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FUNDAÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DE CAJAZEIRAS-FESC

FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE CAJAZEIRAS-FAFIC


CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA

VICENTE FÉLIX DE MOURA NETO

SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRA-MORAL:


aspectos da filosofia pragmática de Nietzsche

CAJAZEIRAS- PB
2021
VICENTE FÉLIX DE MOURA NETO

SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRA-MORAL:


aspectos da filosofia pragmática de Nietzsche

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Cajazeiras - FAFIC,
como requisito parcial para a obtenção do
grau de Licenciado em Filosofia.

Orientador: Prof. Dr. Geraldo Dias

CAJAZEIRAS – PB
2021
VICENTE FÉLIX DE MOURA NETO

SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRA-MORAL:


aspectos da filosofia pragmática de Nietzsche

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Filosofia, Ciências


e Letras de Cajazeiras - FAFIC, como requisito parcial para a obtenção do grau
de Licenciado em Filosofia.

Aprovado em: ______/______/________

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________
Prof. Dr. Geraldo Dias Pereira (FAFIC)
ORIENTADOR

_______________________________________
Prof. Esp. Severino Elias Neto (FAFIC)
EXAMINADOR

_______________________________________
Prof. Dr. Damião Fernandes dos Santos (FAFIC)
EXAMINADOR
Dedico este Trabalho de Conclusão de
Curso a minha mãe, Francisca Pereira da
Silva (Neidinha), mulher de fibra, guerreira
forte e destemida, mãe carinhosa e
companheira e ainda, educadora exemplar.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, meu agradecimento ao Deus da vida pelo dom sublime que me


concede a cada novo dia. Também louvo pela constante intercessão da Virgem
Santíssima, a mãe da Piedade, por me defender e me amar. Rendo ainda, meu
sincero obrigado pelos anjos que no decorrer da vida foram sendo colocados no
meu caminho. Em especial, todos da minha família, aos Religiosos da Sagrada
Face por todo apoio e formação durante os anos em que fiz minha experiência
vocacional-religiosa e que consequentemente foram os anos de início do curso de
filosofia, e ainda, aos muitos outros amigos que gradativamente fui sendo
presenteado, em decorrência das missões ou até mesmo de outros momentos.
Por fim, agradeço à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras, e,
de modo muito especial, ao meu orientador, professor Dr. Geraldo dias por toda
ajuda e incentivo na elaboração deste trabalho. Deus seja louvado em todos os
momentos!
“Lutar por uma verdade é algo totalmente distinto de lutar pela verdade.”
(NIETZSCHE, 2007, p. 64, grifos do autor)
RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar aspectos da filosofia pragmática de


Nietzsche. Em particular, pretende evidenciar aspectos do pragmatismo no escrito
do filósofo publicado postumamente, intitulado Sobre Verdade e Mentira no
Sentido Extra-Moral. Sendo assim, o problema norteador deste trabalho consiste
no seguinte: haveria no pensamento de Nietzsche, em especial no escrito
mencionado, aspectos significativos, com características bem definidas,
recebidas do pragmatismo? Para resolver esse problema, na segunda seção
deste trabalho, trataremos da concepção geral do que é propriamente o
pragmatismo, realizando um breve histórico e destacando os principais
pensadores. Na terceira seção, estudaremos as influências recebidas pelo filósofo
alemão por parte da filosofia pragmática, destacando algumas das características
de tal filosofia, como a sua filosofia de vida, presente em suas obras centrais. Por
fim, na quarta seção, pretendemos analisar o escrito do filósofo e relevar as suas
pertinentes afirmações e se elas de fato remontam ao pragmatismo. Para tanto,
com o auxílio do método genético-estrutural, incluímos no estudo do escrito os
fragmentos póstumos que o antecedem.

Palavras-chave: Nietzsche; filosofia pragmática; filosofias de vida.


ABSTRACT

The present work aims to analyze aspects of Nietzsche's pragmatic philosophy. In


particular, it intends to highlight aspects of pragmatism in the posthumously
published writing of the philosopher, entitled Sobre Verdade e Mentira no Sentido
Extra-Moral. Thus, the guiding problem of this work consists of the following: would
there be in Nietzsche's thought, especially in the aforementioned writing,
significant aspects, with well-defined characteristics, received from pragmatism?
In order to solve this problem, in the second section of this work, we will deal with
the general conception of what pragmatism properly is, making a brief history and
highlighting the main thinkers. In the third section, we will study the influences
received by the German philosopher from the pragmatic philosophy, highlighting
some of the characteristics of such philosophy, such as his philosophies of life,
present in his central works. Finally, in the fourth section, we intend to analyze the
philosopher's writing and reveal his pertinent statements and whether they actually
go back to pragmatism. Therefore, with the help of the genetic-structural method,
we included the posthumous fragments that precede it in the study of the writing.

Keywords: Nietzsche; pragmatic philosophy; philosophies of life.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 9

2 CONCEPÇÃO GERAL DA FILOSOFIA PRAGMÁTICA.................................... 12


2.1 Aspectos Histórico da Filosofia Pragmáticas................................... ................ 12
2.2 Principais Pensadores............................................................ .......................... 15

3 AS INFLUÊNCIAS E APROPRIAÇÕES PRAGMÁTICAS DENIETZSCHE........ 18


3.1 Influências, formação e prolongamento do perfil pragmático de Nietzsche...... 18
3.2 Apropriações nietzschianas............................................................................... 22
3.2.1 Promotor da vida e defensor da livre vontade humana.................................. 23

4 ANÁLISE DO ESCRITO SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRA-


MORAL................................................................................................................... 26
4.1 Comentários aos fragmentos póstumos............................................................ 26
4.2 Pragmatismo Linguístico no escrito Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-
Moral........................................................................................................................ 30
4.3 Pragmatismo Científico no escrito Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-
Moral........................................................................................................................ 33

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 37
REFERÊNCIAS................................................................................................... 39
98

1 INTRODUÇÃO

O pragmatismo, originado com o objetivo de unir por meio de fatores comuns


o idealismo e realismo, ganha grande importância na filosofia, por defender uma
verdade fundada na utilidade prático-social. Ele busca, entre outras coisas, atribuir um
ponto positivo ao conceito de verdade, vinculando-o à promoção da vida e à livre
vontade humana1. É nesse horizonte filosófico, que este trabalho monográfico procura
analisar aspectos da filosofia pragmática de Nietzsche no escrito Sobre Verdade e
Mentira no Sentido Extra-Moral. O nosso problema central de investigação consiste
no seguinte: seria possível haver em Nietzsche, em especial nesse escrito, aspectos
e características do pensamento pragmático? Assim, para resolver esse problema,
pretendemos testar a hipótese de que o referido escrito apresenta aspectos e
características que podem ser definidas como pertencentes ao pragmatismo.
Para testar nossa hipótese, pretendemos alcançar os seguintes objetivos
específicos. Em primeiro lugar, apresentar os aspectos gerais e históricos da filosofia
pragmática. Em segundo lugar, mostrar algumas das influências sofridas pelo filósofo,
oriundas da filosofia pragmática. E, terceiro e por fim, desenvolver uma revisão do
escrito e seus elementos pragmáticos constitutivos.
Sendo assim, a temática aqui abordada surgiu a partir do interesse pela
filosofia pragmática e da curiosidade por aprofundar este assunto na visão
nietzschiana. Por conseguinte, nosso trabalho monográfico se justifica plenamente,
uma vez que ainda são poucas as pesquisas a respeito desta perspectiva que
desejamos explorar. Isto, são poucos os trabalhos na cena acadêmica a respeito da
presença do pensamento pragmático na filosofia de Nietzsche. No mais, sabemos que
a cada dia aumenta mais a necessidade de novos estudos, um material mais profundo
e esclarecedor que possibilite outros interessados a continuarem seus estudos nessa
perspectiva de pesquisa concernente às possíveis relações entre o pragmatismo e o
pensamento de Nietzsche.
Para que possamos alcançar nossos objetivos e análises, faremos uso dos
métodos genético-estrutural. Sendo o método estrutural aplicado um tanto à maneira

1
Cf. HESSEN, 2000, p. 39-42.
109

do filósofo Victor Goldschmidt2. Isto é, observando as teses defendidas por Nietzsche


em Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral, sobretudo àqueles que dizem a
respeito aos elementos da filosofia pragmática. Mas, de início, será utilizado o método
genético, traçando, assim, as influências na vida do filósofo e consequentemente todo
o ambiente histórico e desenvolvimento da concepção pragmática. Portanto, o que
fazemos é um uso conciliado dos métodos genético e estrutural, à maneira de Scarlett
Marton3. Aliás, a pesquisadora brasileira de Nietzsche, referência internacional nos
estudos do filósofo, defende que há em Nietzsche uma espécie de “pragmatismo
Avant La Lettre”4. Isto é, Nietzsche seria um pensador pragmático antes do
pragmatismo propriamente dito, sendo ele, assim, uma espécie de precursor desta
corrente de pensamento filosófico.
Os seguintes métodos serão empregados de forma condensada, ora fazendo
um resgate histórico, ora expondo a ideia autoral de Nietzsche. Assim, baseando-se
nas pesquisas já realizadas, em alguns momentos, não deixaremos de também expor
a nossa interpretação, o que é feito nas seções.
Para bem expor o atual trabalho monográfico, de início, trataremos da
concepção geral do que vem a ser propriamente o pragmatismo, seu histórico e
principais pensadores. Já na segunda seção, estudaremos as influências recebidas
pelo filósofo alemão, por parte da filosofia pragmática, além de algumas
características que o podem classificar como pragmático. E, por fim, na terceira seção,
pretendemos analisar no texto do filósofo às suas pertinentes afirmações e se elas de
fato remontam a tal filosofia. Para tanto, antes serão analisados, segundo o método
genético, isto é, para uma maior compreensão do escrito Sobre Verdade e Mentira no
Sentido Extra-Moral, os fragmentos póstumos que o antecedem, os quais trazem os
primeiros fundamentos para a formação pragmática de Nietzsche.

2
Filósofo francês, que desenvolveu o método estrutural. GOLDSCHMIDT, Victor. “Tempo
histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas filosóficos”. In: A religião de Platão.
2ª edição. São Paulo: DIFEL, 1970, 139-144.
3
Conforme a pesquisa explica: “No caso de estudos pontuais, julgamos necessário
contextualizar os problemas a serem examinados, recorrendo a visão de conjunto da obra
de Nietzsche. Esse modo de proceder, assim nos parece, permite perceber nos seus textos
bem mais do que a associação livre de ideias ou justaposição de meras opiniões. [...] No
nosso entender, é de modo progressivo que ele explicita a maneira pela qual concebe seu
empreendimento filosófico” (MARTON, 2018, p. 13)
4
MARTON, Scarlett. “A Filosofia de Nietzsche: Um Pragmatismo Avant La Lettre”. In: Cognitio. São
Paulo, v. 7, n. 1, p. 115-120, jan./jun. 2006.
11
10

Nesse sentido, buscaremos apresentar uma recente possibilidade de leitura


sobre o filósofo alemão Nietzsche. Essa leitura fundamenta-se em estudos acerca de
possíveis características pragmáticas presentes em várias de suas obras, com
especial, sempre, ao escrito em que nos propomos analisar. Desse modo, o estudo
do pragmatismo em Nietzsche perpassa o período da juventude, quando recebeu
influências do pensamento de grandes nomes do pragmatismo alemão. Entretanto,
vale ressaltar que os escritos do mesmo filósofo não são totalmente pragmáticos,
contudo, possuem características relevantes.
Por fim, nossa pesquisa e presente trabalho de conclusão pretendem mostrar
que as várias apropriações pragmáticas feitas pelo filósofo alemão Nietzsche
chegaram a ser tão intensas que se propagaram por todas as demais fases da vida e
de suas obras. Entretanto, vale salientar que nosso trabalho se fundamenta em
apenas um texto, o qual é um escrito publicado após a morte de Nietzsche e não um
percurso histórico visando todas as suas obras. Ademais, outros fragmentos
póstumos são apresentados como forma de iluminação para a compreensão de tal
escrito.
11
12

2 CONCEPÇÃO GERAL DA FILOSOFIA PRAGMÁTICA

Nesta segunda seção, apresentaremos, em breve relato, o surgimento e


expansão da filosofia norte-americana. Também traremos o nome dos principais
pensadores, que com o passar do tempo, foram adotando esse modo de pensar
voltado a união da filosofia à vida.

2.1 Breve Histórico da Filosofia Pragmática

No decorrer da história humana, sempre foi muito presente o fator dúvida. O


ser humano sempre esteve investigando as verdades das coisas, primeiramente,
através dos aspectos físicos (cosmologia), depois passou-se para o aspecto
suprafísico (metafísica) voltando-se à racionalidade crítica. É assim que a filosofia, ora
dogmática, vai entrando em processo de desconstrução, extinção de muitas verdades
tidas como absoluta.
Todavia, vão surgindo métodos e correntes de pensamento que atraem
adeptos de todos os locais do planeta. Contudo, nenhuma sanava completamente os
questionamentos e indagações emergentes. É daí que surge no meio acadêmico e
filosófico a corrente pragmática. Diz Viégas (apud LOPES, PIRES, PIRES, 2004):

A missão do Pragmatismo seria a de encerrar as disputas filosóficas,


[...] O Pragmatismo quer implementar um método capaz de determinar
os verdadeiros sentidos de qualquer conceito, doutrina, proposição,
palavra ou tipo de signo.

A ideia de que uma concepção responderia tudo não agradava mais alguns
intelectuais ingleses e norte-americanos, por isso veem a necessidade de fundar uma
nova que possibilitasse um uso prático-social.
Essa valiosa contribuição mostra qual o intuito do surgimento do pragmatismo:
buscar amenizar as divergências existentes, a partir da coerência da realidade com o
argumento defendido.
Iniciado nos Estados Unidos em meados do século XIX, o pragmatismo
vincula a corrente utilitarista com a corrente cética numa perspectiva de descartar toda
13
12

a verdade absoluta, no entanto, admitindo aquela que seja útil socialmente, ou seja,
que admite o uso coletivo, prático e útil à sociedade, sendo rompida a dogmática-
individualista.
A corrente filosófica pragmática, fundada por Charles Peirce5, tenta chegar ao
conhecimento verídico dos argumentos verificando, assim, sua relevância e os
consequentes efeitos na sociedade. Outro grande contribuinte dessa mesma
concepção é William James, o qual agrega ao pragmatismo o “ar filosófico”. James
(apud LOPES, PIRES, PIRES, 2004), ressalta que, “uma ideia torna-se verdadeira, é
tornada verdadeira pelos acontecimentos.” É assim que a filosofia, até então,
dogmatizada deixa de ser a fonte das verdades absolutas. Segundo James (apud
LOPES, PIRES, PIRES, 2004), “As definições de Peirce, tanto de verdade quanto de
significado dependiam dos processos públicos. As definições de James para as
mesmas categorias eram bem mais subjetivas e pessoais.”
Ainda trazemos a figura de Dewey, que foi aquele apaixonado pela filosofia
surgente e que a todo custo buscou o reconhecimento da mesma como ciência. Por
isso, diz ele:
A ciência, no sentido especializado, é a elaboração de operações
cotidianas, ainda que essa elaboração assuma freqüentemente [sic]
caráter muito técnico. [...] A ciência tem seu ponto necessário de
partida nos objetos qualitativos, nos processos e nos instrumentos do
senso comum, que é o mundo do uso, da fruição e dos sofrimentos
concretos. (DEWEY apud REALE; ANTISERI, 1991, p.510)

E ainda diz em outro momento,

[...] visto que os problemas e as indagações em torno do senso


comum dizem respeito às interações entre os seres vivos e o
ambiente, com o fim de realizar objetos de uso e de fruição, os
símbolos empregados são determinados pela cultura corrente de um
grupo social. Eles formam um sistema, mas trata-se de um sistema de
caráter mais prático que intelectual. Esse sistema é constituído por
tradições, profissões, técnicas, interesses e instituições que são efeito
da linguagem cotidiana comum, com a qual os membros do grupo se
intercomunicam. (DEWEY, 1949, p.170)

A perspectiva de Dewey pretende mostrar que a filosofia e a ciência passam


a surgir do cotidiano das pessoas e consequentemente do pensamento de senso
comum, que é o pensar mais útil.

5
Filósofo estadunidense, pai da filosofia pragmática.
14
13

a transformação controlada ou direta de situações indeterminadas em


situação determinada em suas distinções e relações constitutivas, a
ponto de converter os elementos da situação originária em totalidade
unificada. (DEWEY apud REALE e ANTISERI, 1991, p.508).

Também, elenca Dewey que as transformações controladas são capazes de


converter as situações originárias em uma totalidade única, ou seja, é instrumento
para a compreensão da verdade adequada ao ser.
De tal forma, espalhando-se pelo mundo, o pragmatismo vai sendo abraçado
por outros nomes que incrementam ainda mais argumentos. São eles: George Mead,
Ferdinand Schiller, Hans Vaihinger, Calderoni e Vailat, entre tantos outros.
A filosofia pragmática vinha para dar uma nova versão sobre o método de
comprovação da verdade, desfazendo-se da ideia metafísica herdada de Platão. O
apego à realidade, no entanto, fazia desses pensadores homens sensíveis às
realidades sociais, levando-os a defenderem argumentos que possuíssem utilidade
social, que fosse possível a unidade entre a teoria e a práxis.
O pragmatismo é a concepção que se caracteriza como:

um prolongamento da atitude experimentalista, resultante das


manipulações de laboratório, que leva da experiência a hipóteses de
trabalho, que só a experiência, transformando essas hipóteses em
teorias, pode confirmar. (PEIRCE, 1905 apud NUNES, 1991, p. 30)

Era assim interesse dos primeiros pragmáticos e dos atuais voltar-se à


construção de uma sociedade que experienciasse os argumentos gerados no
intelecto.
Sendo que a verdade não gera juízos inúteis, em outras palavras sem utilidade
prática. A esse respeito, diz Nietzsche (apud HESSEN, 2000, p.40): “A verdade não é
um valor teórico, mas uma expressão para a utilidade, para a função de juízo que é
conservadora da vida e servidora da vontade de poder.”
O uso da verdade sempre deve estar a serviço da conservação da vida e da
vontade de poder do homem em vista da coletividade social. Desse modo, toda
afirmação feita por um teórico, em especial, um pragmático deve, antes de mais nada,
está voltada ao serviço humano e vital da sociedade.
14
15

Por isso, traremos neste segundo tópico informações sobre os principais


pensadores pragmático e a expansão da filosofia americana pelos demais países do
mundo, em especial, pela Europa.

2.2 Principais Pensadores

O que há de acontecer, necessariamente, precisa de protagonistas. Para que


a filosofia pragmática surgisse e se desenvolvesse foram e são necessárias pessoas
que ao aderirem tomem-na como concepção de pensamento, ou seja, filosofia de vida.
Nesse ver, surgem gradativamente nomes de pensadores que vão difundindo e
agregando novos horizontes à filosofia pragmática.
Como anteriormente citados, os novos adeptos da filosofia pragmática
trouxeram a ela novos horizontes, mesmo que divergindo em alguns momentos, que
foram as primeiras e principais bases para uma forte solidificação dessa corrente no
meio cientifico.
Assim, foram, então, surgindo Willian James que propõe elevar a concepção
nascente a um conceito racional, dando a ela um “ar filosófico”. Este, junto com Peirce,
o pai do pragmatismo filosófico, é o nome de relevância, pois tornou-se responsável
pela propagação do pensamento pragmático no mundo acadêmico do século XIX.
Além deles, se destaca Dewey que desenvolveu um papel muito significativo e
indispensável sobre a nova filosofia, dando assim o ar cientifico.
Além dos dois primeiros, tem-se uma grande derivação que se desenvolve na
Europa, em especial na Inglaterra e na França. Como citado no tópico precedente,
muitos outros pensadores uniram-se a essa concepção de modo significativo. São
então: George Mead, Ferdinand Schiller, Hans Vaihinger, Calderoni e Vailat.
O primeiro que se apresenta, George Mead, desenvolve a filosofia pragmática
a partir do critério da continuidade entre o homem e o universo, elencando de modo
singular a quebra do que as antigas filosofias defendiam. Segundo Mead, 1972, p. 155
(apud SOUZA, 2011) "No pensamento abstrato o indivíduo adota a atitude do outro
generalizado". Pensando, assim, na continuidade, Mead defende que o pensamento
humano, ou em palavras, do indivíduo é uma generalização originada do pensar do
15
16

outro. Do mesmo modo, Ferdinand Schiller6, que trata de uma espécie de relativismo
radical e a “filosofia do como-se” de Hans Vaihinger7. Schiller, 1905 (apud FCS
SCHILLER) “[...]é difícil... para ver por que mesmo o intelectualismo mais extremista
deve negar que a diferença entre a verdade e a falsidade de uma afirmação deve se
mostrar de alguma maneira visível.
Marcado pelo extremismo típico da cultura alemão, Schiller traz em seus
escritos uma ótima expressividade para que o realismo se sobressaia, a verdade e a
mentira não deve estar explicita, mas ser conveniente a opinião do indivíduo.
Por fim, são elencados dois nomes que acrescentam aos grandes
pragmáticos um alcance maior na geografia mundial. Trata-se de Calderoni com a
distinção entre juízos de valor e de fator na apreciação da verdade. Além de Vailat,
que propõe um novo uso do método pragmático; ele diz:

Sejam verdadeiras, sejam falsas, as opiniões são fatos apesar de tudo


e, como tais, merecem e exigem ser tomadas como objetos de
investigação, verificação, confronto, interpretação e explicação,
precisamente como qualquer outra ordem de fatos e com o mesmo
objeto[...] (VAILATI apud REALLI, 2006, p. 90)

A afirmação de Vailati mostra a nova guinada na filosofia pragmática nascente


que se iniciou com James, o qual propunha um ar filosófico a nova filosofia. Nessa
perspectiva, observa-se que os vários pensadores, mantiveram, mesmo divergindo
em alguns pontos, o enriquecimento de tal concepção, não alterando em nada a
verdade pragmática. Pelo contrário, buscavam incansavelmente o real, bem como, o
afastamento do modelo metafisico.
A filosofia pragmática traz, por assim dizer, uma possibilidade de enxergar o
real tal como ele é, e aceitar que mais do que se voltar ao metafísico, as ações devem
ser e começar pela necessidade que se apresenta, visando sempre o bem-estar da
sociedade, dos indivíduos. Desse modo, vale apena reafirmar que a filosofia originada
nos Estados Unidos não traz nada a mais que nos fazer pensar e agir conforme um
sentimento de coletividade para com a sociedade na qual estamos inseridos,
ponderando os argumentos apresentados e consequentemente abraçando aqueles

6
Filósofo alemão, um dos principais nomes do pragmatismo naquele país.
7
Também alemão, era um filósofo muito influente e um dos principais expoentes da filosofia
pragmática.
17
16

que possuem um perfil de utilidade coletiva, além de uma coerência com o mundo
físico e não totalmente voltada ao mundo metafísico.
18
17

3 AS INFLUÊNCIAS E APROPRIAÇÕES PRAGMÁTICAS DE NIETZSCHE

Nesta terceira seção, trabalharemos as influências recebidas pelo alemão


Nietzsche, da filosofia americana, denominada pragmática. Ainda nessa seção,
buscaremos apresentar como esse processo ocorreu e como o mesmo filósofo passou
a ser considerado um dos precursores das filosofias de vida, sendo esta entendida no
sentido pragmatista.

3.1 Influências, formação e prolongamento do perfil pragmático de Nietzsche

A perspectiva filosófica pragmática se expande por todo o mundo. Muitos


pensadores europeus aderem a essa nova forma de pensar filosófico contemporâneo.
Eles abraçam as formas utilitárias da reflexão e execução da verdade. Aos poucos,
essa perspectiva adentra os vários locais da vida social.
Com a chegada do novo século, a sociedade passa a tomar maior
conhecimento sistemático das verdades fundamentais e abandonam tudo o que se
caracteriza como ideal no sentido de transcendente e voltam-se às necessidades reais
pelas quais o povo passava.
Podemos verificar um pouco disso, a partir de um pensador brasileiro. No
caso, o nosso filósofo Benedito Nunes. Ele nos diz que,

A preeminência do problema dos valores, em Nietzsche, não pode ser


dissociada de seu voluntarismo, que redunda no primado da ação
sobre o pensamento. É a ação que mobiliza a inteligência e que
determina os limites do conhecimento, impondo àquela um caráter
instrumental e a essa uma finalidade essencialmente prática. (NUNES,
1991, p. 65, grifos nossos)

Observemos que essa afirmação de Nunes aplica-se muito bem ao texto que é
o nosso objeto de estudo central, isto é, o escrito do jovem Nietzsche intitulado Sobre
Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral . Embora seja esse o nosso objeto principal
de estudo, cumpre adiantar alguns elementos que são do Nietzsche da maturidade,
que também já está de alguma maneira, ligado com esses aspectos do ainda jovem
pensador. Assim, segundo Nunes, passando então a transmutação dos valores, o
19
18

filósofo anuncia a preparação do além-do-homem com a proposta de superação dos


valores impostos. Dessa forma, transitando do animal para o além-do-homem, o
mesmo não mais se fundamenta na mediocridade das virtudes estabelecidas e se
torna a imagem desnaturalizada e a representação futura de como deve ser o homem.
Desse modo, “o critério de homem, valor de todos os valores, é a vontade de
poder, outrora sacrificada, com o saneamento da cultura, o fim do niilismo”. (NUNES,
1991, p.63). Após a chegada na Europa, a nova filosofia, isto é, o pragmatismo,
expande-se pelas principais nações, em especial, Inglaterra e Alemanha agregando-
se a si, nomes de grandes pensadores.
Nesse sentido, notamos que a mesma passa a ter influências significativas
sobre o filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Ele assume uma atitude característica do
pragmatismo, a qual é marcada pela relativização do problema epistemológico, típico
da filosofia contemporânea (NUNES, 1991, p.65).
Nesta perspectiva, nosso filósofo torna-se um dos precursores das chamadas
filosofias de vida, isto é, uma espécie de outra denominação para pragmatismo. Em
outras palavras, Nietzsche um dos primeiros a difundir, a partir de seus escritos, que
as afirmações argumentativas devem em tudo está voltada à defesa da vida, da
vontade e da praticidade social.
A questão relevante no modo novo ao qual Nietzsche adere é a de possibilitar
um perfil coerente à sociedade, que una os argumentos à vida. Comenta Nunes (1991,
p. 65) Dado que o real jamais pode ser contemplado em sua nudez, em seu verdadeiro
ser, toda verdade é somente uma aparência necessária – o que equivale a uma
mentira, mas vital e indispensável.
Dessa forma, o contato com a verdade passa a ser mera aparência, uma
mentira, se apenas argumentada idealisticamente. No entanto, essa mesma verdade
é vital e indispensável, pois traz em si uma utilidade que deve transpor a barreira
idealista e se concretizar na sociedade.
A lógica nietzschiana está assim pautada na preeminência do problema dos
valores, que associada ao seu voluntarismo, funda o primado da ação sobre o
pensamento (NUNES, 1991, p. 61). Desse modo, toda lógica argumentativa elaborada
e defendida pelo filósofo alemão consiste numa ação voluntária do homem em dá
sentido de valor àquele pensamento que é submetido à ação. Com isso, todo pensar
desenvolvido na sua maturidade abrange a perspectiva da argumentação prática.
19
20

Aqui, estamos abordando esses aspectos do Nietzsche da maturidade para


mostrar que essa tendência pragmatista já estava presente no jovem Nietzsche e que
apesar de ter mudado sua forma de pensar filosófico, ainda assim permanecem
resquícios daquele pensamento pragmático, que tanto o influenciou em sua vida e
formação. Em especial no seu escrito Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-
Moral.
Entretanto, o voluntarismo de Nietzsche, manifestado em muitas de suas
obras, caracterizado pelo primado de forças inconscientes, são externados pelos
vários fenômenos que o impulsionam à distinção. (NUNES, 1991, p.59)
Tomado de influências pela “filosofia do como si” de Hans Vaihinger, que
baseia-se na ficção útil, como já mencionado, Nietzsche passa a ser um dos
precursores das filosofias de vida que se caracterizam pela:

a)Afirmação de que a realidade, seja sob a forma de experiência


psíquica, seja sob a forma de cultura ou de história, é o que nos
circunda ou envolve; b)a participação afetiva ou prática nessa
realidade é anterior a qualquer formulação do pensamento teórico;
c)crítica, às vezes secundada por tendência irracionalista, ao
conhecimento positivo das ciências da natureza, especialmente à
física, como paradigma da Razão; d)antiintelectualismo [sic], em
defesa de uma outra modalidade de conhecimento, que não o
conceptual, legitimado pela participação afetiva ou prática na
realidade. (NUNES, 1991, p. 66, grifos do autor)

Presentes em algumas de suas obras, trazem, com efeito a integração do


filósofo alemão a nova filosofia. Que tomado pela questão dos valores da vida e da
vontade encontra campo fértil para seu pensamento, mesmo não sendo reconhecido
como pragmático, nem se autodenominando assim.
Além disso, Nietzsche, possivelmente esteve em contato com as obras de
outro filósofo, também pragmático e alemão, que significativamente o influenciou.
Falamos aqui do já anteriormente citado Schiller, que por sua vez apresenta uma
espécie de relativismo radical, característica pertinente nas obras filosóficas de
Nietzsche.
De modo especial, poderíamos afirmar que os dois principais influenciadores
do pensamento do nosso filósofo foram Schiller e Vaihinger, por serem os principais
e primeiros filósofos pragmáticos da Alemanha e serem contemporâneos de Friedrich
Nietzsche.
21
20

A aproximação com a nova filosofia traz, certamente, ao filósofo, um


encantamento e justificativa dos seus argumentos, pois a questão valorativa se funda
como orientação à vida dos seres humanos. Contudo, nosso filósofo, discorda da
questão dos valores, ao passo que o homem passa a ser escravo dos mesmos, com
isso, diz: “O homem é uma corda estendida entre o animal e o Super-homem, uma
corda sobre um abismo.” (NIETZSCHE, 1957; apud NUNES, 1991, p.63).
Dessa forma, ele tenta amenizar a consequência histórica causada pelo
afastamento entre o pensamento e a vida. A proposta de união entre esses dois
âmbitos gera um impulso sobre o problema dos valores. Assim, Nietzsche assume a
atitude característica do pragmatismo que se porta como típico movimento da nova
era filosófica, a contemporânea. (NUNES, 1991, p. 65).
Entretanto, a ideia filosófico-pragmática de Nietzsche comporta-se como meio
de suscitar nos leitores um pensamento de repressão de todas as paixões, passando
a uma condição supra valorativa, fincando-se numa moral além do Bem e do Mal.
Sendo um grande crítico do cristianismo, Nietzsche (apud NUNES, 1991,
p.64), expõe que “a moral cristã é a moral dos fracos [...] (moral de rebanho)”, pois a
mesma possui princípios idealistas e, portanto, propõe o sofrimento do corpo em vista
da vida futura. O que para ele é absurdo, pois o presente é a vida, e esta deve estar
vinculada ao pensamento e, por fim, aos valores próprios do homem livre.
Nietzsche focando na livre vontade humana passa a contemplar em seus
escritos a questão da liberdade de vida, ou seja, uma vida com permissão ao pensar
e questionar as coisas a partir das necessidades cotidianas das pessoas.
“[...] no entanto, esse processo, ao contrário do que vimos em Marx, é
fundamentalmente natural, e, não obstante produzir consideráveis efeitos sociais e
históricos, obedece ao dinamismo biológico e psíquico dos instintos primários.”
(NIETZSCHE apud NUNES, 1991, p. 59). Todavia, esses instintos, tidos como
primários, poderão ser desviados para outras finalidades, como nos recorda o próprio
filósofo alemão; fins esses considerados nobres ou superiores.

3.2 Apropriações nietzschianas

Após ter contato com os primeiros pragmáticos alemães, Nietzsche passa a


se utilizar desta nova maneira do pensar filosófico em seus escritos. Tais
características são bem nítidas em trechos de algumas de suas obras e até mesmo
21
22

em títulos das mesmas. Temos então, dentre elas Sobre Verdade e Mentira no Sentido
Extra-Moral, a qual estamos fazendo uso neste trabalho monográfico, a partir de duas
traduções, a dos Pensadores e a de Fernando de Morais Barros, ainda é possível
encontrar tais características em Genealogia da Moral, Entre o Bem e o Mal, dentre
outras.
As características mais pertinentes e que possibilitam a nossa análise
consistem naquelas próprias da filosofia pragmática ou dos pensadores/fundadores
da mesma, que, de certa forma, foram sendo despertadas nos novos integrantes e
por conseguinte naqueles que mesmo não aderindo em totalidade vieram a utilizar em
algum momento. Dessa forma, as características que perpassam as obras filosóficas
de Nietzsche e, que são típicas do pragmatismo, são: o uso de um critério de verdade
amplo, prático, voltado a realidade em que se está inserido e que sobretudo busca o
desapego do princípio metafísico.
Em sua obra Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral (2007, p. 38),
Nietzsche afirma: “[...] a partir da contraposição ao mentiroso, aquele em quem
ninguém confia e que todos excluem, o homem demonstra para si o que há de
venerável, confiável e útil na verdade.” O filósofo tenta nos mostrar que o mentiroso
não possui algo de confiável, por isso é necessário que a ele se contraponha, e o
próprio homem da verdade a traga para fora, como forma de apresentação daquilo
que lhe é útil, sublime e sobretudo digno de confiança, a verdade.
Além disso, o nosso estimado filósofo nos traz uma segura e útil afirmação
sobre a questão da metáfora intuitiva, que de certa forma está sempre presente nos
argumentos e que é tida por Nietzsche (2007, p. 38) como “individual e desprovida de
seu correlato.” Isso vem a nos mostrar que as metáforas geradas na nossa intuição
nem sempre são providas de verdade, ou melhor, de uma verdade útil para a
coletividade e correspondente ao significado daquilo que contem.
Assim, se passamos a definir algo e a conceituar a partir do nosso próprio
argumento pessoal sem antes, porém, investigar e encontrar a verdade, nos diz
Nietzsche (2007, p. 40): “uma verdade decerto é trazida à plena luz, mas ela possui
um valor limitado”, pois para ele o verdadeiro em si, é efetivo e válido universalmente.
(NIETZSCHE, 2007, p. 40) Tal afirmação nos mostra ainda, que é possível algo ser
verdadeiro, mesmo não contendo aquele aspecto característico da mesma que é a
abrangência, o ilimitado.
23
22

Para que a experiência da abrangência ocorra, passa a ser necessário que a


coletividade a tenha como experiência comum afirmando assim sua frequência
enquanto argumento válido. Para isso, nos diz Barros (apud Nietzsche 2007, p. 12):
“a experiência em comum com o outro terminariam por se sobrepor àquelas que
ocorrem com menor frequência no seio da coletividade.” Desse modo, se faz
necessário a questão do argumento ser ilimitado, abrangente, coletivo.
Diz Barros (apud Nietzsche 2007, p. 13), “[...] o pensamento adquire, então,
um sentido ligado a um universo infra-consciente [sic] bem mais recuado, que engloba
processos vitais cujo sentido último sempre nos escaparia.” Com isso, o filósofo
explica que o processo de formação do pensamento vai concretizando-se ao passo
que se liga a consciência e, consequentemente a todos os sentidos vitais.

3.2.1 Promotor da vida e defensor da livre vontade humana

Os fundamentos específicos da filosofia pragmática são rapidamente


abraçados e praticados por Nietzsche. O mesmo, vendo a necessidade de uma
filosofia mais prática e de argumentos realistas, começa a expor seu pensar sobre o
assunto e a defender de modo intenso esses dois pontos cruciais.
É, por isso, assim chamado precursor das filosofias de vida, como antes já
falamos. Dessa forma, é segundo os conceitos da ciência e, a respeito da verdade
estrita que funciona as principais ideias dos postulados comuns às principais filosofias
da vida. (NUNES, 1991) De fato, é por meio das ideias filosóficas do pragmatismo que
o alemão Nietzsche formula suas bases e promove de início seus argumentos
filosóficos.
A verdade nunca será, no entanto, conhecida em plenitude, já afirma
Nietzsche ao trazer em seu escrito Sobre Verdade e Mentira no sentido Extra-Moral o
seguinte argumento: “Não há um impulso ao conhecimento e à verdade, mas tão
somente um impulso à crença na verdade. O conhecimento puro é desprovido de
impulso.” (NIETZSCHE, 2007, p. 94), ou seja, a verdade pura não possui impulso.
É por causa da crença na verdade, ou nas verdades que as relações se
formam. Segundo Nietzsche (2007, p. 85, grifos do autor), “eis por que tudo se nos
torna novamente conhecido apenas como relações entre outros X, Y e Z.” desse
24
23

modo, as relações formadas, surgem pela troca de conhecimento com o outro,


fomentando a promoção da vida e a liberdade da vontade humana.
Para melhor explicar a questão do impulso à verdade como forma de
promoção da vida humana traremos um fascículo da obra em estudo, que nos
apresentará a ideia do autor, o filósofo Nietzsche (2007, p. 83, grifos do autor):
O impulso à verdade8 começa com a forte observação de quão
antipódicos são o mundo efetivo e o mundo da mentira, bem como de
que quão incerta se torna a vida humana, se a verdade
convencionalmente estabelecida não valer de modo incondicional; há
que se ter uma convicção moral acerca da necessidade de uma firme
convenção, caso uma sociedade humana deva existir. Se em algum
lugar o estado de guerra deve cessar, então isso tem que se dar com
a fixação da verdade, isto é, com uma designação válida e impositiva
das coisas.
O mentiroso emprega as palavras para fazer com que o irreal venha à
luz como algo efetivo, quer dizer, ele abusa do firme fundamento.
Por outro lado, o impulso em direção a metáforas sempre novas
permanece presente, descarregando-se no poeta, no ator etc., e, em
especial, na religião.
O filósofo também busca, no âmbito em que vigoravam as religiões, o
“efetivo”, o permanente, isto é, no sentimento do eterno e mítico jogo
da mentira. Ele quer uma verdade que permaneça. Estende, pois, a
necessidade de firmes convenções verdadeiras sobre novos âmbitos.

Desse modo, a vinculação da verdade a vida humana deverá ocorrer de modo


convencionado, ou seja, estando sempre juntas por uma questão moral.
Portanto, a ideia de impulso para Nietzsche, possui um aspecto totalmente
moralista que consiste por uma busca imparável por aquilo que é verdadeiro, pela
própria verdade, ou ainda mais, é uma incansável luta pela verdade autêntica.
Segundo Nunes (1991, p. 65):
Nietzsche assumiu, relativamente ao problema do conhecimento,
trilhando um caminho pessoal, a atitude característica do
pragmatismo, enquanto movimento típico da filosofia contemporânea
no início do século.

Após ter contato com as ideias e fundamentos pragmáticos, podemos


considerar que Nietzsche assume as características dessa filosofia e trilha por meio
de um caminho pessoal e único, buscando sempre responder ao duradouro problema
da verdade. Essa ideia prevalece até a fase da maturidade, quando ele passa ao

8
Complementação sobre o impulso: “O impulso ao conhecimento tem uma origem moral.”
(NIETZSCHE, 2007, p. 72)
25
24

niilismo. Por fim, a incorporação desses critérios na vida de Nietzsche, se dão de modo
gradativo e permanecem por toda sua vida.
26
25

4 A ANÁLISE DE SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRA-MORAL

Nesta última seção da nossa revisão teórica, faremos o que de antemão


apresentamos no nosso resumo. Trataremos assim, de trazer uma análise do escrito
mais característica da fase da sua juventude com perfil pragmático.
Para uma melhor compreensão, ao realizar-se à leitura de um texto de
Nietzsche, faz-se necessário olhá-lo numa perspectiva naturalista. Acerca dessa
maneira de ler, a pesquisadora Scarlett Marton, 2006, p.115 nos diz o seguinte:
A maneira com que Nietzsche aborda a questão se inscreve numa
perspectiva naturalista; considera o ato de conhecer resultante de
interações de indivíduos, pertencentes a determinada espécie animal,
entre si e com o meio que os cerca.

É a partir do ato do conhecimento das relações dos indivíduos e da


perspectiva naturalista que o entendimento do pensar nietzschiano acontece.

4.1 Comentários aos fragmentos póstumos

O esquema de comentários póstumos agregados na obra Sobre Verdade e


Mentira no Sentido Extra-Moral remontam ao verão de 1872 em que teriam sido
anotados como preparatórios, possuindo um horizonte hermenêutico incomum e cujo
léxico não está perfeitamente em consonância com o vocabulário técnico
convencional.

1º fragmento – A sentença deve ser declarada: vivemos somente


através de ilusões, sendo que nossa consciência dedilha nossa
superfície. Há muita coisa que se esconde diante de nosso olhar.
Também nunca se deve temer que o homem termine por se conhecer
inteiramente, que ele, a todo instante, penetre em todas as leis da
impulsão, da mecânica, bem como em todas as formulas da
arquitetura e da química que são necessárias à sua vida. É bem
possível que tudo se torne conhecido por meio de esquemas. Isso não
altera em quase nada nossa vida. Ademais, trata-se apenas de
formulas absolutamente desconhecidas. (NIETZSCHE, 2007, p. 57,
grifos do autor)

A vida humana é tida pelo filósofo alemão como uma permanente ilusão, em
que insistentemente se busca conhecer e até se consegue a inteireza nas leis da
27
26

impulsão e da mecânica. Além disso, todas as demais forças tidas como


desconhecidas são necessárias à sua vida.

2º fragmento – Vivemos, com efeito, numa ilusão continua através da


superficialidade do nosso intelecto: para vivermos precisamos da arte
a todo instante. Nosso olho nos prende às formas. Se, no entanto,
somos nós mesmos a adquirir, aos poucos, esse olho, então vemos
vigorar em nós próprios uma força artística. Vemos, pois, na natureza
mesma, mecanismos contra o saber absoluto: o filósofo reconhece a
linguagem da natureza e diz: “precisamos da arte” e “carecemos
apenas de uma parte do saber”. (NIETZSCHE, 2007, p. 58, grifos do
autor)

Neste segundo fascículo, vem à tona à ideia da arte como suplemento ao


intelecto humano, diz ele: “precisamos da arte a todo instante.” É nessa perspectiva
que a ilusão causada pela superficialidade do intelecto humano necessita da força
artística para a compreensão do saber, no entanto, não do saber absoluto, mas de
uma parte apenas.

3º fragmento – O ser sensível precisa da ilusão para viver.


A ilusão é necessária para progredir na civilização.
O que quer o saciável impulso ao conhecimento?
Em todo caso, ele é bárbaro.
A filosofia procura domá-lo; constituindo, pois, um instrumento
civilizatório.
Os filósofos mais antigos. (NIETZSCHE, 2007, p. 59)

Nietzsche reafirma a necessidade humana em relação a ilusão. É através dela


que se torna possível uma progressão civilizatória. Porém, o impulso gerado pelo
conhecimento torna o homem um instrumento de civilização, e isso graças a filosofia.

4º fragmento – Nosso entendimento, é uma força pouco profunda, é


superficial. Ou, como também se lhe denomina, é subjetivo. Ele
conhece através de conceitos: isso significa que nosso pensamento é
um rubricar, um nomear. Algo, portanto, que resulta de um arbítrio do
homem e que não remonta à própria coisa. Apenas mediante o cálculo
e tão somente nas formas do espaço possui o homem conhecimento
absoluto, quer dizer, os últimos limites do que pode ser conhecido são
quantidades. Sendo que ele [o homem] não compreende nenhuma
qualidade, mas apenas uma quantidade.
Qual poderá então ser a finalidade de tal força superficial?
Ao conceito corresponde, em primeiro lugar, a imagem; imagens são
pensamentos primordiais, isto é, as superfícies das coisas abreviadas
no espelho do olho.
A imagem é uma coisa, o modelo matemático é outra.
28
27

Imagens nos olhos humanos! Eis o que domina todo ser humano: a
partir do olho! Sujeito! O ouvido escuta o som! Uma concepção
maravilhosa e inteiramente diferente do mesmo mundo.
A arte baseia-se na inexatidão do olhar. E também na inexatidão do
ouvido para o ritmo, o temperamento etc.; nisso se fia, uma vez mais
a arte. (NIETZSCHE, 2007, p. 60- 61, grifos do autor)

Neste fragmento, o filósofo aponta para a inexatidão do entendimento


humano, afirma: “é superficial”, conseguindo, portanto, apenas nomear, formar
conceitos. Ele aponta, por outro lado, a via da matemática como caminho seguro para
se chegar ao absoluto conhecimento, pois em último caso tudo se gere pela
quantidade.
É a partir dessa distinção entre a imagem e o modelo matemático que
acontece a compreensão da visão de mundo. E ainda, ao final do fragmento, ele
reafirma: “a arte baseia-se na inexatidão do olhar.” (NIETZSCHE, 2007, grifo do autor),
ou seja, apenas pela arte não é possível o conhecimento verídico do mundo.

5º fragmento – O sonhar como prolongamento seletivo das imagens


ópticas.
No âmbito do intelecto, tudo o que é qualitativo, não passa de um
quantitativo. Às qualidades somos conduzidos pelo conceito, pela
palavra. (NIETZSCHE, 2007, p. 62, grifo do autor)

Aqui é apresentado a ideia do sonhar. O fator qualitativo é para Nietzsche


sempre menos importante que o quantitativo, pois se apega apenas aos conceitos.
Portanto, o ato de sonhar é um simples prolongamento seletivo das imagens ópticas.

6º fragmento – O homem reivindica a verdade e a dependem na


relação moral com outros homens, sendo que nisso se baseia toda
vida gregária. As consequências ruins das mutuas mentiras são por
ele antecipadas. A partir dai surge, então, a obrigação da verdade. Ao
narrador épico é permitida a mentira, pois, aqui, não se antevê nenhum
efeito nocivo. Assim, lá onde a mentira parece agradável, ela é
permitida: a beleza e a agradabilidade da mentira, desde que não
cause danos. Eis como o sacerdote forja os mitos de seus deuses: ela
[a mentira] justifica sua sublimidade. É incrivelmente difícil fazer com
que o sentimento mítico da livre mentira volte a viver. Os grandes
filósofos gregos ainda vivem nesse consentimento à mentira.
Lá onde não se pode conhecer nada de verdade, a mentira é
permitida.
À noite, ao sonhar, todo homem deixa de se enganar continuamente.
A aspiração à verdade é uma aquisição infinitamente tardia da
humanidade. Nosso sentimento histórico é algo totalmente novo no
mundo. Seria possível que ele reprimisse por completo a arte.
29
28

A afirmação da verdade a todo custo é totalmente socrática.


(NIETZSCHE, 2007, p. 63, grifos do autor)

A verdade é inventada pelo homem, e a cada era passa a ser reinventada a


partir da relação moral existente. É a partir das consequências ruins da mentira que
surge a obrigação da verdade. apenas os narradores épicos possuem essa liberdade
de contar as mentiras porque contam como forma de entreter os homens e aliviar suas
preocupações. Além disso, Nietzsche tece críticas a religião, em especial a pessoa do
sacerdote, pois o considera um inventor de histórias sobre seus deuses. Ele ainda
afirma, que a aspiração pela verdade surge tardiamente e é a todo custo uma iniciativa
socrática, que insistia na dialética e na maiêutica.

7º fragmento – “Lutar por uma verdade é algo totalmente distinto de lutar pela
verdade.” (NIETZSCHE, 2007, p. 64, grifos do autor)
Afirmando que a luta por uma verdade se distingue de lutar pela verdade,
tenta explicar que a luta pela verdade útil, social e real tem mais sentido do que lutar
pela verdade íntima, particular, subjetiva e até mesmo ilusória.

8º fragmento – “Não conhecemos a verdadeira essência de uma causalidade


única.
Ceticismo absoluto: necessidade da arte e da ilusão.” (NIETZSCHE, 2007, p.
65, grifo do autor)

Em defesa do ceticismo, Nietzsche aponta para uma verdade não totalmente


conhecida, pois não conhecemos a essência verdadeira, necessitando da arte e da
ilusão.

9º fragmento – “Todo conhecimento surge por meio de separação, delimitação


e abreviação; não há conhecimento absoluto de uma totalidade!” (NIETZSCHE, 2007,
p. 67)
A separação, a delimitação e a abreviação são características para o
surgimento do conhecimento. Desse modo, numa perspectiva pragmática traz ao ser
humano o conhecimento apenas do real. Com isso, não há conhecimento total e
absoluto, pois a mente humana é limitada. O que faz do ser humano um ser abaixo e
impossibilitado do total conhecimento.
30
29

10º fragmento – “O imenso consenso dos homens acerca das coisas


comprova a uniformidade de seu aparato perceptível.” (NIETZSCHE, 2007, p. 68)
Os homens chegam ao consenso a partir da uniformidade do seu aparato
perceptivo, definido pela moral como verdade. Tal consenso gerado entre os homens
trouxeram a capacidade de formularem normas que uniformizaram a percepção sobre
as realidades, mas de modo especial pela coerência entre as proposições filosóficas
e o cotidiano humano nos seus aspectos social, utilitário e prático.

4.2 Pragmatismo linguístico no escrito Sobre Verdade e Mentira no Sentido

Extra-Moral

De modo inicial, em seu escrito, Nietzsche apresenta a questão do


conhecimento propiciado ao ser humano, o qual o torna o centro do mundo, gerando
assim uma ilusória audácia. Tal audácia humana leva o mesmo a uma “envaidecedora
das apreciações valorativas sobre o próprio conhecer.” (NIETZSCHE, 2007, p.27) O
conhecimento dado ao homem, muita das vezes o leva a uma vaidade voraz.
Na busca de se preservar dos outros indivíduos, o ser humano utiliza uma
legislação da linguagem que fornece as primaciais leis da verdade, pois é
apresentado, pela primeira vez, o contraste entre verdade e mentira. Nos diz o filósofo:

o mentiroso serve-se das designações válidas, as palavras, para fazer


o imaginário surgir como efetivo. [...] num sentido semelhante limitado,
o homem também quer apenas a verdade. Ele quer as consequências
agradáveis da verdade, que conservam a vida.” (NIETZSCHE, 2007,
p.29)

Após apresentar a questão do conhecimento como característica própria do


ser humano, Nietzsche incrementa com o desenvolvimento de uma legislação que
favorecerá a distinção entre verdade e mentira, como forma de preservar a vida.
Num segundo instante, o próprio filósofo nos apresenta metáforas 9. E dois
conceitos, então, são expostos: 1) “A imagem, por seu turno, remodelada num som!”

9
“Metáfora significa tratar como igual algo que, num dado ponto, foi reconhecido como
semelhante.” (NIETZSCHE, 2007, p. 91, grifos do autor)
31
30

(NIETZSCHE, 2007, p.32) e 2) “E, a cada vez, um completo sobressalto de esferas


em direção a uma outra totalmente diferente e nova.” (NIETZSCHE, 2007, p.32)
Nesta perspectiva, são apresentadas a formação de conceitos fundados na
vivência primordial completamente singular e individualizada dos desiguais. “Todo
conceito surge da igualação do não-igual.” (NIETZSCHE, 2007, p.35) Ou seja, uma
palavra irá ser um conceito útil à medida que a mesma não tiver serventia.
(NIETZSCHE, 2007, p. 35) Dessa forma, para que uma palavra possua valor deve
possuir a qualidade essencial da honestidade.
De tal forma, no decorrer da obra Sobre Verdade e Mentira no sentido Extra-
Moral (2007), em análise, nos é apresentada uma indagação, e logo posteriormente
se apresenta a resposta do autor. Nietzsche (2007, p.36-37), coloca:

O que é, pois, a verdade? e responde, [...] as verdades são ilusões


das quais se esqueceu que elas assim o são, metáforas que se
tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que perderam se
troquel10 [sic] e agora são levadas em conta apenas como metal, e não
mais como moedas. Ainda não sabemos donde provem o impulso à
verdade: pois até agora ouvimos falar apenas da obrigação de ser
veraz, que a sociedade, para existir, institui, isto é, de utilizar às
metáforas habituais; portanto, dito moralmente: da obrigação de mentir
conforme uma convenção consolidada, mentir em rebanho num estilo
a todos obrigatório.

A existência da verdade é pautada, assim, numa grande mentira, que ao ser


convencionada pela sociedade, torna-se obrigação veraz e, apesar de não possuir
valor de verdade, se constitui como uma e é moralmente habituada aos seres
humanos de tal sociedade.
Além disso, nosso filósofo em estudo, mostra que a grande variedade
linguística aponta para o fato da não importância que cada uma das palavras contém,
mas apenas para sua forma de expressão. Dessa forma, o que virá a diferenciar o
homem do animal será sua aptidão de liquefazer metáforas intuitivas em um esquema,
dissolvendo uma imagem em um conceito. (NIETZSCHE, 1873, apud: OS
PENSADORES, 1999, p. 57)
A questão se concentra na metáfora que ao ser intuitiva caracteriza-se como
individual e desprovida de seu correlato, e por esse motivo sempre está eludindo todo

10
Instrumento utilizado para cunhagem de medalhas e moedas. No sentido utilizado, remonta-
nos a perda do valor verdadeiro, daquilo que à dá sentido.
32
31

rubricar, sendo inflexível e frio, modelo próprio da lógica matemática. Por isso, cabe
ao homem o atributo de formidável gênio da construção, pois sabe construir com
delicadeza suas verdades, as quais resistirão as intempéries da vida e dos
argumentos opostos.
Também, além dessa primeira comparação, Nietzsche ainda compara o
homem com as abelhas, mais propriamente com a sabedoria das mesmas. Diz ele,

Aqui, cumpre admirá-lo muito, mas não somente por causa de seu
impulso à verdade, ao conhecimento puro das coisas. [...] é assim que
se dá com o procurar e encontrar da “verdade” no interior do domínio
da razão [...] “verdadeiro em si”, efetivo e universalmente válido.
(NIETZSCHE, 2007, p. 40)

Nietzsche traz aqui como o ser humano possui o impulso e o domínio


necessário para procurar e encontrar a verdade. Em uma comparação com um
pesquisador, Nietzsche (2007, p. 40) afirma:

Em princípio, o pesquisador dessas verdades procura apenas a


metamorfose do mundo nos homens; esforça-se por uma
compreensão do mundo visto como uma coisa própria ao homem e,
na melhor das hipóteses, granjeia para si o sentimento de uma
assimilação.

Desse modo, ele tenta explicar que para o homem o encontro da verdade será
seu objetivo de vida, e tal processo acontece a partir da compreensão do mundo
assimilada pelas hipóteses humanas.
A partir daí, o esquecimento do mundo metafórico primitivo passaria a ser uma
verdade em si, decorrente do processo de enrijecimento e petrificação da massa
imagética e da capacidade primitiva da fantasia humana. Em suma, é pelo
esquecimento do homem enquanto sujeito, e mais propriamente, enquanto sujeito
artisticamente criador, que ele vive com certa tranquilidade, e com alguma segurança
consequentemente, o instante dessa crença. (NIETZSCHE, 2007, p. 41)
Mais adiante, em sua obra Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral
(2007), Nietzsche parece notar uma contradição no que até então se afirmava como
percepção correta, pois existiam duas percepções sobre o mundo. Diz ele,

A mim me parece, em todo caso, que a percepção correta – que


significaria a expressão adequada de um objeto no sujeito – é uma
32
33

contraditória absurdidade: pois, entre duas esferas absolutamente


diferentes tais como entre sujeito e objeto não vigora nenhuma
causalidade, nenhuma exatidão, nenhuma expressão, mas, acima de
tudo, uma relação estética, digo, uma transposição sugestiva, uma
tradução balbuciante para uma língua totalmente estranha.
(NIETZSCHE, 2007, p. 42)

Essa contradição se dava pelo fato da divisão entre as formas de perceber a


realidade, típica da modernidade, que dividida em grupos e observavam a partir, ou
do sujeito, ou do objeto e não possuíam se não a preocupação com a forma estética
de ver a realidade. Por isso, ainda afirma Nietzsche (2007, p. 42) a existência de uma
força mediadora e uma esfera intermediaria, pautada na poética e na inventiva.
Nietzsche ainda busca evitar o uso da palavra aparência, que para o mesmo soa como
empírica.

4.3 O pragmatismo cientifico no escrito Sobre Verdade e Mentira no Sentido

Extra-Moral

Após esse primeiro texto sobre a linguagem própria do pragmatismo,


trabalharemos agora a questão da ciência dentro do pragmatismo, assim como
trabalhada pelo nosso filósofo em estudo em sua obra Sobre Verdade e Mentira no
Sentido Extra-Moral.
Inicialmente, Nietzsche explica logo a mudança do foco que será trabalhado
no segundo capítulo de sua obra, anteriormente citada. Diz ele: “[...] a linguagem
trabalha na construção dos conceitos desde o princípio, e, em períodos posteriores, a
ciência.” (NIETZSCHE, 2007, p. 46) Como dito pelo filósofo, primeiramente se
constitui a linguagem que dará corpo e sentido aos conceitos, depois é que deverão
ser atribuídos os impulsos para a confirmar como cientifica.
Novamente, o filósofo nos apresenta uma comparação entre o homem de
ação e o pesquisador11. Tal comparação, consiste em que: se o homem de ação tem
que unir a vida à razão e seus conceitos, para assim não vir a se perder de seus
ideais/valores; assim também o pesquisador deve construir seus argumentos junto

11
Distinção feita por Nietzsche na obra Sobre Verdade e Mentira no sentido Extra-Moral
(2007), como forma de chamar a atenção para aqueles que fazem uso das verdades
puramente empírica, daqueles que são usuários ou acreditam nas verdades cientificas.
34
33

aos pilares da ciência, para que possa prestar assistência e encontra o amparo para
aquilo que se propõe executar. (NIETZSCHE, 2007, p. 46)
Desse modo, o homem de ação seria o cientista empírico, que com sua pratica
diária de observação e associação dos fatos formula argumentos verdadeiros e muitas
vezes pré-científicos. Além disso, o pesquisador/cientista partirá sempre de alguns
fatos já anteriormente observado por este homem de ação e deverá também lutar
contra as forças que irromperam se opondo às verdades científicas, que são diversas
e emblemáticas.
Entretanto, é apresentado ao negativo em relação ao ser humano, visto que
é um ser facilmente enganado e que é arrastado pela busca de qualquer felicidade.
Ele ainda culpa o intelecto de ser esse dissimulado ilusionista das escravidões
humanas.
Segundo Nietzsche (2007, p. 48, grifo do autor), afirma:

[...] o próprio homem tem uma inclinação imbatível a deixar-se enganar


e fica como que encantado de felicidade quando o rapsodo narra-lhe
contos épicos como se estes fossem verdadeiros, ou, então, quando
o autor, no espetáculo, representa o rei ainda mais soberanamente do
que o exige a efetividade. O intelecto, esse mestre da dissimulação,
acha-se, pois, livre e desobrigado de todo seu serviço de escravo
sempre que pode enganar sem causar prejuízos, e festeja, então, suas
Saturnais; nunca ele é mais opulento, rico, orgulhoso, versátil e
arrojado.

O intelecto seria, para Nietzsche, o grande e dissimulado enganador e causa


das vãs felicidades humanas, pois nos traz como verdadeiro aquilo que é enganador,
porém sem causar prejuízos.
No entanto, é a satisfação criativa que mesmo sendo muitas vezes
enganadora, a responsável de designar “o rio como o caminho que se move e que
carrega o homem em direção ao local rumo ao qual, do contrário, ele teria de
caminhar.” (NIETZSCHE, 2007, p. 49) Dessa forma, a satisfação criativa do intelecto
não seria em tudo prejudicial, assim como anteriormente o próprio filósofo afirmou,
mas seria a via mais rápida de se chegar ao local da verdade, mesmo que acabe
muitas vezes iludindo o homem com uma felicidade vã.
Do mesmo modo, mais a frente, Nietzsche fala da subserviência que acaba
sendo apartada do intelecto, gerando assim nele, no intelecto, o senhorio que o
permite remover do rosto do sujeito (o homem) a expressão de indigência.
35
34

Assim também, vem-nos a ser apresentado uma distinção entre o homem


intuitivo e o homem racional. Tal homem de perfil racional, frequentemente, é
contagiado pelo medo da intuição; já o homem de perfil intuitivo é sustentado pela
ridicularização da abstração. Ambos os homens, ou os perfis humanos, denotam
aquele princípio anteriormente ressaltado, em que ambos vão se apegar um ao
empírico e o outro ao científico e logo desconsiderar o valor de verdade que cada um
possui.
Constata-nos o próprio filósofo,

Ambos contam imperar sobre a vida: este sabendo encarar as mais


básicas necessidades mediante precaução, sagacidade e
regularidade, aquele, como “herói sobreexaltado” [sic], passando ao
largo de tais necessidades, e tomando por real somente a vida
dissimulada em aparência e beleza. (NIETZSCHE, 2007, p. 50)

A medida da veracidade das palavras (argumentos) irá sempre variar a partir


do entendimento de mundo de cada pessoa, não necessariamente devendo existir
uma verdade única e absoluta, mas verdades que se adequem a seu formulador.
Nisso consiste o princípio do pragmatismo, a verdade deve variar, pois deve ser útil a
cada indivíduo, no entanto, deve conter a possibilidade de ser socialmente utilizada
por todos os demais indivíduos.
Com isso, o homem intuitivo é quele capaz de formar uma cultura e fundar o
domínio da arte sobre a vida, de modo a manifestar a dissimulação, o repúdio à
indigência, o brilho das intuições metafóricas e, sobretudo, a imediatez do engano
sobre tal vida. Por outro lado, o homem conduzido pela racionalidade, por conceitos e
abstrações, apenas se afasta da infelicidade, sem, porém, guardar para si a felicidade
das abstrações e, se esforça ao máximo para se libertar da dor. Contudo, por falta da
experiência é que o homem racional vem a sofrer com mais assiduidade, pois não foi
capaz de aprender, voltando a cair novamente no erro. Sendo tido como mais
irracional no sofrimento quanto na felicidade. (NIETZSCHE, 2007, p. 50-51)
Nietzsche pretende mostrar com a seguinte afirmação supracitada que a
vivencia do homem puramente racional é uma assídua dor, pois entram em um circulo
vicioso que os leva sempre a chegar no mesmo ponto, no mesmo erro.
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Por fim, é necessário que o homem seja conduzido pelo equilíbrio entre o
homem de ação e o pesquisador. Dessa forma, estará prestando serviço à verdade
e não será apenas escravo do intelecto.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo chegado às conclusões finais deste trabalho monográfico, trazemos


agora as nossas considerações sobre o mesmo. Retomemos os nossos objetivos, que
elencamos no início e que foram de suma importância para que pudéssemos trilhar
um percurso coerente, conciso e objetivamente filosófico.
Com isso, deparamo-nos com uma novidade sobre o modo de interpretação
do pensamento nietzschiano que a poucos anos vem sendo explorada. Assim,
justificamos que o inédito do nosso trabalho consiste em analisar um escrito quase
esquecido ou menos valorizado, mas que é uma fonte abundante do pensamento de
Nietzsche, em particular de suas relações com o pensamento pragmático.
Após percorrermos todo esse trajeto, na escrita do nosso trabalho,
respondendo de modo gradativo ao nosso problema inicial, chegamos a uma favorável
solução. E afirmamos claramente: é realmente possível dizermos que há visivelmente
aspectos e características do pragmatismo no escrito Sobre Verdade e Mentira no
Sentido Extra-Moral.
De início, com a apresentação da perspectiva filosófica pragmática trouxemos
os grandes benefícios para a construção do conhecimento e, consequentemente, sua
sinestésica ideia sobre o pensar filosófico, fundindo a vivência cotidiana com as
proposições argumentativas dos conceitos emergentes. A união entre a vida, a
utilidade e os argumentos sobre as questões da vida humana e a busca da verdade
trouxeram a perspectiva de uma nova corrente filosófica. E de modo ainda mais
interessante, fizemos um relato sobre a expansão do pragmatismo pelo mundo, além
de apresentarmos seus principais pensadores.
Na busca por alcançarmos o segundo objetivo, tivemos oportunidade de um
estudo sobre as várias apropriações que Nietzsche fez do pragmatismo. Em especial,
vimos como Hans Vaihinger e Schiller, ambos filósofos alemães, influenciaram o
pragmatismo de Nietzsche. Também elencamos algumas das características ou
fundamentos da filosofia pragmática adotadas por nosso filósofo.
Já na seção terceira, fizemos uma leitura aprofundada, como também uma
análise detalhada sobre o escrito que nos propomos ter como fundamento e, o
apresentamos segundo aquilo que o filósofo expôs. Para isso, o dividimos em três
subtópicos nos quais de início falamos sobre os fragmentos póstumos, depois
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passamos a linguagem pragmática, e por fim, passamos ao caráter científico do


pragmatismo, apresentado por Nietzsche e traduzidos pelo pesquisador brasileiro de
Nietzsche Fernando de Morais Barros.
Por fim, chegamos à formulação de que o pensamento nietzschiano é um
pensamento variável, mas sobretudo faz-nos desmontar as ideias fechadas e
abomináveis que muitas vezes nos são colocadas como verdade. Sobretudo,
concluímos que as várias influências pragmáticas que Nietzsche sofreu, ou melhor,
recebeu, no sentido que de delas se apropriou, foram primordiais para a formação do
seu pensamento, mesmo até após sua juventude, ou seja, na sua maturidade. Desse
modo, as características pragmáticas de Nietzsche trouxeram a ele a inclusão entre
os precursores das chamadas filosofias da vida, assim como nos mostrou o filósofo
brasileiro e escritor de história da filosofia, Benedito Nunes.
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REFERÊNCIAS

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

NIETZSCHE, Friedrich. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra- Moral. Trad.:


Fernando de Morais Barros. São Paulo: Hedra LTDA., 2007.

NIETZSCHE, Friedrich. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral. In: Obras


incompletas. Seleção de textos de Gérard Lebrun; Trad. e Notas de Rubens
Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

DEWEY, Jonh. Logica: teoria dell'indagine. Torino: Giulio Einaudi, 1949.

FCS SCHILLER. Disponível em: https://stringfixer.com/pt/F.C.S._Schiller. Acesso


em: 13. nov. 2021.

GOLDSCHMIDT, Victor. “Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos


sistemas filosóficos”. In: A religião de Platão. 2 ed. São Paulo: DIFEL, 1970, 139 -
144.

HESSEN, Joannes. Teoria do Conhecimento. Trad.: Vergílio Gallerani Cuter. São


Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 39 – 42.

LOPES, Hálisson Rodrigues; PIRES, Gustavo Alves de Castro; PIRES, Carolina Lins
de Castro. A verdade pragmática. S.l.: Revista Âmbito Jurídico, 2004.

MARTON, Scarlett. A Filosofia de Nietzsche: um pragmatismo avant la lettre.


Cognitio: revista de filosofia. v. 7. n. 1. São Paulo. p. 115 – 120, jan/jun. 2006.

MARTON, Scarlett. Ler Nietzsche como “nietzschiano”: Questões de método.


Discurso. v. 48. n. 2. São Paulo. 2018, p. 7 - 24.

NUNES, Benedito. A Filosofia Contemporânea: trajetos inicias. 2. ed. revisada e


ampliada. São Paulo: Ática, 1991, p. 24 - 66.

REALI, Giovanne; ANTISERI, Dario. História da Filosofia 6: de Nietzsche à


Escola de Frankfurt. Trad.: Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2006. p. 79 – 95.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Vol. III. São Paulo:
Paulus, 1991.

SOUZA, Renato Ferreira de. George Herbert Mead: contribuições para a história
da psicologia social. Lavras, MG. Ago. 2021. Disponível em:
40
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https://www.scielo.br/j/psoc/a/QNQ4cj9ktzLQT4dL8WcQYbp/?lang=pt. Acesso em:


01 nov. 2021.

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