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No RASCUNHO r», NAçPo:

. INCONFIDêNCIA NO
~g RIO DE JANEIRO
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Secretaria Municip I d
Cultura, Turismo p rt
..

NO RASCUNHO DA NAç40:
BIBLIOTECA O1RIOCA
INCONFIDÊNCIA NO RIO DEjANEIRO, de
Afonso Carlos Marques dos Santos, recebeu
de Antonio Cândido as seguintes palavras:

O seu trabalho me interessou muito e


eu diria que veio corresponder a uma velha
esperança minha: que um dia alguém
estudasse de modo sistemático os No RASCUNHO DA NAÇÃO:
movimentos ou sintomas de inconformismo
com o estatuto colonial no Rio de Janeiro, . iNCONFIDÊNCIA NO
correspondendo ao que mais de uma vez
chamei de modo incorreto "inconfidência
carioca" - não foi inconfidência nem carioca
.RIO DL JANEIRO
(naquele tempo a designação seria
fluminense). Sempre me fascinou este tema,
que só conheço no que registram os autos
de devassa publicados nos Anais da
Biblioteca Nacional; e sempre achei um
pequeno escândalo historiogrãfico o fato de
ele não chamar a atenção devida de algum
especialista. Mas agora o senhor veio fazer Afonso Carlos Marques dos Santos
isto de maneira excelente. A sua tese é boa
desde o título, muito bem achado; é escrita
com clareza, simplicidade e despretensão.
Portanto, o primeiro mérito é a própria
escolha do assunto, que o senhor esclarece
e interpreta de maneira a meu ver
convincente. Na verdade, não apenas
ampliou o nosso conhecimento, por meio
inclusive de documentação inédita (como a
interessantíssima e reveladora representação
dos mestres régios), mas ampliou o
significado de diversos modos: estudando
a devassa contra Baltasar da Silva Lisboa;
estabelecendo vínculos com o que se
passava no resto do Império português,
inclusive a Metrópole (embora às vezes
a parte relativa à lndia dê um pouco
a impressão de matéria lateral); lendo
de maneira aprofundada a devassa contra
a Sociedade Literária, o que permite chegar
a conclusões mais amplas e significativas
do que as que tínhamos até agora.
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes
Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural
Divisão de Editoração
Prefei tura da Cidade do Rio de Janeiro
Secretaria. Jo-funicipalde Cultura, Turismo e Esportes.
Departarnemo Geral de Documentação e Informação Cultural
Divisão de Editoração
COLEçÃO BIBUOlECA CARIOCA
Volume 22 PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Marcello Alencar
Organizador
Afonso Carlos Marques dos Santos SECRETARIAMUNICIPAl DE CULTURA.TURISMO E ESPORlES
Carlos Eduardo Novaes .
Copyright © Afonso Carlos Marques dos Santos, 1992
DEPARTAMENTOGERAl DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃOCULTIJRAL
Direitos desta edição reservados ao Departamento Helena Corrêa Machado
Geral de Documentação e Informação Cultural da
Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes. DIVISÃO DE EDITORAÇÃO
Proibida a reprodução, total ou parcial, e por Paulo Roberto de Araujo Santos
qualquer meio, sem expressa autorização.
Impresso no Brasil - Printed in Brazil
ISBN - 85-85096-31-4

CONSELHO EDITORIAl

Presidente
Afonso Carlos Marques dos Santos
Membros
Helena Corrêa Machado
Paulo Roberto de Araujo Santos
Sandra Horta Marques da Costa
Samira Nahid de Mesquita
Mauricio de Almeida Abreu
Evelyn Furquim Werneck Lima
Maria Augusta F. Machado da Silva
Eliana Rezende Furtado de Mendonça
Maria Isabel de Matos Falcão
Ficha catalográfica elaborada pela Divisão de
Processamento Técnico do CT/DGDI/pEB

Santos, Afonso Carlos Marques dos, 1950-


237 No rascunho danação: Inconfidência
noRio de Janeiro / Afonso Carlos Marques
dos Santos. - Rio de Janeiro: Secretaria
Municipal de Cultura, Turismo e Esportes,
Departamento Geral de Documentação e
Informação Cul tural, Divisão de
Editoração, 1992.
176 p. - (Biblioteca Carioca; v. 22)

1. Brasil - História - Inconfidência


Mineira. 2. Rio de Janeiro (cidade) -
História- Vice- Reinado - Resende, Luís de
Castro, Conde de, 1744-1819. 3. Brasil -
História - Movimentos pela Independên-
cia - séc. XVIII. 4. Estado Brasileiro -
Formação do. 5. Sociedade Literária do
Rio de Janeiro. r. Título. lI. Série.

CDD - 981.03
SUMÁRIO
Edição e revisão de texto:
Ana Lucia Machado de Oliveira, Célia A1meida Cotrim,
Diva Maria Dias Graciosa .
Da Divisão de Editoração do CT IDGDI

Revisão do Autor

Capa e projeto gráfico, da coleção:


Ivone Barros

Arte-final da capa: APRESENTAÇÃO, 7


Vera Camisão
Do Centro de Pesquisa e Comunicação Social;SMCT PREFÁCIO, 9
1992
NOTA DO AUTOr<, 13

NO RASCUNHO DA NAÇÃO: INCONFIDÊNCIA NO RIO


DE JANEIRO, 17 .

1. A PROCURA DO OBJETO, 21
1.1 O tema e a questão. 21
1.2 O tema t: a historiografia. 22
1.3 O tema e a proposta. 26

2, A ADMINSTRAÇÃO DO MEDO, 30
2.1 O anonimato e o medo, 31
2.2 Um terror universal. SI
2.:1 No reino da desconfiança. 62
5. PROCEDEN])() À DEVAs..SA, 77
.).1 Para averiguar (-.'examinar. 83
3.2 Antes soltar do que expor. 100

4, DE REBELDE INVISíVEl. A SlJDITO DO IMPÉRIO. 112


4.1 O rebelde invisível. 111
4.2 'Na "Corte" ela América portuguesa, I E>
4.,). De rascunho a projeto, 128

5. CONCLUSÃO. 141

6. REFERÊNCIAS BIBUOGH;\FICAS. 143

AP}~NDICE.149

Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes () AUT( m. 17"1


Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural
Rua Afonso Cavalcanti, 455 sI. 201
Cidade Nova Rio de Janeiro CEP 20211-110 Tel.: 273-9390
ABREVIAÇÕES APRESENTAÇÃO

1. ARQUIVOS A BIBLIOTECA CARIOCArecebe No rascunho da nação:


Inconfidência no Rio de janeiro, de Afonso Carlos Marques dos
AHU - Arquivo Ultramarino - Lisboa Santos, com dupla satisfação. A obra vem enriquecer a nossa
ANRj - Arquivo Nacional - Rio de janeiro história, ao mesmo tempo em que estreita a ligação cio autor com a
AN1T - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Lisboa coleção, cujo projeto inicial foi por ele concebido, quando diretor
do Departamento Geral de Cultura da extinta Secretaria Municipal
2. BIBLIOTECAS de Educação e Cultura.
Pela primeira vez, numa tese universitária, são estabelecidos
BN - Biblioteca Nacional - Rio de janeiro vínculos entre a Inconfidência Mineira e o Rio de janeiro. Além
BNL - Biblioteca Nacional - Lisboa disso, como originalidade de pesquisa, ainda evidencia a relação
IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro entre os letrados e o poder na conjuntura da crise do antigo
sistema colonial, privilegiando o período de 1789 a 1801 e as
3. PUBLICAÇÕES devassas abertas no Rio de Janeiro, pelo vice-rei, conde de
Resende, sucessor de Luís de Vasconcelos e Sousa, que produziu o
ADCA - Autos de Devassa da Carta Anônima terror e o medo até 1801. Nesse aspecto, são estudadas devassas
ADIM - Autos de Devassa da Inconfidência Mineira pouco conhecidas como a de 1793, contra o juiz de fora Baltasar ela
ADIRj - Autos de Devassa da Inconfidência do Rio de Janeiro Silva Lisboa, um dos mais ilustres letrados da Colônia. e a cle 1794,
RIHGB - Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro contra os membros da Sociedade Literária do Rio de Janeiro.
A obra é, também, original quanto à forma, porque recupera a
narrativa de acontecimentos pouco conhecidos da história
brasileira. Há, no texto, por vezes, características de romance com
suspense e dramaticidade.
Os leitores e pesquisadores interessados gostarão de saber
que o livro aborda três situações. A primeira delas evidencia o
clima de medo e repressão do governo do conde de Resende,
quando estão presos no Rio os inconfidentes de Minas Gerais, em
que todo um universo de suspeitas e delações é delineado. Como
outra situação analisada, destaca-se o processo contra os
"inconfidentes" do Rio: os letrados liderados pelo poeta Manuel
Inácio da Silva Alvarenga, em cuja casa funcionava a Sociedade
Literária proscrita por Resende - o embrião de um pensamento
autonomista nacional. E, por último, o quadro dos limites da
consciência dos colonos e o desenvolvimento cio projeto de
Império luso-brasileiro.
Nessa conjuntura, vemos a história de homens que tentaram
pensar a liberdade, esboçando a autonomia da terra onde viviam.
Passando desses breves comentários de leitora à pessoa cio
autor que, aos trinta anos, teve aprovada sua tese de doutorado
8 Apresentação

pela Universidade de São Paulo, trabalho ora divulgado pela nossa PREFÁCIO
BIBLI<?TECACARIOCA,lembramos do jovem cheio de sonhos e
ousadia que, a par de significativas conquistas na carreira de
magistério universitário, colocou sua inteligência e entusiasmo a
serviço da cultura do Município.
Ei~ q~e.Afons<? <.=arlo~~~rques dos Santos, na sua trajetória
de funcionário municipal, iniciada como professor de História - de
chefe de Serviço a diretor do Departamento Geral de Cultura da
antig~ Secretaria Municipal que unia Educação e Cultura -, teve
atuaçao destacada, comprovada tanto pelos arquivos implacáveis Por que teve o Brasil imperadores e não reis? A esta questão Sérgio
como através do testemunho de seus contemporâneos. Com Buarque de Holanda responde com a blague de José Bonifácio -
engenho e arte, desenvolveu programas adequados à realidade que teria dito: afinal o povo já está tão acostumado com o
cultural da cidade, nas áreas de história, literatura, música etc., de impera~or d~ fe~ta do Divino, por que não mais um ... Imperador,
tal form~ que a Prefeitura começou a oferecer à população t;<?Bras~l,!ena SIdo como que uma piada, uma brícadeíra a mais:
oportunidades não só de ampliar informações sobre as origens e otíma hipótese, se formos na linha de Oswald de Andrade ou dos
evolução,de sua ci~de, c?mo também momentos de Jazer, sempre qu~ têm pensado o país pela carnavalização, mas nem tanto, se
que r:oss!vel, associados a pesquisa, estimulando, assim, o uso de qUlserm~s saber por que o país deu em Império.
seus orgaos de cultura permanente: arquivo e biblioteca. . POISpor que o Brasil foi Império, Afonso Carlos Marques dos
De se afirmar, portanto, o prazer de divulgar a obra de um Sant~s.responde, nes~e belo livro. E isto pela via dos intelectuais,
aut?r qu~, além d~ ter demonstrado capacidade para planejar e brasileiros em sua rnaiona, dos fins do seculo XVIII basicamente
gerir projetos na area da cultura, vem suprir lacuna nos estudos no Rio de Janeiro e em Portugal. Vemos que projetbs tinham eles
sobre a história no período colonial da cidade do Rio de Janeiro para o l?aí~,c0ffi:o o descontentamento grassava, e de que formas
no século XVIII. ' i.
se expnrrua: projetos por exemplo de assassinar o vice-rei e
proclamar uma autonomia relativa do país, que continuaria sendo
Helena Corrêa Machado co!ôn!a e mandando dinheiro à Metrópole, mas sob administração
Diretora do Departamento Geral de Documentação propna - um pouco_como um reino que pagasse tributo a outro;
e Informação Cultural/SMCT projetos de uma naçao independente de Portugal, porém centrada
nos brancos nacionais, desconsiderando não só os escravos mas
também os libertos, os índios, até mesmo os brancos pobre~ esses
que Maria Sylvia de Carvalho Franco e Laura de Mello e Sou~a
estu~laran2' To~0.um mundo de discussões, de propostas para o
Brasil et,1ta,o.eX!stla,de q.ue mal temos conhecimento, tanto porque
nossa h~stona e !l1al,ens1l1a?a, qu~nto porque foi abafado pela
repressao colonial: e esta discussão que Afonso rec,onstitui. .'
Sabemos, pela experiência dos anos de ditadura - Afonso Carlos
sabe-o -, que nessas condições o debate não cessa mas se torna
difícil de localizar, quanto mais de reconstituir duz~ntos anos
passados: pois é este trabalho de garimpo que' aqui encontramos.
Como, numa c..?njuntura de repressão diretamente ligada ao pavor
que a Revolução Francesa causou no Antigo Regime português, são
reprimidos os intelectuais, e no entanto, hidra que tem uma cabeça
cortada mas renasce, continuam eles a discutir.
Mas ~stes intelectuais não vão longe quanto gostaríamos. O
fato escravísta mal é posto em questão por eles. Quem vai mais
lon~e éJosé Bonifáclo, e.aind~ assim com um discurso que engata
multo bem .tanto no do vtce-rei conde de Resende (apêndice 1)
quanto, mais tarde, no dos que criticarão pela direita a escravatura:

9
10 Prefácio Prefácio 11

é da perspectiva da moral da família branca, que deve ser protegida discutiu com Thomas Jefferson se o terceiro direito inalienável com
da devassidão, que criticam, todos estes, os "nossos inimigos" que o Criador nos dotou seria, após a preservação da vida e a
Íntimos (J. Bonifácio), o "demônio familiar" (José de Alencar), o liberdade, "a busca da felicidade" (proposta de]efferson, que
moleque vil que dissolve o lar pelas intrigas de que é o exuberante prevaleceu na Declaração de 4 de julho de 1776) ou "a propriedade"
portador (Artur de Azevedo). Décio de Almeida Prado tem um (como queria Adams) - o mesmo Adams que pendia portanto para
belíssimo artigo sobre o Demôniofamiiiar, peça em que vemos, já uma vertente mais aristocratizante do jovem Estado norte-americano,
pelo título, o papel que é dado ao moleque negro: longe de ser a Pois é este presidente que Hipólio vê com mal contido desprezo:
vítima da exploração e de uma dominação que nega sua própria nenhuma ordem, nenhuma etiqueta; se um estranho chegasse à sala
humanidade, é um agente de dissolução dos costumes. Este, aliás, em que se encontra o primeiro mandatário, não perceberia, apenas
é um velho motivo do pensamento conservador, que pelo menos olhando, quem ele é. Esta é, com um século de atraso, exatamente a
desde o Dezoito aponta nos dominados a pouca humanidade e o crítica que fazia a princesa Palatina a seu cunhado já velho, o rei Luís
mal que portanto trazem àqueles que, na classe dominante, vivem XIV, que, depois de criar a etiqueta mais refinada que existiu na
de explorá-l os. Quando muito, desse viés, espera-se que mediante Europa, com o passar do tempo foi se cansando de tanto cansaço que
uma severa tutela se consiga civilizar, tant bien que mal, esses ela impunha. Pois a critica de Hipólito, que obviamente desconhecida
negros: é a proposta do conde de Resende, pródiga em casas de as cartas da princesa Palatina (só publicadas bem mais tarde), nos
correção, em trabalho compulsório imposto a quem, triste ironia, é permite ressaltar o quanto a etiqueta é não apenas uma forma de
forçado a chamar de libertos. A liberdade, para o negro, é respeito, mas de conhecimento, ou, melhor dizendo, de
vadiagem. Diríamos mais: dessa ótica, a liberdade, sempre que não reconhecimento: por ela se localiza quem é quem, quem ocupa tal ou
se enquadre prontamente na família (veja-se o elogio constante aos qual posição, e o recém-chegado não incorrerá em eITO,saberá
"casados"), é fator corrosivo, e são vadios tanto os negros libertos prontamente quem tem poder, quem não o tem. Péssima, então, a
quanto os escravos de ganho que perambulam pela cidade, corte republicana de Adarns: a nós, lendo cluzentos anos depois,
quanto, ainda, os brancos livres e pobres. Questão oportuna, pois, chamam a atenção as espadas, as vestes de cerimônia, tuelo muito
a debater porque parece, como dizia Rosa Luxemburg em sua pouco republicano, ainda mais se pensarmos o que tinha sido, no
crítica a Lenin, que a liberdade que melhor aceitamos geralmente é começo da mesma década, a República jacobina na França, - para
a de quem pensa como nós; e já os teólogos que defendiam o Hipólito, porém, o que salta à vista é a falta de perucas empoaclas e o
livre-arbítrio, em épocas da Ecclesia triumphans, geralmente serviço malfeito (ninguém é atendido por escravos) em Filadélfia,
subentendiam que quem usasse de sua liberdade para outra capital provisória dos Estados Unidos.
destinação que não a canônica na verdade não estaria sendo livre - O fracasso destes intelecutuais estará ligado a seus preconceitos
estaria se mostrando escravo, escravo de suas paixões, escravo, de classe, a não terem uma visão mais ampla do país, fechados que
quem sabe, também do demônio. E, não é demais lembrar, estavam nas capitanias em que residissem, nem do processo social,
sabemos que ser escravo das paixões ou do diabo aparecia como encasulados que estavam em sua classe? E a tese de Afonso Carlos,
sendo muito mais grave que ser escravo de um ser humano, que tem alguma inspiração lukacsiana, por pensar a consciência de
Este o lado cruel de nossos intelectuais, na pré-Independência classe como horizonte do possível, mas que como toelas as boas teses
que Afonso Carlos estuda, mas também após 1822.E estudá-Ios pode ~er .entendida fora deste ou de outro quadro, ~~ esquadro que
continua a ser preciso, porque continua a ser estratégico responder a ela propna define como o desmonte de uma cumplicidade entre o
esta pergunta: qual é a formação da intelectualidade brasileira?- a que \ .. , intelectual e o poder, desmonte efetuado com uma severidade
logo voltaremos. Mas há a outra ponta, a que tem graça, e que não implacável e no entanto difícil de se contestar. E por aqui a obra de .
podemos ver sem seu lado de farsa: a de Hipólito José da Costa, que Afonso Carlos Marques dos Santos vem cumprir um papel dos mais
daqui a poucos meses será preso pela polícia lisboeta como subversivo importantes, que é o de estudar o que poderíamos chamar a cena
("maçom"), que em poucos anos editará de Londres o Correio primitiva de nossa profissão, não apenas de pessoas que trabalhamos
Braziliense - quer dizer, homem talvez de "esquerda" para a época - com as idéias, mas ainda que o fazemos em um país pobre e de cruel
e que, caso raro, visita em 1798 e 99 os Estados recém-Unidos. Páginas estrutura social: conheço poucos estudos sobre o desempenho político
saborosas, quando Afonso Carlos nos faz acompanhar esse moço do intelectual brasileiro, nos anos que precedem e compõem a
aristocrata luso-brasileiro, introduzido por "nosso ministro" (o de Independência, que dêem pistas tão interessantes para se pensar a
Portugal, é claro) junto ao presidenteJohn Adams, isto é, um dos tradição do compromisso na história que depois veio de nosso país.
líderes conservadores da Independência americana, o mesmo que Há mais, porém.
12 Prefácio

A crítica ao populismo, que foi feita com merecido rigor, NOTA DO AUTOR
especialmente a partir dos anos 60, basicamente foi cO~lduzida por
intelectuais, que desmantelaram a estrutura do favorecimento, o
paternalismo, o bloqueio a uma prática política autônoma dos
trabalhadores, traços estes que caracterizaram os políticos
populistas no Brasil pré-1964. Ora, se toda esta ~rítica cOl3tinua a
me parecer oportuna, para o passado e para hoje, o fato e que ela
foi, e é, uma crítica de certa forma sem contrapartida, porque o
intelectual que assim desmonta o político paternal raras vezes se Este texto foi apresentado, inicialmente, como tese de
dispõe, ele próprio, a ser desmontado. Este é um passo que Afonso doutoramento, na área de História Social, para a Faculdade de
Carlos dá, e partindo de seu livro nos ajuda a repensar, ou Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,
simplesmente a pensar, os compromissos, o enquadramento de com o título Ideologia e poder no rascunho da nação. Rio de
quem lidando com idéias vive, por força da profissão, no OtiUIU janeiro: anos 1790. A defesa pública foi realizada em 2 de maio de
(velho topos: o lazer é condição para pensar), e, também por força 1983, sendo a banca examinadora constituída pelos professores dr.
do que professa, radicaliza. Fernando A. Novais (orientador), dr. Francisco]osé Calazans
Falcon, dr. Antônio Cândido de Mello e Souza, dr. Carlos
Guilherme Mota e dr. Eduardo d'Oliveira França. Durante muitos
Renato Janine Ribeiro anos pretendi reescrevê-Ia para incorporar as sugestões
Departamento de Filosofia apresentadas pelos examinadores. Porém, outros desafios foram se
Unioersidade de São Paulo
colocando a minha frente, o que me levou sempre a adiar a
iniciativa. Por outro lado, avancei nas pesquisas sobre o tema, o
que resultou em várias comunicações em congressos nacionais e
estrangeiros, notadamente no ano do bicentenário da Revolução
Francesa.
Alunos e colegas sempre cobraram a sua publicação,
protelada por responsabilidade única do autor. Neste ano do
bicentenário da execução de Tiradentes, senti-me motivado a
integrá-Ia à coleção Biblioteca Carioca como uma homenagem ao
alferes]oaquim]osé ela Silva Xaviere a sua geração. A coleção,
editada pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, por sua vez,
afirmou-se junto ao meio universitário, além de contar com o
apreço de um público mais amplo interessado nos estudos sobre a
éidade. Concebida no primeiro governo do prefeito Marcello
A1encar - quando exercíamos a direção geral do antigo
Departamento Geral de Cultura na gestão da historiadora Maria
Yedda Leite Linhares na então Secretaria Municipal de Educação e
Cultura - a coleção Biblioteca Carioca tomou corpo neste segundo
governo Marcello A1encar, com o poeta Gerardo Mello Mourão, e
foi definitivamente consolidada graças ao apoio inte~ral de outro
escritor à frente da Secretaria Municipal de Cultura, 1urismo e
Esportes do Rio, o jornalista Carlos Eduardo Novaes.
Não poderia deixar de registrar que este trabalho tem a sua
história entre cortada pelos acontecimentos da década de 1970 e é o
resultado de uma profunda identificação com os ideais de
liberdade da geração de letrados luso-brasileiros que, na América
portuguesa, ousaram tentar romper com a condição de portugueses

13
14 Nota do autor Nota do autor 15

no Brasil para assumir uma nova e perigosa identidade, como fundamentais já partiram, enquanto muitos outros continuam a
americanos, nas últimas décadas do século XVIII. Espero que este chegar como novos alunos e colegas. Porém, as pessoas aqui
livro motive o interesse sobre personagens como o poeta Manuel enumeradas são apenas aquelas que, direta ou indiretamente,
Inácio da Silva Alvarenga, mestre de liberdade no Rio de Janeiro contribuíram para a realização dos cursos de pós-graduação, da
daquela época, e cuja obra poética somente foi publicada, no pesquisa e da tese, entre os anos 1974 e 1982, o que explica a
conjunto, uma única vez, em 1864, nos dois volumes organizados ausência dos nomes de inúmeros companheiros de quem sou
pelo grande intelectual carioca que foi Joaquim Norberto de Sousa tributário em muitas outras aventuras intelectuais e existenciais.
Silva, autor também de uma História da Conjuração Mineira. Em Registro, assim, os meus agradecimentos:
1994, quando teremos a oportunidade de assinalar o bicentenário em São Paulo, a: Caetano Toschi (iri rnemoriam) e dona
da prisão dos membros da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, Maria Paula da Costa Aguiar Toschi, Marilena Chauí, Maria Sylvia
esperamos que a Biblioteca Carioca possa reeditar a obra completa de Carvalho Franco, Aleir Lenharo, Orieta e Fernando A. Novais
de Silva Alvarenga. Maria José Elias, Iza e Luís Koshiba, Rogério Forastieri da Silva ~
A redação final deste trabalho de tese, bem como a pesquisa com muita saudade, Carlos Alberto Vesentini e Manoel Rodrigue~
para a sua elaboração, foi realizada sem apoios institucionais e nas Monteiro;
piores condições de trabalho, como era freqüente entre os . em Lisboa, a: dr. José Pereira da Costa, ex-diretor do Arquivo
professores da épo;:a, obrigad<;>sql~e éramo~, ~Iincipalment,e?s Nacional da Torre do Tombo, drª Maria José Liotti, prof' drª Minam
que se VIram excluídos das universidades públicas pelo arbítrio Halpern Pereira, dr. Nuno Piçarra, prof. dr. Ivo Castro, Pedra
ditatorial, a lecionar em várias instituições privadas de ensino. As Antônio Elston Dias, meu irmão luso-brasileiro, e aos funcionários
pesquisas realizadas em Portugal foram feitas com recursos do Arquivo Histórico Ultramarino, com menção especial à drª Maria
pessoais e familiares, num quadro muito diferente daquele vivido Benecllta Galamba;
nos nossos dias. Tudo, porém, foi enfrentado e superado graças à no Rio de Janeiro, a: meus pais Iberia e Affonso Marques dos
solidariedade e ao apoio de colegas e amigos, tanto no Brasil como Santos e meus avós Carlos (companheiro de tantas visitas ao
em Portugal. p~ssado do Rio), Maria e Zulmira; a Lia Temporal Malcher, ex-
Sou grato ao incentivo recebido, para esta publicação, dos diretora do Arquivo Geral da Cidade do Rio de janeiro, Maria
companheiros do Conselho Editorial da Biblioteca Carioca, em Apareci~ Re~en~e Mota, Mal:cos Monteira Porto, Luciano Raposo
especial da professora Helena Corrêa Machado, diretora do d.e Alrneída Figueiredo, Francisco Dantas Guedes jr., Francisco José
Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, e do Stl.vaGomes, Carlos Al~gUStOAdclor,]osé Luiz Werneck da Silva,
professor Paulo Roberto de Araújo Santos, diretor da Divisão de Enka Hert Werneck, Gilvan Alexandre Feitosa, Lana Lace da Gama
Editoração, e sua competente equipe composta pelas professoras Lima, Maria Lucia Gonçalves e Magali Engel, com guen~ ensaiei a
Diva Maria Dias Graciosa, Ana Lucia Machado de Oliveira e Célia defesa da tese.
Almeida Cotrim. Todos estiveram comigo nos momentos os mais diversos. No
entanto, Lana, Gilvan e Maria Lucia foram os maiores cúmplices e
quase enlouqueceram por isso.

AGRADECIMENTOS
\ .' Afonso Carlos Marques dos Santos

Para os espíritos mais críticos com relação aos rituais acadêmicos, a


página de agradecimentos nas teses universitárias aparece como
uma presunção a mais dos autores. Não encontramos, todavia,
outra forma de expressar o tributo devido a uma verdadeira rede
de amigos que, tecida com o tempo, assumiu na nossa trajetória
pessoal um enorme significado. Nestes termos, o que poderia ser
um constrangimento é para nós uma imensa satisfação, a de tornar
público tanto o carinho como a gratidão, Alguns destes amigos
1 No RASCUNHO'DA NAÇÃO:
INCONFIDÊNCIANO
RIO DE JÃNEIRO

_.' .
I
Para
I Joaquim Marques elos Santos, avô paterno,
e Carlos Vieira da Silva, avô materno
(in memoriam), que me introduziram no
r conhecimento do Brasil

e para
Caio Prado ]unior e Fernanelo Antônio
Navais, que me permitiram interpretá-lo
Capítulo 1

A PROCURA DO OBJETO

1.1 O TEMA E A QUESTÃO

A formação do Estado nacional é tema recorrente em inúmeras


historiografias nacionais, ultrapassando, com freqüência, as fronteiras
do debate acadêmico para inscrever-se, com maior ou menor
dramaticidade, no espaço do político. A questão nacional, entretanto,
motor deste debate, remete-nos necessariamente à discussão de
problemas que são fortemente atravessados por aspectos ideológicos.
Neste sentido, não há representação mais perfeita do que a idéia de
nação para cumprir a tarefa central da ideologia, de ocultar a divisão
social, eliminando a contradição no nível do discurso. Tendo como
tarefa específica a realização da lôgicado poder, o discurso ideológico,
ao se apresentar como universal, monta, como observa Marilena
Chauí, "um imaginário e uma lógica de identificação social", apagan-
do a divisão e a diferença. Não é, portanto

por obrado acaso, mas por necessidade, que o discurso dopoder


é o do Estado Nacional, pois a ideologia nacionalista é o
instrumento poderoso da unificação social, não só porque
fornece a ilusão da comunidade indivisa (a nação), mas também
porque permite colocar a divisão fora do campo nacional (isto é,
na nação estrangeira)'.

A história, enquanto "biografia" da nação, como verifica Anto-


nio Gramsci, nascendo com o próprio sentimento nacional, tem como
função servir de instrumento político para coordenar e consolidar nas
massas os elementos constitutivos deste sentimento'. Produzindo,
assim, o ocultamento do processo histório real e escamoteando as
contradições, torna-se o discurso do poder, que legitima, no plano dos
sentimentos abstratos, a própria nação. O pesquisador que pretende
romper com o mito de uma história nacional', deve, necessariamente,

21
22 A procuro do objeto A procuro do objeto 23

afastar-se da história linear dos vencedores para buscar as dimensões Nestas considerações, Capistrano absorvera, sem dúvida, a forma
esquecidas da vida social. E foi esse o caminho que procuramos, ao de ver dos autores que lera, Historiador perspicaz, que tanto contribuiu
tomarmos por objeto a relação entre os letrados e o poder na América para o conhecimento do Brasil, deixou-se, entretanto, levar pela ótica
portuguesa do final do século XVIII, A partir do exame de uma de homens cuja visão de mundo estava marcada pela formação social
conjuntura de medo e repressão, em que destacamos os acontecimen- de origem, Absorveu seus preconceitos, como tantos outros brasileiros
tos que têm lugar na cidade do Rio de Janeiro, propusemo-nos a que viam o Novo Mundo com olhos de europeus, Em Capistrano este
analisar as duas vertentes básicas que se colocam como alternativas tipo de reflexão não era resultado de uma atitude irresponsável, nem
para a crise do antigo sistema colonial: a vertente nacional autonomista um simples rnimetisrno. Tentava, sinceramente compreender o Brasil
e a vertente do Estado, A primeira será frustrada pela repressão e pelas através de pesquisas originais, procurando romper com as formas
contradições internas da própria formação social da Colônia, A laudatórias da hístoriografia tradicional. Ao afirmar que não existia
segunda viabilizará o Estado nacional, a partir de um processo de vida social no Brasil, após três séculos de colonização, porque não
conciliação e assimilação, incorporando o projeto de Império dos havia sociedade, Capistrano operava com os mesmos valores de
estadistas portugueses, Lindley e com uma concepção de sociedade que passava pelos
Enquanto, na primeira vertente, a idéia de nação está circunscrita padrões europeus, Duvidava da existência de uma consciência nacio-
ã região correspondente ã capitania, acompanhando os limites impos- nal e chamava a atenção para a incapacidade local de arquitetar um
tos pela fragmentação do espaço colonial, na segunda, a idéia de plano para a independência, Em sua opinião, avessos "a questões
estado imperial, originária da Metrópole, permite uma visão de práticas e concretas", os brasileiros "preferiam divagar sobre o que se
conjunto da América portuguesa, Esta concepção de Estado é que se faria depois de conquistá-Ia por um modo qualquer, por uma série de
realizará, a partir do início do século XIX,com a adesão da maioria dos sucessos imprevistos, como afinal sucedeu'". O grande mestre da
letrados coloniais, identificados com a possibilidade deuma federação História brasileira negava, assim, qualquer validade ou importância
luso-brasileira, nas manifestações ideológicas dos letrados coloniais, Ao fracasso
A idéia de nação perderá terreno para o projeto de Estado, este político dos brasileiros ilustrados do final do século XVIII,Capistrano
sim, linha mestra da construção nacional após a Independência, devotava um enorme desprezo, que fez com que excluísse as incon-
fidências da pauta dos assuntos tratados nos seus capítulos, Em várias
oportunidades deu demonstrações de que considerava as inconfidên-
cias assunto sem importância'. Lera o depoimento de Tiradentes e a
sentença da Alçada e, não encontrando resultados efetivos na expe-
1.2 O TEMA E A HISTORIOGRAFIA riência dos mineiros, voltou-lhes as costas, conduzindo a sua pena
admirável para outros assuntos,
Embora não concordemos com CapistranodeAbreu, verificamos
Capistrano de Abreu, encerrando os seus Capítulos da história que suas observações finais nos Capítulos de história colonial, apesar
colonial, utilizou-se das observações de viajantes estrangeiros para de equivocadas, não são desproviclãs de sentido, nem de interesse, Ao
traçar um perfil da Colônia, ao findar o século XVIII,Do inglês Lindley levantar o aspecto da inexistência de uma consciência nacional, no
tomaria, sobre o Brasil, as seguintes observações: "Vida social não final do século XVIII, trazia em mente uma concepção de nação que
existia, porque não havia sociedade; questões públicas tampouco os homens da Colônia ainda não podiam ter, A percepção do conjunto
interessavam e mesmo não se conheciam: quando muito sabem se há era um atributo do Estado colonizador, já que o colono percebia a
paz ou guerra" 4, A estas afirmações acrescentaria o historiador parte, não o todo, Vislumbrava, quando muito, os problemas de sua
cearense: capitania e quando começou a pensar em liberdade, pensou-a,
inicialmente, circunscrita ao espaço onde vivia e onde estavam os seus
(.,,) é mesmo duvidoso se sentiam, não uma consciência nacio- interesses de proprietário ou negociante,
nal, mas ao menos capitaneal, embora usassem tratar-se de Aqueles leitores de livros estrangeiros a que se refere Capistrano,
patticio e paisano, Um ou outro leitor de livro estrangeiro podia foram, todavia, os que começaram a apreender a específícldade da
falar na possibilidade de independência futura, principalmente Colônia e a preparar na consciência dos colonos, as bases ideológicas
depois de fundada a república dos Estados Unidos da. América de contestação aos mecanismos da dominação colonial, seja numa
do Norte e divulgada a fraqueza lastimável de Portugal". perspectiva reformista ou revolucionária, Na geração das inconfidên-
cias, Capistrano viu "a mesma mandriice intelectual de Bequimão e
24 A procura do objeto
A procura do objeto 25

dos Mascates" não Ihes reconhecendo mérito e considerando-os fora filho, são investidos em funções administrativas em São Tia~o de Cabo
da História. Capistrano era o outro lado do problema; sua irritação com Verde para onde tinham sido enviad~s ..Resende Costa, pai, fa~e:ceem
as inconfidências provavelmente devia passar também pela recupera- 1798, com 72 anos, provido no ofício de contador, II1qul~l~or e
ção mítica que os republicanos positivistas fizeram do Alferesrnineiro? distribuidor. O filho, por sua vez, ocupa os cargos de s~~retano de
Enquanto a inteligência de Capistrano rejeitava o tema das Governo escrivão clã Provedoria da Real Fazenda, capitao-rnor do
inconfidências, os positivistas colocavam no altar os seus heróis, em forte de Santo Antônio e comandante da praça de Vila da Praia, entre
especial, Tiradentes. Os historiadores do Império não haviamignorado os anos de 1793 e 1803. No ano seguinte, palte para Lisboa, onde
as conjurações do final do século XVIII, mas, em geral, tratavam-nas continua a exercer cargos públicos. Tendo chegado ao Rio dejaneiro
com restrições, em virtude de não conseguirem ver uma grande no acompanhamento da Corte, vamos encontrá-lo, mesmo após a
distância entre a monarquia portuguesa e a monarquia no Brasil. Em Independência, investido de funções de destaque t}o.aparelho estatal.
geral, estes homens do século XIX eram profundamente ident!ficados Este comprometimento com o po~ler, sem d~lv!~la,bloqu~ou os
com o regime monárquico e com o poder, como é o caso do visconde homens do século XIX no trato dos movimentos e idéias republicanas
de Porto Seguro, o principal historiador oficial no Império. Mesmo os no Brasil colonial. Faça~se,porém,justiçaaofatodeque, mesmoas~im,
que sobreviveram à época das inconfidênci~s e, no s~c':llo XI.,?C, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro não deixaria depubllcar,
participaram da elaboração do Estado nacional brasileiro, nao na sua revista trimestral, os documentos referentes ao penodo que
explicitaram otema com muitanitideznos seus escritos. As inconfid .ên- chegassem ao seu conhecimento, muitos dos quais utilizamos em
cias constituíram-se numa espécie de tabu para aqueles que haviam nosso trabalho.
sofrido perseguições. O tema das inconfidências, porém, não ficou tão prejudicado
Participariam da fundação do Instituto Histórico e Geográfico pela omissão dos monarquistas como ficaria, na República, pela
Brasileiro alguns "homens das Luzes" do século XVIJJ,como Baltasar insistência positivista de fabricar um herói para símbolo na~lonal.
da Silva Lisboa, que não foi inconfidente, mas sofreu devassa em 1793 Tiradentesfoi posto no altar e comemorado como verdadeiro santo,
e perseguições da parte do vice-rei d. José Luís de Castro, conde de seu busto colocado em andor que seguia em procissãopela cidade 12.
Resende. Silva Lisboa, irmão do visconde de Cairu, era juiz de fora no Referindo-se às comemorações de 1891, uma circular anual do
Rio de Janeiro e, nesta condição, assistiu à prisão e à condenação dos Apostolado Positivista relatava: "Tomamos parte saliente na procissã,?
inconfidentes mineiros, presenciando o trágico fim de Tiradentes. 4 I
cívica que neste dia teve lugar, tendo-nos ~ido confiado o bus~o do herói
Viveu, portanto, o tempo das perseguições que o conde de Resende mineiro que, colocadosobreumandordeVldamenteOl:nad<?,f~~ carregado
dirigia aos homens de letras do Rio de Janeiro, estando ainda nas funções sobre os ombros dos nossos confrades e de outros Cidadãos 13.
de juiz de fora e presidente da Câmara, quando o poeta Silva Alvarenga Capistrano de Abreu, escrevendo no início do século, certamente
e seus pares da Sociedade Literária foram lançados ao cárcere por quase _. se revoltava com este tipo de apreensão da História do Brasil,
três anos. Baltasar da Silva Lisboa, tanto tice Anaisdolõodefanelro" ,como ideologicamente instrumentalizada p~ra servir à legitimac;ão de .um
nos seus demais escritos, evitou tratardo tema e nunca chegou a fazer uma sistema político. Os home~s do Império, entre~~nto, ~ambem haviam
narrativa das perseguições que sofreu. tomado a História como instrumento de legitirnação do poder. A
Mariano José Pereira da Fonseca, preso com 22 anos, em 1794, própria fundação do Instituto Histórico e Geográficc:>Brasileiro enca-
também manterá a mesma atitude de discrição. Pereira da Fonseca, no minhara-se neste sentido. Constituído o Estato nacional em termos
Império, será agraciado, mais tarde, com o título de marquês deMaricá. políticos, era necessário produzir a sustentação ideológica de seu
TambémJosé de Resende Costa, filho, age com cautela quando, em projeto. Tarefa ingrata, que se encaminha~ por vezes" de forma
1846, traduz o capítulo. sobre a conspiração de Minas Gerais, da dramática na consciência desses intelectuais que, no seculo XIX,
História do Brasil de Robert Southey. Resende Costa, que fora um dos convivem com uma sociedade escravista. Na verdade, esses homens
"inconfidente mineiros", fez anotação ao texto, por solicitação do ainda se defrontam na sua trajetória intelectual em busca da nação,
visconde de São Leopoldo, mas foi bastante reservado e não emitiu com velhas dificul~des conhecidas desde o século anterior. Romper
juízo crítico, apenas lamentando o sofrimento dos que caíram .em com a metrópole neces~aliamente significava, para os conspiradores
desgraça e fazendo correções aos aspectos factuais do texto do escn tor do século XVIII, aban<;lonar a cot:.dição" de pOtt~lg~le~es para se
inglês", , aventurarem na indefinida concepçao de ser brasileiro .
Identificados com o Estado imperial, os Resende Costa, apos a Aíestá uma questão que permanecerá subjacente ao pensamento
condenação, continuaram a percorrer uma carreira pública que não político brasileiro até o século XXe que f<:>i
claramente denunci~~a por
sofrera descontinuidade apesar do exílio, em 1792, pois ambos, pai e um português, oculto sob o pseudônimo de Amador Patrício de
A p10cura do objeto A procura do objeto Z7

Portugal, como podemos depreender da carta que, em 4 de março de Com um longo hiato, a tese de Fernando Novais retomou, em Caio
1790, envia a Martinho de Melo e Castro. Deplorando que os nacionais Prado jr., um caminho que não fora mais percorrido na historiografia
da América não se vangloriem de sua origem européia, tratando, ao brasileira. Operando com o apoio de uma ampla erudição de História
contrário, com ódio e desprezo os portugueses, observa não entender Moderna, Novais tentou encontrar alógica da colonização no movimento
esta atitude "visto que escapando desta ascendência, têm somente que caracterizava, de forma mais profunda, a época do Antigo Regime,
duas a que recorrer, que são ou os negros do sertão da África, ou os identificando, no processo de acumulação primitiva de capital, o núcleo
índios naturais da América?". central de intelegibilidade da História do perído. Em sua interpretação, o
O impasse estava colocado desde as primeiras manifestações em sentido mercantil do processo colonizador assume um outro grau de
direção à Independência. Para os autonomistas brasileiros, os brancos eficácia, na medida em que a Colônia deixa de ser um mero dado
compunham o "corpo da nação", como informoujosé Joaquim da cronológico e passa a ser tratada enquanto categoria analítica.
Maia a Thomas jefferson. O outro lado da questão, !)orém, era o que No capítulo 2, a problemática geral é o clima de repressão e
fazer com a base social real do país. A ruptura po ítica implicaria a arbítrio predominante no Rio de janeiro durante o governo do conde
construção de uma identidade e de um aparato ideoló~ico que a de Resende e o seu raio de ação. No terceiro, tratamos especificamente
legitimasse. Este dilema está bem explícito na obra dejose Bonifácio da devassa realizada contra os membros da Sociedade Literária do Rio
de Andrada e Silva, especialmente nas suas representações sobre o de janeiro, em 1794. Analisamos o potencial do movimento e sua
indígena e sobre a escravidão no Brasil". Nestes textos, a atenção configuração ideológica. No capítulo quarto, tentamos detectar a
principal volta-se para a constituição do povo, enquanto se propõe a rebeldia no interior da própria formação social e os diversos níveis de
via do embranquecimento como solução. A conformação da socieda- apreensão da condição colonial. Neste quadro, destacamos duas
de nacional, no Império, será excludente para os negros, privados da vertentes básicas de pensamento, articuladas como respostas à conjun-
condição de cidadania. tura de crise: a nacional e autonomista, e a que emana do próprio
Estado português. Procuramos, então, indagar suas possibilidades e
limites diante da especificidade do social na Colônia.
Assim, nossas reflexões giraram sempre em torno de uma
questão central: a derrota da idéia nacional e autonomista frente ao
1.3 O TEMA E A PROPOSTA \, ) projeto de Império, viabilizado no início do século XIX.Derrota que,
passando pelo fracasso do intelectual revolucionário diante do letrado
que se amolda aos contornos de um Estado reformista, suscita todo um
Duas obras, produzidas no espaço de quase trinta anos, constituíram questionamento sobre o papel da intelectualidade - entendida en-
a motivação básica desta pesquisa, inspiraram nossa reflexão e_. quanto consciência limite da apreensão do real - como força
serviram de apoio às nossas afirmações. Ambas são pioneiras no transformadora da sociedade.
momento de sua elaboração e caracterizam-se pelo rompimento com A angústia desses homens, cujo impulso inovador nascido das
uma certa maneira de conceber o Brasil enquanto objeto de estudo. Luzes se dioca com a brutalidade da repressão, e se exaure diante das
O primeiro é Caio Prado jr., com Formação do Brasilcoruemporãneo, contradições de uma sociedade que escapa muitas vezes a sua
e o segundo, Fernando Antônio Novais, com sua tese de doutoramento compreensão, não pode deixar de nos comover.
na Universidade de São Paulo, Portugal e Brasil na crise do antigo A própria História de nosso tempo levou-nos, pelos caminhos os
sistema colonial. 1,'\ mais diversos, à escolha deste tema: reminiscências atávicas, coisas de
Caio Prado jr. iniciou um processo de desenclavamento da brasileiro "antigo", uma infância plasmada no nacionalismo dos anos
História do Brasil, ao projetar o sentido da colonização no movimento cinqüenta, uma adolescência marcada pela vontade de transformar a
do capital comercial, dos séculos XVI-XVIII,sendo o primeiro a buscar realidade social, uma juventude que se inaugurou no confronto com
um eixo explicativo para as informações dispersas que até então a ditadura, o crescimento intelectual e a formação universitária numa
possuíamos sobre a Colônia e que haviam sido trabalhadas, com raras época de medo e perseguições, na primeira metade dos anos setenta.
exceções, no rastro da história político-institucional, de caráteroficialista. Por tudo isso, por uma inquieta identidade com os que pensaram a
Caio Prado Jr., ao indicar o "sentido da colonização" e construir toda liberdade e por ela lutaram e sofreram, e por uma aguda necessidade
a sua análise direta ou indiretamente referida a esta categoria, não de compreender, é que dirigimos nossa atenção para a geração de luso-
estava produzindo um ensaio, mas um modelo novo de trabalho brasileiros da conl'untura que antecede a emancipação política do
historiográfico. Brasil, em especia , para a figura dos letrados coloniais.
A procura do objeto
28 A procura do objeto

(14) Carta de Amador Patrício de Portugal a Martinho de Meio e Castro. Rio


Essas confissões, que podem inquietar alguns historiadores de Janeiro, 4 de março de 1790 (manuscr.). Documentos do Rio de
ainda sensibilizados pela velha discussão sobre a objetividade cientí- Janeiro, Cx. 144.
fica, tal como foi plasmada no século XIX, talvez possam ser melhor (15) Ver Falcão, E. de C. (org.). Obras cientiftcas políticas e sociais de josé
compreendidas através das palavras de Georges Gusdorf: Bonlfâao. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1965. 2 v.
(16) GUSDORF, Georges. Para uma históríadaclêncíado homem. Diôgenes.
A matemática, a química, podem se limitar apenas a definir a Universidade de Brasília, 1, 1981. p. 145.
composição de suas matérias-primas: já as ciências do homem
contam com muito mais dificuldades para limitar o campo
experimental, de maneira a impedir que o exame de um dado seja
também um exame de consciência".

NOTAS

(1) CHAuí, Marilena de Sousa. Critica e Ideologia. In: Cultura e democracia;


o discurso competente e outras falas. São Paulo, Ed, Moderna, 1980.p. 21.
(2) GRAMSCI, Antonio. El "Risorgimeruo". Buenos Aires, Granica, 1974
(trad. esp.).p.91.
(3) VerJacques ElIul. Mitos Modernos. Diôgenes. Universidade de Brasília,
1:107-123,1981.
\ )
(4) ABREU,João Capistranode. Capítulos de história colonial(1500-1800).
Rio de Janeiro, Ed. da Sociedade Capistrano de Abreu, 1928. 1'.301 (A
obra foi escrita em 19(7).
(5) Id., ibid., p. 301.
(6) Id., ibid., p. 302. _.
(7) o. ABREU, j.C. de. Ensaios e estudos. Rio de Janeiro, Ed. da Sociedade
Capistrano de Abreu, 1938. v. 3, p. 183-5. Veja-se José Honório
Rodrígues. Prefácio da Correspondência de Capistrano de A breu. 2.ed.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977. v. 1, p. XLVII-XLVIII.
(8) ABREU, j.C, de Capítulos de história ..., p. 302.
(9) Cf. MENDES, R. Teixeira. Benjamin Constant. Esboço de uma apreci-
• t
ação sintética da vidaedaobra dofundadorda República Brasileira. Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, 1937. pas.
(10) LISBOA, Baltasar da Silva. Anai., do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,
Seignot-Plancher, 1835. 7v.
(11) RlHGB/Revista do Instituto Histôricoe Geográfico Brasileiro, t. 8, p. 297-'
310.
(12) Na seção de documentação íconográfíca do Arquivo Gemi da Cidade
do Rio de Janeiro, fotografias do início do século XX mostram
comemorações do Dia de Tiradentes, com procissões e todo um ritual
semelhante às festas de santos católicos.
(13) MENDES, R. T. Op. cit., p. 392.
A administração do medo 31

Capítulo 2 lidade seria dos próprios foreiros, que por este meio julgaram poder
libertar suas propriedades do senhorio direto da Câmara"
A ADMINISTRAÇÃO DO MEDO O conde de Resende assumia as funções de vice-rei numa época
extremamente conturbada, marcada pelo impacto de acontecimentos
no plano internacional que acabaram, direta ou indiretamente, inter-
ferindo na vida e no destino da América portuguesa. As "idéias
francesas" e o exemplo da Revolução Americana freqüentavam a
consciência dos criollos nas colônias espanholas, aguçados pelo
ideário anticolonialista, que instrumentalizava intelectualmente as
suas insatisfações, enquanto as vitórias alcançadas pelos colonos
ingleses emergiam como uma chama de esperança na direção de uma
(...) a doutrina que se ensina h.oje publicamente. autonomia política que significasse o fim dos monopólios metropoli-
nesta capital, nos clubes denominados cercos Sociais, tanos. Também nos domínios portugueses estas idéias não tardaram
que são, como já disse, uma espécie de propaganda a se manifestar e, em 1789, já podiam ser detectadas entre os membros
afiliada aos jacobitas, que, estando encarregada
especialmente da conversão dos estabelecimentos do da frustrada Conjuração denunciada na capitania de Minas Gerais.
Novo Mundo, se compõe de indivíduos de todas as Resende irá se defrontar com o prosseguimento da Devassa sobre
nações, que ali se formam para serem os instrumentos os mineiros e o seu trágico e espetaculoso desfecho na condenação
da ruína das suas pátrias. Vários destes emissários exemplardoalferesJoaquimJosédaSilvaXavier,nacapitaldoVice-Reino
foram já despachados para diferentes partes, munidos
de exemplares impressos da Constituição ~rancesa e no ano de 1792.Proíbe desde o início o funcionamento de qualquer tipo
declaração ~os direitos do home!~, tradUZIdos,nas de sociedade de letrados; em 1793,abre devassa para averiguar a autoria
respectivas línguas, e de comentanos aos h~~nv.els de uma carta anônima enviada ao juiz de fora e presidente do Senado da
princípios que professam, como sobr~ a legitimidade Câmara, dr. Baltasar da SilvaLisboa, onde este era convidado a participar
da insurreição, a quem chamam o mais santo dos
preceitos e a primeira das obrigações do homem que de uma conspiração contra Resende; em 1794manda prender, seqüestrar
deseja ser livre - máxima de que o vulgo ignorante se os bens e devassar os membros da Sociedade Literáriado Rio de] aneiro,
penetra com facilidade e de que todos os dias vemos acusados de continuaram a se reunir de maneira suspeita na antiga sede
resultar as mais funestas conseqüências. da Sociedade, e residência do poeta Silva Alvarenga. Até o final de sua
adminstração, cumpriria ao controverso conde de Resende a gestão mais
D. Vicente de Sousa Coutinho, embaixador de Portugal .
repressiva e violenta, dentre todos aqueles que ocuparam o mesmo posto
em Paris, escrevendo para Lisboa, em 25 de novembro _.' de governação no Rio de Janeiro na condição de vice-reis.
de 1791.

2.1 O ANONIMATO E O MEDO


o início do governo de d. José Luís de Castro, ~egundo con?<:. de
Resende e almirante do Reino, realizou-se sob o signo da suspelç~o e
da desconfiança, no ano seg~lÍnte à prisão d?,s conjurados de Mm~s Em 1801, quando já se anunciara para o Rio de Janeiro a substituição
Gerais. Tomou posse a 9 de Julho de 1790 e ja na madrugada do dia do conde de Resende por d. Fernando José de Portugal, surgiram na
20 violento incêndio devoraria o edifício que abrigava o Senado da cidade escritos satíricos que, no anonimato, vingavam-se do vice-rei
Câmara, no largo do Paço', reduzindo a cinzas o seu arquiv~, e com exonerado. Destes textos, um son eto e uma carta anônima sobrevive-
ele quase todos os documentos e !i,:,ros,em qu~ ~ea~havam registrados ram, como testemunhos de um tempo de opressão vivido no Rio de
os títulos dos foreiros e arrendatanos da municipalidade, salvando-se Janeiro, na última década do século XVIII.
apenas os livros que se encontravam em p~der do presidente e No soneto, cuja autoria é atribuída ao ator José Inácio da Costa,
escrivão do Senado da Câmara. O fogo destruiu tambem as atas da por alcunha Capacho, que fazia parte do elenco de uma companhia
Câmara, desde a sua fundação, e todos os livros de assentamentos dos teatral criada durante o governo de d. Luís de Vasconcelos, lê-se:
diversos encargos municipais. Embora não se tenham descoberto ~s
culpados, na opinião dos que viveram por esta época, a responsabi-

30
32 A administração do medo A administração do medo 33

Parabéns que se vai d. Marisápula, o caráter singular de V.Exa. e é para admirar que possuindo V.
Esse herdeiro da-casa Resendécula, Exa. todos os vícios da nobreza, não tenha em si uma só das suas
A quem a Fama ao som da negra técula, virtudes; e que de qualquer modo que o consideremos não
Canta as ações, que prende em tOlta escápula. achamos uma só boa qualidade, que possa redimir tantos
defeitos, e imperfeições".
Creio irá demandar à corte nápula
Onde os dotes seus bem mostre a récula
Pois um herói de seculorum secula Ocultando-se através da anonímia, este desafeto do vice-rei
É justo admire a mesma cúria pápula considerava-o ainda um verdadeiro "flagelo, que ameaçava barbarizar
toda esta capitania (do Rio de Janeiro) se durasse mais alguns anos"
Nasceu para reger povo meótico, o seu governo. Resende é acusado de ser autor de "ordens arbitrárias"
Porém lançando à sOlte o marfim cúbico e "prisões injustas e atrozes", como seria o caso dos devassados de
Deste mal nos livrou Astro Beótico 1794. Não é de duvidar, diante deste aspecto, que a carta pudesse ter
sido escrita por alguém como o poeta Si!va Alvarenga - que teria ficado
Fora bem que o gozasse o império núbico profundamente marcado pelos constrangimentos da prisão, permane-
Porque, quem nos regeu por modo gótico, cendorecolhido e esquivo, embora tenha voltado a advogar ea ensinar
Só na Nigrícia deve andar em público." retórica, no Rio de Janeiro, aí permanecendo até falecer, em 18146.
- Resende é acusado também de proteger "criaturas vis" e ter uma
vida turbulenta, com referência a sua existência privada. Há ainda,
Da administração de Resende ficaram vários indícios de que não neste documento, uma saraivada de acusações graves como vender
fora amigo das artes, nem da ciência dos novos tempos, e que ofícios "em leilão" ou concedê-Ias "por uma contribuição anual a
mantivera afastados de sua convivência os espíritos mais refinados da pessoas indignas de os exercerem", além de "baixas impetradas e
época. Não incentivou, antes perseguiu associações de intelectuais e postos conferidos por dinheiro". Na mesma altura, a carta refere-se à
manifestações artísticas, principalmente aquelas que dessem margem proteção dada por Resende a "monopolistas", principalmente no caso
à exposição pública de alguma idéia "perigosa" ou críticas do sistema; ao sal, prejudicando com isto, enormemente, os compradores do Rio
o que teria motivado a sátira perpetrada pelo ator, que provavelmente de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, que ficavam
sentira-se frustrado no exercício de sua arte. privados deste gênero de primeira necessidade para os criadores de
Outro texto, porém, que também deve ter circulado manuscrito gado e para as grandes salgas de carne de porco e queijos.
entre os contemporâneos, surgia na forma de uma carta anônima . O autor anônimo acusa os filhos de Resende, seus "satélites", de
endereçada ao vice-rei exonerado. A calta, escrita por um fluminense" agirem impunemente, seguindo os mesmos passos do pai, envolven-
revoltado, recuperava a memória recente da opressão, pretendendo do-se com o contrabando e outros negócios ilícitos.
fazer um verdadeiro inventário de todas "as ações do seu sempre A personalidade do conde de Resende é pintada com cores
detestável governo"; O autor anónimo bem poderia ser um dos letrados fortes, arrebatada por "paixões e caprichos" que o levavam a
que Resende prejudicara. No manuscrito existente na Biblioteca Naci- desrespeitar os direitos dos proprietários locais, violando o
onal do Rio de Janeiro, uma nota ríscada atribui a suposta autotia do "direito de propriedade e tranqüila posse do que é seu". A
texto ao poeta Manuel lnácio da Silva Alvarenga, que Resende fizera, Resende, bastava saber "que alguma pessoa possuía alguma
juntamente com outros letrados, permanecer por mais de dois anos no boa casa de campo", para "tomar-lhe logo, e irremediavelmen-
cárcere, sem conseguir elementos suficientes para condená-Ios. te, ainda que nela habitasse seu dono; e isto mandando-lhe um
A carta anônima acusava Resende de pensar e agir como se a sua simples recado por um soldado de cavalo para lhe remeter as
condição aristocrática suprisse a ausência de toda e qualquer virtude, chaves dela", o que os donos faziam temendo as suas violências.
fazendo referências a perseguições que o vice-rei diligenciava contra Assim é que, segundo o autor anônimo, "nunca este déspota era
aqueles que se destacavam publicamente por "talentos, virtudes ou senhor de menos de seis casas de campo, e houve tem po em que
serviços", e acrescentando que o foi de dez, sem pagar renda de nenhuma delas, segundo o seu
costume caloteíro'".
(...) todos sabem que o egoísmo arbitrário, e uma soberba, Numa das notas, que foram apensadas ao manuscrito, o desres-
factícia e ridícula, com a mais profunda ignorância, constituem peito de Resende atingia, além da gente do povo, a
A administração do medo A administração do medo 35

(...) majores, tenentes-coronéis e coronéis e também eclesiásticos sua casa e do portador da calta, Silva Lisboa abriu a correspondência
autorizados, e de maior idade, e os obrigava sem respeito a nada, e, ao ler o documento anônimo, mal conseguiu disfarçar o seu
umas vezes a jogarem com ele, que pela sua sórdida avareza constrangimento diante dos presentes pelas "horrorosas e desenvol-
punha todo oseu principal divertirnento e prazeremganhar-lhes tas expressões que a dita carta continha, ditadas pelo espírito do
o seu dinheiro; e outras a mascararem-se, e vestirem-se de mulher demônio, da traição e infidelidade".
para lhe dançarem, como se fossem bobos( ...)9. Assim é que, "consternado dos desgostos de tão infames, e
agravantes expressões contra a grandeza de Sua Majestade, e devida
obediência, que seus fiéis vassalos lhe consagraram, como têm de
o autor da epístola anônima, sem dúvida, era alguém que tinha obrigação, e o juraram de defender até derramarem a última gota de
uma visão crítica a respeito da nobreza do Antigo Regime, pela forma sangue" 10, já no mesmo dia, por volta de uma hora da tarde, o dr.
devastadora como consumia os recursos do Estado, prejudicando o Baltasar da Silva Lisboa buscou o desembargador Antônio Gomes
interesse público e ignorando-o freqüentem ente. Tal aspecto fica Ribeiro para que este o orientasse e ouvisse as suas lamentações,
evidente, desde o início do texto, ao acusar o vice-rei de possuir como apavorado que estava com a epístola insurgente. Neste mesmo dia,
marca do seu caráter "todos os vícios da nobreza". Entretanto, o escreve o juiz de fora ao chanceler do Tribunal da Relação do Rio de
mesmo crítico ressalva que este atributo não era acompanhado de Janeiro, desernbargador Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho,
nenhuma das "virtudes da nobreza - o que pode indicar um certo para formalizar a denúncia de que recebera a carta anônima comuni-
atrelamento deste autor anônimo aos valores nobiliárquicos tradicio- cando o fato também ao více-reí". Vasconcelos Coutinho, por sua vez,
nais, dos quais, por sua vez, não se distanciavam muito os proprietários oficia a Resende, solicitando, para proceder à Devassa, a nomeação de
coloniais que, embora sustentados por uma base material diversa um escrivão com assistente para as perguntas que viessem a ser feitas".
daquela sobre a qual se apoiava a nobreza européia, foram desenvol- O vice-rei aprova a solicitação no dia seguinte.
vendo arremedos de atitudes aristocráticas, devido a sua condição de Este incicente viria favorecer o conde de Resende, interessado
senhores de terras e de homens. em desacreditar e afastar o juiz de fora. Silva Lisboa, por sua lisura no
O autor anônimo acusava o vice-rei de ter declarado "guerra à tratadas coisas públicas, vivia constantemente obstruindo os negócios
felicidade pública", afugentando "os homens de merecimento" e irregulares do conde de Resende, de seus filhos e da gente protegida
cercando-se de "pérfidos lisonjeiros", que participavam das fraudes pelo vice-rei. Os conflitos de jurisdição eram freqüentes, já que não
de sua administração. Tal relato sobre uma autoridade colonial não é havia, na administração colonial, "uma divisão marcada e nítida entre
surpreendente, se considerarmos o conjunto de poderes reunidos nas governo geral e Iocal?". Silva Lisboa ocupava o cargo de juiz de fora,
mãos do vice-rei, o que a distância da Metrópole agravava. Estes que era acumulado com o de presidente do Senado da Câmara,
poderes, que significavam a transferência para a instância colonial dos possuindo, portanto, funções judiciárias e administrativas. Assim,
atributos do Estado monárquico absolutista, eram exercidos na Colô- _. "além de julgar e dar sentenças, isto é, resolver litígios entre partes
nia dentro de um quadro de arbítrio, autoritarismo e impunidade que desavindas, ele é um agente da administração e um executor de suas
as condições locais reforçavam e legitimavam. E neste sentido que a provídêncías'?'. Esta segunda função, de presidente do Senado da
contrapartida dos críticos dosistema será, freqüentemente, acobertada Câmara do Rio de Janeiro, é que o tornará alvo das propostas de um
pelo anonimato. suposto conspirador anônimo, dadas as características do órgão que
Outra carta anônima, na primeira metade dos anos 1790, abalara cumpria presidir.
a administração local na sede do Vice-Reino, provocando suspeitas em Baltasar da Silva Lisboa formou-se em Direito, em 1782, e fez a sua
torno da figura do destinatário, o /'UiZde fora e presidente do Senado leitura de bacharel para, logo em 1786,obter a nomeação para juiz defora
da Câmara do Rio de Janeiro, o c outor Baltasar da silva Lisboa. Esta no Rio de Janeiro, recebendo-a das mãos do ministro Martinho de Melo
carta serviria de pretexto ao vice-rei para colocar em xeque este homem e Castro, por intercessão do bispo-conde cI. Francisco eleLemos, reitor e
que não se curvava ao seu despotismo e às suas arbitrariedades e que, reformador da Universidade ele Coimbra. Brasileiro de primeira geração,
ao receber e ler a carta, ficara coberto "do maior espanto e horrorosa nascido em 1761,na capitania da Bahia, filho eleportuguês emigrado, Silva
aflição". Ilsboa, juntamente com seu irmão José, o mais velho, faz parte daquele
As nove horas da manhã do dia 10 de janeiro de 1793, estava o grupo de letrados brasileiros que ocuparam funções públicas, no Brasil e
juiz de fora em sua casa, quando o capitão J erónimo Teixeira Lobo veio em Portugal, já na fase crítica elocolonialismo mercantilista, e que foram,
lhe entregar a correspondência trazida pelo capitão do navio Pedra, direta ou indiretamente, protagonistas elaautonomia política da Colônia
aportado no Rio de Janeiro. Ainda na presença dos que estavam em portuguesa na América.
A administração do medo
A administração do medo 37

José da Silva Lisboa alcançaria grande notoriedade como econo- Sua ilustração, entretanto, não o_condu~ia para o p~!1Sam~nto
mista e homem público, distinguindo-se junto à Corte do príncipe revolucionário, apesar das preocupaçoes motivadas pelo lI1SaCI~vel
regente d.João e tendo importantes funções no Im pério, onde chegou desejo de ser útil à minha Pátria", como declarava em 1786 ao dedicar
a senador e foi agraciado com o título de visconde de Cairu. Baltasar o seu Discurso ...ao príncipe d.João, como um "tributo devido a V.A.
da Silva Lisboa viria, nestes tempos futuros, a fazer parte do Conselho e este humilde oferecimento uma pura satisfação do meu amor, e de
do primeiro imperador e a participar do quadro inicial de fundadores minha vassalagerri?". Esta era a mesma atitude dos letrados de seu
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. tempo diante do poder absoluto, na pessoa do~ governantes} que!n
Não era Baltasar da Silva Lisboa um revolucionário, nem foi ofereciam e dedicavam seus trabalhos. Como ilustrado, porem, nao
homem de abraçar integralmente as idéias liberais que iam sendo podia ficar apático face às deficiências té~nicas da produçã~ colonial,
geradas e difundidas na Europa e nas Américas no seu tempo de aos problemas de sustentação e adaptaçao dos escra~os afncanos ao
estudante. Era um súdito leal da monarquia portuguesa, mas um trabalho agrícola e à maneira como eral~1usa.dos. N~<?cO!.,1denav!a
homem marcado pelas Luzes, ciente ela necessidade de reformar as escravidão, mas pensava em formas de racionalizar a utlhzaça? da mao-
práticas administrativas e econômicas, e que tentava aplicar os de-obra escrava já que acreditava que "uma melhor educaçao, e trato
"progressos, e atual estado da filosofia natural por~guesa" e .euro- dos servos" fari~ "prosperar a agricultura do Br~sil" e "formar mui
péia, ao Brasil de seu tem po. Em 1786 escrevera e publicara, em LIsboa, interessantes capítulos das leis mO~'ais,e econôm.~~as,'p~!as qual~ se
um Discurso histórico, político e econômico ... 15, oferecido ao príncípe produzirão necessariamente maravilhosas consequencias 20. I1:n~uldo
d.João, e onde, apesar da sua "pouca experiên~ia (...) dos ne~ó<:ic:>s de "espírito científico", Silva Lisboa vivia a.I~1esma contEaehçao de
públicos", procurava colocar os seus conhecimentos de História muitos de seus contemporâneos: tentar conciliar a produçao n~ental e
Natural, a par de sua formação jurídica, a serviço de reformas que as propostas do racionalismo burguês, que se desenvolviam na
deveriam ser encetadas no universo da produção colonial. Europa, ao longo da gestação do capitalismo, com o mundo dos
Silva Lisboa demonstrava, desde então, estar atualizado com as senhores de escravos e da produção colonial".
novas práticas ilustradas de conhecimento científico, sendo um O jovem juiz de fora e presidente do Senado da Câmara_do Rio d.e
entusiasta das expedições de naturalistas 16 e das Academias Científicas. Janeiro, no que se referia aos negócios do Estado, po.ssuíapadroes morais
Em seu estudo de 1786, lembra as boas conseqüências de "uma e éticos que certamente conflitavam com os \)foceeUmentos elaquele que
Sociedade Filosófica" erigida no Rio de Janeiro ao tempo do marquês ocupava o mais alto posto administf'<~ti~o(a Colônia, mc::rsulhado n~
do Lavradio e "por ele protegida", tendo rendido "não menos falcatruas e na corrupção que a sua poslçao ocultava e pernutia. Anos mais
prodigiosos frutos, que os de constituir aquela Capital mais industri- tarde refletiria Silva Lisboa que "a má administração do governo produz
osa, mais populosa, e mais florente". Referia-se à Acad~mia Científica irreligião injustiças, miséria pública, arrastam e precipitam na desgraça os
criada por Lavradio, em 1772, no Rio de Janeiro, a partir da proposta _ melhor~ Estados, os mais bem constitufdos'?'.
de seu médico, o dr.] osé Henrique de Paiva, com o fim de desenvolver Acarta anônima recebida, em 1793, por Silva Lisboa considerava-
as ciências naturais, a medicina e a agricultura 17. Silva Lisboa lembrava o capaz de conspirar para "a liberdade da Pátria">. Q~.Ic::m a redigiu,
ainda, em seu trabalho, que somente após a sua instituição é qU~,,"a o "amigo infalível", afirmava estar só em seus propósitos, sem ter
Academia de Estocolmo teve conhecimento das plantas do Brasil e consultado mais ninguém e via, no juiz de fora, o LI1!ic?c~pa~ d.e~~ot~r
que também a ela se devia a cultura do anil, cacau, cochonilha e outros e executar o seu pensamento. O texto faz referências II1IClaIS,as
produtos. Portanto, dada a ênfase de Silva Lisboa neste tipo de "gazetas" e às notícias sobre a forma COI!10os homens na Eu.ropa t~m
sociedade, é de se admitir que tivesse críticas acerbas a fazer ao abraçado a idéia de liberdade: "Tereis lido as gazetas e tereís OUVIdo
comportamento do vice-rei conde de Resende que, desde que assumiu dizer ...''. Neste passo, o conspirador anônimo faz o diagnóstico sobre
o governo, mandou proibir o funcionamento de instituições similares a expansão das novas idéias de liberdade: "Os franceses a II1trodu~
porque, como escreveria o próprio Silva Lisboa, muitos anos mais zíram na América inglesa com pouco custo, e logo a tomaram para SI
tarde, no Prólogo dos seus Anais do Rio de janeiro, Resende com tanto afinco e felicidade, que hoje dão leis ao 111L~ndo"2\ !llIma
entusiasmada referência à difusão do pensamento ela ilustração nas
(...) fazia prender por traidores aos homens de letras que se colônias ingleses da América elo NOIte, quando os colonos começam
juntavam para comunicarem os seus conhecimentos sobre a a aplicar novos princípios sobre socie~lade e polí~ica~os s<:uspróp~'ios
História Natural, agricultura, e artes do Brasil, classificando por problemas imediatos e passam a reagIr de manel~'a firme as ter:t~tlvas
crime de alta traição a lição dos correios da Europa, e até das de avanço da jurisdição elo parlamento metropo.lltano ~lascolOlyas, e
gazetas 18. chegam a construir uma conceitualização própria ela VIda amencana.
38 A administração do medo A administração do medo

Neste momento, os americanos já estão se vendo e pensando como De fato, dentre todas as instituições da administração colonial,
uma categoria especial e assumem a atitude de rompimento que agrava a Câmara Municipal era a que estava mais próxima da população,
e define o conflito anglo-americano". embor~ fizesse parte do conjunto de repartições do governo geral,
O autor anônimo vai tecendo considerações sobre o quadro de subordinada, destarte, à autoridade dos vice-reis que, freqüentem ente,
alterações políticas no continente europeu até chegar a observar que as tratavam como mais uma de suas repartições, sem destaque algum
"Portugal, Burro de Saloios pela arreata, há de ser o que eles quiserem, p~ra o seu papel'", Caio Prado jr. chama a atenção para o fato de que
e o Brasil passará ao cativeiro das nações formando-se nos seus portos Vilhena, quando enumera e analisa os departamentos da administra-
de mar colônias delas">, Não deixa de ser curiosa esta observação, em ção pública da Bahia colonial, também não dá ao Senado da Câmara
1793, numa antevisão dos perigos que o território e o Estado ~m tratamento especial, referinc!~-se a ele sob a epígrafe .ger~1 de
monárquico em Portugal corriam, assim como as suas possessões empregos de Justiça e Fazenda na carta 10 da sua Recopilação de
coloniais - que diante da fraqueza da Metrópole podi am vir a se tornar noticias soteropolitanas e brasütcas».
áreas de conquista das demais potências. Diante dos avanços ingleses ~ntretanto, seria a Câmara Municipal a instituição de origem
e franceses, principalmente, acreditava o conspirador anônimo que colonta~ que, no processo de independência, sobreviveria, íntegra e
"o México, o Peru e o Brasil há de parar em Costa da Inclia se os seus fortalecída, às transformações oriundas da separação política do Brasil
habitantes não olharem por si: a soberba tirania nada vê mais que os e ~c:'rtugal. Devido a sua partici pação decisiva na luta pela autonomia,
seus sórdidos interesses e há de acomodar-se com a sua fraqueza':". sarna com o seu poder engrandecido na fase correspondente à
Este "amigo infalível", que se apresentava movido pelo "amor formação do Estado nacional no Brasil". O autor anônimo percebera,
da Pátria", a quem daria a vida, justifica o seu plano de ação para a em 1793, o P?tencia! derepresenrativídade que esta instituição poderia
"liberdade do Brasil", baseado no risco "de un1 novo e mais pesado ter numrnovimento insurgente que contestasse os direitos monopolistas
cativeiro" do qual era necessário "escapar". E neste sentido que d~ ~~trópole e g.ue pretendesse instalar uma nova ordem política.
concita ao assustado Silva Lisboa a tirar "instantaneamente a vida ao Dirigira-se, todavia, para um alvo que, teoricamente, estava de acordo
vice-rei". Morto este, e salva a mão que faria a execução, "o Senado com os seus planos, mas que, na realidade, estava longede corresponder
da Câmara com o concurso do povo" faria "iludir a ambição dos as suas expectativas. Silva Lisboa, embora um espírito ilustrado e um
magnatas", provocando-lhes também o terror deum "caso novo euma homem afeito a "sua pátria", era antes um servidor fiel a seus
rebelião". Era necessário, ao mesmo tempo, espalhar que "a fidelida- superiores do que um temperamento receptivo à aventura de uma
de legítima só está no todo dos cidadãos". Neste clima de espanto geral, revolução. Mesmo na idade madura, quando a independência política
o Senado da Câmara tomaria "o governo político e militar com o nome já havia sido conquistada, Silva Lisboa seria profundamente discreto
da soberana" e, em seu nome, encaminharia todos os seus passos. nas referências a este difícil período para os letrados que ousaram
Tudo ficaria sob o controle do presidente do Senado que na "cabeça" _. criticar o sistema colonial e se reuniram para discutir as novas idéias.
da situação, a dirigiria para o caminho que quisesse". ~a carta dirigida a Silva Lisboa há um aspecto que convém
A proposta do autor anônimo era provocar, com a eliminação do e~amll1ar: Ao mesm<;>tempo em que o poder, após a morte do vice-
vice-rei, uma tal perplexidade que desse tempo para ampliar a rei, devena ser exercido em nome da rainha, para dar legitimidade ao
conspiração, atingindo outras capitanias, enquanto se retardariam as "governo político e militar" que o Senado da Câmara assumiria na
investigações e os contactos com a Metrópole. Durante este período pessoa de seu presidente, fazia-se necessário espalhar que "a fídelí-
se caracterizaria para a população local que "Portugal não pode, nem âad~ legítima só está no todo dos cidadãos", o que indica a preocu-
tem quatro mil homens que despegar de si para os domar em qualquer paçao em começar a deslocar a base desta legitimidade. O "todo dos
revolução" 29. Os naturais da capitania do Rio de janeiro e os "das cidadãos" é que deveria reconhecer que o poder se fazia em nome da
outras aonde seguir o mesmo exemplo" logo, portanto, iriam unir-se rainha, para, num segundo momento, assumir de forma independente
na' defesa de seus interesses, consumando o fato político. o seu próprio destino, isto é, constituir o poder a partir da cidadania.
O autor anônimo encerra a carta exigindo sigilo do juiz de fora Apesar dos indícios de descontentamento, porém, não havia uma
e fazendo promessas de garantir auxílio para "este projeto tão fácil ampla base para este tipo de proposta naquela conjuntura e não seria
que não demoro esta execução a semanas">, Há de se estranhar que o dr. Silva ~isboa quem primeiro se emocionaria com tal aventura.
a carta deposita todas as esperanças na figura única de BaltasardaSilva . Em .vl~·tudede ter SIdo o portador da Carta Anônima, foi preso
Lisboa, considerado, pelo autor, como a pessoa que reuniria as Il1comumcavelnafortalezadaConceição,ohomemquealevaraaSilva
condições necessárias para dar partida no plano, devido a seu cargo Lisboa, o capitão ]erônimo Teixeira Lobo>, nas mesmas condições
I de presidente do Senado da Câmara. também o capitão do navio Pedra foi ter ao cárcere. Na altura do dia

II
l
40 A administração do medo A administração do medo 41

21 de janeiro procedia-se ao exame ciopapel e da letra da carta autuada Para o desembargador, a carta era "uma quimera cheia de
e examinavam-se também folhas de papel em branco, encontradas na contradições", porque era inadmissível supor que permaneceriam
casa do juiz de fora, para conferir com o papel da carta, Foram inertes as "pessoas em quem pela lei recaía o governo da capitania"
chamados, na tentativa de identificar de quem era a letra da Carta e que não seria "um juiz de fora" quem poderia ter "autoridade na
Anônima, os escrivães da Ouvicloria Geral do Crime da Relação e da terra com arte e conseqüência para fazer suspeitosa a fidelidade de
Ouvidoria Geral do Civil e dois tabeliães do Público Judicial, que pessoas de maior graduação". Vasconcelos Coutinho, que provavel-
examinaram a letra, sem se inteirarem cio conteúdo da carta, Todos mente somava aos desafetos de Silva Lisboa, não admitia que iriam se
declararam não conhecerem a letra, mas que reconheciam ser letra sujeitar "o povo, a tropa, os ministros e o clero a serem governados
disfarçada "por quem escreve melhor">. A investigação prosseguiu porum juiz de fora, euma Câmara composta de uns homens, que nem
com o juiz de fora arrolado entre os suspeitos. Quem teria escrito a entendem o seu regimento'?".
carta? Como esta foi parar no meio da correspondência dirigi da a Silva Por estas razões é que supunha o desembargador que a Carta
Lisboa? Quem a teria colocado entre as outras cartas vindas do Reino? Anônima era uma "quimera inventada" com outra finalidade e
A carta viera da corte no navio Pedra ou teria sido "fabricada" no Rio interesses bem diferentes daqueles que o texto manifestava e que,
de Janeiro? Estas questões constituiriam o centro de atenções da portanto, "não tinha vindo dessa Corte (de Lisboa), mas que tinha sido
Devassa, ao longo dos interrogatórios e acareações. forjada nesta terra=". O exame do papel fez aumentar esta desconfian-
Alguns meses depois, com data de lº de abril de ]793, Sebastião ça, porque papéis de idêntica fabricação foram encontrados na casa de
Xavier Vasconcelos Coutinho, o desembargador encarregado da Silva Lisboa e nas lojas que ficavam na mesma rua onde este residia.
Devassa, remetia um relatório" para o ministro Martinho de MeIo e Porém, os dois tabeliães e os dois escrivães que examinaram a letra da
Castro, expressando o seu juízo a respeito do caso da Carta Anônima, carta não puderam confirmar a s~la autoria por gente conhecida. E
porele averiguado. Vasconcelos Couti nho considerava este caso como curioso que o desembargador fazia questão de frisar que estes
de "idêntica natureza" e tendo "uma grande conexão" com a devassa funcionários não tiveram, ao examinar a letra da cana, acesso ao seu
sobre os conjurados de Minas Gerais. Suas desconfianças dirigiam-se, conteúdo, pois "que não era justo que se vulgarizassem e excitassem
inicialmente, para o juiz de fora pelo fato de as cartas terem sido infames idéias, que entendo não há na imaginação de pessoa alguma
entregues diretamente a Baltasar da Silva Lisboa, por] erónimo Teixeira desta cidade?". Temia-se, portanto, que as "infames idéias" pudessem
Lobo. Este quebrara a sistemática, até então adotada, que era fazer com contaminar os habitantes do Rio de Janeiro, excitando-os e tirando-os
que as cartas, vindas de Lisboa, passassem antes pela sala do vice-rei. do estado de fidelidade à Coroa portuguesa, no qual se encontravam.
E natural que este procedimento provocasse ainda uma demora maior Vasconcelos Coutinho faz, em seu relatório, uma avaliação das
na recepção das notícias. Teixeira Lobo, que possuía relações pessoais figuras de Jerônimo Teixeira Lobo e de Baltasar da Silva Lisboa
com o capitão do navio Pedra, por ter sido um dos sócios interessados . expressando seu juizo a respeito dos dois. Teixeira Lobo era natl,ral
nas atividades da embarcação, conseguiu retirá-Ias do navio para _. do Reino, fora comerciante e possuía recursos suficientes, que lhe
entregá-Ias diretamente a Silva Lisboa, evitando, assim, que o juiz de permitiam viver retirado dos negócios. Não parecia, na percepção do
fora tivesse a sua correspondência examinada previamente pelo vice- desernbargador, ser capaz de "conceber e produzir as idéias que s
rei, seu inimigo. encontravam na carta", Teixeira Lobo não era dotado de grande
As declarações de Teixeira Lobo, por outro lado, não cultura, possuindo apenas os conhecimentos que adquirira na ocupa-
conseguiram, no entender do clesembargador, indicar "clareza ção de caixeiro em que principiara a vida. Não estaria, assim, apto a
alguma que dissipasse as sus/)eitas que logo concebi quando o tal tarefa e nem teria razões para realizá-Ia, aspirando a algum fim, já
juiz de fora me expôs o fato e i a carta"37; suspeitas de que a carta que não era vereador, nem possuía nenhum cargo de governança,
teria sido escrita no Rio de Janeiro e talvez pelo prÓI)riO Silva como era o caso de outros comerciantes.
Lisboa. Vasconcelos Coutinho estranhava a forma (a carta e Os olhos do desembargador voltavam-se para Baltasar da Silva
acreditava que não era "natural que houvesse na Corte de Lisboa de outra maneira. Silva Lisboa era natural da Colônia, nascido,
Lisboa um homem tão insensato e ocioso, que se lembrasse de como vimos anteriormente, na capitania da Bahia epossuía "talento
escrever uma carta em matéria tão melindrosa, e arriscada e em superabundante para conceber e produzir as idéias que se encontram
que houvesse de esperar qu~ dela resultasse algum efeito">, já na dita carta". Vasconcelos Coutinho considera-o dotado de "gênio
que ninguém, segundo ele, poderia confiar em quem ocultava pouco inclinado ao sossego", o que poderia ser comprovado lJelas
a sua identidade e não podia comprovar as forças e possibilida- várias disputas em que se envolvera com alguns ministros da Re ação
des que detinha para cumprir o que prometia na carta. doRiodeJaneiroecom os próprios vice-reis, não apenas Resende, mas
42 A administração do medo A administração do medo

também seu antecessor. Isto indicaria, na opinião do desembargador, A conjuntura destes primeiros anos de governo do conde de
que o juiz de fora tinha "toda a resolução e animosidade para pôr em Resendeeradeapreensão,porpaltedoEstado,jáqueoanticolonialismo
prática as lembranças que lhe ocorrem se lhe parecer que lhe podem no Novo Mundo contava agora com os bons resultados da Revolução
ser úteis"42. Americana, ao mesmo tempo em que as idéias revolucionárias
Lembrava Vasconcelos Coutinho que, no tempo em que apre- européias continuavam a vazar nos vigiados espaços coloniais. Eram
sentou a carta, estava o juiz de fora implicado com o desembagador vários os indícios de que "um estilo de pensamento" novo "se
provedor da Fazenda porque este ministro, encarregado pelo vice-rei, contrapunha à ideologia do sistema":". Com a Conjuração Mineira, a
entrara a examinar a arrecadação dos bens ciosdefuntos e ausentes sob condição colonial fora colocada, definitivamente, em sua verdadeira
a responsabilidade de Silva Lisboa. Também estava implicado com a dimensão, já que "as relações entre a Metrópole e a Colônia
junta da Fazenda do Rio de janeiro, contestando que as praias da apareceram desnudadas em toda a sua transparência" 46. Portanto, as
cidade pertenciam à Câmara e não à Coroa. Com o vice-rei referiam- suspeitas não refletirão apenas indis/)OSiçÕesdetectadas pelas autori-
se as disputas a "muitas e repeti das im prudentes contradições em que dades metropolitanas, mas uma rea idade que começara a emergir.
se envolveu, talvez induzido, e incitado, por pessoas mal afeitas ao A atribuição da autoria desta Carta Anônima, enviada em 1793 a Silva
vice-rei?". Lisboa, não tem, neste caso, maior importância. Porém, o fato de ela ter
Vasconcelos Coutinho afirmava que Silva Lisboa soubera que, sido remetida a um funcionário, como o juiz de fora do Rio de janeiro,
'nos navios que sairiam do Rio de janeiro para Lisboa, nos meses de permite que, através de sua figura, possamos penetrar um pouco mais na
fevereiro, março e abril, seriam remetidas à soberana várias represen- ambiênda política e social desta tase que pretendemos compreender.
tações contra ele. O desembargador acreditava que o juiz de fora Neste sentido, vejamos um pouco da atuação deste letrado colonial, sua
temesse especialmente aquelas feitas e enviadas pelo vice-rei que, versão dos fatos e sua contestação às acusações do vice-rei e do
provavelmente, mereceriam maior atenção da Coroa. Neste sentido, desembargador chanceler da Relação do Rio de janeiro.
apresentando antecipadamente a carta, estada tentando moderar o Baltasar da Silva Lisboa, desde o início de suas atividades no Rio
conde de Resende "não só justificando com aquela denúncia a sua de janeiro, no cargo de juiz de fora e presidente do Senado da Câmara,
fidelidade a Sua Majestade, mas também o afeto à pessoa do vice-rei, fora também designado para "procurar e examinartudo quanto fosse
comunicando-lhe uma notícia que tanto devia interessá-lo":". Vascon- relativo à História Natural deste país':". Numa portaria de 27 de junho
celos Coutinho reduzia Silva Lisboa à condição de um oportunista que \ I de 1787, o vice-reí Luís de Vasconcelos e Sousa encarregava o dr. Silva
tentava, através deste artifício, ter um maior acesso ao vice-rei para Lisboa de "vários exames, e diligências importantíssimas ao serviço
justificar-se de seus atos anteriores e obter-lhe a simpatia. de Sua Majestade em cada um dos distritos desta capitania":", obrígan-
Há um outro lado da questão porém, que convém considerar. do os capitães dos mesmos distritos, assim de auxiliares, como das
O juizo que Vasconcelos Coutinho formava sobre o caso era, desde 0_. ordenanças e oficiais de justiça a prestarem todo o auxílio necessário.
início, contrário a Baltasar da Silva Lisboa, fazendo com que, contra ele, A exigência do vice-rei era extensiva aos donos das fazendas, tendo
fossem dirigidas todas as suspeitas. Na concepção do desembargador, em vista os exames que viriam a ser feitos nas suas próprias terras. D.
tudo não passara de um ardil montado pelo juiz de fora, para livrar- Luís de Vasconcelos e Sousa dava, assim, toda a cobertura necessária
se da posição difícil na qual as representações remetidas para Lisboa para a realização das pesquisas de Silva Lisboa, designando também
o colocariam. Entretanto, o próprio Vasconcelos Coutinho reconhece- um pintor que deveria acompanhá-Io. Para tanto, foi convocado o
ra, anteriormente, que o caso possuía dimensões semelhantes às do capitão Paulo Pereira Magalhães, que já trabalhara, desenhando
levante denunciado em Minas Gerais, três anos antes; mas encaminha- /" plantas, com freijosé Mariano ela Conceição Veloso. Acrescentava o
ra, contraditoriamente, as investigações para a figura de um único vice-reí, numa carta enviada ao j'UiZde fora, que este não deveria ser
funcionário e justamente aquele que, além de natural da Colônia, tinha econômico no gasto de materia para os esboços e que tudo deveria
concepções acerca da administração bastante divergentes, na teoria e ser registrado". A correspondência do vice-rei para Silva Lisboa revela
na prática, daquelas adotadas e praticadas pelo vice-rei e seus aliados. que este participava constantemente àquela autoridade as "diligênci-
A Carta Anônima, dirigida a Silva Lisboa, possuía a malícia de quem, as e traba1hos nas averiguações" de que se achava encarregado e que,
sinceramente ou não, apreendera as contradições da própria conjun- em contrapartida, o vice-rei acusava o recebimento das amostras
tura internacional de crise do Antigo Regime e de contestação do naturais, recomendando ao juiz de fora cumprir "tudo quanto
sistema colonial e estava a par das "infames idéias" que iam sendo entender ser preciso e conveniente=".
difundidas, mesmo que superficialmente, também nos territórios de Apesar deste aparente interesse do vice-rei pelas atividades
colonização ibérica. científicas de Silva Lisboa, que eram acumuladas com inúmeras outras
A administração do medo 45
44 A admtntstraçào do medo

o desagrado, com que inteiramente me foi perturbar na administração


funções, o juiz de fora escreveria imensas vezes a Martinho de Meio da justiça que devo pratícar?".
e Castro para reclamar do desprezo que tanto Luís de Vasconcelos e O próprio conde de Resende, de quem se deveria esperar maior
Sousa, como, em seguida, o conde ele Resende devotaram aos discrição, voltou-lhe "a cara, e parte do corpo" numa cerimônia da
resultados de seus trabalhos, Em 16 de janeiro de 1790, em carta "segunda oitava de Festa", na qual o vice-rei recebia cumprimentos
enviada para Lisboa, o juiz de fora declarava que o vice-rei, após representando "a figura de Sua Majestade?". Silva Lisboa, comunican-
ter-lhe "abonado e honrado" as pesquisas, tornara-se sensível
do o fato a Meio e Castro, considerava que
a "informações menos verdadeiras", mudara a sua atitude para
com ele e de tudo entrara "a mofar, buscando todas as ocasiões
d~ per,seguir-me e precipitar-me">'. Reclamava ainda que o vice- C.. .) este público desagrado produz um efeito tal, que não é
rer Lu~s de Vasconcelos e Sousa jamais permitira que fossem possível que me respeitem, nem que me estimem os meus
~e!llet1dos os seus trabalhos de História Natural para Lisboa, O subordinados, principalmente os vereadores, a quem não posso
JUIZde fora, por sua vez, entregara todos os resultados ao vice- de forma alguma coibir-Ihes os excessos, pois que de tudo
rei, cumprindo as determinações, recorrem, e para tudo acham decisão insultativa ao lugar que
Baltasar da Silva Lisboa, desde esta época, estava escrevendo, OCUpaS7,
a~é!ll do trabalho de História Natural sobre a serra dos Órgãos, que
vísítara, um outro trabalho que mais tarde viria a se constituir nos Anais'
do Rio dejaneiro= , Ele próprio explicaria ao ministro da Marinha e
De fato, sua atuação ficava, com este atos do vice-rei e dos
Ultramar, em carta: "para fazer o meu trabalho mais cumprido tomei funcionários a ele ligados, bastante prejudicada, já que realmente fora
sobre mim fazer a história do descoberto desta capital e de todos os con,test~do frontalmente, quando no exercício de suas atribuições,
seu~ governadores", Silva Lisboa comunicava que este trabalho abran- Assim e que revela a Meio e Castro que era "aqui desnecessário",
gena o estudo da terra, do seu comércio e agricultura e também trataria "porque na sala do ajudante de ordens (do vice-rei) se toma
da história eclesiástica "deste país (Rio de Janeiro) desde o seu indistintamente conhecimento dos fatos, que respeitam a jurisdição
primeiro administrador até o atual bispo?", ordinária">.
Temia o juiz de fora do Rio de Janeiro que o vice-rei o Não foram poucas as vezes em que Silva Lisboa verificou que
desacreditasse perante? l:ninistr? !"1altinho de Meio e Castro, \ ) p~oces~~~ haviam sido ipdevidamente enviados para a Secretaria do
, Remetendo ao rrurustro vanas cartas, passa, desde então, a vice-rei, contra o alvara de 23 de outubro de 1752, que não permite
suplicar que fosse co~unicado acerca, das queixas que sobre ele se saírem autos de algum cartório sem deprecada ou ordem dirigi da ao
formassem, para que tívessse a oportunidade de se defender, Somente competente juiz"9),Na verdade, o conde de Resende exorbitava de suas
a~sim ~ que poderi~ "viver se~uro, d,as !ntrigas d~ meL~ adversários't.L atribuições e poder para interferir nas ações judiciárias, controlando-
Silva LIsboa conquistara muitos 1I11111lg0S, devido nao apenas aos as e decidindo questões forenses através de seus mestres de campo,
encargos de juiz de fora e presidente do Senado da Câmara mas o que fazia Silva Lisboa afirmar que, desta maneira, parece que "estão
principalmente, pelas funções que acumulou interinamente, Dentr~ desnecessários os ministros que sua majestade sustenta nesta cida-
elas, a de ouvido r e corregedor da comarca do Rio de Janeiro parece de"oo,A partir de janeiro de 1791, Baltasar da Silva Lisboa passa a pedir.
ter sido o que provocou maiores dissabores e acusações, Silva Lisboa ao ministro que encaminhe à soberana a sua substituição no cargo que
serviu interinamente, neste cargo, no impedimento de Marcelino ocupava no Rio dejaneiro e que o destine para outra função em que
Pereira Cleto, entre 18 de junho de 1789 e 21 de julho de 1790, e / ., pudesse servi-Ia com oseu "fervoroso zelo'?'. 0j'UiZde fora, em outras
novamente, na ausência do mesmo ouvidor, que partira para a Bahia cartas, pedirá a proteção de Martinho de Me o e Castro face aos
de 16 de maio a 28 de setembro de 179154, '
"públicos rompimentos que comigo tem obrado o meu ~tual vice-
" Outr~ atividade que provocava conflitos de jurisdição era a que rei,,62e reafirmará, junto ao ministro, que sabia "que ele (Resende)
dizia respeito aos bens dos defuntos e ausentes, cuja arrecadação e persuadido de meus contrários, e mal informado pretende perder-
remessas ficavam a seu cargo, Desembargadores ligados ao vice-rei, me"63,Em outra oportunidade, escrevendo ao ministro dirá Silva
Liili~ ,
como José Antônio da Veiga e Francisco Luís Alvares da Rocha
disputavam-lhe jurisdições, O próprio Silva Lisboa relataria ao ministr~
da Marinha e Ultramar: "o primeiro me instigou com o vice-rei C.. .) tenho várias curiosidades para remeter a V.Exa. para o
antecedente" e "o segundo, porque é da obrigação do atual vice-rei, Gab~:te de Histór:iaNatural, e não remeto agora, pela desordem,
tem maquinado de forma, que já de particulares passaram a públicas, e aflição em que VIVO,e pela desafeíção do comandante da nau,
46 A administração do medo A administração do medo 47

que pela proteção de um seu protegido me tem infamado até na vice-rei do Estado procedendo a infamara mulher de um minstro,
presença do vice-rei, como a V. Exa._poderá certificar o capitão que desgraçadamente tem a infelicidade de com ele servir a S.
tenente Pio Antônio dos Santos( ...)'·(y'. Majestade'".

silva Lisboa tinha contra si, além elos funcionários do vice-rei, O caso Silva Lisboa assume, por vezes, a dimensão de uma
desembargadores da Relação. Num caso de herança, resultante da comédia, numa conjuntura política mais propícia ao drama, onde os
morte de um certo João de Macec\o Portugal, todo o tipo de empenho revoltosos pagam com a vida ou a liberdade a audácia de pensar
foi usado para lançar sobre ele as suspeitas de estar servindo aos criticamente o pacto colonial. Caio Prado Jr., no seu notável capítulo
interesses de um arrematador. Chegaram a dizer no tribunal que o juiz sobre a administração na Colônia, definira, nos seus traços básicos, as
de fora se beneficiara com cinco mil cruzados para proceder à fraquezas desta instância do poder, classificando-a, nas próprias
arrematação. Neste caso, o vice-rei protegeu tão abertamente os atividades essenciais do Estado, como "lamentável':".
herdeiros que chegou a ameaçar, IJorGuta, Silva Lisboa, inibindo-o de Neste quadro de corrupção, abuso de autoridade, sucessivas
proceder contra os seus dífamac ores. Após uma acalorada troca de arbitrariedades, não gostaríamos de situar o doutor Baltasar da Silva
correspondência, entre o vice-rei e o juiz de fora, no dia 24 de março Lisboa como um anjo perdido no meio do inferno, isentando-o de
de 1791, entraram na casa de Silva Lisboa culpas nas diversas disputas em que esteve envolvido. Porém, à sua
maneira, contraditória por uma lado e coerente por outro, Silva Lisboa
(...) dois soldados armados pelas oito horas da manhã, e dela contestava esta ordem de coisas com uma freqüência tal que é
levaram preso o criaelo Antônio José de Lima, que da presença impossível não se ter, por este brasileiro de primeira geração, uma
do vice-rei, foi conduzido ao corpo da guarda, transportado simpatia confessa. As suas contradições eram comuns aos letrados de
posteriormente ao segredo da cadeia, aonde ele se acha". seu tempo que ocuparam altas funções na administração da Colônia,
onde o interesse local ("brasileiros") estava em segundo plano, diante
dos direitos metropolitanos.
Tentava-se agora atingir a casa elo juiz de fora. O vice-rei mandara Apar do universo dos homens brancos proprietários, todavia, há
prender seu criado para argüí-lo uma outra colônia, aquela do mundo do trabalho, permanentemente
alimentado pelo tráfico negreiro e cuja origem e reprodução também
(...) à força ele uma representação elo desembargador José se estrutura a partir da lógica do capital mercantil, como mais adiante
Feliciano da Rocha Gameiro, de que ele galanteava uma criada veremos. Esta outra colônia, a da grande massa de trabalhadores
sua, que co~ ela f?r~ visto acompan har, e que examinara papé.is__ africanos e negros e que é a base de sustentação da sociedade que se
em casa do dito ministro, e que para concurso daquele galanteio estrutura na América portuguesa, se constituirá no entrave fundamen-
concorria minha própria mulher". tal para a assimilação dos princípios liberais e da razão instrumental
burguesa. Baltasar da Silva Lisboa que, como dissemos anteriormente,
não era um revolucionário, não conseguiria superar os aspectos
Os ataques intensifica vam-se na medida em que o juiz de fora não reformistas do pensamento ilustrado de seu tempo, não contestaria as
se curvava, nem recuava dos direitos e atribuições de seus cargos. Sua estruturas básicas da sociedade na qual vivia; porém, no exercício de
correspondência era aberta freqüentem ente na sala do vice-rei pelo suas funções, desenvolveu uma consciência pública bastante rara nos
seu ajudante de ordens e as demonstrações públicas contra Silva administradores coloniais e, dentro elos limites impostos pelo sistema
Lisboa se sucediam. O caso da prisão do criado atingia agora a sua colonial, procurava servir à pátria'? da melhor maneira.
família, o que o fazia escrever mais um vez à Corte, solicitando que a No que se refere ao funcionamento da justiça, a interferência ela
rainha o retirasse do Rio de Janeiro e que o satisfizesse dos malha de relações pessoais também estava presente, não apenas
devido às características da organização social do Antigo Regime, mas
principalmente dadas as condições locais do exercício do poder no
(...) inauditos insultos, ordenando que o vice-rei do Estado
espaço colonial, cujo ambiente social era extremamente fértil para a
remeta a Sua Real Presença a conta, ou queixa do dito
desembargador José Feliciano Gameiro; onde se verá com gestação de uma ideologiadofaoor"; onde o trato da coisa pública era
manifesto escândalo jamais visto, um ministro queixando-se de atravessado pelos compromissos pessoais". Caio Prado Jr. sintetiza a
justiça colonial, definindo-a como;
que inamoram a sua criada por ciúme particular; e depois um
48 A administração do medo A administração do mudo 49

(...) cara, morosa e complicada; inacessível mesmo à grande as questões relativas ao governo na cidade. É bom recordar que,
maioria da população. Os juízes escasseavam, grande parte deles quanto a este aspecto, os conflitos eram freqüentes, já que o Senado
não passava de juizes leigos e incompetentes; os proc~ssos da Câmara acabava funcionando como uma instância da administra-
iniciados aí subiam para sucessivos graus de recursos: Ouvidor, ção, enquanto órgão executor das determinações do vice-rei como,
Relação, Suplicação de Lisboa, às vezes até Mesa do Desembargo por exemplo, na realização de obras públicas e no contr~le do
do Paço, arrastando-se sem solução por dezenas de anos". comércio de gêneros de !Ximeira necessidade". N~ qu~stao da
iluminação pública, Resenc e lançava mão, segundo Silva LIsboa, de
ameaçadores tributos, impondo-os à população, sem ordem expressa
Destarte, não é difícil com preender qu~ o juiz de fora do Rio de da Coroa. Nas obras públicas, o mesmo arbítrio se fazia presente
Janeiro, "poucoinclinadoaosossego", como ahnnarao desembargador através da ação de um sargento-mor engenheiro, chamado joaquim
Vasconcelos Coutinho, estivesse sempre envolvido em "disputas", o Correia da Serra, que viera para o Rio de janeiro acompanhando
que, de fato, atesta a sua correspondência, e a de seus adversários, Resende e que realizava as despesas que bem entendia, com a
dirigida para a Corte de Lisboa. conivência dos temerosos vereadores, que pretendiam "falsamente
silva Lisboa, na medida em que não abria mão de seus direitos, incluir na arrematação das outras obras da Câmara" os gastos daquelas
também não deixava de provocar f!'eqClentemente Resende, fazendo- realizadas por Resende".
lhe cobranças e exigências. No ofício de ]6 de novembro de 1791, Outro caso que envolveu Baltasar da Silva, Lisboa f~i a devassa
reclamava ao vice-rei o cumprimento das determinações do alvará de que tirou, em 1792, contra os atra vessadores no RIOde]aneiro, assunto
d. Maria I, de 26 de fevereiro de 178973 que extinguia as auditorias controverso que envolveu pessoas ligadas ao vice-rei. Devido à falta
militares particulares, exceto no caso da Corte e cidade de Lisboa, de alimentos em Pernambuco, os negociantes do Rio de janeiro, com
atribuindo as funções de auditor militar aos juizes do crime e juizes de o objetivo de se aproveitarem ela alt,~dos preços I;aquela capitania,
fora nas terras onde houvesse tropa. Desde o início do governo de começaram a carregar as embarcações, que de Ia chegava,m, com
Resende, que Silva Lisboa lhe apresentara o alvará, sem obternenhuma mantimentos de primeira necessidade, sem, entretanto, averiguarem
resposta. O vice-rei, seguindo as determinações da r~inha, deveria as necessidades reais "que sentiam aqueles povos" e sem que a
proceder à confirmação do juiz de fora, enquanto auditor das tropas Câmara tivesse demarcado e confirmado as necessidades, Em virtude
do Rio de Janeiro, com o soldo de capitão e o direito do uso do disto, na vereança de Ió de junhode 1792, oSenadoda Câmara decidiu
uniforme de algum dos regimentos da praça. Silva Lisboa resolve então
colocar o conde de Resende na parede, justificando que sempre (...) constranger os mestres das embarcações a desca!Tegarem os
estivera "pronto a fazer a Sua Majestade este serviço que" lhe "ficou mantimentos que tinham recebido a bordo sem licença e de
pertencendo por aquela Lei" e não podia admitir que fosse "d~. serem presos; e que os almoracés assim o executassem; e que
grandeza e inteireza de Vossa Excelência privar-me do que sua igualmente se escrevesse ao Exmº vice-rei do Estado, que em
Majestade me concede'?', benefício da agricultura, bem dos povos e observância da Real
Silva Lisboa fazia ver ao vice-rei que estavam nulos todos os Resolução de 20 de fevereiro_de 1725 ordenasse ao,Provedor da
Conselhos de guerra e que, com,a ~xtinção dos,auditores, pe~avon~ade Fazenda Real, para que nao tomasse os mantimentos aos
real, somente ele, enquanto JUIZ de fora, e que podena faze-Io, lavradores senão com o dinheiro na mão e pelos preços que
assumindo a auditoria, cuja jurisdição lhe cabia. Neste caso, ia ainda corressem 'e não por inferiores, como se executava( ...)78,
mais longe ao afirmar: "devo em conseqüência do exposto fazer certo
a todos os chefes de que somente a mim me devem reconhecer por
seu auditor" e que não o fizera ainda, antes de prevenir a Resende, Os acórdãos decididos nesta vereança tiveram êxitos inespera-
porque queria "a todo tempo dar a este povo um testemunho dos. O vice-rei mandou que os almotacés não executassem a decisão
constante de meus deveres para com Vossa Excelência". Embora do Senado de descarregarem os mantimentos e deu proteção, desta
exigisse o cumprimento da lei, Silva Lisboa não queria ser acusado de maneira, à realização do contrabando destas mercadori~s básic~s,
desobediência frontal ao vice-rei, nem queria que o caracterizassem permitindo que fossem arrecadá-Ias também <;:mSanta Catarina e nono
como insurgente. Sua ação era sempre demarcada e delimitada pelos São Francisco, Com isto, segundo o JUIzele fora, houve uma alta nos
aspectos legais, dos quais nunca ousava se afastar. preços dos gêneros de primeira necessidade no Rio de janeiro,
Suas criticas ao vice-rei, entretanto, não se limitavam apenas aos Enquanto protegia os atra vessadores, o vice-rei exigia que os lavrado-
aspectos juridicos e de distribuição de poderes, mas atingiam também res dessem, mensalmente, "certa porção de mantimentos para a
A administração do medo 51
50 A administração do medo

Fazen~ Real" e os c~)Ostrangia a "não remeterem mantimento algum ~do sobre a existência da carta, contendo "temas tão graves", reagira
para a cidade, sem virem com guias à sala do Exmº vice-rei, e daí à do fnamente, dando-lhe demonstrações de descaso e má vontade,
p,rove?or ~ Fa~enda Real par~ lhes tomar o que bem lhe parecia?". P~ra Silva Lisbo~, a Carta Anônima fora for/'ada no próprio Rio
Silva Lisboa indignava-se principalmente com a violência empregada de Jan,elro por ge~1t,e IIga~la ao conde de Re,senc e que, por sua vez,
con~r~ os lav:radores, qU,e eram obrigados a esperar que um certo possuía um secretano particular que era considerado um "homem dos
capitão Domingos Francisco lhes fizesse um lançamento arbitrário e mais malévolos que tem a cidade e que, sem necessidade, procura em
lhe~ passasse as guias q~e deveriam acompanhá-Ios à Sala Vice-Real. todos os governos a privança dos více-reis para poder exercer as suas
Apos uma espera de multas horas, eram conduzidos "com um inferior m~lda?es"84, Este homem era o escrivão da Mesa Grande da Alfândega,
~ Casa do Provedor da Fazenda, que depois de lhes fazer esperar outro Luís Viana Gurgel d~ An1ar~l, q~le, aliado ao prov~dor ~IaFazenda Real,
o desembargador joão de Figueiredo, com quem Silva Lisboa entrara em
Igual tempo, lhes mandava tomar o mantimento't'". Ainda eram
choque na questão dos "atravessadores de mantimentos", bem poderia
obrigados a esperar mais tempo para penetrarem nos armazéns reais
ter forjado a Carta Anônima, "cheia de pensamentos horrorosos", Silva
e depois desta jornada pagavam uma taxa correspondente à entrada
l!sboa escrevia a Martinho de Melo e Castro, afirmando que as circunstân-
dos ma~timentos, Silva Lisboa denunciaria que muitos lavradores
cias o levavam a persuadir-se de que o objetivo da carta fora levá-lo ao
conseguiam que o provedor da Fazenda Reallhes desembarcasse a
farinha que Ihes tinh_a tomado, com a obrigação de a irem lançar a 9;s?,é,dito di~nte da Coroa, e que fora motivada, principalmente, pelo
bordo das embarcaçoes de um protegido do vice-rei. ódio implacável que me tem o provedor ela Fazenda" e a "inimizade
pública do vice-rei do Estado?".
A violência, por outro lado, era ostensiva, No recôncavo da baía
de Guanabara foram colocados militares armados para coagir os O caso da Carta Anônima refletia, todavia, não apenas as contracli-
lavradores e o "povo que clamava até de sinistras inteligênci- ções ~ a~inistração ~olonial, com os seus constantes choques de
as"?'. Diante deste fatos, Silva Lisboa toma a iniciativa de tirar jurisdição e disputas locals,de pod~r, mas corresp~:)J1,diaa um c1im~ geral
dev,assa dos atravessadores, mas o provedor da Fazenda Real e de ~e~o, onde as suspeitas podiam ser materializadas pela Simples
o ajudante de ordens do vice-rei procuram desautorizá-lo e denúncíadeumdesafeto. Oespectro da conjuração de Minas Gerais es tava
lançar o descrédito sobre a jurisdição que exercia, Passam a presente, em vários níveis, na consciência dos críticos do sistema e nas
suspeitas dos administradores e encarregados da Justiça Colonial; mas
per,segui~ as testef!1unhas da devassa, levando algumas perante
o vice-rei, atemonzando-as e fazendo-as escrever e declarar o também pa?s~va a serum ~Itificioso instn.ll!lento nas mãos ~Iovic~-n::i 9~,e
agora administrava também o medo, alimentando o h011'Or as idéias
que era d? interesse do ajudante de ordens e demais envolvidos,
revolucionárias, de um lado, e intimidando os seus opositores e inimigos
Tentam ainda fazer com que Resende exigisse do juiz de fora os
autos da devassa, obrigan_do-o, por bem ou por mal, a entregá- por outro, Oespetáculo ~Iaexecução de Tiradent~s ainda e~tava muito vivo
lo~ na Secretaria. Como nao conseguem estas medidas do vice- -, na lembrança dos habitantes do 1\10 de Janeiro, O "ajuntamento de
rei, fazem-no, entretanto, dar conta à rainha contra Silva Lisboa, poetas" mineiros fracassara, mas, na descrição dos últimos momentos dos
inconfidentes, pt:;lo frade que os assistiu na confissão, "a plebe frágil,
Est~s, fatos o levariam, n~ais uma vez, a se dirigir à Corte,
solicitando que fosse enviado ao seu sucessor justificando à m~s~reta, e ma~ instrulda" da ~idade reagira com cefta simpatia pelos
rainha que ' aprisionados e tivera o denunciante Joaquim Silvério dos Reis como o
"mais feroz e abominável dos homens?", Era a maneira que tinham os
flumin~r:ses da, époc,a, si}enciados pela opressão e pelo medo, para negar
na ,situação presen~e não posso ser útil ao serviço de Sua cumplicidade a violência do Estado, frente aos dissidentes do sistema,
Majestade, nem a mim pelas contínuas aflições, e cuidados de
que me vejo carregado pelas maquinações inimiga?".

Pouco antes de Baltasar da Silva Lisboa receber a Carta Anônima 2.2 UM TERROR UNIVERSAL
ocorrera uma "disputa" entre ajunta da Fazenda e o Senado da Câmar~
que embarga,ra umas obras ~~s praias da cidade, Disto resultou que um
deputado da Junta acusou o JUIZde fora e os vereadores de pretenderem
~o c~i,?a instaurado após a prisão cios conjurados mineiros e diante de
sublevar o povo para desmanchar as ditas obras". Silva Lisboa estranhava
1l1evltav~1 desfecho do processo, "resul ta va u 111como terror universal,
o fato de ~ Carta Anôni,ma lhe ser enviada após estes acontecimentos e
um sentimento, um desprazer desconhecido, que cada um em si
ficara muito surpreendido com a atitude do vice-rei que, ao ser comuni-
A administração do medo 53
52 A administração do medo

experimentaria à proporção de seu temperamento ouda viveza da sua , O conde dt; 13esende dirigiria, no sentido da defesa do porto do
imaginação?". Nos Autos da Devassa foram feitas r'eferências durante Rio de Janeiro, vanas cartas para Lisboa, procedendo também a obras
as inquirições, a simpatizantes da causa no Rio de Janeiro: José de nas fortalezas da cidade, na tentativa de ampliar o seu poder de fogo,
R~send~ Cos~a,filho, relatanclo a cOI~versaque tivera com o vigário de Qua~to à base social para o levante insurgente, há ainda outras
Sao Jose do Rio das Mortes, conego Carlos Correia de Toledo, afirmou confirmaçoes nos autos da devassa de 1789, como no caso do médico
que este lhe contara que "no Rio de janeiro havia sessenta comissá- Domingos Vidal de Barbosa, que ouvira do coronel Francisco Antônio
rios, ?S quais se achavam prontos para ajudarem?" o levante de Minas de Oliveira Lopes "que na cidade do Rio de Janeiro havia cinco ou
Gerais, sem declarar nomes, O mesmo vigário também afirmara que se~e~,egociantes, ql.~equetian~ que ~ revo,lução principiasse por lá"94,
"nesta capital (Rio deJanero) a mai or pane da tropa paga estava falada A idéia de revoluçao aparecia, assim, vinculada a um setor social
para estefim'?", o que indicava a existência de uma rede de conspiração deterf!1i!1ado e, nesta altura, já atingira proprietários e negociantes
na cidade, sede do governo vice-real'". coloniais, base de sustentação, quase invisível, da utopia dos "poetas"
De Vila Rica, em 10 ele fevereiro de 1790, o visconde de que preparavam o levante aulonomista. Kenneth Maxwell examinou
Barbacena, governador da capitania, oficiava ao ministro da Marinha esta questão em Minas Gerais, detectando a existência de "outras
e Ultramar, dando notícias ele Minas Gerais e manifestando suas pessoas importantes, raramente mencionadas nas reuniões
impressões quanto ao clima vigente, Neste sentido, afirmava que: conspiratórias, porém que tinham, apesar disto um interesse vital no
êxito do movimento'<. '
Em 1792, no ano do desfecho do processo dos inconfidentes
Nã~ o~stante o cOI~ceit? que faço do estado elo povo e ela passo~ peI? Rio dejaneiro a primeira embaixada inglesa para a China;
capítanta em geral, nao afirmo que estejam descobertos todos os
sob a,dlreçao deLord~acaltn~y, que se fazi,a~comp~nharde redatores
sujeitos corrompidos, ou ao menos que não hajam (sic) ainda 9ue !IVerams:us escntos pubhcados, em vanas edições na Europa, em
alguns mU,i!oc!isp?stos a semelhante corrupção: porém este mal H~glese fran~es96,Todas est~s narrativas trazem informações acerca do
solapado Ja nao e de recear presentemente no meu conceito
senão na capitania do Rio de janeiror...)". Ri,o,de Janeiro, co~t~ndo 1l1tere~santes observações em torno dos
hábitos e características da SOCiedade local. Dentre elas, a mais
det~lhada ~ pen,e~rante é a escrita porJohn Barrow, que dedicou dois
Receava-s<=:,portanto, que, nesta cidade, permanecesse vivo o ~aI?ltulos ~ Amenca portugL~esa: um sobre ~ Rio de Janeiro e outro
germe da rebeldia, oculto, de maneira invisível, no seio da população, intitulado General observatíons on the Brazils". Barrow em passeio
Outro tema freqüente era o da intervenção estrangeira, que pela Tijl!ca, no Rio deJaneir<?, h<?spedou-se numa propri~dade, cujas
andou na cabeça dos co~jurados e das autoridades metropolitanas, e plantaçoes eram trabalhadas tnteíramente por escravos, que somavam
q':1e, para ~~ta~, ressurgia como, um verd',ldeiro fantasma, dadas as -, uma centena, O proprietário "era um considerável comerciante no Rio
fra~el~ c0!ldlç?~s de dere~a do HJO c!cJanelro, O paclreJosé Lopes de e estimava-se ser um homem muito rico''?'. Barrow verificou que sua
Oliveira, inquirido em Minas Gerais, ouvira do coronel José Aires maneira de,:,iver, entretanto, "era destituída de todo tipo de conforto",
Gomes 9ue "se esperava no,rZio deJl1~eiro uma Arma.d~ Francesa, e apesar de viver rodeado com "a maior abundância do necessário e
que rnuítos moradores do Rio de Janeiro estavam de arumo a seguir mesm,o das ~uxúrias da vida"~, Porém, o aspecto mais importante desta
aquele partido francês"?'. As próprias autoridades coloniais temiam n,a~atlva fOIa,conversa particular gue Barrow teve com este proprie-
pela segurança do porto do Rio de Janeiro, e não foram poucas as tano, comerciante do Rio de Janeiro, e que constitui um magnífico
vezes, no século XVIII, em que a população e a tropa andaram se testemunho do descontentamento existente no "seio do comércio
desta cidade" 99,
preparando 'para supostas invasões estrangeiras, Em 1787, o inglês
Geo:ge Barnngton, deportado para Botany-Bay, ao passar pelo Rio de
Janeiro, observara que Ele rec!a!TIavamuito wavement:: da ,opressão que os habitantes
da ~e!:ca do Sul sofriarn da mãe-pátria; que os monopólios, as
c.) o grande !1ÚmerOc!~,constrL~ções fortífícadas e baterias que pr~lblçoes e as taxas obstaculizavam o comércio, impediam a
CIrcundam Sao Sebastião lhe dao um ar de fortaleza' mas um a~ncu~tura _edest:uíam o espíli~o de em presa e manifestava que
ir:imigo que se apo:ler~sse da ilI"~adas ~obras, que do;nina esta a insatisfação havia se tornado tao geral pelos encargos impostos
Cidade a pouca distância, e que fosse ajudado por alguns vasos e pelasrestriçõe,s a q~e eram obrigados a se submeterem, que não
que pudessem aí ancorar, a obrigaria logo a capitular"95, se surpreenderia, afirmou, se eles fossem levados finalmente
como seus irmãos na parte norte do mesmo continente, ~
54 A administração do medo A administração do medo 55

libertarem-se do jugo de Portugal e afirmarem sua indepen- Porém, o estudante Maia não devia estar só nos seus planos de
dência'?" tornar-se "libertador de sua terra". O próprio Vidal Barbosa confes-
sou, quando inquirido, ter notícia de que os negociantes do Rio de
janeiro tinham grandes expectativas na "revolução", eMaia(Yendek)
Há, nessa passagem, uma demonstração bastante evidente de escrevera, em 21 de novembro de 1786, dirigindo-se ajefferson:
que não eram infundadas as suspeitas das autoridades coloniais.
Embora cautelosos na manifestação de suas idéias, comerciantes e (...) sou brasileiro, e sabeis que a minha desgraçada pátria geme
proprietários coloniais trocavam opiniões a respeito da dominação em atroz escravidão, que se torna todos os dias mais insuportá vel
colonial. A insatisfação "havia se tornado tão geral", que ainda se depois da vossa gloriosa independência, pois que os bárbaros
continuava a pensarnuma "libertação do jugo de Portugal", apesar da portugueses nada poupam para tornar-nos desgraçados com
violência com que o Estado encerrara o processo de condenação dos medo que nós sigamos as pisadas (...).
inconfidentes de Minas Gerais. Carlos G. Mora já chamara a atenção
para os vínculos existentes, neste final de século XVIII, entre a "idéia
de revolução" e a condição de proprietário. A diferença de condição Nesta mesma carta, Maia demonstra possuir um grau d~ consci-
social fazia "com que as pessoas participassem de maneiras diversas, ência radical face à dominação exerci da pela Metrópole, afirmando
e por vezes antagônicas, no processo em curso" 101. No caso examinado que
deste comerciante que confidenciou a Barrow suas idéias, o sistema
está percebido na sua contradição básica. Neste momento, não nos (...) resolvemos seguir o admirável exemplo, que acabais de dar-
deparamos mais com o português do Brasil, mas com o colono nos, e por conseguinte quebrar as nossas cadeias ~ fazer reviver
revoltado, que vê a "mãe pátria" com exteriorídade, a oprimir os a nossa liberdade, que está de todo morta e oprimida pela for~a,
habitantes da Colônia, através do exclusivo comercial metropolitano que é o único direito que os europeus têm sobre a América 04,
edeumsistemafiscalqueempen'avaocomércio,impediaaagricultura
e destruía o espírito de empresa. Aqui estava, portanto, o ponto básico
de detonação do ideário anticolonial: a consciência da desigualdade Thomasjefferson, aproveitando a oportunidade de uma viagem
face à Metrópole e, de maneira mais profunda, a percepção de que o "para experiment~r as ág~las de Ai~" criou as condisões oPara .0
sistema colonial bloqueava, nos colonos, o espírito de empresa. encontro com Mala em Nírnes, desviando o seu caminho' . Mala
Ainda no que se refere ao clima reinante no Rio dejaneio, desta forneceu-lhe dados a respeito do Brasil, mostrando-lhe que a colô.nia
última década ao século XVIIl, e a concordar com estes indícios, portuguesa possuía "tantos habitantes como Portugal" e era constitu-
Herculano Gomes Matias faz-nos atentar para o fato de que esta foi a_o ída: "12 de portugueses, 22 brancos nacionais, 32 escravos pret~s e
cidade onde se iniciaram as conversações acerca das possibilidades de mulatos, 42 índios civilizados e selvagens". As observações ele Mala a
sair bem-sucedida a Conjuração e que as primeiras prisões, inclusive j efferson serão anali~adas posteri ormen te, junt~ com outr<;,s~ocumen-
a de Tiradentes, realizaram-se na capital. A Devassa no Rio janeiro
precedeu à deMinas Gerais em mais de um mês eaqui estiveram presos
tos que permitem v!s1:101brara 1~<lIsag~msocial =. ColO/ya e o seu
quadro de contradições e tensoes. Entretanto, nao deixemos de
os réus, em várias fortalezas e prisões, sendo utilizadas também, com registrar, por ora, que Maia considera va "os brancos nacionais" como
tal fim, dependências do hospital da Venerável Ordem Terceira de São aqueles que formavam "o corpo ela nação", afirmando porém que,
Francisco da Penitência, no largo da Carioca'<. apesar de minoritários no conjunto da população, os portug~leses
É também fato bastante conhecido que o estudante cariocajosé radicados no Brasil também estavam "dispostos a tornarem-se 1I1de-
joaquimdeMaia, que cursava medicina em Montpellier, na França, era pendentes" 106.
filho de um comerciante do Rio de janeiro. Com o pseudônimo de A idéia da nação aparece, assim, corporificada no conjunto de
Vendek, Maia trocou correspondência com Thomas jefferson que, homens brancos nascidos na Colônia e que tinham nos "homens de
naquela altura, estava na Europa. Vidal Barbosa, quando inquirido em letras" o ponto limite de sua consciência, já que estes eram :'os que
1789, lembrara-se que um "seu condiscípulo por nome j osé j oaquim mais desejavam revolução". O perigo elosescra vos era desconsiderado
de Maia" meteu na cabeça que havia de ser libertador de sua terra, sendo por Maia, já que haveriam "de acompanhar os senhores". Poré~,
natural da cidade do Rio de janeiro; e fingindo-se enviado da sua nação apesar da opinião unânime do país a respeito elarevolução, não havia
se atreveu a falar ao ministro da América inglesa, que, observando a sua quem fosse "capaz de conduzir uma revolução", nem quem quisesse
proposição e ridícula figura, totalmente o desprezou'?". "arriscar-se à frente dela, sem o auxílio de alguma nação poderosa,
I
A admiuistraçào do medo A administraçào do medo 57

visto que a gente do país" poderia "ser mal-sucedida" 107. Tudo nos leva Encheram-se as ruas e tudo se fez para que o exemplo não se
a crer, portanto, que as diligências do estudante brasileiro não eram apagasse da memória da população. Durante três dias consecutivos
o resultado de um fingimento, como afirmara Vidal Barbosa quando realizaram-se as "luminárias"!" e, no dia 26, na igreja dos Terceiros do
inquirido, mas refletiam o interesse e as expectativas de um determí- Carmo, oficiou-se o Te Deum, em agradecimento a Deus "pelo
nado segmento social da Colônia, justamente aquele que se conside- benefício que fez.aestes povos em se descobrir a infame conjuração"!";
rava cpmo o "corpo da nação". tudo se fazendo por indicação direta do conde de Resende que chegou
E necessário compreender o freqüente anonimato de que se \ I a determinar, por escrito, o tema que deveria ser desenvolvido pelo
revestem os críticos do sistema colonial e que é a contrapartida à religioso que fizesse o sermão!". Na descrição do evento, a segunda
vigilância e à repressão do Estado metropolitano. Esta característica, justifictiva era a de "dar graças ao mesmo senhor, de que esta cidade
presente em várias das fontes documentais que nos forarn legadas, não (do Rio de Janeiro) ficasse isenta, e ilesa do contágio de tão infame
se refere apenas aos indivíduos letrados, que produziram estes textos, conspiração" \14.
mas a um conjunto social que compreendia setores específicos da . As grandes cerimônias compareceu o vice-rei, gue "levou todo
formação colonial, justamente aqueles identificados com a condição o tempo de joelhos", junto de sua mulher!". Os ofícios religiosos
de proprietário e cujas vidas eram atravessadas pelos interesses contaram com os melhores cantores da cidade e foram acompanhados
comerciais de base local. Na cidade-sede do governo vice-real,pela por uma "multidão dos mais insignes instrumentos'?". Há, porém,
concentração das forças militares e pela presença dos representantes uma passagem do relato sobre esta cerimônia, que convém transcre-
do poder metropolitano, o anonimato era o pressuposto básico para ver, devido aos elementos simbólicos que contém:
a manutenção da vida e da propriedade, que a condição insurgente
arriscava. Vasconcelos Coutinho, que presidiu os trabalhos da Alçada Ardiam mais de duzentas velas, além das que assistiam ao
que julgou os inconfidentes, encontrou no Rio de Janeiro, em 1790,uma Santíssimo Sacramento no seu trono, que todas trocavam a noite
verdadeira situação de pânico e observou que o comércio desta cidade em dia. A armação foi a mais rica, e mais bem composta que tem
com a capitania de Minas Gerais sofrera um grande abalo, porque os havido; concorrendo muito para a sua beleza a arquitetura da dita
comerciantes temiam fazer remessas a pessoas que poderiam, pelo Igreja; sobre o arco cruzeiro, se via em pintura o seguinte
resultado das investigações, ter os seus bens seqüestrados'". emblema - estava a Rainha Nossa Senhora assentada no seu
No Rio dejaneiro, em 1792, havia se difundido na população da trono; ao seu lado direito se viam as armas do Reino de Portugal,
cidade um grande mal-estar. Julgava-se que todos os prisioneiros com estandartes, caixas de guerra, peças, balas, e outros instru-
teriam um trágico fim, o que confirmaria a gravidade e a extensão da mentos bélicos, tudo isto guardava I-lércules que estava com a
inconfidência. Este clima, dos últimos momentos, foi registrado por maça sobre o ombro, mostrando, não só a força, mas também a
um contemporâneo que, embora partindo da ótica oficial, revelou que segurança da monarquia. Ao lado esquerdo de Sua Majestade
a cidade estava Astréa com todas as insígnias da justiça, olhando para a
soberana, como manifestando-lhe a sua prontidão na execução
(...) não pôde esconder de todo a opressão que sentia. Muita das suas leis. SuaMa jestade com a mão esquerda toca va o próprio
gente se retirou ao cam po, mui tas famílias sentindo-se sem valor peito; e com o cetro, que tinha na mão direita, apontava para a
fizeram o mesmo, outras tomaram cautelas contra as notícias que figura da América, que aos pés do trono, posta de joelhos, muito
corriam. Nestes dois dias diminuiu-se sensivelmente a comuni- reverentemente lhe oferecia uma bandeja de corações, que
cação, as ruas não foram freqüentadas da gente mais séria, e a significavam o amor, a fidelidade dos americanos. Mais ao longe,
consternação parece que se pintava em todos os objetos. Vista e como em campo muito distante, se viam os sublevados,
a sentença, atendida a atrocidade do crime, ninguém mais representados na figura de um índio, posto de joelhos, despoja-
concebia esperança alguma ele remédios. Os infelizes estavam já do de seus vestidos, e armas, com as mãos erguidas e em um
mortos na expectação de todos'?', braço uma cobra enrolada, protestando a eterna vassalagem, e
suplicando a piedade da soberana: a qual dava a conhecer, que
atendia mais aos influxos da sua clemência, do que aos impulsos
O espetáculo da execução de Tiradentes no Rio de Janeiro, no da'justiça; porque com muita alegria se via, que a fama levava a
dia 21 de abril de 1792, revestiu-se ele grande aparato. O conde de todas as partes do mundo a glória do seu imortal norne'",
Resende fez a distribuição dos regimentos pela cidade, de modo a
"conter em respeito e sossego" o Centro da cidade 110.
58 A administração do medo A administraçào do medo 59

Estas cerimônias religiosas, que se seguiram ao enforcamento do Aqui vago em perpétuo labirinto
Alferes correspondiam a uma certa tendência portuguesa para as Sempre em risco de ver maligno braç;o
exterio~idades do culto católico-romano'". Todavia, neste caso, os No próprio sangue meu banhado e tinto;
esplendores públicos deviam reafirmar, no plano simbólico, a submis- Mas caso dos perigos eu não faço,
são dos colonos à monarquia portuguesa, submissão que, por sua vez, E por que temer, quando procuro
correspondia à aceitação da continuidade das mesmas regras do Rasgar da frágil vida o tênue laço?IU
sistema, A América, de joelhos aos pés do trono, ao oferecer os • I

corações americanos, devia confirmar esta sub!nissão, E si~ni~icativ:o


que os sublevados estejam representados pela flg~lI..a deuI:1I11dl?, ~uJa Bocage, que passou pelo Rio de Janeiro a caminho da Índia
imagem, estilizada e filtrada pelos padrões estetícos e IdeoloSlcos portuguesa e que, em 1797, também seria preso e processado em
europeus, seria no século seguinte recu/)erada pelo Romantismo Portugal, acusado de irreverências antimonárquícas e anticatólic~s~4,
brasileiro parasim~ol,izara l)l'ól?ri:~nacio~1~1
idade, Ne~~aaltura, p<;)fém, detectara, em Goa, uma atitude hostil aos portugueses, que a p~lsao
enquanto ternaarcãdíco, o orasileiro Basílio da Gam~ Jahavia utilizado dos conjurados confirmaria, O le,:,<~nteesta,,:a marcad? para,? dia 1,0
a figura do índio, no seu famoso poema Uraguai, como elemento de agosto de 1787, mas o plano fOI denunciado no dia 5 e, Ja no dia
esteticamente sugestivo, para levar "à Europa o testemunho do seguinte, efetuaram-se inúmeras prisões em quase todos os \)ontos
mundo novo'?". daquela possessão lusitana, Asautoridades imediatamente espa haram
Àmemória destes eventos soma r-se-ão as noticias que avidamen- o pânico e o terror entre os nativos, Dos 47 capturados, 15 eram
te alguns colonos tentavam recolher dos acontecimentos da Europa, párocos de várias igrejas'>, o que dava uma certa especificidade ao
Aquele colono, com quem Barrow conversou no mesmo ano da movimento,
condenação dos mineiros, certamente não devia estar só: A~ la~o da Os conjurados, cujos líderes haviam estado na Europa, queixa-
consciência mais elaborada dos letrados, um celto antilusitanisrno vam-se
freqüentava a consciência mais imediata da população do Rio de
Janeiro, dele participando, também, figuras brasileiras de destaque
como o próprio bispo ela Diocese desta capital, conforme reve!a, a (...) amargamente do desprezo com que os filhos de Portugal os
denúncia de um português indignado, de codinome Amador Patrício tratavam nesse Estado, e qL~ese em lugar dos portugueses, q~e
\ J deste Reino se man?a,vam ~India, se entregasse aos seus naturais
de Po~gal, ao escr~ver para o ministro do Ultramar!", num~, sa~a que
exarrunaremos rnats adiante, ao tratar do problema do ódio aos o governo, e administração geral, dando-se-lhe os Il,lga~es e
europeus" que, pelo visto, ia além dos insurgentes identificados pelo empregos eclesiásticos, militares, e civis, Portugal tirana as
poder, maiores vantagens elo mesmo Estado, e ele só então é que seria
No Império colonial português, a área das capitanias de Minas opulento e feliz126,
Gerais e Rio de Janeiro, não fora a única a dar sinais de sedição nesta
conjuntura, Também na longínqua Goa, em ~gosto de ,1787, fora O plano básico da conjuração tivera sua origem, na elite ciyil e
detectada uma conjuração tramada por naturaís que estiveram em
eclesiástica de Goa, justamente entre aqueles que se VIam preter:dos
Lisboa e que eram "opostos a tudo que" chamavam "branc?s"l21, As
suspeitas de que os naturais de Goa tramavam contra os dommad,ores nos postos da administração colon!al pel~s r~in?is; gl~estão que tl~ha
suas raizes no comportamento racista e discriminatório das autorída-
portugueses vinham sendo alimentadas há al,gum tempo, Temia-se \ I des coloniais de Goa, que terminavam em desobedecer às recomen-
que os indianos envenenassem o pão çonsumido pelos portu~u~ses, dações metropolitanas, no sentido de serem desfeitas as diferenças
do qual não faziam uso os naturais da India, mas que se constituía no entre os nativos e portugueses, '
principal alimento dos rein~i~122,,O poeta portug~lê? ,Manuel Maria Desde o século XVII que o Vaticano demonstrara in!eresse, no
Barbosa du Bocage, que foi a Incha em 1786, expnrruna em versos o desenvolvimento do clero nativo da India portuguesa. Porem, seria o
clima que encontrou em Goa, onde viveu algum tempo: marquês de Pombal que viria atuar ele maneira mais insistente para
acabar com a discriminação racial eclesiástica contra os indianos, o que
Eis que pérfida mão cabal ruína I) para C,R.Boxer tev,e mais significado do que a luta a!1terior do papado
(Sepultando o dever no esquecimento) e da Propaganda Píde'". Com o decreto ele 2 ele abril de 1761,ficayam
A todos nos prepara, e nos destina, informados o vice-rei da Inclia e o governador geral de Moçambique
que, a partir de então, aos súditos asiáticos e africanos orientais da
A admiuistraçào do medo A administraçào do medo 61

Coroa portuguesa, que tivessem sido batizados cristãos, devia ser aos clérigos indianos que estives.sem ~ualifjcados para ta n.tc;>
133. O
atribuído o mesmo estatuto legal e social que aos brancos nascidos em desprezo aos naturais de Coa conunuana, entre~anto, a se verificar ..O
Portugal, já que "Sua Majestade não distingue os seus vassalos pela mesmo ministro, ao escrever para Goa, em 21 de Julho de 1788, refena-
cor mas pelos méritos de cada um" l~~. Passava a ser considerada ofensa se aos padres responsáveis pela sedição, com grande desprezo,
criminosa o fato de os portugueses chamarem aos seus compatriotas contradizendo as atitudes pombalinas anteriores:
de cor "negros, mestiços e outros nomes insultuosos e ultrajantes" 129
como de hábito se fazia. (...) são dois clérigos qu~ vi~ram a este reino com preten~óes ~e
O decreto de 1761 foi repetido dois anos depois, de maneira mais serem empregados na Incha, um deles bastante falador; e nao
categórica, sem surtir efeito. Após mais dez anos, foi enviada uma duvido que tivessem a idéia de obter algum bispado a exemplo
petição, dos clérigos seculares indianos a Pombal, em que se queixa- do que se con~eriu aC?ar~ebispo deCranganc;>r;algumas vezes me
vam de ainda continuarem numa posição estritamente subordinada, falaram emcoisas da India, querendo-se-me inculcarpor homens
devido ao arcebispo, que não lhes permitia quaisquer perspectivas de de muito préstimo; mas ouvindo-os com indiferença pela pouca
promoção. Afirmavam a existência de mais de dez mil padres nativos atenção que mereciam os seus discursos; ultimamente Ih~s disse
da índia portuguesa 1.3<>,muitos dos quais plenamente qualificados para que se recolhessem a Coa na certeza de que o arcebispo os
ocuparem postos vagos na capela da catedral e para outras funções. ocuparia conforme os seus mereci mentes 134.
O arcebispo de Goa, contrariamente à atitude do bispo do Rio de
Janeiro, Castelo Branco, que seria acusado de preferir os brasileiros,
resistia à orientação metropol itana, recusando-se a nomear os naturais, Os portugueses, desde o início da colonizaçãC?,haviam fei~oyma
preenchendo as vagas surgi das com portugueses mal preparados, de espécie de cooptação de alguns setores da sociedade tradlcl0l!al
origem obscura e semiletrados, ou até mesmo com aqueles que os indiana, recuperando determi nados aspectos da sua. estrutura social.
clérigos chamavam de "chineses ilegítimos" de Macau'". Como na sociedade hindu o sacerdócio era reservado aos brâmanes,
Pombal correspondeu à petição, reagindo severamente; envia os portugueses deram contim.lidade a esta pr~tica, para tornar.1!lais
para Goa um novo vice-rei e um nO\:,o arcebispo em 1774, com eficaz a conversão. Apenas os hindus da casta bramane eramadl!lltldo~
recomendações explícitas para o cumprimento da legistalção anti- ao sacerdócio cristão; sistema que seguiram, com raras exceçoes, ate
racista que os antecessores desprezaram. Estabelece que deviam o início do século XIX135,
favorecer os clérigos regulares indianos, em detrimento do clero As dificuldades de ascensão aos principais cargos administrativo s
regular europeu, ,sempre que as pretensões a cargos eclesiásticos da Índia portuguesa teriam sido a razão básica que levara a elite local,
fossem idênticas. E numa perspectiva ilustrada que Pombal instrui, em em 1787, a tentar retirar o Estado da lndia "da justa sujeição,
1774, o vice-rei do Estado da Inclia: obdíência o governo de Sua Majestade Fidelíssima, destruir a forma
dele, e for~aruma nova república, em que os mesmos natura.is porum
Vossa Excelência deve atuar de tal maneira que a proprie- conselho ou Câmara geral se regessem, e usassem da soberania de todo
dade das terras cultivadas, os ministérios sagrados das paróquias mero e misto impéri6"I:\6,COIl forme registraram os vereadores de Goa.
e das missões, o exercício das funções públicas, e até os postos Na documentação referente à conjuração, destaca-se a família Pinto,
militares, devem ser confiados, na sua maioria, aos nativos, ou de Candolim, cuja árvore genealógíca, remontando ao século XVI,
aos seus filhos e netos, independentemente do fato de a cor de acha-se apensada à obra de Cunha Rivara. _ ..
sua pele ser mais clara ou mais escura. Porque, para além do fato Aos conjurados de Coa, entretanto, o Estado nao agtrla com a
de serem todos igualmente vassalos de Sua Majestade, é também mesma clemência do caso minei 1'0,onde apenas a figura do Alferes foi
conforme o direito divino, natural e humano que, em caso algum, exemplada com a pena máxima. A sentença, proferida em 9 de
afirma que os estrangeiros devem excluir do solo em que dezembro de 1788, declarava serem os dois principais cabeça~ da
nasceram, nem dos seus cargos e benefícios. E o procedimento conspiração, os padresjosé Antônio Gonçalves ~ CaetanC?Francisco
contrário dá origem a um ódio e injustiça implacáveis, que do Couto que tiveram frustradas suas pretensoes ao bispado. Os
clamam aos céus por um castigo condígno'>. clérigos ch conjuração, porém, não seriam condenados ~_morte, mas
enviados a Lisboa onde foram colocados na torre de S.Jullao da Barra,
onde permaneceriam na prisão sem serem entregues a qualquer juiz
Mesmo após a queda de Pombal, o novo secretário de Estado ou trtbunal-". O principal deles, o padre! osé Antônio Gonçalves, que
perseguiu os mesmos objetivos, recomendando conceder benefícios era doutor na sagrada teologia e filosofia pela universidade papal e
62 A administração do medo adminlstraçào do medo
ri
63

imperial do Arquiginásio de Sapiência de Roma, c?ns~ui.u fugir sem transformações radicais encetadas pelos franceses. Por outro laelo, a
que as autoridades portuguesas lograssem prendê-lo! . política externa portuguesa atravessava uma fase particularmente
Para os demais implicados, a sentença resultaria: em 15 conde- difícil, o que a Revolução e a inevitável guerra entre a França e a maior
nações à morte e dez ao degredo e galés. Os condenados ao degredo parte da Europa agravaram. As manobras da governo português de
foram obrigados a assistir à execução de seus companheiros. Todos os conseguir uma tríplice aliança com a Espanha e com a Inglaterra contra
enforcados tiveram suas cabeças decepadas e pregadas em postes altos a França revolucionária foram infrutíferas; delas resultando apenas
nos lugares donde eram naturais, lá permanecendo até que o tempo uma hostilidade sistemática por parte ciosfranceses. Em 1793, corsários
as consumisse. Dois tenentes, da legião de Pondá, foram arrastados a franceses começaram a atacar as navios e comboios navais portugue-
caudas de cavalos pelas ruas da cidade até o lugar das forcas e, sesl42• A história diplomática portuguesa, neste período, é bastante
'untamente com um cirurgião-mor e um cabo de esquadra da mesma inglória. Os tratadas que realiza com a lnglaterra e, especialmente, com
legião, tiveram ainda em vida suas mãos decepadas. Os dois primeiros
foram esquartejados e todos tiveram as partes amputadas expostas
aEspanha, não garantem a Portugal nenhuma segurança; os portugue-
ses participam da guerra do Russilhão, nos Pirineus, ao lado do
pelos lugares públicos das i.lhas de Coa, e províncias de Salcete e exército espanhol contra os franceses, que acabam realizando nego-
Bardez e nas aldeias de Candolim, Nerul, Pilerne, Piedade, Mandur e ciações e acordos secretos com a Espanha, prevendo uma futura
Nagoá'". Terrível espetáculo (:'ste, que banhou de sangue as ruas de invasão e conquista de Portugal 1-15.
Goa, onde a sentença era lida pelo mcirinho a cada passo do triste NaCortede Lisboa reinava adesconfiança.A polícia do intendente
desfile. Seqüestrados os bens dos cOI~jurados, suas famíli~s ficaram Diogo Inácio de Pina Manique mantinha, a toelo custo, a ardem
reduzidas à miséria. Procurava-se, assim, exemplar os habitantes da interna, perseguindo todo e qualquer sintoma de "maçonaria",
índia portuguesa para que não mais ousassem pel.1sar!1abusca dt:;um aceitando. denúncias e incentivando espionagens, farejando o "vene-
caminho autônomo. Somente em 182'l é que os Ideais autonomístas no" elas idéias francesas que estava em toda a parte. A literatura
voltariam novamente a serem avivados na consciência dos brâmanes subversiva penetrava em todos os setores intelecutualmente cultiva-
de Goa. dos ela sociedade portuguesa, livros proibidas eram encontrados até
nos solares dos fidalgos e nos próprios conventos. Da mesma forma
coma anteriormente, a polícia pombalina perseguira os compêndios
didáticos dos /'esuítas, buscas e inquéritos eram agora realizados no
rastro das pub icações francesas, visando a apreendê-Ias e destruí-Ias.
2.3 NO REINO DA DESCONFIANÇA
Os estrangeiros eram severamente vigiados, assim como os locais
públicas. Em toda a parte estavam os espiões ele Pina Manique: nos
botequins, nas tavernas dos marítimos e até mesmo entre aqueles que
O clima de suspeitas existente, na /)riJ~1eirametad~ d~sta última déca~ tentavam estabelecer as primeiras lojas maçônicas em Portugal?".
do século XVIII, no espaço co onial luso-brasileiro, correspondia As atitudes de apreensão diante da contaminação das idéias
também ao clima dominante na metrópole, abalada pelos desdobra- francesas, em Portugal ,eram comuns aos ministros e secretátios eleEstado
mentos da Revolução em França. Os acontecimentos pós-revolucioná- portugueses. Aação repressiva de Pina Manique, na análise esclarecedora
rios passam a ameaçar seriamente o equilíbrio europeu, d~do ocará!er de J. S. da Silva Dias, correspondia no "nível elo aparelho ele segurança,
difusionista assumido pelo movirnento!". Asua propagaçao para alem à dos aparelhos culturais do Estado: a igreja, a inquisição, a mesa
das fronteiras, a publicidade dada aos princípios e práticas revol~ci- censória"'". O mesmo autor chama-nos a atenção para o fato ele que a
onárias, as declarações de guerra a todos os despotismos e o incentivo crença na germinação da maçonaria, do filosofismo e do jacobinismo e a
aos povos de lib~ltarem-s~ da ~)pressão do At1~igoRegime, fazem com atitude oficial de apreensão conjugaram-se, por outro lado,
que a França pós-revolucionária seja percebida como uma enorme
ameaça para as demais monarquias européias. Contra o contágio (...) com a silêncio da Gazeta de Lisboa, desde outubro ele 1789,
francês forma-se um verdadeiro "cordão sanitário" dos Estados sobre os acontecimentos franceses, e com a propaganda anti-
monárquicos e conservadores':". . revolucionária que então se faz através elaimprensa. Arevolução
Em Portugal, como na Inglaterra. a Revolução Francesa foi burguesa aparecia-lhes como um andaço - o espírito do século
motivo de preocupações, agravadas com a suspensão ele Luís XVI, a - passível de bloqueio e de estrangulamento, sobretudo. se
execução do rei e a invasão da Bélgí ca. Diante do .avanço do p:o~ess,o atacado nos seus dois grandes focos de irradiação: a maçonaria
francês, se desenvolveria em Portugal um clima de repudio as e as meios de comunicação social!"
A administração do medo 65
64 A administração do medo

. De Paris, no início da década c!e 1790, o embaixador português, Além disto, que por si só é muito bastante para que todas as
d. Vicente de ~ousa Coutinho, mantinha a Corte de Lisboa permanen- potências possuidoras de estabelecimentos no Novo Mundo
tem~~t~ atualIzad,a, I~r~venlnclo as ~Iuto~'icladesdo perigo da difusão ponham a maior vigilância em afastar deles, não só os franceses
das idéias revolucionárias. Em 15 dejaneiro de 1792 avisava ern ofício ou estrangeiros em geral, que debaixo de pretextos plausíveis
9ue o livreiropi~go Bore.l, francês de origem, e que era lll~ dos mai~ proc~ram introduzir-se, mas ainda os próprios naturais que
lmpolt~ntes livreiros c~eLisboa, havia leito. traduzir para o português, daqui (França) foram, enquanto não derem provas da pureza dos
em P~ns, a .ConslllulçUO Irancesa e o Ahnanadi du pére Gérard (um seus sentimentos. Há outra razão muito mais forte, que é a nunca
c~te~lsm.o jacc:,bll1o) e feito imprimir 12 mil exemplares, "com a vista perseverância com que trabalham os chefes destes clubes
perfl?a .1I1,~ençaode. os distribuir entre o povo ele Lisboa e das (que sãoos ela maioridade da anLigaAssembléia e que dominam
provl1;clas 147. Os cu:dados do embaixador português dirigiam-se a ela presente), por si, pelos escritores que pagam, e pelo meio
tambem para as relações que pudessem sertravadas entre colonos das de infinitos emissários, para inspirarem às nações o mesmo
po~sessõ~s. po~uguesas e os difusores do ideário jacobino e espírito que anima a francesa, e efetuarem, por este modo, uma
anticolonialista, Justamente o que levara o estudante brasileiro Maia a revolução geral, como único remédio ele afastar a tormenta que
buscar~!:,l1 encontro com Thomas jefferson, fora do campo de visão os ameaça 148.
dos espioes portugueses em Montpcllier.
Há, porém, um ofício do mesmo embaixadorSousa Coutinho, do
final de 1~91, que retrata melh:)I.' a perspectiva metropolitana de As observações do diplomata português correspondiam, na
preservaçao da realidade política multicontinental do Estado verdade, às proporções assumidas /)e!o movimento revolucionário
francês na conjuntura intcrnaciona . A explosão revolucionária de
monárq~ico pOI11.~suêse (jue é de p~1J1ic~t1ar interesse para a nossa
perspectiva de anause, dac as as implicações na política colonial: 1789 produzira reflexos imediatos através ela Europa e nas regiões do
mundo com as quais os europeus mantinham estreitas relações. E,
neste sentido, é importante notar que a Revolução Francesa ao sorveu
O procedimento dos espanhóis, relativamente aos brancos ~ logo ultrapassou a influência da Revolução norte-americana, ocor-
de São Domingos que procuraram asilo no seu território, foi nela na década anterior!", Asrellexões do embaixaelorSousa Coutinho
ger~lmente reprovado pelos c1ubistas e seus aderentes. Quanto refletiam preocupações típicas de quem, nesta conjuntura, represen-
a rrum, I:un.ca cessar:1 de fazer o elogio dos ministros e agentes tava os interesses de um país, senhor de um império colonial de vastas
das pote~cJas CJuel?C?emtodo o seu zelo em garantir da Europa proporções. Temia-se a "conversão elos estabelecimentos do Novo
do r:nefit,smo filosóllco que estes legisladores (da Assembléia Mundo" aos ideais ela Revolução. Era necessário, na perspectiva da
Nacional) emp,:eenderam propagar sobre a civilização civil de conservação dos territórios coloniais, reforçar o controle dos postos e
~antos povos" ~Igados en~re SI por uma infinidade de laços e.. estabelecer barreiras, de todos os tipos, para impediros desdobramen-
interesses poltttcos, que nao podem ser alterados sem precipitar tos da vaga revolucionária. A "revolução geral" aterrorizava os
todo? universo na mais completa anarquia. Esta é portanto a conservadores e ameaçava a ordem colonial; contê-Ia era a principal
doutrina que se ensina hoje publicamente nesta capital, nos tarefa da contra-revolução.
c1u~e~ denominados cerc?s Sociais, que são, como já disse, uma No Brasil, sob o vice-rei nado do conde de Resende, as recomen-
especie de propaganda ai iliada aos jacobitas (=jacobinos) que dações metropolitanas, relativas à presenç3' de estra~g.eiros, e princi-
e~tando encarregada especialmenteda conversão dos est~bele~ palmente franceses, nos seus portos, serao cumpridas com todo o
cimentos do Novo Mundo, se compõe de indivíduos de todas as n~,?r~,oque" contl.~do, nãoc,?nseguiu impedir que a "vaga revolucio-
nações, que ali se formam para serem os instrumentos da ruína nana tambem deixasse aquI os seus reflexos. A correspondência de
das su~s pátrias. Vários destes comissários foram já despachados Resendeacusa alguns momentos significativos desta açãocontroladora,
para <;ltf~r~ntespartes, munidos de exemplares impressos da como no caso de uma galera que transportava escravos de Angola para
Constituição francesa e declaração dos direitos do homem o Rio de Janeiro. Ao ser inspecionada, foram achados na sua
traduzidos nas respectivas línguas, e de comentários conforme~ equipagem quatro franceses que, apesar ele terem apresentado o
aos h~rríveis pl~ncípios que professam, como sobre a legitimida- passaporte, foram enviados, por ordem do vice-rei, para "prisões
d~ de .I1lSUrrelçao,a 9uc chamam o mais santo dos preceitos e a apa~adas sel"!1comunicação alguma, enquanto não averiguava os
pnmeira das obnsaçoes do homem que deseja ser livre - máxima motívos que tiveram para tocarem o porto de Angola" 150. Resende agia
de que o v,t-dgoIgnorante se penetra <:;omfacilidade e de que "segundo as Ordens Gerais, que há nos domínios da América de não
todos os dias vemos resultar as mais funestas conseqüências.
6S A administração do medo A administração do medo 67

se consentirem estrangeiros", o que o levava a enviar os quatro das" 158, ter conseguido o surgimento de um denunciante:]osé Bernardo
franceses, separados em dois navios, para Lisboa, transportados com da Silveira Frade, amigo de um dos sócios. Este foi imediatamente
"a mais escrupulosa cautela"!". instruído pelo více-rei para que escrevesse tudo quanto sabia, o jurasse
]'To mesmo mês em que dá notícia das providências tomadas em e assinasse, discorrendo livremente sobre as matérias que tivessem
relaçao aos quatro franceses, dezembro de 1794, Resende conseguia sido tratadas na sua presença.
fechar o cerco sobre um grupo de pessoas que, no Rio de Janeiro, eram Resende conseguiu finalmente o seu objetivo; entregou os
suspeitas de comungarem com os princípios da Revolução. Neste originais de Silveíra Frade ao chanceler da Relação para que servissem
sentido, comunica o vice-rei a Lisboa que ao corpo de delito na Devassa que mandou rirar, deixando-a a cargo
de Cruz e Silva e nomeando um desembargador ela Relação para seu
(...) continuando os motivos do meu justo receio a respeito das escrivão. Antes mesmo de abrir a devassa, o conde de Resende
perniciosas conseqüências da presente revolução cuidei eficaz- mandou prender João Marques Pinto, mestre ele grego, o bacharel
mente em um exame escrupulosíssirno, ainda que oculto sobre Marianolosé Pereira da Fonseca, Manuel Inácio da Silva Alvarenga,
os prejuízos que se formassem do sistema atual da França, não mestre de retórica, o marceneiro João da Silva Antunes, o ourives
só enquanto à liberdade, mas também do desprezo com que os Antônio Gonçalves de Oliveira, Francisco Antônio da Paixão e
mesmos franceses têm tratado a verdadeira religião por serem Francisco Coelho Solano, em prisões incomunicáveis, "fazendo-Ihes
== dois objetos gravíssirnos e conseqüentemente os mais ao mesmo tempo apreensão em todos os seus papéis e livros, e
seqüestro em todos os seus bens, de cujas dili§ências foram incumbi-
dignos de oferecer por eles as minhas diligências e todas as
minhas forças 152. dos vários desembargadores desta Relação"! 9. Com menos de dois
anos do trágico desfecho da devassa tirada sobre os mineiros, e no ano
seguinte ao caso da carta anônima, voltava a cidade do Rio deJaneiro
P~oc~dia assim ovice-rei a investigações secretas, que tinham por a ser abalada com nova devassa. Prosseguia o vice-rei e capitão
alvo principal detectar adesões ao Sistema atual da França em dois general-de-mar-e-terra do Estado do Brasil numa de duas principais
aspectos principais: a questão da liberdade e a questão da religião. O tarefas nesta conjuntura, a administração do medo.
conde de Resende encarregara das investigações secretas a Diogo
Francisco Delgado, ajudante de um dos Terços Auxiliares'". Resende
há muito qu~ria tomar providências mais diretas noyatam:n~o d~s~e
caso, mas fOIaconselhado pelo chanceler da Relação, Antônio D1l11S NOTAS
d.a Cruz, e Silva, a agir com maior cautela porque "ainda faltavam
cl.rcunstanclas para proceder formalmente contra aqueles que só _
disco!ressem geralmente nos sucessos ela conjuntura presente, quan- (1) Funcionava, então, o Senado elaCâmara num sobrado elepropriedade
do juiz de órfãos, Francisco Teles Barrete de Meneses, por se achar o
do nao mostrassem nas mesmas práticas inclinação às erraelíssimas seu edifício ocupado pelo Tribunal elaRelação.
máximas dos franceses">'. .
(2) LOBO, Roberto Jorge Haddock, Tombo das terras municipais que
Portanto, não seriam apenas vagas suspeitas que forneceriam ao constituem parte ciopatrimônio da Ilustrissima Câmara Municipal da
vi~e-rei. os elementos para efetuar as prisões. Resende, dadas as suas Cidade de São Sebastião do Rio dejaneiro. Ríode laneiro, Paula Brito,
animosidades com a gente que pretendia prender, não se conformava. 1863. p. 40.FranciscoAsenorde Noronha Santos, que concordava com
Sabia das dificuldades para obter "estes conhecimentos" que Haddock Loboquanto a procedência criminosa do incêndio, atribuía a
"dificulto~amente se podem conseguir exteriormentev'>, porém pas- este fato as enorme:sdificuldades para a comprovação do patrimônio
sou a dedicar-se com afinco nesta questão, diretamente auxiliado pelo da cidade, o que fazia com que grande parte dos possuidores de
referido ajudante Diogo Francisco Delgado, que lhe dava elementos terrenos de sesmarias e elesobejos se julgassem livres ou alocliaisde
para q':l~ se con~ider~ss~ "suficientemente instruído dos artigos mais pagamento dos respectivos foros. Em Asfreguesias do Rio antigo. Rio
essenciais e mais terrtveis em que se engolfavam diferentes homens de Janeiro, O Cruzeiro, I965. p. 24. O que restou do incêndio, assim
como a documentação produzida a partir de 1790 pela administração
dest~ cídade'<". A primeira atitude de Resende foi suspender o da cidade, nas suas diversas Iases, integram o acervo eloatual Arquivo
funcionamento de "uma Sociedade Literária criada há muitos anos Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
amortecida depois, e novamente animada"!". Resende atribuía a est~ (3)' José lnácio elaCostapertenceu à companhia de cantores e dançarinos,
fato, "em que ~Iesunia os mesmos da mesma sociedade, naquelas criada no Riode Janeiro pelo vice-rei d. Luísde Vasconcelos, e que foi
horas que destinavam para as suas sessões, horas noturnas e ilirnita- dirigida por Antônio Nascentes Pinto, tradutor de várias peças teatrais;
A administração do medo A administração do medo

no governo de Resende não se daria o mesmo incentivo às atividades (20) Id., ibid., § 37.
artísticas. AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. O Rio dejaneiro, sua
histôria, monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades. 3. ed., (21) Id., ibid., § 35-40 (Sobre o uso elos escravos).
anotada por Elysio de Oliveira Belchior. Rio de janeiro, Brasiliana, (22) LISBOA, Baltasar da Silva. Anais do Rio de janeiro. Prólogo. p. 26.
1969. v. 1,p. 552-3. (23) Carta anônima ... ADCA, p. 267.
(4) RIO DEJANEJHO. BNjBiblioteca Nacional Seção de Manuscritos - Carta (24) Id., p. 267.
escrita do Rio de Janeiro ao 11m" e Exm? Sr. Conde de Resende (25) BAILYN, Berna rd. The ideological origins ofthe A mericanreioluiions.
(manuscr.) 11,2,2. fi. J. Harvard University Press, 1967. p. 20.
(5) Id., fl. 2. (26) Carta anônima ... ADCA, p. 267.
(6) LACOMBE, Améríco Jacobina. A Conjuração do Rio de Janeiro. In:
(27) Id., p. 267-8.
HOLANDA, Sérgio Buarque ele (ed.). Histária geral da civilização
brasileira. São Paulo, DrFEL, "]960.l. 1, v. 2, p. 409. E também: Afonso (28) Id., p. 268.
Arinos de Meio Franco, no prefacio de Giaura, ele M. I. da Silva (29) Id., p. 268.
Alvarenga. Rio de Janeiro, lNL, 1944. (30) Id., p. 268.
(1) RIO DE jANElHO. BN. Seção de Manuscritos - doe. cit., nota 33.t121- (31) É o caso observado no Relatório do marquês do Lavradio, que tratou
22. o Senado da Câmara do Rio de janeiro, durante sua adrninistração,
(8) Id., n. 22. como uma de suas repartições, Interferindo diretamente na escolha elos
(9) Id., fl. 23. A nota prossegue, descrevendo perversões e violências contra vereadores e redefininclo a sua linha ele ação. Lavradió a considerou,
jovens do seu serviço e militares sob o seu comando. dentre todas, a que achou "ainda em mais elesordens que todas as
outras". Relatório apresentado pelo vice-rei marquês do Lavradio, ao
(10) ofício do dr. Baltasar ela Silva Lisboa, de 10 de janeiro ele 1793, seu sucessorel. Luís de Vasconcelos e Sousa (19 ele junho ele 1779). Em:
denuncianelo ter recebido a carta anônima, ao chanceler elaRelação do CARNAXIOE (Antonio de Sousa Pedroso) Visconele ele. O Brasil na
Rio de JaneirojADCAjAutos de Devassa ela Carta Anônima, p. 267-8. administração pombalina (Economia e Política Externa). 2. ed. São
(11) Sebastião Xavier de Vasconcelos Coutinho, do Conselho ele Sua Paulo, Ed. Nacional; Brasilia, lNL, 1979. (Brasiliana, v. 192). p. 240.
Majestaele e do de Sua Real Fazenda, tornara posse, no Rio de janeiro, (32) PRADO JR., Caio. op. cit., p. 316.
no lugar do chanceler da Relação, desde 17 de janeiro de 1791,
assuminelo também as funções de juiz elacomissão expedída contra os (33) Id., ibid., p. 317.
réus da Conjuração Mineira. (34) Silva Lisboa, em 21 de janeiro, certificava, pam a juntada nos Autos,
(12) ofício de Sebastião Xa vier de Vasconcelos Coutinho ao vice-rei. Rio ele "debaixo de juramento dos Santos Evangelhos, queo capi tão Jerônimo
Janeiro, 10 de janeiro ele 1793. ADCA, p. 268-9. TeixeiraLobo pela primeira vez me entregou nodiaelezde janeiro cinco
cartas vindas de Lisboa, tendo-se porém entregue por vezes outras
(13) PRADO jR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo, _ vindas da Bahia ...". ADCA, p. 271.
Martins, 1942, p. 316.
(35) Id., p. 272.
(14) Id., ibid., p. 317.
(36) LISBOA. AHUj Arquivo Ultramarino. Ofício ele Sebastião Xavíer Vas-
(15) LISBOA, Baltasar da Silva. Discurso histórico, político e econômico dos concelos pam Martinho ele Meio e Castro. Rio eleJaneiro, lº de abril de
progressos, e estado atual da filosofia natural portuguesa, acompa- 1793. (manuscr.) Documentos elo Rio eleJaneiro. Cx. 151, eloe. nº 27.
nhado de algumas reflexões sobre o Estado do Brasil, oferecido a Sua
Alteza Reali. ..). Lisboa, Antônio Gomes, 1786. (37) Id., doe. cit.
(16) ld., ibid., § 2'5. (38) Id., doe. cit.
(17) A proposta da fundação elaAcademia Científica é eleelezembrode 1771. (39) Id., doe. cit.
Em 18 de fevereiro do ano segu inte aJ)rimeira sessão foi celebraela no (40) Id., doe. cit.
palácio do vice-rei, sendo eleito \)re..<;i
.ente o médico José Henrique de (41) Id., doe. cit.
Paiva e secretário l.uís Borges Sa gado. A Academia funcionou até abril Id., doe. cit.
(42)
de 1779. KlTZINGER, Alexandre Max, Resenha histórica da cidade de
São Sebastião do Rio cleJaneiro, desde suafundação até a abdicação de (43) Id., doe. cit.
d. Pedro I. RD-ICB,v. 70. p.221 (44) Id., doe. cit.
(18) LISBOA, Baltasar da Silva. Anais do Rio de janeiro. Rio de Janeiro, (45) NOV AIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema
Seignot-Plancher, 1834. t. I, p. 21, § 14. colonial (1777-1808). 2. ed. São Paulo, Hucitec, 1981. p. 173,
(19) LlSBOA,'Baltasar da Silva. Discurso histórico ... Dedicatória. (46) VERGUEIRO, Laura de Mello e Souza. Opulência e miséria das Minas
70 A administração do medo A administração do medo 71

Gerais. São Paulo, Brasiliense, 1981. p. 79. (56) Id., doe. cit:.
(47) USBOA, AHU. Representação de Baltasar da Silva Lisboa à Rainha (57) Id., doc. cit,
(1792) (manuscr.). Documentos do Rio elejaneiro. Maço 143. Id., doe. cit:.
(58)
(48) USBOA. AHU. Portaria elo vice-rei el.Luís ele Vasconcelos e Sousa. Rio (59) Id., doc. cit:.
de janeíro, 27 de junho de J 787. (manuscr.), Documentos do Rio de
Janeiro. Maço 143. (60) Id., doe. cit.
(49) USBOA. AHU. Carta do vice-rei d. Luís de Vasconcelos e Souza ao dr. (61) Id., doe. cit:.
Baltasar da Silva Lisboa. Rio de janeiro, 31 de julho de 1787. Em outro (62) USBOA. AHU. Ofício ele Baltasarda Silva Lisboa para Martinho de Melo
documento, de 7 de julho de 1788, O ajudante de ordens do vice-rei, e Castro. Rio dejaneiro, 21 de janeiro de 1791. (manuscr.). Documentos
CamiloMaria TonnelIet, recomendava ao juizde fora para que nada lhe do Rio de Janeiro. Cx, 146.
faltasse durante as viagem; de estudo. (manuscr.). Documentos do Rio (63) Id, doc. cit:.
de Janeiro. Maço 143. (64) USBOAAHU. Ofício de Baltasarda Silva Lisboa para Martinho de MeIo
(50) USBOA. AHU. Cartas do vice-rei d. Luís de Vasconcelos e Sousa ao dr. e Castro, Rio de Janeiro, 4 de abril de 179 J. (manuscr.). Documentos
Baltasar da Silva Lisboa. 22 de setembro de 1788 e 21 de julho de 1789. do Rio de Ianeiro. Cx. 146 (há outro ofício, mais extenso, com a mesma
(manuscr.). Documentos do Rio ele Janeiro. Maço 143. °
data, remetido por Silva Lisboa para ministro e que se encontra na
(51) USBOA.AHU. ofício ele Baltasar da Silva Lisboa para Martinho ele Melo mesma caixa).
e Castro. Rio dejaneiro, l de janeiro de 1790. (manuscr.). Documentos
ó
(65) Id., doc. cit:.
do Rio de janeiro. Cx. 144. (66) Id., doe. cit:.
(52) A primeira edição desta obra foi realizada em sete tomos (o primeiro (67) Id., doc. cit.
saiu do prelo em 1834 e o último, em 1835). Em 1965, a editora Leitura,
do Rio de Janeiro, publicou uma edição facsimilaela ela obra, acrescida' (68) PRADO JR., Caio. 01'. cit., p . .132.
deumoitavovolumecontendorepnxluçõesiconográf'icasecartográf'icas (69) Esta expressão não assumira ainda uma conotação nacionalista para a
e textos explicativos. maioria dos letrados coloniais, como veremos mais adiante.
(53) Sobre o mesmo assunto escreve novamente em 22 de fevereiro de 1790, (70) Sobre este aspecto, exarni nado na sociedade escra vista do século XIX,
e remete amostras para Lisboa. LISBOA.AtIU. Documentos do Rio de após a autonomia política, vejam-se os estudos fundamentais de Maria
Janeiro. Cx. 144. Sylvia de Carvalho Franco em Homens liures na ordem escrauocrata.
(54) USBOA. AHlI. Certidão elo escrivão ela Ouvidoria e Correição da São Paulo, IEB, 1969. E ainda: Roberto Schwartz.t'As idéias fora do
ComarcadoRiode [aneiro.julião lnácio da Silva, passada ao juiz elefora lugar". In: Ao vencedor as batatas. São Paulo, Duas Cielades, 1977. p.
do geral doutor Baltasar da Silva Lisboa. Rio de Janeiro, 20 de junho de 13-28.
1792. (manuscr.). Documentos do Rio de janeiro. Maço 143. Tanto d. _' (71) Maria Sylvia de Carvalho Franco, examinando a fase posterior à
Luís de Vasconcelos e Souza, como o conde de Resende, o enviaram Independência, afirma que: "Dos setores da organização em que este
para investigações fora ela C3/)ital, no interior da capitania. No mesmo tipo de regulamentação (constituindo in..stituiçôes que funcionassem de
maço do Arquivo Histórico LItramarino encontram-se as Portarias de d. maneira impessoal e abstrata) mais tardou a penetrar e maiores
Luís de Vasconcelos e Sousa, de 31 de maio de 1790, mandando-o barreiras encontrou para implantar-se foi oda administração da justiça,
investigar um atentado realizado porum vigário da freguesia de Campo perdurando mais longamento o seu exercício privado". Op. cit, p. 149.
Alegre; e do conde de Reseude, de 31 de agosto de 1790, mandando- (72) PRADO JR., Caio. 01'. cit., p. 332.
o abrir devassa e tomar conhecimento dos culpados de uma resistência USBOA AHlJ. Alvará, por que Vossa Majestade há por bem extinguir
(73)
feita ao juiz ordinário de Cabo Frio.
por agora as auditorias particulares para cada regimento; revogando
(55) USBOA AHU. Ofício de Baltasar da Silva Lisboa para Martinho de Melo nesta parte o Regulamento Militar, e o decreto de vinte de outubro de
e Castro. Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 1791. (manuscr.) Documentos 1763, e ordenar, que os juizes do Crime, onele os houver, ou os juízes
do Rio de janeiro. Cx. 143. E necessárío lembrar aqui que o cargo de de fora nas cidades, e vilas, onde estiverem aquartelados os regimentos,
juiz de fora, tanto no aspecto judiciário como administrativo, representa sejam deles os auditores. 26 de fevereiro de 1789. (cópia impressa).
uma instância superior aos juizes vintenários e inferior ao ouvidor da Documentos do Rio de janeiro. Cx. 150.
comarca. Este cargo, segundo Caio Prado Jr., era em regra acumulado
(74) USBOA. AHU. ofício do juiz ele fora Baltasar da Silva Lisboa ao vice-
com as funções de corregedor (uma espécie de "fiscal" da administra-
ção) e vinha logo acima, na hierarquia administrativa, ao Senado da rei conde de Resende. Rio de janeiro, 16 de novembro de 1791.
Câmara e seu presidente e aos juizes vintenários, Os ouvidores eram (manuscr.). Documentos do Rio de janeiro. Cx. 150, doc. 34.
nomeados pelo soberano, providos por três anos e também faziam (75) Id., doe. cit.
parte do Tribunal da Relação. Op. cit., p. 317. (76) Cf PRADO JR., Caio ..01'. cit., p. 315-6.
72 A administraçào do medo A administração do medo 73

07) LISBOA. AHU. Ofício ele Baltasar ela Silva Lisboa a Martinho de MeIo e revolução" aparece nos Autos ela Devassa de 1789, "referido a uma
Castro. Rio dejaneiro, 12 ele janeiro de 1791. (manuscr.). Documentos categoria social elas mais nítidas na vida social da Colônia": os
do Rio de janeiro. Cx, 146. negociantes. Op. cit. p, 57/513. Anteriormente, Herculano Gomes
08) LISBOA. AHU. Representação do dr, Baltasar da Silva Lisboa à rainha. Mathias havia indicado também várias passagens dos Autos que
Rio de janeiro, 13 de dezembro de 1792. TI também: carta de Baltasar atestavam uma certa adesão, no Rio de Janeiro, ao levante que teria
da Silva Lisboa a Martinho de Meio e Castro. Rio de janeiro, 22 de lugaremMinasGerais.OTiradenteseacicladedoRiodejaneiro.Anai5
dezembro de 1792 (manuscr.). Documentos elo Rio de janeiro. Cx. 150. r' do Museu Hlstôrico Nacional. Rio de Janeiro, v. 16, 1966. p. 53-103.
09) Id., doe. cit. (95) MAXWEll, Kenneth. A devassa da Devassa; a Inconfidência Mineira:
(80) Id., doe. cit. Brasil e Portugal (1750-1808). Rio de janeiro, Paz e Terra, 1977. p.148.
(81) Id., doe. cit. (96) Registraram a sua passagem pelo Rio de Janeiro: Aeneas Anderson (/1
Narrative of'the Britisli Ernbassv 10 China in lhe years 1792, 1793 and
(82) Id., doe. cit. 1794. Dublin, William Portes, 1795 - parte dedicada ao Rio: capo 1, p.
(83) LISBOA.AHU.Olkioele Baltasarda Silva Lisboa para Martínho de Melo 16-24); John Barrow (A uoyage 10 Cochinchina, in the yea1"S1792 and
e Castro. Rio de janeiro, 10 de abril de 1793. (manuscr.) Rio de Janeiro. 1793. London, Caclellancl Davies,IS06-declicadoiscapítulosaoBrasil:
Cx.151. capo 4,p. 72-102ecap. 5, p.103-136); Samuel Holmes(VoyageenChine
(84) USBOA.AHU. Ofício ele Baltasarda Silva Lisboa para Martínho de Melo et en Tartarie, a Ia mite de l'ambassade de Lord Macartney. Paris,
e Castro. Rio de laneiro, 31 ele maio de 1793. (manuscr.) Rio dejaneiro, Delange et Lesueur, 1805. -sobreo Rio: V. 1,cap.1, p.68-74); e George
Cx. 151. Leonard Staunton (An Atuhentic Accouni of an embassyfrcm the King
(85) Id., doe. cit. of Great Brüain to lhe emperor ofChina. Dublin, s/ed., 1792. - sobre o
Rio: V. 1, capo 5, p. 151-190).
(86) "Últimos momentos dos inconfidentes de 1789, pelo frade que os
assistiu de confissão". A nuário do Museu da Inconfidência. Ouro Preto, (97) BARROW, john. Op. cit., p. 101.
v. 2, 1953. p. 234. (98) Id., ibid., p. 101.
(87) "Memória do êxito que tevea Conjuração de Minasedosfatos relativos (99) MATHIAS, H.G. O Tiradentes e a cidade do Rio de Janeiro. Anais do
a ela, acontecidos nesta cidade do Rio de janeiro, desde o dia 17 até 26 Museu Histôtico Nacional. Rio ele Janeiro, ] 966, V. 16, p. 58.
de abrtl de 1792". Anuário do Museu da Inconfidência. Ouro Preto, v. (100) BARROW, john. Op. cit., p. 10 r-z.
2, 1953. p. 227. (101) MOTA, C. G. Op. cit., p. 56-7.
(88) Inquirição feita a José de Resende Costa, filho, a 28 de julho de 1789, (102) cf. MATHIAS, H. G., Op. cit., p. 54.
em Vila Rica. ADlM/AUlos de Devassa da Inconfidência Mineira. v. 1,
p.213. . (103) ADIM. V. 1, p. 169.
(89) Id., doe. cit. (104) Carta de Vendek a Thomas jefferson. Montpellier, 21 de novembro de
1786 (escrita originalmente em francês). Idéias de Independência no
(90) cf. SALES,Fritz Te íxeíra de. Vila Rica do Pilar. Belo Horizonte, Itatiaia, Brasil em fins do século passado. RUfGB, t. 47 (1), 1884, p. 124-5.
1965. p. 184 e Mota, Carlos Guilherme. Atitudes de inovação no Brasil;
1789-1801. Lisboa, Livros Horizonte, s/d.p, 57. Carlos Guilherme Mota (105) Cartade1110masJeffersonajohn,lay, Paris, 4de maio de 1787. Op. cit.,
verifica que, no Riodejaneiro, "esboçava-se uma tendênciarevolucio- p.127-132.
nária de que, de resto, os mineiros tinham notícias". (106) Id., ibíd., p. 127.
(91) LISBOA. AHU. ofício do visconde de Barbacena ao ministro Martinho (107) Id., ibid., p. 128.
de Melo e Castro. Vila Rica, 10 de fevereiro de 1790. Documentos -( I (108) MATHIAS, H. G. Op. cit., p. 59.
avulsos de Minas Gerais. Cx. 93. Apud, LAPA,M. Roehigues.As "Cartas (109) Memória do êxito ..., p. 228.
Chilenas'tproblema histórico efilologico. Rio de janeiro, INL, 1958, p.
360. (110) oficio do vice-rei conde de Resende ao A.O. capo Luís Benedito de
(92) Inquirição feita ao reverendo padrejosé Lopesde Oliveiraa31 de junho Castro (seu filho). Riodejaneiro, 18deabIil de 1792. ADIM (ed. Câmara
dos Deputados) V. 8, p. 366-7.
de 1789, em Vila Rica. ADIM, v. 1, p. 157.
(111) MATHIAS, H. G. Op. cit., p. 72.
(93) BARRlNGTON, George. Voyage a Botany-Bay, atecune description dú
pays, des moemos, des coutumes, et de Ia religion des natifs. Paris, (112) Cerimônias religiosas em regozijo de se ter descoberto a conjuração.
Desenne, 1798. ADIM, V. 6, p. 407.
(94) Inquirição feita a Domingos Vidal de Barbosa, a 13 de julho de 1789, (113) MATHIAS, H. G. Op. cit., p. 72.
em Vila Rica. ADIM, v. 1, p, 171. Carlos Guilherme Mota observou em (114) Cerimônias religiosas ..., p. 407.
seu estudo sobre a questão os momentos nos quais o "conceito de (115) Id., p. 407.
74 A administração do medo A administraçàu do medo 75

(116) Id., p. 407. 1. Caetano Francisco da Silva, vigário de S. Lourenço de Linhares.


(117) Id., p. 408. 2. Manuel da Expectação, vigário ele Ponclá.
(118) o. BOXER, Charles R.A Idade de Ouro do Brasil. 2. ed. São Paulo, Ed. 3. João Álvares de Sousa, vigário de Pomburpá.
Nacional, 1969. p. 198. Boxer comenta este aspecto ao dar razão ao 4. Miguel Álvares de Sousa, vigário de Pilerne.
autor do Triunfo Eucarístico, o melhor exemplo colonial, deste tipo de
culto, em termos de pompa e duração. 5. Vicente Álvares.
(119) CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira: momentos 6. Caetano Francisco elo Couro, de Pangim.
decisivos. 4. ed. São Paulo, Marrins, s/d., v. 1, p. 133. 7. Matias Bemardo da Fonseca, ele Chorão.
(120) USBOA. AHU - Carta de Amador Patrício ele Portugal a Martinho de 8. Luís Antônio Gonçalves, minorista, da Piedade.
Meio e Castro. Rio de Janeiro, 4 de março de 1790 (manuscr.) 9. Luís Caetano de Sousa, de Moirá,
Documentos elo Rio de Janeiro. Cx. 144.
10. José Manuel de Meneses, da Piedade, vigário de Guirim.
(121) RIVARA,]. H. daCunha.AConjuraçâode 1787emCoa, e uáriascousas
desse tempo; memória histórica. Nova Goa, Imprensa Nacional, 1875. 11. José Antônio Vaz, de Anjuna.
p.18. 12. João Batista Pinto, de Candolim.
(122) Cunha Rivara não confirma esta versão, por lÜO se ter provas ele que, 13. Díogo Benedito Lobo, de Sirulá,
antes da descoberta da Conjuração, fossem os brâmanes padeiros em 14. Jorge Dias, de Candolim.
Goa. Todavia, a versão é interessante como exemplo elo tipo ele Destes padres, 13 chegaram a Lisboa, tendo falecido um durante a
suspeita que então se alimentava. viagem. Destes, somente oito sobreviveriam para retomar a Goa na
(123) Apud D'AYALLA, Frederico Diniz. Coa antiga e moderna. Lisboa, monção de 1807. RIVARA,J. 1-1. C. Op. cit., p. 38.
Typ. do Jornal elo Commercio, Isss. p. 171. (138) O padre José Antônio Gonçalves faleceríaem Calcutá, em 1818, sem ter
(124) cf. SARAIVA,A.]., Lopes, O. História da literatura portuguesa. 7. ed. conseguido voltar a Goa. Id., ibid. p. 62.
Porto, Porto Ed., s/d, p. 714. (139) cf. RIVARA,]. H. C. Op. cit., p. 26-36, e D'AYALLA, F. D. Op. cit., p.
(125) Cf. D'AYALLA, F. D. Op. cit., p. 174. 174-175.
(126) Carta de Martinho de Meio e Castro a Francisco da Cunha e Meneses, (140) cf. Robert Manclrou, ao afirmar que "de 1779 a 1794, a Revolução foi
governador e cap.itão general elo Es~do da Índia. Lisboa, 21 de julho um movimento contínuo para adiante". DUBY, G., MANDROU, R.
de 1788. Apud. Rivara, J. H. C. Op. cít., p. 14-15. Historia de Ia Cioilizacion Francesa (trad, esp.) México, Fondo de
(127) cf. BOXER, c. R. O Império colonial português (trad. port.) Lisboa, CUltura Económica, 1966. p. 381.
Edições 70, 1977, p. 286. (141) cf. GUEDES, Armando Marques. A Aliança Inglesa; notas de História
(128) Apud BOXER, C. R. Op. cit., p. 286. Diplomática, 1383-1943. Lisboa, Eel.Enciclopédia, 1943. p. 346.
(129) Apud BOXER, c. R. Op. cit., p. 207. (142) cf. MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal. Lisboa, Ágora,
(130) Boxerconsidera exageraelo este nú mero; tratava-se, provavelmente, de 1973. p. 575.
uma tentativa para impressionar o ministro. (143) Em abril de 1797, o governo espanhol e o representante francês em
(131) cf. BOXER, C.R., Op. cit., p. 287. Madri assinaram uma convenção secreta para a conquista de Portugal,
e neste mesmo mês o ministro Antônio de Araújo era mandado sair de
(132) Apud BOXER, c.R. Op. cit., p. 207-8. Paris em 24 horas. cf. GUEDES, A. M. Op. cit., p. 364.
(133) Recomendações de Martinho de Meio e Castro para o bispo de Cochim, (144) cf. GUEDES, A. M. Op. cit., p. 350.
em março de 1779. Apud BOXLm, c. R. Op. cit., p. 288.
(l45)DIAS, GRAÇA e J. S. da Silva. Os primárdios da Maçonaria em
(134) Carta de Martinho de Meio e Castro para o vice-rei do Estado da Índia. Portugal. Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica,
Lisboa, 21 de julho de 1788. Apud Rlv ARA,J. H. da Cunha. Op. cit., p. 1980. t. 1, v. 1, p. 345.
14. (146) Id., Ibíd., p. 345.
(135) cf. BOXER, c. R. Relações raciais no Império colonial português (trad.
port.). Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1967. p. 108. (l47)LISBOA./ANTT/Arquivo Nacional da Torre do Tombo. ofício de
d. Vicente de Sousa Coutinho a Luís Pinto, 15 de janeiro de 1792.
(136) Assento e memória do Senado ela Câmara de Goa. Goa, 28 de fevereiro MNE, legação de Portugal em França. Cx. 17, nº 8, ofício nº 44.
de 1789. Apud. RIVARA,J. H. c. Op. cit., doe. nº 4, p. 20. Apud. DIAS, Graça e J. S. da Silva. Op. cit., p. 347-9. Na edição
(137) Na monção de 1788, embarcara 111 para Lisboa, no navio de viagem São de 1813 do Dicionário de língua portuguesa de Antônio de
Luís e Santa Maria Madalena, os padres: Moraes Silva, impresso na Tipografia Lacerdina, em Lisboa,
aparece a "Loja de Borel Borel, e Companhia, quase defronte da
76 A administração do medo

Capítulo 3
Igreja de Nossa Senhora dos Martyres, nº 14" como responsável
pela venda da obra. PROCEDENDO À DEVASSA
(148) LISBOA. ANIT - Ofício de d. Vicente de Sousa Coutinho para Luís
Pinto, 25 de novembro de 1791. MNE, legação de Portugal em
França. Cx. 16, nº 270, ofício nº 21. Apud. DIAS, Graça e J. S. da
Silva. Op. cít., p. 349-350.
(149) a. PALMER, Robert R. 1789 - Les Révolutions de Ia Liberté et de
l'Egalité (trad. franc.). Paris, Calmann-Lévry, 1968, p. 12.
(150) USBOA. AHU - Conde de Resende a Martinho de Meio e Castro. Rio de
Janeiro, 28 de dezembro de 1794. (manuscr.) Documentos do Rio de
Janeiro. Cx. 154. (...) Logo aí pelo dito desembargador chanceler me foi
dito que ele, em virtude de dois ofícios que adiante se
(151) Id., doe. cit. ajuntam do I1usuíssimo e Excelentíssirno conde de
(152) USBOA. AHU - ofício do conde de Resende a Martinho de Melo e Resende vice-rei e capitão general-de-mar-e-terra deste
Castro. RiodeJaneiro, 29 de dezembro de 1794 (manuscr.) Documentos Estado do Brasil, devia proceder à Devassa, para
do Rio de Janeiro Cx. 154. averiguar, e examinar quais eram os indivíduos que
nesta cidade tratavam e mantinham conversações, e
(153) Id., doe. cit. práticas em que, envolvendo discursos os mais
(154) Id., doe. cit. escandalosos, e sacrílegos contra a nossa augusta
religião, se dirigiam a persuadir e a justificar a rebelião
(155) Id., doe. cit. da nação francesa, e a deprimir, e destruir a autoridade,
(156) Id., doe. cit. e poder dos reis emanada dos princípios mais
depurados da mesma religião; (...).
(157) Id., doe. cit.
(158) Id., doe. cit.
(159) Id., doe. cito Auto de abertura da devassa de 1794, no Rio de]aneiro.

Desde o dia 11 de junho de 1794 que o conde de Resende oficiara ao


chanceler do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, desembargador
Antônio Dinis da Cruz e Silva, dando-lhe parte da sua resolução para
que fosse tirada uma devassa contra os membros da Sociedade Literária
do Rio de janeiro'. Neste ofício, Resende ainda não citava explicita-
mente seu alvo principal, a Sociedade Literária e seus sócios, mas
levantava as premissas que deveriam instruir o ato jurídico', no que foi,
todavia, contido pelos conselhos do chanceler da Relação que não
considerava prudente abrir a devassa sem elementos mais concretos,
isto é, sem uma denúncia assinada. .
Neste primeiro ofício, o více-rei afirmava ter chegado ao seu
conhecimento o fato de que

(...) Muitas pessoas desta cidade, esquecidas de si, e da honra do


nome português, que até o presente consistia principalmente no
amor, e fidelidade, aos Nossos Clementíssimos Soberanos, se
arroI'am, não só em casas particulares, mas ainda nos lugares
púb icos dela, com ocasião das atuais alterações da Europa, a
altercar questões sobre o governo público dos Estados'.

77.
78 Procedendo à devassa Procedendo à devassa 79

Apesar de que a expressão "casas particulares" pode, nesta altura, implicados no mov~mel:to, e descobrir o 9ue e onde se planejara,
referir-se apenas aurnaresidência" édesenotarque oscomentáriosacer ca o que e onde se discutira ete. - produzindo relatos com pelo
das "atuais alterações" européias estavam sendo realizados em vários menos algumas passagens bastante fidedignas.
pontos da cidade, incluindo locais públicos. Estas conversas, motivadas
pelos desdobramentos da Revolução na Europa, tornavam-se perigosas,
no entender do vice-rei, porque se encaminhavam freqüentemente para CC;)!1sidera,,:aainda Célia Qu!rin.o dos Santos que "algumas
o questionamento do "governo público dos Estados". dessas informações se revelam coincidentes num confronto entre
Carlos Guilherme Mota, ao trabalhar sobre esta mesma conjun- diversos interrogatórios, o que nos permite, pelo menos por hipótese
tura, comentou as dificuldades e limitações para o estudo das formas presumir sua veracidade'". '
de pensamento revolucionário no Brasil do final do século XVIII; . H~ ainda ou~ro aspect'? I?araconsiderar, que são as condições de
dificuldades concementes à carência de documentos escritos, produ- r~ahzaçao destes m~errogatonos, que se seguem à prisão. O constran-
zidos pelos próprios agentes dos movimentos em curso. Mota obser- glmet:lto e as humilhações a. gue são levados os prisioneiros não
vou que as visões dos denunciantes e dos representantes da ordem const~tIf~m tema pouco, familiar aos, contemporâneos de regimes
estabelecida sintetizaram e explicitaram, muitas vezes, as idéias aut~ntanos em todas as epocas. Os métodos de repressão no Antigo
revolucionárias correntes, o que faz com que freqüentemente o ~eglme, embora sem as máscaras e a sofisticação desenvolvidas nos
pesquisador seja obrigado "a entrever as formas do pensamento sistemas policiais dos Estados constitucionais, possuem características
revolucionário a partir da reação por elas provocadas nas formas qu~ foram ~ecuperadas em épocas posteriores e que, na América
ajustadas ao regirne'", E nessa perspectiva que o mesmo autor verifica Latina, continuam a ser usados nos regimes ditatoriais. Antônio
o fato de a reação registrar de maneira "mais clara e uniforme" as Cândid_o, nu~ ad~irável artigo, escrito numa conjuntura de medo e
manifestações revolucionárias, indicando as devassas como o melhor opre~sao, em Janeiro de 1972, esboçou, com o auxílio da literatura e
exemplo desta ocorrência. Para Mota, "os valores, as atitudes e as do cme!TIa, os mecanismos de imposição psicológica usados pela
formas de pensamento que envolvem tais repressões fornecem um rep~e.ssao. Neste texto, fazia a distinção entre o comportamento da
denominador comum mais nítido e melhor datável: 1789 em Minas, polícía de um soberano absoluto com a de um Estado constitucional
1794 no Rio de Janeiro e 1798 na Bahia, 1801 em Pernambuco". onde a pri!TIeira pode ser ostensiva e brutal, porque o soberan~
Partindo destas considerações, Mora conclui reforçando que "afinal, absoluto nao precisa se preocupar em justificar demais os seus atos'
também pela contra-revolução se pode avaliar a revoluçãó'". m~s a se.gunda tem de ser mais hermética e requintada e, por isto, el~
No caso das devassas é necessário, porém, examinar a sua vai se misturando organicamente com o resto da Sociedade e estabe-
especificidade, assim como as características do processo nos quadros lecendo uma rede sutil de espionagem e de delação irresponsável
do Antigo Regime. Trata-se de documentação produzida no transcurso_ acobertada pelo anonimato, como alicerce do Estado". '
de uma ação repressiva e sob condições bastante desfavoráveis para Nos acontecimentos que estamos analisando na última década
todos os inquiridos, mesmo as testemunhas. O réu, considerado do século XVIII,a instância de poder que o vice-rei representa também
suspeito deínconfídêncía', é imediatamente privado da liberdade, dos teI? a.ssuas limitações para a configuração do crime de infidelidade,
cargos que porventura ocupe e tem os seus bens seqüestrados. Com pnn~lpalmente num caso como este, em que atingiria figuras públicas
isto, ao ser inquirido, o réu se vê colocado à margem do seu contexto da clda~e. Re~ende,. para caracterizar a culpa, também produz o
social, privado de qualquer direito por ter faltado com a fidelidade ao den~nclante, mcel:lt1~ando a delação e a espionagem. Não flor
soberano. requinte, mas po~ Iirnite de autoridade, Por outro lado, a delação faz
Célia Ouirino dos Santos, discutindo o aproveitamento do parte dos mecanismos de defesa do regime que a vê como uma
material da devassa da Inconfidência Mineira, indicava que as inqui- obrigação dos súditos fiéis, como uma conseqüência da fidelidade ao
rições, os depoimentos e os autos de perguntas nos fornecem material mo~arcal~. No caso,da carta anônima enviada aO juiz de fora Baltasar
praticamente suficiente para reconstituir o histórico da conjuração", da Silva LIsboa, o nucleo da devassa era a própria carta e não 'existiam
Isto naturalmente sem desprezar as demais partes da devassa: senten- pr~vas para in;liciar SilvaLisboa como criminoso, apesar de queo vice-
ça, defesa, embargos. Observa ainda esta autora que rei tentou f~ze-Io a todo custo. Agora, entretanto, o caso tinha outra
c~nfiguraçao e Resen~e, .outras razões. A detecção de nova conspira-
(...) quase todas as testemunhas, procurando embora inocentar- ~ao cert~mente desviaria os olhos do poder metropolitano das
se de qualquer pecha, acabavam no curso de uma argüição que irregularidades de sua administração, irregularidades que Silva Lisboa
visava a estabelecer a natureza e tipo de suas relações com os não cessava de comunicar à Corte.
Procedendo à devassa Procedendo à devassa 81

Vejamos, porém, como o vice-rei vai tecendo? desde ~ iní~i?, a da Silva Alvarenga - devassado, e Antônio Dinis da Cr~z e Silya, o
culpa que pretende imputar aos membros da Sociedade Líterãria ~ desembargador que, na qualidade de chanceler da Relaçao do Rio de
como relaciona as opiniões - que "escandalosamente" eram profen- Janeiro, conduz a devassa.
das nessas conversas públicas e privadas: Todavia, nesta altura cio século XVIII, no mundo do saber e da
produção intelectual, o ;ntusiasmo com ~s reformas dC?Estado
Que os reis não são necessários: Que os homens são livres e absoluto arrefecera. Nas vésperas da Revolução, mudara a atitude, no
continente europeu, face ao Absolutismo. Rousseau, no Contrato
podem em todo o tempo reclamara sua libe':.da?e. Que as leis,
social, de 1762, em tom suave.' ~OI.110 verifica Valja,:,ec,mas profunda-
porque hoje se governa a naçã~ francesa, sa? Justa~, e que o mente ameaçador para o equilíbrio do Antigo Regime, declarava que
mesmo que aquela Nação prat~cou,. se devl~ praticar. neste
continente: Que os franceses deviam vir conquistar esta ~Idade: a constituição dos Estados é emendável e que as formas de governo
podiam ser modificadas pelo povo 16. CI~ll11arcontra o "~espotismo"
Que a Sagrada Escritura, assim como dá poder. aos reis, 'para tomara-se nesta última fase cio setecennsmo, uma questao de moda,
castigar os vassalos, o dá aos vassalos, para castigar os reis.
como havia sido a questão de contestar o "fanatismo". Para muitos
pensadores contemporâneos desta fase, o governo dos monarcas, ~em
Prossegue o více-reí afirmando que estas proposições e limitação de poderes, haveria, fatalmente, declegenerarem opr~ssa?17.
Outro ponto a ser considerado, complement~tlo este l?l1melro,
é a passagem na. qual se afirma "que a Sagrada Es~ntura, assim como
(...) outras de semelhante natureza, en~ ql~e até envolvem a dá poder aos rers, para castigar os vassalos, o da aos vassalos"p~ra
religião além de mostrarem a pouca fidelidade de quem as castigar os reis" - o que subverte a relação entre mona.rca e sudito,
profere; como próprias de enganal:. e s~duzir o povo rústico, e levando-nos mais uma vez a buscar, no pensamento Ilustrado, os
ignorante, ede apartá-lo eloamor, ~ fídelidade, que d~ve aos seus elementos que fundam estetópico do cliscurso insurgent~. AIlustração
legítimos e naturais soberanos, ainda sendo profendas, se~ o reconhecera ao cidadão o direito de examinar as medidas estatais e
danado fim, que elas parecem incul~ar, em to~<?ot~mpo,.emult? discutir a ação do poder, exercendo a crítica de maneir~ pa~icula~ e
mais nos presentes, podem produzir consequencias muito pen- pública. Um bom exemplo da atitude ilustrada de assumir a discussão
gosas, e que convém atalhar". teórica dos problemas políticos l' dado por Rousseau na abertura do
livro primeiro do Coruratosocial, ao afirmar: "Per~~lOtar-me-ão se sou
príncipe ou legislador, para escrever sO~I:e polftica. Resp~)fi~o que
. Nestas opiniões apreendidas por Resende, através de seus não, e que por isso escrevo sobre pc;>lttlca.Se fosse pnncipe .ou
informantes, ressalta, num primeiro plano,. o q~~stioname~to à_ for,::a legislador, não perderia meu tempo, dizendo o q~e d,eve s~~ feito;
monárquica de governo, ao se G~ractenza~ .gu~ o.s r~ls n~o sa? haveria de fazê-Io, ou calar-me" ". Nesta altura, nao so a cntíca ao
necessários", A contrapartida deste upo de <;>pll1laOe a inclinação pal.~ despotismo esclarecido se revela va, mas r,ambém a visão alternativa ~e
a República enquanto forma representativa de governo, o que Ja
constituição do poder e do governo cios Estados. Rousseau, que P?dla
aparecera n~ devassa aos mineiros. Porém, o pensamento do "século
ser encontrado nas bibliotecas dac/ueles l~tradf>s q~le.conseg~l1f.am
filosófico", que estava inspirando c;stas idéias~ du~ante muito t~mpo burlar as barreiras para a entrar a ele livros proibidos, fOI lido
não vira incompatibilidade entre a forma monarql.l1ca e as Luzes 3. De principalmente em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, conforme
início, a Ilustração acreditou que o Estad<? po.âla aten~er a<;>bem indicam as listas de livros seqüestrados nas devassas de 1789, 1794 e
privado e público e que o Absolutismo monarquico poden~ satisfazer 1798. .
.o espírito do tempo. Acreditou-se que o Estado absoluto tinha a ~ua A questão da liberdade aparecia, segundo o registro do vice-rei,
razão de ser na medida em que o seu poder fosse colocado a serviço não apenas como atribuição cios homens, mas também como direito
da realizaçãb de inovações, de acordo com a mental~dade da épo~a 14. que podem reclamar a todo tem po. Princípios que, discutidos numa
No caso de Portugal, a Ilustração teve, durante o pel~odo pombalino, literatura anterior apareceram com grande clareza, em 1789, na
uma fase áurea de implemerito de projetos reformistas que, muitas Declaração dosDi~eitos do Homem e d? Cidcu1i?o,c.ujoalti~o ~ri~eiro
vezes, permaneceram apenas no nível do discurso, este também estabelecia que "os homens nascem livres e Iguais em direitos", No
limitado em suas proposições e nos seus resultados". artigo segundo, a liberdad: figura na cabeça d~s "direito? ~1aturais e
Daquela conjuntura política e intelectual emergiram algumas das imprescritíveis do homem', aparecendo tambem em vanas outras
personagens que, em campos opostos, aparecem como os elemelJt<;>s passagens que a definem e explicit.un. A Declaração de 1789, na sua
centrais na devassa de 1794, como é o caso dos poetas: Manuel Inácio
82 Procedendo à devassa Procedendo à devassa 83

quase totali~de, foi lida e divu Igada por toda parte como uma espécie 3.1 PARA AVERIGUAR E EXAMINAR
de sa:ta da hberdade, cívica 19; seus princípios atingiram também a
América p,ortuguesa e H~corpor~vam-se à consciência dos colonos que
oS,absofVlam d~ maneira restnta, dadas as dificuldades de se pensar Em 8 de dezembro de 1794, oficiou novamente o conde de Resende
a hberdade e a Igualdade numa sociedade de base escravista como ao chanceler da Relação, Passados seis meses do primeiro ofício que
mais adiante discutiremos, ' ordenara a ,abertura da devassa, suspensa em junho pelos conselhos
Ap~sar de tO,do o bloq,ueio, à penetração de obras e periódicos de C~uz e Silva, retoJ,nava o vice-rei suas intenções anteriores, porque
estrangeiros, n? ~o de Janeiro discutiam-se as leis da nação francesa conflrm,ara as suspeitas, conseguindo informações mais seguras e um
e,_segundo o~ indicadores dados pela repressão, eram consideradas denunciante assumido, o que permitiu conhecer melhor o "veneno"
nao somente Justas, mas também \Xaticáveis "neste continente", Nos que contaminara os ânimos dos denunciados, Resende ordena a Cruz
conjuradosmin~iros jáfora detecta c o o interesse pelos textos legislativos e Silva ,que proceda imediatamente "à mesma devassa, para se evitar
dos n~rte-amencanos, que geralmente chegaram aos luso-brasileiros uma faisca, que ocultamente lavrando poderá rebentar em um grande
t~ad':lzldos em francês, No capítulo anterior, vimos a tentativa do incêndío'?'. A devassa deveria esclare'cer se além dos "escandalosos
hvre1f(~Borel d~ traduzir para o português a Constituição francesa, o discursos", haviam os "mesmos indivíduo~ formado, ou insinuado
que fOI denunciado para Lisboa pelo seu embaixador em Paris, A algum plano de Sedição">, O chanceler da Relação devia, portanto,
presença f~a~cesa, nas ~p'r,eensões do vi~e-rei, faz-se s~,:tir não apenas
~nquanto sistema de Idé!a?, mas tam~em como auxílio possível aos
insurgentes contra o dom 1111 o português", especulação que não era de (.) pr?seder à devassa, para averiguar, e examinar quais eram
todo sem sentido, devido às péssimas relações diplomáticas de os indivíduos que nesta Cidade tratavam e mantinham conversa-
Portug~l com a França pós-revolucionária e aos ataques que, desde ções, e práticas em que envolvendo discursos os mais escanda-
1793, V1?~am sendo realizados pelos franceses a navios portugueses, losos, e ~acríl~gi,?s contra a n,~ssa augu~ta religião se dirigiam a
Ha ainda um outro aspecto que esteve presente ao longo de toda persuad,!r, e a Jus~!ficara rebelião da naçao francesa, e a deprimir,
a devassa ~os letra~~-: do Rio de Janeiro: a questão das proposições e d~strulr a autondade, e poder dos reis emanada dos princípios
que envolviam areligião, assunto que possui uma certa específícídade mais depurados da mesma religião".
e que, embor~ contextualizado pelo vice-rei, no "desprezo com que
os franceses ~em t~atado a ye~'~ladc:irareligião'?', não era aqui apenas
um reflexo Io:~dl~to de 1~<=:las francesas no comportamento dos , Adev~~s~pa~~ceter para Resende um caráter preventivo; deveria se
letrados coloniais. E necessano considerar neste caso os anteceden- evitar que a faisca se transformasse em "grande incêndio", A faísca era
tesdo período pombalino e os conllitos el~tre o refordüsmo ilustrado o grupo de letrados que se reuniam na casa de Silva Alvarenga e que
e,determinados setores da Igreja, como a Companhia de Iesus que foi "ocultamente lavrando" poderiam vir a organizar um movimento revolu-
V1olenta!TI:enteperse~uida, I!Or~eino e no Ultramar, até a sua expulsão cionário de proporções incontroláveis dadas as características do Rio de
do Io:peno e postenor extinção pelo papa, que fora intensamente Jan~iro, o mais impo:rar:te centro co~ercial da Colônia e um porto de mar
pre?s,lOnado por Portugal, Espanha e França, Entre os que seriam coblç~do"pelas poter:clas estrat,lgelras, A ,d~yassa deveria "averiguar e
indiciados na devassa, pelo menos Silva Alvarenga fora profundamen- examinar as proporç?E!s assumidas pelas idéias francesas na população
te mar~~do pelas reformas pombalinas, da sua formação acadêmica à da sede do governo vice-real Ao buscá-Ias na população, o meio social
suas visoes de mundo, Em 1787 e em 1793, os professores régios de do núcleo urbano fluminense vai aparecendo através daqueles que são
humanida,desdoRiodeJaneiro,queviriamaserimplicadosnadevassa andados como suspeitos ou testemunhas, '
d~ 1794, Silva Alva!~nga e João Marques Pinto, representaram junto à A devassa, aberta em 1794 por ordem do conde de Resende.não
r~mha, faz~ndo cntl~as contundentes à intervenção de religiosos do chegará, todavia, a carac~erizarum movimento inconfidente, poi~ não
Rio,deJaneiro no ensm,? <;Ia moci~lade, acusando-os de procurar afastar se consegue provar a existência de um plano de sedição e de levante
os Jovens das aulas regias, atraindo-os para as suas e aliciando os arm3l?o para a tomada do poder, O próprio Resende, como observou
melhores p,ara profe~s~rem as suas ordens, Nestas representações, Amen~o Jacobina Lacombe", não ousou qualificá -la de conspiração,
acusav~m ainda os religiosos de terem interesses particulares, diferen- preferindo sempre formas mais cautelosas, como por exemplo:
tes dos interesses do Estado como também de submeterem os alunos
a um tipo de "supersticiosa obediência, ou antes tirânica sujeição'?' (..,) devassa contra algumas pessoas mal intencionadas que
sustentavam em vários lugares públicos e particulares proposi-
84 Procedendo à devassa
Procedendo à devassa 85

ções opostas aos governos monárquicos e que se encaminhavam


ou ao menos pareciam encaminhar-se a semear e propagar entre Para dar maior eficácia às suas diligências, Resende constituiu
estes povos os mesmos princípios que transformavam a monar- como informante um militar de baixa patente, chamado Diogo
quia francesa". Francisco Delgado, ajudante do Terço dos Auxiliares da Candelária,
que era português, nascido em Bombarral, Leiria; contava então 51
anos e era casado. O vice-rei considerava-o "homem fiel, inteligente,
o material de uma devassa, entretanto, não tem utilidade apenas de grande segredo e zelosíssimo pelo serviço de S. Majestade e pelo
para a elaboração do histórico dos fatos; seus autos, além de sossego deste Estado'?', Delgado, instruído por Resende, foi buscar
constituírem-se em fonte para a história das idéias, revelam-se, informações mais precisas dos boatos que então corriam pela cidade.
também, como excelente amostragem da sociedade colonial, através O fato é que as pessoas que falavam "publicamente com paixão pela
da identificação dos que aparecem como acusados ou testemunhas no França"> podiam ser encontradas nos mais diversos pontos da cidade,
processo' fornecendo dados sócio-profissionais e indicações inclusive entre os proprietários, como o já citado homem rico e senhor
demográficas de grande valia para a análise do período. Infelizmente, de escravos com quem Barrow se entrevistara em 1792. As investiga-
não possuímos ainda, para o Rio de Janeiro, estudos demográficos ções, porém, não levarão a um grande número de pessoas, nem
sobre a cidade colonial, nem análises de codificação sócio-profissio- chegarão aos domínios da elite proptietária local. Nesta condição, de
nal", que nos permitam fazer afirmações definitivas, por exemplo, proprietários, somente poderemos incluir dois, dos onze acusados; o
acerca da procedência dos colonos e sua distribuição na hierarquia que não significa, de maneira alguma, que estivessem sós os letrados
social; é neste sentido que os elementos fornecidos pela devassa são e demais homens que teimavam em se reunir na casa de Silva
bastante significativos. Alvarenga, centro das conversações noturnas.
Duas figuras foram fundamentais para a concretização da medida Antes de examinarmos o conteúdo da devassa, que se realiza a
repressiva almejada pelo vice-rei: um frade de nome Raimundo, partir de dezembro de 1794 até fevereiro de 1795, sendo que as demais
identificado por AJ. Lacombe como o custódio da provínciafranci scana, inquirições e acareações estendem-se até maio de 1796, vejamos,
frei Raimundo Penaforte da Anunciação", e José Bernardo da Silveira preliminarmente, a identificação dos indigitados e o perfil sócio-
Frade, um rábula, que vivia "de advogar em algumas causas?". O profissional das testemunhas arroladas. O conjunto de reinóis e
primeiro não é chamado para depor, protegido que estava pela sua colonos chamados a depor constitui um fragmento significativo da
condição sacerdotal e prováveis entendimentos particulares com o população livre e branca do Rio de Janeiro, já que, na devassa, a
vice-rei; já o segundo não se furta a colaborar na devassa, apesar das presença de mulatos é insignificante e, de negros, nenhuma. Neste
"públicas moléstias" de que padecia, atacado por "afecções nervosas sentido, as investigações atingem um determinado nível de relações
hipocondríacas, e grandes perturbações da memória", conforme circunscrito às camadas urbanas que, na estrutura social da Colônia:
declara numa das várias vezes em que é ínquírído>, tinham posição intermediária entre os seus dois pólos: os grandes
Silveira Frade, que por consenso dos devassados era indivíduo proprietários rurais e a massa de trabalhadores escravos. .
de má reputação, nascera em Minas Gerais, no arraial de Raposos, Estiveram envolvidos na devassa, além dos 11 acusados, 65
comarca de Sabará; era casado, morador no Rio de Janeiro, possuía em pessoas na qualidade de testemunhas, incluindo o denunciante e o
torno de 36 anos e cumpriu, no caso dos fluminenses aprisionados em informante. Dos 65 que são chamados para depor, quarenta são
1794, o mesmo triste papel exercido por Joaquim Silvério dos Reis na portugueses (37 do continente e três ilhéus) e 23 nascidos no Brasil
Conjuração de Minas Gerais. Infiltrou-se entre os letrados, passou por (destes, 17 são do Rio de Janeiro). Quase todos são radicados no Rio
amigo, freqüentou-Ihes reuniões, penetrou no segredo de suas con- de Janeiro e moram nas freguesias da cidade, que nesta altura eram
versas, visando traí-Ios em troca de favores pessoais. Figuras como quatro: ?é, N.S.da Candelária, São José e Santa Rita.A população destas
Silvério dos Reis e Silveira Frade não eram incomuns na sociedade do freguesias, recenseadas em 1799 por iniciativa do conde de Resende,
Antigo Regime, não o foram para a Inquisição, não eram agora nesta perfazia um total de 43.376 habitantes, sem contar o contigente militar
nova conjuntura de perseguições. Na Metrópole, Pina Manique que guarnecia a cidade. Deste total, 28.390 era de homens livres e
também caçava os identificados com as idéias francesas e com a 14.980, escravos>. Os limites da cidade eram ainda mais restritos do
maçonaria, utilizando os mesmos mecanismos e promovendo a que seu atual centro comercial e financeiro, podendo ser facilmente
espionagem e a delação, métodos que, beneficiados pela tecnologia percorrida a pé, o que fazia com que os habitantes do núcleo urbano,
da era eletrônica, são recuperados e reproduzidos pelos sistemas em geral, se conhecessem, assim como os hábitos e a vida das pessoas
autoritários na nossa contemporaneidade. mais n'?táveis. E 1!-esteespaço urb~no de pequenas proporções e que,
no capítulo seguinte, veremos mais detalhadamente, que circulam as
Procedendo à devassa Procedendo à devassa

idéias, ultrapassando a discrição e privacidade de casas particu- três ilhéus, dois são açorianos (um da ilha Terceira e o outro de
lares e tornando-se públicas: nas portas das igrejas, no cais, nas S. Miguel) e um é da Madeira.
lojas e nas ruas. A distribuição sócio-profissional das testemunhas de origem
São 11 os acusados de 1794: Manuel Inácio da Silva Alvarenga, portuguesa é a seguinte:
advogado e professor régi o de retórica;] oão Marques Pinto, professor
de grego; Mariano José Pereira da Fonseca, bacharel, que recebera a Militares (5):
herança do pai e ptincipiara a estabelecer-se em negócio;] acinto] osé Ajudante de Terço (1)
da Silva, médico; Francisco Coelho Solano, que vivia dos seus bens Alferes (3)
(proprietário); Gervásio Ferreira, cirurgião; Antônio Gonçalves dos Tenente das ordenanças (1)
Santos, ourives; ] oão de Sá da Conceição, sapateiro; João da Silva Capitão de auxiliares (1)
Antunes, marceneiro; Francisco Antônio Lisboa, entalhador e José Vivendo ele seus bens (4):
Antônio de Almeida, estudante adido à Aula de Filosofia. No grupo São homens ele idade avançada
indiciado encontramos, portanto, quatro artesãos, um médico e um (51,62,75 e 80 anos).
cirurgião, dois professores régios e um estudante e apenas dois na Vivendo de seus negócios (5)
condição de proprietátios, sendo que um deles é o bacharel recém- Vivendo de sua agência (5)
formado em Coimbra. Vivendo de sua roça (1), em São Gonçalo.
É significativo observar também a faixa etária do grupo de Boticário (2)
acusados: apenas dois são muito jovens, o estudante com 21 anos e Professor de primeiras letras (1)
o bacharel com 22 (que devido à idade, menores de 25 anos, são Porteiro da Câmara (1)
acompanhados por um curador, o advogado ]oaquim]osé Suzano); Meirinho do eclesiástico (1)
fora o ourives que estava com 35 anos, os outros três artesãos haviam Serviçal assalariado (1)
ultrapassado os cinqüenta anos (51 - o entalhador, sessenta - o Agregado (1)
marceneiro e 66 - o sapateiro); o médico estava com 44 e o cirurgião Relojoeiro (1)
54; o outro proprietário, 45; os professores régios: Silva Alvarenga, 46 Marceneiro (2)
anos, no que devia ser acompanhado por Marques Pinto. E visível a Entalhador (1)
predominância, neste grupo, de homens maduros. Calafate (1)
Quanto ao estado civil, porém, apenas três dos artesã os e o Cravador (1)
cirurgião são casados, todos os outros solteiros; apesar do médico, Penteeiro (1)
solteiro, aparecer com dois filhos (naturais) criados pelo sapateiro. Os Torneiro (1)
quatro artesãos eram naturais do Reino: o entalhador, de Lisboa, o Sapateiro (1)
ourives, do POltO, o marceneiro, de Braga e o sapateiro, de Chaves; Lapielário (1)
também nascera em Portugal] oão Marques Pinto, o professor de Armaelor (1)
grego. Dos brasileiros, apenas Silva Alvarenga e o estudante não eram
fluminenses; o primeiro era de Vila Rica e o segundo de Santa Catarina.
Todos eram radicados no Rio e, fora o cirurgião, habitavam o núcleo Quanto aos naturais da Colônia (23): 17 são do Rio de]aneiro,
urbano, dadas as suas ocupações. O estudante, que estava no Rio de um de Santa Catarina, um da Vila de Macaú (sic.) , um de Pernambuco
Janeiro preparando seus estudos, era o único em situação transitória. e dois" da Colônia" (um deles é pardo e os dois são alfaiates). Somente
Vejamos, agora, o que a devassa nos informa sobre as 65 uma émulher, casada com o português penteeiro. Adistribuição sócio-
testemunhas arroladas. Destes, apenas 23 são brasileiros e dois profissional dos brasileiros é a seguinte:
franceses, enquanto os portugueses são a maioria, quarenta homens.
Quanto à procedência, há um predomínio de homens do norte de Militares (4):
Portugal, assim distribuídos: 12 do Porto, seis de Braga, três de Soldados (2)
Viana elo Minho, enquanto os outros cinco são de Penafiel, Porto Alferes (1)
ele Mós, Landim, Vila Real e São João da Foz. De outras partes Tenente (1)
elo Reino há: quatro de Lisboa, dois de Leiria e cinco de outras Negociante desta praça (1)
localidades, Coimbra, Serpa, Basto, Torres Vedras e Almada. Dos Vivendo de seus bens (2)
88 Procedendo à devassa Procedendo à devassa 89

São homens de 52 e 62 anos. verdadeiro resumo "de todo o movimento dos grêmios ilustrados no
Vivendo de sua agência (1) Rio de janeiro'?', desde o tempo do marquês de Lavradio, quando se
Solicitador de causas (1) fundou, em 1771, uma Academia Científica sob os seus auspícíos, até
Escrivão (1) 1794. Inquirido, o médico Jacinto José da Silva confirmou que
Proprietário do ofício de escrivão da Provedoria de defundos freqüentava a casa de Silva Alvarenga, como também a de outro
e ausentes. professor régio,João Manso Pereira. Com o primeiro, o médico, além
Boticário (2) da relação de amizade e do interesse nas conversações, tinha uma
Alfaiate (2) sociedade numa "fábrica de olaria". Perguntado se tinha sido membro
Marceneiro (3) de uma sociedade literária, que se reunia na casa de Silva Alvarenga,
Carpinteiro (1) respondeu:
Entalhador (2)
Seleiro (1) (...) que era verdade ter sido ele respondente membro da dita
sociedade, a qual tivera o seu nascimento no tempo em que fora
Estes dados indicam que a maioria dos arrolados como testemu- vice-rei deste Estado o marquês de Lavradio e que então se
nhas não pertenciam, com algumas exceções, às camadas mais devera à mesma a cultura do anil, e se introduzira e propagara
elevadas da hierarquia social da Colônia. Somente um português ilhéu a da coxonilha, e que, esmorecendo a mesma sociedade pela
é fidalgo cavaleiro e um negociante português possui a Ordem de ausência do referido vice-rei, se tornara a renovar, e florescer no
Cristo. Todos os demais reinóis e colonos, incluindo os acusados, não tempo do seu sucessor Luís de Vasconcelos e Sousa, e que então
possuem ordens. Fazem parte, porém, de segmentos sociais se descobrira pelos trabalhos da mesma sociedade o álcali tirado
identificados às atividades urbanas. Sobre estes homens livres é dos engastes das bananas, a extração da aguardente da raiz do
que inadvertidamente fez-se o proselitismo das "idéias france- sapé, o álcali do Mangue e outros descobrimentos úteis à
sas"; num circuito restrito, devido à presença numerosa de sociedade e ao comércio mas que igualmente pela ausência do
escra vos no Rio de Janeiro. Ocultos ficaram os demais segmen- dito vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa tornara a decair a
tos, aquela meia centena de comissários e aqueles negociantes referida Sociedade, e que finalmente tornara a mesma a tomar
citados, sem identificação dos nomes, na devassa da Conjuração calor e a florescer no tempo do atual vice-rei o Ilustríssimo e
Mineira. Não havia um plano de sedição, tudo não passava de Excelentíssimo conde de Resende mas que durara muito pouco
suspeitas e boatos, mas o clima era propício ao desenvolvimento tempo por que passados quatro meses depois do seu
da insatisfação e à insurgência. Estrangeiros; apenas dois fran- restabelecimento tomara a ser digo restabelecimento se extingui-
ceses foram arrolados, por razões óbvias: um que ensinava a ra de todo por ordem do mesmo atual vice-rei, mas que as
língua, João de Sezaron e um negociante, Jacob Munier-". conferências da sociedade nunca se celebraram na casa de
O principal acusado foi o poeta, advogado e professor régio de Manuel Inácio da Silva Alvarenga pois sempre a mesma tivera,
retórica, Manuel Inácio da SilvaAlvarenga, que pertencera à Sociedade casas alugadas para esse efeito sendo as últimas o andar inferior
Literária, fora entusiasta e verdadeiro guardião de sua sede que, nos da casa em que morava o dito Manuel Inácío>.
últimos tempos, funcionava no andar térreo do sobrado onde morava
na rua do Cano. Os autos de perguntas feitas ao poeta constituem a
peça mais longa do processo. Nas respostas de Silva Alvarenga, como , A trajetória das associações de cientistas e letrados do Rio de
na de seus companheiros, a atitude de negar as evidências será uma Janeiro, da Academia Científica à Sociedade Literária, corresponde ao
constante; não podiam permitir que as denúncias de Silveira Frade próprio movimento intelectual das Luzes na segunda metade do século
crescessem a ponto de se transformarem em provas para uma condenção. XVIII. Do conhecimento científico e de um saber eclético evoluiu-se
Por outro lado, o agrupamento de pessoas na casa de Silva Alvarenga para idéias políticas que se fundamentavam, agora, num conjunto de
não chegou a evoluir numa sociedade secreta de tipo maçônico. Talvez obras que iam sendo encontradas nas bibliotecas particulares dos
até porque o tempo, para a maturação de atitudes concretamente implicados em todas as três devassas do final do século XVIII; a
revolucionárias, tenha sido escasso. mineira, a fluminense e a baiana. O rábula Silveira Frade, que se
No depoimento do médico Jacinto José da Silva, queparece ter infiltrara nas reuniões "secretas", informalmente presididas por Silva
sido uma das mentes mais inquietas do grupo, há uma passagem, Alvarenga, afirmava ter ouvido, numa noite, "alguns discursos, em
anteriormente citada por Antônio Cândido, onde se encontra um língua francesa contra a soberania dos monarcas=". Nesta noite,
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criticara-se também a influência de certos setores da Igreja na gestão Índia uns rapazes por queixas que deles haviam feito uns frades?". O
do Estado, o que correspondia ao quadro posterior, no Reino, à professor de grego João Marques Pinto andara comentando estes fatos,
"viradeira". Silva Alvarenga, assim como seu amigo e protetor Basílio a exclamar que "um rei fazia o que que~ia sem ninsu~m .lhe ir à mão,
da Gama, permanecera fiel aos princípios e à memória do marquês de o que não devia ser, pois que logo que fizesse uma ínjusnça o deviam
Pombal, e nunca poupou críticas à interferência do clero regular na enforcar=" .
instrução pública, como bem o demonstram as duas Representações Na metrópole, estas concepções também andavam pelas lojas
que ele e João Marques Pinto dirigiram para a Coroa, em 1787 e 1793. maçônicas que a Inquisição e Pina Manique buscavam incessantemen-
Do ponto de vista formal e público, Silva Alvarenga e seus pares te, tentando bloquear a todo custo a penetração ~o pensaf!1ent~
permaneciam dentro dos parâmetros da Ilustração consentida e revolucionário em Portugal. Vitorino Magalhães Godinho, ao discutir
incorporada, na teoria e na prática, ao Estado metropolitano. Porém, o problema da mentalidade no Reino, nos séculos XVII.e ~II? já
de há muito que sua consciência começara a avançar para uma forma observara, através da literatura e dos testemunhos relativos a Vida
de pensamento não mais ajustada ao sistema. Os membros da social portuguesa, o enorme atraso de Portugal em relação à Europa
sociedade, aqueles que teimavam em se reunir a altas horas da noite, além-Pirineus, atribuindo este fato à cultura portu.§uesa, que perma-
como inúmeros outros letrados em outras partes do continente necera essencialmente nobiliárquica e eclesiástica" . Os fundamentos
americano, iam tecendo a utopia da liberdade e da autonomia; viviam, do liberalismo em Portugal iam se configurando no pensamento anti-
a distância dos grandes centros do pensamento, as inquietações do absolutista' na Colônia entretanto, a brisa da consciência do século
século filosófico. Pode-se imaginar o que significou, para estes filosófico r~força as inquietações e projeta a felicidade para um ideal
homens, os anos em que as autoridades arrastaram a devassa sobre os de identidade com a América que faz com que se vá vislumbrando a
conjurados mineiros, o quanto de angústia não habitou seus espíritos nação, enquanto um rascunho inicial, num desejo ainda nã~ definido.
ilustrados, a se verem forçados a silenciar, guardando um ódio secreto Por toda parte, no Rio de Janeiro, andara-se ouvindo dizer
às autoridades coloniais. Alguém os ouvira comentar que "os réus da "alguns discursos em favor da liberdade" e temia-se que seus autores
conjuração de Minas, porque ficaram mal ~~ramtratados por rebeldes; iludissem a muitos e se tornassem "causa de os fazer padecer?", numa
mas que se ficassem bem senam uns heróis">. referência explícita à contrapartida repressiva por par~e do Es.ta~o, o
Na quarta década do século XVIII,numa passagem do romance que toda gente temia pela lembrança da recen te repressao ao mll1elro.s.
LauiedeMartanne, escrevera Marivaux: "Bn un mot.je rn 'inquiétai, Insistia-se na possível vinda de uma armada francesa, o que fazia
je pensai, et ma premiere pensée fut de Ia tristesse, ou du chagrin=. ressurgir o tema da intervenção estrangeira que tantas vezes aparecera
Pensamento e inquietação caminharam juntos no ideárío das Luzes, no na devassa de 1789. Criticava-se também o vice-rei e, "com liberdade",
plano individual e coletivo e em todos os campos de atividade proferiam "discursos contra a l?esso~ e sovemo" ~e Resende ..Na casa
intelectual, ~a ciência,ya eruclisão, nas arte~. Tributários de segunda de Silva Alvarenga, o denunciante ínffltrado tena O1.JVldodizer que
ordem das inquietações do seculo, no OCidente europeu, alguns Resende: "não governava bem, que ficava com os dinheiros das obras
letrados coloniais viviam a utopia da liberdade numa realidade pias: que tinha interesse nas fazendas quando ~s não ~avia"47. .
social, cujas contradições básicas nem sempre perceberam, A corrupção do conde de Resende e ~emals a~ltondade~ coloni-
bloqueados que estavam pela concretude de uma existência, ais a ele ligadas não era assunto desconhecido no Rio de Janeiro, nem
onde a condição de livre e proprietário era o resultado de uma devia ser em Lisboa. Baltasar da Silva Lisboa, que não participava da
exploração do trabalho que, assentada na escravidão, bloquea- sociedade, continuava a ter, neste aspecto, disputas com o vice-rei que,
va e limitava sua percepção do mundo. t I por seu turno, também não lhe dava tréguas até consegui!" e;cpulsá-Io
Suas consciências, todavia,já não se conformavam aos obscuran- da capitania. O medo da invasão francesa não era uma hipótese sem
tismos da velha monarquia portuguesa. E por isso que testemunhas fundamento;Portugalenvolvera-se,apoiandoaEspanha,n~gu~r:ado
relatam terem ouvido, nos seus encontros, afirmações de "que o Russilhão, contra a França, o que lhe rendeu resultados ll1glo:J,?s e
nosso reino estava entregue a frades'< e que "o príncipe (d. João) posteriores ataques franceses. No ano seguinte, er:n 1794, a parttcipa-
escrevera ao arcebispo de Braga ordenando-lhe dar conta de sua ção portuguesa contra a França era comentada criticamente por este
conduta a um frade, sem confessor?", Censuravam procedimentos grupo de homens que estavam sempre a ler as gazetas e a r~ceber
deste tipo e ridicularizavam o fato de o príncipe regente ter mandado "cartínhas de Lisboa das quais sabia melhor a verdade" como afirmara
"vir água do rio Jordão para a princesa Cd. Carlota J oaquina) o médico Jacinto ao alfaiate Estácio."
conceber" 42. Criticavam o comportamento de d. João que, como sua Manuel Pereira Landim, um dos que mais colaboraram no
mãe, andava "cheio de fanatismo" e que havia "desterrado para a inquérito, afirmou que "ouvira nas escadas da igreja do Hospício uma
Procedendo à devassa Procedendo à devassa 93
92

conversa, e parando para melhor perceber viu e ouviu que o Pereira da Fonseca fora, aos 11 anos, enviado para a Metrópole
mestre de retórica Manuel Inácio" e mais outro que julgou ser um e matriculado no Real Colégio de Mafra e lá permaneceu até concluir
tal João Pedro os estudos universitários no grau de bacharel. Desenvolverá posteri-
ormente uma brilhante carreira pública, a par de seus negócios. De
todos os devassados, foi o que recebeu maiores demonstrações de
(...) falavam .sobre o socorro que de Portugal tinha passado à solidariedade de personalidades, como Domingos Vandeli, que escre-
Espanha e disseram constava de seis mil homens, mas que isto
vem para as autoridades metropolitanas, intercedendo pelo bacharel.
era uma ninhada de pintos que iam morrer todos nas mãos dos
Na lista dos livros seqüestrados, juntamente com os bens de
franceses, pois ainda que fora todo o Reino tudo era pouco para
os mesmos franceses+ Pereira da ·Fonseca, as autoridades encontraram duas obras que
chamavam imediatamente a atenção: três volumes da Histoire
Philosophique, do abade Raynal, os 4º, Sº e 9ºtomos e seis volumes da
A.França estava presente não apenas pelas idéias, mas pelos aconte- coleção completa das obras de Voltaire, os tomos Sº, 1Oº,13º, 16º, 19º
Cimentos pós-revolucionários, o que ia dando uma ceita sensação a e.22º55:Quando inquirido, responderia "que era verdade possuir os
estes homens da Colônia, de que o mundo começara a mudar e que ditos hvros do abade Raynal, mas que nunca os lera e por isso a não
aquele "bocadinho da Europa (A França revolucionária) fora criado saber o que eles continham não declarara que tinha livros que
para flagelo do resto do mundo", conforme andaram observando'". contivessem doutrinas opostas ao poder dos ditos monarcas, principal-
Na boti~a de LuísJosé da Silva, que ficava defronte da capela da mente não se podendo isto inferir do título dos mesmos lívros">.
Ordem Terceira doCarmo, costumavam se reunir alguns dos indiciados. Pereira da Fonseca estava negando as evidências; era suficientemente
Qu~ndo che~avam navios da Europa, logo em seguinda ia o jovem cultivado para saber o que os livros continham, mesmo que não os
Mariano ~ere~;a da Fonseca fazer a leitura do Correio da Europa, em houvesse lido. Encontra ainda uma outra maneira de negar as
plena botica, mostrando uma grande satisfação dos progressos que acusações, ao justificar-se incapaz de incorrer em tais equívocos, isto
os franceses faziam, louvando-os de grandes homens e de grandes é? ~braçar as idéi~s francesas, d~vido à sua condição de homem que
guerreü~os"51.Pereira da Fonseca, que se distinguiria na fase da vt..viade seus negocies e que tena a perder metendo-se em conspira-
formação do Estado nacional brasileiro e seria agraciado com o título çoes. Um excelente momento de Pereira da Fonseca é o da sua
de marquês de Maricá}~etornara rapidamente para o Brasil, após a sua acareação com o denunciante Silveira Frade; desvia a atenção das
formatura em rnaternátícas e filosofia pela Universidade de Coimbra acusações feitas por este e passa a acusá-l o de agir com má fé e ser
devido à morte de seu pai, que era negociante no Rio de Janeiro:
Voltara à sua terra natal há pouco tempo, tendo imediatamente (...) um homem de muito má consciência porquanto tinha
estabelecido estreitas ligações com o poeta Silva Alvarenga e alguns· passado algumas quaresmas sem se confessar, que havia casado
outros letrados da cidade. com uma parenta sua sem dispensa, que havia prestado um
O entusiasmo da juventude, a interrupção de sua permanência jura~nent<?falso no Ju.ízo da Ouvidoria do Crime segundo tinha
na Europa e a perspectiva de morar numa cidade "tão falha de OUVidodizer e que tinha SIdo preso na fortaleza de Lage por
divertimentos", teriam levado Mariano José Pereira da Fonseca a suspeita de ter parte na conjuração de Minas, que além disso era
incentivar o já maduro professor de retórica a reativar mais uma vez um homem maldizente, de ânimo vingativo, e que por vingança
a sociedade literária, para "que se pudessem entret~r as gentes d~ viera jurar contra Manuel Inácio da Silva".
letras">'. ~e todos os envolvidos na devassa, era o jovem bacharel
quem trazia da Europa não apenas notícias, que continuavam chegan-
do através de periódicos, mas espírito recentemente aguçado pelo que Pereira da Fonseca fez estas afirmações tendo diante de si a figura
testemunhara, apesar de estar em Portugal, no resto do continente. Tal medíocre do denunciante; inteligentemente, o jovem bacharel procu-
era a fo~ça da Revol~ção. que n~m os Pirine~s, nem a rigidez da polícia rava reduzir a força das acusações, lançando a suspeita sobre o
absol~ti~~a conseguiarn impedir que, tambem nas capitais da Penínsu- denunciante e indicando outras pessoas para confirmar o que dizia.
la, as idéias e os fatos fossem ficando cada vez mais conhecidos=. Ao lado das críticas ao absolutismo, o outro tema que assume
Alguns homens, letrados principalmente, haviam saído da Península ~ran9~ rele,vân~ia_eque)á i0dicamos anteriormente é o que se refere
Ibérica e, dotados de idéias avançadas e admiradores da Revolução, as críticas a religião, principalmente aos frades, o que explicaria a
transla~aram-se para ~ França, onde produziam a "propaganda" que presença como denunciante anônimo deum franciscano chamado frei
era enviada a seus países". . Raimundo. Antônio Cândido chamou-nos a atenção para o fato de que
Procedendo à devassa Procedendo à devassa 95

"podemos considerar esta circunstância verdadeiro símbolo da com- lndex librc;Jrump~ohibitorum em 26 de janeiro de 1795, coincidente-
mente apos a pnsao dc;sletrados do Rio, sendo que Pereira da Fonseca,
fazia das ordens religiosas verdadeiros árbitros intelectuais't".
poderia ter levado o frade, identificado por A. J. Lacombe como o
°
pe~ição entre a cultura filosófica do século e a tradição fradesca, que
que ~eu admirador, pOSSUladesta obra um exemplar que foi seqüestrado
junto com a sua biblioteca".
custódio da Providência Franciscana, a colaborar com o vice-rei, não Entre os indiciados na devassa, cinco, como vimos, são portugue-
deve ter sido apenas a sua rígida posição colonialista, nem mesmo a ses; deste~, somen~e o professor de grego, João Marques Pinto,
afron!a de alguns versos satíricos que imputavam a Silva Alvarenga; pertence a categona dos 'letrados. Os outros quatro são homens
aL~tonaque ele, naturalmente, negava. Nos seus depoimentos, Alvarenga c0f!1uns que yivem de seus ofícios. Um deles, provavelmente o que
afirmava conhecer os sonetos porque os haviam colocado por baixo m~ls ~e entusiasmava com a~idéias e as novidades vindas da Europa,
de sua porta e que mostravam ser feitos por mais de uma pessoa. fOI vlst<;?algumas v~zes discorrendo, "com grande paixão pela
. .0nzere.ligi<?sosdoconventodeSantoAntôniodoRiodeJaneiro, ~"evoluçaofrancesa, dizendo que o que aquela nação tinha obrado era
incluindo frei Raimundo Penaforte da Anunciação, haviam assistido justo e b(~m".64,e foi até agr~~ido fis~camente pelas opiniões, que
espiritualmente os inconfidentes mineiros, na prisão, e conduzido o tornava publicas, sobre as praticas políticas e militares dos franceses.
Alferes até o patíbul059; há quem atribua a frei Raimundo o papel do Este homem era o ourives Antônio Gonçalves dos Santos, natural do
confessor de Tiradentes - o mesmo que teria deixado um relato de seus Porto, e a qL!em cha!TIava~ de "o passageiro bonito". Neste ponto,
últimos momentos. As disputas, entretanto, com os membros da tornava-se ainda mais pel:lgosa a circulação das idéias e notícias da
Sociedade Literária, pass.ari~m pelo fato de o.religioso franciscano ser Europa fran~esa,. n~ medida ~m que não se restringiam apenas às
o tradutor de uma obra italiana de Marchettí contra o padre Antônio conv~rsas e a cU:I~sldade d~s .mtelectu:-i~,mas c0n;.eçavam a atingir,
Per~ira. de Figueir~do, um dos sust~ntáculos do regalismo português. tambem na Col0111a,aos oficiais meca111COSe artifices, base social
Fr~~Raimundo tena acrescentado a obra traduzida algumas notas de fundamental, na Europa, para a estruturação de uma nova ordem
critica pesada contra o mesmo padre Pereira e contra o seu patrono, econômica e social.
o marquês de Pombal. Isto teria motivado nos membros da Sociedade Dos ~n~electu.aisenvolvidos no suposto embrião de conspiração,
L~terária,amigos de Basílio da Gama (pombalista fervoroso, como o era Man\lel Inácio ~aSilvaAl~arenga fOI,sem dúvida, a figura exponencial.
Silva Alvarenga), a perpetrarem os sonetos que ridicularizavam Nascido eJ? Minas 9'~rals, I?r<?vaveh:nenteem 1749, era de origem
publicamnte o francíscano". No ano anterior à prisão dos devassados mo~esta, fIlho?o ml.!,slcoInácio da Silva e de uma negra=. Veio para
de 1794, Silva Alvarenga e Marques Pinto haviam representado para a o Rio ~e Janelro~ ~ao se sabe quando, completar os estudos de
rainha contra a interferência dos religiosos no ensino da mocidade do hur:na111?ades e VIaJOU,em 1771, para o Reino, matriculando-se na
~o, cc:mo /an~eriormente i0.dicamos. As reformas pombalinas de Universidade de Coimbra, onde se formou em Cânones no ano de
instrução pública e a expulsao da Campanhia de Jesus afastaram os 1776. Esteve algum tempo em Lisboa, onde gozou da estima do meio
jesuítas, que anteriormente possuíam um verdadeiro monopólio da Ilustrado e dos círculos pombalinos através do patrício Basílio da
transmissão do saber, substituindo-os pelas aulas régias e por escolas Gama, a quem muito se ligou. Sua formação universitária e suas
que, principalmente na Colônia, não conseguiram (dado o seu caráter primeir~s experiências literári.as foran: marcadas pelo "tempo de
e.mbrionário) lai~~za.ra educação. ° ensino mantinha-se quase exclu-
sívamente eclesiástico, como veremos adiante e saíra das mãos
P~mbal , pelas reformas que introduziram os "estrangeirados" no
r~mado de d. José I, na limitada vida cultural portuguesa. Escr~veu
jesuítícas para as dos padres seculares e dos fr~des franciscanos e ?ilva Alvarenga poemas dedicados à política pombalina de atualização
carmelitas, seus naturais continuadores, corno a porção mais letrada da intelectual de Portugal. Dentre estes, o mais conhecido é o poema "O
sociedade colonial, como apropriadamente observou Fernando de desertor das Letras", de 1774, publicado a expensas do marquês de
Azeve~o~l. E importante atentar, entretanto, que, desde 1723, exigia- Pombal=, contra a vontade do autor, qua ainda não terminara de
se certidão, p~ssada pelos professores régios, para constar da sufici- corrigi-lo. Voltou à Colônia com a patente de capitão-mor de milícias
ente cultura intelectual dos que se candidata vam à ordem dos dos homens pardos de sua comarca natal onde se estabeleceu como
franciscanos, o que se limitava, então, aos rudimentos do saber advoga~o e ensinava, gratuitamente, retó;ica aos jovens mineiros. Em
gramatical e um pouco de latírn". 17~2?vero para o Rio de Janeiro provido para a cadeira de retórica e
. / ~o confronto d~ posições ideológicas entre os próprios religio- poetíca, 'por onde passariam, como seus discípulos, homens que se
sos, e interessante venficar que o principal escrito doutrinário do Padre destacariam nas letras e na vida pública no alvorecer do século XIX:
Antônio Pereira de Figueiredo, a Análise da profissão de fé do Santo os futuros cônego Januário da Cunha Barbosa frei Rodovalho frei
Padre Pio Iv, publicada em Lisboa, no ano de 1794, foi incluída no Francisco do Monte Alverne e frei São Carlos, entre outros. Ensin~~do
Procedendo à devassa
Procedendo à devassa 97

e advogando, como observou Antônio ~ândido, "?esempenhou a alçada que julgou a conspiração dos mineiros, onde atua com gl~ande
papel ímportantíssimo na formação da mocidade, cultivo das letras e rigor e distanciamento, cumprindo, de maneira dura, a sua funçao de
difusão das idéias modernas'F. agente da justiça do poder absoluto.
Na devassa, aberta em 1794, este mulato brasileiro, que ultrapas- Na Arcádia Lusitana, Cruz e Silva era o Elpino Nonacriense. Sua
sara os limites espaciais da Col~nia na. b~lsca do saber, c~~o t,an~os obra poética, apesar de extensa, só seria publicada após a sua morte,
outros jovens, ultrapassara tambem os limites ql:le~ua ~ondiçao et~11~a como aconteceu com os seus principais confrades, mas circulou
geralmente impunha, numa socie~ade onde a.vlo~er:cla~a escravidão através de cópias manuscritas nos meios literários que Ireqüentou.
negra fazia-se acompanhar do rac2smo <:da dlsC111}1!naçao; apesar de Ironicamente, seria contra uma sociedade de poetas e letrados que
que, enquanto colonial, a formação social da ~enca portuguesa se teria que dirigir a devassa que de 1794 se alongaria até 1797, sem
afastara dos princípios de estratificação da Sociedade de Ordens. Na condenar ninguém; não por clemência do conde de Resen~e ou
Colônia, o princípio de estratíficação social fundamental e~a c!ado pela interferência do poeta desembargador, mas por deterrninação da
escravidão, o que redefinia as r_elaç~es,c~i~~douma ~speclficldade em Coroa, que atendia às súplicas de outros letrados, como Domingos
relação à metrópole. Aformaçao umversl~al1aem Coimbra, c~ltamente Vandelli que intercedera, repetidas vezes, por Mariano j osé Perei ra da
o embranquecera para a estrutura social e, ernbranquecída t~lv<:z Fonseca, junto ao ministro do Ultramar?".
estivesse, também, a sua consiciência; limites que o tempo e a propna Ambos os poetas, o acusado e o representante da lei, identifica-
estrutura social impunham. . . ram-se com o regime pombalino, como aconteceu com outros contem-
Silva Alvarenga que, como os demais acusados, fical1a.pr~so porâneos: Garção, Reis Quita e o já citado Basílio da Gama, No foeta
durante mais dois anos, parece ter sido o mais profundamente atingido português é possível encontrar o esboço de um realismo socia que,
pelos constrangim~ntos da prisão, d~vido à suasen.sib~li.dade agusada, atravessado pelas convenções mitológicas, acaba por consumar-se
seu envolvimento intelectual e afetívo com o meio físICOe social da num poema herói-cômico de sátira iluminista, o Hissope, onde faz.uma
Colônia. Sua produção escrita caiu após a prisão, talvez porautocensura, crítica anticlerical e revela alguns aspectos grotescos elo feudalismo
mas continuou a advogar e a ensinar até a sua morte, em 1814. Quando português". O Brasil também es!á pres~nte naobr~do árcacle lusitano,
morreu conservando o seu estado civil de solteiro, legou, em herança nas suas doze Metamorfoses, nao a paisagem social, que Cruz e SIlva
de Jetr;do pobre, a sua "livraria" à mulher que o acompanhava, a . desprezava, como, de resto, muitos dos funcionários reinóis, mas a
"preta" joaquina, sua testarnenteira'". . _ paisagem natural, apreendida de maneira idílica, transpond? para
Poeta, Silva Alvarenga teria que se defrontar, em 1794, ~a posl~a~ enredos mitológicos os elementos da natureza: a cascata da Tijuca, a
humilhante de prisioneiro e acusado',com outro poeta, Anton~<?D1I11S árvore cauí, a flor do manacá, a ave beija-flor, o monte Macué e
da Cruz e Silva como ele também árcade; mas que personifica, na passarinho bem-te-vi e outros aspectos da mesm~ ordem Tl., ~anuel
devassa, o Est~do metro'politano, nas fuE1ções de presidente. do Inácio da Silva Alvarenga não estava fora desta paisagem, fazia parte
Tribunal da Relação,a quem cabe a conduçao da devassa. Como Silva dela, e de uma especificidade que prenunciava a construção de uma
Alvarenga, Cruz e Silva também possuía origem mod~sta, nascido de nova identidade, A Ilustração não seria vivida por ele apenas no
gente elopovo de Lisboa, ~m 1731,Estudou nos,<?~atonanos e formou- aspecto formal e sim, através deuma atividade intelectual, a que dana
se em direito pela Universidade de Coimbra. FOIJUIZ de fora em Castelo um sentido de sacrifício, condizente com os princípios ilustrados". Era
eleViele(1759) e juiz auditor militar em Elvas (1764), ondep~rmar:eceu o outro lado da questão: o intelectual metropolitano, ajusta~o ao
por dez anos. Como falhara a tentativa de restaurar a Arcádia Lusitana, sistema, descaía de sua grandeza, enquanto poeta, para personificar a
participou da Academia dos Aplicad?s_Eborenses, onde os letrados e reação, igualando-se aos títeres como Resende; o brasileiro mulato,
oficiais de Elvas reuniam-se, no sotao do Falcato, a casa de um Silva Alvarenga, superava sua condição secundária n_aMetr~pole para
ouvídor'". Em Lisboa, freqüentou o mesmo ambiente literário de tornar-se, em sua terra, "mestre de liberdade e razao aos Jovens do
Basílio da Gama e Silva Alvarenga, onde circulavam aqueles que país, filósofo coerente com a ética intelectual do século, segundo a
exaltavam o marquês de Pombal, e escreve a comédia Ofalso heroismo, qual o pensamento, havendo encontrado a verdade, procura difundi-
onde ridiculariza a importância que se dava à genealogia e às vaidades Ia na vida dos homens'?'.
daí decorrentes. Manuel Inácio da Silva Alvarenga cumpria, no Rio de Janeiro da
Entre os anos ele 1776 e 1789, Cruz e Silva já exercera as funções última década do século XVIII,o difíci.lpapel ~e difusor das Luzes; pelo
de desembargador do Rio de janeiro, de onde é transferido para o qual pagaria elevado preço, ao garantir o func!onamer:to c~ Sociedade
POltO.Na metrópole, sua permanência é muito rápida e, em 1?90, já Literária no segredo de sua casa, mesmo apos as proibições do vice-
estará de volta à Colônia, para fazer parte dos 12 juizes que constituem rei. Arriscara, com isto, a sua liberdade e privara-se da atividade que
Procedendo à devassa Procedendo à devassa

visivelmente mais prezava, a de professor de retórica e poética. Na a verdade da ciência. Não queriam esquecer "as matérias que em
juventude, influenciado por Basílio da Gama, celebrara a reforma da outros países haviam aprendido", isto é, não queriam perder-se,
universidade ao escrever o Desertordas Ietras, em 1774, manifestando abandonados no espaço colonial, nem sucumbir à brutalidade do
uma confiança no poder da ciência e da difusão do saber, a que seria meio. Coerentes com o espírito das Luzes, reuniam-se para "adiantar
fiel por toda a vida. Antônio Cândido, ao examinar este momento da os seus conhecimentos", não apenas no campo das ciências da
criação de Silva Alvarenga destacou a forma como a Verdade aparece, natureza, mas também da política e dos assuntos públicos em geral.
em sonho, ao herói no Canto IV,desdobrada nas ciências. Estas seriam O artigo 24º dos Estatutos da Sociedade Literária, de 1786,
a melhor expressão da verdade, e a melhor evidência da confiança estabelecia como "primeiro alvo da sociedade o repartirmos mutua-
depositada pelo poeta na eficácia da nova ordem mental, onde a razão mente as nossas luzes científicas; para com igual interesse entramos em
é o grande objeto e alvo permanente a atingir: marcha pela nova carreira, que o nosso amor, pela.s ciências, e o bem
de nosso país inspira'?". Ao longo cio século XVIII, aqueles que
(...) verás como se eleva praticavam as atividades do espírito vão tomando consciência de uma
Do meu nascente império a nova glória. responsabilidade individual e coletiva diante de seu país em particular
Esses muros, que a pérfida ignorância e da humanidade em geral. Inicialmente, literatos e juristas são os que
Infamou temerária com seus erros, vão se agrupando em associações de diversos tipos, para confrontar
Cobertos hão de ser em poucos dias seus pontos de vista; já na segunda metade do século, porém, verifica-
Com eternos sinais de meus triunfos. se a emergência dos homens da ciência e da técnica (médicos,
Eu sou quem de intricados labirintos cirurgiões, engenheiros, agrônomos, etc.). Aimagem do "homem de
Pôs em salvo a razão, ilesa e pura>. letras" afastado dos problemas da sociedade humana vai dando lugar
à do intelectual que assume a difusão do saber como uma nova forma
de sacerdócio. E neste sentido que os intelectuais elas Luzes vão se
Preso na fortaleza da Conceição, Silva Alvarenga defron- tornando Uma espécie de clero elo mundo laicizado". Distantes dos
tou-se em 4 de julho de 1795, com o desembargador Antônio centros culturais onde estudaram, os letrados da América portuguesa
Diniz da Cruz e Silva que, após ouvi-l o responder sobre a exis- buscaram instaurar os princípios da razão no interior da Sociedade
tência da sociedade desde os tempos do vice-rei Luís de Vascon- Literária. Para tànto, o Estatuto de 1786 previa que a escolha das
celos e Sousa, pergunta-lhe "qual era o fim a que a mesma matérias a serem tratadas deveria tomar em consideração "sua maior
sociedade se tinha proposto, se era só a instrução e adiantamen- utilidade" e "mais próximo proveito?".
to dos sócios, ou se também se interessava nela e felicidade Os estatutos estabeleciam "escrupuloso silêncio" e discrição nas
públicat". A esta pergunta, Silva Alvarenga respondeu: matérias pertencentes à religião cristã. Quanto à política, o artigo 3] º
determinava que:
(...)que o objeto principal era não esquecerem os seus sócios as
matérias que em outros países haviam aprendido antes pelo Da mesma SOlteserão prescritos da sociedade todos os assuntos,
contrário adiantar os seus conhecimentos, mas que em conse- cuja discussão tender a disputar sobre a Constituição Política ela
qüência disto vinha também o interesse público pois que sendo nossa pátria e nação; por serem as matérias de governo inteira-
a maior parte dos seus sócios médicos, pelas ditas conferências mente alheias elo nosso plano; e no caso de que por algum fato
adiantavam as suas luzes e se dispunham para com mais acerto histórico convenha fazer-se alguma reflexão, será esta com o
curarem os enfermos além de outros conhecimentos sobre os comedimento digno de uns vassalos, que impõem a obrigação
diversos Reinos da Natureza que nas mesmas conferências de serem iluminados em seus deveres".
adquiriam os seus sócios, e de que poderia vir a resultar utilidade
ao público".
Enquanto resultado da Ilustração, a Sociedade Literária, ao restringir
o debate no campo da religião e da política, não se distanciava de seu
As respostas de Silva Alvarenga, embora cautelosas, permitem programa racionalista, já que a Ilustração, como observou Norman
identificar uma admirável firmeza ao definir o padrão ilustrado da Hampson, "não era essencialmente um movimento político, a não ser
Sociedade Literária; seu caráter de centro de estudos vinculado ao no sentido em que o anticlericalismo se assemelhava vagamente a um
saber contemporâneo, seu compromisso com a universalidade e com programa político'P.
100 Procedendo à devassa
Procedendo à devassa 101

A formação intelectual dos membros da Sociedade, conforme


veremos adiante com mais detalhes, havia sido marcada de maneira Repeli se,mpre todos os _clubes e sociedades, assim particulares
indelével pelas reformas que Pombal realizara em Portugal, tentando como publicas, que nao tivessem o selo da aprovação do
atualizá-lo com o resto da Europa e eliminar a defasagem entre a sua Governo: esta regra elementar de Polícia, energicamente reco-
cultura e o movimento intelectual dos grandes centros. Desta forma- mendada em todas as constituições das na~ões mais civilizadas
ção, pagaria eterno tributo a geração de SilvaAlvarenga. Nos estatutos, e ainda daquelas que se dizem tolerantes . '
dois itens são a expressão mais evidente deste tributo, na medida em
q~e e~tabe!e~em que:. "o dia 6 de junho será contemplado, como o
dia arnversano da Sociedade: para que por este modo se conserve a Pina Manique, que ocupou as funções de intendente de Polícia
saudosa e respeitosa memória pelo nome do augustíssimo senhor D. atraves~ando reinados, tinha consciência de que a sua atuação
J~SEPH 1º, o restaurador das Boas Letras em Portugal" C36º); e repressiva fora fundamental na garantia da "tranqüilidade e fidelidade
"Igualmente procurará a Sociedade solenizar o Dia dos Felicíssimos c?r!1 que se tem ~antido a nação portuguesa incólume da epidemia
Anos de S.Majestade, que Deus guarde C37º)" 83. CIvIle moral que Igu~lment~ infecta ? sacerdócio e o império?".
Quanto ao primeiro, revela-se a fidelidade àquele momento funda- O chscurso de Pl11aManrque, nofinal do setecentismo português,
mental da História Cultural do Reino; será referindo-se a estes tempos e às configura. na sua. dimensão repressiva a atitude ideológica do Estado
reformas do reinado de d.josé I que os professores régios de humanidades me~ropohtano diante da Revolução a que o embaixador lusitano em
le~ti!narão j~111tOà rai~a suas súplicas quanto ao estado da instrução Pan~ chan~ara, em 1791, de "geral". As próprias expressões usadas por
pública 00 ruo de Janeiro. No segundo, paga-se o tributo ao despotismo, Mamque sao reveladoras deum comportamento comum aos estadistas
reverenciando formalmente a figura da rainha; cuidado necessário para e aos. ~gentes policiais da contra-revolução. Os administradores
afastar, da Sociedade, qualquer estigma de maldição diante do poder. coloniais, como Resende, cumpriam no Ultramar as funções destes,
assumindo o papel de "polícia política", identificando "faíscas" e
exel:c~nd~ uma ação preventiva. A repressão aos intelectuais na
C,olonl,~nao era, por con~eguinte, uma ação isolada. O "espírito do
seculo .' como revela Manrque, soprava suas faíscas por toda parte, o
3.2 ANTES SOLTAR DO QUE EXPOR que faZiatemero avanço da hídra revolucionária, o que atestava a crise
do sistema, nesta altura, um processo irreversível.
Entre os papéis seqüestrados ao poeta Manuel Inácio da Silva
Em Portugal, a situação na mesma década de 1790 também era de Alvarenga, nO,at.ode sua prisão, foram encontrados os apontamentos
repressão às associações de toda ordem que pudessem ameaçar a para uma espécie de estatutos secretos da Sociedade Literária do ruo
de Janeiro, escritos com a sua letra, o que torna incontestável a sua
I~rej~ e o ~stad~. ~ina Manique, na ~etrópole, acreditava na coinci-
dência do jacobinismo e da maçonana e via como uma luta única a autoria". Vejamos o que contém:
perseguição às "idéias francesas" e às sociedades secretas, já que
ambas punham em risco a ordem social e política do Reino". O 1. A boa fé, e o segredo, de modo que ninguém saiba do que se
intendente geral de Polícia, no final da década, escrevendo ao marquês tratou na Sociedade.
de Ponte de Lima, referindo-se à sua atuação, dirá: 2. Não deve haver superioridade alguma nesta Sociedade e será
diriaída igualmente por modo democrático. '
3. O objeto principal será a Filosofia em toda a sua extensão no
c.=umpreao meu cargo ~ ao desempenho ?a minha responsabi- que se compreende tudo quanto pode ser interessante ..
lidade o apagar na ongem qualquer faisca de sedição que, 4. Não se trabalhará somente sobre matérias novas' mas sobre as
soprada pelo espírito do sécufo, possa atear a faísca revolucio- já havidas; porque será útil conservar, e renovar as idéias
nária que, nestes tempos calamitosos, ou tem assolado ou adquiridas, e comunicá-Ias aos que tiverem falta desses
comprometido a segurança dos estados": conhecimentos.
5. Aquele que escrever alguma memória a apresentará à Socie-
dade; sem que antes, nem depois a comunique a pessoa
Pina Manique considerava, nesta altura, como "principal objeto do alguma; exceto quanto amesmaSociedade julgue que se deve
magistrado de Polícia" reprimira tolerância, assim civil como religiosa", pôr em prática por utilidade pública.
e, ao recuperar sua prática anterior, revela: 6. Para ser admitido qualquer novo sócio, deve preceder boa
Procedendo à devassa 103
102 Procedendo à devassa

informação da sua probidade, segredo, e aplicação; de sorte eleições e rotatividade na ocupação dos cargos de direção. "Não deve
que se possa esperar utilidade (Ia sua companhia, e será hav~r s,!penondade alguma", escrevera o poeta neste esboço, que
recebido por pluralidade de votos. dev;ta nao apenas corresponder ao plano de reformulação daquela
7. Deve haver um Secretário anual, e este guardará a chave do socle?age de letrados, mas a seus ideais de liberdade e igualdade. Em
Cofre, onde ficarão as memórias, e tudo o mais que pertencer sua biblioteca foram encontrados livros proibidos como a "História
à Sociedade'", do abade Rainal (sic)" e os "Direitos do cidadão, do abade Mably"
obras qu~ não tinham "outro objeto mais que destruir, e arruinar as
Interrogado sobre este esboço, Silva Alvarenga inicialmente m~narqUlas,~. ~stabelecer o governo republicano"?', como afirma Cruz
n~garia ser o autor e tentaria, no depoimento seguinte, desculpar-se, e Silva ao argüi-lo na fortaleza da Conceição. Da mesma forma como
afirmando: que não compreendera bem a questão, que não pretendera agiu Mariano José Pereira da Fonseca, o poeta negou ter lido as obras
escrever nen~l~lm projeto_de estatutos, e que atribuía os equívocos de encontrad~s em sua casa, o que no seu caso, com certeza, não era
sua resposta a perturbação em que se acha um preso interrogado em verdade. Silva Alvarenga também negaria conhecer o conteúdo das
ato de perguntas junto com o longo tempo que tem tanscorrído"?', n?tícias dos ".Mercúrios" que um viajante inglês lhe fornecera,
Negaras evidências, no caso deSilvaAlvarengaedosdemaisacusado s, afirmando ter lido apenas as poesias que continham.
fazia parte de um mecanismo psicológico de defesa, para ir ganhando Outro elemento significativo, encontrado nos documentos
te_mpo até que fosse mentalmente armada uma resposta que, mesmo apensados à devassa, é o texto de uma oração, feita e recitada em
nao correspondendo às evidências, não pudesse também ser classifi- outt.!b~o de 179~, por um aluno de Silva Alvarenga, chamado José
cada como uma mentira primária. Nas condições em que se achava, Ant011l0de Almeida. O professortentaria inocentar o aluno natural de
posto na prisão, humilhado diante do desembargador Cruz e Silva, o Santa Catarina, afirmando que, pela sua idade e experiênci~ intelectu-
poeta "ultramarino" não podia agir com ironia, nem deixar que a al, não possuía os pré-requisitos para ser o autor. Nas suas aulas de
supelioridade da sua inteligência e a própria grandeza do seu espírito :etórica, entretanto, não iria certamente distanciar-se o poeta da cultura
o fizessem perder-se nas malhas e nos ardis do interrogatório, onde !lu~tr.ada de ~e~ tempo, nel}l de se seus temas polêmicos; mestre de
tudo conspirava contra ele. retonca e poetíca, ele tambem o fora, como quer Antônio Cândido -
Os estatutos de 1786 revelavam a presença do espírito ilustrado mestre de "liberdade e razão".
ajustado ao sistema, dentro dos parâmetros ideológicos consentidos Em fevereiro de 1797, ainda permaneciam presos os acusados de
pelo Absolutismo. Continham os ideais de difusão das Luzes e a 1794, sem 9.ue uma soluç~o Iosse d~da ao seu caso. D. Rod~igo de
valorização do saber científico, mas permaneciam dentro de limites Sousa Coutinho, que substituíra Martinho de MeIo e Castro apos a sua
que vedavam tratar de assuntos referentes à religião ou à política do f1!.orte,~as fiJ~ções de ~inistr.o ~a Marinha e Ultramar, escreve para o
Estado. O esboço de estatt.lto~, encontrado entre os papéis de Silva vice-rei no Ri~ ?e janeíro ~xlgl11douma definição que desse fim ao
Alvarenga, contudo, estava informado por elementos que o estatuto processo. Certificava o ministro a Resende que continuavam a chegar
anterior aparentemente desconhecia. O professor de retórica certa- a presença de Sua Majestade queixas de Mariano José. Pereira de
mente os redigira para a nova fase da agremíação, mas não parece FC;mse~a"sobre a longa prisão que ele e vários outros, que se julgaram
constituir texto para ser tornado público e ter que passar pelo exame cumphc:es do mesmo delito,têm sofrido nesta cidade" 92. Domingos
e consentimento do vice-rei. Vandelli e outras l?ersonahdades na Metrópole também vinham
O texto elaborado por Silva Alvarenga possuía outras caracterís- intercedendo Junto a COIte desde o ano anterior 93. Transmitia ainda
ticas que o distinguiam dos estatutos anteriores da Sociedade. Dois o ministro ao vice-Eei que a rainha determinara que ele, Resende, caso
aspectos, principalmente, redefiniam o seu espírito: o caráter secreto entendesse que nao se deveria soltar os presos, os remetesse para a
que deveria revestir suas atividades e o caráter democrático na forma COI~eJu~tamente com os autos, contendo a relação dos seus crimes;
de conduzi-Ia. Secretos seriam os temas tratados e as memórias porem, achando, como era de esperar, que eles estavam suficiente-
apresentadas, que o Secretário guardaria num cofre; a entrada de um mente castigados com a prisão, os mandasse pôr em liberdade" 94.
novo sócio também passava pela informação a respeito da sua ~esenae c0f!1preend~u, de imediato, o significado das ordens
"proibidade, segredo e aplicação". Estes itens, referentes ao caráter que vinham de Lisboa. Nao o desautorizavam, mandando que os
sigiloso do novo grêmio, poderiam fazer supor alguma aproximação libertasse sumariamente, mas exigiam que se definisse diante do caso,
com o modelo maçônico de sociedade secreta, o que não se consegue sustentando a culpa dos prisioneiros ou libertando-os na ausência de
comprovar na documentação. Já o caráter democrático, apontado no provas sufi~ientes. Deixavam-lhe um quadro fechado, porque de
item dois, eliminava qualquer tipo de hierarquia interna e pressupunha agora em diante, caso os considerasse culpados, perderia o controle
104 Procedendo à devassa
Procedendo à devassa 105

do processo, já que eles deveriam ser remetidos para Lisboa acompa-


nhados da documentação processual correspondente. Provocado o faria sair deste continente, isto é, os mandaria para um exílio fora da
impasse, R~sende fOIbuscar no chanceler da Relação, Antônio Dinis América pOltugu~sa, diante do, seu caráter de suspeitosos, E de fato,
da Cruz e Stlva,os elementos de apoi o para a sua decisão. Sua resposta ~ruz e ?Ilva devia saber perfeitamente a origem dos postulados
ao rrurustro serra acompanhada do parecer do desembargador, docu- inventariados pelo aluno de Silva Alvarenga e que podiam ser
mento que setornana uma peça bastante reveladora do comportamen- encontrados na literatura proibida dos teóricos da liberdade no século
to destes representantes do poder nesta conjuntura. filosófico como em Rousseau que, na abertura do capítulo 1º do
? árcad~ lusitano Cruz e Silva, que cantava em versos a conquista Contrato social, escrevera: "O homem nasce livre, e por toda a parte
colonial da cidade numa ode a Mern de Sá, e que reverenciara as encontra-se a ferros"?"
belezas da Tijuca, "d,? Brasil formosa ninfa"?', revela-se neste parecer, A mesma atitude tem Cruz e Silva diante dos demais acusados
dotado de grande rigidez, chamando os membros da Sociedade afirmando as provas existentes, como se não estivesse muito certo d~
Literária de "presos de inconfidência", embora afirme que "contra ausência de culpa dos condenados, e também tentando eximir-se de
nenhum dos mesmos presos se diz, ou prova, que eles entrassem no responsabilidades futuras, As idéias enumeradas pelo aluno de Silva
projeto de conspiração". Acrescenta, então, o desernbargador que Alvarenga, ele mesmo identifica como extraídas de algum livro
"toda a culpa que se lhes imputa, e que contra alguns se prova", é "a supondo principalmente que fosse de uma obra do abade Mably:
de su~tentare:m em conversações, ou particulares ou públicas, que os Percebe, entretanto, que na Metrópole desconfiavam da eficácia desta
rel.s sao un.s tiranos ?pr.essores dos vassalos, e outras sempre detestá- ação repressiva na Colônia porque todas as informações sobre a
vers, e perigosas, principalmente na conjuntura presente'<. devassa haviam sido transmitidas pelo vice-rei para Lisboa, Percebia
Passa então a examinar a situação dos acusados' referindo-se também Cruz e Silva que as ordens de Lisboa eram o resultado de
inicialmente a Silva Alvarenga, ao médico Jacinto José da Silva e a pressõ~s feitas t=:0ramisosdos presos junto ao ministro, Principalrnen-
Mariano josé Pereira da Fonseca, afirmando que o vice-rei "os deve te Mana~10 Jose Pereira da Fonseca, dada a sua condição social,
mandar soltar, SeIT1maior hesitação, pois contra estes não há prova na conseguira chamar a atençã,? par~ o despotismo loc:al do vice-rei,
devassa"'J7:Porén:, a~ el1L!meraros ~Iados relativos aos três, afirma que O parecer ,de Cruz e SIlva e cauteloso e ambíguo, ao mesmo
o denunciante Silveira Frade continuara a sustentar as acusações e tempo em que diz concordar com a libertação dos presos, já razoavel-
chama a atenção para as contradições do "mencionado professor de m~nte punidos pela retenção ao cárcere por mais de dois anos, não
retórica" durante os interrrogatórios, destacando o fato de se acharem deixa de enumerar suas faltas, reiterando-as, para que fique bem claro
na livraria do poeta "alguns livros, que a sã política detesta e entre eles que a libertação era de responsabilidade da Coroa, que não via mais
o perniciosissimo que tem por título Direitos do cidadão, do abade razão para mantê-los presos, e que fatalmente os libertaria, na
Ma~ly, que o mesmo professor, contra toda a verosimi1hança, negou ~etrópole, caso o ~ice-rei teimasse em enviá-los para Lisboa, Cruz e
ter lido". Cruz e Silva prossegue, citando que se arrolara, contra Silva SIlva desenvolve ainda no Parecer seus cuidados com o possível
Alvarenga, uma oração, recitada por um aluno, onde se achavam as transporte dos presos para a COIte, caso fosse esta a decisão final do
seguintes proposições: cor:de de Resende; a ambiguidade de sua resposta evidencia-se ainda
mais nesta passagem, onde acrescenta que:
(...) que nenhum homem deve sujeitara sua liberdade aos rigores
de outro homem seu semelhante; que é extraordinária a vileza C.) s~gundo a crise em que atualmente se acham os negócios
e fraqueza de espírito daquele que chega a submeter-se inteira- públicos d~ Europa, me parece mais prudente e útil ao serviço
mente às disposições de outro homem, devendo considerar que de Sua Majestade escolher antes o soltar os presos, ainda que,
o mesmo que pretende oprimir e abater não recebeu do Criador contra a esperança de Sua Majestade, não estivessem condigna-
uma alma mais perfeita; que são vis e fracos os que vivem mente castigados, do que expó-los, remetendo-os com as culpas
encarcerados em tenebrosos cárceres etc.?'. a serem apresados pelos franceses, e a virem estes no conheci-
mento de gue os seus abomináveis princípios têm apaixonados
neste continente. Sendo certo que para se enviarem com maior
, O desernbargador avalia que todas essas presunções, caso os /,
segurança, s~ri~ necessário o dilatarem-se por muito mais tempo
reus fossem sentenciados pelo modo regular, estariam "purgadas com e,m ,suas pnsoes, contra a vontade de Sua Majestade tão
os I.n;:ômo<;!osda sua I~nga e fatal prisã~", ~crescentando, todavia, que signifícanternente declarada no mesmo oficio'?',
a VISdOde alguns mars escrupulosos diante destas presunçoes, os

I
L
100 Procedendo à devassa Procedendo à devassa 107

Oswald de Andrade, que em 1945 escreveu uma tese sobre a -Potencialmente rebeldes, ocultavam-se no anonimato, como aquele
Arcádia e a Inconfidência, viu neste texto um argumento "em defesa colono, rico proprietário no Rio deJ aneiro que se avistara com o inglês
de Antônio Diniz da Cruz e Silva". Oswaldleu neste parecer do poeta Barrow em 179105. Sua posição na hierarquia social tornava-os invisí-
português uma "sugestão de graça que dirigiu ao conde de Resende, veis às diligências repressivas dos agentes do Estado metropolitano.
a favor de Silva Alvarenga e dos outros réus da Segunda Inconfidên-
da'?" e acrescenta a estas observações as impressões de José Ramos
de Carvalho sobre o estado de melancolia vivido pelo árcade lusitano
nos seus últimos anos de vida no Rio de janeíro'". Mas o próprio
Oswaldrefere-se a outro registro textual de Cruz e Silva, em versos que NOTAS
fariam "supor vir às vezes à tona um sentimento que parece resultar
da sua invejável posição de intelectual a serviço do Despotismo?". Os (1) Ofício do conde de Resende ao desembargador Antônio Diniz da Cruz
versos indicados por Oswald de Andrade são os seguintes: e Silva. Rio de Janeiro, 11 de junho de 1794. ADIRJ/Autos de Devassa
da Inconfidência do Rio de Janeiro, p. 250-1.
Ai triste! O oitavo lustre é já passado (2) É interessante verificar a forma como a palavra devassa aparece
da minha amarga, descontente vida, no Dicionário da língua portuguesa, do brasileiro, natural do Rio
sem que nessa carreira tão comprida de Janeiro, Antonio de Moraes Silva. Para tanto, baseamo-nos na
um só prazer tenha gostado.?" edição de 1813, impressa em Lisboa: Devassa - "ato jurídico, no
qual se inquirem testemunhas acerca de algum crime; Le., se se
cometeu tal, ou tal crime, de que as Leis mandam devassar; e
quem foi o seu autor". Op. cit., p. 609.
O poeta Cruz e Silva iria à fortaleza da Conceição interrogar
(3) Doe. cit., ADIRJ, p. 250.
formalmente o poeta Silva Alvarenga sete vezes. Sua atitude diante do
(4) Era costume, nesta época, chamar "casas", no plural, às várias peças
réu é fria e distanciada; não há elementos para supor que, em algum ou quartos de um mesmo prédio e, a uma residência, "casas de
momento, tenha esboçado qualquer gesto em favor do confrade morada". Cf Moraes Silva. Op. cit., p. 355.
ultramarino. Era bem mais velho que o mulato brasileiro, mas, da cf. MaTA, Op. cit., p. 70-1.
(5)
mesma forma, estivera profundamente identificado com as inovações
pombalinas, sendo contemporâneo de outroárcade famoso, Basílio da (6) Id., ibid, p. 111.
Gama, também brasileiro, protetor de Silva Alvarenga, e seu principal (7) Inconfidência corresponde, segundo Moraes Silva, a "falta de fé, ou
amigo em Portugal. da fidelidade devida ao Príncipe" e o adjetivo inconfidente a "infiel ao
Do confronto entre os dos árcades na Colônia, emerge a nossos Príncipe". Cf. Op. cit., p. 145.
olhos o doloroso momento da cisão que então se impunha na mente (8) cf. SANTOS, CéliaNunes Galvão Quirino dos. A Inconfidência Minei-
de brasileiros como Silva Alvarenga. A condição de luso-brasileiro. ra. São Paulo, 1966. (Sep. dos Anais do Museu Paulista, t. 20) p. 140.
partia-se, através de um processo mental que levaria o nosso poeta a (9) Id., ibid., p. 140.
recolher-se a uma vida discreta, cheia de autocensuras, perseguido (10) CÂNDIDO, Antônio. A verdade da Repressão. Discurso. São Paulo, 10,
pelo medo, pela lembrança dos dias passados no cárcere e pelo terrível 1979. p. 1 (O artigo foi originalmente publicado no semanário Opinião.
sentimento de solidão, em relação aos seus patrícios, silenciosamente Rio de Janeiro, 11, jan. 1972).
submetidos à opressão e que, a partir de 1808, se colocariam à sombra (11) cr. MaTA, c.o. Op. cit., p. 98.
do trono no "reinado brasileiro" de d. João. (12) Doe. cit. ADIRJ, p. 250
O professor régio Silva Alvarenga e seus pares na Sociedade (13) cf. VALJAVEC, Fritz. Historia de Ia Ilustracion em Occidente (trad.
Literária do Rio de Janeiro certamente não estavam sós, quando esp.). Madrid, RIALP, 1964, p. 292.
tentaramreativá -la, em 1794.Apesar de esparsos, os registros feitos por (14) Id., ibid., p. 297.
viajantes estrangeiros e figuras do mundo oficial permitem identificar, (15) cr FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina; política
nos mais diversos setores da sociedade local, não apenas um certo anti- econômica e monarquia ilustrada. São Paulo, Atica, 1982. p. 368.
lusitanísrnolatente, mas uma consciência crítica, de contornos mais (16) VALJAVEC,Fritz. Op. cit., p. 300.
definidos, face ao sistema colonial. Neste quadro, os letrados funcio-
(17) Id., ibid., p. 301.
naram como uma espécie de consciência limite de proprietários e
comerciantes, cujos interesses estavam interiorizados na Colônia. (18) ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social (trad. port.). 2. ed. São
Paulo. Abril Cultural, 1978. p. 2l. Lourival Gomes Machado, que anotou
108 Procedendo à devassa Procedendo à devassa lC9

esta edição, lembra que a referência "pode ser estendida a todos os (34) Estefrancês,jacob Munier,foi o único estrangeiro, no Rio de Janeiro,
chamados 'déspostas esclarecidos', que, sempre dispostos ao convívio a ter loja autorizada antes da abertura dos portos, efetivada
intelectual com os filósofos da liberdade e por vezes teorízando, eles quando da transferência, para o Brasil, da Corte portuguesa. Tais
próprios, sobre o direito e o homem, diversa atitude assumiam quando informações podem ser obtidas na preciosa série de Licenças de
se tratava de exercer o poder de mando" (nota 8). Comércio, existente no Arquivo Geral da Cidade do Rio de
(19) Cr.GUSDORF, Georges.LaConscienceRévolutionnai1"e: les Idéologues. Janeiro, e que é constituída pelos livros de registros de licenças
Paris, Payot, 1978. p. 230. Sobreessaquestãovertam\;?ém].B.Duroselle. ( , do antigo Senado da Câmara.
L'Idée d'Europe dans I'Histoire. Paris, DENOEL, 1965. p. 137. (35) cf. Antônio Cândido, no excelente tópico sobre "a laicização da
(20) LISBOA. AHD. Conde de Resende a Martinho de Meio e Castro. Rio de inteligência", na sua Formação da literatura brasilei!'a; momentos
janeiro, 29 de dezembro de 1794 (manuscr.). Documentos do Rio de decisivos. 4 ed. São Paulo, Martins, s.d.v. 1 p.170. Este e um dos raros
janeiro. Cx. 154. textos que examinaram a devassa de 1794, no Rio de Janeiro.
(21) A primeira Representação dos Professores Régios de Humanida- (36) ADIRJ, p. 449.
des do Rio de janeiro, de 15 dej·aneiro de 1787, já havia sido (37) Id., p. 252.
publicada na "Correspondência e várias autoridades". RlHCB. (38) Id,
t. 65, parte 1, p. 216-223. A segunda, de 28 de março de 1793, que
encontramos no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, na (39) Apud DEPRUN, Jean. La Philosophie de L 'Inquiétude en France au
caixa 151 dos documentos do Rio de janeiro, permaneceu inédita XVIII e siêcle. Paris, Vrin, 1979. p. 9.
e acreditamos nunca ter sido utilizada pelos analistas do período. (40) ADIRJ, p. 252.
Ambas estão transcritas em apêndice a esta tese e serão exami- (41) ld.
nadas 4Q capítulo. (42) Id.
(22) ofício do conde de Resende para Antônio Diniz da Cruz e Silva. Rio de (43) Id., p. 263.
janeiro, 8 de dezembro de 1794. ADRj, p. 215.
(44) Id., p. 264.
(23) Id. ibid., p. 215.
(45) Cf GODINHO, Vitorino Magalhães. A estrutura da antiga sociedade
(24) Auto de abertura da devassa a que mandou proceder o Ilustríssimo e portuguesa. Lisboa, Arcádía, 1971, p. 91. Sobre a defasagem da cultura
Excelentíssimo Vice-Rei do Estado do Brasil. Rio de janeiro, II de portuguesa, nos primórdios da ilustração em Portugal, face ao resto da
dezembro de 1794. ADIRj, p. 249. Europ.a e mesmo diante da ~spanh~ veja-se o estudo atualizado de
(25) cf. A Conjuração do Rio de janeiro. ln: HOLANDA, Sérgio Buarque de Francisco ]. C. Falcon. Op. cít. p. 190-212.
(ed.) História geral da civilização brasileira. São Paulo. DIFEL, 1960. (46) Id., p. 253.
t. 1. v. 2, capo Li, p. 408-9.
(47) Id.
(26) Apud. LACOMBE. A.]. Op. cit., p, 409.
(48) Id., p. 274.
(27) Para o século XIX registrem-se as tentativas pioneiras de Maria Yedda
Linhares e Bárbara Levy. "Aspectos da história demográfíca e social do (49) Id., p. 266.
Rio de Janeiro, 1808-1899". In: L 'Histoire Quantitative du Brésil de (50) Id., p. 290.
1808 a 1930. Paris, CNRS, 1973; e de Eulália M. L. Lobo. Estudo das (51) Id., p. 306.
categorias sócio-profissionais, dos salários e da alimentação no Rio de
Janeiro de 1820 e 1930. Revista Brasileira de Economia, nQ 27, (52) Id., p. 426.
outrubro/dezernbro, Rio de Janeiro, FGV, 1973. (53) Sobre as repercussões da Revolução Francesa e seus desdobramentos
na Espanha, verJeanSarrailh.La Espana Ilustrada de Ia segunda mitad
(28) o. Lacombe, A.J. Op. cit., p. 407. delsiglo XVIII (trad. esp.) México, Fondo de Cultura Económica, 1957.
(29) ADIR], p. 262.
(54) cf. Sarrailh, Jean. Op. cit., p. 610.
(30) Idem. p. 253. Rio de Janeiro. ANRj/ Arquivo NacionaL Documentos referentes ao
(55)
(31) Lisboa. AHU. Conde de Resende a Martinho de MeIo e Castro. Rio de bacharel Mariano José Pereira da Fonseca. Seção Histórica, Códice 759.
Janeiro, 29 de dezembro de 1794. (manuscr.). Documentos do Rio de A lista de livros existente, no seqüestro de seus bens em 1794, foi
janeiro, Cx. 154. publicadapelaRlHCB, t. 63, v. 101, parte 1 p. 14-18.
(32) ADIR], p. 266. (56) ADIRJ, p. 435.
(33) cf. NUNES, Antônio Duarte. Alrnanaque histórico da cidade de (57) Id., p. 440-1.
São Sebastião do Rio de Janeiro para o ano de 1799. RlHCB, v.
(58) CÂNDIDO, Antônio. Op. cit., p. 171.
267, abr/jun. 1965.
110 Procedendo à devassa Procedendo à devassa 111

(59) ROWER, Basílio (frei).A Ordern Franciscana no Brasil. 2ed. Petrópolis, (86) Id.
Vozes, 1947, p. 160. (87) Id., p. 71.
(60) Cf LACOMBE, A.J. Op. cit., p. 407. (88) ADIRJ, p. 396.
(61) Cf. AZEVEDO, F. de Op. cit., p. 554. (89) Id., p. 395.
(62) cr A22I, Riolando, A instituição eclesiástica durante a primeira época (90) Id., p. 399.
colonial. 111: História da Igreja no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1977. t. 2.
(91) Id., p. 409.
p.216.
cf. LACOMBE, A. J. Op. cit., p. 407. (92) ofício do conele de Resende a d. Rodrigo de Sousa Coutinho. Rio de
(63) janeiro, 21 de julho de 1797. RIHGB, t. 28, Ia. parte, p. 160-1.
(64) ADIRJ, p, 290 (93) Vandelli sugerira, em agosto de 1796: "No caso que o sobredito
(65) Quanto ao local eleseu nascimento, Sacramento Blake afirma que estão Mariano (pereira da Fonseca) seja réu, seria conveniente, para evitar as
equivocados os que indicarn Vila Rica, sendo Sãojoão d'El-Rei o lugar intrigas dos seus inimigos, que viajasse para esta Corte com o seu
exato, na sua opinião. Cf. Dicionário btbtiográfico brasileiro. Rio ele processo". Carta de Domingos Vanelelli para o secretário de Estado ela
Janeiro, Imprensa aciona], 1900. v. 6p. 100. Marinha e Ultramar. Lisboa, 26 de agosto de 1795. BNL Cx. 98, Doe. 135.
(66) cf. CÂNDIDO, Antônio. Op. cit. p. 320. (94) ofício de Resende a d. Rodrigo de Sousa Coutinho. Op. cit. p. 161.
(67) Cf. lei., ibid., p. :321. (95) SILVA,Antonio Diniz da Cruz e. In: COELHO, jacinto do Prado, org. O
(68) Rio de Janeiro. ANRJ,Catálogo dos livros que comprei à Pretajoaquina, Rio de janeiro na literatura portuguesa. Lisboa. 1965.
herdeira e testarnenteira cio falecido dr. Manuel lnácio ela Silva (96) Parecer do elesembargador Antonio Diniz da Cruz e Silva, dirigido ao
Alvarenga e demais documentos a respeite;: ela cO:l1pra ele sua livraria, conele de Resende.Rio de janeiro, 18 ele junho de 1797. RIHGB, t. 28.
Rio dejaneiro, 1R15. Seção de Documentação Histórica. Cx. 764, pacote Ia. parte, p. 157.
4. (97) lei., ibid., p. 157-8.
(69) Cf. SARAIVA, A..J.,LOPES. c. Op. cit., p. 669. (98) ia, ibid., p. 158.
nO) USBOA. BNL/Biblioteca Nacional - Carta de Domingos Vandelli para
(99) ROUSSEAU, jean-jacques. Op. cit. p. 22.
o ministro secretário de Estado ela Marinha e Ultramar. Lisboa, 26 ele
agosto ele 1795. (manuscr. ) Seção ele Reservados, Cx. 98. doe. 135. (100) Doe, cit. RIHGB, t. 28, 1ª. parte, p. 160.
(/1 ) Cf. SARAIVA, A,J., LOPES, O. Op. cit., p. 61':'. (101) ANDRADE, Oswald de. A Arcádia e a Inconfidência (Tese para
concurso cL'1 cadeira de Literatura Brasileira ela Faculdade de Filosofia,
(72) ld. ibid., p. 671. Ciências e Letras da LIniversielade de São Paulo, 1945). Do Pau-Brasil
(/3) cr CÂNDlDO. A. Op. cit., p. 17Li. à Antropofagia e às Utopias. Rio de Janeiro, Civilização BrasileirajINL,
(74) ld., ibid., p. 174. 1970 (Obra completas, v. 6) p. 63.
(/5) Apud CÂNDIDO, A. Op. cit., p. 156 (102) Antônio Diniz da Cruz e Silva, nascido em 1731, o Elpino Nonacriense
(76) ADIRJ, p. j130. da Arcádia Lusitana, morreira no Rio de Janeiro em 1799, para onde
viera transferido, em 1790, designado para a Alçada que julgou os
(77) ld. inconfidentes mineiros.
(78) ld., p. 520. (103) ANDRADE, O. de. Op. cit., p. 63.
(79) Cf.RÉGA.LDO, Marc. Lumiêres, dite, démocratie. Ia difficlle positlon (104) Id., ibid.
des idéologues. Reuue Dix-Huitieme Siécle. 6. Paris, 1974. p. 194.
(105) BARROW, john. Op. cit., p. 101.
(80) ADlRJ, p. 520.
(81) lei., p. 521.
(1'>2) llAJvlPSON, Norman, () lluniinismo (trad, port.). Lisboa, 1q isseia, 197:).
p.249.
(133) ADLHJ,p. 'i 22.
(1'>4) DIAS. Graça, SILVA,,I.S. Op. cit., p. 340.
(85) Ofício elo Intendente Geral ele Polícia, Pina Manique, para o marquês
ele Ponte ele Lima. Lisboa, B ele agosto de 1799. Apud SORIANO, Simão
José da Luz. Histôria da Guerra Ciuil e do estabelecimento do goz:e1'l1o
parlamentar e/li Portugal. Lisboa, 1866-1890. t. 3. p. 70.
De rebelde inuisiuel a súdito do império 113

Capítulo 4 dois americanos. O jovem brasileiro, utilizando o pseudônio de


Vendek, conseguiu o tão almejado encontro em Nimes, já que em
DE REBELDE INViSíVEL A SÚDITO DO IMPÉRIO Montpellier informantes portugueses poderiam denunciar o encontro
às autoridades de Lisboa.
Maia, que era natural do Rio de Janeiro, esteve inicialmente
matriculado na Universidade de Coimbra, onde, desde 1783, estudou
matemáticas'. Transferiu-se depois para a Faculdade de Medicina de
Montpellier, em 17862. Maia era um dos muitos jovens brasileiros,
filhos de comerciantes, mineiros ricos e proprietários, que foram
estudar na Europa, superando as barreiras da sua formação social de
Não deve haver superioridade alguma nesta origem. Não estava só em seus propósitos, respaldando-se, provavel-
sociedade e será igualmente dirigida por modo mente, em figuras de destaque da elite colonial, interessadas em tomar
democrático. conhecimento de suas possibilidades futuras. Domingos Vidal Barbo-
Manuel Inácio da Silva Alvarenga"
sa, que seria preso e inquirido em Minas Gerais, e que pertencia à
(...) nossos Domínios Ultramarinos, (...) as Províncias camada de proprietários da colônia, sendo fazendeiro emjuiz de Fora,
da América, que se denominaram com o Genérico traria deste encontro, para o Brasil, um relato minucioso dos comen-
Nome de Brasil. tários de J efferson>
D. Rodrigo de Sousa Coutinho'"
Interessa-nos particularmente, porém, o relatório que faz o
Entre nós até se finge destramente ciência e representante diplomático norte-americano para John Jay, acerca da
atividade, quanto mais patriotismo e probidade. Para conversa com o estudante brasileiro. Nesta correspondência, surgeum
levar. ao cabo a regeneração do Estado Português e Brasil colonial pré-insurgente e há definições muito interessantes
para a criação genérica do Brasil não servem
imposições de mãos sacramentais com que fazem de sobre os seus componentes sociais. Embora imprecisas, as informa-
barbeiros, sapateiros; e que nem com pedra tosca de ções passadas por Maia a] efferson traduzem uma certa maneira de ver
Lioz se podem esculpir Apoios do Belvedere. a Colônia, o que deve ser remetido à sua posição na hierarquia social
José Bonifácio de Andrada e Silva'?" da América portuguesa.
I A primeira informação é sobre a composição populacional,
consitituída: "lº de portugueses, 2º brancos nacionais, 3º escravos
pretos e mulatos, 4º índios civilizados e selvagens'", Neste quadro, os
4.1 O REBELDE INViSíVEL portugueses apareciam em menor número, em sua maioria casados e,
na visão otimista transmitida por Maia, "perderam de vista o país em
que nasceram, assim como a esperança de tornar a vê-Io, e estão
dispostos a tornarem-se independentes'>. Do conjunto populacional,
os escravos ressaltavam como sendo tão numerosos como a gente
livre; os índios civilizados, considerados sem energia para qualquer
Um dos momentos mais significativos da conjuntura das conspirações atitude, enquanto os selvagens são apresentados totalmente fora do
autonomistas brasileiras, no final do setecentismo, é o encontro do processo: "não se hão de entrerneter'".
estudante brasileiro José Joaquim Maia e Barbalho com Thomas "Os brancos nacionais formam o corpo da nação'", teria afirmado,
Jefferson, o embaixador dos Estados Unidos na França. Como vimos a Jefferson, o estudante Maia. Seriam estes, portanto, os interessados
anteriormente, houve uma troca inicial de correspondência entre os diretos na autonomia política do Brasil. Destes "brancos nacionais" os
"homens de letras" formavam, como mais adiante se vê, a consciência
Apontamentos para os estatutos "secretos"da Sociedade Literáriado Rio limite da sociedade colonial: "são os que mais desejam uma revolução".
de Janeiro, encontrados entre os papéis seqüestrados de Manoel Inácio Os letrados seriam, na visão passada por Maia,os agentes conscien tes desta
da Silva Alvarenga. ADR],p. 395. percepção nacional que começava a se fazer através do segmento
Sistema político que mais convém que a nossa Coroa abrace para a "branco" da sociedade, o que deve ser entendido, contudo, como uma
conservação dos seus tão vastos Domínios. 1797. expressão genética que englobava também os mestiços embranquecidos
*** Carta para d. Domingos Antônio de Sousa Coutinho, Lisboa,30 de julho pela condição de proprietário ou intelectual.
de 1812.

112
114 De rebelde invisível a súdito do império De rebelde invisível a súdito do império 115

As tropas regulares seriam compostas de vinte mil homens, que revolução, a opinião do país é unânime+". A situação, todavia, não era
inicialmente eram portugueses, mas foram sendo substituídos por tão clara assim e não o foi depois, na última decada do século, quando
naturais, à medida que morriam. Talvez exagerando um pouco, Maia a repressão às idéias de liberdade foram violentamente perseguidas
passara a informação de que naqule momento a massa das tropas era nas diversas partes do território colonial. A vinculação da população
constituída basicamente por nacionais, com os quais se poderia contar aos religiosos era muito maior do que Maia queria passar e a instl~ção
para a Revolução. Quanto aos oficiais, "são em parte portugueses, em mínima bastante precária. Maia estava, contudo, tentando transmitir ao
parte brasileiros. Não se pode duvidar da sua bravura, e entendem a representante norte-americano, um quadro favorável de condições
parada, mas não conhecem a ciência da sua profissão. Não têm pré-revolucionárias.
inclinação para Portugal, nem energia para coisa alguma". Há indícios Maia completou suas informações, na direção do que pretendia,
realmente de que nesta altura era bastante significativa a presença de enquanto representante oficioso dos revolucionários de SLl~ terra,
brasileiros nos postos da oficialidade das tropas baseadas na Colônia, adicionando: "mas não há quem seja capaz de conduzir uma
como confirma a carta que um indignado lusitano, em 1790, escreveu revolução, nem quem queira arriscar-se à frente dela, sem o auxílio de
a Martinho de Meio e Castro, fazendo críticas a d. Luís de Vasconcelos, alguma nação poderosa, visto que. a gente d? l?aís. p~de. s~r m~l
que fazia majores, tenentes-coronéis e coronéis entre os filhos da sucedida" 16. Tal afirmativa caractenzava a existencia, l11VISIVelas
Améríca". autoridades metropolitanas, de uma rebeldia latente, porém temerosa
. O clero, teria afirmado Maia, "é metade português, metade e diferentemente difundida entre os diversos setores da SOCiedade
brasileiro, e não se há de interessar muito pelo movimento'?', o que colonial.
não era bem verdade, dada a grande participação de clérigos seculares ]efferson captou também, do estudante brasileiro, informações
nos movimentos insurgentes do final do século XVIII e do início do acerca da inexistência da tipografia no Brasil e da maneira como a
século XIX, como o caso do cônego Luís Vieira da Silva, o dono da revolução norte-americano fora recebida, "como um precedel,:te para
melhor biblioteca de Minas Gerais em seu tempo e que chegara "a ser imitada'?". Nas impressões que passou a]efferson, Mala nao dava
estudar os rudimentos da arte da guerra?". Entre os seus livros muita importância à existência, no Brasil, de um grande massa de
seqüestrados encontrariam as autoridades coloniais um volume escravos negros. Somente após a experiência nas Antilhas francesas é
intitulado Elementos de arte militar e Domingos Vidal de Barbosa, que os proprietários de terras no Brasil e os artífices da revolta t~marão
inquirido, declararia conhecimento do perigo que significava difundir os ideais de líberda-
de e igualdade, onde houvesse um grande número de escravos. Estas
(...) que o Cônego Luís Vieira tinha um plano, para por ele verem categorias de significado universal nas áreas onde o capitalismo
a segurança deste país; e outro igual, para por ele se regerem, nascente demandava o trabalho livre, quando remetidas para a
dizendo que este continente a natureza o tinha feito defensável, realidade colonial, tornavam-se um verdadeiro perigo, já que poderi-
por si mesmo, e que a entrada da barra do Rio de] aneiro bastava am vir a atingir, de maneira fatal, a forma principal de propriedade no
guarnecê-Ia de diversas emboscadas, de tal sorte que qualquer universo da produção colonial, a propriedade escravista.
tropa que subisse do Sertão se desbaratava, e os que escapassem Outro aspecto extremamente significativo é a percepção espacial
da primeira não escapariam da segunda 13. da Colônia, transmitida por Maia: "O meu informante", dirá] efferson,
"é natural do Rio de]aneiro, a presente metrópole, onde ele mora, e
que conta 50.000 habitantes. Ele conhece bem São Salvador, a anti$a
Eduardo Frieiro considerava tudo isto conjecturas; porém, em capital, assim como as minas de ouro que se acham no centro do pais.
outras partes da América, padres assumiriam muitas vezes o comando Tudo isto é favorável à revolução, e como isto mesmo forma o corpo
das forças nativas contra as tropas metropolitanas, como aconteceu no da nação, as outras partes hão de seguir o movimento?". São claros os
México. limites da percepção de Maia, circunscrita ao Rio de Janeiro, Salvador
"A nobreza é apenas conhecida como tal", informou]efferson e à região das minas. Deste triângulo, Maia acabava t<;:mand? pnnci-
a partir de Maia, observando que ela não haveria de se "distinguir do palmente os núcleos urbanos, como o corpo da naçao. ~slm, num
povo em coisa alguma?". Maia exorbitaria, ainda, nas informações território onde a população era predominantemente não-branca e
otimistas que passara a] efferson, ao afirmar que: "O povo não se acha onde as extensões eram incalculáveis, o estudante percebia, enquanto
muito na dependência de seus padres, amaiorparte sabe ler e escrever, "corpo da nação", uma minoria branca nacional, numa fatia do espaço
possui armas e está acostumado a servir-se delas para caçar. Os colonial que, embora importante e decisiva não tinha o controle sobre
escravos hão de acompanhar os senhores. Em suma, pelo que toca à a totalidade da América portuguesa, cuja percepção global só era
116 De rebelde invisível a súdito do império
De rebelde invisível a súdito do império 117

possível obter nas salas ministeriais de Lisboa e, não, a partir do mundo Acreditava ainda] osé] oaquim da Maia que, sendo bem sucedid.a
fragmentado da Colônia. a revolução, "estabelecer-se-ia provavelmente um governo r.epublt-
A descrição das condições locais para a sedição, transmitidas a cano em um só corpo?". Maia continuava a tomar por base a limitada
]efferson, revelam um quadro precárío para o levante revolucionário no área geográfica que compreendida principalmente Minas Gerais e Rio
Brasil, apesar de ser também precário o poderio militar metropolitano. de]aneiro.]efferson, que na mesma ocasião estava sendo procurado
Lembremo-nos de que Portugal, por sua vez, tentava desenvolver uma por "um natural do México", foi extrema.m~n!e ~auteloso. com o
política de neutralidade, que resguardasse os seus interesses, diante do emissário oficioso de alguns dos rebeldes IOVISlvelSdo Brasil. Nada
poder de conquista das potências estrangeiras. Maia revelara que: garantia de concreto, fazendo ver que os Estados Unidos manti.nham
boas relações com o Reino de Portugal, com quem comerciavam
(...) além das armas que existem nas mãos do povo, há os vantajosamente. Não eliminou, porém, a possibilidade de que, vitori-
arsenais. Os cavalos abundam, mas uma parte somente do osa a revolução, indivíduos particulares viessem em SOCOITOdos
terreno permite o serviço de cavalaria. Precisariam de artilharia, brasileiros por interesse de lucro ou por ideal, já que os cidadãos
munições, navios, marinheiros e oficiais, que estimariam receber daquele continente eram livres para ir a qualquer outra terra sempre
dos Estados Unidos, ficando entendido que qualquer serviço ou que quisessem.
fornecimento seria bem pago. Têm eles carne fresca na maior Na mesma correspondência, enviada ao Congresso dos Estados
abundância, a ponto que há lugares em que se matam os Unidos, 1110mas ]efferson lembraria que, e!n toda a parte sul ~o
bois somente para aproveitar o couro. A pesca da baleia é continente havia um clima favorável aos movimentos de contestaçao
toda feita por brasileiros, não por portugueses, mas em à dominaç'ão colonial, citando o caso do Peru, onde a. repres~ão
embarcações muito pequenas, de maneira que os pescado- metropolitana foi extremamente violenta, o que podena ter Sido
res não sabem manobrar navios grandes. A todo tempo hão evitado caso o "commodore ]ohnson, esperado então naquela costa,
de precisar que lhes forneçamos embarcações, trigo e peixe tivesse ali tocado e desembarcado dois mil homens'<.
salgado. Este peixe é um grande artigo, que recebem Embora preocupados com os acontecimentos no resto. do
atualmente de Portugal". continente, os norte-americanos temiam interferir nas lutas autonomístas
para não desequilibrar as suas relações comerciais com a Europa. Em
todo o continente, porém, sucediam-se levantes numa ond~ cr~~cente
As expectativas de Maia eram de que Portugal não teria condi- de inquietação revolucionária. Pela Europa"c~rcula.ra,:! ~mISSa110Sde
ções militares para conter a revolução, e que levaria mais de um ano "criollos'' das mais diversas partes da América hispânica, que Iam
para organizar uma expedição. Maia tentava passar para ]efferson um principalmente a Londres, devido às rivalidades !ngles.as c~m. a
panorama favorável, afirmando ainda que "a parte mais sensata da Espanha, aliada da França a partir de 179524. Tamben: nas colônias
nação está tão persuadida disto que uma próxima separação é tida por espanholas, as idéias de emancipação circularam a partír dos letrados
inevitável?". A revolução ia se construindo na consciência de brasilei- que tiveram, depois de 1776 e sobretudo de 1789, uma nova motiva-
ros que, sem dúvida, percebiam criticamente o sistema colonial, mas ção, dada pela existência de uma Arnética republicana e de uma França
não tinham elementos, sobre a própria realidade econômica esocial revo lucionária 25.
da Colônia, para fundamentar suas aspirações. As diligências de José Joaquim da Maia repercutiriam nas
Sobre o antí-Iusitanísmo, indicara Maia que reinava "entre investigações sobre a Inconfidência .Mineira, ~::mdeseti.am citaclas,~s
brasileiros e portugueses um ódio implacável" e que, apesar de um suas relações com o comerciante do Rio dejaneiro, Francisco de Arau JO
antigo ministro, certamente Pombal, ter adotado o sistema de nomear Pereira" o mesmo que o marquês do Lavradio indicara, no seu
brasileiros para funções públicas, os que o seguiram voltaram ao Relatórib de 1779, como senhor da "única casa que ainda hoje se
antigo costume de conservar a administração nas mãos dos portugue- conserva na regra de comerciante", associado a "s~us pri.mo.s,e alg~1l1s
ses; apesar de existirem "ainda nos empregos públicos alguns outros sócios em Europa?". Aos outros, Lavradio atribuíra mais a
nacionais antigamente nomeados'?'. Neste mesmo ano est~va sendo condição de comissários do que propriamente comerciantes.
detectada, em outra parte do Império colonial português, na India, uma Apesar de não terem sido indiciados como culpados por um
sedição arquitetada entre os brâmanes de Goa, sob a liderança de plano de sedição, a presença destes cOl~issários co~~o refe!'ência
sacerdotes católicos e que tinha justamente neste aspecto, da partici- hipotética, e a citação do nome de Francisco de AraUJOPereira, na
pação vedada aos nativos nos altos cargos da administração colonial, devassa de 1789 são dados bastante significativos: indicadores da
o motivo aparente das insatisfações. existência de um~ base social concreta, não apenas para os procedi-
118 De rebelde invisível a súdito do império De rebelde invisível a súdito do império 119

mentos de Maia, em França, mas também para as tentativas de O comportamento ideológico dos colonos no Rio dejaneiro seria
reorganização da Sociedade Literária no Rio dejaneíro nos moldes de sensivelmente mudado após a prisão exemplar dos letrados desta
uma sociedade secreta. cidade. Não apenas a repressão do Estado mas outros fatores viriam
Com as mercadorias circulavam também as idéias, neste século a colaborar para um certo processo de acomodamento, que será visível
cosmopolita e inquieto. No porto do Rio de Janeiro, ambas estavam pelo menos nas capitanias potencialmente revoltosas nesta fase. Para
perrnanentementete chegando. Neste "depósito geral elas capitanias tanto, as análises de Kenneth Maxwell, embora com objetivos diferen-
centrais'?', onde nem mesmo o suplício de Tiradentes conseguira destruir tes da nossa, já ha viam chamado a atenção dos estudiosos do perído",
nos contemporâneos a semente cio amor à liberdade. Do Rio de janeiro Contudo, antes de encaminharmos esta passagem do rebelde invisível
saíra Maia,projetando à distância a nação, corporifícando-a nos "brancos à adesão aos novos projetos reformistas do estado português, vejamos
nacionais"; paraoRiodeJaneiroretomaraMatiano]oséPereiradaFonseca os limites da apreensão revolucionária do processo, pelos conjurados
a incentivar SilvaAlvarenga na reconstrução da Sociedade Literária,ond~ da primeira metade da década de 1790.
na utopia do poeta tudo se decidida de maneira "democrática".
As formas de pensamento detectadas entre os letrados brasileiros
desta fase, não são, todavia, homogêneas quanto à maneira de
perceber a relação metrópole-colônia. Também não se pode afirmar
4.2. NA CORTE DA AMÉRICA PORTUGUESA
um txedomínio absoluto das posições radicais, isto é; das que
conduzem à idéia de separação política. Carlos Guilherme Mota, ao
tratar desta questão, identificara três tipos de comportamento mental
entre os colonos, ao final do século XVIII, e que corresponderiam a A apreensão espacial da Colônia, por parte dos colonos luso-brasilei-
três níveis de percepção da realidade: as formas ajustadas ao sistema, ros do final do século XVIII, corresporidia à própria maneira fragmen-
as formas intermediárias e as formas revolucionárias". tada como estava distribuída a ocupação e a exploração econômica da
Estas manifestações ideológicas, porém, devem ser compreendi- América portuguesa. As informações passadas por José Joaquim da
das 11l~mquadro mais amplo que não se circunscreve apenas ao espaço Maia a Thomas Jefferson estavam limitadas à região da mineração e
colonial português na América. E necessário verificar a existência de principalmente ao porto do Rio de Janeiro. De resto, a visão do
um movimento geral de transformações materiais e ideológicas em conjunto permanecia como um monopóplio do Estado metropolitano,
curso no Ocidente. Embora defasado, Portugal também fora atingido não sendo permitida, na prática, nem mesmo aos vice-reis cuja
direta ou indiretamente pelo "espiríto do tempo" e pelas conseqüên- autoridade e ação era, de fato, limitada ao território da capitania do Rio
cias de ordem políticas, resultantes da revolução burguesa em curso de janeiro".
no mundo Atlântico, no último quartel do setecentismo. As contradi- O esboço feito pelo estudante brasileiro em 1786 possuía duas
ções geradas pelo sistema colonial, o conseqüente agravamento das limitações básicas, na forma d~ apreender a América portuguesa. A
tensões diante desta conjuntura de crise fariam com que, antes do final primeira, de ordem espacial e a segunda, de ordem social. Estas
da. década de 1790, a Bahia assistisse a um levante, de proporções limitações restringiram o processo de tomada ele consciência dos
diferentes dos casos mineiro e fluminense, no ano de 1798. Também colonos brasileiros que, quando muito, percebiam a região onele se
aí se verificaria a presença das idéias francesas, reproduzindo-se o localizava a sua capitania. E significativo encontrar, por outro lado, nos
mesmo quadro de apreensão de biliotecas contendo o saber ilustrado textos dos estadistas portugueses, uma percepção de conjunto, como, por
e o pensamento revolucionário do século. exemplo, em d. Rodrigo eleSousa Coutinho que se refere às "Províncias
Em todos os movimentos havia uma base social aparentemente da América, que se denominaram com o genético nome ele Brasil'P.
invisível, dada a posição dos simpatizantes na sociedade local. Em A metrópole reforçara o monopólio da apreensão global do
] 789, em Minas Gerais, a conjuração contara coma participação deuma espaço da Colônia, principalmente dos mecanismos administrativos,
elite local, que só parcialmente foi atingida pela devassa. Os conspi- não concedendo, de fato, aos vice-reis o papel de governador geral,
radores de Minas provava~mente estavama.ltic;-il.adoscom negociantes mas ele comissário do Reino, retirando-lhes, desde o início elo século
do porto do Rio de janeiro, segundo os indícios examinados, Estes XVIII, o direito de intervenção nos negócios internos das capitanias-
componentes do "corpo da nação", como revelara Maia a Jefferson, gerais. Mesmo quando, a partir da transferência ela capital, em 1763,
existiam, de fato, na população branca de Minas Gerais e Rio dejaneiro o Rio passa a ser a nova sede elo Vice-Reinado, sua jurisdição somente
e estiveram fiéis a estas idéias autonomistas e republicanas, pelo irá alcançar a Colônia do Sacramento, Santa Catarina e o Rio Grande
menos até a metade da década de 1790. ele São Pedro.
120 De rebelde invisível a súdito do império De rebelde invisível a súdito do império 121

Os acontecimentos que vimos analisando transcorreram, em Quanto à conjuntura internacional, o ministro português da
grande parte, na cidade que, a partir de 1763, torna-se centro. de Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, permanecera atento
governação vice-real, com jurisdição limitada e sem as características mantendo o Império. Ainda no mesmo mês de sua morte", em 2 de
de capital geral, apesar de ocupar o lugar mais importante dentre os março de 1795, oficia ao marquês mordomo-mor, no senti<?o de levar
núcelos urbanos coloniais e cuja primazia pertencera a Salvador até o ao príncipe regente d.joão as suas preocupações. Ele o fazia, após ter
início do século XVIII. É bastante conhecido o fato ele desta transfe- chegado à Corte de Lisboa a notícia da conquista da Holanda pelos
rência ter-se efetuado devido a transformações provocadas pelo franceses, o que agrava a segurança do Reino e dos Domínios da
elesenvolvimento ela mineração. Coroa".
O Rio eleJaneiro elo final do século XVIII apresenta-se como o Meio e Castro, após uma longa atuação ministerial, debilitado nas
mais importante entreposto elo litoral ela América portuguesa, objeto suas forças pela avançada idade, atentava para o. perigo do
ele preocupações permanente elo Ministério ela Marinha e Ultramar expansionismo francês e aconselhava o regente nas medidas a serem
português no que se refere à segurança ele seu porto. As cautelas e tomadas. Suas reflexões partem das relações conflituadas entre Ingla-
restrições à presença estrangeira no Rio de Jan~iro serão intensificada terra e França. Os ingleses haviam-se apoderado dos estabelecimentos
a partir da Revolução Francesa. Em 1793, Martinho de Meio e Castro franceses da Índia, assenhoreando-se "daquele importante comér-
dirigia-se ao vice-rei conde de Resende avisando-o da cio", o que levaria, segundo Meio e Castro, os franceses e agora os
holandeses, seus aliados compulsórios, a tentar diminuir e aniquilar as
(...)necessidade de promover todas as seguranças e cautelas que vantagens alcançadas pelos britânicos nas suas conquistas na Asia. O
recomendavam a presente conjuntura em que figurava caminho francês provavelmente seria mandar para o cabo da Boa
aleivosamente a nação francesa, começando no seu próprio país Esperança forças suficientes, que, reunidas às já existentes nas ilhas de
a praticar as maiores impiedades e dilatando as suas vistas e os Bourbon e Maurícias, interrompam e inquietem o comércio britânico
mesmos fins sobre a Europa toda>. na Índia. Os franceses, assim, iriam acabar se apoderando na ida ou
na volta dos navios mercantes ingleses, como já vinham fazenclo
naquele ponto de passagem obrigatória dos navios da India. Isto
Resenele respondeu ao aviso do ministro, mantendo-o perma- preocupava particularmente o ministro do Ultramar português porque,
nentemente informado das condições para defesa da cidade e se certamente, os franceses e holandeses tentariam obter um entreposto
aproveitou do clima geral para manter a cidade, como vimos anterior- na costa do Brasil, na altura do Rio de Janeiro, ou da ilha de Santa
mente, num rígido controle. Catarina, para facilitarem a sua navegação da Europa para o cabo da
Barrow havia observado que a zente que vinha de Portugal para Boa Esperança e as referidas ilhas. Este entreposto lhes garantiria fazer
o serviço militar acabava não voltanclo ao Reino, mesmo aqueles que escala e proverem-se de víveres e cio que mais precisassem, criando aí
ocupavam postos na oficialidade por casar-se na Colônia, aqui um depósito de provisões e apetrechos navais e de guerra para seus
construindo a sua vida. Em 1793, o vice-rei considera a tropa paga navios. Martinho de Meio e Castro fazia ver ao regente que o
"sumamente deteriorada pelo considerável número de soldados desempato e insegurança cios portos do Brasil, e particularmente cio
avançados em anos, e cansados de trabalhos'?'. Acrescentava Resende Rio de Janeiro, tornava-os fáceis de serem atacados, o que era um
o dado "da falta de gente do País próprio para o serviço militar">. O convite ao inimigo.
vice-rei pretendia estar agindo com todo o cuidado "num artigo tão Apresentava então ao regente sugestões. para acautelar o golpe
essencial, como é o de um exército numa cidade marítima com um )' que os franceses poderiam dar nos Domínios da Coroa portuguesa,
porto aberto, e com uma costa mal guardada, oferecendo admiráveis alertando, junto à Corte de Londres, para o perigo comum que os
desembarques não só pelo grande fundo próximo à terra, como ameaçava, requerendo, através dos tratados, a organização de Torças
também pela falta de clefensa da parte da mesma terra">. competentes inglesas e portuguesas que fossem ter ao Rio de Ianeiro,
Aimportância cioRio deJ aneiro nas rotas comerciais portuguesas aí se estabelecendo, já que o Rio constituía-se, no entender do
e no quadro ~er~1da Colônia pode serdi~1ensionada a partir da inte0sa ministro, no "porto mais arriscado a alguma invasão, por ser o mais
correspondência sobre a defesa da Cidade que os anos de cnse importante e porque corresponde melhor às vistas do inímígo':". Meio
p~ovocarão. Dois aspectos principais e~tavam presente~: a preocupa- e Castro acreditava que, defendido o porto do Rio de Janeiro, todos
çao com a defesa externa e a necessidade ele garantir um aparato os outros da costa do Brasil seriam respeitados pela facilidade com que
repressivo face ao perigo interno de rebelião e às tensões permanen- poderiam ser socorridos. Considerava-se fundamental, diante das
tes, oriundas do sistema escravista. circunstâncias, chamar a atenção dos ingleses de que o bloqueio do

1
122 De rebelde invisível a súdito do império De rebelde invisível a súdito do império 123

porto de Brest tornara-se ineficaz para a proteção da 'circulação Um extrato da população do ano de 1796 indica para a capitania
mercantil naval portuguesa com os seus domínios. O bloqueio de do Rio deJaneiro um total de 182.757 habitantes, não compreendidos
Brest fora uma decisão do Ministério Britânico, como maneira de os quatro Regimentos, e o Esquadrão de Cavalaria dos Brancos e
prevenir que os navios de guerra franceses saíssem de seus Pardos e Pretos libertos. Distribuía-se este total em: 72.946 brancos,
portos; estes, porém, continuavam a sair e voltavam a entrar em 19165 pardos libertos, 6582 pretos libertos e 84.064 escravos".
Brest, sem maiores dificuldades. Nos últimos tempos, os france- ( I Tanto nos dados populacionais da capitania, como da cidade
ses haviam surgido "com uma esquadra formidável ao Norte da propriamente dita, somados os escravos, os pardos e os pretos libertos
Irlanda, quando a esquadra inglesa estava em Posmouth em e confrontados estes números com os da população branca, pelo
amarrações de inverno, e Lord Home e os mais oficiais em Bath, menos a considerada como tal, verifica-se que esta constituía o
e em Londres com muito descanso+". contingente menor diante da maioria de não-brancos. Diante deste
Concluía o ministro da Marinha e do Ultramar que: quadro, lembremo-nos do estudante brasileiro Maia,afirmando serem os
brancos o COlpO da nação, e teremos um significativoindicador dos limites
(...) para prevenir de modo possível e iminente o perigo em que e elas contradições do projeto que então se esboçara na consciência dos
se acham os portos do Brasil, e principalmente o Rio deJaneiro, letrados elas capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro.
o que há a fazer é mandarem-se para aquele porto as maiores . Nesta população, segundo as informações ?e Eulália. Lobo~ da
forças de mar e terra que for praticável remeterem-se e que lista de 126 mercadores por atacado de 1794, praticamente Igual a de
poderá consistir em seis Ol~ sete naus de linl:a, co!n algumas 1793, somente cerca de 32 eram proprietários rurais, sendo que a
fragatas, e outras embarcaçoes menores e dois Regimentos de maioria destes adqui riram na velhice as suas terras, o que permite a esta
Infantaria pelo menos". autora inferir que "não parece sertípico do Rio deJaneiro o chamado
burguês-senhorial ou comerciante-proprietário 11Jralque é considera-
do caraterístico das sociedades coloniais ou semicoloniais, inseridas
Considerava ainda o ministro que, para segurança dos domínios nas economias de plantação tropical":".
da América portuguesa, era necessário recorrer à Corte de Londres No final da década, 1799, a capitania do Rio de Janeiro possuía
como indicara, reivindicando os tratados e Iazendo-lhes verqu~, deste um total de 616 engenhos de açúcar, sendo que 324 deles estavam
auxílio, poderiam depender também os domínios ingleses na India e concentrados em Campos dos Goitacases. Além destes, havia 253
o comércio britânico no Oriente e que a conservação das possessões engenhos de cana-de-açúcar e um grande número de lavouras
portuguesas na América era fundamental para este fim. destinadas ao abastecimento da cidade. Através do porto do Rio de
A conjuntura sobre a qual vimos trabalhando, de crise interna- Janeiro eram enviados para Lisboa produtos como: açúcar, arroz,
cional, revela a importância do Rio dejaneiro no conjunto do Império goma, aguardente, taboado, couros em cabelo, azeite de baleia, azeite
colonial, devido a sua posição estratégica no Atlântico. Esta posição de esparmacete, barbatana de baleia, farinha de trigo, atanados,
o colocava no centro das atenções metropolitanas. Cumpria a cidade, melaço, linho-cânhamo, meios de sola, couçoeiras, farinha de mandi-
entretanto, desde o desenvolvimento da mineração, não apenas oca, madeiras, cera, café, algodão e carne de porco, gêneros que foram
funções estratégicas, mas um importante papel na constituição de um diversificados nos governos do marquês do Lavradio e de d. Luís ~e
embrião de mercado interno na Colônia. Vasconcelos e Sousa", que se empenharam em fomentar a produçao
O Rio de Janeiro, na segunda metade do século XVIII,já aparecia agrícola da capitania".
como o mais importante entre posto comercial de todo o Centro-Sul da ( 1)
Pelo porto do Rio de Janeiro, vindos de Lisboa, chegavam à
América portuguesa. A expansão da agricultura de exportação e o Colônia: produtos das fábricas do Reino, lanifícios, mantimentos,
aumento da população da cidade haviam favorecido, enormemente, línifícios, metais, sedas e drogas.] obson Arruda, ao estudar o comércio
o desenvolvimento destas atividades comerciais. Entre a época da desta fase, verifica que:
transferência da capital e o final da década de 1790, o crescimento
demográfico foi significativo. Dauril Alden estima a população da (...) a vatiadíssima composição das exportações do Rio deJaneiro
cidade em cerca de 30.000 habitantes em 176042; em 1780, o número poderá dar bem uma idéia do tipo de consumo existente naquela
telia crescido para 38.707 e em 1799, num levantamento feito pelo região neste período. O número total de produtos se eleva a mais
conde de Resende, alcançava o total de 43.376 habitantes". Deste total, de 453, sendo digno de nota que os produtos das fábricas do
a população escrava compreendia 14.986 e a livre, 28.390. Dos livres, Reino apresentavam 92 variedades, subdivididos pelas categori-
19578 aparecem como brancos, 4.585 pretos e 4.227 pardos. as lanifícios, linífícíos, seelas e vários gêneros".
De rebelde invisível a súdito da império De rebelde invisível a súdito do império 125
124

Constituía, portanto, o Rio de Janeiro, o entreposto de exporta- A vida cultural da cidade era extremamente limitada e o círculo
ção e importação para toda a região Centro-Sul do Brasil, o que explica cultivado estava restrito aos professores régios, aos médicos, aos
o elevado número das importações do porto do Rio de Janeiro e a sua ocupantes dos altos cargos da administração, aos magistrados e aos
preponderância no concerto das regiões brasileiras". religiosos.] ohn Barrow, em 1792,relatou ter demorado para en~ontrar
Barrow, em 1792, encontrou no Rio de Janeiro lojas largas as duas ~ojas de livrei,!'os da ~idade, porém levou menos tempo para
e cômodas, geralmente bem estocadas com manufaturas da descobnr que elas nao continham nada que lhe pudesse ser útil ou
Europa, principalmente da Grã-Bretanha". Notou o tamanho da interessante. Continham muitos volumes antigos sobre medicina e
população, que supunha ser de sessenta mil almas, incluindo os alquimia, mais ainda sobre história da igreja e disputas teológicas, e,
escravos, mas verificou que a cidade não possuía nenhuma alguns, ~obre os feitos da casa dos Braganças, com títulos que
hospedaria, hotel ou qualquer tipo de abrigo ou acomodação preenchI~m os.s<:;uscatálogo~. O ob~erv~dor inglês verificou, entretan-
para recepção de estrangeiros. . to, que nao exístta, nestas lojas de livreiros, nada que se relacionasse
O controle à presença de estrangeiros no porto do Rio de Janeiro com o país, afirmando:
era extremamente rígido. Todas as embarcações estrangeiras que
penetravam no Rio deJaneiro eram obrigadas a passar por um exame, (...) essa porção da América do Sul, uma das regiões mais férteis
e era feito um interrogatório ao capitão do navio. Nos autos dos exames do globo, mal havia conseguido da pena do português uma única
das embarcações estrangeiras eram registra dos: o nome do navio, sua página de história natural, economia ou estatística além do que
nacionalidade, o nome do capitão, o proprietário e praça a que aparece no relato geral da conquista dos Brasis (Brazils)>.
pertence, sua origem e data da partida, seu destino, objetivo da viagem,
a justificativa de precisarem entrar no porto do Rio de] aneiro e o prazo
de permanência concedido ao navio pelas autoridades Iocaís". Cum- Ba~row encontrou um frade franciscano que o informou que há
priam-se, desta maneira, as determinações metropolitanas, tempo vinha acumulando materiais para uma Flora Fluminensis que
freqüel~temente reiteradas ao vice-rei e governadores das capitanias, pretendia publicar. Este frade, certamente, era frei José Mariano da
.no sentido de um controle permanente da presença estrangeira 110S Conceição Veloso, que realmente viria a publicar seu trabalho. Tinha
portos da Colônia. conhecimento de um trabalho do bispo de Pernambuco, Azeredo
Em 1795, o conde de Resende escrevia a Luís Pinto de Sousa, Coutinho, sobre a importância do comércio de Portugal e de suas
enviando uma Representação à rainha, comunicando que não se colônias. O escritor inglês comenta a existência de "volumosos
verificara, até aquele momento, a vinda de fragatas francesas anunci- escritos que foram compilados pelo jesuítas" e que se encontravam de
adas por Meio e Castro, que teria recebido estas informações do posse dos governos de Salvador, Rio de Janeiro, constituindo-se
embaixador português em Paris, acrescentando, porém, que apenas de diários das suas transações e cópias da sua correspondência
com os superiores na Europa".
(...) como não é impossível que o pretendam fazer, e a conjectura Barrow, a partir do quadro cultural limitado e da inexistência de
tem subido a um grau tão iminente de delicadeza relativamente estudos sobre a própria terra, fez críticas aos padres e monges do Rio
ao estado em que eu considerava a Revolução de França no ano de Janeiro, onde eram muito numerosos. Acusa-os de perderem tempo
em que me foi dirigi da a Carta, fico combatido de imensas na luxúria e na indolência, de se intrometerem nos problemas privados
dúvidas sobre o meio termo que deva praticar com esta Nação e arranjos domésticos de toda família, transmitindo, de uma casa a
quando busquem este porto com a ca pa de boa fé, e de harmonia; outra, pequenas histórias de escândalo que possam vir à tona.
e como só V. Exa. pode iluminar-me sobre um objeto de tanta Lamentava Barrow que não se dedicassem "a favorecer o mundo com
responsabilidade para mim, negando ou concedendo as preten- um relato descritivo de um país tão interessante e ainda tão pouco
sões desta Nação, rogo a V. Exa. queira levar à Real Presença de conhecido'<.
Sua Majestade esta representação, para que a mesma Senhora se Nos estreitos limites da vida intelectual da Colônia, o conflito
digne decidi-Ia conforme seja do seu Real Agrado>. entre a visão laica e a visão religiosa da transmissão do saber foi
permanente; manifestando-se desde a criação das aulas régias, apesar
de afastados QS jesuítas e seus seguidores.
No principal centro urbano da Colônia, à hipotética invasão No Rio de Janeiro, pelo menos em dois momentos, este conflito
francesa as autoridades acrescentaram o medo à penetração das idéias foi registrado, através das Representações que os professores régios de
que, pelo porto do Rio de Janeiro, circulavam com as mercadorias. Humanidades dirigem à rainha dos anos de 1787 e 1793, antes da
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126

Conjuração dos Mineiros e um ano antes de serem descobertas as professores régios também se defendem dos ataques feitos pelos
conversações e práticas dos membros da Sociedade Literária do Rio de clérigos que os dirigem para afastar os alunos de suas aulas, reprovan-
Janeiro. Estas representações trazem as assinaturas de duas figuras do aos religiosos "a sua frívola filosofia" e as suas "errôneas opiniões
centrais na reconstrução daquela sociedade: Manoel Inácio da Silva e doutrinas ultramontanas, e o fanatismo por eles sustentados, e feitos
Alvarenga, professor de retórica poética e João Marques Pinto, de crer ao povo néscio como dogmas de fé,,&J.
grego. Os professores régios colocam-se como "criaturas de Vossa
Portanto, não será por mera coincidência que um dos denunci- Majestade" diante da soberana portuguesa, pedindo providências
antes de 1794 seja justamente um frade do convento de Santo Antônio, contra as difamações que os deixavam à mercê da "infâmia de
o custódio da Província Franciscana, frei Raimundo Penaforte da hereges, debaixo de que gememos no meio de um povo supersticio-
Anunciação, o frade que teria, provavelmente, assistido Tiradentes na SO,,61.
Defendem também salários justos para
confissão. O frade não foi arrolado como testemunha da devassa de
1794, mas foi citado como "um tal frei Raimundo", em várias (...) podermos passar com a decência devida ao autorizado lugar
passagens do processo. que ocupamos nesta cidade, a Corte da América portuguesa, de
O teor das representações é basicamente o mesmo, tanto em tanto luxo, e carestia de tudo o necessário para conservação e uso
1787, como em 179356.Destas, a primeira é conhecida por ter sido da vida, de casas, servos, e artefatos, livros, e víveres ainda do
publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a país, causada pelo feliz aumento de povoação, e pela fácil e
segunda, que encontramos no Arquivo Histórico Ultramarino de pronta exportação dos seus gêneros para esse Reino, em atenção
Lisboa, é inédita. Em ambas as representações, transportam-se os à qual os magistrados que aqui em todo o Ultramar servem os
professores régios para as reformas realizadas no Reinado de d. T osé idênticos empregos, e muito menos para comprarmos os livros
r. Recuperam o estado de decadência dos estudos da Universidade de de que continuamente precisamos, para nos instruirmos cada vez
Coimbra, desde 1555, quando os jesuítas passam a dirigir o Real mais, a fim de irmos servindo de melhor a melhor a Vossa
Colégio das Artes e louvam a criação, pela lei de 6 de novembro de Majestade na instrução dos seus povos, visto ter o Subsídio
1772, das escolas de Filosofia, Retórica e Língua grega nas cabeças de Literário desta capitania, um rendimento que excede muito à
comarca". despesa que se faz com os professores dela62.
Nestes documentos, a questão central passa pela concorrência
estabeleci da pelo ensino de base religiosa às aulas régias. O bispo do
Rio de Janeiro incluíra retórica e filosofia, além de gramática latina, no Esta segunda manifestação junto à Coroa, os professores régios
seu Seminário da Mitra, passsando a ensinar não apenas aos alunos do de humanidades do Rio dejaneiro a fariam umano antes de sua prisão,
Seminário, mas aos de fora. Na representação de 1793, afirmam os quando, denunciados porum frade franciscano e por um homem que
professores que, na falta de alunos, o bispo obriga os naturais do Rio estiveraenvolvidocomalnconfidênciadeMinasGerais,sãopostosno
de Janeiro a recolherem-se ao Seminário, na qualidade de pensionistas cárcere até 1797, tendo suas vidas colocadas em suspenso e seus bens
etambém a outros dois colégios que estão sujeitos a sua administração. seqüestrados. A devassa de 1794 e a longa prisão para averiguação dos
Fazem considerações sobre a pressa com que os ordinandos tentam membros da Sociedade Literária do Rio de Janeiro encerram, no Rio de
tomar ordens para logo saírem do Seminário e irem ganhar a vida. Janeiro, os indícios de insurgência. A repressão estabelecida pelo
Na defesa das aulas régias, o clero do Bispado do Rio de Janeiro conde de Resende, reproduzindo na sua capital as práticas que Pina
é classificado pelos professores como numeroso e vivendo "nas Manique preconizava no Reino; o clima geral de medo, administrado
trevas da ignorância no meio de Estudos e Escolas de Vossa Majestade, nos anos de crise, constituem um aspecto fundamental para a
que gloriosamente conserva e protege para o fim contrário, e isto por compreensão do processo de acomodação, que se segue nas capita-
não serem obrigados por Ordem Régia a versá-Ias'?". Defendem a nias de Minas Gerais e Rio de Janeiro no final da década. A
necessidade de que cursem suas aulas de humanidades "aqueles que insubordinação, porém, transfere-se para outra parte da América
se aplicam à cirurgia e farmácia, por serem parte da medicina". Em sua portuguesa: para Salvador, antiga capital, onde em 1798 eclode a
concepção, também os militares deveriam passar pelas suas aulas. chamada Revolta dos Alfaiates, objeto .de violenta repressão.
Criticavam os religiosos de Santo Antônio e de São Bento por se
inserirem no "ensino público da mocidade", difundindo "a sua
filosofia peripatética, há tanto tempo proscrita com grande glória pelas
sábias leis de Vossa Majestade como prejudicial à República'P. Os
128 De rebelde invisível a súdito do império De rebelde invisível a súdito do império 129

4.3 DE RASCUNHO A PROJETO fato~es bloqueavam o desenvolvi11!e~1todos projetos de autonC;>l,!lia


nacional; dentre eles, a escravidão e os interesses do trafico
negreiro emergiriam como entraves fundamentais no caso da
Fernando Novais, examinando as tensões de conjunto e que emergem América portuguesa. '
neste período final do século XVIII, verifica a existência de um J o.hn Barrow observara no Brasil de 1792 uma certa especulação
"quadro de receptividade da ideologia anticolonialista da Ilustra- a re~pelto da guerra na Europa, como algo que viria a revolucionar a
ção"63.Esta, ao penetrar no universo colonial reproduzirá as ambigüi- Amenca do Sul&!.Eram os reflexos dos boatos que correram no Rio de
dades que lhe foram freqüentes no continente de origem. No Novo Janeiro, antes de 1789, de que os negociantes desta cidade esperavam
Mundo, porém, a Ilustração foi freqüentemente recebida de maneira o auxílio francês para o movimento de Minas Gerais. Comentários e
revolucionária, dando sustentação ideológica às insatisfações dos expectativas sobre a ajuda francesa levariam, dois anos depois, os
colonos que começam a esboçar a sua autonomia. membros da Sociedade Literária do Rio de Janeiro à prisão.
As idéias da Ilustração penetram no mundo colonial por vias O observador inglês considerava que os participantes destas
diversas e por distintos contextos. Na América hispânica, as idéias dos opiniões não haviam considerado suficientemente a situação real dos
pensadores franceses chegavam através de seus divulga dores espa- colonos e afirmava:
nhóis, para os quais celtos aspectos desse pensamento estavam
vedados ou foram cuidadosamente ornítídos". No novo espírito que ~...) Revoluções em estados onde cada indivíduo tem algum
se formara, de reformas ou de transformações revolucionárias, os interesse no seu bem-estar, não são levadas a cabo sem as mais
pensadores franceses tiveram, direta ou indiretamente, um lugar de sérias qualidades; quais então seriam as conseqüências num país
destaque": Suas obras foram encontradas nas bibliotecas dos colonos onde o número de escravos excede ao de proprietários do solo
insurgentes e suas idéias orientaram a crítica ao sistema colonial e às na proporção de pelo menos dez vezes",
instituições do Antigo Regime.
Na América hispânica a desagregação do "corpo morto do
Império colonial" é acompanhada do nascimento de uma pluralidade Arevolução seria, portanto, altamente perigosa porque seria uma
de novos estados'". Enquanto ocorre esta tendência à dispersão no oportunidade para os escravos livrarem-se de seus senhores, cometen-
mundo colonial espanhol, vão sendo projetados, para o lado portu- do os mesmos horrores "que desgraçaram a Revolução de S. Domin-
guê.s do continente e no âmbito da burocracia estatal portuguesa, gos'?". Acrescentava o autor inglês as suas esperanças de que a
projetos alternativos com vistas à unidade territorial de um grande Inglaterra nunca viesse a promover tais revoluções já que estava
Império luso-brasileiro. convencido de g~e qualquer que .fosse o ganho de 'uma mudança
Enquanto na Colônia letrados brasileiros, identificados com o calma para a Amenca do Sul, ela sena logo empurrada por revoluções
pensamento revolucionário do século, vão procurando delinear as que a fariam voltar a um estado de barbarismo.
bases de uma constituição nacional de caráter regional, o Estado Barrow, no capítulo chamado "The Brazils", certamente motiva-
metropolitano vai configurando uma visão reformada do Império, que do pela grande massa de escravos negros existente na Colônia,
somente se define, enquanto projeto, no final da década de 1790, chamara a atenção sobre os acontecimentos do Haiti, examinando-os
tendo em d. Rodrigo de Sousa Coutinho, o ministro da Marinha e do naturalmente, com olhos ingleses - críticos das medidas francesas. 'A
Ultramar português, um dos seus grandes articuladores. revolução em França ele chamava "subversão francesa", recusando-
A,scríticas ao poder divino dos reis e ao absolutismo monárquico se a chamá,-la pelo "respeitável nom~ d~ re:,olução"71 e considerava-
assumiram, no Novo Mundo, o caráter de luta pela eliminação dos a responsave pelo exemplo de violência que dera aos negros
laços coloniais. Os colonos foram identificando os interesses da Coroa, antilhanos. A experiência de S.Domingos deveria servir, segundo ele,
da qual eram súditos leais, aos interesses da Metrópole. É nesse sentido para reflexão das demais colônias, principalmente aquelas onde os
que o anticolonialismo surge na América, acompanhado da crítica ao negr?s existissem em grande número. Apartir deste momento, Barrow
poder despótico dos reis e da afirmação do princípio de soberania dos considerava que o "secreto mistério que fazia o negro tremer na
povos se desenvolverem livremente, segundo seu arbítrio". pres~nç~ do branco" fora, em grande medida, dissolvido. A suposta
O mundo colonial, contudo, não foi unitário na apreensão dos mediocndade, pela qual centenas de negros eram mantidos em
princípios ,de liberdade dos novos tempos, já que as posições reverência e submissão por um branco, não era mais reconhecida
r~voluclona~'las fo~am contemporaneamente acompanhadas por posi- afirmava ele, pois "a mente rompeu seus grilhões junto com os d~
çoes reformistas ajustadas ao sistema. Por outro lado um conjunto de corpo, e a liberdade de pensamento produziu energia de ação'?'.
130 De rebelde invisível a súdito do império De rebelde invisível a súdito do império 131

No Brasil, a escravidão estava muito longe de findar, e se não era cidadão'?'. Também estes estavam excluídos do "corpo da
constituiria num dos pontos críticos para a conformação do Estado nação", à margem da história que os "brancos nacionais" pretenderam
nacional. Em 1812, escrevendc de Lisboa para o Rio de Janeiro, construir. Diante desta base social de difícil sustentação, a vertente
referindo-se à sociedade que ia se constituindo no império que então nacional ia sendo reduzida cada vez mais.
se planejava, José Bonifáio afirmaria: Na segunda metade da década de 1790, d. Rodrigo de Sousa
Coutinho começara a esboçar um projeto de recuperação dos domí-
C... ) a amalgamação muito difícil será a liga de tanto metal nios portugueses, visando a evitar através das reformas um possível
heterogêneo, como brancos, mulatos, pretos livres e escravos, renas cimento da idéia de revolução. A minoria branca da América
índios etc., etc., em um corpo sólido e político". portuguesa, diante do fracasso da Conjuração Mineira, em 1789, das
perseguições à Sociedade Literária do Rio de Janeiro, em 1794, e do
perigo representado pelo movimento baiano de 1798, devido à
Este drama, dos impasses diante da composição heterogênea da participação popular", encaminhava-se para o processo de acomoda-
população, seria vivido posteriormente pelo próprio José Bonifácio no ção. D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que pretendia conservar "o
processo de autonomia política do Brasil. Desta sociedade, emergiria, sistema federativo", cooptou muitos brasileiros, além de ter
na concepção de Caio Prado Jr., um traço fundamental: a "ausência tomado medidas favoráveis a antigos dissidentes do sistema,
de nexo moral'?', tal a dificuldade de unir indivíduos e etnias de como verifica Maxwell".
procedências diversas. O "Patriarca", em 1823, numa Representação Muitos serão os letrados brasíleiros a serem absorvidos nos
sobre a Escravatura, afirmaria à Assembléia Geral Constituinte: empreendimentos comandados por d. Rodrigo de Sousa Coutinho,
que foi o responsável pela libertação dos presos da Sociedade Literária
(...) se o mal está feito, não o aumentemos, senhores, multipli- do Rio de Janeiro, em 1797. O ministro da Marinha e Ultramar
cando cada vez mais o número de nossos inimigos domésticos, português acreditava no "novo império do Brasil" como a tábua de
desses vis escravos que nada têm a perder, antes de tudo que salvação do ReinoB2••
esperar, de alguma revolução como a de São Domingos". Sobre a visão de mundo dos letrados coloniais, ajustados à idéia
de império luso-brasileiro, há um significativo testemunho legado por
Hipólito da Costa no seu Diário da minha viagem para Filadélfia,
Os negros, por sua vez, não constituíam um setor adormecido na escrito entre 1798 e 1799, quando de sua permanência na América do
sociedade colonial, mas um setor potencialmente explosivo. Na NOlteB3• Este testemunho involuntário permite perceber uma atitude
capitania do Rio de Janeiro as primeiras notícias sobre a existência de "aristocrática" diante da sociedade norte-americana pós-revolucioná-
negros aquilombados remontam ao século XVIF6. A viabilidade, ria. Rara oportunidade, a de ver um colono da América portuguesa,
porém, destes quilombos foi inversamente proporcional a sua filtrado pela formação universitária no Reino e pelos valores do Antigo
exemplaridade, como observa Luís Felipe de Alencastro: "desde que Regime português, confrontar-se com o universo democrático daquela
um quilombo se transformava em pólo de atração para os escravos das sociedade. Vejamos alguns dos seus momentos:
regiões circunvizinhas, ele estava condenado à destruição':".
Na sua dimensão urbana, a escravidão apareceria num ofício do 1º de janeiro de 1799 - Hoje, fui apresentado pelo nosso ministro
conde de Resende para Luís Pinto, em 1796, onde o vice-rei criticava ao presidente dos Estados Unidos, John Adams.
o uso que se fazia dos escravos, enquanto má aplicação de seu
potencial de trabalho. No mesmo ofício, ele deixaria passar uma visão o presidente estava de pé, de casaca, espada e chapéu debaixo
do outro lado da escravidão, a vadiagem resultante "da vida ociosa do braço, conversando com algumas pessoas que ali se achavam.
de imensa quantidade de mulatos, e pretos forros, e que ou por não Quando se entra, dirige-se a ele e se lhe faz um cumprimento, ele
terem ofícios em que se ocupem, ou por deixarem de exercer os que pega na mão, pergunta pela saúde e diz mais alguma coisa; a mim
aprenderam, constituem uma classe de gente, vadia, viciosa, e digna me perguntou que tal achava o seu país, depois disto, todas as
dos mais severos, e reiterados castigos'?". Era o outro lado da sociedade pessoas conversavam uma com as outras, mesmo passeiam pela
escravista, o dos homens livres pobres, brancos, negros ou mestiços, casa e o mesmo presidente muda de lugar freqüentemente, de
os desclassificados, vadios na ótica dominante, como observa Laura de modo que estão todos confundidos sem ordem ou arranjamento
Melo e Sousa, que conclui: "Vadios e inúteis, era como se não de etiqueta'"
existissem, como se o país não tivesse povo - pois, cativo, o escravo
132 De rebelde invisível a súdito do império
De rebelde invisível a súdito do império 133

To~os. estayam, "confundidos"; quanto espanto para o jovem tivera nas suas mãos a tarefa de preparar o Império nesta primeira fase.
lusc;>-brasllelr?,diante d/esta cerimônia, onde não é visível a hierarquia A idéia de Império, porém, continuaria a se firmar. Já em 30 de maio
SOC1~1. O preslde~te esta no mesmo plano dos demais, "muda de lugar de 1801, o marquês de Alorna escreveria ao príncipe regente d.joão:
frequentemente , o que leva a desfazer a "ordem" a "etiqueta"
si~ação inaclmi~sí.vel, por exemplo, nas festas correspondentes n~
Remo ou na Colônia. Aquele homem que se confundia entre todos era A balança da Europa está tão mudada que os cálculos de há dez
John Adams, um dos "pais da pátria" no Estados Unidos e era o anos saem todos errados na hora presente. Em todo o caso o que
. presidente. Ninguém imaginaria tal comportamento públi~o numa é preciso é que V.A.R.continue a reinar, e que não suceda à sua
autoridade colonial portuguesa. Coroa o que sucedeu à de Sardenha, à de Nápoles e o que talvez
Nesta mesma passagem de seu Diário, ele observaria que os entra no projeto das grandes potências que suceda a todas as
senadores e pessoas mais qualificadas "vinham uns de botas outros coroas de segunda ordem na Europa. VAR. tem um grande
sem pós nos cabelos, casacas velhas':". Os símbolos da aristocracia Império no Brasil, e o mesmo inimigo que ataca agora com esta
européia ficavam desprezados diante do pragrnatísmo dos americanos. vantagem, talvez que trema, e mude de projeto, se VAR. o
Hipólito espantara-se porque "vieram a pé a maior parte". E conside- ameaçar de que se dispõe a ser imperadornaqueleuasto território
raria: "à exceção dos ministros estrangeiros, todo o resto respirava de onde pode facilmente conquistar as colônias espanholas e
muito pouca cívílízação'<. . aterrar em pouco tempo as de todas as potências da Europa.
. _Muitas são as passagens deste Diário, interessantes para detectar Portanto é preciso que V.A.R.mande armar com toda pressa os
a ,vlsao d~ mundo deste letrado luso-brasileiro, que seria preso, por seus navios de guerra, e todos os de transporte que se acharem
Pina Manique, ao voltar a Lisboa acusado de ser maçom. Em outra na praça de Lisboa - que meta nestes a princesa, os seus filhos,
passagem reveladora, Hipólito da Costa descreve o baile com a e os seus tesouros, e que ponha tudo isto a partir sobre a barra
presença do presidente Adams: de Lisboa ...88

As mesas, à ceia, não tinham criados para servir, não tinham Este documento é um dos vários textos portugueses onde a idéia
pratos para se mudar; não havia facas e garfos senão de ferro; não de Império está claramente expressa em recomendações para que, no
se mudavam, nem levavam. A harmonia reinava porto da a parte, momento de crise, a COIte portuguesa se transferisse para a América.
. nada de desc<;mtentamento, nenhuma perturbação, nem inda silvestre Pinheiro Ferreira, em 1803, também aconselhou d.João que
fora, com as Imensas carruagens que havia, criados, etc., se "à lusitana monarquia nenhum outro recurso restava, senão o de
ouviam uma só bulha, apesar de não haver guardas absolutamen- procurar quanto antes nas suas colônias asilo contra a hidra então
te; mas este sossêgo é o caráter geral da Nação". nascente, que jurava a inteira destruição das antigas dinastias da
Europa?". A "hidra então nascente" era o avanço napoleônico que
faria com que a transmígração da Corte portuguesa acabasse se
O estudante que saíra de uma colônia de base escravista onde
efetivando em 1807.
os natur~is nã~ conseguiam eleinento.s suficientes para configurar a Antes da elevação do Brasil a Reino Unido, Silvestre Pinheiro
Revoluçao Nacional, olhava com supenoridade para aquela sociedade Ferreira propunha, por ordem do príncipe regente uma lei pela qual
que se fundara sob a égíde da revolução burguesa e os considerava VAR, proclamando a sua Majestade, a rainha nossa senhora impera-
não-civilizados. Este comportamento de Hipólito levara-o a fazer dos triz do Brasil e rainha de Portugal, há por bem declarar: .
am~ricanos-dc:~orte exatamente o reg~s~rodo avesso da paisagem
s~clal ~a. Colônia portuguesa na Amenca e a partir de um viés
artstocratíco. 1º Que Y.AR. continua a exercer por si m~smo a regência
A idéia de império luso-brasileiro foi a contrapartida mais eficaz do Império do Brasil e domínios da Asia e da África;
para arrefecer as tendências autonomistas no Brasil na última década 2º Que V.A.R. delega ao sereníssimo príncipe da Beira a
do ~éculo XVIII.O antilusitanismo permaneceria existindo nos setores regência de Portugal e Ilhas dos Açores, Madeira e POltO Santo,
m~ls F?bres dos cen!rc;>surb~n?s .coloniais~ através d~ sentimeI?-tos assistido do Conselho de Estado, enquanto Sua Alteza Real não
pnn;anos, numa especie de ódio Improdutivo. Nas elites coloniais, completar a idade de vinte anos;
porem, o processo de acomodação será visível, principalmente no Rio 3º Que vindo a falecer da vida presente Sua Majestade, que
de Janeiro. D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que se demite em 1803, Deus guarde por muitos anos, V.AR. tomará o título de impera-
dor do Brasil, soberano de Portugal; e o sereníssimo príncipe da
De rebelde invisível a súdito do império 135
134 De rebelde invisível a súdito do império

Beira o de rei de Portugal, herdeiro da Coroa do Brasil, ponto de vista territorial, o Brasil que o Estado autônomo tentaria
procedendo do mesmo modo a sucessão na augusta descendên- afirmar do ponto de vista geopolítico e cultural.
cia de VAR.; Outra questão fundamental é o fato de que os homens da geração
42 Que na qualidade de soberano de Portugal, VAR., ao da independência viveram, do ponto de vista ideológico, um dramá-
mesmo tempo que pela presente lei delega ao sereníssimo tico dilema ao se verem forçados a abandonar a condição de luso-
príncipe da Beira toda plenitude da autoridade real naquele brasileiros para abraçar o projeto de construção de uma nova nacio-
Reino, quanto ao executivo, como aquele que é por sua natureza nalidade na América. Nem a nação, nem a nacionalidade estavam
inalienável, consistindo a unidade de qualquer estado em terem dadas e solucionadas na consciência dos colonos, apesar de todos os
as diferentes partes, de que ele se compõe, uma só lei e um só indícios de rebeldia na conjuntura das inconfidências. Desde o final
Iegislador'". do século XVIII o Estado metropolitano, através da ação de d. Rodrigo
de Sousa Coutinho, procurara neutralizar os ideais nacionais entre os
colonos, como observou Kenneth Maxwell" ao identificar o processo
o projeto de Silvestre Pinheiro Ferreira, de 1814, pode ser de cooptação de quadros, como é o caso exemplar de]osé Bonifácio
compreendido como um esboço da solução imperial dada à constitui- de Andrada e Silva, que exerceu funções públicas relevantes em
ção do Estado autônomo no Brasil e onde, certamente, o modelo Portugal como intendente geral das Minas e Metais do Reino (em 1801),
napoleônico está presente. A solução federa da para o mundo luso- com as honras de desembargador; lente em Coimbra de geognosia e
brasileiro, preconizada por d. Rodrigo de Sousa Coutinho, o conde de metalurgia, com o título de doutor em filosofia; além ele ter se
Unhares, terá muitos adeptos na América portuguesa, principalmente destacado na luta pela expulsão dos franceses e exercido, após este
após a transmigração da família real para os trópicos. A idéia de uma feito, o cargo de chefe de polícia elo POltO.
autonomia sem separação definitiva prevaleceu até que,nos desdobra- Em 1812,]osé Bonifácio de Andrada e Silva, ao escrever para o
mentos da Revolução portuguesa de 1820, os brasileiros se vissem Rio de] aneiro dirigindo-se à família de d. Rodrigo de Sousa Coutinho,
obrigados a reagir às tentativas de retomada dos laços coloniais. recentemente falecido, revelava suas ambições dez anos antes de se
As questões que envolvem a separação política do Brasil e tornar uma das figuras centrais da Independência:
Portugal ainda não estão suficientemente estudadas. Há muitos
aspectos que merecem um exame mais profundo e que uma análise (...) já estou velho e mal acostumado para ser sabujo e galopim
do vocabulário político poderia elucidar. Os conceitos de nação, pátria de ante-salas; mas, se me quisessem dar algum governilho
e povo precisam ser identificados na sua trajetória; para tanto, os subalterno, folgarei muito em ir morrer na pátria e viver o resto
historiadores precisam se libertar dos mitos de fundação nacional dos meus dias debaixo do meu natural Senhor pois sou portu-
forjados pela historiografia comprometida com a visão romântica da guês castiço".
nacionalidade. As construções geopolíticas do século XIX,pela via do
imaginário, acabam conduzindo os historiadores a um estranho
processo de transposição, para um passado recuado, de significados Eram pretensões muito modestas para quem viria a ser consagra-
elaborados no oitocentismo. . do como "patriarca" da Independência. "Pátria" para]osé Bonifácio,
Assim, temas como a "origem dos sentimentos nacionais" em 1812, era apenas o lugar onde nascera e onde nasceram e viveram
aparecem confundidos com a idéia genérica de Brasil no período os seus. O Reino, porém, era Portugal; "natural Senhor" o príncipe
colonial. O Brasil concebido, do ponto de vista político, pelo século regente d.] oão e portuguesa a sua nacionalidade, da qual se arvorava,
XIX, é transposto enquanto imagem para a leitura do espaço colonial ainda, a condição de "castiço". Estas observações, contudo, não
fragmentado, o que leva a inúmeros equívocos. Na verdade, a devem servir para denegrir a figura histórica do Andrada, que cumpriu
percepção da América portuguesa pelos colonos, no século XVIII, um importante papel intelectual e político na concepção do Estado
estava atrelada a uma dimensão espacial vinculada à capitania e não nacional autônomo no Brasil.josé Bonifácio, porém, exemplifica uma
ao conjunto dos territórios americanos sob a dominação portuguesa. atitude comum à sua geração na fase em que transitavam da condição
Como afirmamos antetiormente, a metrópole possuía também o de fiéis vassalos, enquanto portugueses do Brasil, para a condição de
monopólio da percepção do todo, daquilo que se configuraria no cidadãos independentes de uma nova nacionalidade, a brasileira.
Império do Brasil. Lembramo-nos, ainda, que em 1750, no Tratado de Portanto, o processo de ruptura política entre o Brasil e Portugal
Madri, o Estado português conseguira delinear, de maneira quase foi antecedido, no âmbito da geração de letrados do final do século
definitiva, o território da América portuguesa, inventando assim, cio XVIII e do alvorecer do século XIX,porum outro processo de ruptura,
136 De rebelde inuisioet a súdito do império De rebelde inoisioel a súdito do império 137

mais difícil edoloroso queosegundo, e que passava pela escolha entre (2S) Cf. DONGHI, Tulio Halperin. Historia contemporânea de America
ser português do Brasil ou brasileiro, ou ainda, europeu ou americano, Latina. 3. ed. Madrid, Alianza Ed., 1972. p. 79.
com todos os riscos e incógnitas que esta segunda opção representa va. (26) cf. ADIM, v. 1, p. 280.
Leituras anacrônicas desse processo têm dificultado a sua comprensão (27) Relatório do marquês do Lavradio apresentado ad. Luís de Vasconcelos
racional e crítica, uma vez que insensíveis para o drama vivido por toda e Sousa. Rio de Janeiro, 19 de junho de 1779. CARNnGDE, Visconde
uma geração de luso-brasileiros, quando as opções ainda não estavam de. O Brasil na administração pombalina 2. ed. São Paulo, Ed.
claras. Nacional, 1979. p. 24S.
(28) IlSBOA. AHU - ofício do vice-rei conde de Resenele a d. Rodrígo ele
Sousa Coutinho. Rio de Janeiro, 15 de maio de 1799 (manuscr.).
Documentos do Rio de Janeiro. Cx. 170.
(29) MOTA, C. G. Op. cit., p. 17-27.
NOTAS
(30) Cf. MAXWELL,Kenneth. Op. cit. E ainda em: The Generation of the
(I) Cf Estudantes brasileiros em Coimbra, Anais da Biblioteca Nacional. 1790's. In: ALDEN, Dauril, ed. Colonial Roots cf Modern Brazil.
Rio de Janeiro, 1940, v. 62, p. 174. Uníversity of Califomia Press, 1973. p. 107-144.
(2) Cf. Pedrosa, Manoel Xavier ele Vasconcelos. Estudantes brasileiros na (31) Cf. ALDEN, Dauril. Royal Government in Colonial Brazil; with Special
Faculdade de Medicina no fim cio século Xvlll, R1HGB, v. 243, p. 3S-71. Reference to the Admínístratíon of the Marquis of Lavradio, víceroy
(3) Cr. Pedrosa, ]V!. X. ele V. Op. cit., p. 41 e 48-S0. 1769-1779. University of Califonlia Press, 1968, p. 29.
(Li) Carta de Thomas jeíferson a john jay. ele 4 ele maio de 1787. [([UCB, (32) Doe. cit.
t. 47, p. 127. (33) IlSBOA. AHU - Ofício do conde de Resende a Martínho de Melo e
(S) ld., p. 127. Castro, em atendimento a seu A viso de 10 de março de 1793. Rio de
(6) lei. Janeiro, 23 de setembro de 1793 (manuscr.). Documentos do Rio de
Janeiro. CX. ISI.
O) lei.
(34) IlSBOA. AHU - ofício do conde de Resende a Martínho deMelo e
(8) Id., p. 120. Castro. Rio de Janeiro, S de junho de 1793 (manuscr.). Documentos elo
(9) lei. Rio de Janeiro, CX. IS1.
(10) LISBOA AI-Il1- Carta ele Amador Patrício ele Portugal a Martinho ele (35) Id.
Melo e Castro. Rio de janeiro, 4 ele março c1e1790 (manuscr.). (36) Id.
Documentos cio Riode Janeiro, Cx. 144.
(37) O ministro morre em 24 de março de I 79S, sendo substituído interina-
(I I) Carta de Thornas Jerrerson. Op. cit., p. 128. mente por Luís Pinto de Sousa Coutinho, a quem, no ano seguinte,
(12) FRfEIRO, Eduardo. O diabo nu liuraria do cônego. Belo Horizonte. sucederá o embaixador português em Sardenha, d. Rodrígo de Sousa
ltatiaía. 19S7 p.40. . Coutinho. o. MAXWELL,K. Devassa da Devassa, p. 233-4.
(13) Apucl foRJEmO, E. Op. cit .. p, 48-9. (38) IlSBOA. AHU - Ofício de Martinho de Melo e Castro para o marquês
(] 4) Carta ele Thornas jefferson, Op. cit., p. 128. morelomo-mor. Sítio de N.s. da Ajuda, 2 ele março de 179S (manuscr.).
Documentos do Rio de Janeiro, Cx. lS2.
(IS) Id., p. 120.
(16) ld. (39) Id.
(17) lei. (40) Id.
(is lei. (41) Id.
(19) lei., p. 129. (42) ALDEN, Dauril, The population ofBrazil in the late eíghteenth cenrury.
a preliminar study. Hispanic American Historical Review, Durham,
(20) ld, North Caroline, Duke Univ. Press, 43: 17S-20S, maio 1963.
(21) rel.· (43) IlSBOA. AHU - Extrato da população da capitania do Rio de Janeiro
(22) feL (manuscr.). Documentos elo Rio de Janeiro. Cx. 160, nQ 80.
(23) ld., p. 1;31-2. (44) Resumo total da população que existia no ano de 1799, compreendidas
(24) Cr. SÁNCHEZ - BARBA,M. Hernándes. Ias Índias en el siglo XVllI. lu: as quatro freguesias desta cidade elo Rio de Janeiro até ao último ele
VIVES, Vicens, cel. Histeria Social de Espana y America. Barcelona. Ed. dezembro do dito ano. Recenseamento Gemi da República dos Estados
Vicens Vives. 1794. v. 4. p. 4J1í-') Unidos do Brasil. 31 de dezembro ele 1890. p. 10.

l,
138 De rebelde invisível a súdito do império De rebelde inuisiuel a súdito do império 139

(45) LOBO, Eulália Maria L História do Rio de janeiro; do capital (67) COSTA,Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emanei pação política.
comercial ao capital industrial e financeiro. Rio de Janeiro, In: MOTA, Carlos Guilherme. Brasil em perspectiva. 3. ed. São Paulo.
IBMEC, 1978, v. 1, p. 55. DIFEL, 1971, p. 73.
(46) cf. Memórias públicas e econômicas da cidade de São Sebastião do Rio BARROW, J. Op. cit., p. 133.
(68)
de Janeiro para o uso do vice-rei Luís de Vasconcelos, por observação
curiosa dos anos. de 1779 até o de 1789. R1HGB, t. 47, p. 49. (69) Id.
(47) Wehling, Amo. O fomentismo português no final do século XVIII; (70) Id., ibid., p. 134.
doutrinas, mecanismos, exemplificações. R1HGB, v. 316: 170-278. (71) Id., ibid., p. 116.
(48) ARRUDA,José jobson de. O Brasil no comércio colonial (1796-1808); (72) Id., ibid., p. 118.
contribuição ao estudo quantitativo da economia colonial. São Paulo, (73) Rio de Janeiro. IHGB. Carta de José Bonifácio a d. Domingos Antônio
1972. (mimeogr.) Tese dout. Dep. História, Fac. Pil., Ciên. Hum., ele SousaCoutinho. Lisboa, 30de julho de 1812. ColeçãoJoséBonifácio,
USP, p. 114. lata 191. manuscr. 4.845. Reproduzida por Hélio Vianna em: Correspon-
(49) ARRUDA, J. Op. cit., p. 116. Sobre o movimento do pOItO do Rio de dência de José Bonífácío (1810-1820). Revista de História. S. Paulo,
Janeiro veja-se também SANTOS, Corcino Medeiros dos. Relações USP, 27, 1963. p. 2.26.
comerciais do Rio de janeiro com Lisboa (1763-1808). Rio de Janeiro, (74) PRADO JR., C. Op. cit., p. 340.
Tempo Brasileiro, 1980. SILVA,José Bonifácio de Andrada e. Representação à Assembléia Geral
(75)
(50) BARROW, J. Op. cit., p. 85. Constituinte e Legíslatíva do Império elo Brasil, sobre a escravatura. In:
(51) RIO DE JANEIRO. AN. Autos de exames em embarcações estrangeiras Falcão, E. de c. org. Obras cieruificas e políticas e sociais de josé
que penetravam no Rio de Janeiro (1796-1797). Caixa 492. Bonifácio. S. Paulo, Rev. dos Tribunais, 1965. 2 v.
(52) USBOA. AHU - ofício do conde de Resende a Luís Pinto de Sousa. Rio (76) Cf. UMA, Lana Lage da Gama. Rebeldia negra e Abolicionismo. Rio de
de Janeiro, 9 de junho de 1795 (manuscr.), Documentos do Rio de Janeiro, Achíamé, 1981. p. 34.
Janeiro, Cx. 156. (77) ALENCASTRO, Luiz Felipe de. La Traite Négriêre et L'Unité Nationale
(53) BARROW, J. Op. cit., p. 90. Brésilienne. Reuue Française d'Histoire d'Outre-Mer, t. 66. 1979,
(54) Id .. nºs. 244-245. p. 396.
(55) Id., ibid., p. 91. (78) USBOA. AHU - Ofício elo conele ele Resenele a Luís Pinto ele Sousa, Rio
de Janeiro, 11 de abril de 1796 (manuscr.). Documentos do Rio de
(56) Ver, no Apêndice, os textos dos seguintes documentos: Representação Janeiro, Cx. 151.
dos professores régios de humanidades da cidade do Rio de Janeiro à
rainha d. Maria I (janeiro de 1788 e março de 1793) e Requerimento dos (79) SOUSA, Lama de Mello E. Os desclassificados do ouro: estudo sobre a
professores régios ele humanielades da cielade do Rio ele Janeiro a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro, Graal, 1982.
Martínho ele Meio. e Castro (fevereiro de 1787). (80) cf. ISTVAN JANCSÓ, Contradições, tensões, conflito: A Inconfidência
(57) Sobre a questão das reformas empreendielas por Pombal ver: Antônio Baiana de 1798. Rio de Janeiro, UFF, 1975. (mimeogr.).
Alberto Banha de Andrade, As reformas pombalinas da Instrução (81) MAXWELL, K. Op. cit., p. 254.
Pública. São Paulo, Saraiva, 1978, e Contributos para a história da (82) DIAS, Maria Odila da Silva. A interiorização da metrópole. In: MOTA,
mentalidade pedagógica portuguesa. Lisboa, Imprensa Nacional, 1982. C. G., org. 1822. Dimensões. São Paulo, Perspectiva, 1972. p. 167.
(58) Representação de 1793 ... (83) Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça formou-se em 5
(59) Id. de julho de 1798 na Universidade de Coimbra. Três meses depois, em
, , 22 de setembro, d. Rodrigo de Sousa Coutinho o enviaria, com
(60) rei.
instruções necessárias, aos Estados Unidos e México, para fazer uma
(61) Id. espécie de "espionagem industrial" (como se diria hoje) em algumas
(62) Id. das atividades econômicas norte-americanas. cf. DOURADO,Mecenas.
(63) NOV AIS, Fernanelo A. Op. cit., p. 158-9. Hipólito da Costa e o Correio Brasiliense. Rio de Janeiro, Biblioteca do
(64) cf. ROMERO,J. L.Prólogo. In: Pensamiento Politico de laErnancipacion. Exército, 1957. t. 1, p. 46-57.
Caracas, Ayacucho, 1977. p. XIV-XV. (84) COSTA, Hipólito da. Diário da minha viagem para Filadélfia (1798-
(65) cf. TRENARD, Louis. Presentation de Lumíéres et Révolution. Revue 1799). Rio de Janeiro, Publicações da Academia Brasileira, 1955. p. 68.
Dix-Huitiême Siêcle. Paris, Garnier, 1974, p. 4-5. (85) Id., ibid., p. 68.
(66) PAZ, Octávio. El Labirinto de Ia Soledad. Mexico, Fendo ele Cultura, (86) Id., ibid., p. 69.
Económica, 1976, p. 107. (87) Id., ibid., p. 78.

I
1
140 De rebelde invisível a súdito do império

(88) Cartaded. Pedro, marquês de Alorna, ao príncipe regente d.joão, Apud


5. CONCLUSÃO
SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. Da colonização à Europa
possível: as dimensões da contradição. In: Grandjean de Montigny e o
Rio dejaneiro. Rio de Janeiro, PUC, 1979. p. 26.
(89) FERREIRA,Silvestre Pinheiro. Memórias políticas sobre os abusos gerais
e modo de os reformar e prevenir a revolução popular. Redigídas por
Oordem do príncipe regente. Rio de Janeiro, 1814.RD-lGB, t. 47. p. 03.
(90) Id.
(91) MAXWEll, Kenneth, op. cit., p. 254. Tomando por base as manifestações ideológicas da crise do antigo
(92) Carta deJosé Bonifácio de Andrada e Silva. Apud VIANNA, Hélio. sistema colonial na Colônia portuguesa da América, noúltimo quartel
Op. cit. do século XVIII, e a partir da análise da relação entre os letrados e o
poderno núcleo urbano do Rio dejaneiro, no período correspondente
às devassas da década de 1790, concluímos que se delinearam duas
vertentes básicas: .
a primeira, a vertente autonomista nacional, tem suas raízes
em setores bem definidos da formação social da colônia; para
este caso os letrados constituem uma espécie de consciência
limite dos proprietários e negociantes identificados com aface
revolucionária da ilustração;
a segunda, a vertente do Império luso-brasileiro, é produzida
nos quadros da burocracia estatal portuguesa, procurando
cooptar os letrados da Metrópole e ela Colônia e se identifica
com a face reformista da Ilustração.
A primeira vertente caracteriza-se: .
a. por uma apreensão fragmentada e regional elo espaço físico
ela Colônia, acompanhando a dispersão da ocupação do
território e a própria geografia da proelução colonial;
b. por uma apreensão parcial do que se denomina com9 "corpo
ela nação"; mais elo que parcial, ela é excluelente. E parcial
porque vê apenas os brancos nacionais como componentes
do "corpo da nação" e é excluelente porque se recusa a
considerar as demais componentes étnicas da população.
Exclui, portanto, os não-brancos ela cidadania em potencial.
A segunda vertente caracteriza-se:
a. por uma apreensão ele conjunto, das partes a que
"genericamente" se chamou de Brasil; detendo o monopólio
desta percepção do todo no interior da burocracia estatal
portuguesa. Esta visão é multicontinental e federada, tem em
el.Rodrigo de Sousa Coutinho a sua principal expressão;
b. sua percepção do social também é excludente, porque
concebida nos parâmetros do Absolutismo português.
Na conjuntura estudada, do confronto das duas vertentes, sairá
vencedora a segunda, que corresponde ao projeto de Império luso-
brasileiro. O projeto de Império desloca a consciência da maior parte
dos letrados coloniais, da condição de revolucionários (em potencial)
para a condição (reformista) de súditos leais. Atribuímos, portanto, a
derrota da vertente autonomista nacional, a dois aspectos básicos:
141
142 Conclusão

para a condição (reformista) de súditos leais. Atribuímos, portanto, a 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


derrota da vertente autonomista nacional, a dois aspectos básicos:
1Q) as próprias contradições inerentes à formação social da
Colônia, cujas relações sociais deproduçãoescravista atingem
o universo da produção íntelecnial, limitando na consciência
dos letrados coloniais a apreensão do ideário liberal e
bloqueando sua percepção do cojunto do espaço colonial;
2 a violência da repressão, que reproduz e administra um
Q)

medo multicontinental. 1. FONTES


A transferência da corte portuguesa, em 1808, viabiliza a
implantação do projeto de Império luso-brasileiro. O Rio de janeiro,
agora uma corte nos trópicos, se constituirá em centro de poder de 1.1 Manuscritas
todo o território. Aesta tentativa imperial será adicionada aímportação
de uma razão européia, que as contradições da formação escravista IlSBOA. Arquivo Histórico Ultramarino. Documentos do Rio de Janeiro
bloquearão. A import.ação dos mestres da missão artística francesa, de Cx.: 142 a 150,161,163,167,169,170 a 192.
1816, com suas obras e projetos, constituem a melhor representação Maços: 143
desta Europa possível, que a implantação de uma Corte nos trópicos Observação: Os documentos do Arquivo Histórico Ultramarino são
irá demandar. \ citados apenas pelo número da Caixa devido às freqüentes alterações
Os impasses examinados nesta conjuntura de crise apontam para feitas na numeração dos documentos, sem tabela de equivalência.
IlSBOA. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
um momento posterior, onde a construção ideológica da nação será Códices do Brasil: 1,2,4,5,6.
uma tarefa que se impõe ao Estado imperial autônomo. No Brasil, o Real Mesa Censória: Catálogo para exame dos livros para entrarem no
Estado, mais do que em qualquer outra parte da América, antecede à Brasil.
nação. Esta, por sua vez, assim como a nacionalidade, se constituirá IlSBOA. Biblioteca Nacional de Lisboa, Seção de Reservados
em projeto dos estadistas != intelectuais. Caixa: 98
RIO DE JANEIRO. Arquivo Nacional. Seção de Documentação Histórica.
Códice: 759
Cx.: 764, 492, 493, 496, 500, 502,641, 711 e 712.
RIO DE JANEIRO. Biblioteca Nacional. Seção de Manuscritos.
Mss-11, 2, 2
RIO DE JANEIRO. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Lata: 191

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vice-rei conde de Resende contra o juiz de fora Baltasar da Silva Lisboa
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143
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Ofício do conde de Resende a Luís Pinto de Sousa


Rio deJaneiro, 11 de abril de 1796. (manuscr.)
Lisboa, AHU. Does. Rio de Janeiro, Cx. 151.

Ilm? e Exmº Sr.

Os inumeráveis e prejudiciais inconvenientes, que tenho obser-


vado na má aplicação que os moradores desta cidade abusivamente
fazem dos seus escravos, concorrendo de alguma salte para a sua
prevaricação, ou por não quererem alugá-Ias a •pessoas, que os
empreguem nas suas fábricas, e lavouras, dado o caso que nisto
houvesse conveniência, ou por permitirem, que eles livremente
busquem os meios de ganhar os jornais que lhes arbitram; assim como
também a vida ociosa de imensa quantidade de mulatos, e pretos
forros, e que ou por não terem ofícios, em que se ocupem, ou por
deixarem de exercer os que aprenderam, constituem uma classe de
gente, vadia, viciosa, e digna dos mais severos, e reiterados castigos;
me induziram a tomar a deliberação de fazer com cores naturais o •
retrato assim da vida criminosa, e repreeensível desta gente, cofno
daqueles acima ditos inconvenientes, para que se a V. Exa. parecer
digno de chegar à real presença de Sua Majestade seja manifesta à
mesma senhora a falta de polícia, que aqui se observa sobre um objeto
tão interessante ao aumento de todo o Estado, e bom regímen desta
capital, a fim de se aplicarem os meios mais próprio a remediar tantos
males; persuadindo-me que não deixarão de ser atendíveis alguns
apontamentos, que sobre isto faço, guiado pela experiência que neste
governo tenho adquirido. § Em primeiro lugar a maior parte dos
habitantes mais opu1entos desta cidade costumam conservar em suas
casas um grande número de escravos de ambos os sexos, que eles
querem capacitar serem necessários ao seu tratamento, .quando
realmente eles concorrem para a ruína, e até para a desonra das mesmas
casas; por que se os escravos têm algum ofício, ou não encontram
ocasiões de se empregarem, ou fogem das que se lhes oferecem,
inventando diversas desculpas para enganarem aos senhores, e muitas
vezes jogando, cometendo roubos, e outros crimes, a fim de comple-
tarem os seus jornais. E se os referidos escravos são mandados ao
ganho, como geralmente se pratica com os que não têm ofício, sucede

149
150 Apêndice Apêndice 151

que por fugirem dos trabalhos, em que possam licitamente ganh~r os que seguem os donos, mestres das oficinas, comprando escravos para
seus jornais, ou por não os acharem, por causa da concorrência, e os aplicarem aos mesmos ofícios, a fim de não admitirem os libertos,
multidão dos mesmos escravos, entregam-se ao ócio, à bebedice, e a ou por não terem autoridade para os constrangerem a trabalhar
todo o gênero de vícios, de maneira que em pouco tempo ficam inábeis regularmente, ou por acharem muito maior conveniência em empregar
pelas moléstias, que adquirem; e vêm a causar um gravíssimo prejuízo os próprios escravos nas suas oficinas: e assim por esta causa, como
aos seus senhores, já com as despesas, que fazem no seu curativo, já por não se quererem sujeitar a servir em algumas casas, onde viveriam
na falta dos jornais, que deixam de ganhar; não me esquecendo de mais comedidos, e menos necessitados, andam ociosos, vagabundos,
dizer, que os ditos escravos, ouos satisfazem por meio daqueles crimes e sem pre dispostos para as desordens de todo o gênero, apesar das leis
já ponderados, ou para evitarem o castigo, de que se receiam, de Sua Majestade, e das ordens, e providências, que se dão para os
ausentam-se, e metem-se pelos matos, onde muitos passam toda a conterem no exercício de suas obrigações. § Devo dizer mais, que a
vida, causando aos lavradores danos muito consideráveis. §Damesma maior parte das mulatas, e pretas libertas, quando não vivem agregadas
forma as escravas, umas se conservam nas casas sem terem em que se à família dos seus antigos senhores, a quem quase sempre são nocivas,
ocupem seriamente, e outras andam pelas ruas a vender algumas coisas ou pela sua má conduta, ou pelas intrigas que se geram no interior das
insignificantes, a fim de darem o jornal, que comum ente perfazem com mesmas famílias, alugam casas para morarem sobre si, ou em compa-
escandalosas ofensas de Deus, e notável detrimento assim pessoal, nhia de outras da mesma classe, esperançadas de fazerem fortunas com
como dos seus mesmos senhores. Etanto estas, como as primeiras, são uma vida escandalosa, e libertina, a que vão dar fim no Hospital da
as que dão um péssimo exemplo às famílias com o seu mau Santa Casa, depois de terem sofrido os incômodos da indigência, e
procedimento, e facilitam a sua desonra por todos os modos, que miséria, quando a sua idade e moléstias as inabilitam para o modo de
podem vir à imaginação. Deste defeituoso e terrível costume segue-se vida, que tinham abraçado; e até para corromperem outras com os seus
outro mal não menos considerável na multidão de filhos destas péssimos conselhos, e diligências. § De todos estes inconvenientes
mesmas escravas; porque sendo criados com demasiado mimo, se acima referidos procede existir dentro da cidade um grande número
fazem depois altivos, insolentes, e propensos a toda a qualidade de de pessoas vadias, que de outra coisa não servem mais do que para
crimes. § O que sucede entre os moradores abastados observa-se a inquietarem o sossego dos outros moradores, consumirem os manti-
proporção nas pessoas mais necessitadas; porque o seu primeiro, e mentos, aumentarem a sua carestia, e ultimamente tirarem as esmolas
maior esforço é adquirir com o que hajam de comprar uma escrava devidas aos que realmente as merecem. Para se remediarem estes
assim para o seu serviço doméstico, como para lucrar pelas ruas defeitos, que pela sua gravidade ainda me parece tratados ligeiramen-
vendendo alguma coisa, sem perderem de vista o interesse de virem te, só julgo poderosas e eficazes as respeitáveis providências, que Sua
a possuir tantos mais escravos, quantos forem os filhos, que nascerem Majestadefor servida dar a este respeito; sem ofensa das quaís proporei
contraídos por caminhos tão abomináveis. § Em segundo lugar-esta as que me ocorrem para se observarem, se forem dignas da Real
multidão inumerável de mulatos, crioulos, e pretos forros provém da Aprovação da Mesma Senhora, sem a qual nem as que eu poderia
facilidade com que os senhores lhes conferem liberdade em atenção interinamente dar, teriam toda a sua devida execução, nem deixariam
unicamente a serem nascidos, e criados em casa, ou por terem recebido de excitar o clamor de um povo arraigado aos seus inveterados
o seu valor adquirido quase sempre por meios criminosos, ou prejuízos, quando não procede da autoridade de quem constantemen-
finalmente por ficarem libertos depois do seu falecimento. Todos estes te o procura felicitar. § Os inconvenientes, que se descobrem,
indivíduos, entre os quais se devem contar igualmente os ingênuos, provenientes da multidão de escravos de ambos os sexos, por isso
vendo-se na sua inteira liberdade, sem meios de poderem subsistir, ou mesmo que são tão evidentes, não sei que possa haver meio de os
com desprezo daqueles, que lhes facilitam os ofícios, que muitos remediar, pela impossibilidade de se arbitrar, a cada morador, aqueles
teriam aprendido, entregam-se a todo o gênero de vícios, tornando- que lhe sejam indispensáveis para o serviço da sua casa, e subsistência
se facinorosos, lascivos, ébrios, e irreligiosos, pois que nos templos é de sua família; mas quanto aos libertos, proporei alguns, levado não
onde cometem os maiores insultos, e desacatos. Esta mesma classe de só dos motivos que deixo ponderados, mas também de dois que julgo
gente é que depois de passar uma vida tão estraga da , inúteis, e merecerem toda a contemplação. O primeiro é a manifesta despropor-
prejudiciais a si, e ao Estado, e depois de terem arruinado as casas com ção' que reina entre esta qualidade de gente, e a força militar da mesma
os furtos de honra, e fazenda, pela fácil introdução, que nelas têm, ou cidade; por que havendo aqui presentemente um corpo de tropas tão
podem dar a outros, ficam reduzidos à mendicidade, rotos, chagados, diminuto, fica sendo aquela muito mais temível asssim pelo seu
e infeccionados de outras moléstias contagiosas. Não concorre pouco número, como pela perversidade do seu caráter: e será por conse-
para a falta de meios de subsistir, que esta gente experimenta; o sistema qüência muito do serviço de Sua Majestade que se diminua uma classe
152 Apêndice Apêndice 153

de homens, que sempre propendem a cometer toda a espécie de capacidade; procurando-se obras de toda a qualidade para ali se
crimes, vista a impossibilidade que há de conservar tropa mais fazerem, e que não deixarão de ter uma pronta extração, vendendo-
numerosa, e capaz de conter, e reprimir os excessos de uma plebe se por menos alguma coisa do estado atual da terra. Com. os
ignorante e viciosa. O segundo motivo é a ruína da mesma tropa rendimentos desta casa se devem vestir, e sustentar os que nela
procedida da fácil e freqüente comunicação, que têm os soldados com existirem. §Em segundo lugar seria muito conveniente, que houvesse
mulheres da mesma qualidade entregues à prostituição, com as quais outro ministro com igual intendência sobre todas as mulheres da
gastam opouco que possuem, faltando às suas obrigações, estragando mesma qualidade, o qual deveria ter uma matrícula para dela constar
a sua saúde, e fazendo a Sua Majestade uma despesa incompreensível a idade, estado, e gênero de vida de cada uma destas pessoas. As que
nos curativos, que no Hospital se lhes administram; e muitas vezes sem estiverem adidas a famílias honradas conservar-se-ão no mesmo
proveito, por causa da gravidade das suas moléstias venéreas, que até estado. As que viverem sobre si, sem ocupação, nemmeios de subsistir
para si totalmente se inabilitam. § Prirneírarnnte seria de conhecida licitamente, serão enviadas para outra casa de correção, em que
utilidade, que se formalizasse uma relação de todos os mulatos, trabalhem da mesma maneira, e método, com que o fizerem os
crioulos, e pretos forros da qual constassem as suas idades, ocupações, homens. As que pelas sua tenra idade se acharem em disposição de
e estado, para se conservar em mão de um ministro, que tiver a aprender alguma ocupação própria do seu sexo, ou serão entregues
particular intendência deste ímportantíssimo objeto de polícia. Igual- a pessoas capazes, e de probidade, que as eduquem, e ensinem até que
mente serão obrigados a dar parte ao mesmo ministro todos os que se lhes dê algum destino, ou serão instruídas na sobredita casa, onde
obtiverem carta de liberdade, a fim de serem matriculados, e se tomar chegando à idade competente deverão casar com os que estiver~m na
deles inteiro conhecimento, impondo-se alguma pena aos que não o primeira casa de correção para serem conservados nesta CIdade
tiverem feito dentro de um determinado tempo: o que facilmente segundo a sua índole, ou remetidos para alguma das partes acima
poderá constar, se as referidas cartas forem rubricadas pelo sobredito declarada, dando-se-lhes o adjutório, que Sua Majestade concede aos
ministro. De todos estes indivíduos se fará uma exatíssima inquirição casais das Ilhas. Desta SOlte se poderá evitar a prostituição de tantas
sobre o seu modo de vida, procedimento, e conduta; para que os que pessoas, forçadas talvez da necessidade; aumentar a população do
se acharem estabelecidos, e merecedores de serem conservados Estado, onde ela se faz tão precisa; multiplicar o número de braços
dentro da cidade, continuem a viver da mesma forma. Os que não convenientes à lavoura; e tirar muito proveito da sua atual inutilidade,
tiverem ofício, mas forem bem procedidos, e de idade competente, dando-se-lhes meios de viver com menos precisões em lugares, onde
serão entregues a mestres que dentro de tempo prefixo darão conta da a quantidade, e preço dos víveres é muito mais acomodado. § Em
sua conduta, propriedade para o ofício, e aplicação ao trabalho, para terceiro lugar dever-se-ia proibir a todo o mestre de ofício mecânico
se lhe dar a correção proporcionada quando eles a mereçam. Os que admitir, e ensinar escravos seus ou alheios; porque ainda que eles
finalmente forem vadios, e, viciosos, tenham ou não aprendido achem mais conveniência trabalhando com oficiais próprios, não é
ofícios, serão remetidos para o continente do Rio Grande, Santa justo que se atenda ao seu particular interesse com detrimento comum
Catarina, Cantagalo, e outros semelhantes estabelecimentos, onde daqueles, que por este princípio são excluídos das oficinas, e de
aumentarão certamente a população, empregando-se na cultura das muitos que voluntariamente se excusam, por se envergonharem de
imensas terras que há, e em criações de gados; praticando-se porém trabalhar juntamente com oficiais, e aprendizes cativos. Deste modo
com os que forem cisados o mesmo que Sua Majestade manda observar cessaria a necessidade que os mestres têm de comprar escravos;
com os casais vindos das ilhas para se estabelecerem naquele empregar-se-ia muita parte dos libertos, que não acham ocupação; e
continente; pois desta sOlte vendo-se fora da cidade sem tantos meios, alguns brancos que fogem de certos ofícios por não concorrerem com
que ela oferece Rara a sua dissolução, não só se poderiam corrigir, e escravos, deixariam de aprender outros menos úteis à República, e se
alimentar mais facilmente, mas também serviriam aos outros de aplicariamaos que são essencialmente precisos; devendo-se conservar
exemplo, para se apartarem do prevério caminho, que eles seguiam. somente aquel,es oficiais escravos que :xis.tissem ao tempo em quese
Haverá para o mesmo fim uma casa de correção, dirigida por aquele houvesse de por em pratica esta providência. §Para aumentar-se enfim
ministro, no qual trabalhem todos aqueles em que houver algum a cultura das terras, que, pela impossibilidade dos lavradores, estão
justificado motivo para não serem exterminados, e juntamente os que cobertas de matos incultos, persuado-me que seria um eficaz expedi-
não forem incorrigíveis, e onde apredam algum ofício os que não ente obrigar as Câmaras que contribuíssem para um fim de tanta
tiverem meios de viver, ou não puderem ser admitidos para o mesmo utilidade, e merecimento, abonando, ou comprando à sua custa seis
efeito em oficinas particulares, Esta casa, onde todos devem morar, escravos para os dar a um lavrador pobre, e solteiro, que se quisesse
poderia estabelecer-se em algumas das fortalezas, em que para isso há casar convidado deste partido. O referido lavrador, de quem devia
154 Apêndice Apêndice 155

preceder uma exata informação sobre o seu procedimento antes de se Carta de Amador Patrício de Portugal a
lhe conceder esta graça, seria desobrigado de fazer pagamento Martinho de Meio e Castro.
daqueles escravos no primeiro ano; mas nos seguintes os entrariam a Rio de Janeiro, 4 de março de 1790 (manuscr.)
fazer até satisfazerem o total do valor arbitrando-se prudentemente a Lisboa. AHU. Docs. Rio de Janeiro, Cx. 144.
quantia, que deviam dar em cada um ano, atendendo-se às estações,
à fertilidade das terras, e ao gênero de cultura em que se empregasse.
Para maior segurança desse dinheiro despendido pela Câmara, se Sua Majestade e o seu Ministro de Estado estão muito mal
nomearia o Senhor de Engenho mais vizinho, ou Fazendeiro mais informados de algu~as circunstâncias da América, respeito ao gênio,
abonado, que ficasse incumbido de exibir em tempo consignado uma ,comportamento, e intenções de se.us nacionais. Este~, que d~vendo
exata conta do procedimento do lavrador; do bom uso que fizesse dos vangloriar-se de serem, por seus paiS, europeus por ongem (visto que
escravos, e da possibilidade, ou impossibilidade de aprontar os escapando desta ascendência) t~m somen!e ~uas a qu~ recorre:, <)ue
competentes pagamentos; e segundo esta informação se procederia são ou os negros do sertão daAfnca, ~u os índios na~r.als da Amenca)
contra o beneficiado, se não se conformasse às condições pactuadas: são os mesmos, que tratam com o maior desprezo, e ódio aos europeus
e só no caso de não dar parte em tempo, ficaria responsável o fiador seus melhores progenitores. .
pelos prejuízos. Este benefício se poderia estender até o número de Eles os têm em conta de gente vil, cativos do trabalho, avaliando
seis pessoas por cada vez nesta cidade, e de quatro, ou dois nas outras por homem de vida vergonhosa todo o que se ~ujeita a um lícito .tráfico
vilas com aq.ueles escravo~, que se pudessem regular p~lo estado. d.a para sobressair à pobreza em qu~ nasceu, e Vlve~com honra, livre da
terra, e rendimentos da Camara. Logo que algum dos ditos benefici- indigência. Não podem ver, sem Inveja, que um filho de Portugalsalte
ados tivesse completado os seus pagamentos, se passaria a dar o no Rio de Janeiro pobre, e que entrando em casa de um ne~oC1ante
mesmo socorro a outro lavrador, que estivesse nas circunstâncias já com o exercício de caixeiro venha dentro em doze, ou mais anos a
referidas; porém se por algum motivo não houvesse logo lavrador constituir-se, pelo seu bom procedimento, outro negociante, vivendo
solteiro, que quisesse casar, se poderia admitir entre os outros um em opulência com o seu negócio.
lavrador casado, pobre, e trabalhador. Por este meio se multiplicaria Contentam-se de os murmurarem, tendo-os (sem exceção) em
notavelmente o número de agricultores; cessaria muita parte da classe de marinheiros, dizendo, contra a verdade, que os viram saltar
indigência, que se experimenta; e as Câmaras não teriam tal prejuízo, I , todos descalços, com calças breadas para depois os ye~em saltar de
que se haja de pôr em paralelo com os grandes interesses, que deste sege. Nem é possível tirarem disto exemplo, p~r~ <)ueImitando-os em
sistema se poderão originar. Dado porém o caso em que as Câmaras uma vida aplicada, se possam resgatar da rrusena de quem VI;rena
não se achassem com forças para trazerem em giro o cabedal maior escravidão. Todo. o filho do Br~si1t~m em desp~ezo todo genero
necessário a este emprego, não pareceria muito sensível gravar-se de trabalho ainda o mais decente: sao cnados na maior ociosidade, e
impor ao povo alguma leve contribuição para esse fim somente, a qual vivem na maior dependência, porque nem se podem vestir. sem
deveria cessar logo que se tivesse completado a quantia competente; contraírem dívidas em casa dos mesmos de quem falam mal. Vivem
sendo provável que estas palpáveis utilidades reprimiriam algumas porém muito enriquecidos, e muito abun_dantes de am~r próprio, de
vozes excitadas pela novidade da imposição. § Estes são os expedien- forma, que bem se pode dizer deles, que sao um ye.rc:Jadelroemblema,
tes, de que me lembro para ter a honra de os propor a V.Exa. sem entrar em que se vê retratada a vaidade ao lado da rmsena.
em detalhes mais especificados; porque espero, que no caso de Padecendo todos a loucura de se terem em conta de fidalgos,
parecerem úteis ao aumento de toda esta Capitania, e em conseqüência apenas seus pais, ou avós fossem almotacés, ou vereadores; eles tra~am
ao dos Rendimentos Reais, suprirão os manifestos talentos de V. Exa. genericamente os filhos de Portugal por marotos, galeg?s, ~ocht1as,
naquela parte que não alcançam os meus conhecimentos. Deus guarde e lacaios, sem exceção dos que nãc;>o são: basta que sejam filhos de
a V. Exa. = Rio de Janeiro, 11 de abril de 1796 = Conde de Resende = homem pobre de alguma vila, ou Cidade, ou de algum lavrador para
Sr. Luís Pinto de Souza. os honrarem com tão esbeltos títulos.
Este mesmo desprezo bárbaro com que tratam a todos os filhos
de Portugal, (a quem costum~r:t denomit;ar filhos de fora) é.tão geral
em todos os nacionais da Amenca, que ate o mesmo BISpo Dloce~~no
deu provas .em um ato público de ser animad_o pel,o r:tesmo esp~nto.
Defendendo-se há alguns anos, umas conclusoes publicas na Ig.!ejade
São Pedro desta cidade, fez o mesmo prelado uma separaçao dos
Apêndice 157
156 Apêndice

clérigos americanos, e dos europeus. Ele mesmo interrogava a cada um ociosidade, nem podem ser prestativos a si nem úteis ao estado
qual era a sua pátria: os que diziam serem do Rio de Janeiro, puxava- geral da nação. '
os a ~i,~izendo; para cá; e aos que respondiamserem de Portugal, logo Contudo, eles ainda vivem meio sufocados, e este ódio original
lhes mtimava com alguma austeridade, para lá, para lá. Desta forma fez que professam aos europeus, ou é somente demonstrado entre eles
duas classes de clérigos, postando junto a si a que era de seus patrícios; mesmos, ou quando se acham maior número de nacionais americanos
e destacando para o largo aos europeus, que estes eram tidos por ele com m~nos europ:lI:s; porém,_ basta que estejam dois europeus, e
em contos de desprezo.
(' quatro filhos da América, para nao se atreverem a dizer palavra em seu
Deu muito gosto nesta ocasião a todos os filhos de Portugal, o des.abo~10.Apesar do ód~o, que lhes têm, respeitam os europeus por
reverendo doutor Antônio José Corrêa, vigário da freguesia de Santa mais ativos, porque os filhos do Brasil são naturalmente frouxos e
Rita, um dos p~)l\COSpárocos, que cumpre com o seu dever, fazendo p'usilâni~e~, mer:os e}TIvaidade, e amor próprio. Ainda que por estas
todos os domingos aos fregueses o mais desabusado catecismo na clrc.L~~stanclas,nao ha, por ora;.,que temer por part~ deles respeito à
missa paroquial; favorecendo corri.esmolas certas a muitas famílias r~blha?; _otempo corre; eles vao crescendo em numero: a algumas
pobres; e faz~n~o por si, :"eucóa~jutor, e outros clérigos uma dlSposlçoes,se obsel:vam_bem contrárias ao serviço de Sua Majestade,
continuada assistencia de noite e de'dia aos enfermos perigosos. Este respectivas a subordinação futura das suas conquistas. Capacite-se Sua
n~esmo vigár.io, indo passando para a classe dos clérigos de Europa, MaJ~stade, e o ~eu ministério político, que se verificasse a presente
disse-lhe o BISpo com um afetado riso, o senhor Antônio José Corrêa novidade de M1I1as,todos os filhos do Rio de Janeiro abraçariam se
é cá dos nossos. . pudessem o mesmo partido, porque o seu ânimo assim se deixa bem
Respondeu-lhe o virtuoso velho: Não senhor: eu sou filho de manifestar, ainda procurando eles disfarçá-lo.
~ortugal de que muito me prezo. Este bom pároco, tão desinteressado Os três regit.nentos ,de infantaria, deMoura, Estremoz, e Bragança,
e no modo de falar, como no de despender piamente: já sucedeu em que o Senhor ReI D.Jose que em paz descansa mandou a esta cidade
uma prolongada moléstia, que teve, ter tão pouco dinheiro, que não no ano de 1761, tem hoje mais gente da América, que da Europa. Isto
lhe chegou para se tratar. Increparam-no os seus amigos, lançando-lhe mesmo não causaria o maior cuidado, se ao menos se conservasse a
eI? rosto, que a freguesia não rendia tão pouco: respondeu ele, que sua oficialidade toda de europeus: porém o Vice-Rei Luís de Vascon-
nao costumava reservar mais do que aquele dinheiro, que pode-se celos e Sousa, homem que professando as letras necessárias a um
ch~gar para o seufuneral, porque o mais não era seu, e sim dos pobres: J \ ministro j':ldici~l,nun~a militou, pudera ao menos olhar para a tropa
ultimamente ate se desapossou de uns pássaros cantadores com a estimação devida, como uma das colunas, que mais concorre
escrupulizando, que tirava aos pobres, o que gastava no seu sustento~ para a conservação do Estado.
Pela sobredita ação do Bispo, se pode bem julgar qual é o ódio Ele tem obrado muito pelo contrário, tratando com indiferença
geral de todos os americanos, quando o mesmo prelado, que pelo seu e até dado públicas demonstrações do menoscaso que faz dela. El~
caráter devia ser o mais moderado, não se acautelou de fazer aquela r~preendeu publicamente ao falecido marechal de campo José Raimundo
e~candalosa demonstração à face de toda cidade, como bem se pode Xixor~o da Gama Lobos, querendo que em um beija-mão fosse
dizer; esquecendo-se, com a mais negra ingratidão, que de Portugal pretendo pelos desernbargadores da Relação do Rio de Janeiro' e em
voltou com toda a grandeza em que se acha, devendo a Mitra à mercê outras ocasiões tem dito publicamente várias vezes, com escâ'ndalo
de ~ua Majestade, e ao benigno acolhimento, que encontrou nos geral de tod.a a tropa, .que a profissão militar é a escola do materialismo.
míntstros de Estado. Tudo IStOtem Sido menos oposto, e menos prejudicial ao serviço
. .Fazem os americanos um excessivo apreço da sua pátria, da ~oberana, que as promoções, que tem feito; promoções, que pela
imaginando-lhe uma grandeza, que na verdade não tem; e ao mesmo maior parte só,tem si?o trC?cade oficiais de uns para outros regimentos,
tempo ouvem com rancor, e com a mais aborrecida indiferença, as e os promovidos tem Sido os menos capazes, com inconsolável
grandezas, que se lhes contam da metrópole, exército e praças de c!.esgosto.dos oficiais apl.icados, e de merecimento. Enfim está a tropa
armas do Reino, desde o reinado do Senhor Rei D. José I; mostrando tao desfeíteada, confundida, e desgostosa, com os primeiros postos tão
um tal desprezo comose ouvisse elogiar outra nação oposta, e inimiga. mal ocupados, que nunca jamais tornará a gozar do bom pé em que
Persuadem-se que na Europa é tudo pobreza, e que nada pode ser a tinha o Marquês do Lavradio.
magnífico nela sem o socorro da riqueza do Brasil; sem discernirem No regimento de Estremoz fez um Major filho da América. No
que esta, além de não ser tão extensa como eles cega, e vaidosamente regin~ento de ~ou~'a, int:oduziu para troca outro Major também
supõem, ainda seria muito menor, se não fosse meneada pelos amencanC? Oyn:ne1ro reglm~nto desta cidade, à exceção do Coronel,
europeus, porque eles pela sua natural inércia, e habitual tudo o mais sao filhos do Brasil. No segundo regimento, à exceção de
158 Apêndice Apêndice
159

dois ou três subalternos, tem Coronel, Tenente-Coronel, e todos os Requerimento dos Professores Régios de Humanidades da
mais oficiais americanos. No regimento da artilharia, tem Coronel Cidade do Rio de Janeiro a Martinho de Meio e Castro.
americano, e terá quatro oficiais europeus, sendo todos os mais da Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1787.
América. Só o regimento de Bragança é o único em que os três oficiais Correspondência de Várias Autoridades.
do Estado Maior são europeus, ainda que além de dois subalternos, RIHGB, t. LXV,parte 1, p. 215-6 (cópia de original existente no
está, assim como todos os mais regimentos, cheio de cadetinhos Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa).
americanos, que sem justificarem os requisitos da lei, foram mandados
despoticamente reconhecer por tais.
Prometem de futuro estas circunstâncias muito más conseqüên- Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro
cias, se Sua Majestade não manda coronéis europeus para os regimen-
tos da América, ou fazer transportar os mesmos regimentos a esse Nós, os Professores Régios de Humanidades da Cidade do Rio de
reino, rendidos por outros, para que se desabusem, e aprendem a ] aneiro, certificados de que na Ilustríssima e sábia pessoa de Vossa
militar fora das suas praças; mandando também render, por outros, os Excel~ncia têm as letras, artes, e tudo quanto concorre para a
três regimentos de Europa que tão contaminados estão de gente postendade do Estado um eficaz patrono, nos animamos a ir por este
americana, que já os oficiais dos regimentos da terra falam com um mo~o a<?spés de Vossa Excelência a suplicar-lhe instantemente, que
desaforo que não se Ihes notava há alguns anos atrás, quando os três queira dignar-se fazer-nos a honra e favor de pôr e proteger na Real
referidos regimentos da Europa estavam quase inteirados com os seus PreseI?-ça de Sua Majestade essa representação, em que lhe expomos
europeus, e tinham chefes de respeito; tanto pelo seu distinto o a~a.tllnento e desprezo em que os Eclesiásticos, e principalmente os
nascimento, como pelo seu comportamento grave, e respeitoso. R~hglosos, têm posto os estudos, espalhando que são inúteis, e gue
Não menos concorre a falta do falecido Tenente GeneralJoão nao se estude; e Isto com os dolosos fins de conservar o povo na infeliz
Henrique Bohem, homem de consumada política, e muito exato na ignorância e superstição, para desta sorte o terem sem a mínima
disciplina militar, tanto pelo que pertence à tátical como ao governo resistência na sua obediência e interesses particulares.
econômico da tropa, tudo debaixo da maior retidão. Também indicamos os meios, que nos parecem mais convenieri-
O Marechal de campo Funk, enquanto existiu nesta cidade, pela tes, para que eles sejam promovidos; a saber: Se Sua Mal'estade
inspeção que tinha sobre o regimento da artilharia, sofria de alguma det~rJ?inar gue ninguém se ordene s~m estudar primeiro Fi osofia,
forma a inércia do coronel do mesmo regimento, homem que sendo Retonca, e Língua Grega nas Escolas Regias, onde somente se ensina
deum pacífico comportamento, é cheio de materialidade, com alguma à mocidade segundo o plano de Sua Majestade; e se se estabelecerem
prática cega, sem teórica, nem conhecimento algum daquela parte das as aulas Régias em um edifício que os ] esuítas edificararn para
matemáticas, que Sua Majestade manda aprender nas aulas militares a colégio de estudos, pela razão do seu Convento ser algum tanto
todo oficial de artilharia. retirado da cidade.
Enfim a falta de oficiais generais, e de chefes de regimento Se as fracas vozes desta Corporação, enviadas destes Países tão
capazes, que se façam respeitar por suas circunstâncias pessoais, junto remotos, tiverem a felicidade, como esperamos, de merecer a atenção
com o degeneramento da tropa, toda mesclada de oficiais, e soldados e patrocínio de Vossa Excelência, confiamos firmemente no seu zelo
americanos, pô em esta cidade, principal da América, em tão má e atividade, que havemos de ver os estudos de Sua Majestade, e a nós
situação política, que dão motivo a esta viva representação, que dirige mesmos, que ter:;o~ a honra de ser suas criaturas, livres do vilipêndio,
a sua Excelência. em que os Eclesiásticos desprezadores da Soberania, e de quanto lhe
pertence, nos têm lançado, os quais estudos, sendo elevados àquele
Seu reverente criado. gra:-rde autoridade digno da Majestade que os estabeleceu e protege,
Amador Patrício de Portugal farao avultados progressos; vindo Vossa Excelência a receber a glória
de ter a maior parte em uma ação que fará honra aos anais da Nação.
D~us Guarde ~ pessoa de Vossa Excelência por muitos anos. Rio
dejaneiro, dez de tevereiro de mil setecentos e oitenta e sete. - De
Vossa Excelência - Servos reverentes e obsequiosos - (assinados) O
Professor de Língua Grega,] oãoMarques Pinto - Manoel Inácio da Silva
Alvarenga, Professor de Retórica.
Apêndice Apêndice 161

Repre.sentação dos Profe~sores Régios de Humanidades da mocidade contra o parágrafo onze da Lei de vinte e oito de junho de
Cidade do Rio de Janeiro a Rainha D. Mana I. mil setecentos e cinqüenta e nove, e contra o parágrafo oitavo da
Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 1787. sobre dita Lei de seis de novembro de mil setecentos e setenta e dois,
Correspondência de Várias Autoridades. RlHGB, ao excesso de arrancarem industriosamente de nossas aulas para as
t. LXV, parte 1, p. 216-223. suas, apesar dos nossos clamores, quantos desses poucos discípulos,
que nós tínhamos, Ihes foi possível, sem que ainda soubessem, como
devia ser, Gramática Latina, nem as outras faculdades que lhes
Senhora - Nós os Professores Régios de Humanidade desta ensinávamos, atropelando as Ordenações de Vossa Majestade deter-
Cidade do Rio de Ja~eiro abaixo nomeados, vendo com mág~a o minadas no parágrafo vinte e um, páginas oito, das instruções feitas
abatimento em que se acham os estudos Régios, não podemos deixar para regular as escolas Reais, e isto para que entretanto a mocidade por
de pôr com o mais profundo respeito na Real Presença de Vossa uns poucos de anos com a sua filosofia peripatética, já proibida pelas
Majestade as causas de tão funesto efeito, e apontar alguns m~los .com Leis como inútil e prejudicial ao progresso das ciências, e desviando-
que estas nos parece que poderão ser atalhadas: para qu~ nao dlg~ o a de se iluminar com os estudos de Vossa Majestade, a conservem sem
público presentemente, nem a postendade para o fuuu o, q~le nos, a mínima resistência na sua obediência por meio de uma
depois de advertidos pelos fatos passados" deixamos expirar em ignorância que põe em descrédito a mesma Nação, como há
nossas mãos, sem Ihes procurar aJgun~ remédio, uns estu:los, que pouco praticaram os Religiosos Beneditinos, e de Santo Antônio,
vimos há pouco serem restaurados a custa, de tant?s ti abalhos e praticarão para o futuro se a força superior de Vossa Majestade
pelo Augustíssimo Senhor ReI Dom )os~ da rUln.a em _qu~ não coibir os seus despóticos excessos.
estiveram sepultados por espaço de dois seculos, a fim de fazer Um quase igual excesso tem cometido o atual Reitor do Seminá-
feliz a sua Monarquia. rio de São José pertencente à Mitra, o Cônego José de Sousa Marmelo,
É certo que principiando a descair na Universidade de Coimbra o qual concedendo licença prontamente aos seus seminaristas para
as verdadeiras e sólidas ciências até serem finalmente lançadas em um irem estudar a mencionada filosofia peri patéti ca ao Convento de Santo
total esquecimento, desde que no ano de mil e quinhentos e ciJ~qüenta Antônio, pelo contrário impede e repreende, como se tivessem
e cinco se encarregarão artificiosamente os Jesuítas do ~ns~l:o <:Ias cometido um crime, aqueles que lha pedem para freqüentar as escolas
humanidades que então floresciam, assim como as de~ll~ls ctencias, e estudos Régios, levados do gosto de tomar uma prévia instrução
com grande crédito da Naçã<;:> Portug~esa ~10Real Col~8l.0 das Attes deles, dizendo-lhes, a fim de abater e vilipendiar os mesmos estudos
estabelecido naquela Universidade, fOIservido o Augustísst mo Senhor e escolas de Vossa Majestade, que é indecente que os Seminaristas
Rei Dom José acabar de restaurá-Ias, criando pela Lei de .seis de saindo vestidos com a sua beca do seu Seminário, uma casa autorizada,
novembro de mil setecentos e setenta e dois escolas de Filosofia, vão às aulas dos Professores, umas casas particulares; como praticou
Retórica, Língua Grega nas cabeças de Com arca, como terras ma~s com o Seminarista, hoje o Padre Francisco Ferreira, e atrevendo-se
populosas, para tirar da infeliz ignorância os seus Vassalos, e promove- ainda em segundo lugar este e outros Eclesiásticos a cometer a
los à mesma prosperidade em que se acham aqueles povos onde esta atrocidade de espalhar que os estudos da Língua Grega, Retórica e
e as outras ciências mais florescem. Devendo pOIStodos os que se Filosofia, que Vossa Majestade estabelece com geral aplauso dos
destinam à vida literária aproveitar-se destas tão necessárias luzes; nem sábios, para comum benefício de fazer sábios os povos, e reivindicar
sendo de esperar que houvesse vassalos que se. opusessem ao o antigo crédito da Monarquia, são inúteis, e que de nada servem aos
progresso de uns estudos tão úteis, e ainda muito ~TIaISsel?do quese dedicam à vida sacerdotal; com as quais escandalosas sugestões
estabelecidos por Vossa Majestade; sucede que nesta C!da~e.seJam têm feito que se achem desertas as aulas Régias apesar das diligências
não só abandonados pela mocidade que se destina ao Sacerdócio, por que temos empregado para Ihes obstar, sendo aliás nesta Capital
ser admitida francamente às Ordens, mas tambérr,t (o que é mais) qu~ inumerável o concurso da mocidade que se ordena; - não conhecendo
os Clérigos e Religiosos devendo ser os, pnmelros e!TI aconselhar os referidos Eclesiásticos que sem o conhecimento da sólida filosofia
aquela, que os cultivam segundo ~~ s~bla~ IOteny~es de Vossa protegida por Vossa Majestade está o homem impossibilitado tanto
Majestade que procura elevar os Eclesiásticos a perfeição que pede o para fazer progresso no estudo das ciências, e usar bem da sua razão
seu estado, são pelo contrário os que mais se põem ~m campo contra em todo o tempo e lugar, como para satisfazer as obrigações de bom
eles a favor da ignorância e superstição, e os que mais se esforçam em Cidadão; - não conhecendo que a ignorância da Retórica impossibilita
persuadir à dita mocidade e maisv~ssalos de Vossa Majestade a que o Sacerdote para desempenhar com louvor as funções do púlpito, e
os desprezem, chegando os Religiosos, arrogando-se o ensino da muitas vezes a do confessionário, das quais não pode eximir-se sem
162 Apêndice Apêndice 163

faltar aos seus deve~es essenciais quem se consagrou a trabalhar na deplorável estado em que se acham os estudos de Vossa Majestade,
VInha do Senhor;, - Igno,rando que a Língua Grega é o depósito mais e estas as causas que a eles os têm reduzido, Passamos já a indicar
seguro do que ha de mais sagrado na nossa Santa Religião, como do alguns meios com que nos parece que poderão ser melhorados; e são:
Testan:~n,to Novo, obras dos Sa!ltos Padres Gregos, que também são Primeiramente, se Vossa Majestade determinar que ninguém de
depositários da doutnna da Igreja, como os Santos Padres Latinos dos seus vassalos, ao menos dos que forem naturais desta Cidade, se
Concílios gerais cele~:>radosnos primeiros séculos da Igreja; - orá~ulos ordenem sem mostrar primeiro por certidões autênticas, ter estudado
Santos que um perfeito Sacerdote deve consultar na mesma língua em com aproveitamento depois da Língua Latina a Grega, Retórica e
9,ue foram dit:dos pelo Espírito Santo, e não se entregar cegamente à Filosofia nas escolas Régias que Vossa Majestade estabeleceu, e
fé das traduçoes, que algumas vezes geralmente falando, não expri- conserva para esse fim, por serem estas as únicas aonde se ensina a
mem o verd<l:deirosentido do seu original; - não sabendo que o Papa mocidade pelos métodos de sábios planos, prescritos por Vossa
Clemel}te quinto, reconhecendo a grande nece~sidade que tem a Igreja Majestade para o regulamento das suas escolas; pois a Filosofia já
desta língua e da Hebraica para que as doutnnas da Escritura Santa banida que os Religiosos ensinam ao público (devendo somente
sejam bebidas nas suas fontes primitivas, ordenou no século décimo ensiná-Ia aos seus alunos Religiosos) consiste em umas postilas
quarto, que estas duas respeitáveis línguas, a Grega e a Hebraica e peripatéticas, cheias de questões escuras e inúteis, que servem
também a Arábica e a Caldaica, fossem ensinadas publicamente em somente de arruinar e fazer perder o gosto aos bons estudos, e de
Ro~a, Paris, ~~Iamanca e outras Cidades da Europa; que pela mesma consumir inutilmente os anos, quando dentro deste tempo pode a
razao o Con~l~o geral de yiena celebrado no mesmo tempo contem- mocidade estudar com progresso nas aulas Régias a boa Filosofia e
plou a precrsao que havia de se estabelecerem nas Universidades Retórica, e tomar alguns conhecimentos da Língua Grega, como é
~rofessores que ensinassem as Línguas Orientais; não obstante existir constante nesta Cidade que se observa no Bispado de São Paulo,
ja Vulgata, e que o Papa Paulo quinto, movido da mesma causa não aonde o iluminado e virtuoso Prelado daquela Diocese não admite os
só confirmou no século décimo sétimo a Bula do referido Papa muito Ordinandos às Ordens antes de saberem estas faculdades, (que faz
favorável aos esn:dos, mas também ac~escentou que aqueles alunos, ensinar à sua custa) para que ajudados pelas suas luzes possam fazer
que fizessem maiores progressos nas línguas, fossem preferidos aos avultados progressos nos estudos eclesiásticos com que pretendem
outros para o doutorado, e sendo Religiosos se escolhessem com empregar-se,
preferência para ocupar as dignidades das suas ordens; - não atenden- Segundo: se Vossa Majestade, que tanto deseja a saúde e
ao ql~e as luzes da ciências são tanto mais indispensáveis nos que conservação dos seus povos, ordenar que o mesmo se pratique com
exercitam os sagrados empregos da Religião, do que naqueles que os que se aplicarem à cirurgia, a qual como uma parte da Medicina
~xercltam os cargos da República, quanto aquela tem de mais tirará, assim como esta, grandes vantagens das mesmas ciências para
Importante do que esta; - tendo finalmente a animosidade de maqui- sair da última decadência em que se acha, tão prejudicial à povoação
narem por todos estes modos sem resposta, digo, sem respeito algum a primeira base em que se sustentam os estados,
à sagrada autoridade Régia, o abatimento e desprezo das escolas, Terceiro: se Vossa Majestade, persuadida que está que as grandes
estudos e P~ofessores de Vossa Majestade, com o intento dos Religi- empresas militares se ganham mais pelas forças do conselho do que
osos, de atraírem para as suas aulas os vassalos de Vossa Majestade com pela das armas, e que estas quando não ajuntam a si as letras mais
as VIS~~S~e aliciarem a professar as suas ordens aqueles que a depressa perdem do que a salvam os Impérios, mandar que a nenhuma
expenencla r:l0~trar serem dotados de grande talento, deixando, com pessoa se assente praça de cadete (onde certamente se sobe aos postos
mina da República para o Serviço de Vossa Majestade e do Estado os militares) sem ter seguido os mesmos estudo, segundo o exemplo das
que conhecem destituídos de capacidade, e de porem logo na mais Nações mais civilizadas, .
tenra Idade todos os demais nos seus interesses particulares e Quarto: determinando Vossa Majestade que os estudos se
supersticios~ obediência, ou antes tirânica sujeição, e por isso sem os estabeleçam em um Colégio aonde os Professores ensinam mocida-
ã

n:enoEes eS,nmulos para promoverem pela sua parte como bons de, e façam outras funções literárias ordenadas pelas instruções,
cidadãos os interesses, prosperidade e glória de sua Pátria' inteirarnen- Esta providência, segundo parece, não tem dificuldade, porque
.te alienados do respeito e amor aos seus Soberanos; estr~tagema com junto a São Francisco de Paula em uma das extremidades da Cidade
que agora por felicidade nossa conhecemos que os Jesuítas estabele- se acha um edifício que os Jesuítas edificaram para Casade estudos em
~era~n.'logo que ~oram encarregados da educação da mocidade, o seu razão do seu Convento estar retirado da Cidade, no qual, já que não
Impeno neste Re1110,e o sutentaram irresistivelmente com bem notória tem uso algum, e por isso próximo a arruinar -se, se podiam estabelecer
infelicidade da Nação Portuguesa por duzentos anos, Este é o as escolas públicas, mandando Vossa Majestade que se repartam nele
164 Apêndice Apêndice 165

as aulas necessárias para os Professores darem as lições a seus Rio de Janeiro, de Janeiro quinze de mil setecentos e oitenta e sete
discípulos, e uma sala para se fazerem atos e orações, com sua tribuna - (assinados) o Professor de Grego, João Marques Pinto - Manoel
para assitirem a estas funções as pessoas de maior graduação, e que Ignácio da Silva Alvarenga, Professor de Retórica.
haja um Guarda para abrir, fechar e assear as ditas aulas, e
castigar os estudantes. A despesa que há de ser tênue por se
achar o edifício quase concluído, pode ser feita pelo acréscimo
do subsídio literário desta Capitania.
Por este modo tão fácil teria Vossa Majestade a glória de fazer um
clero douto, vittuoso e hábil para cumprir tanto as graves e santas
obrigações do Sacerdócio, como as do Império: faria aos seus vassalos
o granàíssimo benefício de os livrar dos funestos estragos, que nas
suas necessárias vidas faz com que gravíssimo prejuízo do Estado
nestes doentios países a crassa ignorância daquela arte saudável: teria
oficiais de guerra iguais aos que possuem as outras Nações ilustradas
da Europa, e ainda capazes de imitar aqueles que admiramos na
antiguidade iguais filósofos que generais: evitar-se-iam além das
injuriosas expressões acima expostas dos que pretendem vilipendiar
as escolas e aniquilar os estudos de Vossa Majestade, outros incômo-
dos inseparáveis do presente sistema de vir a mocidade instruir-se à
casa dos Professores, sendo um deles o vermo-nos obrigados a
provermo-nos de casas mais decentes a serviço de Vossa Majestade do
que convenientes ao nosso cômodo particular, a cuja despesa junta
com a do sustento, vestuários, livros e outras não podem suprir nossos
tênues ordenados iguais aos dessa Corte, contra a prática constante de
Vossa Majestade pagar a todos, que nestes Estados a servem por letras
ou armas, ordenados muito mais avultados que aos desse Reino, em
atenção às maiores despesas a que estão sujeitos; falia finalmente
Vossa Majestade que surtissem o seu feliz efeito as sábias Leis e planos
literários estabelecidos para se educar a mocidade, e formar vassalos
desabusados, úteis com suas luzes do Estado, obedientes e fiéis ao seu
Soberano, cheios de amor da Pátria, e interessados pelo aumento da
agricultura, das letras, armas, comércio e artes, que fazem o poder e
glória dos Impérios.
Eis aqui as causas do abatimento dos estudos de Vossa Majesta-
de, e tambem os meios de os promover, que a nós que ansiosamente
desejamos o seu adiantamento, e de tudo quanto contribui para a
prosperidade da Pátria, que desejamos ver competir com os Impérios
mais poderosos do Mundo, e que sendo criaturas de Vossa
Majestade nada mais apetecemos que a glória e reputação de Seu
Augusto Nome, se oferece pôr na Real Presença de Vossa
Majestade, para que, visto nossas forças não serem capazes de
vencer tão fortes obstáculos ao seu progresso, se digne Vossa
Majestade dar as providências que lhe parecerem mais eficazes
para que eles floresçam, vindo a passar tão gloriosa ação entre
os Sábios, tanto no tempo presente, como na mais remota
posteridade, pela Patrona dos bons estudos.
166 Apêndice Apêndice 167

Representação dos Professores Régios de Humanidades do Rio inumeráveis dos mesmos Ordinandos terem nesta cidade pais, e
de Janeiro, dirigida à Rainha D. Maria I, em 28 de março de 1793 parentes em cujas casas assistindo pode freqüentá -las com progressos,
(manuscr.) Lisboa. AHU. Docs. Rio de Janeiro, Cx. 151. evitando ao mesmo tempo o gravame daquela supérflua despesa,
aproveitando-se segundo as sábias e benéficas intenções de Vossa
Senhora Majestade das aulas que Vossa Majestade lhes fornece e sustenta para
sua instrução, somente pela cômoda coleta que pagam para o subsídio
literário. E não sendo o estudo de cada uma das ditas faculdades feito
Nós, os professores régios de humanidades do Rio de Janeiro no mesmo Seminário, nem pelo espaço de um ano, nem pelos bons
abaixo assinados, não podendo ver sem mágoa a decadência, e livros, e conforme o sábio método prescrito por Vossa Majestade, e
desprezo em que se acham estes estudos, pomos na Real Presença de observado exatamente em nossas aulas, é claro que há de ser
V. Majestade, como é nossa obrigação, as causas deste efeito, o que perfuntório, e sem proveito, como afirma a experiência conservando-
já temos executado por mais vezes, para que Vossa Majestade, que se assim, o numeroso clero deste Bispado nas trevas da ignorância no
tanto se empenha em promover as letras para fazer os seus povos meio dos Estudos e Escolas de Vossa Majestade, que gloriosamente
felizes, se digne dar as providências convenientes para o fazer cessar, conserva, e protege para o fim contrário, e isto por não serem
já que as nossas diligências não são capazes de vencer, e destmir as obrigados por Ordem Régia a versá-Ias.
causas que o produzem. Segunda. Por serem isentados de seguirem as mesmas
É certo que começando a descair os estudos de humanidades na faculdades aqueles que se aplicam à cirurgia e farmácia, a quem,
Universidade de Coimbra desde o ano de 1555, que então floresciam por serem partes da medicina, elas são tão necessárias como a
com grande crédito da nação portuguesa no Real Colégio das Artes esta, a qual não admite no seu grêmio em Coimbra por ordem
daquela Universidade, até finalmente de todo se perderem; foi servido de Vossa Majestade, quem as ignora.
o Augustíssimo Senhor Rei D.José de saudosa memória restaurados Terceira. Por não serem obrigados a estudar aquelas, os que
gloriosamente, criando pela lei de 6 de novembro de 1772 Escolas de assentam praça de cadetes, aos quais por que certamente hão de
Retórica, Filosofia, e Língua Grega em todas as cabeças de Comarca, ocupar os postos militares, são muito úteis, por ser certo que as
tanto do reino como das colônias, e estabelecendo um sábio plano empresas da guerra se vencem mais pela força da sabedoria, de que
para regular o seu ensino a fim de as fazer florescer, para tirar da infeliz pela das armas, as quais quando não são guiadas pelas luzes desta,
ignorância a sua nação, e elevá-Ia à mesma prosperidade em que se mais depressa arruinam do que salvam a Pátria, e que esses célebres
acham os povos aonde estas, e outras ciências mais florescem. Porém generais da antiguidade, e do tempo presente, foram, e são igualmente
estes tão sábios projetos infelizmente se não realizaram até a presente fllósofos, e oradores, que guerreiros .
. nesta Cidade, achando-se nela a ignorância ainda no mesmo estágio Quarta. Pelos religiosos desta cidade quando abrem os seus
que dantes, e quase desertas de estudantes as nossas aulas de filosofia, estudos, não só admitirem, mas mesmo arrancarem industriosamente,
retórica, e língua grega, e isto pelas causas seguintes. e sem contemplanção alguma a termos a honra de sermos criaturas de
Primeira. Por ter o Reverendíssimo Bispo deste Bispado retórica Vossa Majestade, os nossos discípulos das nossas aulas para as suas
e filosofia, além da gramática latina, no seu Seminário da Mitra, as quais ingerindo-se no ensino público da mocidade contra a Lei de 28 de
ali ensina aparentemente um Religioso de Santo Antônio, não a junho de 1759 § 11, e a sobredita de 6 de novembro de 1772 § 8, como
Alunos, e filhos do Seminário, porque não os tem, mas aos ordinandos praticaram os de Santo Antônio no ano de 1786, e antes destes os de
de fora, que aquele Prelado obriga a todos geralmente, sem excetuar São Bento, e isto para Ihes ensinarem à face das bem depuradas, e
nem ainda os mesmos naturais desta Cidade, a recolherem-se a ele em dirigidas Escolas de Vossa Majestade a sua Filosofia Peripatética, há
qualidade de Porsionistas, ou em algum de outros dois Colégios que tanto tempo proscrita com grande glória pelas sábias leis de Vossa
aqui há também sujeitos à sua administração, para estudar em alguns Majestade como prejudicial à República, sem eles saberem ainda
Tratados de Moral, quando estão próximos a ordenarem-se. Mas como suficientemente a língua latina, nem os outros estudos que então
o intento destes inumeráveis Ordinandos, não é outro neste Seminário aprendiam, seguindo-se destes excessos a perturbação das nossas
senão o receberem as ordens com toda a brevidade, para saírem logo classes, e continuara a reinar contra os decretos de Vossa Majestade,
dele, em ordem a irem ganhar a sua vida, e evitarem as grandes aquela proscrita filosofia, não se podendo nunca estabelecer nem
despesas feitas com a assistência nele reputada por desnecessárias, espalhar pela Nação a sólida que Vossa Majestade manda ensinar por
tanto por haver fora dele as Escolas de Vossa Majestade, aonde nós nas suas escolas, nem plantar-se entre os seus povos a uniformi-
somente se ensinam aquelas segundo as suas Régias Ordens; como por dade de Doutrinas, nem a de pensar, sendo além disto indubitável o
168 Apêndice Apêndice 169

não poderem ser educados e fo!mados nos cl~ust~os p_oraqueles que profanar impunemente, como acontece cotidianamente o sagrado da
professam o desprezo dos objetos temporais, cidadãos aptos para autoridade real dos soberanos, e negar a obediência e sujeição devida
viverem na Sociedade Civil, manejarem negócio os políticos, e às suas leis com grave ofensa da sua soberania, escândalo dos bons,
promoverem a felicidade pública, e que eles escolhem, e aliciam e obedientes vassalos, e ruina do sossego público, e por isso já
aqueles que conhecem pela experiên.cia que são de m~lhor talento, rigorosamente extintos, e banidos pelas providentes leis de Vossa
para professarem as suas ordens, deixando para servirem a Vossa Majestade, estratagema aquele seu favorito de que lançam mão contra
Majestade, e à República com grande infelicidade e ruína dos povos, todos, sem perdoar aos mesmos ilustrados, e pios monarcas, logo que
os ineptos. conhecem, que lhes reprovam e corrigem a sua ruinosa relaxação, e
Quinta, Pelos Vice-Reis deste Estado fazerem fugir e desertar os abusos, e com que tem arruinado, não só o crédito, mas também a
estudantes das nossas Aulas para o sobredito Seminário, e Colégios fazenda e vida de homens de um insigne merecimento, como noutro
quando fazem reclutas ou para tropa, ou para os terços auxiliares, nos tempo praticaram os Jesuítas, os quais depois de estabelecidos em
quais continuam a estudar livres do mínimo receio de serem reclutados; Coimbra, e encarregados do ensino dos estudos do Colégio elas Artes
por que os mesmos Vice-Reis depois de estes a eles se acolherem, os daquela Universidade, observando que alguns de seus doutos Profes-
não procuram mais em consideração ao Reverendíssimo Bispo, que os sores conheciam pelas suas luzes, e creminavam o seu danoso sistema,
administra, isenção e privilégio de que os não deixam gozarem quanto os infamavam de hereges, e fizeram perder com falsas acusações pelo
freqüentam as Aulas de Vossa Majestade. Santo Ofício, como nos diz a imortal Dedução Cronológica e Analítica.
Sexta. Por se esforçarem os eclesiásticos seculares, e regulares Estas são, Senhora, as causas que nós, que ansiosamente
desta cidade, em dissuadir, e desviar a mocidade de estudaras referidas desejamos o adiantamento dos sobreditos estudos, assim como de
faculdades, animando-se a desacreditá-Ias de inúteis, espalhando com tudo o mais que contribui para a prosperidade da nossa Pátria, que
falta de,sinceridade pel<?povo que jura cegamente n~s suas palavras, desejamos ver competir com os Impérios mais poderosos, e florentes
que a língua grega, retonca e filosofia de Vossa Majestade de nada do Mundo, e que tendo a honra de sermos criaturas de Vossa Majestade
servem a quem pretende ordenar-se depois de saberem que Vossa nada mais apetecemos do que a reputação, e glória do seu Augusto
Majestade as reputa nos imortais Estatutos da Universidade. de Coimbra nome, temos conhecido que obstam para não se poderem difundir
tão indispensáveis para se saber perfeitamente a teologia, e para se aqui as luzes daqueles, nem serem freqüentadas as suas Escolas Régias
exercitar e preencher com louvor e fruto os sagrados deveres do pela numerosíssima mocidade, que nesta cidade se aplica a estudar a
sacerdó~io, que ordena por eles, que ninguém seja admitido a estudar língua latina para empregar-se principalmente na vicia eclesiástica, as
naquela esta sagrada ciência, sem estar primeiro preparado com o quais o nosso ministério nos obriga a representar a Vossa Majestade,
conhecimento delas; artifício e sugestões perniciosas aquelas que tem para que seja servida determinar o que julgar útil ,e necessário para tirar
por objeto entreter, e conservar a Nação na infeliz ignorância a fim de os mesmos Estudos desta decadência, e aniquilamento, e a nós
não descaírem do grande império que ela lhe tem dado sobre aquela. mesmos não só do opróbrio, infâmia de hereges, debaixo de que
Sétima, e última. Por não se contentarem os mesmos eclesiásticos gememos no meio de um povo supersticioso, por competir a Vossa
com desacreditarem de inúteis os Estudos de Vossa Majestade, mas Majestade defender a reputação e a honra dos seus vassalos, e
recorrerem ainda ao ctiminoso estratagema de desacreditarem igual- mormente dos que estão empregados no seu Real Serviço, do mesmo
mente a nós mesmos, infamando-nos de Jibertinos e hereges, com o modo que a fazenda e vida, que nós pospomos àquelas; mas também
intento de fazer fugir inteiramente a mocidade de estudar conosco os da indigência em que vivemos e abatimento, aumentando-nos os
mencionados estudos, para não poderem com eles iluminar o seu nossos ordenados, que consistem os dos Professores de Gramática
entendimento, o que praticam por causa da emulação e rancor de que Latina em quatrocentos mil réis, os dos de Retórica, e da Língua Grega
são animados por verem que se entregassem com a mais sábia Política, em quatrocentos e quarenta mil réis, em quatrocentos e sessenta dos
a Professores Seculares o ensino público da mocidade, de que estavam de Filosofia, os quais não são suficientes para podermos passar com
senhores, e que ficaram privados de um dos grandes meios de a decência devida ao autorizado lugar que ocupamos nesta Cidade, a
ganharem influência, e poder sobre os povos; e que também nós Corte da América Portuguesa, de tanto luxo, e carestia de tudo o
ilustrados, e guiados pelas sábias leis de Vossa Majestade reprovamos necessário para conservação e uso da vida, de casas, servos, e artefatos,
a sua frívola Filosofia Peripatética, os abusos que fazem do seu alto livros, e víveres ainda do país, causada pelo feliz aumento da
poder, e ministério, as suas errôneas opiniões, e douttinasultramontanas, povoação, e pela fácil e pronta exportação dos seus gêneros para esse
e o fanatismo por eles sustentados, e feitos crer ao povo néscio como Reino, em atenção à qual os magistrados, que aqui em todo o Ultramar
dogmas de fé, com os quais escudados se abalançam a abater, e servem a Vossa Majestade, vencem ordenados muito mais avultados,
170 Apêndice

do que aqueles que nessa Corte servem os idênticos empregos, e muito o AUTOR
menos para comprarmos os livros de que continuamente precisamos,
para nos instruirmos cada vez mais, a fim de irmos servindo de melhor
a melhor a Vossa Majestade na instrução dos seus povos, visto ter o
Subsídio Literário desta Capitania, um rendimento que excede muito
à despesa que se faz com os Professores dela. Rio de janeiro, 28 de
março de 1793.

o Professor de Grego Professor Doutor Afonso Carlos Marques dos Santos


j oão Marques Pinto Nascido no Rio de janeiro em 3 de março de 1950. Historiador.
Bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal do Rio de
O Professor de Retórica janeiro (1973). Doutor em Ciências Humanas (Area de Concentração
Manoel Inácio da Silva Alvarenga em História Social) pela Universidade de São Paulo (1983). Professor
da Pontifícia Universidade Católica do Rio de janeiro (1975-1983),
Professor da Universidade Federal Fluminense (1976 e 1982-1986).
Diretor Geral de Cultura da Prefeitura do Rio de]aneiro (1983-1986).
Chefe de pesquisas do Arquivo Geral da Cidade do Rio de janeiro
(1979-1983).
É Professor Adjunto, de Historiografia, da Universidade do
Estado do Rio de Ianeíro (desde 1991) e Professor Adjunto, de Teoria
e Metodologia da História, da Universidade Federal do Rio de janeiro
(desde 1987). E Presidente do Conselho Municipal de Proteção do
Patrimônio Cultural do Rio de janeiro (desde 1990). E Presidente do
<. Conselho Editorial da BIBLIOTECA CARIOCA (coleção de livros
editada pela Prefeitura do Rio), da qual é idealizador e organizador.
Foi Secretário-Geral (1987-1989) e Vice-Presidente (1989-1991) da
Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH)
e é seu atual Presidente nacional (1991-1993). E autor de vários estudos
históricos e tem apresentado trabalhos em Colóquios e Congressos
nacionais e internacionais. Organizou a edição da obra O Rio de
janeiro de Lima Barreto, 2 volumes, Rio de janeiro. RIOARTE, 1983.

( ,

171
COLEÇÃO BIBLIOTECA CARIOCA

1. A era das demolições/Habitações populares, de Oswaldo Porto


Rocha e Lia de Aquino Carvalho.
2. Aforamenios inventário sumário, Arquivo Geral da Cidade do
Rio de Janeiro.
3. Rio de janeiro: cidade e região, de Lysia Bernardes e Maria
Therezinha de Segadas Soares.
4. A alma encantadora das ruas, de João do Rio.
5. O Garatuja, de José de Alencar.
6. História da cidade do Rio de janeiro, de Delgado de Carvalho.
7. As mulheres de mantilha, de Joaquim Manuel de Macedo.
8. Diário do hospicio/O cemitério dos vivos, de Lima Barreto.
9. UmRio em 68, Departamento Geral de Documentação e Informa-
ção Cultura\.
10. Desabrigo, de Antônio Fraga.
11. Pereira Passos: um Haussmann tropical (A renovação urbana da
cidade do Rio de Janeiro no início do século XX), de Jaime Larry
Benchimo\.
12. Avenida Presidente Vargas: uma drástica cirurgia, de Evelyn
Furquim Werneck Lima. .
13. A mulher e os espelhos, de João do Rio.
14. Mistérios do Rio, de Benjamim Costallat.
15. Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha.
16. O mundo de Machado de Assis (O Rio de Janeiro na obra de
Machado de Assis), de Miécio Táti.
17. Dos trapiches ao porto (Um estudo sobre a área portuária do Rio
de Janeiro), de Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão,
18.' O Rio de janeiro da pacificação (Franceses e portugueses na
~, disputa colonial), de Paulo Knauss de Mendonça. .
19. A cidade mulher, de Alvaro Moreyra.
20. Os transportes coletivos na cidade do Rio de janeiro: tensões e
conflitos, de Maria Lais Pereira da Silva.
21. Natureza e sociedade no Rio de janeiro, Mauricio de Almeida
Abreu (organizador). . -

173
Composição e Impressão
Europa, Empresa Gráfica
e Editora Ltda.
Rio de janeiro - 1992
Portanto, o seu trabalho pode ser
considerado pessoal e criador, além de
imune ao vício universitário de complicar as
coisas simples e inflar artificialmente a
matéria, a fim ele dar maior vulto do que o
trabalho comporta. Talvez os especialistas
pudessem dizer que o material
ôocumentário não é abundante. Mas creio
que foi o que era encontrável, e
principalmente que é suficiente para o
principal: a interpretação coerente.
Trecho da CI/~ii.içúorealizada pelo Prol Dr. Antonio
Cândido de Mello e Sousa na Defesa Pública da tese de
doutoramento do autor; em 2 de maio de 1983, na
Unitersidade de São Paulo.

· .
o
o
,~

<.
_
BIBLIOTECA O1RIOCA C1
CD
A Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e
Esportes, através do Departamento Geral
de Documentação e Informação Cultural
e da Divisao de Editoração, convida
para o lançamento do volume 22 da
coleção BIBLIOTECACARIOCA:
'No rascunho da nação: Inconfidência no Rio
de Janeiro! de Afonso Carlos Marques dos
r
Santos no dia / /12/92, às 19h, na Livraria
Timbre (Rua Marquês de São vtcente. 57'
lj. 221 - Shopping da Gávea).
Promoção:

Secretaria Municipal de
Cultura, Turismo e Esportes
Departamento Geral de Documentação e
Informação Cultural
Divisõo de Ediforaçõo

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