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O
envolvimento comunitário na intervenção da predação de rebanhos domésticos
no Alto Rio Paraná. Educação e Extensão Socioambiental. Caderno Técnico do
IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas. 1(1). Pg. 25-38.”
Kauê Cachuba de Abreu¹,²; Daniel Mandryk Mellek²; Fernando Silva Lima¹; Laury Cullen Jr.¹
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar os resultados parciais do trabalho realizado
pelo IPE, em parceria com o LABCEAS, na região dos remanescentes florestais do alto Rio
Paraná. Este projeto busca, ao mesmo tempo, informações sobre as ocorrências de ataques dos
grandes felinos em rebanhos de animais domésticos e intervir nos conflitos entre as atividades
agropecuárias vs manutenção de carnívoros silvestres. Espera-se promover, através das
atividades do projeto, a possibilidade de manejo destes conflitos e, enfim, conseguir minimizar as
perdas econômicas aos agricultores decorrentes dos ataques dos grandes felinos e, por outro
lado, evitar o abate indiscriminado destes animais. O método utilizado é a realização de testes
de intervenção agropastoril, a partir de técnicas como áreas de exclusão, cães de proteção,
cercas elétricas, estímulos aversivos, repelentes e outras metodologias sugeridas para controle.
Neste processo, a participação e envolvimento dos diferentes setores da sociedade tornam-se
fundamentais tanto para o sucesso das ações como para a proposição de cenários e estratégias
de intervenção efetivas, contribuindo assim para a melhoria da qualidade de vida regional.
1. INTRODUÇÃO
Alem de termos a existência de legislação especifica para abate de animais silvestres (Lei 9.605
de 12 de fevereiro de 1998). “O artigo 36 abre uma exceção e não considera crime quando o
abate de animais silvestres é realizado para proteger lavouras e rebanhos da ação predatória ou
destruidora de animais. Porém, situações em que o controle seja necessário, devem ser
legalmente autorizadas e fundamentadas com bases científicas provenientes de trabalhos com
bases ecológicas e comportamentais das populações silvestres” (Cavalcanti, 2003; Boutin, 2005;
Cullen et al, 2007).
Esperamos com a realização de extensão rural e ação pratica de intervenção, testar algumas
técnicas de controle não-letal dos carnívoros silvestres, intervindo no manejo agropastoril e
proporcionar a comunidade, um melhor entendimento deste conflito (Swartz, 1991; USDA, 1999;
Crawshaw, 2003; Cavalcanti, 2002, 2003; Hoogestejin & Hoogestejin, 2003).
MATERIAIS E MÉTODOS
Área de estudo
Devido a muitas destas características, tentamos nos manter imparciais na escolha das ações a
serem testadas para incentivarmos a participação e o envolvimento dos interessados.
Métodos
Para mantermos as atividades de intervenção com critérios para obtermos boas informações
sobre o conflito em questão, nas propriedades monitoradas, foram identificadas pessoas da
comunidade regional que apresentaram interesse e aptidão para realizarem as atividades.
Estas pessoas são representantes dos diferentes setores da sociedade local como campeiros e
funcionários das propriedades envolvidas, bem como pessoas da REMAVOU (Rede de
Monitores Ambientais Voluntários no Corredor de Biodiversidade Caiuá – Ilha Grande),
funcionários do IAP (Instituto Ambiental do Paraná), CORIPA (Consórcio Intermunicipal para
Conservação do Remanescente do Rio Paraná e Áreas de Influencia), COMAFEN (Consórcio
Intermunicipal da APA Federal do Noroeste do Paraná), EMATER (Instituto Paranaense de
Assistência Técnica e Extensão Rural), FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), SEAB
(Secretaria Estadual de Abastecimento e Agricultura). Os voluntários foram envolvidos em
atividades de extensão rural, coletas de informações em campo, auxiliando na manutenção da
base de dados e, quando preciso, realizar vistorias in loco.
Na realização dos testes de intervenção foram utilizadas diferentes ferramentas nas seguintes
ações em diferentes propriedades rurais (n°=27):
Controle 1
Rio Pirajuy: Está área de controle é o retrato da situação instalada na maior parte da região.
Apresenta grandes propriedades vizinhas a assentamentos de reforma agrária, caracterizada por
pequenas propriedades. Apresenta densidades baixas para as espécies de grandes felinos,
problemas de uso desmedido dos recursos e espaços naturais, divisões das terras particulares,
falta de APP – Área de Preservação Permanente e RL - Reserva Legal e atividade cinegética
acentuada.
Em uma das propriedades da área foram implantados cães de proteção à três anos juntamente
com um sistema de rodízio dos piquetes no rebanho bovino e em outra propriedade foram
mantidos animais nos rebanhos com o comportamento de proteção do rebanho bovino que é
mantido de forma extensiva.
Controle 2
Rio Mirim: A oportunidade que temos nesta área controle é única na região, pois a condição
ambiental é de um continuo florestal, conectado as maiores e mais importantes áreas de
remanescentes na planície de inundação, caracterizando as unidades de conservação de uso
indireto na região do alto Rio Paraná.
Esta área de controle está dividida em duas áreas de pastoreio distintas: uma com condições de
pastoreio rotacional e outra com um sistema extensivo de manutenção dos rebanhos de gado
bovino. Nesta área controle a única intervenção realizada pelas atividades do projeto foi à
mudança de categorias de idade nos rebanhos que são mantidos em piquetes com maior
incidência de ataques de grandes felinos aos animais domésticos.
Controle 3
Rio Curupay: Nesta paisagem temos uma condição de remanescentes florestais em meio às
pastagens utilizadas em um sistema rotacional do gado bovino e criação intensiva de carneiros.
Temos uma condição de conexão com certa ligação existente entre os fragmentos florestais e
remanescentes de APP. Nesta área controle temos implantada como forma de intervenção, cães
de proteção nos rebanhos de ovino e bovino.
Controle 4
Rio Esperança: Temos nesta paisagem uma condição ambiental com fragmentos de diferentes
tipologias florestais em meio às áreas de pastagem extensiva de rebanhos de gado bovino e
uma proximidade com uma das maiores fontes de biodiversidade do alto Rio Paraná.
Para a realização dos testes nas fazendas com características e fatores facilitadores para
programar as diferentes intervenções, foram definidas as ações juntamente com os proprietários
e trabalhadores. Assim temos que a maioria das ações foram realizadas em associações entre
as diferentes técnicas.
Assumimos siglas, que dão referencias aos testes de intervenção, divididos pelas diferentes
espécies silvestres registradas nos eventos de conflitos e manter a integridade das propriedades
envolvidas no estudo, (Ex.: PO-1, PC-2.6; onde PO – Panthera onca (onça-pintada), PC – Puma
concolor (puma), PY - Puma yagouarundi (gato-mourisco), CB - Chrysocyon brachyurus (lobo-
guará) e os números se referem às diferentes ações implantadas).
Barreiras físicas consistem em utilizarmos ferramentas que irão inibir e dificultar o acesso de
predadores silvestres aos animais de um rebanho doméstico, através de cercas nas áreas de
pastagem, bem como em áreas de exclusão de animais domésticos, dificultando o acesso do
rebanho aos remanescentes florestais, para diminuirmos as chances de ataques com sucesso
das espécies carnívoras.
Agentes aversivos são toda e qualquer ferramenta que possamos utilizar para causar certo
desconforto para a espécie predadora, podendo assim agir com estímulos físicos, sensoriais e
comportamentais. Utilizando para isto ferramentas como substancias com paladar desagradável,
cães treinados para impedirem acesso de invasores, “inprints” comportamentais de medo, como
repelentes e utilização de agentes sonoros, entre outras possibilidades.
Mantemos ações de manejo agropastoril utilizando cães de proteção para os rebanhos, sendo
esta ferramenta reconhecida como eficiente técnica para inibir ataques de espécies carnívoras
ou invasoras. A utilização de cães rastreadores e pastores funcionam como alternativa de
intervenção, reconhecidamente eficiente, para remediar e minimizar os problemas de conflitos
carnívoros vs rebanhos domésticos, apresentando-se como a metodologia de controle mais
seletiva (Dolbeer et al., 1994; Gese, 2006; Swartz, 1991; USDA, 1999; Crawshaw, 2003;
Cavalcanti, 2002, 2003).
Temos na utilização dos cães rastreadores uma importante ferramenta para otimizarmos a
obtenção de diferentes informações a respeito das espécies de felinos e suas atividades na
paisagem fragmentada do alto Rio Paraná, rastreando longas distancias na busca de material
biológico derivado das espécies de grandes felinos existentes na região.
RESULTADOS E DISCUÇÃO
Em uma propriedade com criação rotacional de bovinos e ovinos, aonde foram registrados três
ovinos predados por Puma concolor (puma), como intervenção foram realizados testes
(PC2.3.4.5) com manejo do rebanho de ovinos e iluminação do confino de dormitório no período
noturno, consorciado com a implantação de um cão de proteção que permanece com o rebanho
no período noturno. Até o presente momento o rebanho não teve mais baixas ocasionadas por
predação.
Em uma das propriedades aonde era mantido um cão de proteção em um rebanho de gado
bovino, tivemos um acidente ofídico que ocasionou a morte do cão, forçando a instalação de
cercas elétricas em área de confinamento e implantação das áreas de exclusão para os
rebanhos domésticos.
A espécie tem registros raros e esparsos na região oeste e noroeste do estado do Paraná, sendo
mais freqüente seu registro nas grandes UCs da região do alto Rio Paraná (Di Bitteti et al. 2003;
Abreu, 2002; Abreu et al. 2004; Koproski, 2004; Cullen Jr. et al. 2005; Boscarato, 2005; Sana et
al. 2006; Cullen Jr., 2006; Abreu et al.,2008; Abreu et al., Submetido).
Em uma das fazendas monitoradas (PO1.5) próxima a AE1 e AP1, tivemos uma única
ocorrência de predação sobre o rebanho doméstico, sendo este ataque comprovado para uma
onça-pintada que transita na região, sendo esta importante área do entorno imediato do Parque
Estadual do Morro do Diabo (PEMD), no estado de São Paulo.
Em outras duas propriedades monitoradas (PO1.7) na região de entorno imediato do PEMD,
onde foram iniciadas e implementadas mudanças na paisagem local das propriedades e foi
efetivada a fiscalização quanto as atividades cinegéticas, este anos tivemos 10 gados bovinos da
raça nelore abatidos por exemplares de onça-pintada.
Após o ultimo ataque com sucesso do exemplar de lobo-guará em período crepuscular noturno,
foi tomada a iniciativa de manter um dos cães da propriedade (SRD de médio\grande porte) junto
ao rebanho nos períodos noturnos.
Esta atitude bastou para inibir toda e qualquer tentativa do espécime quanto a realizar ataques
ao rebanho. Sendo que durante atividades de monitoramento na propriedade foi verificada a
permanência de dois exemplares da espécie que transitam entre remanescentes florestais na
APP e RL, utilizando plantios de cana-de-açucar, café e pastagens.
CONCLUSÃO
Estes testes terão informações consistentes sobre a sua eficiência com o passar do tempo e
manutenção das ferramentas utilizadas, pois para sabermos a eficiência de determinada
intervenção devemos esperar que ocorram eventos de conflito, para que novas investidas sejam
realizadas pelas espécies carnívoras focadas nas atividades propostas para este projeto de
pesquisa.
Como exemplo, temos a redução real em números de cabeças de diferentes criações abatidas,
em dois casos considerados graves (fazendas com características peculiares, como;
proximidade com área com considerável densidade das espécies Panthera onca (onça-pintada)
e Puma concolor (puma) ou grande pressão de atividades cinegéticas dirigidas principalmente as
espécies de médios e grandes mamíferos), envolvendo abates de 67 cabeças anualmente, foi
reduzido para 11 cabeças de criações domésticas.
Temos a eficiência das ações testadas nesta proposta de pesquisa, demonstrada a partir dos
registros de movimentação e permanência das espécies de carnívoros em áreas de influência
das pastagens dos rebanhos domésticos, sem termos registrados ataques com sucesso.
Temos uma constância nas características presentes no contexto da paisagem na maioria dos
ataques, por estarem em coordenadas de áreas de APP, indicando que podem estar sendo
realizados por espécimes que estão realizando incursões pela paisagem altamente fragmentada
da região oeste e noroeste no estado do Paraná (Boulhosa, 2000; Hoogestejin et al., 2002;
Palmeira et al., 2002; Leite-Pitman et al., 2002; Cullen Jr. et al., 2005³; Michalski et al., 2006;
Cullen Jr., 2006; Abreu et al., 2008²).
Quanto à utilização de cães de proteção para os rebanhos domésticos, está ferramenta é muito
eficiente e de gastos de manutenção moderados, dês de que os cães sejam bem mantidos,
conduzidos e muito bem orientados, por pessoas que tenham conhecimento de causa para
efetivamente manter cães eficientes (Figura 2).
A utilização dos cães como rastreadores foi fundamental para obtermos diferentes informações
em campo, principalmente quanto às informações obtidas em áreas aonde é esperado poucos
registros para as espécies de grandes felinos (Figura 3). Esta ferramenta demanda de alto
investimento monetário inicial e manutenção, sendo de fácil trato, dês de que os técnicos
envolvidos tenham entendimento suficiente para condução e uso da ferramenta. A principal
característica que determina o sucesso de uma matilha de cães de rastreamento é a obtenção
de bons cães das diferentes linhagens de sabujos, sendo que muitas destas raças são raras e
de alto valor comercial e fundamental experiência para formação de bons cães, direcionados
para a busca de determinada espécies silvestres, se mostrando como a mais seletiva ferramenta
para procura de espécies animais.
As situações aonde utilizamos os cães como ferramenta para afugentar ou repelir espécies de
carnívoros silvestres, obtemos indicativos satisfatórios, pois a simples presença de um cachorro
que acompanhe o rebanho, já inibe qualquer atitude e ação de determinado espécime de
carnívoro silvestre, depois das atividades de repelente, pois estes aprendem que os cães
presentes em um rebanho dificultam em muito as ações furtivas das espécies de carnívoros
silvestres. Porem demanda de uma grande logística envolvida para a realização de atividades
com o uso desta ferramenta e uma boa matilha de cães adestrados especificamente para a
espécie que esta realizando ataque em um rebanho doméstico.
O conjunto de técnicas com menor valor monetário agregado é a implantação de holofotes nas
áreas de confinamento noturno e mudanças no manejo de pastoreio dos rebanhos domésticos,
sendo que a eficiência destas mudanças de manejo depende em muito das condições da
propriedade de realizá-las, pois muitas vezes uma simples mudança de passagem de corredor,
requer modificações em quase todo o sistema de piquetes de uma propriedade.
As indicações dos testes mostram que as ações de intervenções são mais eficientes quando as
ferramentas são utilizadas consorciadas nas diferentes condições dos testes.
Para que se tenha êxito na manutenção das espécies de grandes carnívoros no alto Rio Paraná
será necessário por em pratica ações adequadas às diferentes realidades, em escala regional e
continental, e mantidas por períodos maiores que cinco anos ou mais (Rabinowitz, 1986;
Crawshaw, 1995¹²; Crawshaw et al., 2002; Crawshaw, 2003; Hoogestejin & Hoogestejin, 2003;
Cavalcanti, 2003¹; 2004; Sanderson et al., 2002; Cullen Jr., 2006).
Figura 1. Localização da Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná e região onde realizamos
os diferentes testes de intervenção em localidades com incidências de ataques de carnívoros silvestres em
rebanhos domésticos (Fonte: IBAMA\ICMBio).
Figura 2. Exemplo de intervenção realizada com cerca elétrica e cães de proteção (Raça Rhodesian Ridgeback) em
área de pastoreio com histórico de ataques em rebanho bovino e ocorrência confirmada para onça-pintada
(Panthera onca), Foto: Kauê Cachuba de Abreu.
Figura 3. Atividade de rastreamento em propriedade com registros de ataques em rebanhos de ovinos, envolvendo
os diferentes setores (Representantes da comunidade, proprietários, gestores de Unidade de Conservação, técnicos
e voluntários envolvidos na realização de testes com intervenção de manejo). Foto: Projeto Predação.
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