Você está na página 1de 7

INSTITUTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA DE GOIÁS

JOSÉ ARNÓBIO ALMEIDA LEITE

DIVISÃO NA IGREJA
Desafios para o Ecumenismo Hoje

Goiânia
2021
JOSÉ ARNÓBIO ALMEIDA LEITE

DIVISÃO NA IGREJA
Desafios para o Ecumenismo Hoje

Resenha apresentada à disciplina


Ecumenismo e Diálogo Interreligioso do
curso de Teologia (Bacharelado) do
IFITEG, como parte das exigências
para a obtenção da nota N1.

Orientador: Prof. Me. Dr. Claude


Valentin René Detienne

Goiânia
2021

  1  
WOLFF, Elias. Divisões na Igreja: Desafios para o ecumenismo hoje. Theologica
Xaveriana 180 (2015): 381-407.

O cristianismo é a religião mais extensa do mundo e está composta de


três grandes ramos: o catolicismo, a ortodoxia e o protestantismo. Está
fundamentada na fé em Jesus Cristo, que fundou uma única Igreja e cuja vida e
ensinamentos formam um corpo unitário para a vida de todos os adeptos, porém,
contrariamente ao mandato da unidade feito pelo próprio Mestre, os cristãos, ao
largo da história, se dividiram por questões de divergências doutrinais ou de
autoridade, fragmentando-se em igrejas separadas. Longe de uma cordial
coexistência e pacífica convivência, as relações entre elas são marcadas por
conflitos, concorrência por espaço, proselitismo e um fosso que foi se acentuando
pela ausência de diálogo e intolerância diante das diferenças. Configura-se um
drama real e uma ferida aberta no seio das comunidades sem um prognóstico de
uma cura à curto prazo. Porém, uma luz nasceu para os cristãos com o advento
do movimento ecumênico, o qual está peremptoriamente derrubando as barreiras
da inimizade e desmascarando velhos preconceitos.
Nosso objetivo é traçar uma análise e interpretação das perspectivas
trazidas pelas iniciativas de diálogo entre as diversas igrejas cristãs que estão
elucidando as controvérsias históricas que levaram às divisões e dissipando o
confronto apologético ao passo em que estão pautando as novas relações pelo
novo viés de conceber a própria identidade cristã e eclesial ao invés das disputas
doutrinais e de autoridade.
A releitura histórica dos acontecimentos do passado implicados nas
disputas permite verificar que tiveram como pano de fundo controvérsias
relacionadas com o caráter dos atores envolvidos, fatores políticos e fatores
culturais. Diante de tal constatação, podemos elencar três elementos que
demonstram a gravidade das divisões e daí retirar frutos para enveredar pelo
caminho do diálogo. São estes exatamente que reconhecemos:

I. O pecado da divisão
Trata-se da causa mais profunda e essencial no cerne da divisão na Igreja, que
se manifesta pelo orgulho, prepotência e desacordo entre a vontade humana com

  2  
a divina. Fruto da debilidade de se permitir preencher plenamente pelo Espírito
Santo mesmo dispondo das primícias do Espírito, o coração humano se deixa
governar pela obstinação, desviando-se da fidelidade evangélica da comunhão e
abertura para a graça da unidade plena. A Igreja, por causa deste pecado, ainda
não tem em sua forma histórica nem se expressa exteriormente conforme sua
natureza verdadeira, porque nela como sociedade histórica operam não apenas o
poder do Espírito mas também os sentimentos de egoísmo, orgulho, falta de
caridade e de fé. Assim exposto, por ser a Igreja uma fraternidade em Cristo, a
divisão é um grave pecado para o qual o único remédio é buscar um caminho de
conversão rumo à unidade dos cristãos (UR1 8). Também esta conversão se dá
pela atuação do Espírito dentro de cada fiel e da Igreja em seu conjunto para
reconfigurar os elementos exteriores de comunhão.

II. A culpa de ambos os lados


Deve-se reconhecer a bem da verdade que a culpa recai em ambos os lados
envolvidos nos conflitos e nas divergências que culminaram com as divisões na
Igreja. Tiveram culpa por incidirem nos extremismos, radicalismo e exclusivismos,
que atualmente são trazidos à consciência na releitura dos fatos históricos pela
comissão de estudo intereclesial com a finalidade de identificar a problemática a
fim de se que se confessem culpados de terem deixado as diferenças ofuscar o
testemunho de Cristo. Esta atitude conforma um ato de humildade que evita que
uma das partes se arrogue de detentor da verdade frente à outra e a esta
considere a errada. Desta forma, a confissão de culpa cabe a todas as partes
implicadas. Presta-se também a que se conceda aos atores históricos o
beneplácito de que muitos dos atos cometidos foram motivados por um espírito de
verdadeiro zelo pela Igreja e pelo Evangelho. Apesar disso, os atores atuais
precisam se solidarizar com os antigos na confissão do pecado da divisão.

III. Contradição, escândalo, obstáculo


A problemática da conjuntura de discórdia e da inconformidade entre os cristãos é
entendida nestes termos pelo Concílio Vaticano II (UR1 1). Analisemos:
__________________________________________
1
Decreto Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo, em DOCUMENTOS DO CONCÍLIO ECUMÊNICO
VATICANO II, São Paulo: Paulus, 1997.
  3  
1. Contradição – a divisão entre os cristãos impugna ao projeto de Deus-Pai
de formar desde todos os povos um só (Ez 37,16-28; Jo, 11,51-52; Rm
10,12; Gl 3,8; Ef 2,14; Ap 7,9) e para o qual Cristo manifestou em ação e
revelou em aspiração de que todos os seus discípulos “sejam um” (Jo
17,21), e vivam “no mesmo Espírito” (1 Cor 1,10) que a todos reúne numa
só esperança e uma só fé (Ef 1, 4-6).
2. Escândalo – a divisão ofende ao mundo visto que os cristãos não vivem o
testemunho crível no Deus em quem professam sua fé e cuja vinda o
mundo aguarda, além de malograr as esperanças do mundo em unidade e
paz.
3. Obstáculo – a divisão atravanca em dois contextos: internamente, já que
veda à comunidade a vivência na caridade; externamente, já que entrava a
pregação do evangelho de amor e da paz em todas as partes do mundo.

Este panorama catastrófico do cristianismo não se pode mais ser visto


como normal na vida cristã e eclesial e admitido na fraternidade da Igreja de
Cristo; por isso esta inconveniência deve ser considerada como uma anomalia
eclesial que revela a divisão e a mantém agravada.

Após abordarmos três elementos que emergiram da releitura dos fatos e


das motivações dos atores reformadores que culminaram com as divisões,
poderemos analisar alguns frutos desta revisão que se constituirão em uma nova
e positiva postura para enveredar pelo caminho do diálogo. Identificamos as
seguintes:

I. Reconstrução da identidade cristã pela integração da confessional com a


eclesial
Isto poderá ocorrer pela reflexão dialógica e ecumênica em busca de um retorno
aos usos e costumes da tradição passada que, em vez de desembocar no
confessionalismo, denominacionalismo e no institucionalismo que configuram a
perversão da identidade originária, repense a identidade cristã em integração
numa conjuntura mais ampla de superação das chamadas identidades
confessional e eclesial em que se distinguem as diversas igrejas pela

  4  
especificidade doutrinal, espiritual e pastoral. A questão ecumênica propõe às
igrejas uma concepção diferente na construção de um paradigma para a
convicção de ser Igreja de Jesus Cristo em cima do problema ecumênico
centrado na estagnação histórica das identidades confessionais que perpetua
tensões e rupturas. O diálogo ecumênico ajuda a entender que a identidade
confessional deve se converter em identidade cristã para que cada igreja possa
se relacionar com as demais num espírito de colaboração em prol da edificação e
traquejo das identidades cristã, eclesial e confessional apropriadas por todos os
fieis. O movimento encampa que a identidade eclesial esteja a serviço da
identidade cristã de maneira que haja um discernimento dos objetos
irrenunciáveis e dos sacrifícios necessários da identidade eclesial em detrimento
da identidade cristã.

II. Cura da memória


É um fruto imprescindível derivado da releitura que propicia o diálogo para o
entendimento e que acontece através de três aspectos: a) Espírito de conversão,
que se sucede pelo reconhecimento recíproco do pecado contra a unidade e
convencimento da imposição de pedir e conceder o perdão; b) Revisão da história
cristã, desde antes, durante e depois do processo de separação, para viabilizar
uma adequada visão dos condicionantes daquela época e nortear as relações
vindouras; c) Reconhecimento da convergência atual e planejar o itinerário futuro,
pois os componentes da fé comum brindam os princípios para se conquistar plena
comunhão.

III. Redimensionamento estrutural da Igreja


O congraçamento das igrejas se dá também no plano estrutural pelas alterações
na organização eclesial a fim de se prover a recepção mútua dos seus membros
que participam do sacerdócio comum pelo batismo. Para tanto a revisão deve
englobar: a) os Ministérios, a envolver sua estrutura, o sujeito, a
sacramentalidade, a temporalidade, a sucessão apostólica; b) a Autoridade na
Igreja, a acordar sobre os sujeitos que têm arbítrio para manter o testemunho da
fé apostólica e quais são as instâncias competentes para um juízo oficial e
consensual sobre fé e costumes (os papeis dos bispos de supervisão e o petrino

  5  
de primazia universal). Como o reconhecimento recíproco dos ministérios está
estagnado, vale avançar no diálogo sobre questões acima descritas para que a
Igreja permaneça com uma estrutura ministerial abonada por todos. Se há
concordância de que os bispos exercem um papel de supervisão vital para a
existência da Igreja, o mesmo não ocorre com o papel do ministério petrino, pois
as diversas tradições eclesiais divergem no entendimento da autoridade múltipla e
difusa em consonância com um primado do bispo de Roma e na aceitação deste
último.

Os avanços do diálogo ecumênico têm permitido verificar que há


convergências na fé essencial dos cristãos separados, embora persistam
divergências doutrinais entre as diversas igrejas. Este fato possibilita refletir sobre
um questionamento: se o que une os cristãos não seria mais forte do que o que
os separa. Se se confirma que assim o é, vale antever para um futuro próximo,
uma reconciliação pautada pela penitência por causa de erros de uns e de outros,
ação de graças e louvor a Deus pela coragem profética das igrejas de abandonar
as querelas divisionistas em prol da unidade na riqueza da multiplicidade.

  6  

Você também pode gostar