Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Sergio Dutti/UOL
Em uma tarde de sexta-feira, um grupo de mulheres faz uma roda. No centro dela,
galhos de arruda, guiné, manjericão e alecrim espalham o perfume de ervas no ar.
"Honrem a ancestralidade. Honrem esse conhecimento que veio antes de nós. O
ato de benzer é bem dizer", diz Maria Bezerra, que lidera o encontro.
Após uma conversa, todos fazem uma oração. Sete mulheres se dividem para
realizar os trabalhos. O ritual depende de cada pessoa. Ele pode incluir imposição
de mãos, ervas para purificar o corpo, preces para abrir caminhos e espantar as
energias negativas.
Sergio Dutti/UOL
A bênção começa com a formação de uma roda
O encontro desta vez aconteceu num posto de saúde, com atendimento aberto à
comunidade. No dia da roda, além dos pacientes indicados pelas enfermeiras, os
funcionários da faxina também aproveitaram para receber os bons fluidos.
Sergio Dutti/UOL
No centro da roda ficam galhos de arruda, guiné, manjericão e alecrim para espalhar o
perfume de ervas no ar
Suas consultas também são criticadas por médicos, que temem que o paciente
prolongue o tempo até buscar o tratamento para uma possível doença. "Acontece
que a nossa sociedade desqualifica aquele sujeito que tem um saber que não é
uma fórmula química, mas são as propriedades de uma planta", afirma Maria.
Apesar dos avanços, atualmente, o ofício corre o risco de se perder por ser apenas
passado de geração em geração, pela fala e por convívio.
Sergio Dutti/UOL
Terminada a bênção, a planta deve ser jogada na terra para dispersar a energia
"As pessoas vêm para cá pelo amor ou pela dor", conta a bancária Jane de Paula,
49, que começou a benzer neste ano.
Sua busca pela espiritualidade veio após uma forte depressão. Para aplacar a
angústia que sentia, estudou filosofia, experimentou o chá do Santo Daime e fez
ioga. O "despertar", como ela prefere dizer, aconteceu em uma oficina da terapeuta
paulista Rose Kareemi Ponce, que viaja o Brasil realizando cursos sobre
benzedeiras com base na medicina cabocla.
Sergio Dutti/UOL
Benzimento virtual
Maria se define como uma benzedeira moderna e diz que a tecnologia pode ajudar
quem está longe ou em outras cidades.
"Já benzi uma criança por videoconferência no celular. A mãe ligou à noite. Ela
tinha sintomas que pareciam quebranto, mal-estar. Ela ligou o aplicativo, pegou a
criança, botou na frente do celular e eu benzi olhando a imagem dela. Fiz isso por
três dias seguidos e deu certo."
As benzedeiras da escola recebem dezenas de pedidos de benzimento à distância.
Muitos chegam por e-mail e pelas redes sociais. Os nomes das pessoas são
anotados e colocados nas orações coletivas. Às vezes, palavras de conforto podem
ser enviadas por WhatsApp.
Os tempos podem ser outros, mas Maria afirma que seu grupo mantém a essência
da tradição. "O que todas as benzedeiras tradicionais ou modernas têm em comum
é a fé. Nós estamos aqui para resgatar esse legado das que vieram antes de nós e
dizer que a gente também está junto."
Sergio Dutti/UOL
'Toda benzedeira é muito intuitiva', explica Maria Bezerra, que lidera encontra entre elas
"Peço licença ao seu anjo da guarda para te benzer. Ave-Maria cheia de graça, o
senhor é convosco", começa Maria, à minha frente com ramos de arruda. Fecho os
olhos. Com a voz baixinha, ela desfia orações e pede a Nossa Senhora que me dê
mais tranquilidade.
É minha vez de benzer. Na roda, todos podem tentar se assim desejarem. Escolho
três galhos de manjericão para usar em Maria. Sem jeito, não sei por onde
começar.
"O principal é se conectar com você mesma, se conectar com a intenção", ela me
diz antes de eu prosseguir.
Ela me agradece com um forte abraço. "Sinto uma força em você. Volte aqui e
venha benzer com a gente."
Sergio Dutti/UOL
Moema Borges é professora de enfermagem e também atua como benzedeira em Brasília
Veja também
Patrocinado
© 1996-2018 UOL - O melhor conteúdo. Todos os direitos reservados. Hospedagem: UOL Host