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Brasileiros são alvo de discriminação na

Europa devido a variante do vírus


Residentes descrevem comentários ofensivos na rua e
em redes sociais
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• • 17.abr.2021 às 23h15 - FOLHA DE SÃO PAULO

• • Giuliana Miranda

Lisboa

O descontrole da pandemia no Brasil e a preocupação com as variantes identificadas no


país já fazem com que brasileiros residentes na Europa sejam alvo de discriminação e
comentários ofensivos. Eles são acusados de disseminar a Covid-19 no continente.

Na França, que na última terça-feira (13) determinou a suspensão temporária dos voos
com o Brasil devido à situação sanitária, as redes sociais estão repletas de publicações,
vídeos e memes ofensivos aos brasileiros, muitos reunidos sob a hashtag
#VariantBresilien (variante brasileira).

As postagens são particularmente dirigidas às brasileiras, com associações a


prostituição, promiscuidade e calcinhas fio dental. Também há piadas com o sotaque e
com a aparência das mulheres.

Com o país em lockdown, as agressões são sobretudo online, mas não se restringem ao
universo virtual.

Em um vídeo publicado no Twitter, um homem vai até uma conhecida área de


prostituição de transexuais em Paris, o Bois de Boulogne, e começa a perguntar se as
profissionais do sexo são brasileiras.

“Variante brasileira? Você acaba de chegar à França?”, pergunta ele.

As menções ao Bois de Boulogne e à prostituição de brasileiras no parque são


recorrentes.

Em uma publicação popular na rede, um comediante pergunta: “Voos entre França e


Brasil suspensos... E quanto ao Bois de Boulogne, o que acontece?”.

Muitos que acompanham as publicações têm demonstrado perplexidade com os


comentários. Ao ler as postagens com a hashtag #VariantBresilien, um brasileiro que
não quis se identificar relata a existência de mensagens razoáveis de preocupação com a
variante brasileira e, por outro lado, o que chamou de “show de horrores de xenofobia”.
Para ele, os brasileiros, além de serem mal vistos no geral, agora são tratados como
ameaças internacionais.

Alguns que tentaram rebater os ataques queixam-se de perseguição nas redes sociais.

Uma pesquisadora brasileira que vive em Paris e tem publicado as ofensas nas redes
sociais, por exemplo, pede para não ter o nome divulgado na reportagem por temer
ainda mais retaliações.

Da Irlanda, onde vivem oficialmente cerca de 50 mil brasileiros, também chegam


relatos de discriminação com menções diretas à pandemia no Brasil.

Uma parte significativa de motoboys e entregadores de aplicativos de refeições do país


é formada por brasileiros. Nos fóruns especializados, eles relatam desde comentários
ofensivos até pedidos cancelados.

“Um cliente me disse, na minha cara, que brasileiros estão aqui espalhando doenças,
que trouxeram a Covid-19. Ele gritou e me perguntou por que eu não voltava para a
minha terra”, diz Anderson Santos, em uma das publicações.

Nos últimos meses, entregadores de um modo geral têm sido alvo de violência e
xenofobia. Gangues têm organizado emboscadas, aproveitando para agredir e roubar
encomendas, bicicletas e motos.

A discussão sobre os países sujeitos à quarentena obrigatória também levou a uma onda
de comentários ofensivos, mirando sobretudo brasileiros e sul-africanos.

“Para mim, algumas partes desse debate [sobre quarentena] tiveram um cheiro de
xenofobia”, chegou a afirmar o ministro da Saúde, Stephen Donnelly.

“Eu ouvi pessoas dizerem que devemos proteger nosso povo de estrangeiros, não é
disso que se trata”, completou.

A associação das variantes do vírus ao local em que são inicialmente identificadas é


criticada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que vê risco precisamente no
aumento do estigma em relação aos locais associados às cepas do Sars-CoV-2.

“Não deve haver estigma associado à detecção desses vírus, mas infelizmente ainda
vemos isso acontecendo”, afirmou Maria Van Kerkhove, epidemiologista da OMS.

PORTUGAL

Brasileiros em Portugal, onde os voos diretos com o Brasil estiveram suspensos entre 29
de janeiro até a última sexta-feira (16), também relatam episódios de discriminação.

Nas redes sociais e em reportagens sobre a situação da pandemia no Brasil, há muitas


acusações de que os brasileiros levariam a Covid-19 para o país.

Uma brasileira de Minas Gerais, em Portugal há dois anos, conta, em um grupo de


apoio, ter sido ofendida na fila do supermercado, após um outro cliente identificar seu
sotaque. Segundo ela, o homem disse que brasileiros só estão no país para espalhar o
coronavírus e tomar emprego dos portugueses.

Abalada, ela diz que a situação irregular em Portugal faz com que ela não tenha
coragem de expor o caso ou tentar denunciar as ofensas.

As responsáveis pelo projeto Brasileiras Não se Calam, que reúne relatos de


discriminação no exterior, dizem ter notado que, em muitos casos em Portugal, a
pandemia é usada como justificativa para a xenofobia.

São afirmações como “a pandemia só chegou a Portugal por causa dos brasileiros” ou
“não vou usar máscara porque é uma [funcionária] brasileira que está pedindo”.

Além dos brasileiros, a comunidade chinesa também relata aumentos nos casos de
discriminação e agressões.

Em uma extensa reportagem no semanário Expresso, chineses de diferentes faixas


etárias e classes sociais relatam episódios em que também foram acusados de
disseminar o coronavírus no país.

“Desde que começou a pandemia comecei a sentir mais violência no discurso tanto no
espaço público como nas redes sociais”, afirmou a luso-chinesa Michelle Chan, membro
da ONG SOS Racismo, em entrevista ao jornal.

A última avaliação epidemiológica do país, divulgada em uma reunião no Infarmed


(Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde), afirma que a presença das
variantes é residual em Portugal.

Até agora, há 29 casos confirmados da variante P.1 no país, o equivalente a uma


prevalência de 0,4%. Também bastante disseminada no Brasil, a P.2 teve prevalência de
0,1%.

Em março, a variante britânica representou 83% dos casos no país.

Apontado inicialmente como bom exemplo de combate a pandemia, Portugal viu o


cenário mudar completamente no começo de 2021. O país optou por relaxar as medidas
restritivas no período do Natal, o que acabou contribuindo para uma grande alta no
número de casos e mortes.

Sob pressão, o SNS (SUS de Portugal) esteve perto do colapso, e o país acabou pedindo
ajuda internacional para outros países da UE.

Em 15 de janeiro, o país entrou em lockdown. Agora, com os números sob controle,


está em curso o desconfinamento. A reabertura começou em 5 de abril e acontecerá, por
etapas, até 3 de maio.

As viagens diretas com o Brasil também foram retomadas. Após 77 dias de suspensão,
na última sexta-feira o governo decidiu autorizar voos comerciais entre Portugal e
Brasil. Os embarques permitidos ainda são bastante limitados.
Devido à pandemia, a entrada de turistas brasileiros está proibida na União Europeia
desde março de 2020. As viagens só são autorizadas para pessoas com dupla cidadania
ou residência legal em algum Estado-membro, além de algumas exceções para
deslocamentos classificados como essenciais.

São consideradas viagens deste tipo aquelas para permitir o trânsito ou a entrada de
cidadãos por motivos profissionais, de estudo, de reunião familiar, por razões de saúde
ou humanitárias.

Para entrarem em Portugal, além de cumprirem esses requisitos, os brasileiros precisam


apresentar um teste PCR negativo, feito 72 horas antes do embarque e, desde o mês
passado, estão sujeitos a uma quarentena obrigatória de 14 dias após a chegada.

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