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O que é cultura popular

Livro de introdução aos estudos da “cultura” - matéria abordada pela ciência antropológica - “O que
é cultura popular” foi escrito em 1981 por Antonio Augusto Arantes, acadêmico da área.
Ao princípio, em tom pretensamente didático e informal, o texto debate os problemas de
conceituação no campo de estudo da “cultura” e procura localizar e discriminar as acepções
correntes do termo “cultura popular”. Logo nos apresenta um breve histórico das metodologias
adotadas pelos estudiosos em suas pesquisas sobre o tema, seguido por um relato acerca de uma
pesquisa empreendida pelo autor que exemplificaria o modelo de análise mais adequado à este
segmento da ciência.
Arantes, com uma propositadamente mal disfarçada tendência ideológica, exibe as polêmicas que
percorrem os círculos intelectuais empenhados na compreensão dos fenômenos sociais. Polêmicas
essas que reverberam no meio social mais amplo, ligado àqueles “círculos” por uma clara relação de
submissão(entre os muros da faculdade se forma o conhecimento que será transmitido em tom
profético ao restante da sociedade. Quando a sociedade é o tema do ensinamento se escancaram as
contradições dessa relação). Um a um são expostos os equívocos de abordagem da ciência social
moderna no condizente à apreensão e esquematização dos fenômenos sociais. Confrontando pontos
de vista diversos, Arantes procura desmistificar o senso comum e o preconceito que acompanham a
visão usual sobre o objeto designado por “cultura popular”. Ele a encara como algo dinâmico, em
constante mutação, mesmo na contemporaneidade, além de fenômeno dotado de valor intrínseco,
que não necessita do embasamento da “cultura oficial” - servido com fartura por presunçosos
intelectuais bem-intencionados – para cumprir com seu papel social.
Um dos pontos discutidos por Arantes que logo chama a atenção, é a concepção da cultura como
algo não-unitário, que preserva em seu seio divergências resultantes da multiplicidade inerente a
todo meio social. Dentro do fenômeno cultural convivem acepções conflitantes acerca de sua
motivação, valor e significado. Contrariando o senso comum que o propõe como objeto estável, de
definição razoavelmente simples, transformando-o assim em um corpus de estudo homogêneo,
congelado na diacronia, o fenômeno cultural se faz escorregadio, não-tangível em um primeiro
momento, acessível apenas a um olhar enviesado que lhe capte os matizes.
Passa então a ser necessário no uso da abordagem acima descrita, a especificação estrita do contexto
social onde se dá o fenômeno cultural. Há de se observar as condições econômicas e políticas de
uma comunidade em um dado momento e tecer hipóteses que não ignorem a sua própria
temporalidade, hipóteses plenamente cientes de que as generalizações no campo da cultura correm o
grave risco de engessar um objeto amorfo e múltiplo por natureza.
A cultura popular - que a bem dizer, não se restringe à classe dita popular, mas está sim diluída em
toda comunidade, constituindo-se de seus hábitos mais inconscientes, de que todos compartilham
deliberadamente( e quem anseia mais o anonimato do carnaval que aquele que vive apartado do
meio em que vive em consequência de seu próprio poderio econômico?) - tomada como aglomerado
heterogêneo de manifestações e significações não se prestaria então a uma análise isenta, aonde o
pesquisador coloca-se sobre o objeto estudado. Para Arantes a postura mais razoável implica em
analisar a cultura por dentro, ficando delimitada assim a posição do próprio pesquisador perante os
eventos que busca descrever. Cada evento é único na medida em que cada contexto que o abriga
possui uma disposição singular de seus agentes políticos e econômicos, além de tantos outros que
exercem constante influência sobre a dinâmica cultural.
Por fim,“O que é cultura popular” para além de seu propósito primeiro de ilustrar brevemente os
caminhos e percalços da antropologia social, acaba por nos deixar indefesos em meio à
ambiguidade do mundo que nos rodeia, repleto de signos paradoxais que se unem na aparência mas
que estão todos, de fato, ideologicamente carregados, restringindo nossas alternativas de ação à
drástica(e necessária) tomada de posição. Pois, se dentro do meio social existe divergência, o dito
senso comum não passa de explícito instrumento de dominação. Esta abertura de perspectiva, julgo
eu, é onde reside o maior valor do texto. Deixo aqui apenas uma ressalva quanto a algo inevitável
que merece porém alguma atenção. Como não poderia deixar de ser a construção desse
conhecimento está aqui entregue unicamente nas mãos da academia. Por meio dela temos acesso a
um estudo mais profundo e que tem como ponto positivo a sua investigação obsessiva de cada
questão, o que por vezes pode elucidar problemas que sem esse aprofundamento permaneceriam
insolúveis. Mas, e é importante que isso se destaque, a cultura acadêmica, a cultura científica,
racionalista prepotente, está indissociavelmente ligada a suas raízes européias e capital-
mercantilistas. Pensar fenômenos sociais por meio dessa ferramenta acarreta problemas de origem,
já que parece-me fazer todo sentido que o melhor modo de expressar um conteúdo cultural seja
através dos signos que a própria cultura engendra.

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