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ANÁLISE DE DISCURSO

de origem francesa

Circulação e textualização do conhecimento científico – PPGECT – maio 2015


Henrique César da Silva
Por que análise de discurso
no campo da educação
científica?

Análise de discurso e física:


isso combina?
Por que análise de discurso no campo
da educação científica?
• “Ciência não é literatura, não tem nada a ver
com a linguagem”...
• “A linguagem tem a ver com a subjetividade,
com a criação livre”...
• “A ciência tem a ver com a realidade”...

• A ciência também tem a ver com o simbólico


Por que análise de discurso no campo
da educação científica?
• A ciência também tem a ver com o simbólico,
com a linguagem

• Mas ela tem um jeito próprio de lidar com o


simbólico, com as linguagens, o que a faz
diferir, obviamente, de outras áreas que
também lidam com o simbólico...
Por que análise de discurso no campo
da educação científica?
• Há uma dimensão da própria ciência que é
ignorada... (preconceituosamente...)

• A ciência dominou a linguagem a tal ponto e


de tal modo colocando-a a serviço da
verdade...

• Mas há mais...
Por que análise de discurso no campo
da educação científica?
• Esse algo mais é o político...

• A AD é uma teoria que modifica a noção de


político para considerá-lo ligado à dimensão
simbólica, ou seja, ao discurso

• O discurso é essencialmente um processo


político
ANÁLISE DE DISCURSO
de origem francesa
Do que vou tratar...
• Discurso
• Materialidade e exterioridade
• Memória discursiva
• Ideologia
• Sujeito discursivo
• Formação discursiva
• Relação ciência e discurso
Um objeto específico
• O objeto da Análise de discurso é o DISCURSO,
não é a língua, a linguagem, a fala, a enunciação
• Representa um deslocamento a partir da
linguística, cujo objeto é a língua;
• Deslocamento pela relação com a exterioridade,
com a história, com as condições de produção
• “efeito de sentidos entre locutores” (M. Pêcheux, 1969).
Um objeto específico
• “efeito de sentidos entre locutores” (M. Pêcheux, 1969)
• Analisar um discurso é analisar, buscar
compreender, o sentido de um texto como
efeito de um processo...
• E não o sentido no texto ou o sentido do texto
• O sentido não está no texto
• O texto não “carrega” sentido
Questão teórico central
Qual a natureza desse processo que produz esse
tipo de efeito?...
... Efeito de que algo simbólico faça sentido...
... pareça que tem sentido...
TEXTO/SENTIDO

SENTIDO 1

TEXTO

SENTIDO 2
Característica fundamental da
linguagem
• O texto (o simbólico) é uma matéria “inerte” de
sentido
• Ele não carrega nada... Mas participa da produção de
signficações
• Incompletude
• Algo que não se fecha
• “não tem como saturar o possível”
• Abertura do simbólico
• O discurso é uma das instâncias materiais da relação
linguagem/pensamento/mundo
• Daí a necessária relação com a história
Abertura do simbólico/
administração dos sentidos
“não é porque é aberto que o processo de
significação não é regido, não é administrado.
Ao contrário, é por estar aberto que há
determinação” (Orlandi, 1996, p. 13)

Há uma “colagem” entre sentido e texto que


precisa ser mantida a força... ou “descolará”
Como funciona essa produção de
efeitos de sentido?
1. Primeira consideração = há sempre uma
materialidade simbólica em questão
2. Mas ela só não basta... Porque ela não dá
conta sozinha do efeito de sentido...
3. Outra condição fundamental é a
EXTERIORIDADE
4. Algo que é “fora” da materialidade...
5. MEMÓRIA, HISTÓRIA
Como funciona essa produção de
efeitos de sentido?
6. o material já está sempre “colado” a um
sentido... Ou a vários...
7. Sentidos já existem...
8. Todo processo de significação se dá no espaço
de uma memória

Um tipo especial de memória, não-subjetiva, uma


memória de efeitos de sentido que já se deram,
uma memória discursiva
Mecanismos discursivos
• O efeito de sentido de um enunciado tem
relação com outros enunciados ditos ou com
o não-dito...
• O efeito nunca é isolado... Depende de um
contexto mais amplo de produção da
linguagem
• O efeito se produz pela relação entre
enunciados...
Mecanismos discursivos
• Isso tudo forma um INTERDISCURSO, um
espaço de memória... Com regiões “internas”
• Quando algo faz sentido, é porque já tinha
sentido...
• O sentido pode ser outro ou o mesmo –
tensão essencial no funcionamento discursivo
• No caso das imagens, temos a
intericonicidade (Courtine)
Memória discursiva
“A memória discursiva seria aquilo que, face a
um texto que surge como acontecimento a ser
lido, bem restabelecer os “implícitos” (quer
dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos,
elementos citados e relatados, discursos-
transversos, etc.) de que sua leitura necessita:
a condição do legível em relação ao próprio
legível.”(Pêcheux)
Formação discursiva
Regiões mais ou menos estáveis da memória
discursiva; possibilidade de recortes da
memória discursiva; sempre uns em relação
aos outros; sempre heterogêneas, porque
com relação a outras...
Mecanismos discursivos
IDEOLOGIA

É solidária da noção de inconsciente.


O sujeito do discurso, é um sujeito afetado pelo
inconsciente.
“sujeito e sentido são constituídos pela ordem
significante na história. E o mecanismo de sua
constituição é ideológico”(Orlandi, 1996, p. 145)
Mais um pouco de teoria... O SUJEITO
• “não há discurso sem sujeito e não há sujeito
sem ideologia” (Pêcheux)
• Para que o dizer funcione, produza efeito, ele
precisa ser IMAGINARIAMENTE pensado,
concebido como ligado a um sujeito... Esse
sujeito é um efeito também... Produzido pela
ideologia... A ideologia é o mecanismo que
produz esse efeito de sujeito...
Voltando ao sujeito...
• “O sentido é uma relação determinada do
sujeito com a história e é o gesto de
interpretação que realiza essa relação do sujeito
com a língua [e com a história] na produção dos
sentidos.” (Orlandi, Escritos 3, 1998)
• As posições-sujeito são historicamente
construídas
• O sujeito se constitui na relação com o simbólico
Duas ilusões fundamentam o
funcionamento discursivo

A de que há relação “natural”


entre as palavras e as coisas

A de que o sujeito é a origem


do dizer ou do sentido
AD e ciência
• Como se “colam” os sentidos que a ciência
produz aos signos e símbolos?
• Como se mantém essa “colagem”?
• O que o espaço do ensino e outros espaços de
circulação da ciência têm a ver com essa
“colagem”?
• Onde estão as possibilidades de deslizes?...
• As tensões?...coerções?
Voltando à relação ciência/discurso
Vejamos como a aparece a linguagem na
epistemologia de Fleck

“A palavra como tal representa um bem


intercoletivo peculiar: uma vez que a todas as
palavras se lhes adere um matiz mais ou menos
marcado pelo estilo de pensamento, que se altera
na migração intercoletiva, elas circulam entre os
coletivos sempre com uma certa alteração de seu
significado.” (Fleck, 2010, p. 161)
Voltando à relação ciência/discurso
Vejamos o que pensa outro grande historiador da ciência,
Steven Shapin

“A produção de conhecimento e a comunicação de


conhecimento são normalmente consideradas como
atividades distintas. Argumentarei em contrário: o
discurso acerca da realidade natural é meio de gerar
conhecimento acerca da realidade, de assegurar a
garantia para esse conhecimento e de determinar os
domínios de certo conhecimento em relação a áreas de
posição menos certa.” (Shapin, 2013, p. 90).
Voltando à relação ciência/discurso
E uma outra citação ainda de Shapin

“Ao tratar da tecnologia literária de Boyle não


estamos, portanto, falando de algo que seja
meramente um ‘relatório’ daquilo que foi
alhures; estamos lidando com uma das mais
importantes formas de experiência e os meios
de se estender e validar a experiência.” (idem,
p. 93)
O discurso e o político
“O político compreendido discursivamente
significa que o sentido é sempre dividido,
sendo que esta divisão tem uma direção que
não é indiferente às injunções das relações de
força que derivam da forma da sociedade na
história.” (Orlandi, 1998)
O discurso, o político e o científico
A ciência circula em nossa sociedade dessa maneira
e atuamos na sociedade em relação à ciência
dessa maneira...
... nas suas divisões de sentidos, na disputa e jogos
de forças que envolvem os sentidos que circulam,
movediços, que queremos fixos, mas jamais se
fixam completamente... Porque a ciência, mesmo
sendo ciência, e sendo verdade, tem que se haver
inescapavelmente com o simbólico.

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