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COLEÇÃO FILOSOFIA NA ESCOLA


Coordenadores: Walter Omar Kohan e Ana Míriam Wuensch
Sílvió Gallo
Gabriele Cornelli
- Filosofia para crianças -A tentativa pioneira de Matthew Lipman Márcio Danelon
Walter Omar Kohan e Ana Míriam Wuensch (orgs.)
- Filosofia para crianças na prática escolar
(organizadores)
Walter Omar Kohan e Verà Waksman (orgs.)
- Filosofia e infância - Possibilidades de um encontro_
Walter Omar Kohan e David Kennedy (orgs.)
- Filosofia [Jara crianças ein debate
Walter Omar Kohan e Bernardina Leal (orgs.)
- Filosofia na escola pública , .
Walter Omar Kohan, Bemardfoa Leal e Alvaro Ribeiro (orgs.)
- Filosofia no ensino médio
FILOSOFIA DO ENSINO
Walter Omar Kohan e Sílvio Gallo (orgs.) DE FILOSOFIA
- Filosofia do ensino de filosofia
Sílvio Gallo, Gabriele Cornelli e Márcio Danelon (orgs.)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Filosofia do ensino de filosofia / Sílvio Gallo, Gabriele Corneili,


Márcio Danelon (organizadores) . - Petr6 polis, RJ :
Vozes, 2003.

ISBN 85.326.2830-3

Vãrios autores.
1. Filosofia - Estudo e ensino I. Gallo, Sílvio. II. Cornelli, Gabrielle.
III. Danelon, Márcio.
02-6837 CDD-107
"'EDITORA
Índices para catálogo sistemático: Y VOZES
1. Filosofia : Estudo e ensino 107 Petrópolis
2003
'
2. O ENSINO DA FILOSOFIA FRENTE A
EDUCAÇÃO COMO FORMAÇÃO*

WALTER 0MARKOHAN*''

A filosofia não tem


necessidade de defensores na
medida eni que sua justificação é
assunto seu. Mas a defesa do
ensino da filosofia terá
necessidade de uma filosofia
crftica do ensino.
Georges Canguilhem, Nouvelle
Critique (1975).

1. Primeiras palavras
''Para que filosofia?" é uma dessas perguntas com história
abundante e futuro assegurado. É, além disso, uma pergunta
que muitos filósofos, e só eles, gostam de fazer. No fundo, pa­
rece tratar-se não s6 de uma questão de gosto, mas de inevitá­
vel busca de legitimação teórica de uma disciplina que, s6 por
seu nome, não goza como outras desse privilégio. Tem-se que
justificar os para que da filosofia, porque sua utilidade e seu
sentido não costumam estar outorgados previamente. Talvez,

* Agradecimentos do Autor pela leitura atenta deste trabalho a Latira Agratti, cujas
observações permitiram melborá-lo em vátios aspectos. Tradução do espanhol por
Wnndersoo Flor do Nascimento.
0
Doutor em Filosofia pela Universidade Jberoamedcana (México) sob orientação
de Mnttbcw Lipman. Professor de Filosofia da Educação na Graduaçfio e Pós-grn­
dunção dn Fnculdnde de Educaçáo da Universidade de Brasília. É Professor Coor­
denador do Projeto de Extensão A Filosofia 11a Escola na UnB.

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..
por isso, o interesse de quem se dedica à filosofa costuma s:r losofia não pode prescindir da filosofia. É isso que Cangui-
discutir para fora, com os "não filósofos", esta �ergunt�. Nª? lbem sugere na epígrafe.
é habitual que os filósofos se encootrem entre s1 para discutir A pergunta "para que ensinar filosofia?" interessa não só a
questões como estas. É que, ainda J�e discordem n� forrn_aAde filósofos, mas também a educadores. No séc. XVI, Montaigue
respondê-la, não costumam ter duvidas sobre sua 1mportan­ disse que a filosofia deve ser uma matéria na educação d.os pe­
cia. Contudo, nunca é demais apresentar a per�n.ta ª. o.utros, quenos para formar pessoas mais inteligentes, felizes e ajuiza­
a aqueles que ainda não descobriram sua s1g111f�cat.w1dade.
1

das, mais livres de espírito (1984: cap. 26). Se não se quer tor­
Esta pretensão pode levar à organização de eventos. que tra­ nar às crianças seres servis e tímidos, afirma Montaigne, de­
tam exclusivamente desta questão e os resultados mmtas vezes ve-se dar-lhes a oportunidade de fazer algo por si mesmas . O
não são convincentes. Referindo-se a tun congresso recente­ ensino da filosofia é aqui a peça-chave de uma formação hu­
mente ocorrido em Granada, na Espanha, com o título "Para manista para a autonomia, oposta aos valores da educação je­
que filosofia?", o filósofo espanhol M. Reyes Mate come_nta suítica dominante na época.
que serviu apenas "para marcar distâncias, entre os e�p?sito­
Na modernidade do séc. XVIII, Kant afirma a importância
res e ouvintes entre, a biblioteca e a rua, entre a prof1ssao e a
vida" (1996: 667). E o que costuma aco�tecer com as per.�n-
)
do ensino da filosofia, que ele entende como um ensinar a filo­
sofar. Para Kant (1995), os sentidos mais plenos deste ensino
tas dos filósofos: de tão interessantes e importantes que sao,
não estão dados pela transmissão de um suposto saber acaba­
poucos acabam por perguntá-las. do, fechado, completo, portanto externo ao sujeito que o
Em épocas em .que não se organizavam em congressos ele aprende, mas pelo exercício da razão na observação e investi­
filosofia, os filósofos escreviam in extenso sobre esta �erg�nta gação de seus princípios universais.
para O grande público. Dadas as implicações educac1onru.s da
, Em nosso século, as respostas à pergunta "para que ensinar
filosofia como dirá José Gaos em uma das epigrafes des: e tra­
balho, ��n muitos casos, as perguntas "Para que filosofia?" e filosofia?" têm se multiplicado. Um caso interessante resulta na
ênfase que muitas dessas respostas concedem à palavra "críti­
"Para que ensinar filosofia?", que não são a mesma pergunta,
ca". Constatamos que, em diversas tradições, o ensino da filo­
se tornam mui.to próximas, até um ponto que quase se confun­
sofia está ligado à formação de uma consciência ou capacidade
dem. Esta ligação é percebida, por exemplo, no modo em q�e
crítica. Contudo, essa atitude crítica é entendida de diversas
Platão tematiza estas questões em seus Diálogos. Em A Repu­
formas em função do marco teórico de referência. Por exem­
blica, afirma que a filosofia é um alvo de estudos que tem
como conteúdo um Bem transcendente, que os govemant�s plo, na tradição analítica, ela está associada, freqüentemente,
devem conhecer para instaurar:, com leg�timidade, �II:ª pólts ao desenvolvimento de certas habilidades de pensamento (Sal­
justa (A República, V-VII). Ali, os conhectmentos obJet1vos da merón, 1992: 120-2); no pragmatismo, está ligada a um julgar
filosofia têm um caráter duplamente educacional, enquanto com critério, a um apreciar com cuidado (Dewey, .1925; Lip­
ensinam a quem os aprende e enquanto este ensinará aos ou­ man, 1998); entre os primeiros membros da Escola de Fran­
ckfurt, a consciência crítica é entendid!l como oposição à natu­
tros cidadãos no exercício da função de governo. Deste modo,
os sentidos políticos e pedagógicos da filosofia se sup�rpõem. ralização das idéias, saberes e valores dominantes (Horkheimer,
Através de sua história, a filosofia tem estado sempre �ga�a ao 1990: 289); no marxismo de nossos dias, está usuabnente liga­
ensino de si mesma, além de ser ela mesma uma p�idéia n? da à transformação do mundo (Sánchez Vázquez, 1997: 416);
entre alguns pós-estruturaüstas, é entendida como um pôr em
exercício da crítica (Derrida, 1990: 158, 166). O ensmo da h-
questão as evidências; um trazer à luz o pensamento que se

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'í:ornar difíceis os gestos t�o pode determ�ar� diz "Só_�r�tes", a gênese, o ponto de par­
oculta em todas as instituições, um tida, a causa, da Justiça e da m1ustiça na Atenas de seu tempo
1).
por demais fáceis" (Fouçault, 198 _
(II, 376d); esse exame situa tal causa nos relatos de Homero e
analisar deti:lament� os
Neste trabalho não pretendemos Hesíodo que sustentam a educação tradicional na Grécia tex­
amente ao ens�no da fil�­
sentidos concedidos contemporane tos q_u � afirmam valores contrários àqueles que de�em ;eger
anto, � pr�b_lema�zar uma li­
sofia. O que nos importa, entret na polis. Se se quer pensar em uma cidade mais justa, é preciso
sos filosoftcos t:m com�ar­
nha comum que diferentes percur tid s educ t1vos da Ü�o­ mudar os textos com os quais se educa em Atenas nos diz Pla­
sen ?
tilhado no momento de pensar os mo da

filo
_
sofia esta a tão. Ao discutir que relatos serão incluídos para ;ubstituir aos
erim o-n os à idéia de que o ens tradicionais, "Sócrates" faz o seguinte comentário com Adi­
sofia. Ref
de certo ideal de pe�s��­
serviço da formação ou fabricação tribui para uma paideia manto a respeito daqueles textos com os quais as crianças en­
a con
Em outras palavras, que a .filosofi tram em contato em primeiro lugar:
Par a ana lisa r este espaço comum re­
formativa, fabricadora.
os trabalhar em quatro mo­ �or conse �inte, sabes que o princípio de toda a obra é o
servado ao ensinar filosofia, vam pn. �c1pa� espec1alme1�te nos menores e mais tenros; porque é
, precisaremos em que sen­
mentos. Em um primeiro momento
estado, quase sempre, asso­ e11;tao que se forma e imprime o tipo que alguém quer disse­
tido no ocidente, a educação tem
ricação, pelo menos desde A ounar em cada pessoa (Platão, A República II, 377 a-b).
ciad� à idéia de formação ou fab
ndo _momento, daremos.al­
República de Platão. Em um seg� Os primeiros momentos são os mais importantes da vida
sofia tem estado tamb�m
guns exemplos sobre como a filo diz "Sócrates". Por isso afirma que não se permitirá que os pe�
formativa. Em um terceiro
comprometida com esta educação quen �s . es�utem relatos que contenham mentiras e opiniões
de infância que sustenta as
momento, nos deteremos na idéia · contran�s as que se esperam deles no futuro. Porque, se pensa­
s. Fin��m�nte, e�boç �emos
pedagogías e filosofias fo�mativa mos a vida como uma seqüência em desenvolvimento como
e enencta da ftlosofia em
algumas propostas ·para situar a � . um devir progressivo, como um fruto que será resultado'das se­
tiva
um.a lógica educ�cional não forma m�nte s_ plantadas, tudo o que venha depois dependerá desses
pnme1ros passos. Tem-se aí a sua importânéia extraordinária
ção
2. A educação a serviço d� forma pela � marcas indeléveis que se recebem na tenra idade (II, 378 e)�
Por isso, ter-se-á que cuidar especialmente desses primeiros tra­
O papel desempenhado pela _
ços, nao tanto pelo que eles são, mas pelo que deles irá devir,
educação em todas as utopias pelo q:Ue gerarão em um tempo posterior. Por fim, estas peque­
políticas, desde a antigüidade até nas criaturas serão o� futuros guardiões, governantes da pólis.
nossos dias, mostra bem como Te!11-�e que pensar nisso ao desenhar sua educação, diz Platão.
pode parecer natural querer Nao importa tanto o que são, mas o que serão, o que pode111, ser
começar um 111.undo novo com e o que devem, ser. Os novos são algo a ser. No caso deste relato
aqueles que são novos por platfü :i �o, estas criaµças devem ser, no futuro, reis que filoso­
nasci111.ento e por natureza. fem, filosofes que governem de modo justo a p6lis.
Hannah Arendt, A crise da
educação (1961). .• Neste texto de A República, é "algu ém" externo um ou-
tro, o educador, o filósofo, o político, o legislador, o fundador
tão discute de que forma
No livro II de A República, Pla ela pólis, quem vai pensar e plasmar em cada um o que quer
de sua pólis. O exame da ques-
devem ser educados os guardiões

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que este seja. É a idéia de educação como formação, o dar uma dos novos de que fala H. Are_ndt na epígrafe, a tentação de fa­
forma a outro. Dar forma. Formá-lo. Qual forma? No caso de zer da edu �ação urna tarefa eminentemente política e da polí­
Platão, em última instância é a forma das formas, são as idéias, _
tica o sentido final de uma educação. Educa-se para politizar
os a priori, os n1odelos, os paradigmas, os em si transcenden­ os novos, para fazê-los participantes de uma pólis que se defi­
tes que indicarão a direção da formação. Assim formadas, as
ne para eles. O novo, cada nascimento, gera esperança e
crianças poderão ser os cidadãos que queremos que sejam. medo. Entr: uma e �utro, a par�ir de seu cultivo, abriga-se
Neste registro, as crianças não interessam por serem crian­ uma educaçao a serv1ço da polítJ.ca e uma política com fins
ças, mas porque serão adultos no futuro. E, nós, os adultos do educativos (Arendt, 1961: 176).
presente, os fundadores da pólis, os que sabemos da ausência
de certezas e os riscos desse chegar a ser, queremos o melhor 3. A filosofia a serviço da formação e da política
para eles que é, ao mesmo tempo, o que nós consideramos me­
lhor, o melhor para nós, o que não temos podido ser, mas que­ Tem.os visto que toda filosofia
remos fazer que os outros sejam. :Podemos, inclusive, acompa­ é, por sua natureza e em certo
nhá-los, ajudá-los, nesse caminho. Para isso os educaremos, sentido, pedagógica - de onde
desde a mais tenra idade. Neste acompanhar aos novos (hoi podem.os inferir que o filósofo,
néoi) encontra sentido a educação: na passagem de um mundo todo filósofo, também é, em um
velho que já não queremos a um mundo novo - novo para nós, certo sentido, u111. pedagogo.
claro, velho para os novos -, que os outros trarão com nossa José Gaos, "Filosofia e
ajuda; ou nós traremos com sua ajuda, como você prefira. pedagogia", ln: Filosofia da
Encontramos aqui os elementos clássicos que definem filosofia e história da filosofia
uma pedagogia formativa (Larrosa, 1996: 21). Por um lado, (1947).
educa-se para desenvolver certas disposições que, se conside­ E1:1 A Rep�blica não só a educação, mas também a filoso­
.
ra, existem em bruto, em potência; por outro lado, educa-se fia esta a serviço da formação e da política. Duplamente. Por
para com-formar, para dar forma a, a um modelo prescritivo, um lado, a filosofia forma a quem entra em contato com ela a
que tenha sido estabelecido previamente. A educação é assim �uem nela transita. Por outro lado, estes transeuntes da filos�­
entendida como uma tarefa moral (Larrosa, 1996: 423), nor­ f�a que detê seu conhecimento, aqueles que conhecem as rea­
°:
mativa, como um ajustar a cada um a aquilo que deve ser. Se­ lidades em s1 m�smas, governarão a pólis em função de seus
.
gundo essa orientação, são os ideais os que processam o de­ conhecimentos filosóficos. Mais ainda: se acaso se recusassem
senvolvimento de wua prática educacional. No caso de Pla­ e preten�essem permanecer contemplando aqueles ideais, se­
_
tão, esses ideais são, a priori, independentes de nossa vontade, nam obngados a governar aos outros. Pois, finalmente o esta­
e permitirão o império, neste mundo, da razão, do bem, da do os formou para isso. Os governantes devem filosof;r, os fi­
justiça, da harmonia, da beleza. As crianças, ao final, são nossa lósofos devem governar, para que a pólis seja mais racional
oportunidade de realizar estes ideais e sua educação nossa me­ melhor, mais justa, mais harmoniosa, mais bela. Não têm ou�
lhor ferramenta para tal fim. tra opção. Deste modo, a filosofia se torna uma tarefa eminen­
Esta educação de A República - como toda educação for­ t�me1!te política e o exerdcio da política uma forma de filoso­
mativa - não resiste à tentação de se apropriar da novidade fo1. Filosofa-se para politizar os novos, para fazê-los partici­
_
pantes de uma póits que se define para eles.

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Muitas águas têm corrido sob a ponte da filosofia, mas ta a prioridade que o ueopr matismo de Richard
_ �? Rorty de­
não tem mudado significativamente a cor das águas. O ensino fende da democracia a respeito da filosofia (Rorty, 1991).
da filosofia continua sendo enquadrado em uma lógica de for­
mação. Pensemos nos já citados Montaigne e Kant, ou, mais 4. A infância formada
contemporaneamente, em ferventes defesas do ensino da filo­
sofia nas escolas devido a seus fins formativos: a filosofia ao [A criança] como os mortos,
serviço de uma cidadania crítica, tolerante, responsável, plu­ como as mulheres, com.o as
ralista, enfim, todos os adjetivos que se queira outorgar, aos massas, como o objeto, como
mais adequados ao contexto 1 . todas as categorias expulsas da
Um exemplo nítido de uma filosofia com intencionalidade razão dominante, conse1va todos
formativa é o programa Filosofia para crianças de Matthew os meios para vingar-se e colocar
Lipman. Ali a prática da filosofia está ao serviço de uma edu­ aos donos da realidade um
cação para a democracia, entendida como investigação delibe­ problema insolúvel.
rativa (Lipman, 1998). Segundo Lipman, levar a filosofia às Jean Baudrillard, O continente
crianças se justifica porque ela lhes oferece; pelo menos, três negro da in('ância (1995).
ferramentas que os participantes de toda democracia necessi­ Hannah Arendt afirmou a essência da educação radic
a na
tam: 1) um trato rico e variado com conceitos gerais e contro­ natalidade, no fato de que seres humanos nascem
no mundo
. versos como verdade, justiça e liberdade; 2) uma elevação de (1961: 174). Que nasce algo novo no mundo signi
fica que 0
seus processos reflexivos a um pensar de ordem superior (que mundo e o recém-chegado são mutuamente estranhos
· não há
reúne as cUmensões ·crítica, criativa e ética do pensar); 3)' um continuidad� entre eles, mas ruptura. A educação é
_ uO-:a tenta­
t1va por matizar essa tensão, entre o novo e o velho
diálogo significativo que abre as portas para a elaboração de . � . e o cons
c1onano , o revolu-
juízos criteriosos (Lipman, 1998: 6-7). Nesta proposta é a ló­ _ ervador, o privado e o público; nasce alguém
gica da democracia (uma democracia) que define os sentidos sem voz (m.-fans) que precisa falar para comunicar
urna novi­
do ensino da filosofia. Levar a filosofia às crianças, com sua dade �ue o mundo não quer escutar porque indica sua
própria
história, com seus métodos e seus temas se justifica, para Lip,­ negaçao; educar é fazer possível a emergência dess
a voz de
ma11, pelas vantagens sociais que essa prática venha a ocasio­ for�a que a noviçlade possa ser comunicada em um
mundo
nar (Lipman, 1988: 198). Aqui também as crianças são, antes hostil a ela. A tensão não é fácil de superar e o fio
costuma
de mais nada, futuros cidadãos da democracia; como tais, pre­ romper-se no ponto mais frágil: o da novidade; os que
já estão
cisam da filosofia, não tanto pelo que são, mas pelo que po­ no mundo, os que educam, acabam sempre por dete
rminar
dem chegar a ser. Desta maneira, uma democracia idealizada, um futuro político que, para os novos, os recém-cheg
, ados,
bem entendida, marca a direção da prática da filosofia. Sem sera sempre velho. O problema ela educação tem sido
visto a
falar da educação nem das crianças, esta mesma lógka susten- partir desta perspectiva, como o de encontrar a melh
or man�i­
ra de fazer com que os novos falem a língua que os velho
s pen­
sam que eles devem falar.
Mas o problema também pode ser visto como o prob
1. Temos ncompnnhndo de perto esta discussão a propósito das ambigüidades da últi­ lema
ma Lei Nacionnl de Direttizes e Bases da Educação a respeito dn inclusão ela filoso­ de � uai será a língua que falarão os sem voz, o que
pressL1põe
fia como disciplina obtigatória no ensino médio (Lei 9.394/96). Organizamos um ouvir o que esses que não falam têm a dizer sobre a sua
debate sobre esta questão em Gallo, S. & Kohan, W. (2000). própria

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língua . Eis o paradoxo de uma educação não prevista, aberta ao
imagem da imensidão d
n ovo, à diferença: ouvir uma outra língua, ainda não falada. s _11� , l •
infância não é uma eta�a â � t1p:os �ascimentos da vicia . A
v
�;\� 0 sao ?s � P Ünei�os a nos da
ª
O s filó sofos têm-se ocupado b astante destes se m voz atra­ existência, mas u ma reser
vés da história. Qua se sempre com perspectivas formativa s, · v: q s pe rm it dinanuzar a vida
uma água que sa1' da somb e
para cumprir um projeto pedagógico . Talvez o fragmento 52 re viver a liberdade, que
l
se manuza em
.
ra um estado anu, n1c · o qu
um devane.10 ben .
e permite
'
de Heráclito, que se vale da imagem de uma crian ç a que joga
para ilustr ar a lógica do tempo e o começo do Zaratustra de
t·or, quanc1o os h omens
175-7) . A·mr
.
· . nos
ancrn precisa ser deixada en
.
deDCam em paz (1997: 150 16fei-
9'
Nietzsche, onde a criança é a possibilidade de metamorfose c1a das. crianças, mas t 1 paz,
. na� o s 6 a mfân
� -
que se situa a partir de um ponto extramoral, sej am ex emplos nos acompanha, a novidade a nossa l�
ambém · fAanc1• a, a que se
e o a��ntecunenco que mpr e
nos quais a infâ.ncia não é apenas adultez em potê ncia, ma s educa�io to talitáe ria' é n enhuma
ca< paz de mitigar.
afirmação de algum a outra coisa, de algo que não se sustente ,
E verossímil o encontro e . "
em uma lógica adulta dominante : Ao mesmo �empo, a infância utre fiI osof'ia e mf ancia
não aparece nesses exemplos como algo que deva ser desen­
forma? Alguém podena • pensar que é um desp , . ? De que
f.1losofia às crianças en1 r o pos 1to ens in ar
volvido, orientado, processado, não há con tinuidade en tre in­ . u m. con texto como 0 no
en sin o da filos ofia ne o, em que o
m se u esta, _consolidado
ss
,, fância e mundo nem entre infância e adultez. Jorge Larrosa, fi­ mos anos no ens ino médi� em se us últi-
lósofo espanhol contemporâneo, tem exploraao estas idéia s i
este despropósito pode te � pos��ve1 Jue � seja. Con tudo,
1

afirmando a infância como enigma, aquilo qu e nem sabemos e r s em; � e ucat1vo


vo, não só para as crianças não for
nem tematizamos, com o algo que escapa a nossos saberes, ._O qu� e a rnfâocia afin al? mati­
filosofia' uma forma de
no ssos poderes e no ss as vontades, que resiste a nossas tentati­ . res1stênc1a· Afirma a possi. . . Como a
novida de, um começo ir .0 e n 611idade da
v as de controlá-lo <:; do miná-lo (Larros� 1999). o �nun o com s ua dife
re
Luta por criar- se a s i U:es�1tl · �m mbº,�o, temos _dito n ça.
A infância como enigma sugere que temos fracassado, que porvir, de uma· educação i , ?e um.
que nao ; poss1vel an tecip
não conseguimos construir, atra vés das crianças, um mundo possibilidade poss1'b•1 1 ·ita pensar· Pare
ar. E uma
' ce uma .impossibilidade
melhor. Irnagem. da alteridade, a infância resiste às nossas estra­ mas é sempre possível . É_P
� 1: .
tégias pedagógicas mais sofisticadas. Ela enfrenta nossas pre­ tecimento · É toda poss1b 1 ª eventuahda·de, ocorrência, acon�
1 1da de' a �os �
tensões por mitigar sua alteridade, repudia nossa desatenção viva "a capa 1 b1Tl dad e de mant
. cidade de rnpt:u ra com a er
para a novidade que cada .criança traz consigo, se incomoda como diz Guattari (1991: significação dom·mante ,',
.
com nossas sãs intenções de con struir um mundo melho r. A in­ po de uma crian ça· que b . lB) . A'1nda �ue s e smta bem no cor­
nnca, a infa . ncrn, assim entendida
A

fân cia não é apenas o objeto educacional de nossos ideais. •. tem idade. , não
Como imagem de afirmação, de novidade, de indetermin ação,
Qu em sa be, a expedência
ele liberdade, a infância é um a figura do porvir que nenhuma esta infância nas crianças da fil 0�0f�a a;u� . e a ma�ter viva
educação que sej a se nsível a essa novidade pode antecipal'. É ' ehan adas lOJ e a p�or da
zaçõe s, a que tira dela s s : s tnfan tili-
ua
uma possibilidade para pensar uma nova educação do novo. ça . Quem sabe essa expe outredade seu enigma, sua a�ea-
riên cia filo� Of també
Esta con cepção da infânci a aparece também na imagem a preservar nossa infância . da . m contnbua
a mfa� ncia 1a
. d?s ª?ultos, a do noss
bachelardiana da infância como devaneio (Bachelard, 1997: pen, sar. . Que
• -.r.-. m • sabe.' com o
'.is'so
149), na figura do poeta, uma figura que precisa da solidão, propna Hll'ancia, a mfância , manteria viva tarnb'em a sua
dª fl 1 0sof1ª, 0 que_
ela tem de im-
que conhece a fortuna de sonh ar; existênci a livre, se m limites, previsível, inesperado, 1.
mpossfve1 . Talvez seJ am
sent1'dos para seu ens ino, q . . suf'1c1. entes
ua· 1 quer que se;a a idade dos que en-
42
43
sinam e dos que aprendem, nestes tempos em que uma visão Podemos seguir e repensar o próprio ensino da filosofià.
monolítica do real pretende esgotar todo o campo do possível. Se não é ao serviço da forim1ção, como podemos pensar selis
sentidos? Ensinar filosofia para quê se não é para formar cidà�
5. Uma lógica não formativa para o ensino da :filosofia dãos pata um mundo melhor? Nas próximas linhas tentàre­
m�s dar algumas pistas que permitam desenvolvimentos pos­
Um filósofo não se define tenores. Não estamos em condições de responder tamanhas
somente como um indivíduo a perguntas, mas, sim, sugerir algumas linhas de trabálho.
quem houvesse acontecido algo,
iluminação, êxtase, duelo, Parece-nos que esta questão está estreitamente ligada à
intuição, possessão e outras crises concepção de filosofia que se afirma quando se ensina. Neste
que tão bem conhece111- os poetas e sentido, temos defendido, em outros trabalhos2, que ensinaf
os místicos. Tampouco é uma filosofia bem pode ter que ver com promover experiências de
abna quebrantada que tomaria por pensamento filosófico. A noção de experiência de pensamen­
objeto de re-fl,exão a sacudida que to nos parece fundamental enquanto delimita um espaço que
o perturbou, pará compreendê-la, alude as clássicas dicotomias entre professor de filosofia e filó 0

desde fora, dominando-a pela sofo; filosofia e filosofar, teoria e práxis. Uma experiência de
razão. É antes um ;spírito que pensamento é uma prática teórica, intersubjetiva, itrepetfve!,
decide transformar sua existência intransferível, uma forma de exercer o pensar que chamamos
por meio da inteligência de "filosófica" quando dá ênfase à crítica ) à criação, à difere.ti.:
continuada e vivida do que lhe ça; à resistência e a uma interlocução com uma história de
ocorre, comp,·eensão que ele deve pensamentos que no ocidente tein mais de 26 sécuios.
conquistar não contando com Para que, então, impulsionar experiências de pensam�hto
nada mais que suas próprias filosófico? Sócrates é seinpre uma forte inspiràção em fiioso­
forças. fia. Pôr ser um fi,indador e deixar abertas as portas da cidade
Roger-Pol Droit, Na com.panhia fundada. Pelo que ele tem dito e pelo que se tem dito dele. Por
dos filósofos (1999). não haver escrito nada e ensinar a outros a escrevê-lo, Por en�
sinar na filosofia..Pelas experiências de pensamento filosóficd
Recapitulemos. Estamos num Encontro de Professores de
que parece ter impulsionado na cidade.
Filosofia, para pensar sobre o seu. ensino. Procuremos proble­
matizar os sentidos outorgados a esse ensino. Traçamos uma Sócrates, nos parece, sugere uin espa�o pàra prob1emati-
linha que nos permite reconhecer uma história onde a educa­ . zar a_s relações entre filosofia e política. E a imagem de umà
ção e a filosofia têm sido fortemente impregnadas pela ídéía possibilidade da filosofia erri sua relação com a política:, ufu'à
de formação. A filosofia tem sido ensinada, basicamente, para afirmação de uma ].)tática filosófica, ;11ão política, da políticà,
formar pessoas, para fazer algo de alguém. Esta estratégia Mostra que, entre filosofia e política, há mais tensões que cdill-=
pressupõe uma idéia de infância ligada à maleabilidade, à au­
sência de forma e à conseqüente necessidade de ser informa­
da. Procuramos oferecer, na parte anterior, elementos que 2. Temos desenvolvido mais a fundo esta idéia em "Fundamentos à i;>tática- da fifosoíit
permitam pensar "outra" infância. na escola p�bl\cu". 111: I<oh �n, W., Leal, B. & _ Ribeiro, Á. (orgs.J (200'0). Fífoso/itt.
na escola pub(,ca. Petrópolis: Vozes, p. 21-73.

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plementaridades. É o próprio Sócrates que problematiza a di­ mesma na política, em uma postulação de um dever ser em
mensão política da filosofia afirmada em A República: ele não c�rto modo, imune à problematização filosófica. Sua ped�go­
parece afirmar nenhuma política positiva, não mostra nenhum g1a não podia não refletir esse estado e a filosofia foi sendo en­
projeto político pelo qual educar, mas é, contudo, um dos sinada com sentidos não filosóficos. Quando se ensina filoso­
poucos, se não é o único ateniense que, segundo o próprio fia para ��mar uma política-ou uma moral, uma pedagogia,
Platão, se dedica "à verdadeira arte da política" (Gorgias, _
uma rel1giao, que para este caso é o mesmo, são todas ordens
521d), o único que a pratica nesse tempo, o único que faz polí­ determinantes-, se impossibilita a filosofia porque a moral a
tica de verdade e que, ao mesmo tempo, por essa razão é con­ pedagogia, a política e a religião são para a filosofia um p/o­
denado à morte pela política instituída. Sócrates se opõe às di­ blema e não um ponto de chegada. Quando se buscam finali­
versas políticas positivas- às democracias, às oligarquias, às ti­ dades morais, políticas, pedagógicas, religiosas, a filosofia se
ra11ias - através do exercício da filosofia. Ele faz da filosofia torna impossível. Por outro lado, quando a filosofia é possível
uma tarefa eminentemente política e da política uma forma de a moral, � política, a pedagogia e a religião são um espaço va�
exercício da filosofia. Afirma um sentido radical para a filoso­ _
z10, uma mterrogação, um intervalo.
fia política, que não se encontra na fundamentação de uma
Se o ensino da filosofia quer voltar à filosofia, precisa in­
utopia, mas em uma forma de vida sustentada pela pergunta,
verte � se� platonism ? político, recusar a formação política
pela aporia, pelo não saber. Pratica uma política e uma filoso­
dos c!dadaos. Entendida como experiência do pensamento fi­
fia filosóficas, não políticas no seu sentido estreito .e estrito.
los6f1co, esse ensino não admite nenhuma ordem determinan­
Sócrates é também uma figura que nos permite pensar a te. Pensa o impensável. Suspeita que o impossível é possível.
prática e a dimensão pedagógica da filosofia como substanti­ Dá testemunho da soberania da pergunta. Afirma a diferença,
va.mente não formativas, no sentido que temos dado a este ter­ as outras bases da ordem, suas outras possibilidades, seus pon­
mo neste trabalho.. Sócrates, o menos platônico, o dos primei­ tos negros, seus enfrentamentos, suas exclusões, seus devires.
ros diálogos- por exemplo, o· do Eutífron, Criton e Apologia-
Como pensar os sentidos deste ensino da pergunta, da di­
não parece ter em vista nenhum projeto político, nenhum tipo
ferença, da resistência? Como se dá esta experiência em uma
de cidadão. Só questiona os modos da política afirmados em
instituição superpovoada de ordens deternunantes como a es­
Atenas. Resiste a eles. Os interroga. Os desoculta.
cola? É possível ensinar filosofia, no sentido aqui especifica­
Mas depois de Sócrates veio Platão e a pergunta se tornou do, na escola, ou �m qualquer instituição? É possível uma edu­
resposta, a resistência se tornou proposta e o desocultamento cação filosófica da filosofia? É possível educar na filosofia?
se fez realidade absoluta. Platão entendeu a filosofia política Como vocês sabem, em filosofia sempre é interessante acabar
como a afirmação de uma utopia, de um direcionamento co­ com perguntas.
mum por vir, essa pólis justa onde cada parte cumpre sua fun­
ção que lhe corresponde (A RepúQlica IV, 432). Os filósofos Referências bibliográficas
que vieram depois foram seduzidos mais por Platão do que
por Sócrates. E as utopias se sucederam umas as outras. Pense­ ARENDT, Hannah (1961). "The crises of education". In: Between
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