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distância entre duas ondas P ou dois Figura 1 - Ativação atrial iniciando pelas
complexos QRS e a partir daí obser- forças atriais direitas (AD) e terminando
constantes.
O ritmo cardíaco pode ser sinusal,
ectópico ou arrítmico. O ritmo sinusal
será visto neste capítulo. O ectópico e
o arrítmico serão discutidos na seção
2 deste livro. Antes de começarmos
essa avaliação, devemos lembrar um
pouco da eletrofisiologia cardíaca,
vista no capítulo 2. O estímulo elétri-
co cardíaco, em condições normais, é
gerado no nó sinoatrial ou nó sinusal,
uma estrutura anatômica localizada
O vetor resultante está descrito em VR, apontando para inferior e
no teto do átrio direito. O caminho para esquerda. Como o vetor muda de direção a cada momento da
percorrido por ele será despolarizar despolarização atrial, é possível também imaginar o a alça que a
as células atriais circunvizinhas, de- despolarização desenha no plano frontal, com os sucessivos múltiplos
pois ganhar os feixes internodais (que vetores instantâneos.
não são exatamente feixes, como dis-
cutimos naquele capítulo) até chegar
ao nó atrioventricular, uma estrutu-
ra mais inferior e mais à esquerda, e equivocadamente descritas como um
sofrer uma “pausa” em seu processo. feixe, que são responsáveis por trans-
Nesse momento, o estímulo está ten- mitir o estímulo através do septo inte-
tando vencer a baixa velocidade de ratrial para o átrio esquerdo. Quando
condução dessa região (Figura 1). Bachmann está lesado, o estímulo será
O importante do parágrafo an- conduzido através da fossa oval ou
terior foi demonstrar para você o do seio coronário (veremos isso com
vetor da onda P no plano frontal (a mais detalhes no capítulo 6). Mas o in-
onda desenhada pela ativação atrial teressante é perceber que a segunda
nas derivações dos membros): ela porção da onda P é determinada justa-
vai do teto para uma região mais mente pela ativação do átrio esquerdo.
inferior e mais à esquerda. O vetor Como o átrio esquerdo é ativado de
da onda P, portanto, apontará para cima para baixo e de frente para trás
derivações mais à esquerda (D1) e (é uma estrutura mais posterior que o
inferiores (D2 e aVF), sendo positivo átrio direito, em contato direto com o
nessas derivações. esôfago), o vetor de ativação do átrio
Além dos feixes internodais, exis- esquerdo apontará de cima para baixo
tem também as células de Bachmann, e de frente para trás. Portanto, outra
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Figura 2
Entenda a figura antes de passar adiante. À esquerda, temos os vetores do átrio direito (AD) e do átrio esquerdo (AE). A soma dos dois vetores (VR) aponta
para inferior e para a esquerda no plano frontal, mais especificamente em direção a D2. D2, portanto, terá a maior amplitude, D1 e aVF também serão
positivas. D3 geralmente é positiva. aVR está quase diametralmente oposta ao vetor, portanto negativa. À direita, temos o vetor no plano horizontal,
portanto, nas derivações precordiais. Perceba que a ativação final (VR) realizada pelo AE traz o vetor para negativo na sua segunda porção, em V1. Adaptado
de Gertsch.
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Outra maneira é a “regra dos qua- Se o ritmo for irregular, esses cálcu-
dradões”. Cada quadradão possui 5 los não poderão ser realizados. A ma-
quadradinhos, então, 1500/5 = 300. neira de estimar a frequência é calcular
1500/10 = 150. 1500/15 = 100. Por aí a média de batimentos em 6 segundos
vai. Sabendo dessa regra, você pode e multiplicar por 10. Para isso, conte 30
inferir de maneira menos fidedigna a quadradões (30 x 200 ms = 6 segundos)
frequência (Figura 3). e multiplique a quantidade de bati-
mentos encontrados por 10 (Figura 4).
Figura 3 - Pela regra dos “quadradões”, a frequência cardíaca desse paciente estará entre
100 e 75. Para saber com exatidão, dividir 1500/19 = 79.
Figura 4 - Cálculo da frequência cardíaca quando ritmo for irregular. Contar 30 quadradões (6
segundos) e multiplicar o número de batimentos por 10.
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Figura 5 - A onda P é gerada pela ativação dos dois átrios. Na figura, está representada a
atuação de cada átrio na geração dessa onda. Perceba que a primeira metade é comandada
pelo átrio direito, enquanto o átrio esquerdo ganha importância na segunda metade. Na
porção central da onda, temos as últimas células do átrio direito e as primeiras células do
átrio esquerdo despolarizando-se.
A onda P precisa ser avaliada em sua dessa onda podem denotar atrasos de
amplitude, pois aumentos podem deno- condução. Adianto aqui uma importan-
tar sobrecargas atriais. Em D2 a onda P te divergência entre este livro e as ideias
não pode ultrapassar 2,5 mm de am- desse autor que vos fala para a literatura
plitude (dois quadradinhos e meio), pois já escrita. Repito: o alargamento da onda
mais que isso seria sinal de sobrecarga P denota atraso da condução intra ou
atrial direita. Em V1 a onda P não pode inter-atrial, que pode ou não ser secun-
ultrapassar 1,5 mm de amplitude em dário a uma sobrecarga atrial direita ou
sua porção positiva e 1 mm de ampli- esquerda. Esse assunto será discutido no
tude em sua porção negativa (Figura capítulo 6. A onda P não pode exceder
6), o que denotaria sobrecarga atrial di- 100 ms de duração (dois quadradinhos
reita e esquerda respectivamente. e meio)
A onda P também precisa ser avalia- Leia o resumo sobre a onda P na Ta-
da em sua duração, pois alargamentos bela 1.
Figura 6 - Onda p normal em D2: positiva, com > 2,5 mm de amplitude e 2,5 quadradinhos de
duração.
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A ativação vai seguindo a sequência rosa-vermelho claro, escuro, laranja, amarelo, verde e azul. Perceba que o estímulo nasce no septo endocárdico em
direção às paredes livres de ambos ventrículos e ao epicárdio (3).
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frente, e V1 é uma derivação que en- Figura 9 - Vetor cardíaco no plano frontal
xerga o eixo antero-posterior, nada apontando para inferior e esquerda
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“Terra de ninguém” (-
Negativo Negativo
90º a + 180º)
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porque, como já vimos nos capítulos an- Algumas enfermidades alteram o eixo
teriores, o vetor cardíaco estará indo de cardíaco. A Figura 13 resume essas possi-
encontro àquela derivação caso seja mui- bilidades. A Tabela 3 resume as principais
to ampla positiva, e fugindo daquela de- características do complexo QRS normal.
rivação caso seja muito ampla negativa.
Figura 12 - Exemplo de ECG para cálculo de
3. Caso haja duas derivações igual-
eixo cardíaco.
mente amplas, o vetor estará entre elas.
Existe também uma maneira práti-
ca de inferir se o eixo está normal, mas
não calcular seu ângulo. Segue:
4. D1 e D2 são mais positivos que
negativos.
Veja exemplos nas Figuras 11 e 12.
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Figura 15 - Medição do ponto J (ao fim do complexo QRS) demonstrando um ponto J elevado
em relação à linha de base (linha isoelétrica do intervalo PR). Se esse desnivelamento for
maior que 1 mm, é considerado anormal.
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Figura 16 - Tempo em milissegundos, após uma estimulação atrial, em que ocorre a despola-
rização e a repolarização do endocárdio e do epicárdio ventricular (6).
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um dos locais. Essa subida da onda T Agora imagine o que ocorre quan-
persiste até o momento em que o en- do o endocárdio, por um motivo de
docárdio começa a também se repo- isquemia, repolariza primeiro. O ve-
larizar, quando as forças positivas que tor positivo vai ser direcionado agora
estavam “sobrando” no endocárdio para o eletrodo intracardíaco, sentido
acabam desaparecendo, começando a oposto ao eletrodo extracardíaco. No
porção descendente da T e trazendo-a nosso exemplo do homem no fim de
para a linha de base. Depois disso, ain- uma rua, ele vai enxergar as luzes ver-
da as células M persistem repolarizan- melhas da traseira do carro (ou seja, a
do, mas sem uma importante interfe- cauda do vetor) se aproximando dele.
rência eletrocardiográfica (Figura 18). Por isso, em isquemia, o segmento ST
e/ou a onda T são negativas.
Figura 18 - A repolarização ventricular é um Dessa anedota, podemos obter al-
cancelamento dos potenciais de ação do gumas conclusões importantes, preste
endocárdio, epicárdio e células M. atenção:
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Apesar da onda U também significar repolarização miocárdica, foi convencionado que ela não será medida. O correto é desenhar uma linha na tangente da
porção final da onda T e outra linha na linha de base do ECG (correspondente ao intervalo PR). O ponto de encontro entre essas duas linhas será o fim da onda T.
Dúvida número 4: já ouvi falar mais elevadas que 100 por minuto,
que o intervalo deve ser corrigido pela mas também falha nas bradicardias
frequência cardíaca. Sim. Você ouviu (9). Framingham (10) e Hodges (11)
correto. O intervalo deve ser corrigido são métodos mais recentes que usam
pela frequência cardíaca porque os ca- fórmulas lineares de correção, ao invés
nais responsáveis pela repolarização de raízes quadradas ou cúbicas. As fór-
do potencial de ação (vide capítulo 2) mulas, que você usará um smartphone
têm sua abertura modificada pela fre- para calcular, estão descritas na Figu-
quência cardíaca, alterando assim sua ra 21. As fórmulas lineares, Hodges e
duração. Mas como corrigir? A primei- Framingham, são mais reprodutíveis
ra fórmula foi proposta por Bazett, e é a frequências cardíacas mais variadas
até hoje a mais utilizada (8) e envolve (12) e são aconselhadas pelo autor.
uma raiz quadrada para seu cálculo Para pacientes com bloqueio de ramo
– o autor recomenda o uso de calcu- esquerdo, a recomendação é que se
ladoras em smartphones. A fórmula subtraia 50% do valor do QRS da con-
de Bazett, no entanto, demonstrou-se ta total do intervalo QT (13). Em casos
falha nas frequências cardíacas fora de ritmos cardíacos irregulares, como
da faixa de 60-100 batimentos por mi- no caso da fibrilação atrial, a fórmula
nuto. A fórmula de Fridericia, também de Fridericia parece ser a que possui
proposta em 1920, e que envolve uma melhor correlação em comparação a
raiz cúbica em seu cálculo revelou-se Bazett e Framingham (Hodges não foi
mais acurada a frequências cardíacas comparado) (14).
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Figura 21 - Fórmulas para correção do inter- je, (2) repolarização tardia de músculos
valo QT de acordo com a frequência cardíaca. papilares, (3) forças eletromecânicas e
(4) repolarização de células M (17).
O intervalo entre o fim da onda T
e o ápice da onda U é usualmente de
100 ms, sem relação com a frequên-
cia cardíaca. Sua distinção da onda T
pode ser difícil, especialmente quando
a onda T é bífida ou mesmo em casos
em que há fusão da onda T com a onda
U. Algumas manobras podem ser usa-
das para diferenciá-las: a distância de
100 ms já citada e a correlação tempo-
ral que essa onda possui com a segun-
HR = heart rate (frequência cardíaca em batimentos por minuto); RR = da bulha cardíaca.
intervalo de uma onda R para outra em milissegundos. As características de normalidade
da onda U são: possuem a mesma
polaridade da onda T. Dura em tor-
Dúvida número 5: qual o valor no de 170 ms (± 30 ms) em adultos
normal do intervalo QT? O leitor deve e tem uma amplitude de até 25% da
ter em mente que não há um valor es- amplitude da onda T. Sua morfologia
tabelecido na literatura. Há uma inter- é definida como uma porção ascen-
secção de intervalos QTs de indivíduos dente rápida e uma porção descen-
doentes e sadios (15). Os valores acima dente lenta (o oposto do que ocorre
e abaixo do percentil 2,5 para norma- com a onda T).
lidade do intervalo QT são considera- A onda U é frequentemente negli-
dos pontos de corte: acima de 450 ms genciada na análise do ECG, mas sinais
para homens e 460 ms para mulhe- como inversão de onda U são de imen-
res (16). Valores abaixo de 350 ms para sa importância clínica, podendo estar
homens e 360 ms para mulheres são presente em até 20% dos ECGs isquê-
considerados anormais. Veremos mais micos.
detalhes sobre as Síndromes do QT As características normais de cada
longo e curto no capítulo 24. onda, intervalo ou segmento visto até
aqui serão resumidas na Tabela 4.
ONDA U
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Tabela 4
Desnível de até 1 mm
Segmento ST (V2 e V3 dependem do
sexo e idade).
Acompanha o eixo do
Onda T
QRS.
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