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Sîdi 'Ali Harâzim (r.a.a.) em breve deixaria Túnis para proceder a sua viagem para o
Oriente, mas uma coincidência providencial deu ao jovem professor e recém-iniciado tijâni
a oportunidade de visitar o Polo (r.a.a.) da Tarîqa que ele acabou de se afiliar. Em 1803,
uma seca insistente em Túnis fez o Bei enviar uma missão ao Marrocos para convencer o
Sultão Maulâi Sulaimân, que havia promulgado uma medida protetiva contra a exportação
da safra marroquina, para vender uma certa quantidade da colheita que permitiria que a
Tunísia superasse a crise alimentícia. Sîdi Ibrâhîm al-Riyâhi (r.a.a.) foi selecionado para
conduzir a missão, trazendo uma carta escrita por Ismâ'îl al-Tamîmi. Ele ficou na corte de
Maulâi Sulaimân, para o qual ele também dedicou um panegírico e participou dum desafio
poético fascinante com os eruditos da sua corte. No fim, lançara as fundações para relações
intelectuais duradouras com alguns dos principais sábios de Fez. Enquanto estava em Fez,
também visitara o Shaikh Ahmad al-Tijâni (r.a.a.), sobre o qual ele lembraria mais tarde:
“Nunca encontrei ninguém cujo qiyâm [postura de pé] e cujo sujûd [prostração] durasse
tanto tempo.”
Recebeu mais instruções sobre a Tarîqa Tijâniyya do próprio Shaikh Ahmad al-
Tijâni (r.a.a.), a quem ele posteriormente elogiaria nos seguintes versos, extraídos da sua
Qassîda Sîniyya [Ode da Letra Sîn]:
O socorro da criação, Abu al'Abbâs [Ahmad al-Tijâni], Cuja essência é exaltada
demais para ser revelada em papel.
O espírito da existência, o polo, centro e suporte da existência; O seu segredo
irradiando aos homens.
O símbolo da existência, segredo da Verdade; o seu talismã, o seu conteúdo oculto,
o seu tesouro, trancado num cofre.
A realidade da existência, substância do segredo; a sua soma, a efusão de Allah,
sem dúvida ou objeção.
Finalmente Sîdi Ibrâhîm al-Riyâhi (r.a.a.) se preparou para retornar a Túnis, depois
de obter sucesso na sua missão diplomática, assim como no seu objetivo espiritual.
O fato de, por volta dos 35 anos de idade, ter sido selecionado para uma missão
diplomática tão delicada, demonstra que as autoridades políticas tunisianas já tinham
começado a notar o jovem erudito. Somente alguns meses antes, entretanto, o Shaikh
Ibrâhîm al-Riyâhi (r.a.a.) estava bem perto de abandonar Túnis e procurar carreira de
professor fora dali: apesar da posição de professor em Zaitûna, de fato a sua situação
financeira ainda não lhe havia permitido casar e se estabelecer, e o jovem professor por
volta dos 30 anos estava ainda morando no seu antigo quarto de estudante na Madraça
'Ashûriyya. Foi graças a intervenção de Yússuf Sâhib al-Taba', Ministro e Selo Privado do
Bei reinante Hammûda Paxá, que Sîdi Ibrâhîm al-Riyâhi (r.a.a.) desistiu definitivamente
dos seus planos de deixar Túnis. Yússuf Sâhib al-Taba' lhe ofereceu uma casa e lhe
arranjou um casamento, e então Sîdi Ibrâhîm poderia se estabelecer numa rua para os
lados de Houanet Achour, onde a primeira záuia tijâni de Túnis seria também construída
logo depois, abrigando hoje o mausoléu do fundador. Yússuf Sâhib al-Taba' foi um dos
principais cérebros detrás das reformas de Hammûda Bey, que objetivava abrir um espaço
de liberdade para a Regência Tunisiana da tutelagem argelina e crescente influência
europeia. A presença de sábios como Sîdi Ibrâhîm al-Riyâhi (r.a.a.) em Túnis foi parte
dessa estratégia geral focada em aumentar o prestígio econômico e cultural da capital da
Regência. Em 1814, quando um novo complexo de mesquita e madraça foi construído por
Yússuf Sâhib al-Taba', a Sîdi Ibrâhîm al-Riyâhi (r.a.a.) foi oferecido a posição de professor
de hadîth ali.
O comportamento de Sîdi Ibrâhîm al-Riyâhi (r.a.a.) quanto às autoridades políticas
— uma mistura de bom senso, firmeza e dignidade — constitui um dos traços mais
fascinantes da sua biografia. As suas relações com as autoridades políticas lembra a
máxima islâmica: “O melhor dos sultães é aquele que procura a companhia dos sábios, e o
melhor dos sábios é aquele que se mantém longe dos sultães”. Em 1806, Sîdi Ibrâhîm al-
Riyâhi (r.a.a.) recusou a posição de qâdi [juiz] oferecida a ele pelo Bei Hammûda Paxá para
substituir o Shaikh 'Umar al-Mahjûb, com o qual o Bei ficou rancoroso depois deste ter
mandado uma crítica alusiva em público durante um sermão de sexta-feira em Zaitûna.
Sîdi Ibrâhîm al-Riyâhi (r.a.a.) teve que fugir para Zaguã para buscar refúgio numa záuia
que gozava do direito de asilo para escapar da oferta do Bei. Retornou a Túnis somente
depois de aquele ter dado a vaga para outro ex-professor de Sîdi Ibrâhîm (r.a.a.), Ismâ'îl al-
Tamîmi.
Enquanto autoridades políticas tentaram atuar na hierarquia dos 'ulamâ' [sábios]
para manipular a classe, a recusa dum sábio em tal circunstância significou uma
contraestratégia para cimentar o corpo da classe dos 'ulamâ', assim preservando a sua
independência frente ao poder político. Em 1816, Hussain Bey II convidou-o para o Palácio
Bardo para conferir-lhe o ensinamento do Tafsîr al-Baidâwi em Zaitûna depois da morte
do Shaikh al-Fâsi. Quando Hussain Bey estendeu a sua mão para que ele a beijasse, Sîdi
Ibrâhîm (r.a.a.), em vez disso, apertou-a. Nervoso, o filho do soberano lhe perguntou: “O
que você veio fazer aqui?”, e o Shaikh lhe respondeu prontamente: “Nada; mas você me
convidou, e aqui estou.”
A atitude do Shaikh Ibrâhîm (r.a.a.) de modo algum lhe era exclusivo, mas era
compartilhado como parte da etiqueta dos sábios de Zaitûna da época, num tempo em que
estavam se esforçando para manter a própria independência como supervisores do
judiciário e custódios dum legado religioso. As biografias dos professores de Sîdi al-Riyâhi
(r.a.a.) também abundavam de incidentes semelhantes. Não era uma atitude de desafio
orgulhoso, mas de distância prudente e digna. O próprio Sîdi Ibrâhîm al-Riyâhi (r.a.a.)
frequentemente escrevia poemas louvando as ações dos sultães que ele julgava como
favoráveis aos interesses da comunidade e à religião. Através duma sábia dose de serviço
leal e distância prudente, os sábios garantiam que, quando se lhes confiassem com papéis
delicados no judiciário, estariam numa posição para fazer a sua parte sem interferência
excessiva dos interesses privados da corte do Bei.
Em 1823, Hussain Bey II escolheu elevar Sîdi Ibrâhîm al-Riyâhi (r.a.a.) à posição de
Bash-Múfti maliquita, o mais alto patamar da hierarquia do judiciário tunisiano. O Shaikh
Ibrâhîm (r.a.a.) inicialmente se recusou, e somente aceitou depois da insistência repetida
do Bei. Um número de fatâwa [pareceres jurídicos] que ele emitira durante os 27 anos que
serviu como múfti são relatados na sua biografia, Ta'tîr al-Nawâhi [O Contorno dos
Aspectos]. Em assuntos religiosos, era um maliquita escrupuloso. Em assuntos sociais,
sempre procurou implementar o princípio de que “a religião prescreve a facilidade”.
Ele era frequentemente solicitado em assuntos sociais e políticos. Quando foi
perguntado por Ahmad Bey para dar o seu conselho sobre as medidas que o Bei adotara
que prescreviam a libertação de um número de negros escravos e a abolição da escravidão
na Regência, ele elogiou as decisões descrevendo-as como “totalmente legítimas e dignas
de serem sustentadas por todas mentes razoáveis e sãmente educadas.”
Em 1838, foi-lhe novamente confiada uma missão oficial, desta vez para a Corte
Otomana em Istambul, para pedir a dispensa de Túnis dum imposto anual e para o
reconhecimento da autonomia parcial da Regência. Depois de elogiá-lo num poema que
exaltava a sua ascendência e as realizações dos seus ancestrais, endereçou-se ao Sultão de
pé, recusando a costumeira reverência, e recitando o seguinte versículo do Alcorão:
ُﻀﻠ ﱠﻚَ ﻋَﻦ
ِ ْﮭَﻮ ٰى ﻓ َﯿ َ ﱠﺎس ﺑ ِﭑﻟْﺤَﻖّ ِ َو َﻻ ﺗ َﺘ ﱠﺒ ِﻊ ِ ٱﻟ
ِ ض ﻓ َﭑﺣْ ﻜُﻢ ﺑ َﯿْﻦَ ٱﻟﻨ
ِ ْﯾ َـٰ ﺪ َاوُۥدُ إ ِ ﻧﱠﺎ ﺟَﻌﻚَ َْﻠﻨَـٰ َﺧﻠِﯿﻔ َۭﺔ ً ﻓ ِﻰ ْٱﻷَر
بِ ﺷﺪِﯾ ۢﺪٌ ﺑ ِﻤَ ﺎ ﻧَﺴ ُ۟ﻮا ﯾ َْﻮ َم ٱﻟْﺤِ ﺴَﺎ
َ َاب
ٌ ۭ َﻀﻠ ﱡﻮنَ ﻋَﻦ ﺳَﺒ ِﯿﻞِ ٱ ﱠ ِ ﻟَﮭُﻢْ ﻋَ ﺬ
ِ ﺳَﺒ ِﯿﻞِ ٱ ﱠ ِ ۚ إِنﱠ ٱﻟ ﱠ ﺬِﯾﻦَ ﯾ
“Ó Davi, em verdade, designamos-te como legatário na terra. Julga, pois entre os
humanos com equidade e não te entregues à concupiscência, para que não te desvies da
senda de Allah! Sabei que aqueles que se desviam da senda de Allah sofrerão um severo
castigo, por terem esquecido o Dia da Rendição de Contas.”
(Sûrat Sâd, 38:26)
Em 1839, ele foi designado como o Primeiro Imâm de Zaitûna. Foi a primeira
pessoa em Túnis que combinou a posição de Shaikh al-Islâm maliquita e de Primeiro
Imâm. Do púlpito de Zaitûna costumava ordenar às pessoas zuhd (ascetismo), mas
também repreendia as políticas econômicas do Bei quando se sentia compelido a fazê-lo.
Outras viagens do Shaikh Ibrâhîm al-Riyâhi (r.a.a.) incluíram a Peregrinação a
Meca (Hajj) e visitar Medina. Também teve a ocasião de visitar a cidade argelina de
Tamacine para render os seus respeitos ao Califa do Shaikh Ahmad al-Tijâni (r.a.a.), Sîdi
'Ali al-Tamâssini (r.a.a.).
Entre os seus muitos escritos estavam os seguintes:
- Dúzias de poemas, coletados num Divã publicado (elogios ao Profeta (s.a.w.s.) e ao
Shaikh Ahmad al-Tijâni (r.a.a.); elegias para os seus professores, como Ismâ'îl al-Tamîmi,
Tâhir ibn Mas'ûd, Ahmad Abu Khris; uma elegia tocante para o seu filho Muhammad al-
Táyyib, ele mesmo um sábio brilhante, morto por uma epidemia de cólera em 1850);
- Um texto devocional deslumbrante sobre o Profeta (s.a.w.s.) intitulado al-Narjasa
al-'Anbariyya fi al-Salati 'ala Khair al-Bariyya [O Narciso de Âmbar sobre o Elogio do
Melhor da Natureza];
- Glosas sobre o comentário de Fakihâni ao Qatr al-Nada [A Gota de Orvalho];
- Um escrito em defesa da sã crença axarita ('aqîda ash'ariyya) de Sîdi Ahmad al-
Tijâni (r.a.a.), em resposta a um escrito por um egípcio;
- Uma versificação da Ajurrûmiyya;
- Uma refutação da doutrina wahhabita (esse documento aparentemente se perdeu;
foi escrito em resposta à carta de Ibn Sa'ûd chegando à Regência e convocando ou para se
afiliarem ao movimento ou se prepararem para a luta);
- Numerosos sermões, fatâwa e respostas a problemas legais.
- Ele também reviveu a celebração do Máulid Nábawi [Nascimento do Profeta
(s.a.w.s.)] em Túnis e escreveu um pequeno texto para a ocasião.
O Shaikh Ibrâhîm al-Riyâhi (r.a.a.) morreu pouco depois do seu filho, da mesma
epidemia de cólera. O último dos muitos favores que recebera de Allah foi que ele estava
destinado a deixar o mundo na noite de 27 de ramadã de 1266 A.H. (6 de agosto de 1850
d.C.).
Tawássul bi-Sîdi Ibrâhîm al-Riyâhi al-Tûnisi
(Intercessão através de Sîdi Ibrâhîm al-Riyâhi al-Tûnisi)
Fonte: https://tijani.org/scholars/shaykh-ibrahim-riyahi