você não está deixando passar outros problemas
como esse”. O chefe de produção logo reportou problemas similares,
e recebeu uma reprimenda previsível de Ohno-san. “Você está aqui
no chão de fábrica diariamente, mas não está realmente vendo nada:
se seu pessoal está enfrentando problemas com algo, se o
desperdício está ocorrendo, se você está sobrecarregado de trabalho
em algum lugar”.

“Ohno-san insistiu que somente metade da atividade em um local de


trabalho típico representava trabalho que agrega valor. O resto era
apenas a roda girando, que não gera nenhum dinheiro para a
empresa. Ele nos ensinou a enxergar…”

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Quando Ohno-san percebia um problema, ele passava uma hora, ou
até duas, em um local. Ele continuava analisando as coisas pelo
tempo necessário para descobrir qual era o problema. Ele nos
alertava que “aguardar até você ter visto os dados é tarde demais
para o kaizen. Você pode avaliar os dados do dia e descobrir que 'hei,
aquela máquina parou muito', ou 'esse processo estava melhorando',
mas já é tarde demais. Um dia todo se passou enquanto você estava
processando os dados. Você tem que agir imediatamente”.

Ohno sobre a verdade…

(Essa passagem compartilha afirmações de Ohno que Tanaka


capturou. Os comentários de Tanaka sobre esses pontos de vista
aparecem entre colchetes.)

“Contar mentiras é ruim, mas ser enganado por elas é pior”.


[Tanaka: Tomar decisões com base em materiais escritos pode gerar
decisões ruins. Se você tem dúvidas sobre algo, precisa ir ao local de
trabalho e ver por si próprio. O presidente de uma empresa tinha
uma formação administrativa, e não conseguia determinar o que era
o quê quando um problema técnico surgia em uma reunião do
conselho. Então ele foi para o local de trabalho para ver qual era o
problema. Ele descobriu que metade do que um diretor responsável
pela produção tinha dito em uma reunião do conselho não era
verdade. O presidente começou a visitar o local de trabalho
ocasionalmente. Todos ficaram sabendo que ele estava de olho nas
coisas, e os diretores pararam de fazer alegações falsas.] “Gerentes e
gerentes gerais são bons mentirosos. Mas os diretores são ainda
melhores”.

Qualquer um pode obter conhecimento por meio do estudo. Mas


sabedoria é outra coisa. E o que precisamos no local de trabalho é
sabedoria. Precisamos promover as pessoas que possuem sabedoria.
A única maneira de fazer isso é definir metas ambiciosas e forçar as
pessoas a atingi-las mais do que elas pensavam que seria possível.

Uma vez que as pessoas realmente resolvam fazer algo, a sabedoria


necessária surgirá. As pessoas crescem, e impõem novas
capacidades. O kanban não surgiu do aprendizado de livros didáticos.
Ele surgiu da experiência prática no local de trabalho, e a melhor
maneira de aprender sobre o kanban é utilizando-o.

[Tanaka: “Ohno-san nos disse, “Estão surgindo livros sobre o kanban,


mas somente alguém que realmente usa o kanban pode realmente
entender como ele funciona. Vocês aprenderam sobre o kanban
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utilizando-o, portanto não precisam ler meu livro”. Então eu nunca li
o livro dele”.]

“As pessoas que se destacam em algo tendem a ser aquelas que


insistem em ver as coisas por si próprias. Isso porque os fatos estão
nas coisas que efetivamente vemos, e só conseguimos chegar à
verdade por meio dos fatos. Apenas refletir sobre as coisas na sua
própria cabeça não vai levá-lo à verdade”.

“Temos pessoas demais atualmente que não entendem o local de


trabalho. Elas têm uma espécie de véu sobre seus olhos. Elas
refletem muito, mas não enxergam. Insisto que vocês façam um
esforço especial para ver o que está acontecendo no local de
trabalho. Os fatos estão lá. E a verdade está oculta nos fatos. Nosso
trabalho é compreender a verdade”.

E é a isso que o “gemba” ou “genchi genbutsu” se referem – alcançar


a verdade, ganhando sabedoria, respeitando as pessoas e fazendo as
coisas melhor.

Publicado em 13/05/2009

Acesssado 10/04/2018 em: https://www.lean.org.br/artigos/361/michikazu-


tanaka-da-daihatsu-sobre-o-que-aprendi-com-taiichi-ohno.aspx

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