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【研究ノート】

O papel do aprendizado da língua portuguesa na vida dos estudantes brasileiros no Japão

Marcy Tagawa Oliveira Costa

Segundo dados do Ministério da Justiça do Japão, referentes a dezembro de 2020, atualmente


31.351 brasileiros em idade escolar 1 residem no país. A situação dessas crianças e jovens, que
representam 15% da comunidade brasileira no Japão, permanece em espécie de limbo educacional, um
assunto que autoridades japonesas e brasileiras têm dificuldades para lidar e solucionar, por diversos
fatores que vão desde burocracia e falta de professores capacitados até a total falta de interesse e descaso
pelo assunto.
Para SHINODA (2019), em 1990, quando o governo do Japão alterou sua lei de imigração
para permitir que até a terceira geração de descendentes de japoneses pudesse entrar e trabalhar no país,
questões ligadas à educação dos filhos desses trabalhadores temporários estavam fora de pauta. No início
do “movimento decasségui”, como ficou conhecida a ida dos trabalhadores temporários brasileiros para
o Japão, a maioria que arriscava atravessar o mundo com o intuito de melhorar as condições financeiras
eram homens, pais de família. Mas com o passar do tempo, a solidão, misturada com a saudade e a
possibilidade de conhecer um novo país, fez com que esposas e filhos optassem por se juntar aos seus
provedores.
A comunidade brasileira, que em 1989 era formada por 14.528 nacionais, cresceu quase
400% já no ano seguinte após a liberação da entrada dos descendentes de japoneses, tendo atingido
seu pico em 2007, quando havia 316.967 brasileiros registrados como residentes no Japão. Mas, se no
início do processo imigratório as famílias se separavam, uma vez estabelecidos no Japão os brasileiros
optaram por se manter juntos, e nem mesmo a crise financeira de 2008 e o grande terremoto de Tohoku
seguido por tsunami em 2011 conseguiu fazer com que os pais se separassem de seus filhos. A variação
da quantidade de crianças brasileiras em idade escolar acompanha a oscilação dos números gerais
da comunidade brasileira no Japão desde 2006, primeiro ano com os dados detalhados referentes aos
estrangeiros no Japão no site do Ministério da Justiça japonês.

1. Faixa etária entre 6 e 18 anos

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de seus filhos. A variação da quantidade de crianças brasileiras em idade escolar
acompanha a oscilação dos números gerais da comunidade brasileira no Japão desde
2006, primeiro ano com os dados detalhados referentes aos estrangeiros no Japão no
site do Ministério da Justiça japonês.

Gráfico 1 – Oscilação populacional da comunidade brasileira entre 2006 e 2020


Gráfico 1 – Oscilação populacional da comunidade brasileira entre 2006 e 2020
400000

350000

300000

250000

200000

150000

100000

50000

0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

Brasileiros no Japão Crianças entre 5 e 19 anos

Fonte:Fonte:
Dados dodoMinistério
Dados Ministério dada Justiça
Justiça do Japão2
do Japão 2

Mas a reunião familiar acabou gerando sofrimento para as crianças. Não


Mas a reunião familiar acabou gerando sofrimento para as crianças. Não raramente, os
raramente, os brasileiros no Japão enfrentam inúmeras dificuldades de adaptação e
brasileiros no Japão enfrentam inúmeras dificuldades de adaptação e acabam deixando a educação de
acabam deixando a educação de seus filhos em segundo plano. Em busca de melhores
seus filhos em segundo plano. Em busca de melhores salários, famílias adotam uma rotina nômade,
salários, famílias adotam uma rotina nômade, mudando-se de cidade sempre que
mudando-se de cidade sempre que recebem ofertas de emprego mais vantajosas. Sem voz de decisão ou
mesmo 2daComo
compreensão dacompilados
os dados eram situação que se encontram,
de forma diferente até crianças e jovens, que
2009, foi considerado sedeesforçam
o total para aprender
crianças na
faixa etária entre 5 e 19 anos em todos os anos
um novo idioma e fazer novas amizades, têm que lidar, também, com mudanças frequentes de ambientes
escolares e que se adaptar à rigidez da escola japonesa onde, segundo KANASIRO (2011), é comum
a prática de bullying. No Japão, além de não ser adotado o sistema jus soli, as características físicas e
culturais típicas dos orientais fazem com que seja quase impossível ao brasileiro passar despercebido. No
ambiente escolar, quem não domina a língua e tem características físicas e comportamentais diferentes,
torna-se um alvo fácil.
Em alguns casos ocorre, ademais, o incentivo – muitas vezes velado – à evasão escolar,
viabilizado pelo fato da legislação local não se aplicar aos estrangeiros, que diferentemente do que é
imposto aos pais japoneses, não têm a obrigatoriedade de manter seus filhos matriculados em escola até
o término do chuugakkou (equivalente ao Ensino Fundamental II), podendo, portanto, decidir livremente
sobre a educação de seus filhos.

2. Como os dados eram compilados de forma diferente até 2009, foi considerado o total de crianças na faixa etária entre 5 e 19 anos em
todos os anos

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Mas, a atual situação em que se encontram os estudantes brasileiros no Japão também tem
origem no descaso com a importância do ensino e da continuidade do aprendizado da língua portuguesa,
atitude que pode gerar prejuízos no desenvolvimento emocional e, consequentemente, no cognitivo, nos
relacionamentos interpessoais e conflitos internos relacionados à identidade cultural.

[...] a linguagem materna é um objeto da atenção cognitiva espontânea da criança e seu


desenvolvimento não pode ser explicado somente por meio do desenvolvimento cognitivo,
o aprendizado de uma língua é semelhante à solução de problemas com objetivos físicos,
a língua precisa ser isolada, classificada, comparada etc., e gradualmente organizada em
sistemas de opções relevantes. (SMITH, 1979)

Em estudos publicados em 1962, Vigotski busca comprovar a importância da fala da criança que,
internalizada, torna-se pensamento verbal. Sobre o aprendizado de línguas, o teórico pondera que
diferentes culturas produzem modos diversos de funcionamento psicológico, sendo que as diferenças
qualitativas no modo de pensamento de indivíduos provenientes de diferentes grupos culturais estariam
baseadas, assim, no instrumental psicológico advindo do próprio modo de organização das atividades
de cada grupo. Em sua visão, é a partir da linguagem que o pensamento adquire sentido e estrutura-se.
Para OLIVEIRA (1991), “o desenvolvimento da linguagem – sistema simbólico básico de todos os seres
humanos – representa, pois, um salto qualitativo na espécie do indivíduo.”
Diante da situação exposta, consequentemente, muitos jovens que nasceram no Japão e foram
criados por pais brasileiros que não dominam a língua japonesa, tampouco estão imersos na sociedade e
cultura locais, tornam-se incapazes de se comunicar formalmente em japonês ou em português quando
atingem a vida adulta. Essa situação justifica a significativa presença de membros da comunidade
brasileira da faixa etária entre 20 e 30 anos em subempregos, sem qualquer perspectiva de carreira ou
crescimento profissional em nenhum dos dois países.

Educação em português no Japão


Ao trazer os filhos para o Japão, os brasileiros no país que enfrentam longas jornadas de
trabalho se depararam com um entrave: era inviável manter as crianças que não se adaptavam às escolas
locais sozinhas em casa. Em busca de solução para o problema, surgiram as primeiras escolas brasileiras.
KAWAMURA (2003) descreveu o processo de surgimento das escolas brasileiras da seguinte forma:

Apesar de as iniciativas de escolarização terem ocorrido já no início da migração de

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crianças brasileiras ao Japão, o conjunto das escolas brasileiras teve uma visível expansão
a partir de meados dos anos 90, especialmente [...] nas cidades de Hamamatsu, Oizumi,
Toyota, Toyohashi, Kanagawa, Shizuoka, Shiojiri e outras. Uma parte das grandes escolas
surgiu de pequenas experiências de “fundo de quintal”, no início dos anos 90; outra parte
instalou-se com investimentos de uma grande organização educativa privada, formando
filiais em regiões com grande incidência de brasileiros.

NAKAGAWA (2019), psicóloga, conselheira do CIATE e coordenadora do Projeto Kaeru, relata que
em 1995 surgiu a Escola Alegria de Saber (EAS), a primeira escola brasileira consolidada, e o projeto
Ceteban, de educação a distância, administrado pelo professor Carlos Shinoda.
De acordo com informações da Embaixada do Brasil em Tóquio, há atualmente no Japão a
quantidade extraordinária de 36 instituições de ensino de educação básica homologadas e outras 4 em
processo junto ao Ministério da Educação do Brasil (MEC). Em 2006, de acordo com a Associação das
Escolas Brasileiras no Japão (AEBJ), havia cerca de 110 escolas e creches brasileiras no país. Somente
os Estados Unidos, onde há uma escola brasileira reconhecida pelo MEC, acompanha o Japão no que se
refere à presença de instituições de Ensino Fundamental e Médio homologadas no exterior. Todavia, em
pesquisa publicada na página do Consulado-Geral do Brasil em Tóquio, referente a 2017, é observado
que somente 10% dos estudantes brasileiros estão matriculados nestas escolas.

Tabela 1 – Escolas brasileiras no Japão, localização, ensino e situação junto ao MEC

Localização Homologação MEC


Escolas brasileiras no Japão EF EM
Cidade/província Processo CEB/CNE Nº

Alps Gakuen Minami Alps/ Sim Sim 15/04, de 07/07/04, em processo devido à
Yamanashi alteração do nome e do mantenedor
Centro de Ensino Nippo Brasileiro Kikugawa/ Sim - 06/06, de 15/03/06
Shizuoka
Centro Educacional Nova Etapa Kakamigahara/ Sim Sim 10/06, de 15/03/06
Gifu
C. E. Sorriso de Criança Kikugawa/ Sim 12/06, de 15/03/06**
Shizuoka
Colégio Brasil Professor Shinoda Nagoia/ Sim Sim 27/08, de 02/12/08 - 28/08, de 02/12/08, 7/2012,
Aichi de 07/03/12
Colégio Isaac Newton Minokamo/ Sim Sim 10/10, de 05/05/10
Gifu
Colégio Latino do Japão Omi/Shiga Sim Sim 14/03, de 07/05/03
Colégio Mundo de Alegria Hamamatsu/ Sim - 07/09, de 01/04/09, 22/12, de 05/12/12
Shizuoka
Colégio Sant’Ana Echi/Shiga Sim Sim 06/03, de 07/05/03***
Colégio Santos Dumont Konan/Shiga Sim - Em processo
Colégio Sonho de Criança Ogaki/Gifu Sim - Em processo

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Colégio Sun Family Nagahama/Shiga Sim - 06/09, de 01/04/09
EAS Rede Pitágoras Ota/Oizumi Sim Sim 08/00, de 16/02/00
EJA Interativo Toyohashi/Aichi - - 14/2012, de 10/05/12
Escola Alcance Hamamatsu/ Sim Sim 25/07, de 07/11/07
Shizuoka
Escola Alegria de Saber Hekinan/Aichi Sim Sim 28/06, de15/03/06
Escola Alegria de Saber Toyohashi/Aichi Sim Sim 05/00, de 14/02/00
Escola Alegria de Saber Toyota/Aichi Sim Sim 05/00, de14/02/00
Escola Alegria de Saber Suzuka/Mie Sim Sim 05/00, de14/02/00
Escola Alegria de Saber Hamamatsu/ Sim - 27/06, de 15/03/06
Shizuoka
Escola Brasileira Prof. Kawase Ogaki/Gifu Sim Sim 35/00, de 04/12/00 - 08/02, de 29/01/02
Escola Brasileira Sol Nascente Kikugawa/ Sim - 22/06, de 15/03/06****
Shizuoka
Escola Cantinho Brasileiro Toyohashi/Aichi Sim - 15/06, de 15/03/06***
Escola Comunitária Paulo Freire Toyota/Aichi Sim Sim Em processo
Escola e Creche Grupo Opção Joso/Ibaraki Sim Sim 15/03, de 07/05/03 - 17/06, de 15/03/06
Escola e Creche Mirai Kikugawa/ Sim Em processo (somente EFI)
Shizuoka
Escola Educativa Otawara/Tochigi Sim Em processo
Escola Expressão Handa/Aichi Sim - 1/10, de 27/01/10
Escola Fuji Fuji/Shizuoka Sim - 17/03, de 07/05/03
Escola Néctar Toyota/Aichi Sim Sim 19/01, de 06/08/01 - 19/03, de 07/05/03
Escola Nikken Yokkaichi/Mie Sim Sim 8/2007, de 19/04/07
Escola Objetivo de Iwata Tia Rosa Iwata/Shizuoka Sim - 19/06, de 15/03/06 - 01/15, de 11/02/15***
Escola Paralelo Ota/Gunma Sim Sim 36/00, de 04/12/00 - 11/03, de 07/05/03*
Escola Pintando o Sete Toyota/Aichi Sim - 12/07, de 19/04/07
Escola São Paulo Aichi/Anjo Sim Sim 07/01, de 20/02/01, em processo devido à
alteração do nome e do endereço
Escola Taiyo Joso/Ibaraki Sim - 23/06, de 15/03/06
Inst. Ed. Centro Nippo-Brasileiro Oizumi/Gunma Sim Sim 33/03, de 05/11/03
Inst. Ed. Gente Miúida Oizumi/Gunma Sim Sim 25/06, de 15/03/06
Instituto Educare JT Tsukuba/Ibaraki Sim Sim 23/06, de 15/03/06, em processo devido à
alteração do nome e do endereço
Inst. Ed. TS Recreação Kamisato/Saitama Sim Sim 22/01, de 06/08/01 - 26/06, de 15/03/06 - 9/14,
de 05/11/14

* EJA homologado **EJA em processo de homologação *** Ensino Médio em processo de homologação
**** Ensino Fundamental II em processo de homologação
Fonte: Embaixada do Brasil em Tóquio

Consta no manual de “Orientações Gerais Sobre o Ensino Para Brasileiros no Japão”, publicado
em setembro de 2018 pelo MEC, que ser uma escola homologada significa que:

[...] o estabelecimento solicitou seu credenciamento à Câmara de Educação Básica do


Conselho Nacional de Educação (CNE/CEB) e recebeu parecer favorável [...] preenchendo,
assim, as exigências necessárias para que possa emitir documentos escolares considerados
válidos no Brasil para todos os fins e direitos.

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Estas escolas devem obedecer à Resolução CNE/CEB nº1, de 3 de dezembro de 2013, que determina em
seus artigos IV e VII, respectivamente, a obediência à lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no que se
refere à seleção e qualificação dos docentes, e a participação da instituição no cadastro do Censo Escolar
aplicado anualmente pelo Ministério da Educação. Mas é fato, porém, que nem todos os protocolos são
seguidos. O apoio e a fiscalização por parte das autoridades brasileiras não ocorrem e as administrações
escolares têm que lidar com a falta de profissionais qualificados. Por outro lado, os professores lidam
diariamente com o desvio de função. KANASIRO (2011) cita em sua etnografia relatos de baixa
remuneração, menos do que pagam as fábricas, a realidade de ter que lecionar para classes multisseriadas
e a atuação além da sala de aula, como motoristas, faxineiros, entre outras funções.
Em tentativa de solucionar parte do problema, como resultado de uma visita de Fernando
Haddad ao país em 2006, quando ocupava o cargo de Ministro da Educação, de acordo com informações
do MEC, foi firmado um convênio entre a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e a
universidade japonesa Tokai University. O objetivo era “formar os profissionais da educação que atuam
em escolas brasileiras no Japão que ainda não tinham a formação exigida em lei”. Todavia, a coordenação
do intitulado “Projeto de Formação de Professores pelo Acordo Brasil-Japão” abriu 300 vagas para
curso de licenciatura em pedagogia apenas. HAYAMA (2013) reporta que cerca de 200 pedagogos se
graduaram em 2013 e que, devido ao alto custo da iniciativa, não há previsão de continuidade da parceria
ou da abertura de novas turmas.
Sendo assim, a única comunidade de brasileiros expatriados e imigrantes fora do Brasil a
dispor de tantas escolas reconhecidas pelo MEC não está livre de dificuldades para educar seus filhos
em português. Em consulta às escolas, apurou-se que são utilizados os materiais didáticos de sistemas
de ensinos brasileiros, como Positivo, Objetivo, Maxi e Pitágoras, sem que haja qualquer adaptação
que promova maior interesse ou aproximação à realidade e ao cotidiano dos estudantes no Japão. Por
se tratarem de instituições de ensino particulares, é cobrado dos pais em média ¥30.800 mensais, além
de despesas extras relacionadas a livros e apostilas – que são importados e chegam aos alunos a cada
trimestre, semestre ou ano – transporte e alimentação.
Com base em dados do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar do Japão, publicados pelo
site Nikkei Asia em abril de 2020, a média salarial de um trabalhador estrangeiro comum no país é
de ¥223.100. Pode-se considerar, portanto, que 13% do salário de um dos pais com filho em escola
brasileira é destinado ao pagamento da mensalidade escolar. O quadro se agrava caso o casal tenha
mais filhos, se somente um dos pais trabalha ou quando os pais são separados e o que obteve a guarda
dos filhos não recebe pensão ou qualquer outro auxílio financeiro do ex-cônjuge. Até 2019, 15 escolas
brasileiras no Japão eram reconhecidas pelo governo japonês como miscellaneous school, e recebiam

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incentivos do governo local. A iniciativa privada mantém programas de bolsas parciais que variam
entre ¥5.000 e ¥20.000 mensais que, segundo KAMATA (2017), beneficiam cerca de 450 estudantes
brasileiros em todo Japão.

Tabela 2 – Escola brasileira: investimento anual


Escola 1 Escola 2 Escola 3
Matrícula ¥0 ¥10.000 ¥7.000
Mensalidade ¥29.900 ¥31.000 ¥31.500
Material didático (anual) ¥31.500/EFII ¥41.000/EM ¥52.000/EFII ¥55.200/EM ¥54.200/EFII ¥67.600/EM
Completo: ¥11.300** Completo: ¥10.500**
Uniforme Não utiliza
Camiseta:¥2.000 Camiseta:¥2.000
Alimentação À parte Inclusa À parte
Transporte** ¥5.000 ¥10.000 ¥12.000
Outros Seguro: ¥1.440/ano Apostilamento: ¥16.500** Não há
EFII TOTAL ANUAL*** ¥391.740 ¥436.000 ¥441.200
EM TOTAL ANUAL*** ¥401.240 (R$21.459) ¥439.200 (R$23.489) ¥454.600 (R$24.313)

OBS: Os nomes das escolas foram omitidos para evitar comparações que fogem ao objetivo da pesquisa.
* Documento japonês equivalente ao CPF **Opcional *** Soma dos valores obrigatórios.
Fonte: Escolas brasileiras homologadas pelo MEC no Japão

A opção do Português como Língua de Herança (PLH)


Em ascensão nos países onde ocorre significativo movimento migratório de brasileiros, uma
das iniciativas pioneiras e mais expressivas de PLH no Japão é o Projeto Construir Artel, fundado em
2008 e coordenado pela professora Luzia Tanaka. Formada em Pedagogia pela UFMT/Tokai, Educação
de PLH pela Brasil em Mente e em Educação Artística, a professora atende crianças e jovens brasileiros
que estudam em escola japonesa na cidade de Sakai (Osaka), após o horário das aulas. Em seu projeto,
também organiza eventos familiares e comemorativos, sempre de acordo com as festividades nacionais,
promovendo a cultura brasileira, que integra as diretrizes de ensino do PLH.
Outro projeto de destaque tem sede em Hamamatsu (Shizuoka), cidade que é lar de 9.945
brasileiros, um dos maiores redutos da comunidade brasileira no Japão. O Instituto Internacional de
Educação e Cultura (IIEC), coordenado pela professora Adriana Sugino, além de aulas, desde 2019
promove cursos de capacitação para ensino de PLH e conta com apoio do Itamaraty inclusive para a
produção de material didático. Consultada, Adriana relata que o projeto conta com 69 alunos divididos
por faixa etária, sendo 37 alunos entre 5 e 11 anos, 15 alunos entre 12 e 15 anos e 17 alunos com 16 anos
ou mais. O IIEC também organiza, desde 2018, simpósios de PLH.
Por iniciativa do Itamaraty, foi realizada a primeira Olimpíada do PLH em diversos países,

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inclusive no Japão, entre junho e setembro de 2021. O projeto pioneiro impulsionou a divulgação do
Português como Língua de Herança na comunidade brasileira no Japão, tendo aberto as portas para o
surgimento de novos cursos e despertado o interesse de pais e alunos em todo país. A NPO ABC Japan,
de Yokohama (Kanagawa), escolhida como instituição parceira do Consulado-Geral do Brasil em Tóquio,
abriu vagas para cursos preparatórios para a Olimpíada e já deu início a novos cursos gratuitos online de
PLH. Iniciativas similares vêm se popularizando na comunidade, onde pequenos projetos, administrados
por mães, se instauram aos poucos em busca de maior valorização da cultura e língua maternas entre
crianças e jovens.

Tabela 3 – Projetos de PLH no Japão


Projeto ou escola de PLH Cidade Província
Projeto Construir Artel Sakai Osaka
International Institute of Education and Culture (IIEC) Hamamatsu Shizuoka
Projeto Sementinha Hamamatsu Shizuoka
Clubinho PLH Ogaki Gifu
Alfaletrando Japão Komaki Aichi
Projeto Interação (PiN) Komaki Aichi
Projeto Educa+ Handa Aichi
Uni Duni Ler Inazawa Aichi
Projeto Chocho* Nishio Aichi
Trilingual Kids Project Iwakura Aichi
NPO ABC Japan Yokohama Kanagawa
*Projeto de desenvolvimento socioemocional
Fonte: Pesquisa. Facebook e páginas das iniciativas na internet

Em enquete realizada com três projetos foi possível constatar que a maioria dos alunos chegam
até às instituições por indicação de outros pais ou estudantes. Outros meios apontados foram os sites
e perfis dos projetos na internet, anúncios na mídia impressa comunitária e indicação da prefeitura.
Para se matricular nos cursos PLH é necessário, além do propósito de aprender, que pais e alunos
sejam submetidos a entrevista e teste de verificação do nível de proficiência em língua portuguesa. O
investimento para estudar ou continuar a aprofundar os conhecimentos em língua portuguesa mesmo
estando no Japão e estudando em escola japonesa, varia entre ¥5.000 e ¥10.000 mensais, valor que
corresponde, em média, a um dia de trabalho em fábrica, mais o material didático.
Considerando as respostas da enquete, pode-se afirmar que, mesmo adotando métodos lúdicos
de ensino, o ensino de PLH enfrenta dificuldades, sendo as principais delas a falta de motivação dos
alunos, a falta de atenção e incentivo por parte dos pais, a escassez de professores qualificados e a

38
inadimplência.

A língua de Herança é um meio de comunicação principalmente emocional que traz raízes


profundas, mantê-la é fundamental para laços familiares e na parte cognitiva está mais do
que comprovado cientificamente que uma criança exposta a mais línguas, mais facilidade
terá em várias áreas! (Professora de PLH A)

O PLH é muito importante para crianças não perderem a sua identidade; aprenderem ou
entenderem melhor sobre a nossa cultura; o relacionamento familiar e social que muitas
vezes acabam se perdendo devido a falta de comunicação. (Professora de PLH B)

Os resultados mais perceptíveis pelas educadoras envolvidas são melhoras significantes no


relacionamento familiar, das condições emocionais, do modo de se expressar e da conscientização da
identidade cultural.
O PLH também está ganhando espaço dentro das escolas públicas japonesas. Ao menos duas
escolas oferecem a opção para os alunos brasileiros frequentarem aulas de PLH: a Ushioda Elementary
School (EFI), localizada no distrito de Tsurumi, cidade de Yokohama (Kanagawa), e a Hamamatsu
Municipal Senior High School (EM), em Hamamatsu (Shizuoka). A coordenadora do International
Institute of Education and Culture (IIEC) e do curso de capacitação de professores de PLH no Japão,
Adriana Sugino, é quem ministra as aulas de português todas segundas e quartas-feiras, entre 15h20 e
16h35, como consta na programação oficial das aulas na página da escola de Hamamatsu na internet.
Consultada, a professora informou que a oportunidade de estudar português é dada somente aos alunos
do primeiro ano do ensino médio e que a sala é aberta a qualquer um dos cerca de 1.100 estudantes da
escola, de todas as nacionalidades, que tenham interesse pela língua e cultura do Brasil. Por se tratarem
de escolas públicas, não há cobrança pelas aulas ou implicação em qualquer gasto extra para pais e
estudantes.

Impacto e consequências causados pelo distanciamento da língua portuguesa


Quando ambos os pais são brasileiros e se comunicam com seus filhos na língua materna, o
primeiro choque para a criança ocorre por volta dos 4 anos, idade indicada para o ingresso na educação
infantil japonesa, que não é obrigatória. Mas se essa fase for ignorada ou se os pais optarem por creche
com cuidadores brasileiros, o ingresso no EFI, aos 6 ou 7 anos de idade, pode acarretar dificuldades de
adaptação, de relacionamento e de aprendizado causados pela falta de familiaridade e compreensão da

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língua japonesa. Esse quadro é ainda mais complexo quando a família emigra para o Japão quando seus
filhos são pré-adolescentes e, por opção, falta de recursos financeiros ou de escolas brasileiras na região,
matricula os jovens em escola japonesa.
Para melhor compreender a situação, três psicólogas brasileiras que atuam prestando orientação
na comunidade brasileira e uma educadora especializada em desenvolvimento socioemocional foram
entrevistadas e comentaram sobre o processo de adaptação e suas consequências de acordo com suas
experiências profissionais.

Quando ingressam na escola japonesa, as crianças e adolescentes encontram uma língua


e realidade muito diferente daquela que elas tinham costume, gerando dificuldades de
comunicação devido a diferença da língua e dos padrões socialmente aceitos nas escolas
japonesas, discriminações pelo fato de serem estrangeiros ou até pelas diferenças de cor de
cabelo, olhos, altura, gostos, sistema de ensino e/ou grades horárias diversas daquela que
eles estavam inseridos. Esses fatores podem levar as crianças e adolescentes a isolarem-
se, sentirem-se menos que os outros alunos ou sem valor algum e isso pode evoluir
para sobrecarga emocional maior como estresse, quadros depressivos ou de ansiedade,
faltas excessivas ou abandono escolar e enclausuramento em suas residências, quadro de
hikikomori3. (ENTREVISTADA B)

Estas dificuldades podem se manifestar por [...] comportamento agressivo dentro de


casa ou no ambiente escolar, extrema auto cobrança para superar as dificuldades nos
relacionamentos sociais e escolares (alguns eram ótimos alunos no Brasil e passam
a não aceitar as dificuldades no aprendizado, esperadas diante das diferenças).
(ENTREVISTADA C)

Sobre o impacto gerado pela mudança do Brasil para o Japão e ingresso em escola japonesa, há
unanimidade sobre a importância do preparo e apoio da família e as consequências no amadurecimento
emocional.

É importante que haja uma preparação no que se refere aos estudos, ao emocional e ao
cultural. Até mesmo a mudança de paladar ao comer novas comidas afeta o dia a dia da

3. Hikikomori: pessoas que apresentam comportamento de extremo isolamento doméstico. O governo japonês estima que ao menos 500
mil pessoas estejam nessa condição no país.

40
criança. O que acontece é que a preparação que os pais fazem por vezes não é suficiente
e ao chegar no Japão e frequentar a escola japonesa, a criança sente muita falta do
Brasil, da família, dificuldades com o idioma, de socialização e isso faz com que ela
se sinta não quista, impactando na autoestima e na forma como ela vê os desafios.
(ENTREVISTADA D)

E m contrapartida, quando há uma boa estrutura social, cuidados e suporte tanto


da família quanto da escola, estes podem se desenvolver bem transformando estas
dificuldades em potencialidades e maior capacidade de adaptação em muitas situações da
vida. (ENTREVISTADA A)

Ao que se refere às consequências para o desenvolvimento cognitivo dos jovens diante da interrupção
da utilização e do aprendizado da língua materna, as entrevistadas condicionam os resultados à rede de
apoio que envolverá os estudantes e suas condições emocionais.

P ode acarretar um bloqueio em um dos idiomas, porém o emocional influenciará


diretamente no cognitivo. Existe a condição cognitiva para o aprendizado dos dois idiomas
(salvas situações específicas), porém será preciso flexibilidade da família e da escola
neste processo, permitindo o uso dos dois idiomas em espaços e situações diferentes.
(ENTREVISTADA C)

[...] este impacto vai depender de uma série de fatores como: como foi o processo do
desenvolvimento desta criança anteriormente; como foi o processo de vinda desta família;
quais as condições de suporte; que tipo de escola (se for japonesa, tem tradutores? Tem
sala de aula com ensino mais específico para estrangeiros?). As dificuldades de não
compreender e nem falar o idioma japonês podem acarretar um prejuízo na formação
da capacidade crítica, dedutiva, reflexiva e construtiva, características desta fase.
(ENTREVISTADA A)

Teorias mais recentes da neuropsicologia nos dizem sobre a flexibilidade mental, ou seja,
a capacidade de nosso cérebro para buscar novas respostas [...] e nesse caso, poderíamos
citar o bloqueio da aprendizagem do português quando a criança chega ao Japão.
Considerando isso, podemos dizer que a migração de uma criança/adolescente para outro

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país que não o dela, e nesse contexto o Japão, caso ela esteja bem instalada e provida de
suas necessidades, proporcionará uma riqueza de vivência muito maior do que aquela que
está instalada em somente uma cultura. (ENTREVISTADA B)

Para NAKAGAWA (2019) a comunicação com os filhos, que esquecem ou subvalorizam a língua
portuguesa, é motivo de preocupação para muitos pais. Mas há outros problemas ligados à desconexão
com a língua portuguesa que geram a demanda de orientação psicológica e emocional atualmente.

[...] alguns não se adaptam, outros fazem tentativas [...] mas é comum que queiram se
identificar com os amigos japoneses para se sentirem pertencentes ao grupo, esquecem
o português por não quererem mais usar, e também porque seu repertório de palavras
aprendidas ficou limitado pela interrupção, aprendendo nomear muitas coisas e
sentimentos apenas em japonês, acarretando problemas de comunicação e identificação
com a cultura de origem e principalmente com a família. (ENTREVISTADA A)

[...] nos últimos 9 anos de atuação profissional no Japão, recebo crianças e adolescentes
com algum tipo de sofrimento emocional por conta deste processo de adaptação. São
inúmeros casos, entre eles: isolamento social por não se sentir pertencendo a nova
realidade no Japão, auto cobrança em relação aos estudos levando até mesmo ao
isolamento para dedicação exclusiva aos estudos, retraimento durante o período que
permanece na escola japonesa. Nestes e em outros casos o atendimento psicológico tem
um papel fundamental para a criança, adolescente e a família, facilitando a adaptação e a
superação das dificuldades escolares e sociais. (ENTREVISTADA C)

[ ...] são questões bem recorrentes de isolamento, quadros depressivos, ansiosos,


hikikomori, intoxicação eletrônica (quadro bem confundido com autismo) [...] as crianças e
jovens que vêm do Brasil falando o português, continuam falando em casa ou com colegas
e se aprendem o japonês, conseguem conviver melhor no sistema de ensino, trabalhar e
fazer a vida aqui, ou no Brasil. (ENTREVISTADA B)

A questão é mais delicada quando as crianças nascem no Japão e não são incentivadas a aprender e
utilizar a língua portuguesa e nem a conhecer a cultura do Brasil, seu país de origem.

42
A questão “não quero ser brasileiro” ou “eu sou japonês” geralmente é muito forte nas
crianças que nasceram aqui e só frequentaram a escola japonesa. Também observo que
essas crianças tiveram pouco contato com aspectos culturais do Brasil, como música,
dança, história, geografia, e até mesmo com os familiares que estão no Brasil. Elas
conhecem muito pouco do Brasil e algumas não sentem interesse. Falar somente português
em casa não é suficiente para desenvolver a língua, a identidade e o amor pelas origens. É
preciso viver mais os aspectos culturais do Brasil e ter experiências relevantes, fortalecer
os vínculos familiares e o interesse da criança pela origem da sua família, fortalecendo
assim a autoestima em um processo de autoconhecimento. (ENTREVISTADA D)

Quando os pais não cuidam de manter o idioma português e os valores da cultura de


origem, mesmo quando as crianças nascem no Japão, evidentemente esta criança terá
conflitos de identidade e maior disposição para querer se tornar “japonesa” [...]. É muito
comum que os maiores conflitos ou distanciamentos no lar ocorram devido a esses fatores
e mesmo que os filhos e pais queiram reatar algumas relações, se torna muito difícil
posteriormente, por estes limites da linguagem. (ENTREVISTADA A)

Em busca do sistema de ensino mais indicado para os filhos dos brasileiros no Japão, o professor
titular do departamento de economia da Universidade de Brasília e líder do Grupo de Pesquisa do
CNPq, Mauricio Soares Bugarin, realizou, entre 2015 e 2017, a pedido da Embaixada do Brasil em
Tóquio, a pesquisa intitulada “Escola Brasileira ou Japonesa? A inserção dos estudantes brasileiros na
escola no Japão”. Em seu estudo, Bugarin conclui que “em suma, o modelo atual de escola brasileira
é de substituto imperfeito de escola japonesa” e propõe duas soluções: a escola brasileira bilíngue,
considerada “uma solução restrita” e pouco provável pelo pesquisador diante do alto custo implicado; e “a
escola brasileira como complemento à escola japonesa”, a adaptação das atuais escolas reconhecidas pelo
MEC ao modelo de after school, opção considerada “compatível com os incentivos” pelo pesquisador.
Passados quatro anos, não há indicação de que a sugestão será colocada em prática para a
adaptação das escolas brasileiras ao novo modelo proposto. A diretora de uma escola brasileira4 frisou
que a utilização de cálculos e gráficos para a análise de probabilidades e a forma pejorativa como
foram tratadas as escolas brasileiras na pesquisa despertou sentimento de incompreensão e aversão à
solução apresentada. Deve-se considerar também que, ao propor o abandono do currículo brasileiro,
o pesquisador sugeriu, indiretamente, a extinção da homologação pelo MEC e, consequentemente, o

4. Consulta informal, realizada no segundo semestre de 2019.

43
rebaixamento de status das escolas brasileiras no Japão.
Sobre o melhor cenário para crianças e jovens brasileiros em relação à língua portuguesa, seu
desenvolvimento, identidade e futuro profissional, as entrevistadas exaltam a transitividade entre as
línguas e culturas do Brasil e do Japão e o planejamento familiar como fatores determinantes.

[ ...] seria a possibilidade de uma formação ampla dos jovens, com o conhecimento
multicultural, compreendendo o melhor possível seu idioma nativo, e quantos mais forem
possíveis. O mundo globalizado oferece muitas possibilidades para os jovens e tanto os
pais quanto as escolas devem auxiliar, provocar e incentivar os jovens a terem muitas
experiências e informações para ampliar os seus pensamentos mais críticos para melhores
escolhas de profissão e de vida. (ENTREVISTADA A)

Famílias que tenham coerência com seus objetivos e valores, que incluam seus filhos nas
decisões, mantendo a hierarquia familiar e a importância de cada membro da família, que
independente da escola que estudam, possuam o aprendizado da sua língua materna e do
idioma local. (ENTREVISTADA C)

S er estimulado desde pequeno a estudar tanto a língua portuguesa quanto a língua


japonesa; conviver e transitar entre as duas culturas e realidades regularmente e sem
pressão. [...] O brasileiro no Japão tem diversas oportunidades, porém em muitos casos
restringimo-nos a comunidade brasileira e ao trabalho na fábrica por exigir menos do
nosso emocional, da nossa perseverança e do nosso poder de superação. E isso também é
passado para as crianças e jovens através do exemplo. (ENTREVISTADA D)

Casos de sucesso
Quatro jovens brasileiros que cresceram no Japão e que venceram todas as barreiras, tendo
conquistado seu espaço no mercado de trabalho formal japonês, comentaram como o conhecimento da
língua portuguesa colaborou em suas trajetórias de sucesso:

C.A, 23 anos, nascida no Brasil, residente no Japão há 21 anos, formada em Comunicação Internacional
em universidade japonesa:
“É ter duas formas de pensar as coisas! Isso faz eu ter uma cabeça mais aberta, ou seja, a influência
cultural do meu país de origem, que é o Brasil, onde falamos a língua portuguesa. E com a língua

44
pátria vem toda uma bagagem de minha história de vida, a importância de tudo é poder, através da
língua, estar ligada a esta cultura e vivenciar as coisas do meu país mesmo estando aqui no Japão ou em
qualquer outro lugar. Assim, aprendi a importância de valorizar a minha língua materna e fui adquirindo
capacidade para questionar o mundo ao meu redor.”

M.M, 24 anos, nascido no Japão, residente há 13 anos no país, formado em Administração de Empresas
em universidade japonesa:
“Ter o português como meu idioma me traz um senso de identidade muito forte. Talvez não nos
importamos muito no dia a dia, mas quando paramos pra pensar no que este idioma representa, o que
ele carrega, isso nos dá uma nova visão de mundo. Você não se sente mais um ser jogado no espaço de
forma aleatória. Dá a sensação de que “eu faço parte da história”. É meio estranho, mas é como se você
conseguisse sentir o peso de cada pedaço de estrada que foi colocado por vários povos ao longo dos
séculos até chegar aqui. Desde a invasão romana na Península Ibérica, a invasão muçulmana, as grandes
navegações, até os tempos atuais. Vários povos colaboraram para a formação da Língua Portuguesa:
europeus, africanos, árabes, índios etc. Eu me sinto muito privilegiado por carregar isso. O português
me traz esse tipo de identidade e vem me beneficiando muito ao longo da minha vida. Só o fato de
entender português aumenta de forma imensurável os conteúdos que são possíveis acessar tanto na vida
acadêmica, de estudante, como na profissional. Eu sempre conseguia trazer novas perspectivas para os
meus trabalhos só por entender um idioma a mais. Como se não bastasse, como o português é um idioma
de origem latina, então consigo acessar conteúdos em outros idiomas como o espanhol e francês. Isso me
dá muita opção, até na hora do lazer. Eu posso pegar um livro sem me preocupar muito com o idioma.
Às vezes eu me esqueço em qual idioma estava determinado conteúdo que eu acessei. Eu não consigo
imaginar como seria a minha vida sem o português.”

N.T, 23 anos, nascida e criada no Japão, formada em Estudos Internacionais em universidade japonesa:
“Aprendi a língua portuguesa com os meus pais e também tive aulas de reforço. Eu utilizo o português
apenas em casa e o japonês fora dela. Por isso, para mim, o português representa a família. No período
escolar, muitas crianças brasileiras que frequentavam a escola japonesa, perdiam o interesse em
continuar utilizando a língua portuguesa porque tinham vergonha de conversar com os pais na frente de
amigos e professores. No meu caso, pelo contrário, sempre tive muito orgulho deste idioma. Para mim, o
português não é apenas uma forma de me comunicar, mas sim, um idioma que me liga a minha família,
é a minha origem, representando o meu “lado brasileiro”. Apesar de ser fluente em japonês e inglês,
gosto mais do português porque sinto que posso ser eu mesma me expressando mais livremente os meus

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sentimentos. Em outras palavras, apesar de ter nascido e ter uma formação acadêmica no Japão, a língua
portuguesa é muito importante para mim e faz parte da minha identidade.”

E.Y, 27 anos, nascida no Brasil, residente no Japão há 15 anos, mestre em Comunicação Internacional e
TESOL por universidade japonesa:
“A língua portuguesa se tornou minha renda financeira no Japão! Fundei uma escola de idiomas, onde
ajudo os brasileirinhos a não perderem suas raízes e o contato com os pais, famílias e parentes tanto no
Japão como no Brasil. Nosso grande papel como professores não é somente ensinar a língua, mas a
cultura também! Fazendo eles se orgulharem e quererem aprender mais e mais! Vim para o Japão com
12 anos. Após 3 anos e meio, ao tentar ingressar na escola de ensino médio japonesa, fui rejeitada por
falta de domínio na língua japonesa. Retornei a essa mesma escola esse ano, porém, como professora de
língua portuguesa. Quem diria! Eu chego a me emocionar ao ver jovens japoneses, filipinos e chineses
com todo o entusiasmo aprendendo português. Sou professora de português também em uma rede de
escolas de idiomas, onde preparamos os funcionários japoneses que irão ao Brasil a trabalho. Por fim,
o trabalho que mais me emocionou foi ser professora de cultura brasileira nas escolas primárias de
Yokohama. Durante 4 anos representei nosso país em mais de 13 escolas ensinando em todas as salas,
da primeira à sexta série. Receber cartinhas dos alunos dizendo que não gostavam de estrangeiros por
não entenderem a língua e certos costumes, mas que depois de aprenderem sobre o Brasil queriam
visitar o país futuramente me fazia sentir realizada, como um dever cumprido. Depois de adulta, voltei
às minhas ex-escolas como palestrante para alunos e professores, para falar sobre a minha experiência
como estrangeira que buscou nos estudos um futuro melhor, onde não precisamos abrir mão de nenhuma
de nossas línguas, mas sim somar nossas habilidades e conhecimentos diversos. A língua portuguesa
e minhas formações me levaram de volta ao meu país como pesquisadora da JICA sobre simbiose
multicultural. Tudo isso, em agradecimento a Deus e aos meus pais, que não me deixaram perder a minha
identidade e me apoiaram nos estudos fazendo o impossível ser possível, assim como os professores
também. Aprendi com a minha professora da faculdade que não sou ‘half’ e sim ‘double’ pois tenho dois
países e não metade deles dentro de mim.”

Conclusão
Em análise ao conteúdo apresentado, observa-se a necessidade de ponderar os vários lados que
envolvem a questão da língua portuguesa no Japão. Há escolas que, com respaldo de duas décadas do
MEC, representam espécie de válvula de escape aos que não se adaptam ao sistema de ensino japonês, e
também como garantia de continuidade nos estudos aos que pretendem retornar em breve ao Brasil. Não

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se pode negar, todavia, que a qualidade de ensino e a estrutura dessas instituições se deterioraram ou não
foram aprimoradas ao longo dos anos. Seus alunos porventura sofrem, inconscientemente, por falta de
oportunidades para se integrar à sociedade japonesa e, indiretamente, pela falta de supervisão do MEC.
Em diferente cenário, estão os alunos brasileiros que estudam nas escolas japonesas. Estes,
em sua maioria totalmente integrados à sociedade e cultura locais, têm maiores chances de trilhar um
futuro profissional promissor no país. Mas a falta de fluência na língua portuguesa e a desconexão com a
cultura brasileira, por vezes, tornam-se gatilhos para carências emocionais, problemas de relacionamento
e identidade. E quando não, perdem a chance de se tornarem bilíngues, de ampliar os horizontes pessoais
e profissionais, de se tornarem elos entre Brasil e Japão.
As valiosas colaborações que os profissionais da área de educação e psicologia deram a esta
pesquisa deixam pouca margem de dúvida sobre o benefício que o aprendizado da língua portuguesa
pode proporcionar na formação de crianças e adolescentes brasileiros no Japão. Os depoimentos dos
jovens profissionais, que enfrentaram intempéries comuns a todos os membros da comunidade brasileira
no Japão, corroboram que a proximidade com a língua portuguesa e a cultura brasileira colaboram
significativamente aos que desejam trilhar caminho próspero, sólido e integrado à sociedade japonesa.
Considerando que o cenário ideal é que os jovens tenham contato e estudem tanto o japonês
quanto o português, as escolas de PLH, que cada vez ganham mais espaço na comunidade brasileira,
representam uma boa alternativa. Todavia, há necessidade de adaptação do material didático existente
para atender alunos de todas as idades e níveis de conhecimento da língua portuguesa e não somente as
crianças e os jovens que não têm fluência na língua materna. Carece-se, também, de mais oportunidades
de especialização para educadores de PLH. Nesse sentido, o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo
IIEC merece destaque pelo pioneirismo, mas concentra-se principalmente na província de Shizuoka e
região, sem, até o momento, estabelecer parcerias com escolas e ONGs de outras partes do Japão ou
perspectiva de oferecimento de cursos online a distância.
Na busca pela solução ideal, destaca-se, por fim, a introdução da língua portuguesa na grade de
aulas de escolas japonesas situadas em cidades com grande concentração de brasileiros. A possibilidade
de estudar as duas línguas no mesmo meio físico e social, junto com colegas japoneses, representa
oportunidade diferenciada tanto pela praticidade quanto pelo ensejo à integração social e intercâmbio
cultural dentro do ambiente escolar. O esforço das secretarias de educação de ambas cidades poderia
inspirar ações futuras a serem coordenadas em conjunto pelos governos do Japão e do Brasil a fim
de solucionar, ao mesmo tempo, imbróglios que envolvem bullying, discriminação, evasão escolar,
delinquência, segregação social e cultural, falta de mão de obra especializada e problemas psicológicos
causados pelo abandono da língua portuguesa e o afastamento da identidade cultural por parte dos

47
estudantes brasileiros no Japão.

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