DEPARTAMENTO DE ESTUDOS DA INFÂNCIA (DEDI) DISCIPLINA: INFÂNCIA E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL PROFª MÁRCIA MARIA E SILVA OUTUBRO/2013 A DESCOBERTA DA INFÂNCIA
Até o sec. XII a arte medieval desconhecia a
infância . Não tentava representá-la. É provável que não houvesse infância. Não era provavelmente concebida. Até o fim do séc. XIII não existiam crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido. Essa recusa em aceitar na arte a morfologia infantil é encontrada na maioria das civilizações arcaicas. O sentimento de infância corresponde a uma consciência da particularidade infantil, que distingue a criança do adulto ou jovem. Essa consciência não existia na Idade Média. Assim que a criança tinha condições de viver sem a exigência de atenção direta da mãe, ingressava na sociedade dos adultos e não mais se distinguia deles. O primeiro sentimento de infância – a paparicação – surgiu no meio familiar. O segundo proveio de fonte exterior à família ( séc XVII). Viam nela frágeis criaturas de Deus que era preciso preservar e disciplinar. Os historiadores da literatura (MGR Calvé) fizeram a mesma observação a propósito da epopeia, em que crianças-prodígio se conduziam com a bravura e a força física dos guerreiros adultos. Os homens do séc X-XI não se detinham na imagem da infância. Não havia interesse nem realidade na imagem de infância. Conclui-se que no domínio da vida real, a infância era um período de transição logo ultrapassado, uma lembrança logo perdida. Por volta do sec. XIII-XIV surgiram alguns tipos de criança um pouco mais próximas do sentimento moderno. Surgiu o anjo representado por um rapaz muito jovem, uma criança mais ou menos grande. O segundo tipo de criança seria o modelo e o ancestral de todas as crianças pequenas da história da arte: o Menino Jesus, ou Nossa senhora, menina. A infância se ligava ao mistério da maternidade da virgem e ao culto de Maria. Um terceiro tipo de criança apareceu na fase gótica: a criança nua. O menino Jesus só apareceria nu no final da Idade Média. Durante o sec. XIV e XV esses tipos medievais evoluiriam, mas não como no sec. XIII O anjo adolescente ainda se apresenta na pintura religiosa sem grande alteração. Mas houve ampliação e diversificação. Aspectos graciosos, ternos e ingênuos da primeira infância começam a se apresentar: a criança buscando o seio da mãe; preparando-se para beijá-la; brincando com brinquedos tradicionais da infância, a criança comendo seu mingau... Diferentes infâncias santas começaram a surgir com ou sem suas mães. Essa iconografia (sec. XIV) coincidiu com um florescimento de histórias de crianças nas lendas e contos pios. Manteve-se até o séc. XVII também em outras artes, como tapeçaria e escultura. Dessa iconografia religiosa finalmente destacou-se uma iconografia leiga entre o sec. XV e XVI. Não havia a representação da criança sozinha, aparecia sempre com sua família,seus companheiros de jogos( muitas vezes adultos), na multidão ( no colo de sua mãe, a criança na escola ( está inspirou a produção até o séc. XIX)... Há duas ideias sugeridas: os pintores gostavam de representar as crianças com adultos por sua graça e por seu gosto pitoresco, anedótico, representando uma infância “engraçadinha”. Há um anúncio do sentimento moderno da infância ( a paparicação, o tom engraçadinho, anedótico). Há uma tendência a separar o mundo das crianças do mundo dos adultos. ( ideia sustentada pelo mundo arcaico) No séc. XV, o retrato e o putto (criança nua). Ela apareceu de início no túmulo de seus professores não no de seus pais. Ninguém pensava em representar o retrato de uma criança que tivesse sobrevivido e se tornado adulta ou que tivesse morrido pequena. A infância era apenas uma fase sem importância, que não fazia sentido fixar na lembrança; não se considerava que a criança morta fosse digna de lembrança, ainda no século XVII. As pessoas não podiam se apegar muito ao que ainda era uma perda considera eventual. Montaigne (pensador séc. XVI): Perdi dois ou três filhos pequenos, não sem tristeza, mas sem desespero. Molière ( dramaturgo francês séc. XVII): A pequena não conta. Não se pensava que a criança já contivesse uma personalidade de um homem. Elas morriam em grande número; a opinião comum não reconhecia “ nas crianças nem movimento na alma, nem forma reconhecível no corpo. Não devemos nos surpreender com essa insensibilidade, pois era natural nas condições demográficas da época. Devemos nos surpreender com a precocidade do sentimento da infância, enquanto as condições demográficas continuavam a ser desfavoráveis. Estatisticamente esse sentimento deveria aparecer mais tarde. O gosto novo pelo retrato indicava que as crianças começavam a sair do anonimato em que sua pouca possibilidade de sobreviver as mantinha. Essa atitude mental não eliminava o sentimento contrário. Coexistiram até o séc. XVIII. Nas camadas superiores, entre os séculos XVI e XVII, a criança pequenina usava um traje que a distinguia dos adultos, mostrando uma mudança de atitude em relação a ela, a de maior importância. A ideia de desperdício desapareceu com o surgimento do malthusianismo (a doutrina de Thomas Robert Malthus (1766-1834), que fundamentalmente defendia a necessidade de impor um limite à reprodução do ser humano, pois o crescimento demográfico implicaria sempre falta de alimentos - http://www.infopedia.pt/$malthusianismo ). Afora as efígies funerárias, os retratos de crianças isoladas de seus pais continuaram raros até o fim do séc. XVI. No início do sec. XVII os retratos com crianças representadas sozinhas se tornaram numerosos. Passaria a ser modelo favorito: pequenos príncipes, filhos de grandes senhores, filhos de burgueses ricos, crianças da mesma família. Esse costume nunca mais desapareceu. A consciência comum parece ter descoberto que a alma da criança também era imortal. Essa importância dada à personalidade da criança se ligava a uma cristianização mais profunda dos costumes. Algumas famílias então fizeram questão de vacinar suas crianças. Há que se notar a importância do séc. XVII na evolução dos temas da primeira infância. Foi no séc. XVII que os retratos de crianças sozinhas se tornaram numerosos e comuns. Foi também nesse séc. que os retratos de família, muito mais antigos, tenderam a se organizar em torno da criança, que se tornou o centro da composição. O séc. XVII deu a criança um lugar privilegiado com inúmeras cenas de infância de caráter convencional: a lição de leitura, a lição de música, os grupos de meninos e meninas lendo, desenhando, brincando... A descoberta da infância começou, sem dúvida, no século XIII. O segundo sentimento de infância: o da exasperação ( repugnância) contra a paparicação era tão novo quanto. Consideravam necessário a separação das crianças. Não se considerava mais desejável que as crianças se misturassem com os adultos, especialmente à mesa para evitar que fossem mimadas e se tornassem mal- educadas. No fim do sec. XVII essa paparicação era identificada entre o povo. J. B de La Salle, em sua Conduite des écoles chrétiennes mostra que as crianças pobres eram especialmente mal-educadas, pois “só fazem o que querem, sem que os pais se importem (mas não por negligência); o que as crianças querem os pais também querem (p.104). Toda educação do sec. XX, tanto na cidade como no campo, na burguesia como no povo, foi inspirada no sentimento de infância formado entre os moralistas e educadores do sec. XVII. Passou a preponderar o interesse psicológico e a preocupação moral. A distração e a brincadeira não mais distinguiam o apego à infância e sua particularidade. Um padre jesuíta disse: “Só o tempo pode curar o homem da infância e da juventude, idades da imperfeição sob todos os aspectos,” (p.104). Os textos do fim do século XVI e do século XVII estão cheios de observações sobre a psicologia infantil. Tentava-s penetrar na mente da criança para melhor adaptar a seu nível os métodos de educação. No final do séc. XVII, procurou0se conciliar a doçura e a razão. Para o abade Goussault, conselheiro do Parlamento, em Le Portrait d!une honnête femme, “familiarizar-se com os próprios filhos, fazê-los falar sobre todas as coisas, tratá- los como pessoas racionais e conquistá-los pela doçura é um segredo infalível para se fazer deles o que se quiser. As crianças são plantas jovens que é preciso cultivar e regar com frequência: alguns conselhos dados na hora certa, algumas demonstrações de ternura e amizade feitas de tempos em tempos as comovem e as conquistam. Algumas carícias, alguns presentinhos, algumas palavras de confiança e cordialidade impressionam seu espírito, e poucas são as que resistem a esses meios doces e frágeis de transformá-las em pessoas honradas e probas e homens racionais.
A Arte Como Historiografia Do Sofrimento: Reflexões Acerca Da Arte Como Conhecimento Crítico Da Sociedade - Elementos Da Participação Subjetiva No Processo de Criação Artístico em Theodor W. Adorno