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Por uma esquerda que não odeie o 

dinheiro

Enquanto não inventarmos uma nova maneira de fazer circular o


dinheiro sem que ele seja um pecado laico entre nós, será difícil
ganhar eleições, se apresentar publicamente sem ser percebido
como hipócrita ou arrogante, e recuperar a nossa capacidade
coletiva de sonhar.

Publicado em 12/08/2020 // 7 comentários

(https://boitempoeditorial.files.wordpress.com/2020/08/dunker-dinheiro-esquerda-boitempo.jpg)
Cédula comemorativa de “Zero Euros” lançada no bicentenário de Karl Marx em 2018.

Por Christian Ingo Lenz Dunker.

Há muito tempo venho observando certos comentários críticos no que diz respeito à circulação de dinheiro no
contexto do campo progressista. Revistas de cultura são criticadas por ambicionarem ganhar dinheiro com o
conteúdo que produzem, em vez de simplesmente disponibilizá-lo gratuitamente. Ciclos de conferências,
envolvendo palestrantes internacionais e custos elevados de produção, são criticados por cobrarem valores, ainda
que módicos, de entrada. Mesmo na universidade pública onde leciono, a USP, os alunos acham uma afronta ter
que comprar livros em vez de poder usufruir de cópias ou PDF livre. É o jeito básico e cotidiano de protestar contra
o capitalismo, ali onde ele parece estar mais próximo de nós, nas trocas comerciais, especialmente no espaço dos
campi universitários onde queremos fazer valer o ensino público e gratuito.

Mas a coisa começou a soar mal quando vi três pessoas que vendiam café e pequenas refeições serem convidados a
se retirarem da USP, sob aplausos, porque estavam praticando comércio irregular, em local fora das normas
técnicas de construção e que ademais não resistiam à inspeção sanitária. Sim, deviam passar por editais, fazer
frente às exigências e adequações tarifárias… Mas não conseguia deixar de ver três pessoas negras, periféricas,
duas delas mulheres, desempregadas, que faziam parte de nossa comunidade há anos, sendo expulsas por “excesso
de capitalismo”. O gosto amargo na boca aumentou quando vi meus alunos mais favorecidos pegarem seus carros
para comer fora do campus, enquanto os alunos mais pobres se viam privados de seu “rango” mais barato e
acessível. Ali onde antes todos comíamos juntos, mesmo que irregularmente, restava agora um lugar limpo e vazio:
a desertificação do espaço público.

O problema assumiu outra proporção para mim quando participei, recentemente, de um seminário sobre
urbanização e educação, no qual discutia-se um paradoxo que atravessa a cidade de São Paulo. Há uma zona
central, que vive na legalidade, com alvarás e arquitetos, com regras de zoneamento, mas também com práticas
tácitas de ilicitude e corrupção, com grupos privados associados a interesses públicos, que dominam bairros
inteiros negociando e empreitando oportunidades construtivas. Do outro lado, há uma São Paulo informal, que é a
que mais cresce. São os puxadinhos, as lajes, as ocupações, as construções irregulares e os arremedos construtivos.
Nela o dinheiro circula sem recibo, as inspeções são raras e via de regra seu contato com o Estado sofre do mesmo
efeito punitivo que testemunhei em primeira mão na pequena lanchonete da faculdade de psicologia.

Moral das histórias. Há algo profundamente equivocado quando tratamos pequenos comerciantes, que
empreendem seu negócio tentando sobreviver ao caos do capitalismo neoliberal (e particularmente quando ele
possui alguma relação com educação, cultura ou saúde), de forma disciplinar e discursiva semelhante ao que
trataríamos uma grande indústria ou corporação, cujo representante nunca estará na nossa frente, nem com ele
conseguiremos falar em vida. O efeito que quero descrever é mais o menos o seguinte: como o capitalismo não é
tangível, no seu núcleo, ele nos força a atacar sua própria periferia, porque é com ela que conseguimos contato.
Com isso ele cria um colchão adicional de segurança para si, com divisões infinitamente pequenas no interior da
periferia. Isso substitui a consciência de classe por sentimento de grupo e dissemina a moral do ressentimento
contra ricos, privilegiados e elites. Logo, aquele que prospera e avança, acumulando dinheiro, torna-se
imediatamente um inimigo traidor. Essa ilação fez a festa da narrativa evangélica da teologia da prosperidade,
simplesmente com a fagulha moral de que “não há nada errado com o desejo de enriquecer”.

A chegada da linguagem digital e o imenso repertório de conteúdo que ela disponibilizou gratuitamente, mudou a
representação social do capitalismo, ou seja a ideologia. O enfraquecimento das formas históricas de luta, baseadas
em sindicatos e organização de trabalhadores, bem como a percepção de que há pessoas com muito mais dinheiro
do que o razoável nos trouxe a esta posição de resistência que, por falta de nomeação mais rigorosa, chamo de
“uma esquerda que odeia o dinheiro”.

“A psicanálise nos ensinou que a culpa é um sentimento de


baixíssima potência transformativa. Infelizmente, é justamente
nesse tipo de retórica que vejo o melhor desta nova geração
crítica investir suas forças e recursos.”

A desagradável notícia aqui é que não há ninguém que esteja fora do capitalismo, portanto, que possa se colocar
legitimamente do alto da montanha a condenar a miséria do mundo, tal qual a bela alma de Hegel. Isso começa a
acumular curtos-circuitos quando a narrativa liberal-conservadora traduz essa atitude em hipocrisia, mentira e dali
a pouco mau-caratismo. Ocluindo a discussão sobre suas formas e sua história, sobre sua incidência diferencial
entre identidades (inclusive a identidade de privilegiados e periféricos), a esquerda tem como tarefa propor uma
outra maneira de fazer circular o dinheiro, em vez do projeto de ocupar o Estado para ser seu sócio no tipo de
capitalismo que ele propõe e no tipo de ocupação do espaço público que ele legisla.
Por trás dessa esquerda que odeia o dinheiro não encontramos Marx nem Adorno, tampouco Losurdo ou Žižek, mas
uma espécie de crítica moral do capitalismo. Tudo se passa como se o problema da forma mercadoria pudesse ser
reduzido às atitudes de pessoas ruins, gananciosas demais, hedonistas que sofrem com ambição descontrolada, o
que as leva a querer ter desenfreadamente mais do que podem gastar. Isso coloca a esquerda no lugar discursivo de
quem quer limitar o gozo, reduzir o excesso, conter a liberdade e restringir experiências de satisfação: tudo isso
ligado ao dinheiro.

Nessa chave de compreensão, tudo se passa como se o problema da alienação fosse apenas a falta de educação
formal, como se o problema da mais-valia se resumisse apenas a um ajuste na distribuição dos salários, como se a
divisão social do trabalho fosse um assunto de recursos humanos. Não sou especialista em Marx, mas acho que
Sabrina Fernandes e Jones Manoel poderiam nos ajudar com este problema: o dinheiro é mercadoria, e mercadoria
como equivalente de valor, cuja referência é originalmente o ouro. Coisas aparentadas ao dinheiro como notas de
crédito, promissórias e outros papeis não lastreados são também igualmente dinheiro? Neste caso a circulação do
dinheiro, ele mesmo, em pequenas quantidades, de pequenos negociantes, seria algo bem diferente de empresas
que vivem de seu valor de marca, de suas aplicações imateriais na bolsa ou no sistema financeiro.

É um contrassenso que menos de quinhentas pessoas no mundo possuam mais dinheiro do que seria necessário
para sanar o problema na forme na África. No entanto, não me parece que o incentivo à generosidade das pessoas
resolva o problema. Aliás, doações massivas e fundações têm investido fortemente nessa matéria sem os resultados
esperados.

No Brasil – campeão moral em termos de desigualdade social e má distribuição de renda, mas também quando o
assunto é capital social e cultural –, é muito compreensível que a culpa seja o afeto social que se espera dos ricos.
Nossa elite é poder, sabemos disso. Mas também sabemos disso a tempo bastante para isso não ter gerado
nenhuma mudança substantiva. A psicanálise nos ensinou que a culpa é um sentimento de baixíssima potência
transformativa. Contudo, é justamente nesse tipo de retórica que vejo o melhor desta nova geração crítica investir
suas forças e recursos. Ódio aos homens ricos brancos e privilegiados. Ódio contra as elites que não souberam
partilhar seus bens simbólicos, nem investir na educação distributiva, nem cultivar políticas de justiça e reparação.
Ódio contra as almas impuras.

Entre o público e o privado


Por tempo demais escutei que aquilo que é do interesse público deve ser da alçada do Estado, e que pelo fato de
pretender incluir e se destinar a todos, deve ser gratuito. Ao passo que aquilo que não pertence ao espaço e ao
interesse públicos, pertence ao privado, como se a soma entre público e privado representasse a totalidade do que
existe. Segundo essa lógica, aquilo que é privado tem ou virá a ter a estrutura e a lógica da empresa, e
consequentemente está impuro e comprometido com o capitalismo. Isso significa que não aprendemos nada com as
experiências históricas do socialismo ocidental, particularmente no leste europeu, nos quais o Estado, ao se
encarregar de todas as áreas da economia e da vida social, acabou tornando-se ele mesmo o único e maior
capitalista. Uma política baseada na ocupação do Estado para que a partir disso possamos garantir a sua
interveniência e proteção para o que chamamos de “social” como expansão do espaço público e inclusão de mais
pessoas na condição de cidadania: essa me parece a plataforma que melhor define o que significa ser de esquerda
depois de 1989 no Brasil. Embora isso esteja muito longe do (e não deve ser confundido com) comunismo, arrisco
dizer que é suficiente para definir o que veio a significar esquerda entre nós. É neste sentido que Antonio Candido
dizia que o socialismo é triunfante:

“Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o
socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a
indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o
chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as
tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser
explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo…
tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais
que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os
trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um
antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face
humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de
reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-
valia não tem limite. Marx diz na Ideologia alemã (https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/a-ideologia-alema-161):
as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando
você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália.
Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O
que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue.
Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu
certo na Rússia.”

Antonio Candido, “O socialismo é uma doutrina triunfante


(https://www.brasildefato.com.br/2017/05/12/morre-o-critico-e-sociologo-antonio-candido-leia-uma-de-suas-
ultimas-entrevistas/)”, entrevista a Joana Tavares, Brasil de Fato n. 435.

Ou seja, o homem é criador de riqueza e o socialismo luta contra a exploração que ocorre ao longo do processo de
produção dessa riqueza, e não contra a riqueza ela mesma. O maior erro da representação social da esquerda é
consentir que sua defesa dos explorados se confunda com o elogio do empobrecimento. Com a dissolução da luta
coletiva em torno de direitos trabalhistas e com o declínio da plataforma de proteção do trabalhador a esquerda se
viu diante de uma nova etapa do capitalismo, na qual cada um aparece como “empresário de si mesmo”, o que
significa dizer que cada um é também explorador de si mesmo, ou que dentro de cada um de nós mora um
capitalista. A distinção rapidamente evoluiu então para uma dicotomia entre, por um lado, aqueles que se
encontram cronicamente fora do sistema (os estrangeiros, os desamparados, os miseráveis, os “inimpregáveis”), e
de outro os privilegiados.

“Uma esquerda que não odeie o dinheiro tem por tarefa


primeira desativar essa equação que, por um lado, identifica o
Estado como guardião do interesse público, e por outro,
assimila tudo o que tem que ver com a circulação do dinheiro
com a forma empresa e a propriedade privada.”

Uma esquerda que não odeie o dinheiro tem por tarefa primeira desativar essa equação que, por um lado, identifica
o Estado como guardião do interesse público, e por outro, assimila tudo o que tem que ver com a circulação do
dinheiro com a forma empresa e a propriedade privada. Entre o público e o privado existe o comum, do ponto de
vista do coletivo, e o íntimo, do ponto de vista dos indivíduos. Mas a esquerda que odeia o dinheiro parece incapaz
de conceber que é possível pensar um tipo de circulação e de troca envolvendo dinheiro que não seja nem estatal
nem empresarial.

Um caso concreto
Foi esta a primeira lição formativa que nosso projeto de atendimento aos refugiados da construção da hidroelétrica
de Belo Monte, em Altamira, no Pará me deixou. Levar psicanalistas para uma região remota do Brasil, colocá-los
em voadeiras para chegar em baixões e ilhas afastadas, alimentá-los por semanas, fazer registros e sustentar uma
base operacional custa uma coisa chamada dinheiro. Meu primeiro impulso, como professor da USP e pesquisador
acostumado a solicitar verbas para projetos de pesquisa e extensão, foi providenciar os pedidos de auxílio para o
CNPq e para a Fapesp. Qual não foi minha surpresa quando recebemos dos movimentos sociais de lá, como o
Xingu Vivo e o Movimento dos Atingidos por Barragens, que não era bem vindo o subsídio estatal para o projeto,
ainda que a necessidade dele fosse urgente e inegável. Logo percebi problema. O mesmo Estado que havia
destruído o modo de vida de 30 mil pessoas, deslocado elas de suas residências, criando situações dramáticas,
traumáticas e patógenas, se ofereceria agora para consertar a situação, corrigindo o estrago feito, bancando a vinda
de míseros vinte psicanalistas. Como se isso fosse deixar a situações quites. Percebi ali, na hora e em carne viva,
como eu mesmo estava acostumado com a equação: se é público, é Estatal e gratuito.

A falsa solução necessária foi inverter os sinais da equação. Vamos procurar empresas que subsidiam iniciativas no
terceiro setor e que podem se interessar pelo desastre humano e ambiental de Belo Monte. Há várias delas e muitas
desenvolvem trabalhos legítimos em várias áreas há muitos anos no chamado terceiro setor. Contactamos algumas
e recebemos um sinal positivo. Percebi que a “grife USP”, como dizem alguns de meus colegas, é bem-vinda em
ambientes empresariais. Mas então qual não foi minha surpresa ao ouvir das mesmas pessoas e entidades
envolvidas no projeto, que não podiam aceitar um financiamento de empresas, pois o conceito de “empresa”, neste
caso, estava indelevelmente associado com coisas como Odebrecht, Camargo Correa e Andrade Gutierrez, causas
motrizes e razão maior do desastre que se abatera sobre aquela comunidade.

Foi então que decidimos por um crowdfunding bem-sucedido que tornou possível a operação. Ou seja, dinheiro de
pessoas comuns, doado e administrado de modo transparente com o objetivo de levar a cabo uma tarefa.
Divulgamos o projeto por meio dessa empresa muito capitalista chamada YouTube, braço da corporação
tecnológica transnacional Google, recebemos doações por intermédio de um banco, retribuímos a ajuda recebida
por meio de prêmios como livros e fotos de nossa própria lavra. Quando cito esse exemplo em debates,
frequentemente recebo a crítica de que o princípio da “vaquinha” representaria a institucionalização da
precariedade, o que livraria o Estado de suas obrigações e desenvolveria um negócio paralelo que desmobiliza a
pressão pela efetivação e de direitos e obrigações. É difícil entender que o exemplo não se restringe à coleta de
dinheiro das pessoas “físicas”, mas que está em jogo um desafio que a esquerda não consegue se colocar: como gerir
o dinheiro de outra maneira que não identifique o não-estatal com a forma empresa? Como dizer para as pessoas que é
possível que a boleira consiga ir adiante em seu negócio sem estar simplesmente fora da lei do pagamento de
impostos, ou então se transformando em uma “megastore” de doces (que aliás comprará o seu negócio
impiedosamente assim que ele começar a dar certo). Como dizer que todo o universo de construções informais, na
periferia de São Paulo, pode ser feito de outra maneira que não trabalhador explorando trabalhador? Como dizer
para as pessoas que a esquerda está interessada, sim, em fazer você ganhar dinheiro e progredir na vida, e que não
há vergonha nenhuma em desejar isso? Como dizer que a esquerda quer caviar para todos? Como lembrar que
comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social e cooperativismo, como dizia
Antonio Candido, andam juntos com todas as tradições críticas que simplesmente se definem pela conjectura de
que é possível sonhar com um mundo melhor. É possível uma esquerda que não odeie o dinheiro, que o pense fora da
gramática da violência e da extorsão, sem devastação ambiental, sem anjos e demônios no seu caminho.

Quem corre o risco de fazer “o elogio do empobrecimento” certamente não é o empobrecido, ao passo que há certas
pessoas cujas condições materiais imediatas sequer permitem se enredar nesse “ódio ao dinheiro” e que vão
interpretar tal narrativa como uma profunda arrogância. Nesse sentido, percebemos como o ódio ao dinheiro se
coloca como um impeditivo para uma adesão mais massiva ao discurso de esquerda, principalmente entre as
classes mais populares – uma dificuldade para o catolicismo e que o neopentecostalismo jamais teve. Se há uma
maneira de pensar outra forma de operar trocas envolvendo dinheiro, é o que Dardot e Laval desenvolveram em
torno do conceito de comum (https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/comum-696). Nossa experiência em
Belo Monte não foi financiada nem pelo Estado nem pelas empresas, mas pelas pessoas “comuns”. São pessoas
comuns, agindo em comum, em espaços comuns que constroem casas na periferia de São Paulo, que vendem
comida nas universidades públicas e privadas que precisam ter sua forma de fazer economia reconhecida de outra
maneira. Os sonhos dessa nova economia não são nem públicos nem privados, mas são sonhos comuns.

Enquanto não inventarmos essa nova maneira de fazer circular o dinheiro sem que ele seja um pecado laico entre
nós, será difícil ganhar eleições, se apresentar publicamente sem ser percebido como hipócrita ou arrogante, e
recuperar a nossa capacidade coletiva de sonhar.

É isso que chamo de oniropolítica.

***

Dicas de leitura da Boitempo, para aprofundar a reflexão:


A arte da quarentena para principiantes
(https://www.amazon.com/quarentena-principiantes-Pandemia-Capital-
Portuguese-ebook/dp/B088GXNMMQ), de Christian Dunker
Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI
(https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/comum-696), de Pierre
Dardot e Christian Laval
Mal-estar, sofrimento e sintoma: a psicopatologia do Brasil entre muros
(https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/mal-estar,-sofrimento-e-
sintoma-na-experiencia-psicanalitica-brasileira-513), de Christian Dunker
Ressentimento
(https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/ressentimento-948), de
Maria Rita Kehl

***

Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista, professor Livre-Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo (USP), Analista Membro de Escola (A.M.E.) do Fórum do Campo Lacaniano e fundador do Laboratório
de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP. Autor de Estrutura e Constituição da Clínica Psicanalítica (AnnaBlume,
2011) vencedor do prêmio Jabuti de melhor livro em Psicologia e Psicanálise em 2012 e um dos autores da coletânea
Bala Perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação
(https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/bala-perdida-520) (Boitempo, 2015). Pela Boitempo, publicou ainda A arte
da quarentena para principiantes (https://www.amazon.com/quarentena-principiantes-Pandemia-Capital-
Portuguese-ebook/dp/B088GXNMMQ) (2020) e Mal-estar, sofrimento e sintoma: a psicopatologia do Brasil entre muros
(https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/mal-estar,-sofrimento-e-sintoma-na-experiencia-psicanalitica-
brasileira-513) (Boitempo, 2015), vencedor do prêmio Jabuti na categoria de Psicologia e Psicanálise. Desde 2008
coordena, junto com Vladimir Safatle e Nelson da Silva Junior, o projeto de pesquisa Patologias do Social: crítica da
razão diagnóstica em psicanálise. Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

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6 comentários em Por uma esquerda que não odeie o dinheiro

1. Tatiana Dias // 12/08/2020 às 11:21 am // Responder


A imbecilização realmente não tem limites. Os jovens facebookianos se achando tão cheios de verdades
realmente têm encenado situações absurdamente contraditórias

2. Luciane Streit // 12/08/2020 às 2:14 pm // Responder


Professor, muito importante e oportuna suas colocações. Acompanho o trabalho dos bancos comunitários, como
o Banco Palmas e algumas iniciativas que acontecem na cidade de Maricá-RJ, assim como o trabalho de
cooperativas que me parecem, que estão a construir esse modelo. Gerando e gerindo seus recursos sem
participar do grande sistema capitalista nem esperar pelos “auxílios” do Estado.

3. Liana Bentes // 12/08/2020 às 6:58 pm // Responder


Realmente precisamos falar sobre isso! Muito elucidativo esse artigo, Dunker de novo de parabéns!!!!

4. Fernando Sansão // 12/08/2020 às 8:29 pm // Responder


Creio que grande parte da esquerda que faz o enfrentamento do discurso do “empreendedorismo” não odeia o
dinheiro, mas dá combate à visão atomizante e ultraindividualista de que é possível enriquecer honestamente
num país devastado pela pobreza e pela desigualdade social agenciadas pelo “modus operandi” da colônia-
Brasil: extermínio, encarceramento, destruição de qualquer arremedo de Estado-providência…
Não acho que a solução seja ceder a um “neopentecostalismo laico” que veja no enriquecimento e no acúmulo
de grana um valor em si; a esquerda na sua ação de catalisadora de transformações sociais (eis uma concepção
interessante de “vanguarda”) não deve incensar o desejo de a trabalhadora autônoma precarizada ser uma
multimilionária ou uma bilionária (algo que não acontecerá, mas que ideologicamente dá base popular para
exploradores de todo o tipo), mas sim afirmar que aquele perrengue que tal trabalhadora passa dia a dia – por
mais honesto, honrado e necessário que seja – surge de um estado de coisas profundamente injusto e brutal, e
esse sofrimento, esse sacrifício, esse desgaste, essa mortificação que o capitalismo neoliberal impõe a ela NÃO É
O SEU QUINHÃO NESSA TERRA. Uma esquerda responsável, longe de bater palma pra magnata num país de
massas pauperizadas e brutalizadas, deve construir junto com o povo a compreensão de que uma vida digna
(com dinheiro/riqueza suficiente para garantir a dignidade do trabalhador e de sua família) NÃO É algo para
poucos, mas sim é o EXIGÍVEL (por QUAISQUER meios necessários) para TODO E QUALQUER SER
HUMANO, dentro e fora do Brasil. Esta seria, respeitosamente, a minha “legenda” ao texto do Christian
Dunker, gente nossa, combatente de linha.
PS: o “enriquecer é glorioso” de Deng Xiaoping, para além da literalidade do dístico, é uma orientação
estratégica para a construção da potência econômica, política e militar anti-imperialista que é a China hoje. Não
à toa os membros do Partido Comunista chinês estão longe de serem a elite milionária e bilionária chinesa,
apesar de incontestavelmente comandarem politicamente o megaprojeto, até agora vitorioso, iniciado com Mao
e outros em 1949. Enriquecer é glorioso – para um país e sob uma orientação estratégica avançada e
progressista, e não simplesmente para as aspirações individualistas, egotísticas e solipsistas do capitalista de
plantão.

5. Rita Moreira // 13/08/2020 às 8:50 am // Responder


“por falta de nomeação mais rigorosa, chamo de “uma esquerda que odeia o dinheiro”” ; talvez uma expressão
melhor seria “uma esquerda que odeia o alvo errado”. Várias vertentes de esquerda (pq não existe “A”
esquerda) tem mesmo muita dificuldade de identificar o verdadeiro alvo a ser combatido, a burguesia, a elite
tanto nacional quanto internacional. E quando a fonte de conhecimento se resume apenas a twitter e facebook,
aí realmente as análises tendem a se reproduzir de uma forma muito rasa, e quando saem da internet
promovem ações no mundo offline que são muitas vezes equivocadas e violentas…

6. Leovitor Dos Santos // 14/08/2020 às 2:09 pm // Responder


Professor, texto bem interessante para ampliar a discussão. De João Bernardo: Anticapitalismo. Anti o quê? 2. O
dinheiro não é o poder

https://passapalavra.info/2019/08/127821/

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