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RESENHAS 83

RESENHAS

POZZEBON, Paulo M. G. (Org.). Mínima Metodológica. Campinas: Alínea, 2004. 150 p.

Verdadeiro presente aos que de alguma ciais para conhecê-lo, técnicas de observação
forma trabalham ou se interessam por metodo- apropriadas, conceitos específicos, esque-
logia, a obra organizada por Paulo Pozzebon, mas explicativos adequados e, mesmo,
mestre em Filosofia, especialista no pensamento uma noção de ciência construída com
do filósofo cristão Jacques Maritain (sobre quem pressupostos diferentes [daqueles das ciên-
publicou livro de leitura obrigatória), professor cias exatas]. (p. 26);
experiente da Faculdade de Filosofia da PUC-Cam-
pinas, onde atua precisamente nas áreas de 2. De sugestões para estudar melhor,
metodologia e teoria do conhecimento, dentre definindo o próprio ato de estudar, a importância
outras, revela a autoridade que o organizador das aulas e a necessidade de nos libertarmos dos
possui na área, ao articular textos de diferentes preconceitos, além de oferecer preciosas dicas
autores e dele próprio no riquíssimo livro de para organizar e formar hábitos salutares de
metodologia que publicou após participar estudos.
durante mais de um ano do grupo de estudos em A argumentação é o objeto de análise do
metodologia e epistemologia das ciências professor Germano Rigacci Jr. no capítulo quatro,
humanas, criado oportunamente pelo Centro de
no qual entramos em contato com relevantes e
Ciências Humanas e pelo Núcleo de Pesquisa e
necessários esclarecimentos em torno da lógica
Extensão, do mesmo centro, da PUC-Campinas.
formal para, na construção do conhecimento
Há tempos care-cíamos de semelhante obra,
científico, valermo-nos de argumentos válidos do
vejamos o porquê.
ponto de vista lógico.
O primeiro capítulo, do professor Paulo
O professor João Miguel T. de Godoy
André A.Setti, aborda com clareza as noções de
conhecimento científico e senso comum, de- apresenta, no capítulo cinco, as técnicas para elabo-
monstrando de que forma o método contribui rar diferentes modalidades de trabalhos acadê-
para aquele enquanto busca da verdade. micos, desde o resumo, passando pela monografia,
até chegar ao artigo científico.
Os dois capítulos seguintes, de autoria do
próprio professor Paulo Pozzebon, tratam Novamente é o organizador, professor Paulo
magistralmente 1. Da problemática que envolve a Pozzebon, quem nos agracia, no capítulo seis, com
idéia de Ciências Humanas, passando pela uma síntese admiravelmente didática das principais
classificação das ciências, a relação entre ciência normas da Associação Brasileiras de Normas
e tecnologia e pelo estatuto epistemológico das Técnicas (ABNT) referentes à editoração, citações
ciências humanas, valendo-se das questões de e referências bibliográficas dos trabalhos acadê-
método e pesquisa. Após elaborar uma breve porém micos. Se as normas da ABNT em si mesmas
precisa história das ciências, termina o autor por oferecem dificuldades, o presente capítulo é um
concluir: valioso e útil guia, pelo que congratulamos ao
Não se deve [...] concluir a impossibilidade professor Paulo Pozzebon.
do conhecimento científico do ser humano. Sempre atentos à dificuldades presentes no
Um objeto tão especial pede métodos espe- sistema educacional universitário e na vida do

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estudante, o organizador e os autores da obra acadêmicos e professores que fazem da ciência, do


contribuem imensamente para sanar uma série de método (logia) e dos trabalhos acadêmico-cientí-
problemas na elaboração, sistematização e apresen- ficos um objeto de atenção.
tação do conhecimento científico. Com estilo
primoroso, forma agradável e ao mesmo tempo Fabiano Stein Coval
rigorosa, a leitura da obra é obrigatória a todos os Faculdade de Filosofia– PUC-Campinas

SCALA, André. Espinosa. Trad. de Tessa Moura Lacerda. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. 131 p. Coleção
Figuras do Saber.

André Scala (1950) é professor de filosofia da união da mente com a Natureza inteira.
na Universidade de Valenciennes e de Lille III. Esse conhecimento é, ao mesmo tempo, a
Publicou uma célebre tradução com introdução passagem a uma perfeição maior, não é
crítica, notas e comentários do Tratado da um conhecimento abstrato, produz efeitos.
Reforma do Entendimento (1991) e em 1998, (p. 40).
pela Belles Lettres, o presente Spinoza (no Ao abordar os Princípios da filosofia
original francês). cartesiana, no segundo capítulo, o autor deixa a
No Brasil, a obra integra a coleção Figuras desejar na medida que, a despeito de realizar uma
do Saber, que traz boas introduções a diversos boa exposição da obra, não esclarece as vinculações
filósofos e é especialmente marcada pela análise filosóficas de Descartes e Espinosa para além da
das principais obras dos pensadores. No caso de obra analisada. Aqui, o leitor pouco familiarizado
Espinosa, e. g., temos acesso a um roteiro crono- com o pensamento cartesiano, ainda que não tenha
lógico da vida do filósofo, uma introdução que dificuldades de leitura, terá um entendimento
apresenta os pré-requisitos necessários ao estudante mediano.
que deseje ler obras de Espinosa e quatro capítulos No capítulo três, em que analisa o Tratado
em que são abordados, respectivamente, o teológico-político, Scala surpreende por sua
Tratado da emenda do intelecto, os Princípios capacidade de síntese (trata-se do capítulo mais
da filosofia cartesiana, o Tratado teológico-polí- breve de todos), pois o Tratado exige, ainda
tico e, por fim, a Ética. quando meramente exposto, reflexões de caráter
O primeiro capítulo, ao lado do quarto, é dos mais profundo. Evidentemente não deixam de ser
melhores. Analisa sucintamente as reflexões de enriquecedoras e interessantes as abordagens sobre
Espinosa sobre o conhecimento. Apresenta as a liberdade e as crenças:
motivações do filósofo ao redigir a referida obra, No momento [da redação do Tratado] ele
que só foi publicada (inacabada) após a morte do precisa “compor um tratado sobre as
pensador. Atrai a forma como o autor concilia a escrituras” para lutar contra aqueles que
exposição do Tratado e as opiniões de Espinosa impedem os homens de aplicar sua mente à
sobre a própria Filosofia, não escondendo um Filosofia, contra aqueles que dirigem o
certo pessimismo que perpassa a visão do pensa- homem contra ele mesmo, contra aqueles
dor sobre a vida humana e suas dimensões. que [...] arruínam a liberdade de filosofar.
Expõe com clareza a questão do(s) bem(ns) em (p. 73)
Espinosa, o problema da felicidade, o tema da Finalmente, o capítulo quarto é uma bela
virtude e da vontade, além das paixões de um apresentação da Ética [demonstrada à maneira
modo geral. Diz: dos geômetras]. Analisa a idéia de corpo, de
[...] compreendemos uma única coisa: a coisa como a Ética consegue abordar questões
buscada, esse bem verdadeiro, esse bem metafísicas com clareza (a ordem geométrica),
supremo é um conhecimento, uma ação da o c é l e b r e Deus sive Natura , o monismo
mente; esse conhecimento é o conhecimento substancial, as afecções, as causas... Impecável.

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Conclui o autor, e merece que se lhe cite, esclarecimentos sobre os motivos e problemas
que “É preciso [...] evitar [aqueles] cujas idéias de Espinosa são trazidos à tona e eventualmente
limitam as nossas e Espinosa não é daqueles que esclarecidos pelas referências que Scala faz à
se convém evitar” (p. 128). Ao término de cada correspondência do filósofo. Didático e simples,
capítulo, o autor deixa a conclusão em aberto, a obra é um bom guia aos estudantes e àqueles
antes, levanta problemas que sugerem a leitura q u e d e s e j a m u m p r i m e iro contato com o
do capítulo seguinte, de modo que a conclusão
pensamento de Espinosa.
final, apesar de breve(íssima, diria) é razoável e
relevante. A obra traz, ainda, uma boa bibliogra-
fia para estudos ulteriores sobre Espinosa.
Convém destacar que se trata de uma obra Fabiano Stein Coval
introdutória, sem grandes pretensões. Muitos Faculdade de Filosofia – PUC-Campinas

DUSO, Giuseppe. (Org.). O poder: História da filosofia política moderna. Petrópolis: Vozes, 2005. 511 p.

O organizador G. Duso, professor de História refletir sobre as propostas políticas de N.


da Filosofia Política na Universidade de Pádua Luhmann, de M. Foucault, do neoliberalismo,
(Itália), convidou várias autoridades em campos neocontratualismo e do comunitarismo.
e autores específicos para elaborar um trabalho
O livro principia, como não poderia deixar
coletivo de pesquisa articulado, e não uma mera
de ser, com um estudo sobre Maquiavel, sob
coletânea de textos, sobre o conceito de poder
responsabilidade de Maurizio Ricciardi. O
do Renascimento (com Maquiavel) aos nossos
pensamento de Maquiavel é sem dúvida alguma
dias (com Foucault, Rawls, Sandel, Nozick, entre
um marco na história das idéias políticas e não
outros). O resultado é uma obra magnífica em
é exagero crer que existe uma política antes e
todos os seu sentidos. O livro divide-se em sete
outra depois de Maquiavel. Conceito central na
partes, cada uma contendo de três a cinco
capítulos e o organizador foi feliz ao efetiva- obra do pensador florentino, o poder é analisado
0mente conseguir uma unidade raramente vista por Ricciardi sob diferentes perspectivas, a
em obras organizadas e deste porte. saber: em sua relação com a fortuna e a virtù,
como se manifesta no principado civil e nas
A primeira parte (“Ordem, governo, repúblicas, entre outras. O mesmo autor debruça-
imperium”) estuda as questões políticas que se
se sobre a atualmente tão falada “razão de
colocam de Maquiavel a Pufendorf. A segunda
Estado” no segundo capítulo e sobre o
(“Do poder natural ao poder civil”), analisa os
pensamento político de Jean Bodin no terceiro.
grandes pensadores contratualistas da
modernidade. Em “Constituições e limitações O próprio organizador encarrega-se de estudar a
do poder” (parte III), encontramos uma política de Althusius, concentrando-se sobre os
exposição, em particular dos pensadores temas da constituição do reino e sua adminis-
franceses, no que se refere à já mencionada tração, a soberania do povo e seu direito de
questão dos limites do poder. A parte quatro resistência frente à tirania. A primeira parte
(“Pensar o poder: a filosofia clássica alemã) termina com um ensaio (capítulo cinco) de Merio
oferece interpretações do pensamento político Scattola sobre as políticas aristotélicas do século
de Kant, Fichte e Hegel. Tocqueville e Marx são XVII e a contribuição de Pufendorf para o
os filósofos estudados na parte cinco (“O poder desenvolvimento do conceito de direito natural na
entre sociedade e Estado”). A sexta parte modernidade.
(“Realização e crise da soberania”) traz uma Os corpos, o estado de natureza e a
leitura de Weber, Carl Schmitt, Eric Voegelin, constituição do poder em Hobbes são o objeto de
Leo Strauss e H. Arendt. Finalmente, na parte análise de Mario Piccinini no capítulo seis (o
VII (“O poder além da soberania?”) podemos primeiro da parte II). Stefano Visentin pensa a

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problemática do poder em Espinosa valendo-se das política e poder para além da soberania em
idéias de potência divina e humana, direito natural Weber. Antonino Scalone examina a obra de
e ligação social. O capítulo oito, de responsabilidade Carl Schmitt e assinala de que forma a crise do
de Maurizio Merlo, faz interessantes incursões no Estado liberal, no início do século XX, aumenta
pensamento político de Locke, discutindo a a exigência de uma reflexão sobre o poder.
propriedade, o trabalho, a moeda e o pacto social. Finalmente, no capítulo 20, o organizador da
Rousseau e a questão da soberania levam Lucien obra, juntamente com M. Piccinini, Chignola e
Jaume a abordar os temas e as contradições Rametta, percorre a produção intelectual de
presentes na filosofia política do contratualista grandes nomes da filosofia política no século
francês. XX: Eric Voegelin, Leo Strauss e Hannah
Na terceira parte, os capítulos dez e 11, Arendt; destaca a chamada “volta aos gregos” e
escritos pelo organizador da obra e Mauro Barberis, o problema da práxis do pensamento.
respectivamente, discutem os limites do poder a A última parte é dedicada às perspectivas
partir da Revolução Francesa (enquanto evento políticas contemporâneas. Bruna Giacomini
histórico e contexto que estimulou novas teorias aborda o pensamento de Luhmann e sua teoria
políticas) e do conceito de direito natural. dos sistemas no capítulo 21; Massimiliano
Toda a parte IV é dedicada ao pensamento Guareschi descreve a analítica do poder em M.
alemão. No capítulo 12, Gaetano Rametta Foucault e, finalmente, no capítulo 23, Pierpaolo
demonstra o impacto que as idéias de razão e Marrone nos conduz pelas tentativas atuais do
vontade têm sobre o direito e, por conseqüência, neoliberalismo, neocontratualismo e comuni-
sobre o Estado e o poder, segundo o pensamento tarismo de fundar uma nova política, um novo
kantiano. O capítulo 13, do mesmo G. Rametta, poder.
estuda de que forma, em Fichte, direito e moral A obra de G. Duso merece especial
são separados e separáveis, além de explicar a atenção. Superando a fragmentação dos léxicos
formação do poder em concordância com o direito. políticos e exageros historicistas, Duso oferece
Por fim (capítulo 14 da parte IV), Massimiliano uma obra clara, com um propósito bem definido
Tomba realiza uma boa síntese do pensamento e uma unidade que impressiona. A riqueza de
político de Hegel, contrapondo a célebre divisão fontes bibliográficas mencionadas ao término
eticidade-moralidade e fundamentando o poder de cada capítulo é utilíssima como referência
sobre a liberdade e a hisória. para pesquisadores. Evidentemente, tendo-se em
Sandro Chignola abre a parte V (capítulo vista a extensão do percurso tratado pela obra,
15) com um tema freqüentemente pouco tratado: freqüentemente a profundidade histórica que os
o conceito de poder no pensamento contra- problemas abordados merecem deixa a desejar,
pois os capítulos são muito – às vezes
revolucionário; daí termos acesso (infelizmente
excessivamente – breves. De qualquer forma, o
sumário), neste capítulo, ao pensamento de
livro é um instrumento valioso a quem se
autores como Louis-Gabriel de Bonald, Juan
proponha a estudar a filosofia política moderna
Donoso Cortés, Karl Ludwig von Haller e Joseph e contemporânea. O fato de escolher um conceito
de Maistre. É ainda Chignola quem retoma o
como fio condutor faz do livro um modelo de
tema da revolução para analisar o poder segundo coesão. Nisto exatamente reside a originalidade
Tocqueville (capítulo 16). O supramencionado da obra: concentrar-se sobre o tema do poder e
estudioso do pensamento alemão na modernidade
apresentá-lo em sua complexidade e variabili-
G. Rametta se une a Maurizio Merlo para dade histórica. G. Duso faz excelentes intro-
produzir um estudo de Karl Marx, a quem dedica duções a cada uma das sete partes do livro, o que
o capítulo 17. Partindo da filosofia política do
favorece a unidade da obra, além de participar
jovem Marx, chegamos ao significado da crítica da redação de alguns capítulos. Especialistas
da economia política para podermos relacionar
talvez decepcionem-se um pouco mas a leitura é
poder e revolução na obra de Marx.
obrigatória.
A parte VI apresenta o pensamento de
Max Weber (capítulo 18), segundo a ótica de Fabiano Stein Coval
Luca Manfrin, que se vale das concepções de Faculdade de Filosofia – PUC-Campinas

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