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Resumo: O presente artigo pretende fazer uma reflexão sobre a concepção dialética da
cultura em Walter Benjamin a partir da atuação do movimento "Black Lives Matter", o qual
tem feito questionamentos do valor de certos monumentos culturais de tradição colonialista e
escravista, buscando aqui o exemplo do que se observa no Reino Unido, e seus
desdobramentos no contexto brasileiro atual. Os autores procuram destacar como, ainda hoje,
a afirmação benjaminiana de "escovar a história a contrapelo" perpassa os protestos desse
mesmo movimento, confirmando a importância do pensamento do filósofo alemão na
atualidade.
1. INTRODUÇÃO
Além disso, é por esse mesmo viés que Benjamin expõe seu pensamento acerca da
cultura, ou seja, de como devemos observar os "tesouros culturais" não de uma perspectiva
burguesa e elitista, mas, sim, de maneira crítica, tendo consciência de que todo artefato
histórico retrata, de uma forma ou de outra, um "vencedor"; que por trás de toda
documentação histórica escondem-se injustiças para com aqueles que não eram donos do
poder, vítimas dos poderosos. A cultura, portanto, torna-se " uma 'herança' cultural dos
vencedores”. (LÖWY, 1994, p.23).
É por essa linha de raciocínio que busca-se refletir de que forma a atuação do
movimento Black Lives Matter relaciona-se com o pensamento benjaminiano na
contemporaneidade. E, sobretudo, como monumentos históricos em homenagem a racistas e
escravocratas perpetuam, direta ou indiretamente, o preconceito contra os negros, ao mesmo
tempo em que desvaloriza a história e tradição dos mesmos. Além disso, discute-se,
brevemente, essa questão no contexto brasileiro, dessa vez, colocando-se os indígenas em
destaque. Cabe ressaltar, por fim, a pesquisa histórica realizada com o intuito de explicar qual
a relação do Reino Unido com a escravidão, a fim de que se entenda mais claramente os
protestos do movimento Black Lives Matter.
É importante destacar que não se tem a pretensão, aqui, de mostrar Walter Benjamin
como defensor dos direitos dos negros ou de qualquer outra minoria. Em verdade, fazer esse
tipo de afirmação seria problemático. Além disso, ainda que que salientemos o fato de que
através dos gritos de protesto do movimento "Black Lives Matter" ressoe a voz de Benjamin,
isso tampouco quer dizer que esse mesmo movimento tenha, nas suas manifestações, algum
tipo de consciência do pensamento do filósofo alemão como cerne da essência de suas ações.
Pretende-se,na verdade, fazer relações e comparações entre esses dois entes, com o intuito de
se fazer reflexões, a fim de que se entenda a importância da visão Benjaminiana nos dias
atuais.
2. O CONTEXTO HISTÓRICO DE ORIGEM DOS TESOUROS
CULTURAIS BRITÂNICOS EM QUESTIONAMENTO
Dito isso, é possível observar uma clara manutenção das estruturas de poder das elites
escravistas atravessando o tempo. A construção de um imaginário que homenageia “grandes
comerciantes” e “intrépidos exploradores” que “civilizaram” o Novo Mundo mascara a
realidade por trás da opressão e extermínio de povos tradicionais promovidos por essas
figuras históricas em nome de seus interesses políticos e econômicos. Os séculos de
escravidão deixaram profundas cicatrizes nas sociedades que as vivenciaram. Negar essa
história e isentar de responsabilidade seus atores apenas contribui para o aprofundamento dos
problemas sociais vivenciados pelos descendentes dos “vencidos”. Questionar a história
contada pelos vestígios deixados pelos vencedores, como preconizado por Walter Benjamin,
faz-se essencial para a emancipação dos oprimidos.
Cabe acrescentar, também, que monumentos e memoriais não são a única forma de se
deixar vestígios dos "vencedores", mas que, segundo Löwy (1994, p. 24), "não é difícil
encontrar equivalentes na literatura, na pintura ou na escultura.”. De fato, a Arte transforma-se
em um importante instrumento de perpetuação do opressor, haja vista que " a cultura e a
tradição tornam-se, assim, como sublinha Benjamin em sua Tese VI, 'um instrumento das
classes dominantes'“. (LÖWY,1994, p.23). Nesse sentido, muito mais do que apenas julgar o
valor cultural de um certo monumento em si, deve-se ir além disso, ou seja, observar
criticamente toda a cultura em geral, desde às Letras até à Pintura, a fim de que se perceba
todos aqueles que não acompanharam o "progresso" histórico, a saber, os "vencidos", os
negros, os indígenas, etc.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O movimento Black Lives Matter, nesse sentido, não se limita a apenas defender os
direitos dos negros no plano político e social, mas também no cultural. Os militantes sabem
que os vestígios históricos que ainda restam hoje não são os dos seus antepassados
escravizados e mortos, mas os de donos de escravos e colonialistas, assim como, no Brasil, os
povos indígenas sabem que as estátuas erguidas de bandeirantes sanguinários não refletem a
história de seus ancestrais e nem sua importância na formação dos costumes brasileiros. De
fato, percebe-se, assim, o quanto o pensamento de Walter Benjamin acerca da história e da
cultura ainda possuem vitalidade no mundo contemporâneo, cada dia tornando-se mais
intenso, mais verdadeiro e, por conseguinte, mais necessário.
O crescente número de monumentos históricos sendo questionados nos dias atuais pela
sociedade civil mostra essa vontade benjaminiana de se querer repensar o passado e a cultura.
No entanto, é importante dizer que, no mundo de hoje, também há, inegavelmente, "tesouros
culturais" dedicados aos oprimidos e às minorias; seria errado dizer que só há para os
"vencedores". O que se quer destacar, aqui, é a relevância da discussão "oprimidos" e
"vencedores" na cultura em um momento histórico em que, supostamente, muitas minorias
vêm adquirindo direitos sociais; perceber todo o caráter contraditório de sociedades de
querem garantir justiça ao povo, mas que, paralelamente, defendem bens culturais que estão
longe de propagarem qualquer tipo de noção de virtuosidade. Seria melhor ter uma obra de
arte de um importante escravocrata em meio a uma praça em um país em que negros ainda são
mortos diariamente? O movimento Black Lives Matter pergunta-se isso em seus gritos de
protesto. É melhor se ter um monumento de um assassino de indígenas ou de um índio em
uma sociedade em que os últimos tiveram especial importância na cultura e nos costumes?
Seja na arquitetura, na literatura ou mesmo na pintura, a Cultura como um todo transmite
muito mais do que valores estéticos ou morais; em um Estado, ela pode carregar toda uma
simbologia, toda uma mensagem de um passado para as novas gerações. Resta agora saber
qual passado esse mesmo Estado quer lembrar: o dos "vencidos" ou o dos "vencedores"?
REFERÊNCIAS
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