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E O TERRITÓRIO INTERMIDIAL
DO LIVRO DE ARTISTA
Paulo Silveira
Resumo: O livro de artista (em sentido estrito) é uma obra de arte con-
temporânea que compartilha ou ocupa territórios da comunicação so-
cial e do projeto gráfico, disponibilizando-se como uma mídia alter-
nativa para ampla circulação entre o grande público ou entre públicos
específicos, dentro ou às vezes fora do mercado de arte.
Palavras-chave: livro de artista, livro-objeto, arte, arte contemporânea,
intermídia, comunicação visual.
Abstract: The artist’s book (in a strict sense) is a contemporary art work
that shares or occupies the territories of social communication and
graphic design, making itself available as an alternative media for full
circulation within the general public or specific audiences, inside or
sometimes outside the art market.
Key words: artist’s book, book-object, art, contemporary art, intermedia,
visual communication.
Paulo Silveira é doutorando em Artes Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAVI/UFRGS).
paulo.silveira@ufrgs.br.
O CONCEITO DE INTERMÍDIA
Podemos considerar os territórios de ligação, de sobreposição e de interseção
(ou interpenetração) dos mundos da arte e da comunicação como sendo constituí-
dos pelo tecido de uma relação que não pode ser reduzida a um número finito (mes-
mo que enorme) de eventos. Porém, se insistirmos em buscar uma hipotética pure-
za identitária nas ocorrências fora do espaço interdisciplinar, ainda assim percorre-
remos territórios não-comuns a ambos os campos que, mesmo que pareçam de ex-
trema autonomia, têm em si um ou outro sinal de um contato remoto. Isso é tão
mais verdade quanto mais perto estivermos do nosso momento histórico presente.
É impossível falarmos de autonomia da comunicação em relação à arte. Os pressu-
postos estilísticos do trabalho criador, os legados histórico e cultural, as considera-
[...] e porque os livros-objetos [...] raramente são grandes obras plásticas. É claro
que há alguns êxitos excepcionais, como os livros em chumbo de Kiefer, na
Alemanha. Não creio, porém, que o livro-objeto tenha alguma importância
artística atualmente como fenômeno de conjunto (não me refiro à importân-
cia que pode ter na obra de um artista em particular). (Silveira, 2001, p. 287).
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Muitos trabalhos projetados para mídias eletrônicas ou digitais permitem a análise e a avaliação
por estudiosos e críticos de arte tendo como parâmetro a bibliomorfia explícita ou o comentário
metafórico ao livro. Será ingenuidade, por exemplo, pensar a instalação Beyond pages, de Masaki
Fujihata, apresentada em Porto Alegre durante a 2ª Bienal do Mercosul, em 1999, como apenas uma
obra da informática. Ela é objetivamente pensada a partir da projeção do livro que é o seu núcleo
visual e intelectual. Pressupõe-se que o crítico seja habilitado para fazer as necessárias ligações entre
os campos simbólicos percorridos pelo artista.
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Na internet existem endereços com trabalhos específicos para a rede, muitos deles inspirados em
concepções bibliomórficas. Para ir direto a essa produção, procure um sítio de busca e utilize pala-
vras-chave como livro de artista, artist’s book, artists’ books, livre d’artiste ou suas equivalentes varia-
ções nos diversos idiomas. Para o Brasil a busca poderá revelar poucos resultados. Mas esse quadro
está em mudança. Como bom exemplo de obras brasileiras integralmente digitais, procure endere-
ços com a participação de Regina Célia Pinto, que não só trabalha como artista, mas também como
promotora de experimentos interdisciplinares das artes visuais com a palavra.
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Qualquer pesquisador terá o direito de classificar como livro de artista tanto obras que sequer te-
nham tido, originalmente, essa intenção de seus autores, como obras que tenham nascido direcio-
nadas exclusivamente para o campo literário. Livros com textos ou tipografias experimentais, por
exemplo, podem, perfeitamente, ser seqüestrados da literatura e “sofrer” nossa análise crítica a partir
de sua construção verbo-visual e sob o ponto de vista das artes plásticas.
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Dieter Roth, 1965. Foram mantidas as maiúsculas como na fonte citada (o original foi datilografa-
do). Poetry Intermedia: Kunstlerbücher nach 1960. Berlin: Staatliche Museen zu Berlin, 2002. p. 26.
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Veja o confronto de opiniões com relação a novidades ou modismos, lendo o elogio de Cornelia
Lauf (em catálogo para a exposição Artist/Author, 1998, p. 79, com muitas ilustrações) a uma nova
safra de livros de artista com o aporte do projeto de programadores visuais que trabalham com o
gosto contemporâneo. Lauf chega a citar a entrada, no campo do livro de artista, de alguns catálo-
gos de moda, como os de Romeo Gigli, Karl Lagerfeld, Christian Lacroix e, especialmente, Donna
Karan. Compare com as críticas de Brad Freeman, editor da revista JAB, Journal of Artists’ Books,
feitas à Lauf. Freeman é muito severo com os critérios da curadoria, não aceitando a amplitude da
seleção de obras e abominando a flexibilização excessiva das fronteiras do livro de artista, alertando
para um entendimento que considera distorcido (JAB 11, 1999, p. 27).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
XVI Bienal de São Paulo: catálogo geral. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1981.
BOOKS by Russian and Soviet Artists 1910-1993. St-Yrieix-la-Perche: Pays-Paysage,
1995.
BRASIL: sinais de arte – livros e vídeos 1950-93. Milão, Veneza, Florença e Roma, 1993.
CARRIÓN, Ulises. El arte nuevo de hacer libros. Plural, México, p. 33-38, feb. 1975.