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Resenhas 115

ter significados, mas não linguagem escrita – pois toda dena o Grupo de Estudos Linguagem, interpretação
escrita é perecível, corpórea e facilmente contamina- e conhecimento. Seu pós-doutoramento foi realizado
da. É um veículo inferior para verdades tão sacrossan- na Purdue University (Estados Unidos) sobre Donald
tas.” (p. 277). Por isso o fundamentalismo religioso Davidson. Seus trabalhos de ensino e de pesquisa
é paradoxal e insano. Preso a palavras, que não re- concentram-se em temas de Filosofia da Linguagem,
presentam puramente uma idéia, o fundamentalismo Epistemologia e Pragmatismo. Já foi organizador de
ataca com base na palavra que pode ser reescrita, outros livros e coletâneas como Ensaios sobre a verda-
relida, re-interpretada. Seria mais salutar, e.g., tomar de de Donald Davidson (Ed. Unimarco), que reúne
o texto de Isaías e ouvir o brado de Javé: “tenho os textos mais significativos do filósofo americano.
horror a incenso”; ouvir os conselhos de Javé: “buscar Além deste, pode-se citar ainda Razão Mínima, or-
a justiça, corrigir a opressão, defender os órfãos, supli-
ganizado em conjunto com Luiz Paulo Rouanet, pela
car pelas viúvas”. (p.237)
mesma editora, entre outros. Atualmente, faz parte
O último e inspirado capítulo oito, o mais de um grupo de estudos sobre Ceticismo, cujo coor-
filosófico da obra, pode ser resumido em poucas pa- denador é um dos céticos mais importantes do país,
lavras (ou seu sentido será perdido): lembremo-nos Oswaldo Porchat Pereira. É deste grupo que partici-
sempre e aceitemos a nossa mortalidade, nossa transi- pam os filósofos que fazem parte desta coletânea.
toriedade, e aí teremos novos olhos, nova teoria, nova
e autêntica vida. “Não vale a pena cansarmo-nos”, Quando se trata de uma nova coletânea so-
diria Fernando Pessoa (heterônimo Ricardo Reis). bre um assunto tão difundido como o Ceticismo, é
natural perguntar: por que lê-la? Existem algumas no-
Terry Eagleton e seu Depois da teoria deve vidades acerca deste livro. A primeira é que ele não
ser lido por todos os que de alguma forma estão en- tem a pretensão, como algumas obras, de ser didáti-
volvidos com as ciências humanas. O problema está co e tampouco superficial. Embora, se trate de uma
na no estilo (não raro provocativo, às vezes amargo), coletânea, os artigos parecem ter sido escolhidos com
na linguagem (muitas vezes coloquial), na falta de cuidado e discutidos por todos do grupo, o que
rigor do autor. É claro que há idéias e argumentações
torna o livro ainda mais relevante.
fantásticas, mas a polêmica (com o autor, com nossas
próprias idéias) será inevitável. O livro apresenta um importante quadro do
estudo do Ceticismo feito atualmente no Brasil, sem
Professor Fabiano Stein COVAL que, no entanto torne-se inacessível para leigos. Tra-
Faculdade de Filosofia ta-se de uma coletânea realizada a partir de um ciclo BACHELAR
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de conferências realizadas em um Colóquio sobre


Ceticismo na Bahia, em abril de 2004, sob o mes-
mo título. Os colóquios, atividades realizadas anual- E
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mente pelo grupo, constituem uma das inúmeras ativi- EU

O ceticismo e a
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dades destes filósofos que se reúnem há 15 anos para


possibilidade da filosofia discutir o problema do Ceticismo. Além de conta- ALARGAR

rem com professores conceituados no Brasil, contam


ainda com filósofos latino-americanos. O
SILVA FILHO, Waldomiro José (organizador). O ES

Por conseguinte, outra característica interessante PÍ


ceticismo e a possibilidade da filosofiia. Ijuí: RI

Ed. Unijuí, 2005. 272p. (Coleção Filosofia; 13). para o leitor deste livro é a forma como dialogam TO
,
entre si os autores, discutindo, argumentando e par-
Waldomiro José Silva Filho atualmente lecio- tindo de idéias já difundidas por seus colegas. Partin- TONIFICAR
na na Universidade Federal da Bahia, na qual coor- do do princípio que a maior parte dos estudantes de

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filosofia, ou mesmo aqueles que buscam certo enten- A primeira parte é iniciada com um artigo de
dimento a respeito do assunto, sentem falta da cone- Oswaldo Porchat (USP) cujo título é A autocrítica
xão de idéias entre filósofos de uma mesma época, da razão no mundo antigo. Neste artigo, Porchat
ou até mesmo dificuldade em perceber as relações de demonstra como os elementos que fundam a
um pensamento para outro, este livro torna-se impor- racionalidade Ocidental também são fundados pela
tante não só para o estudo do ceticismo, mas como dúvida, que parece ser uma característica primordial
uma discussão de idéias a serem ministradas em sala do pensamento cético. Dessa forma, este autor faz
de aula levando a uma reflexão a respeito do ceticis- uma breve incursão na Filosofia Grega antiga, demons-
mo, tanto na academia como no ensino diário. trando aquilo que não é estudado pela maioria dos
estudantes de Filosofia quando passam pelas aulas de
Outra característica do livro é que se constitui Filosofia Antiga. Porchat apresenta as idéias de Sexto
por diversos escritos, nos quais são abordados autores Empírico, expoente da medicina empirista grega como
e tradições intelectuais antigas, modernas e contem- um dos sistematizadores do Ceticismo no mundo an-
porâneas, trazendo, contudo, uma linha precisa: a da tigo. Apresenta ainda outros pensadores da época
discussão entre os autores e o tema comum a todos os que foram os responsáveis por inserir alguns conceitos
pensamentos, o Ceticismo. que trazem até hoje contemporaneidade à autocrítica
Quanto à estrutura do livro, é dividido em da razão realizada pelos gregos, como os próprios
duas partes: a primeira reúne as conferências apresen- termos dogma, cético, fenômeno etc. Trata-se, pois
tadas pelos autores no Colóquio “Ceticismo e a Pos- de uma propedêutica ao Ceticismo tendo por base
sibilidade da Filosofia” e a segunda parte, uma espé- seu início no Pensamento antigo dos gregos.
cie de apêndice, é dedicada a Oswaldo Porchat e
O segundo artigo, realizado por Luiz Anto-
algumas de suas concepções, já que é considerado
nio Alves Eva (UFPR), O primeiro cético (acerca
um dos maiores filósofos céticos do Brasil com con-
da coerência do pirronismo) apresenta uma discussão
cepções próprias de importância e reordena mento
sobre a possibilidade da filosofia cética e, mais do
da Filosofia cética. É justamente para que o leitor
perceba a fluência dos distintos assuntos tratados no que isso, aponta duas objeções das quais o ceticismo
livro, que aqui se optou por seguir sua estrutura. filosófico tem sido vítima, a primeira, a alegação de
que os céticos propõem uma filosofia incompatível
Segue-se que o organizador da coletânea abre com a vida prática e a segunda, na qual os céticos se
o trabalho com algumas breves e esclarecedoras ob- contradiriam ao dizer que a verdade não pode ser
servações sobre a importância do Ceticismo dentro reconhecida, sendo esta uma verdade para os céti-
da história da Filosofia, traçando sobre ela um impor- cos, caso acreditassem nela.
tante panorama para o acompanhamento da leitura
dos artigos. Defende, ainda, que o ceticismo não é O terceiro artigo tem um estilo diferenciado,
simplesmente a negação de nossas crenças, mas sim Lívia Guimarães (UFMG) que parece se concentrar
um questionamento a respeito da própria possibilida- mais na História da Filosofia trabalha com um filósofo
de da filosofia e que adquire uma série de faces no específico David Hume em uma obra intitulada His-
decorrer da história da Filosofia. Esses esclarecimentos tória natural da religião. No entanto, o artigo é inici-
iniciais são de suma importância, pois, além de situar ado com uma citação em inglês, que não é a única
o leitor a respeito da abordagem do Ceticismo dada do texto. Isso pode dificultar a leitura de alguém que
no decorrer do livro, mostra o diferencial do trata- não tenha conhecimento desta língua. Os elementos
J. mento dado ao tema: o Ceticismo é abordado em céticos são apontados aqui a partir de uma diferenci-
TE
RN vários sentidos, pelas diferenças entre os autores, as ação bastante interessante quando se trata de uma
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tradições e os teóricos abordados. crença religiosa, a dicotomia fundamento e origem.

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Segundo a autora, Hume propõe uma investigação contemporâneo, mas como iniciador de conceitos que
sobre as origens de crenças e não sobre os fundamen- dão sentido a problemas filosóficos atuais.
tos, destaca ainda que o confronto fé e razão, ou
Dando continuidade à linha baseada nos pro-
ainda razão e revelação é substituído por uma espé-
blemas de filosofia contemporânea, Plínio Junqueira
cie de deslocamento. A idéia de um teísmo racional,
Smith (USJT) concentra-se em um estudo sobre um
esclarecido e invulgar também não é aquela defendi-
da por Hume, mas dado que o entendimento huma- problema contemporâneo da filosofia cética, o
no não pode compreender as contradições a que toda externalismo, e em um filósofo específico, Donald
a religião se presta, a única saída é a suspensão do Davidson. A tese do externalismo está vinculada di-
juízo. Dessa maneira, a única opção para um agente retamente à triangulação proposta por Davidson, na
racional é a escolha cética. A segunda parte da dis- qual as idéias ou crenças não dependem exclusiva-
cussão dada nesse artigo propõe uma desconstrução mente de quem as possui, senão da intersubjetividade.
cética possível na qual Hume, ao lado de seu ceticis- Essa visão parece opor-se, de alguma maneira, ao
mo religioso, combinaria um certo relativismo. Para o ceticismo. Smith, contudo, além de introduzir tais
leitor é muito interessante observar a objetividade dada conceitos e problemáticas, demonstra que o
ao artigo nesses dois momentos, fundamentados na externalismo não é uma forma de responder ou de
obra de Hume e esclarecidos pela visão da autora. objetar o ceticismo, pois passa ao largo de seu princi-
Ainda no que diz respeito a perspectiva histórica, pal problema. O artigo traz problemas antes não tra-
outro artigo que contribui para a ampliação desse tados por outros autores, além da abordagem objeti-
aspecto do livro é o de Roberto Horácio de Sá Pe- va que facilita a compreensão do leitor. Ademais,
reira (UFRJ), intitulado Kant e as duas formas possí- apresenta Davidson a partir de um outro viés, o da
veis de ceticismo global. Este artigo pretende de- filosofia cética, interessante para os estudiosos do fi-
monstrar como Kant caracteriza sua filosofia como lósofo, da filosofia americana e mesmo daqueles que
oposição ao que denomina formas dogmáticas de fi- não conhecendo o autor, percebem as diversas pers-
losofar em seu Segundo Prefácio de Crítica da Razão pectivas que podem ser abordadas a partir de um
Pura. texto filosófico.
O artigo de Danilo Marcondes, Ceticismo, O artigo que encerra a primeira parte do livro
filosofia cética e linguagem, traz uma questão primor- é de Roberto Bolzani Filho (USP), intitulado Ceti-
dial para o livro que dará legitimidade a todo o gru- cismo como autobiografia e autoterapia. Neste, o autor BACHELAR
po de estudos sobre o ceticismo: “Até que ponto o propõe a leitura do artigo Terapia e Vida Comum
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ceticismo é viável como opção filosófica no pensa- (não contido nesta coletânea) de Plínio J. Smith,
mento contemporâneo? Que contribuição pode tra-
instigando a reflexão filosófica e o debate. Na pri-
zer para a Filosofia da Linguagem?”1 Após uma intro- E

meira parte do artigo, faz considerações sobre aquilo


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dução e esclarecimento sobre uma série de conceitos,


EU
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a resposta a suas questões é dada no último parágrafo que chama “ceticismo depurado” de Smith e na se-
do artigo, quando o autor propõe o ceticismo como gunda parte, faz críticas e retorna às objeções feitas ALARGAR

uma das pontas do fio condutor que leva à filosofia pelo autor em seu artigo. Trata-se de uma proposta
da linguagem. E constata que o insulamento (princi- bem ao estilo do grupo de estudos do qual fazem O

pal conceito introduzido no artigo) pode ser consi- parte, que possibilita a apreciação, valorização e di- ES

derado o tipo de separação entre sintaxe, semântica álogo aberto entre os vários componentes, a fim de RI
TO
e pragmática, discutida atualmente em filosofia da enriquecer a filosofia e dar-lhe a principal característi- ,

linguagem. O ceticismo mostra-se, então, não só como ca cética, a dúvida e o debate. Ao terminar a primei-
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P. 135.

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ra parte do livro com este artigo, o organizador con- tempo de amadurecimento para que isso seja perce-
segue encerrar bem uma etapa e demonstrar como o bido.
ceticismo é visto por ele e por seus colegas.
O tema do ceticismo é tratado, pois, de ma-
A segunda parte, por ser uma homenagem a
neira bastante coerente com a proposta lançada pelo
Oswaldo Porchat sem o qual o Ceticismo não teria
organizador em sua Introdução e objetivamente traz
sido tão difundido no Brasil, é iniciada com um arti-
contribuições tanto no campo do estudo do ceticis-
go que faz uma breve explanação sobre sua Filosofia,
mo como da possibilidade de uma visão diferencia-
bem como sobre sua preocupação pedagógica além
da da filosofia. Traz, ainda, contribuições de autores
de uma breve biografia intelectual e acadêmica. Ao
consagrados na área e estudos críticos originais sobre
fim há referências bibliográficas à obra deste grande
tradições filosóficas determinantes no campo da filo-
filósofo brasileiro para que o leitor possa continuar sua
sofia cética.
pesquisa sobre o Ceticismo e mais especificamente
sobre sua difusão no Brasil e seus principais proble- Contudo, merece menção o público a ser atin-
mas. gido pelo trabalho. A maioria dos artigos pode ser
O mais interessante dessa etapa é o Bate-papo lida por pessoas que apenas se interessem pelo assun-
com estudantes sobre o estudo de filosofia na univer- to mesmo que não tenham prévios conhecimentos.
sidade brasileira. Trata-se de uma conversa realizada Alguns artigos, no entanto, trazem dificuldades ao
na ocasião do Colóquio na Bahia. Percebe-se, en- leitor, contendo problemas de linguagem (inadequa-
tão, um Porchat maduro em seus pensamentos e mé- da algumas vezes), ou mesmo problemas mais simples
todos de ensino da filosofia, que privilegia a tão di- de sanar, como as citações em outra língua, o que não
fundida idéia de Kant “não se ensina filosofia, ensina- desmerece a obra quanto aos seus méritos e relevância.
se a filosofar ”, parece ser isso o que defende Porchat,
quando afirma ser necessário um ensino em que o alu- Angélica Aparecida FERREIRA
É graduada em Filosofia pela Universidade
no venha a se tornar um filósofo, com senso-crítico São Judas Tadeu e mestranda do Programa de
apurado e capaz de reflexão, e não um mero histori- Pós-Graduação em Filosofia da mesma Universidade.
Endereço para correspondência:
ador da filosofia. No entanto, afirma, é necessário um E-mail: sobrelunar@yahoo.com.br

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Reflexão, Campinas, 31(89), p. 111-118, jan./jun., 2006

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