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Anais Etnocenologia
Anais Etnocenologia
ARMINDO BIÃO
(Organizador)
25 a 29 de agosto de 2007
Salvador - Bahia
Brasil
PPGAC
Prog rama de Pós-gra duaç ão em Artes Cênica s
1
Ficha técnica
Organização:
Armindo Bião
Editoração:
Nádia Pinho
Normalização:
Poliana Nunes
Revisão:
Poliana Nunes
Impressão:
Fast Design
CDD - 792
Sumário
1. Anais.............................................................................................................................................7
2. Participantes...............................................................................................................................11
3. Comunicações
Imprevisto na Rua: A figura do Mateus na Brincadeira do Cavalo Marinho
Por Ana Caldas Lewinsohn........................................................................................................... 21
Etnotextos como pretextos para a criação dramatúrgica e cênica
Por Antonia Pereira........................................................................................................................ 31
Um léxico para a Etnocenologia: Proposta preliminar
Por Armindo Bião.......................................................................................................................... 43
Una Brújula em el Teatro Contemporáneo : La tensión y sus mediaciones
Por Carlos Alba Peinado............................................................................................................... 51
O Ritual e o Lúdico nas Tradições Culturais: Poéticas e Performances
Por Célia Conceição Sacramento Gomes..................................................................................... 61
Performance, tecido performativo, cultura orgânica do espaço
Por César Huapaya........................................................................................................................ 69
Poder, Política, Manifestações Populares e extensão turística no litoral norte da Bahia
Por Christine Douxami...................................................................................................................75
“O Pagador de Promessas” (Brasil 1962). Uma visão polissêmica do clássico de Dias
Gomes adaptado ao cinema por Anselmo Duarte: A Etnocenologia, seus motivos e
estratégias e o processo de desconstrução
Por Elizabeth Firmino Pereira...................................................................................................... 81
“O combate dos bastões no carnaval de Trinidad”
Por Florabelle Spielmann........................................................................................................... 91
Pré-expressividade, inatismo e universalidade: Problematizações para pensar o
trabalho do ator
Por Gilberto Icle...............................................................................................................................93
3
A Trova Pampeana inserida no universo cultural tradicionalista gaúcho e sua Vocalidade
Poética
Por Gisela Reis Biancalana (UFSM – Unicamp)............................................................................ 99
Música, Dança e Êxtase: Notas etnocenológicas de um rito(-espetáculo) sufi
Por Giselle Guilhon Antunes Camargo.......................................................................................... 105
Reflexão sobre a metáfora do conceito de rede no treinamento e na transmissão do
trabalho do ator
Por Inês Alcaraz Marocco................................................................................................................117
A Lavagem para francês ver – Reinterpretação e jogo identitário na lavagem da Madalena
em Paris – França
Por Ingrid Bueno Peruchi.............................................................................................................. 127
A etnocênologia na França
Por Jean Marie Pradier................................................................................................................... 133
A etnocenologia poética do mito
Por João de Jesus Loureiro........................................................................................................ 143
Dois mundos em convivência na cena contemporânea: A Brasília pós-moderna e a
afirmação das Tradições nas Folias do Divino e nas Caretadas de São João
Por Jorge das Graças Veloso.....................................................................................................151
O lugar teatral como agente do processo teatral
Por José Simões de Almeida Jr..................................................................................................161
Etnocênologia e antropologia dos usos sociais e culturais do corpo: A troca
necessária
Por Laure Garrabe....................................................................................................................... 169
A Dramaturgia da Memória na Cena Contemporânea do Teatro-dança
Por Lícia Moraes...........................................................................................................................175
Etnocenologia em Verso Encantado e Cordel
Por Makarios Maia Barbosa.......................................................................................................179
A Poética Ritual de “Gestos Cantados”: Tradição e natureza na criação cênica
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
4. AS COMISSÕES.......................................................................................................................... 227
6. PROGRAMAÇÃO........................................................................................................................ 229
7. A METODOLOGIA..................................................................................................................... 230
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6
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
DOCUMENTO FINAL
Do Brasil:
1. Universidade Federal da Bahia - UFBA;
2. Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG;
3. Universidade de Brasília - UNB;
4. Universidade Federal do Pará - UFPA;
5. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS;
6. Universidade Federal do Maranhão - UFMA;
7. Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP;
8. Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC;
9. Universidade Federal de Pernambuco – UFPE;
7
10. Universidade Federal de Santa Maria - Rio Grande do Sul - UFSM;
11. Universidade de Sorocaba, São Paulo - UNISO;
12. Universidade do Estado da Bahia - UNEB;
13. Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia – UEFS;
14. Universidade Estadual de Campinas, São Paulo – UNICAMP;
15. Fundação Brasileira de Teatro Dulcina de Morais, Brasília;
16. Faculdades Jorge Amado, Bahia;
17. Associação Labô-Espetáculo para Pesquisa, Formação e Criação Teatral, Pernambuco;
Do exterior:
18. Université Paris 8 Saint Denis, França;
19. Université Paris 10 Nanterre, França;
20. Université Franche-Comté, França;
21. Université de Strasbourg, França;
22. Université Lyon 2, França;
23. École des Hautes Études em Sciences Sociales, França;
24. Maison des Cultures du Monde, França;
25. Maison des Sciences de l’Homme Paris Nord, França;
26. Maison des Sciences de l’Homme Nicolas Ledoux, França;
27. Instituto Politécnico de Leiria, Portugal;
28. Universidad de Alcalá de Henares, Espanha;
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
• Fazer chegar até seus grupos de pesquisa e diversas instâncias institucionais seu
testemunho pessoal da realização deste Colóquio;
• Divulgar o seguinte calendário de eventos, identificados com questões de interesse para a
etnocenologia
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o Em outubro de 2007, em Paris 10, Colóquio franco-brasileiro (ARCUS) sobre
Ariano Suassuna;
o Em novembro de 2007, na Maison des Cultures du Monde, Jornada em
homenagem a Jean Duvignaud;
o Em dezembro de 2007, na UNIRIO, Colóquio franco-brasileiro (ARCUS) sobre
“o corpo e suas traduções”;
o De 21 a 23 de janeiro de 2008, em Paris, Colóquio internacional sobre a presença
das vanguardas norte-americanas na França;
o De 10 de março a 18 de abril de 2008, na Maison des Cultures du Monde, em
Paris, Festival de l’imaginaire;
o Em setembro de 2008, em Paris 10, Université d’été internacional sobre
“métissages” (sous réserve);
o Em outubro de 2008, em Belo Horizonte, V Congresso da ABRACE;
• Reconhecer, no momento de realização deste Colóquio, a presença predominante da
França e do Brasil, como principais espaços de criação e produção em etnocenologia,
bem como a existência de importantes diferenças entre suas respectivas estruturas
universitárias e de pesquisa, o que acarreta outras diferenças, no âmbito epistemológico e
metodológico; correspondendo, ainda, a distintos resultados das próprias pesquisas
desenvolvidas, particularmente no que concerne a escolha de seus objetos, posto que, no
Brasil, destaca-se o interesse por sua própria cultura e pela criação artística, como parte
do próprio percurso metodológico;
• Aprofundar a reflexão e a discussão epistemológica sobre a proposição da etnocenologia,
suas noções teóricas de base, perspectivas metodológicas de articulação entre teoria e
prática, arte e ciência, criação e crítica, e, sobretudo, a grande riqueza transdisciplinar que
lhe permite, enquanto uma forma de abordagem nova, e não, estritamente, uma nova
disciplina, dialogar com múltiplos campos do saber, contribuindo, assim, para seu
enriquecimento mútuo;
• Incluir este documento na publicação dos anais do V Colóquio Internacional de
Etnocenologia.
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Adailton Silva dos Santos é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cêni-
cas da Universidade Federal da Bahia (PPGAC/UFBA), sob a orientação do professor Dr.
Armindo Jorge de Carvalho Bião, em co-tutela em Paris 10 Nanterre com Idelette Muzart-
Fonseca dos Santos. Professor de Artes e Metodologia Científica do Campus XIII da
Universidade do Estado da Bahia.
Ana Caldas Lewinsohn é atriz, formada em Artes Cênicas pela Unicamp e Mestranda em
Artes Cênicas, no Instituto de Artes da Unicamp; e bolsista da FAPESB.
Armindo Jorge de Carvalho Bião é ator e encenador, licenciado em Filosofia pela Universi-
dade Federal da Bahia - UFBA (1975), especialista em Planejamento para o Ecoturismo Cul-
tural pela SUDENE (1978), mestre em Interpretação Teatral pela Universidade de Minnesota
(EUA, 1983), mestre (1987) e doutor (1990) em Antropologia Social e Sociologia Comparada
pela Universidade René Descartes Paris 5 Sorbonne (França), com aproximadamente 70
orientações concluídas, entre as quais 16 mestrados e oito doutorados; Fulbright scholar,
Chevalier des Arts et des Lettres da República Francesa, bolsista de produtividade em pes-
quisa e consultor do CNPq; professor convidado da Université de Paris 8 Saint Denis (Fran-
ça, 1997/ 2000), da Université Ouverte des Cinq Continents (Mali, desde 2005) e da Cátedra
Valle-Inclán/ Lauro Olmo (Universidad de Alcalá de Henares, Espanha, 2007/ 2008); primeiro
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coordenador do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFBA (1997/ 2003), pri-
meiro presidente da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas -
ABRACE (1998/ 2002), diretor geral da Fundação Cultural do Estado da Bahia (2003/ 2006),
ex-bolsista e consultor da CAPES; coordena o Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão
em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade - GIPE-CIT, desde 1994, e atua nas áreas
das Artes do Espetáculo (Etnocenologia, Interpretação Teatral, Teatro de Cordel, Treinamen-
to com Máscaras) e da Cultura Baiana (Matrizes Estéticas e Relações Internacionais).
Carlos Alba se doctora en 2004 en «Teoría, Historia y Práctica del Teatro» por la Universidad
de Alcalá con su tesis Ángel Facio y los Goliardos. Teatro Independiente en España (1964-
1974). Ha sido lector de español en la Universidad Tribhuvan de Kathmandu (Nepal) entre
2000 y 2002 y en la Universidad del Punjab de Lahore (Pakistán) en 2004. Sus estancias por
Oriente le han llevado a profundizar en la influencia significativa que los paradigmas
orientales han tenido en el desarrollo del teatro contemporáneo. En 2005 trabajó como
doctor-investigador en la Universidad de Alcalá en un proyecto sobre la recepción teatral
en Madrid durante los años veinte. Desde el otoño de 2006 es profesor titular interino del
Instituto Politécnico de Leiria (Portugal) donde se encarga de coordinar los estudios de
Máster en Artes Escénicas.
Cláudio Cajaiba é ator e professor da Escola de Teatro da UFBA. Pós-doutor em Artes Cêni-
cas pela FAPESB-PPGAC e Doutor pela UFBA/FU-Berlin. É mestre em Comunicação e Cultura
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Eduardo Bastos (Duda Bastos) é mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal da
Bahia e graduado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica do Salvador
(2000). Atualmente é professor titular das Faculdades Jorge Amado – no Curso de Comuni-
cação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda das disciplinas: Direção de Arte,
Fundamentos da Dramaturgia e Atelier de Criação II. Tem experiência de 20 anos na área de
Comunicação com ênfase em marketing e propaganda, redação publicitária e direção de
arte. Em Artes Cênicas, atua principalmente nas seguintes atividades: direção musical para
espetáculos, instrumentista, interpretação e composição musical.
Elizabeth Firmino Pereira (Uberlândia – MG, 1966) é atriz, arte-educadora, diretora teatral
e performer. Licenciada em Educação Artística / Artes Cênicas, pelo Instituto de Artes da
Unesp, Campus São Paulo; doutoranda em “Teoria, Historia y Práctica del Teatro”, na Univer-
sidade de Alcalá de Henares, Madri, Espanha. Pesquisadora de rituais afro-brasileiros e afri-
canos, desde 1988; investiga o caráter espetacular nos rituais públicos e nas tradições orais.
Eliana Rodrigues Silva é Pós Doutora pela Université de Paris 8, Doutora em Artes Cênicas
pela Universidade Federal da Bahia, Mestra em Artes pela University of Iowa. Possui Licen-
ciatura e Bacharelado em Dança pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é Profes-
sora Associada I na Universidade Federal da Bahia, onde leciona nos cursos de Graduação
em Dança e Pós Graduação em Artes Cênicas. Tem publicado artigos em periódicos nacio-
nais, prefácios, capítulos de livros e livro. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em
Coreografia Moderna e Pós Moderna, vem atuando mais especificamente em História e
Crítica da Dança, sendo convidada para participar de diversos congressos e eventos nacio-
nais e internacionais. Avaliadora nacional dos Cursos de Graduação em Dança pelo INEP,
Instituto Anísio Teixeira, MEC.
Florabelle Spielmann é etnomusicóloga, da equipe do festival de l’Imaginaire, da Maison
des Cultures du Monde, instituição que representou no V Colóquio Internacional de
Etnocenologia, e doutoranda da École des Hautes Études em Sciences Sociales, de Paris,
França, com a orientação de Michel Agier, com pesquisa sobre os combates de bastão de
Trinidad Tobago.
Gilberto Icle é ator, encenador, professor doutor do GETEPE - Grupo de Estudos em Educa-
ção, Teatro e Performance, do Departamento de Ensino e Currículo e do Programa de Pós-
graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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Gisela Reis Biancalana é Bacharel (1991) e Licenciada (1993) em Dança pela UNICAMP
(Universidade Estadual de Campinas/SP). Ministrou aulas em escolas de dança de 1984 a
1993 nas cidades de Americana, Indaiatuba, Campinas e São Paulo. Foi animadora cultural
nos Centros Integrados de Educação (Cieps), professora de expressão corporal em Conser-
vatórios para atores e preparadora corporal de atores. Depois de formada atuou como bai-
larina do Grupo de Dança-Teatro “Uma Só” com os espetáculos Transitando e Dois ou Um.
Foi atriz do Grupo de Teatro “Praticável” onde atuou no espetáculo É Proibido…Em 1994
mudou-se para Santa Maria/RS e coordenou o GUD (Grupo Universitário de Dança do Cen-
tro de Educação Física e Desportos da UFSM – Universidade Federal de Santa Maria/RS)
onde coreografou os espetáculos Marimba Teatro e Dança e A Espera. Em 1996 fez sele-
ção pública para professora substituta no curso de Artes Cênicas do Centro de Artes e
Letras da UFSM e em 1998 fez concurso público para professora assistente do mesmo cur-
so. Fez mestrado na UNICAMP em artes corporais quando dirigiu o espetáculo Valsa que fiz
pra ti. Foi coordenadora do curso de Artes Cênicas de 2002 a 2006 quando ingressou no
doutorado na UNICAMP onde está atualmente realizando sua pesquisa sobre a Performance
daTrova Gaúcha.
Giselle Guilhon Antunes Camargo possui graduação em Ciências Sociais pela Universida-
de Federal de Santa Catarina (1992), mestrado em História pela Universidade Federal de
Santa Catarina (1997), especialização em Dança Cênica pela Universidade do Estado de
Santa Catarina (2001) e doutorado em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia
(2006), com Estágio de Doutorado Sanduíche na Universidade de Paris 8 (2004). Atualmen-
te é pós-doutoranda júnior no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, na Uni-
versidade Federal de Santa Catarina, onde ministra as disciplinas “Sufismo e Cinema: ima-
gens do êxtase” e “Introdução à Antropologia da Dança”. Atua nos seguintes temas e áreas:
Islã, Sufismo, práticas corporais extáticas, dança (e música) sufi. Trabalha nos campos
interfacetados da Etnocenologia, da Antropologia da Dança, dos Estudos da Performance e
da Antropologia da Religião.
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Ingrid Bueno Peruchi possui graduação em Letras pela Universidade Estadual de Campi-
nas – UNICAMP (2000) e mestrado em Lingüística Aplicada pela mesma universidade (2004).
Atualmente é Prof. Leitora do Itamaraty na Université Paris X – Nanterre (França). Seu dou-
torado está em curso na mesma universidade. Tem experiência na área de Lingüística, com
ênfase em Lingüística Aplicada. Atua principalmente nos seguintes temas: Discurso didáti-
co-pedagógico, Ensino de línguas e aspectos culturais e Identidade.
Isa Maria Faria Trigo é professora titular da Universidade do Estado da Bahia nos cursos de
Pedagogia, Design e Comunicação Social – Mestra e Doutora em Artes Cênicas pelo PPGAC/
UFBA. Atriz e Diretora Teatral. Trabalha com atores e máscaras teatrais expressivas inspira-
das na cultura baiana e brasileira.
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Eugênio Barba. É responsável pela criação do Laboratório Interdisciplinar das Práticas Espe-
taculares que estava na iniciativa do Colóquio de fundação da etnocenologia. Diretor cien-
tífico da revista L’Ethnographie, é autor de numerosas publicações.
Jerusa de Carvalho Pires Ferreira é graduada em Letras pela Universidade Federal da Bahia
(1967), é mestre em História pela Universidade Federal da Bahia (1977) e doutora em Ciên-
cias Sociais (Sociologia da Literatura) pela Universidade de São Paulo (1980). Coordenadora
do Centro de Estudos da Oralidade do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Semiótica e do Núcleo de Poéticas da Oralidade, pesquisadora e professora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Atua na área de Comunicação, com ênfase em Teoria da
Comunicação, tratando principalmente dos seguintes temas: cultura, oralidade e memória.
Tradutora de Paul Zumthor e autora de obras de referência sobre a literatura portuguesa e
brasileira, a exemplo dos livros Fausto no horizonte: razões míticas, texto oral, edições
populares (São Paulo: EDUC; HUCITEC, 1995); O livro de São Cipriano: uma legenda de mas-
sas (São Paulo: Perspectiva, 1992); e Cavalaria em cordel: o passo das águas mortas (São
Paulo, Hucitec, 1979), é conferencista freqüentemente convidada para diversas instituições
de pesquisa no Brasil e no exterior.
João de Jesus Paes Loureiro é poeta e professor de Estética, História da Arte e Cultura Ama-
zônica, na Universidade Federal do Pará. Mestre em Teoria da Literatura e Semiótica, PUC/
UNICAMP, São Paulo e Doutor em Sociologia da Cultura pela Sorbonne, Paris, França. Expôs
poemas visuais na X Bienal de São Paulo. Participou com um poema-objeto, da mostra “A
Vanguarda Visual Brasileira – 50 anos depois da Semana de Arte Moderna”, organizada por
Roberto Pontual, para a Galeria Colletio/SP. Prêmio Nacional de Melhor Livro de Poesia, em
1984, pela Associação Paulista de Críticos de Arte, com Altar em Chamas. Suas obras poéticas
são: Cantares Amazônicos (Porantim, Deslendário, Altar em Chamas) pela Ed. Civilização
Brasileira, Pentacantos, Romance das Três Flautas (Edição bilíngüe - português e alemão), O
Poeta Wang Wei (699-759AD) na Visão de Sun Chian Chin e João de Jesus Paes Loureiro
(Edição bilíngüe - chinês e português), Iluminações e Iluminuras, traduzido por Kikuo Furuno
e ilustrado por Tikashi Fukushima (Edição bilíngüe - japonês e português) publicados por Roswi
Kempf Editora/SP. Gesãnge des Amazonas (Edição alemã) pela Editora DIA, de Berlim, 1991 –
Cantares Amazônicos (Edição italiana) L´Áquila, 1990. Altar em Chamas e Outros Poemas, O
Ser Aberto. Elementos de Estética (Filosofia da Arte) e Cultura Amazônica – Uma poética
do Imaginário (tese de doutoramento) e A Poesia como Encantaria da Linguagem, edita-
dos pela CEJUP. Em 1998/99 e pela Escrituras/SP em 2000 e 2001 e pela Íman Editora, Lisboa,
Portugal, 2003, “Belém. O Azul e o Raro” (Poema em CD), pela Violões da Amazônia/PA, “Pás-
saro da Terra” (Teatro), pela Escrituras Editora/SP, e Obras Reunidas (4 Volumes) S. Paulo, Escri-
turas Editora, 2000. Do Coração e suas Amarras, Escrituras Editora/SP, 2001. Edição universi-
tária de“Obras Reunidas”, 2001. Elementos de Estética, 3ª edição, pela Editora da UFPA, 2002,
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
lançado na 17ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. CD duplo “O Poeta e seu Canto”,
edição do autor, 2002. Fragmento poesia, Escrituras Editora, SP, 2003 “Au Delà Du Méandre
de Ce Fleuve” (Além da Curva daquele Rio), primeiro texto de ficção em prosa e publicado
pela Editora Actes Sud, de Paris, 2002. LÁmour aux vêtements blancs ( Amor de roupas bran-
cas) e Le fleuve aux royaumes enchantés ( Rio das Encantarias), peças de teatro, Lês Édictions
de la Gare, Vitri sur Seine, França, 2005. A Conversão Semiótica – Na arte e na cultura. Editura
Universitária/UFPA, 2007.
Jorge das Graças Veloso (Graça Veloso) é bacharel em Comunicação Social (Publicidade e
Propaganda) pelo Centro Universitário de Brasília (1978), tem Licenciatura Plena em Educa-
ção Artística: Artes Cênicas, pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes (2006), mestrado
em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia – UFBA (2001) e doutorado em Artes
Cênicas pela Universidade Federal da Bahia – UFBA (2005). Atualmente é professor substi-
tuto da Fundação Universidade de Brasília e professor titular da Fundação Brasileira de Tea-
tro. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Interpretação Teatral, atuando princi-
palmente nos seguintes temas: arte-educação, teatro, teatralidade, espetacularidade, cul-
tura, tradição e encenação. Tem como principal foco de suas pesquisas, ritos espetaculares
localizados no interior do estado de Goiás e na região do entorno do Distrito Federal.
Laure Garrabe possui um Master 2 em Antropologia – Dinâmica das Culturas e das Socie-
dades (Pós-graduada em Antropologia) na Université Lumière Lyon2 - França (2005). Dou-
toranda em Estética, Ciências e Tecnologias das Artes – Teatro, na Université Paris 8 Vincennes
– Saint-Denis (França).
Lícia Maria Morais Sanchez é graduada em Licenciatura em Dança pela Universidade Fe-
deral da Bahia (1977), possui especialização em dança-teatro na Alemanha (orientação de
Pina Bausch), é mestre em Artes pela Universidade Estadual de Campinas (2001) e doutora
em Artes pela ECA/USP (2006). Atualmente é pesquisadora de Dança Jornal junto ao Balé
do Teatro Castro Alves, da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Tem experiência na área de
artes, com ênfase em criação, atuando principalmente com temas relacionados às artes
cênicas, formação, inclusão e memória.
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Lúcia Fernandes Lobato é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro (1969) possui Bacharelado (1981) e Licenciatura (1982) em Dança
pela Universidade Federal da Bahia (1982), Mestrado em Ciências Sociais pela Universidade
Federal da Bahia (1990) e Doutorado em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia
(2002). É membro do GT de Pesquisa em Dança no Brasil: Processos e Investigações e é
pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade,
Imaginário e Teatralidade GIPE-CIT. Atualmente é professora adjunta da Universidade Fede-
ral da Bahia lecionando na Escola de Dança e no Programa de Pós Graduação em Artes
Cênicas, atuando nas áreas das Artes do Espetáculo com ênfase na dança.
Luís Cláudio Cajaíba é ator e professor da Escola de Teatro da UFBA. Pós-doutor em Artes
Cênicas pela FAPESB-PPGAC e doutor pela UFBA/FU-Berlim É mestre em Comunicação e
Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação da UFBA e bacharel em interpre-
tação pela Escola de Teatro da UFBA. Já participou como ator em várias montagens
soteropolitanas como “Arlequim servidor de dois patrões” sob a direção de Ewald Hackler e
“Merlim” sob a direção de Carmem Paternostro.
Miguel de Santa Brígida é mestre e Doutor em Artes Cênicas pelo PPGAC/UFBA. Professor
da Escola de Teatro e Dança da UFPA. Encenador e Carnavalesco.
Murilo Freire é ator, diretor, professor e pesquisador de teatro. Aluno do curso de Artes
Cênicas na Universidade Federal de Pernambuco. Ex-aluno da Licence em Arts du Spectacle,
na Universidade de Paris-8 Vincennes / Saint-Denis. Atua desde 2004 na equipe do Progra-
ma Multicultural do Recife / Prefeitura do Recife. Foi membro titular da Comissão Deliberativa
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Ricardo Barreto Biriba é professor da Escola de Belas Artes da UFBA e doutor em Artes
Cênicas – UFBA.
Sarah Carneiro é jornalista graduada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), com es-
pecialização Lato Sensu em Associativismo pela Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE) e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmen-
te é professora universitária e educadora da Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia / Cipó
Comunicação Interativa.
Sérgio Coelho Borges Farias é ator e diretor teatral. Possui mestrado em Educação pela
Universidade Federal da Bahia (1981) e doutorado em Artes pela Universidade de São Pau-
lo (1990). Realizou estágio Pós-Doutoral na Universidade de Paris 10 – Nanterre, França.
Atualmente é professor titular da Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área
de Artes Cênicas, atuando principalmente nos seguintes temas: Elementos da cultura nor-
destina brasileira em trabalhos de teatro-educação; Poéticas e processos de encenação
em trabalhos educacionais; Corpo cênico: texto, improvisação e performance.
Sylvie Debs nasceu na França (Strasbourg) e mora no Brasil desde 2007 onde trabalha como
Adida de Cooperação e Ação Cultural na Embaixada da França em Belo Horizonte. Jornalis-
ta, ensaísta e crítica, realizou curtas e documentários de ficção na década de 80. Doutora
em Literatura Geral e Comparada pela Universidade Le Mirail de Toulouse, Sylvie Debs via-
java sempre para o Brasil, notadamente pelo Nordeste. No Brasil, ela participa dos festivais
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(como jurada), acompanha as filmagens, colabora com várias revistas, participa de seminá-
rios e eventos culturais, dá palestras e mantém trocas com cineastas, artistas, sociólogos e
críticos. Na França, ela publica livros e artigos sobre a cultura popular, o cordel, a literatura
e o cinema brasileiros, traduz os filmes brasileiros assim como livros de crítica de cinema,
participa de exposições, dá palestras sobre cordel e cinema, e assume curadorias de festi-
vais de cinema brasileiro. Professora na Universidade Robert Schuman e na Universidade
Marc Bloch de Strasbourg, ela ensina teoria da comunicação e cinema brasileiro. Ela é con-
siderada uma das mais ativas introdutoras de cinema brasileiro na França. No Brasil, ela
publicou Patativa do Assaré (2000), Editora Hedra e Cinema e Literatura no Brasil. Os mitos do
sertão : emergência de uma identidade nacional (2007), Editora Interarte.
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
IMPREVISTO NA RUA:
A FIGURA DO MATEUS NA BRINCADEIRA DO CAVALO MARINHO
Ana Caldas Lewinsohn - UNICAMP
Resumo: O Cavalo Marinho é uma manifestação popular que acontece principalmente na Zona-
da-Mata norte de Pernambuco. A brincadeira é realizada por cortadores de cana-de-açúcar da
região, que cantam, dançam, declamam loas (versos), tocam instrumentos e “colocam” diferentes
figuras (personagens) durante uma noite inteira. Uma das figuras que se destaca é o Mateus, um
negro que chega para tomar conta da brincadeira e passa o tempo todo em cena, cerca de 10 horas
em média, tendo por isso que lidar com todos os acontecimentos inesperados, além de ter a função
de coordenar as entradas e saídas das outras figuras do espetáculo e proteger o espaço como um
todo. Este artigo propõe uma descrição e análise da figura do Mateus a partir de observações de
pesquisa de campo e pretende, dessa forma, refletir sua função na brincadeira e sua relação com o
público. Busca-se, ainda, estudar a corporeidade e gestualidade do brincante em estado cênico de
modo a contribuir com as pesquisas sobre improviso e sobre o treinamento do ator, principalmente
direcionados ao teatro de rua.
21
Ana Caldas Lewinsohn
ços populares, seja por apresentações em praças, parques e espaços públicos. O problema,
porém, está na falta de continuidade desses projetos, que acabam sendo esporádicos. Infe-
lizmente, podemos constatar que tais iniciativas não deixam de ser, de fato, mais um instru-
mento de marketing cultural das empresas e dos governos.
Não sendo devidamente realizada a política de formação de público ou de formação de
pessoas com desejo de se nutrir do teatro, seja através de sua participação efetiva ou so-
mente como uma alternativa para a diversão, cabe aos artistas uma postura guerreira. É
necessário ao artista cidadão se colocar no mundo não somente como produtor de sua
arte, mas também como veiculador.
Nesse sentido, o teatro de rua representa uma possibilidade de atingir o público co-
mum onde ele está: nos grandes centros das cidades, nas praças de periferia, nos parques,
metrôs, ou qualquer espaço público. A busca do teatro por esse público, significa não so-
mente os artistas acreditando nesse encontro, mas acima de tudo uma suposta necessida-
de que o público teria do espetáculo de rua, como afirma André Carreira1:
“Esta necessidade existiria porque o teatro, transformado em uma arte de elite, teria se
distanciado de seu âmbito natural, e conseqüentemente seria necessário articular um
discurso teatral alternativo. O teatro de rua representaria neste esquema um teatro de
volta às origens.” (CARREIRA, 2005, p.25)
O teatro de rua pede uma linguagem própria. O artista cênico ao experimentar sua
criação na rua, logo percebe as exigências que ela coloca, ficando evidente o que funciona
e o que não. Nesse sentido, faz-se necessária uma busca por técnicas e inspirações que
auxiliem nesse processo de criação e tais recursos podem ser encontrados nos mais diver-
sos lugares. Nesse artigo apresentarei um possível caminho no qual venho apostando nos
últimos dez anos da minha trajetória.
A rua, por ser um espaço repleto de múltiplas informações visuais e sonoras exige do
artista que queira utilizá-la como palco, uma postura versátil e extremamente competente.
Não é fácil chamar a atenção na rua. E mais difícil ainda é fazer com que o público conquis-
tado permaneça nesse encontro na maior parte das vezes imprevisto e inesperado. As difi-
culdades são numerosas, mas a recompensa é valiosa.
Para que o corpo do artista cênico cresça suficientemente para chamar atenção na rua
e suas ações físicas alcancem a precisão necessária dentro de tamanha dispersão, o treino
da técnica de máscara é um grande recurso, pois, como afirma Lecoq (1987) “a máscara
aumenta o jogo do comediante e essencializa o propósito da personagem e da situação.
Precisa os gestos do corpo e o tom da voz”. Buscando esses elementos, além de uma lingua-
gem popular que utilizasse o improviso para lidar com as tantas interferências expostas na
rua, encontrei na Commedia dell’Arte uma Escola.
1
André Carreira é diretor teatral e professor do Departamento de Artes Cênicas e do Programa de Pós Graduação em Teatro da UDESC-SC.
22
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Durante cinco anos estudei e pratiquei a Commedia dell’Arte através de cursos, grupos
de estudos, espetáculos, treinos e confecção de máscaras. Buscávamos, no “Teatro ViraRua”,
encontrar os tipos urbanos e brasileiros de hoje, criando máscaras com base nos tipos itali-
anos porém adaptados à nossa realidade.
Paralelamente, desenvolvi junto a outro grupo de teatro, “Grupo do Santo”, uma densa
pesquisa de teatro de rua que utilizava a máscara somente como técnica sem a utilizar
sobre o rosto. Nos sete anos de trabalho do Grupo fizemos inúmeras apresentações na rua,
em diferentes cidades brasileiras, ganhando experiência a partir da prática. Além das apre-
sentações, mantínhamos um cotidiano de treino de acrobacia, jogos teatrais, máscara, cor-
da, bastão, treinamento energético2 e vocal, canto e toque de instrumentos musicais. Está-
vamos em busca de uma linguagem própria e popular.
Em 2001, no Riso da Terra - Encontro Mundial de Artistas Populares, Circenses e Palha-
ços - que se realizou em João Pessoa, PB, tive o primeiro contato com a brincadeira do
Cavalo Marinho de Pernambuco. Desde sempre interessada nas danças brasileiras, encon-
trei no Cavalo Marinho aproximações com a Commedia dell’Arte. As máscaras e seus tipos -
ou figuras, como são chamadas pelos brincantes -, me encantaram pelo fato de pertence-
rem à cultura brasileira.
Desde então desenvolvo minha pesquisa sobre o teatro de rua a partir das brincadeiras
populares e das máscaras brasileiras, em especial do Cavalo Marinho. Encontrar nas tradi-
ções nacionais possibilidades de troca com o trabalho de ator é o grande foco desse cami-
nho que venho trilhando atualmente e, portanto, objetivo primeiro desse artigo.
Como demonstra o dramaturgo Luiz Alberto de Abreu, o estudo das tradições pode ser
de extrema importância para as investigações sobre o teatro de rua:
“O teatro de rua não é uma invenção contemporânea como alguém mais desavisado
poderia imaginar. E mais do que inventar o espetáculo de rua, talvez fosse mais interes-
sante recuperar as formas tradicionais desse espetáculo, estudar sua forma e dar-lhe voz e
forças contemporâneas. O que Mário de Andrade chamou de danças dramáticas brasilei-
ras revelam, sob a pele do olhar folclórico, uma complexa forma dramatúrgica que tem
muito a nos ensinar sobre o espetáculo de rua. (...) Um olhar profundo e demorado sobre
nossa própria tradição de manifestações teatrais de rua pode, com certeza, nos ajudar a
responder as questões impertinentes que esse teatro nos coloca.” (ABREU, 2004)
2
O treinamento energético do grupo LUME (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da UNICAMP) é uma dança livre que se utiliza da
exaustão física para poder codificar distintas qualidades de energia.
23
Ana Caldas Lewinsohn
A brincadeira dura uma noite inteira, cerca de 10 horas, nas quais os dançarinos-atores-
músicos brincam o tempo todo praticamente sem parar. Os músicos ficam sentados juntos
em um banco e tocam os seguintes instrumentos: bage (reco-reco de taboca), mineiro
(ganzá), rabeca e pandeiro. Quem toca o pandeiro normalmente é o toadeiro (cantor), que
puxa as toadas e todos os outros repetem os refrões em coro. O ritmo é o mesmo durante
quase toda a noite, com variações melódicas e das letras.
Cada parte da brincadeira tem sua toada característica, fazendo com que a música seja
um dos principais fios condutores do espetáculo. As partes são encenadas pelos brincantes
que dançam trupés (passos) extremamente complexos e se alternam entre galantes e
figureiros. Os galantes, em conjunto, executam pelo espaço da roda várias coreografias, de
extrema beleza, com seus cantos e loas (versos). Geralmente, quem começa a brincar o
Cavalo Marinho, entra como galante, principalmente os mais jovens e as crianças.
As figuras - personagens, em sua maioria mascarados -, são encenadas por quem sabe
“botá-las3”. Assim, muitas figuras não são mais encenadas hoje, porque não há mais quem as
coloque. As figuras representam seres humanos, animais e seres fantásticos – como o Dia-
bo, e a Morte.
Toda a brincadeira é conduzida pelo Capitão com seu apito, que dá início e fim às toa-
das. O Capitão permanece em cena quase o tempo todo e dialoga com as figuras que
entram e saem da roda, após realizarem sua cena. No início da brincadeira, o Capitão diz
que vai viajar e para isso contrata dois “negos”, Mateus e Bastião, para tomarem conta do
terreiro enquanto ele não volta.
Mateus e Bastião são parceiros, entram na roda e nela permanecem até o dia amanhe-
cer. Fazem a função de protetores da roda, lidando com todas as interferências que aconte-
cem durante a noite, como bêbados, cachorros, crianças... Sempre de uma maneira cômica,
os dois acabam como se fossem os palhaços da brincadeira.
3
Os brincantes utilizam a expressão “botar figura” quando se referem a encená-la.
4
Entrevista concedida à autora, dia 07 de janeiro de 2007, Condado, Pernambuco.
24
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Seu Martelo e suas bexigas de boi, em sua casa. Mateus (Martelo), Cidade de Tabajara, 25.12.2006
Mateus entra na brincadeira antes de Bastião. O Banco (músicos) inicia a sua toada e,
sozinho, Mateus vem vindo de longe, passando pelo meio do público, até entrar na roda.
Caminha com seus trupés característicos, pequeninos, e aproveita sua entrada para trocar
olhares com as pessoas mais próximas. Sua entrada é esperada pelo público da região, que
já conhece a brincadeira. Todos querem saber se vai fazer o povo rir e como vai brincar, pois
boa parte do público sabe o que as figuras fazem, mas querem ver o como.
Seu Martelo5 é um brincante que faz um dos melhores Mateus existentes hoje, sendo
respeitado e conhecido por onde passa. Vive na cidade de Condado, em Pernambuco onde
brinca no Cavalo Marinho Estrela de Ouro, do mestre Biu Alexandre. A descrição a seguir se
baseia principalmente em observações6 desse brincante, tanto em estado de brincadeira
quanto em seu dia-a-dia.
Mateus entra com um olhar dilatado, vibrante, e, ao mesmo tempo, extremamente con-
centrado, com seu corpo inteiro tonificado e presente. Segura na mão uma bexiga de boi,
que é seca e inflada com ar, para percutir em seu corpo, mais precisamente na lateral das
pernas, acompanhando o ritmo da música, nos seus dois tempos fortes.
Vai chegando pelo meio do público, com um olhar fixo, a princípio, sem brincar muito,
concentrado na sua chegada, que é uma das suas grandes cenas. Ao entrar na roda, cai no
chão, pois está enfadado de tanto caminhar. Cai de barriga para cima e, com seu olhar ainda
vivo e aberto, mantém a conexão com os que estão ao redor. Seu corpo, apesar de estirado ao
chão, mantém todos os músculos ativos, pronto para, a qualquer hora, reagir ao inesperado.
No chão, movimenta-se levantando e abaixando o quadril, ação esta que consegue ar-
rancar risos da platéia. No Cavalo Marinho, explora-se muito as palavras de duplo sentido,
5
Sebastião Pereira de Lima
6
As observações foram realizadas em pesquisa de campo, de 25 de dezembro de 2006 a 10 de janeiro de 2007, em Condado e Cidade de Tabajara,
Pernambuco.
25
Ana Caldas Lewinsohn
sempre evocando o lado sexual, além de gestos também sexuais e grotescos, que acabam
sendo grandes motivos de gargalhadas do público.
Depois de muito esforço, Mateus se levanta do chão. Essa ação é lenta e seu corpo se
mantém firme, preenchido de presença física. Mateus explora muitas caretas em seu rosto,
na maior parte do tempo da brincadeira, divertindo as pessoas. Muitas vezes realiza que-
bras precisas na expressão facial: está fazendo careta e de repente volta ao normal, fixando
seu olhar em alguém. Isso também acaba sendo outro recurso bem cômico.
O eixo corporal do Mateus, e da maioria das figuras, é com os joelhos flexionados, a base
bem firme no chão e o tronco curvado para frente. A movimentação da cintura para cima é
menor. Os trupés todos são localizados na parte de baixo do corpo, com uma movimenta-
ção ligeira dos pés e joelhos e passos rítmicos complexos, que sempre acompanham e
marcam também os pulsos fortes da música, que é em tempo ternário, com acento nos dois
primeiros.
Vale observar que esse eixo surge do cotidiano dos brincantes, que em sua maioria
trabalham no corte da cana, situação esta que molda seus corpos e se reflete nas suas
expressões criativas. Essa organização do corpo, durante a brincadeira, acaba propiciando
uma notável agilidade nos pés e pernas, uma vez que a base, bem presente, proporciona
imensa estabilidade. O centro do corpo, no abdômen, concentra toda a energia e faz com
que a parte de baixo e a parte de cima fiquem bem independentes, dando aos brincantes
uma grande flexibilidade e disponibilidade física.
26
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Após se levantar do chão, Mateus inicia uma conversa com o Capitão, na qual este pede
para que ele dê “boa noite” a todas as pessoas da roda. Mateus pergunta se pode dar o “boa
noite” de uma vez só, e o Capitão responde que tem que dar um a um. Mateus inicia então
sua cena dizendo “boa noite” a cada uma das “categorias” existentes no público, como: mo-
ças casadas, moças solteiras, crianças, rapazes casados, etc. Nesse momento, há boa partici-
pação do público, respondendo ao “boa noite” e se sentindo desde já parte da brincadeira,
num processo de interação e alimentação mútua do espetáculo.
O Capitão, em seguida, diz precisar de pessoas para tomarem conta do seu terreiro
enquanto ele viaja. Pergunta se Mateus anda sozinho no mundo, e Mateus então fala de
Bastião, seu “pareia” (par). Assim, o Capitão contrata os dois para juntos enfrentarem essa
empreitada. O diálogo acontece de uma forma um pouco intimista, pois um está bem perto
do outro, ambos perto do banco, ficando distantes de boa parte do público.
A partir desse momento, após a chegada do Bastião, inicia-se um entra e sai de diversas
figuras, que vão dialogar com o Capitão e com o banco, realizando suas cenas para depois
irem embora. Mateus e Bastião são responsáveis por receber essas figuras na roda e às
vezes mandá-las embora por meio de bexigadas. A bexiga de boi que Mateus e Bastião
carregam serve também para tirar pessoas que estão atrapalhando a brincadeira, e estas
podem ser tanto pessoas do público, como as próprias figuras, caso demorem demais na
roda ou não estejam fazendo bem o seu papel. A bexigada é sempre uma ação cômica, pois
além de ser violenta, faz muito barulho, sem que se machuque a pessoa atingida.
Além da bexiga de boi, Mateus carrega seu surrão, matula ou mudança nas costas, pois
está viajando. Este é feito de várias palhas amarradas na cintura e concentradas acima do
quadril, nas costas. Sua roupa é bem colorida, muitas vezes feita de chita, sendo a calça de
uma estampa e a camisa de outra. Tem um chapéu comprido em forma de cone, enfeitado
com muitas fitas coloridas e brilhantes. Seu rosto é todo preto, melado de carvão, remeten-
do às épocas de escravo, pois, segundo Martelo, o Cavalo Marinho nasceu nas senzalas dos
engenhos, ainda na época da escravidão.
O rosto pintado de preto funciona como uma máscara. Esta porém, engrandece inclusi-
ve as expressões faciais do brincante, enquanto as máscaras das outras figuras, feitas em
couro, cobrem todo o rosto, deixando somente as expressões do corpo em destaque. Suas
caretas e seu olhar penetrante cativam as pessoas do público. As crianças muitas vezes
misturam sentimentos de medo e curiosidade, mas demonstram grande fascínio pela figu-
ra do Mateus.
Mistério e brincadeira são dois componentes mesclados e fundidos na figura do Mateus,
que tem que lidar com tudo o que acontece de improviso. Sabe muitas loas (versos) deco-
radas, afinal, “Se ele não tiver, ele não é Mateu. (...) Agora tem que ter uma loa comprida. (...)
Tem que saber umas 15 loas ou mais, e fazendo de juízo. Agora é difícil...”7. O brincante deve
7
Martelo, em entrevista à autora, dia 02 de janeiro de 2007, Condado, Pernambuco.
27
Ana Caldas Lewinsohn
ter um imenso repertório de loas além de ir sempre renovando-as, para que não se repitam
na brincadeira.
Além das loas, Mateus utiliza um repertório de gestos e caretas engraçados que “carre-
ga na manga”, pronto para lançar mão a qualquer momento. Se jogar no chão com as pernas
para cima ou altas gargalhadas com o tronco bem abaixado são alguns exemplos do reper-
tório de Martelo.
Para ser um bom Mateus tem que se conhecer o Cavalo Marinho completo – todas as
figuras, as cenas, as toadas -, já que ele é responsável por conduzir a brincadeira e impedir
que algo dê errado. Além disso, a figura exige grande resistência física, por permanecer a
noite inteira em pé, dialogando, dançando, brincando, criando.
Como no palhaço, é necessário ao Mateus um estado de jogo, uma disponibilidade para
lidar com o novo, sempre de uma maneira surpreendente, que divirta a platéia. Muitas
vezes, é o Mateus que inclui o público na brincadeira por meio de seus gracejos, piadas,
olhares ou até mesmo golpes de bexigadas, “porque se ele não brincar com aquele povo,
como é que fica? Não tem graça, não tem graça”8. O riso é sinal de aprovação para os
brincantes do Cavalo Marinho e é sinônimo de roda cheia, fazendo com que a própria aglo-
meração de pessoas convide mais gente para o público.
Despedindo
A observação da figura do Mateus, no Cavalo Marinho, aponta diversas qualidades do
brincante que podem e devem ser treinadas no ator de rua. Não se pretende imitar a figura
e suas características, mas apreender seus princípios, a fim de aprimorar novas experimen-
tações de teatro de rua.
Precisão, estado de jogo, improviso a partir de um repertório, relação direta com o
público, dança, canto, humor, concentração e agilidade são alguns elementos que propici-
am presença no ator e segurança para lidar com as interferências expostas na rua.
Assim, o Cavalo Marinho, e outras manifestações da cultura popular brasileira, apresen-
tam imensas possibilidades de pesquisa para o ator. É possível incorporar alguns dos ele-
mentos dessas tradições para a elaboração de metodologias de treinamento técnico, além
de valorizá-las como fonte criativa a partir da observação de seus símbolos, arquétipos e
histórias, que se comunicam diretamente com a cultura do povo brasileiro.
Não se trata de ignorar e eliminar o conhecimento de técnicas estrangeiras de treina-
mento para o ator, mas sim de reconhecer no Brasil a riqueza de elementos técnicos e
imaginários existentes nessas manifestações ampliando as fontes de pesquisa para a cria-
ção de novas metodologias.
8
Idem.
28
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Bibliografia
ACSELRAD, Maria. Viva Pareia! A arte da brincadeira ou a beleza da safadeza: uma abor-
dagem antropológica da estética do Cavalo Marinho. Dissertação de Mestrado em
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LECOQ, Jacques. O jogo da Máscara. In Le Théâtre du geste. Bordas, Paris, 1987. Trad.
Valmor Beltrame-Níni. (Não publicado).
OLIVEIRA, Joana Abreu. Catirina, o Boi e sua Vizinhança - elementos da performance dos
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OLIVEIRA, Mariana Silva. O Jogo da Cena do Cavalo Marinho: Diálogos entre Teatro e
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MURPHY, John. Performing a moral vision: an ethnography of Cavalo Marinho, a
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_____________. Cavalo-Marinho, a regional Variant of the Traditional Bumba-meu-boi
in Pernambuco, Brazil. Texas, 2006. (No prelo).
Entrevistas:
Martelo (Sebastião Pereira de Lima). Dia 02 de janeiro de 2007, Condado, Pernambuco.
Realizada pela autora.
Páginas da Internet:
URL: http://www.cooperativadeteatro.com.br/portal/articles.php?id=72&page=3
Teatro De Rua, Questões Impertinentes, Por Luis Alberto de Abreu
Extraído do “Cadernos da ELT” nº 1 , Jun/04
29
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
1
De minha autoria, a produção textual dessa trilogia inscreveu-se no âmbito de um estágio Pós-Doutoral em Dramaturgia, realizado na École
Supérieure de Théâtre de l‘Université du Québec à Montreal, de janeiro de 2006 a janeiro de 2007.
2
Título escolhido propositalmente (como homólogo da obra teórica francesa) não somente por dialogar com Jean Pierre Vernant, mas porque
nesse texto afirmo o meu intento em aprofundar minhas investigações dramatúrgicas e teóricas acerca da incapacidade de produzir uma narrativa,
explorando algumas figuras do estupor, aludindo às Górgonas pesquisadas por Vernant, P. Lê-Queau, entre outros.
3
Na École Supérieure de Théâtre, de l‘UQAM encontro pesquisadores e grupos que desenvolvem pesquisas no âmbito da escrita dramática e que
respondem inteiramente aos meus objetivos e intenções: desenvolver pesquisas na Província de Quebec, no domínio da criação dramatúrgica
e em língua francesa.
4
O processo de pesquisa bibliográfica acerca das noções de alteridade, memória e narrativa, bem como a sua exploração cênica, se inscreve
numa perspectiva transdisciplinar e num enfoque comparatista. Sob a minha orientação estão diretamente implicados nesta pesquisa quatro
alunos da graduação, contemplados com bolsa de Iniciação Científica e uma aluna de Pós-Graduacão contemplada com Bolsa de Apoio
Técnico 2 - FAPESB. Assim, o espetáculo A Morte nos Olhos, com estréia marcada para 30 de outubro, às 20H00, no Teatro do SESC/SENAC
Pelourinho é dirigida por Carol Vieira (minha Orientanda de Mestrado) e traz no seu elenco Hebe Alves –Doutoranda do PPGAC e Professora
da Graduação na Escola de Teatro da UFBA, além dos seguintes alunos da Graduação bolsistas IC: Ana Paula Brasil, Danilo Cairo, Fernanda Júlia e
Bruno Fagundes.
31
Antonia Pereira Bezerra
32
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
5
A exemplo de Julio Plaza em Arte, Ciência, Pesquisa: Relações. Trilha, Campinas, São Paulo, Janeiro-Fevereiro de 1997, p. 21-32.
33
Antonia Pereira Bezerra
Horizonte Teórico-metodológico:
De maneira geral, a questão da narrativa é estratégica para a compreensão: com ela se
colocam questões práticas, metodológicas e teóricas importantes, muito embora não exis-
ta uma teoria global neste domínio. Na fenomenologia contemporânea, sobretudo com
Paul Ricoeur, mas também com outros hermeneutas, como Hans-Georg Gadamer, a narrati-
va se torna um objeto de pesquisa em si, inteiro e completo, instaurando a possibilidade de
uma poética geral7. Neste contexto, a narrativa aparece como o paradigma do ato criador,
incluindo o drama e a epopéia. Foi estabelecendo relações entre estas teorias
fenomenológicas da narrativa e a prática da pesquisa; foi tentando compreender mais e
melhor o que acontece quando não é possível atribuir sentido à experiência vivida, que
cheguei a este momento de revisão dos meus conhecimentos e, principalmente, a este
desejo de reorientar minhas pesquisas teóricas e práticas no domínio da dramaturgia e da
criação cênica. Ora, uma narrativa, longe de ser um reflexo mais ou menos fiel da realidade,
é uma construção, uma criação.
6
Sobre a eficácia simbólica da narrativa e seus sentidos psicológicos, sociológicos e antropológicos, é necessário citar, aqui, um outro pesquisador
que a exemplo de Paul Ricoeur e Jean Pierre Vernant, muito me inspirou e auxiliou. Trata-se de Pierre Lê-Quéau, Maitre de Conference de L’UPFM,
Grénoble II e Pesquisador Visitante do PPGAC, com que dividi a Disciplina Tópicos Especiais em Artes Cênicas no primeiro Semestre de 2000. Lê-
Queau muito me ensinou sobre as contribuicões da narrativa e o Estado de Estupor, que abordaremos mais adiante.
7
Temps et Récit. 1. L’intrigue et le récit historique. Paris, Éditions du Seuil, 1983.
34
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
A exemplo de Paul Ricoeur, não será possível falar de como a narrativa se relaciona com
o tempo, sem antes expor, em toda a sua amplitude, a questão da referência entrecruzada
– entrecruzada com a experiência temporal viva – da narrativa de ficção e da narrativa
histórica8. Que seja na vida cotidiana ou no domínio da ficção, na narrativa se manifesta a
primeira capacidade criativa do ser humano, a qual consiste em introduzir um tipo de rup-
tura no fluxo da vida e um tipo de descontinuidade na continuidade do real. A narrativa tem
uma relação não com a realidade em si, mas com uma consciência que compreende esta
realidade, isto é, ela reduz a realidade ao produzir significações. Além disso, essa dinâmica
própria da narrativa produz muitos efeitos de ordem simbólica. Para Pierre Lê-Quéau, con-
tar uma história, na prática comum e cotidiana de cada um é sempre integrar, estabelecer
conexões, estabelecer elos no curso de uma vida entre o presente e o passado; nas rela-
ções sociais ou religiosas, entre si e os outros, humanos ou divinos. É nesse sentido comum
da narrativa que, também e para além da História de Vida, se inscreve a prática científica da
entrevista não diretiva de pesquisa, por exemplo. É porque a narrativa é uma prática social
comum com uma dinâmica interna e uma eficácia própria, que a mesma se justifica tam-
bém como prática científica. Neste ponto preciso, disponho de um excelente argumento,
com todo um instrumental teórico e prático, para iniciar os alunos de graduação no univer-
so da pesquisa tanto científica quanto artística. Um dos grandes interesses da narrativa,
ainda segundo Pierre Lê-Quéau, reside no seu poder de ligação: importa mais saber como
se estabelecem as relações significativas entre os fatos do que os fatos em si mesmos. No
ato de narrar se revela a construção de uma subjetividade inteira e completa, no duplo
sentido dessa expressão: a construção da realidade por um sujeito e, ao mesmo tempo, a
construção desse sujeito através de sua narrativa. No entanto, o trabalho da narrativa não é
somente subjetivo: ele contém também uma parte objetiva9.
Neste ponto preciso da discussão, é importante frisar que nas civilizações tradicionais,
as quais, ainda nos dias de hoje, preservam a oralidade, os etnólogos empreendem pesqui-
sas de campo, nas quais a escuta e a exploração de diversas narrativas, retomadas de gera-
ção em geração, constroem a intriga e tecem a trama dos saberes comuns aos membros de
um grupo. Embora esse estudo não ignore toda uma tradição de pesquisa com métodos
específicos nesse domínio, não é esse o caminho que seguirei e nem é nesse sentido que
trabalharei com a narrativa em minha teoria e prática. Para esta investigação, não buscarei
mitos que vivem e renascem de palavras incessantemente repetidas e modificadas pelas
subjetividades dos narradores, atores sociais do cotidiano. Os mitos explorados no âmbito
desta enquete serão extraídos de três textos dramáticos de minha autoria e explorados
8
Ibid., p.68. Tradução nossa.
9
Lê-Quéau pondera ainda que o uso de uma linguagem comum, em si, já se constitui numa fuga da subjetividade. Ademais, contar uma história
pressupõe também mobilizar um amplo conjunto de saberes coletivos para dar uma forma compreensível à narrativa. Uma narrativa é sempre
uma experiência subjetiva, mas condicionada, todavia, em seu conteúdo e forma, pelas interações anteriores do sujeito com a sua coletividade
e o senso comum ao qual ele pertence.
35
Antonia Pereira Bezerra
10
Organizado sob a Direção de Pierre Ouellet e publicado por Les Presses de l‘Université Laval. Montreal, Québec, Canadá, 2003.
11
Definição de Anne Ubersfeld, a qual se recusa a definir mímesis como cópia ou representação das ações humanas. In Lire le Théâtre I. Op. Cit. p 11.
36
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
12
La Grèce Ancienne. Du mythe à la raison. Jean-Pierre Vernant et Pierre Vidal Naquet, Paris, Édition du Seuil, 1990, p. 10.
13
Paul Ricoeur. Op. Cit., p. 69.
14
Temps et Récit. L’intrigue et le récit historique. Op. Cit., p. 11.
37
Antonia Pereira Bezerra
15
Na mitologia grega as Górgonas eram três mulheres monstruosas que podiam petrificar (converter em pedra) alguém que mirasse o olhar delas.
16
La Mort Dans Les Yeux. Figures de l’autre en Grèce Ancienne Artemis, Gorgô. Paris, Hachette Littérature, 1998.
17
O conceito de estupor tem origem na palavra latina Stupore e significa um estado de entorpecimento ou de paralisia súbita. O estupor é
caracterizado pela diminuição dos movimentos, pelo mutismo e pela aparente indiferença aos estímulos externos.Geralmente associado na
psiquiatria a um tipo de catatonia, o estupor é considerado um dos sintomas para o diagnóstico de alguns tipos de esquizofrenia.
38
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
39
Antonia Pereira Bezerra
vem instaurar um possível equilíbrio. Por suas eficácias simbólicas, são as imagens e as
fantasias que reestruturam o psiquismo como se quisesse dizer: a porta de entrada para o
real é a ficção.
De posse destes argumentos e profundamente influenciada pelas teorias acerca da
narrativa, dos usos e abusos da memória, desenvolvi dois atos, para cada uma destas peças.
Nestes dois atos, a memória do passado é reconstituída sob a forma de narrativa e teste-
munhos, através dos quais me esforço para evidenciar que a memória e a imaginação têm
em comum o vetor da ausência: a ausência no presente18. Uma outra problemática debati-
da nesses textos é a daquele que foi e não é mais, ou não consegue mais sê-lo. A noção de
uso da memória retirada das teorias de Paul Ricoeur é ressaltada no universo destas tramas
na medida em que a prática da memória é exercida não na categoria da memorização, nem
da rememoração diretamente, mas no sentido da invenção criativa, da rememoração
fantasiosa que coloca um termo ao estado de suspensão da consciência, restaurando e
trazendo ao plano do consciente um Saber-Fazer e um Saber-Ser recalcados pelos
traumatismos.
Considerações Finais:
Essa pesquisa situa-se justamente neste terreno tão antigo e familiar onde a dramaturgia
e a encenação teatral abraçam a história, a filosofia e os mitos. Aqui a ancestral tríade tea-
tro/história/filosofia é mais uma vez acessada para abrir as portas do drama aos eventos
relacionados ou ocasionados pela memória e a alteridade. Eventos estes reconstituídos e
fixados sob a forma de narrativa dramática. Se até o momento, me referi apenas aos con-
teúdos dos textos dramáticos que serão montados ao longo de 36 meses, não significa que
não atribuo importância à forma, à convenção ou às convenções nas quais inscreverei as
montagens de tais fábulas. Acredito como Anne Ubersfeld, que não se escreve para teatro
sem nada saber de teatro. Escreve-se para ou contra um código, uma convenção teatral19.
Importa destacar que na criação cênica se ancoram nas questões acerca do problema da
identidade e de algumas causas da fragilidade da identidade (quem sou eu?); no confronto
com o outro, o estrangeiro que habita fora ou dentro de nós; na incapacidade de definir
uma memória individual face às grandes tradições do olhar anterior e face às memórias
individuais e coletivas do presente e do passado.
18
Asserção de Paul Ricoeur em sua Conferência “Us et Abus de la Mémoire“, proferida no Institut d’Études Doctorales, de l’Université de Toulouse
II, Le Mirail, aos 30 de abril de 1998.
19
École du Spectateur . Paris, Éditions Belles Lettres, SUP, 1995.
40
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
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41
Antonia Pereira Bezerra
42
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
43
Armindo Bião
No âmbito epistemológico
Assim, inicialmente, no âmbito da epistemologia, consideremos as 12 palavras seguin-
tes, sendo metade delas apresentada a propósito do sujeito da pesquisa e a outra metade,
que comentarei em primeiro lugar, dedicada ao mundo dos objetos.
Dos objetos:
Teatralidade – Palavra dicionarizada em língua portuguesa (HOUAISS, 2001, p. 2682;
AURÉLIO, 1986, p. 1655), originada do vocábulo grego que se constituiu para designar a
ação e o espaço organizados para o olhar, que compreendo como uma categoria reconhe-
cível em todas as interações humanas. De fato, toda interação humana ocorre porque seus
participantes organizam suas ações e se situam no espaço em função do olhar do outro.
Assim, penso em todas as interações mais banais e cotidianas, nas quais, podemos compre-
ender, todas as pessoas envolvidas agem, simultaneamente, como atores e espectadores
da interação (aqui utilizo esses vocábulos do mundo do teatro certamente – e apenas, como
metáfora). A consciência reflexiva de que cada um aí presente age e reage em função do
outro pode existir de modo claro ou difuso ou obscuro, mas nunca de modo explicitamente
compactuado – ou compactuadamente explicitado, o tempo todo. Trata-se de um hábito
cultural enraizado (uma espécie de segunda natureza), individual e coletivo, amplamente
praticado pela maioria absoluta dos indivíduos de cada sociedade, de um modo inerente a
cada cultura, que codifica suas interações ordinárias e transmite seus códigos para se man-
ter viva e coesa.
Espetacularidade – Palavra ainda não incluída nos mais importantes dicionários da lín-
gua portuguesa editados no Brasil, derivada do vocábulo espetáculo, de origem latina, des-
tinado a designar o que chama, atrai e prende o olhar (HOUAISS, 2001, p. 1229; AURÉLIO,
1986, p. 704), que compreendo como uma categoria também reconhecível em algumas
das interações humanas. De fato, em algumas interações humanas – não todas – se perce-
be a organização de ações e do espaço em função de se atrair e prender a atenção e olhar
de parte das pessoas envolvidas. Aí e então, de modo – em geral - menos banal e cotidiano
que no caso da teatralidade, podemos perceber uma distinção entre (mais uma vez, de
modo metafórico) atores e espectadores. Aqui e agora a consciência reflexiva sobre essa
distinção é maior e – geralmente – mais visível e clara. Trata-se de uma forma habitual ou
eventual, inerente a cada cultura, que a codifica e transmite, de manter uma espécie de
respiração coletiva mais extraordinária, ainda que para parte das pessoas envolvidas possa
se tratar de um hábito cotidiano. Assim como a teatralidade, a espetacularidade contribui
para a coesão e a manutenção viva da cultura1.
1
Propus essas categorias em minha tese de doutorado, orientada por Michel Maffesoli (Paris 5 Université René Descartes, Sorbonne, 1990), das
quais também já tratei em português (1991, p. 104-110; 2000, p. 364-367).
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
2
Ver, entre outras contribuições publicadas nessa obra, a de Jacques Pimpaneau, “ Les liens entre les cultes médiumniques et le théâtre, entre
les chamans et les acteurs “, in Actes des Rencontres Internationales sur la fête et la communication, Serre/ Nice-Animation, 1986.
45
Armindo Bião
Matrizes estéticas – Essa expressão é mais uma noção teórica “mole” que um conceito
“rígido” (MAFFESOLI, 1985, p. 51, 52 sq., 63), considerando-se que, no âmbito geral da cultu-
ra, assim como no campo mais específico da estética, pode-se sempre buscar compreen-
der um fenômeno contemporâneo a partir do esforço de identificação de sua filiação histó-
rica e de seu parentesco atual, com outros fenômenos. A utilização dessa expressão – ma-
trizes estéticas, sempre no plural, possui, do ponto de vista retórico, uma consciente pro-
posição paradoxal, posto que a palavra matriz remete à idéia de mãe, que também remete
à idéia de unicidade, quando pensada como uma e única pessoa, do gênero feminino, que
alimenta em seu próprio corpo e assim é explicitamente geradora de outra, enquanto que
a palavra matrizes multiplica esse ente, ainda que se referindo a um mesmo fenômeno –
seu descendente direto. O que se pretende, ao se recorrer a essa figura paradoxal de lin-
guagem, é chamar a atenção para o fato de que, na cultura, cada fenômeno possui, simulta-
neamente, múltiplas matrizes, fato que é de diversos processos de transculturação. A isso,
chamei de “família de formas culturais aparentadas [...], “identificadas por suas característi-
cas sensoriais e artísticas, portanto estéticas, tanto num sentido amplo, de sensibilidade,
quanto num sentido estrito, de criação e compreensão do belo (BIÃO, 2000, p. 15)”. Assim,
podemos falar, por exemplo, de matrizes estéticas, a partir de referências lingüísticas, reli-
giosas, geográficas, históricas, geo-históricas, étnicas, técnicas, temáticas, teóricas,
tecnológicas etc.
Dos sujeitos:
O conjunto das noções de alteridade, identidade, identificação (MAFFESOLI, 1988), di-
versidade, pluralidade e reflexividade (GARFINKEL, 1967; TURNER, 1979, p. 65; SCHÜTZ, p.
1987, p. 114 e s.), remete à consciência das semelhanças e diferenças entre indivíduos,
grupos sociais e sociedades, por um lado e, por outro, à capacidade humana de refletir a
realidade e sobre ela, de modo consciente, experimentando e exprimindo sensibilidade,
sensorialidade, opções de prazer, beleza, desejo e conforto. Nesse conjunto de noções, vale
ressaltar a emergência da noção de “identificação”, como uma construção temporária,
existencialista e dinâmica, contraposta à de “identidade”, como uma categoria definitiva,
essencialista e estática, que se encontraria em crise na contemporaneidade.
46
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
No âmbito metodológico
O horizonte teórico-metodológico que busca revelar a presente proposição preliminar
de um léxico para a etnocenologia remete à necessária e imprescindível articulação entre
o sujeito e o objeto, retomando, por minha própria conta, as idéias de “objetivação do sub-
jetivo” de Erwin Panofsky (1975, p. 158-170), de “trajeto antropológico” de Gilbert Durand
(1969, p. 38 e s.) e de “trajetividade” de Augustin Berque (1986, p. 147-153).
Dos trajetos:
Sujeito – O pesquisador.
Dos projetos:
Apetência – A qualidade, simultaneamente essencial e existencial, que justifica o inte-
resse do sujeito em seu objeto e trajeto de pesquisa, sem a qual não se pode construir
competência.
Competência – O conjunto de capacidades, experiências e práticas, que pode ao per-
mitir ao sujeito a plena consecução de seu projeto.
3
Eu próprio, ainda em 1995/ 1996, usei e justifiquei essa palavra (1996, p. 12-20), que se encontra na denominação de uma outra perspectiva
aparentada à etnocenologia, os performance studies (SCHECHNER, 2002), que com ela não se identifica plenamente, mas que com ela pode
eventualmente se confundir (BIÃO, 2007, p. 24), o que temos a pretensão de vir a evitar com a proposição deste léxico.
47
Armindo Bião
Conclusão
A proposição desse léxico é apenas preliminar, mas fruto de reflexão de uma boa dúzia
de anos de pesquisa. Aqui se considerou o poder abstrato e mágico da palavra, bem como
suas possíveis implicações ideológicas, ainda que – admitamos – a partir de nossos própri-
os preconceitos. Este léxico não levou, por exemplo, em conta, a palavra performance, que
muitos colegas na etnocenologia utilizam. De fato, considero que essa palavra só contribui
para a confusão epistemológica e metodológica na etnocenologia3.
Prefiro, também, para designar o artista do espetáculo, ou o participante ativo da forma
– ou arte – espetacular, palavras com aquelas usadas pelos próprios praticantes dos obje-
tos de nossos estudos, quando se autodenominam de ator, dançarino, músico, brincante,
brincador, sambador e outros, por exemplo. Prefiro sinceramente isso a usar outras pala-
vras, como as que já foram sugeridas por outros (performer, actante, ator-dançarino ou
ator-bailarino-intérprete, por exemplo).
E à palavra performance, tão polissêmica (COHEN, 2006, p. 240-243), prefiro, sempre,
usar espetáculo, função, brincadeira, jogo ou festa, conforme quem vive e faz chama aquilo
que faz e vive.
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49
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Parece que la tempestad amaina y esta cáscara de nuez nos mantiene aún a flote en el piélago
de la historia. Hace millas que arrojamos a Fukuyama por la borda y con él la bitácora. Su ruta
no puede ser la única. A la deriva, el firmamento nos ofrece infinitos rumbos en sus constelaciones.
No es posible que todo aquello de lo que hablaban las cartas haya sucumbido en la tormenta.
[Fin del Diario]
Como pueden apreciar, atraco en Bahía con las bodegas a rebosar de desazón europea.
Barriles y barriles de incertidumbre que deseo transformar aquí en una gran armada de
navíos dispuestos a la lucha. No se asusten. No es mi intención reclutarles aquí para
embarcarles hacia un rumbo desconocido ni arrojarles por la borda con las cadenas del
pesimismo a sus pies. Lo único que les pido es indulgencia para atender un discurso que
he concebido precisamente como reacción a esa relatividad indolente y cuyo pretencioso
y prepotente engaste en la racionalidad del viejo continente espero que disculpen.
Comenzaré por una frase lapidaria en la que, sin haber contado con ninguno de ustedes
previamente, ya les hago a todos partícipes de mis preocupaciones: ninguno de los que
estamos aquí podemos ignorar la trágica devaluación que el conocimiento y su aprendizaje
han sufrido en las últimas décadas. Permítanme que asuma la veracidad de esta proposición
sin descender a ejemplos particulares que les resultarían en su ámbito académico,
lamentablemente, muy familiares. Y si el valor del conocimiento decrece, menor aún es el
interés que en los grupos de investigación existe por explorar alguna nueva ruta que nos
ayude a entender quiénes somos y dónde estamos. Hace tiempo que en las humanidades
nos hemos resignado a dejar vagar la balsa sin remos por el pantano de la posmodernidad,
incapaces de avistar otra certeza que la de nuestra propia deriva.
Estemos o no de acuerdo con el relativismo de este punto de vista, lo cierto es que la
duda –más cínica que cartesiana- ha arraigado bien en la sociedad y pocos son ahora los
que se atreven a defender un estatus científico de las ciencias sociales. En su lugar se
prefiere insistir en el carácter subjetivo de la materia social y reducir su análisis a aplicaciones
metodológicas. En el fondo, aferrados a paradigmas de revoluciones pretéritas, los investi-
gadores de lo social admiten su incapacidad para enfrentarse a los problemas teóricos que
plantea la ciencia actual.
51
Dr. Carlos Alba Peinado
52
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
partículas han sido formuladas en la necesidad del cálculo tratando así de anticipar una
representación imaginaria del universo.
¿Por qué, por lo tanto, si la representación imaginaria del universo constituye un fin
para toda ciencia resulta ésta menos creíble –menos racional- en el caso de las ciencias
humanas que en el de las físicas? Apenas nadie cuestiona la entidad científica de una
investigación sobre leptones y en cambio la gran mayoría de la sociedad se muestra
sorprendida –cuando no reacia o indiferente- ante una pesquisa científica sobre, por ejemplo,
el romanticismo o el realismo. ¿No son ambos eventos productos de una mente humana
que trata así de aprehender el mundo en el que vive? ¿No será que la aparente diferencia
entre las ciencias no reside tanto en la naturaleza del sujeto investigador –que al fin y al
cabo persigue el mismo fin de una representación imaginaria de su universo- como en la
pertinencia del método utilizado?
Esto fue lo que le llevó a Ángel Berenguer de la Universidad de Alcalá a revisar las bases
sobre las que se estaban realizando los estudios de teatro en España. Descubrió que
efectivamente los métodos utilizados no correspondían con los paradigmas que estaban
vigentes en la ciencia. Basada en conceptos como generación o estilo, la historia del teatro
español se reducía a una relación de textos literarios en los que el autor no constituía más
que una anécdota. Todos esos estudios parecían ignorar que el teatro es esencialmente
representación1 y que más allá de la elocución de un texto y la ejecución de unos movimientos
existe un creador que está tratando de transmitir precisamente su propia representación
imaginaria del universo.
Durante las últimas dos décadas, Ángel Berenguer ha estado trabajando en la
construcción de un método científico con el que fuera posible la observación del teatro
contemporáneo sin tener que aislar su representación de la actividad biológica del creador.
El reto constituye uno de los principales intentos que existen en la actualidad para reconci-
liar los paradigmas sociales con los nuevos avances de la ciencia. No se trata aquí, como
veremos, de adoptar superficialmente un paradigma biológico de análisis –en el sentido
plagiario que lo entienden los pronaturalistas- sino de comprender la producción escénica
como la reacción que experimenta y construye un sujeto biológico-creador ante las
agresiones que le está infringiendo su Entorno.
Y ahora detengo las máquinas e inicio la inmersión en este método. Por cuestiones de
tiempo –y para no abusar de la paciencia de la tripulación- voy a realizar tan sólo dos calas
en el sistema de Berenguer. La primera tiene que ver con el concepto de tensión que es la
brújula conceptual que nortea esta propuesta metodológica. La segunda, y vinculada
estrechamente con la anterior, nos permitirá entrar en contacto con las mediaciones que
constituyen en sí los instrumentos de análisis más adecuados para la comprensión de una
obra de arte generada desde la tensión a la que aludíamos antes.
1
«El teatro es, fundamentalmente, una acción en la que se representa una sucesión de circunstancias. Esta acción es siempre imaginaria y se realiza ante un público colectivo,
en un lugar previamente convenido y por unos personajes encarnados material y circunstancialmente por actores.» (BERENGUER, 1992: 156)
53
Dr. Carlos Alba Peinado
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
complejo, esto quedará equilibrado por un mecanismo que protege al organismo del caos
de la aleatoriedad y le permite seguir su camino en búsqueda de un comportamiento par-
ticular. La evolución del cerebro se caracteriza por la transición lenta y laboriosa desde un
cerebro que simplemente reacciona hasta un cerebro capaz de sostener una acción deli-
berada y sostenida. (GOLDBERG, 2004: 142)
Berenguer concibe así al Yo como «la perspectiva del individuo que ha sido elabora-
da por su cerebro ejecutivo y que se convierte en la medida de la realidad en que está
inmerso.» (Berenguer, 2007: 19) Este cerebro establece estructuras y funciones a fin de
conseguir una adaptación biológica de todo el ser al nuevo Entorno. Este Entorno es conce-
bido a su vez como «el conjunto de señales y circunstancias que, de algún modo, imponen
al YO un marco definido de actuación.» (BERENGUER, 2007: 19)
La función ejecutiva aparece en la historia del hombre como el resultado de una
evolución al final de la cual los lóbulos frontales se han convertido en los órganos de control
de la persona. Esto provoca también un cambio de perspectiva a la hora de entender el
funcionamiento modular de los hemisferios. La diferencia entre ambos no está en su
procesamiento de contenidos sino en su especialización para atender la novedad cognitiva
y la rutina cognitiva. Como explica Goldberg:
En una etapa primitiva de todo proceso de aprendizaje el organismo se enfrenta con la
“novedad”, y la etapa final del proceso de aprendizaje puede considerarse como “rutinización”
o “familiaridad”. La transición de novedad a rutina es el ciclo universal de nuestro mundo
interior. (GOLDBERG, 2004: 60)
A partir de aquí Berenguer diferencia entre un Yo individual que opera con el lóbulo
derecho y que por lo tanto trabaja con proyectos relativamente nuevos y un Yo transindividual
que activa el lóbulo izquierdo y que ejecuta líneas de producción ya probadas y establecidas.
Esto significa que el Yo individual está generando las estrategias con las que el sujeto res-
ponde a las agresiones del Entorno mientras que el Yo transindividual está conformando
reacciones, entendidas éstas como «sistemas de respuesta a la agresión del Entorno (moti-
vos) que recogen las estrategias positivas del Yo individual (en su búsqueda de los valores
fundacionales: autenticidad) y las adopta cómo fórmula para la adaptación del grupo al
Entorno cambiante.» (BERENGUER, 2007: 22) De una forma algo más elemental ya había
formulado algo parecido el filósofo de origen español George Santayana: «Los impulsos
humanos convulsionan a la sociedad, pero las necesidades humanas la estructuran».
(SANTAYANA, 1954: 20)
Berenguer redefine así aquellas estructuras significativas que dotaban de coherencia al
estructuralismo genético de Lucien Goldmann2 y las libera del marco marxista sin tratar de
2
A pesar del interés que despertó su sociología en las décadas de los sesenta y los setenta en toda Europa, Lucien Goldmann es en la actualidad un pensador muy desconocido
en las universidades españolas y sus textos son muy difíciles de conseguir en español. Sin embargo, en Brasil los trabajos de Celso Frederico citados en la bibliografía - «A
sociologia da literatura de Lucien Goldmann» (2005) y Sociología da cultura. Lucien Goldmann e os debates do século XX (2006)- han devuelto el interés en lengua
portuguesa sobre este intelectual.
55
Dr. Carlos Alba Peinado
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
adecuados para comprender los parámetros que conforman esa tensión. La elección de
estos instrumentos debería ser coherente tanto con la propia naturaleza de la tensión como
con la constante mutación que experimentan el Yo y el Entorno en cada evento
contemporáneo.
Es aquí donde Berenguer rescata el concepto de mediación que Goldmann había
asignado a las visiones del mundo como entidades intermediarias entre la vida económica
de una sociedad y sus expresiones culturales. De esta forma Goldmann había adaptado a la
sociología de la literatura el concepto hegeliano de saber mediato que implicaba un reflejo
de la realidad y que permitió en la corriente marxista la expresión de relaciones concretas.
En Berenguer la mediación «constituye el conjunto de hechos, ideas y experiencias que
afectan al individuo y generan su inserción en un determinado grupo humano de modo
permanente, o temporal, en el caso de personas cuya orientación ideológica cambia radi-
calmente en distintos períodos de su vida.» (BERENGUER, 1995: 8) Obsérvese que aquí la
mediación no es tanto el reflejo de las estructuras económicas en una producción cultural
como el instrumento que nos permite analizar desde la tensión la complejidad de la pers-
pectiva del individuo.
El estudio de la mediación no implica, en absoluto, que el crítico deba dedicarse a la
reconstrucción lógica del proceso de creación. Pues lo cierto, como advierte Popper en La
lógica de la investigación científica, es que tal proceso no existe. (POPPER, 1985: 31) El propio
Einstein, como nos recuerda también Popper, reconoce que no hay una senda lógica que
nos lleve a unas leyes universales a partir de las cuales podamos obtener una imagen del
mundo por pura deducción. Esto es sólo posible a través de la intuición. Y es así como hay
que entender el empleo de la mediación como instrumento de análisis crítico que en buena
parte concuerda con la afirmación que Henri Bergson lanza en La evolución creadora: «la
realidad está ordenada en la medida exacta en que satisface nuestro pensamiento».
(BERGSON, 1994: 200) Sorprende observar cómo Bergson ya en 1907 postulaba dos tipos
de órdenes -uno vital que sigue la dirección de lo natural y otro inerte que invierte esa
dirección hasta llegar al automatismo- que corresponden casi de forma exacta con el
procesamiento cognitivo de la novedad y la rutina en el cerebro ejecutivo.
Berenguer, al establecer la mediación como el instrumento de análisis fundamental de
su método, trata así de reconciliar la intuición que interviene en el proceso de creación con
la necesidad de establecer un sistema crítico que permita la comprensión de aquella
creación sino de una forma deductiva, sí al menos intuitiva. Así diferencia entre tres tipos
de mediación: histórica, psico-social y estética.
La mediación histórica nos permite contemplar en un proceso diacrónico cómo las
personas se reúnen en grupos de conciencia activa y concretan así un posicionamiento po-
lítico. Como señala Berenguer,
En el terreno específico del teatro, el sistema de valores que determina su
“contemporaneidad” debe buscarse tanto en los constantes cambios de las mentalidades
57
Dr. Carlos Alba Peinado
que se llevan a cabo desde la terminación del Antiguo Régimen, como en el conjunto de
factores históricos (políticos, filosóficos, tecnológicos, etc.), así como en los elementos
específicamente “teatrales” (escenarios plurales, centrales, técnicas de iluminación y de
actuación, etc.) cuyas referencias históricas anuncian o revelan ese carácter contemporáneo.
(BERENGUER, 1995: 10)
No se trata, por tanto, de historiar en el sentido positivista de la acumulación de datos
sino de descubrir en los eventos históricos – y recuerden la diferencia entre evento y
trayectoria que señalábamos al principio- aquellos motivos que estén relacionados con el
proceso de creación.
La mediación histórica nos concreta así las coordenadas espacio-temporales a través de
las cuales debemos valorar la naturaleza de la tensión que existe entre un creador y su
Entorno. El estudio específico de esta relación, sin embargo, es el objeto de la mediación
psicosocial. En ella vemos cómo el Entorno «desarrolla una visión de la realidad que afecta al
grupo, conforma el universo en el que se identifica un colectivo determinado, y sirve de
sustento a la génesis de ortodoxias.» (BERENGUER, 1995: 11) Su conexión con el creador se
realiza a través de su Yo transindividual que es de quien depende su adscripción a una
visión del mundo determinada. Pero muchas creaciones serían inexplicables si atendiéramos
sólo a estos aspectos sociológicos del Entorno. De ahí que Berenguer incida en la importancia
de la conciencia individual, «a través de la cual una persona decide y diseña su
posicionamiento así en la vida como en el arte, y se generan fórmulas heterodoxas.»
(BERENGUER, 1995: 12)
Esta relación problemática del Yo con su Entorno es la que explica en parte la desazón
con la que comenzábamos este artículo. El Yo percibe la realidad cada vez más como una
experiencia individual lo que produce una gran inestabilidad en los valores del Entorno. El
individuo ha de ir adaptándose constantemente a los cambios que el Entorno le hace expe-
rimentar y de los que se siente cada vez más responsable. El análisis de esta mediación
resultará fundamental para conocer el posicionamiento del creador y su capacidad para
transformar o ser transformado por su propia realidad.
Por último, la mediación estética se ocuparía de analizar las estrategias que diseña el
creador para trasladar al plano imaginario de la representación su respuesta a la agresión
que ha recibido del Entorno. En ella se incluye el origen de los conceptos y las técnicas
aplicadas a la formulación artística así como las diversas reacciones que los grupos huma-
nos aceptan como expresión de su respuesta colectiva a esa misma agresión.
En este sentido, nuestro análisis de un arte en tensión nos lleva a interpretar la sucesión
de paradigmas artísticos como una dialéctica entre el impulso renovador del Yo y la actitud
preservadora del Entorno. Así la respuesta que ofrece el Yo a las revoluciones americana y
francesa de finales del siglo XVIII configura la reacción romántica donde la supremacía de
ese YO –original y sublime- acabará, poco después, sucumbiendo a la reacción realista de
los que consideran urgente una descripción detallada del nuevo Entorno. Ambas reacciones,
58
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
no obstante, hay que considerarlas contemporáneas pues más allá de que la reacción
obedezca a los intereses del Yo o del Entorno siempre implica una búsqueda –para su
implantación o para su preservación- de los valores fundacionales de la revolución: libertad,
igualdad y solidaridad. De ahí que Berenguer considere como factor fundamental para en-
tender el arte contemporáneo la simultaneidad de sus lenguajes artísticos que «constituyen
cauces abiertos ante los creadores, quienes transitan uno u otro (con márgenes que van
desde la fidelidad casi absoluta hasta la transformación completa del estilo elegido) desde
el criterio de su adecuación para expresar la visión del mundo que la obra transpone.»
(BERENGUER, 2001: 25)
***
Emerjamos de nuevo a la superficie. Evidentemente, estas dos calas que acabamos de
realizar en la metodología de Ángel Berenguer son insuficientes para realizar siquiera un
pequeño esbozo del sistema en su conjunto. Aquellos que deseen profundizar en él pueden
hacerlo a través de la bibliografía que aquí adjunto. Ignoro, por otra parte, si he conseguido
transformar alguno de aquellos barriles de incertidumbre que crujían en la travesía en alguna
que otra cáscara de nuez con la que enfrentarse, como el Capitán de Shakespeare, a la
Tempestad. Si fuera así, mío no es el mérito que es del Capitán. Y si no, les ruego me perdonen
el mareo del oleaje.
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60
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
1
Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia. Autora do livro Teatralidade e Performance ritual dos folguedos da Ilha de Itaparica, publicado em 2004.
Psicóloga. Especialista e Professora Titular em Psicodrama pela Federação Brasileira de Psicodrama.
2
Manifestações populares caracterizadas por danças, cantos, rituais; festas, brincadeiras.
3
Termo adotado pela autora para denominar os participantes de folguedos, por ter uso corrente na literatura, quando se fala sobre os performers dessas tradições.
4
VALLE, Christina. Revista da Bahia. 2004, p. 8.
61
Célia Conceição Sacramento Gomes
5
BRANDÃO, Maria de Azevedo (Org.). Recôncavo da Bahia: sociedade e economia em transição. 1998.
6
GOMES, Célia. Dissertação de Mestrado - A espetacularidade dos afoxés: a religiosidade nas manifestações populares da Gamboa - Ilha de Itaparica. 2003. 205 f.
62
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
O cenário em que acontecem essas manifestações são as ruas, os rios ou matas, o mar,
as portas das casas, as praças. O espaço circunscreve um tempo e uma cosmo visão que
privilegia a natureza e comporta as interações comunitárias, com suas alianças e dissidênci-
as. O tempo tem como referência a dimensão estética, no sentido de uma
multissensorialidade que prioriza os sentidos, sem desconsiderar a lógica e a necessidade
de reinventar para sobreviver e viver em harmonia com o ambiente.
O corpo nesse contexto pode ser conceituado como espaço de inscrição da memória
pela performance; vincula-se à cultura, à religiosidade, ao lúdico e ao ritual, com suas for-
mas singulares de organização no tempo e no espaço. Segundo um dos organizadores des-
sas manifestações: “o fundamento é uma forma de ligar as pessoas, pois todos comungam
dos mesmos princípios”.
Na comunidade de Barra Grande, município de Vera Cruz - Ilha de Itaparica, a Santa
Mazorra é uma tradição que reúne um grupo de homens que após o Carnaval, na quarta-
feira de cinzas, ainda saudosos da folia, saem pelas ruas da localidade visitando as casas
cantando e dançando, para recolher donativos para uma feijoada.
O símbolo da brincadeira7 é o jegue, animal que segue à frente do grupo todo enfeitado
com folhas, fitas coloridas, lenço nas orelhas e outros adereços disponíveis na hora do feste-
jo; ele carrega dois caçuás (espécie de cesto confeccionado com cipó), onde são colocados
os produtos arrecadados. Quando chegam às casas cantam e dançam ao som das palmas e
instrumentos de percussão que marcam o ritmo das músicas. As cantigas fazem troça e
falam de forma jocosa sobre a Santa Mazorra, improvisando e satirizando as pessoas que
porventura não queiram contribuir com a brincadeira durante o percurso.
Durante o trajeto alguns componentes saem, outros se integram ao grupo, até fazer
todo o roteiro que vai sendo definido ao longo do caminho. Com as contribuições recolhi-
das é feita a feijoada para todos os participantes e a brincadeira continua. O grupo é co-
mandado por um líder que puxa as cantigas; usa um figurino muito colorido e espalhafato-
so, chapéu ornamentado, óculos escuros, barbicha e é o responsável pelo enredo, que vai
sendo desenvolvido livremente, conforme o que foi transmitido pela tradição oral; tudo
acontece no aqui e agora do evento.
A performance possui aspectos em comum com o jogo, o esporte e o rito. Existe em um
“mundo especial” que, conforme Pearson está submetido a normas, estratégias, jogos e
acordos que dependem do controle dos participantes do evento. É um mundo de interações
humanas dinâmicas em que se relacionam performer e espectador. Nas performances ritu-
ais. “...O tempo possui uma ordenação, que possibilita uma reescrita da história da própria
comunidade. ...Sua matéria central não é apenas um roteiro, mas um conjunto complexo de
regras e engajamentos8”.
7
Termo com o qual os habitantes da região denominam os eventos que fazem parte das tradições da comunidade.
8
PEARSON, Mike. Reflexões sobre a etnocenologia. In: Etnocenologia - textos selecionados. GREINER, Christine e BIÃO, Armindo (Orgs). 1999, p.157.
63
Célia Conceição Sacramento Gomes
9
GUINSBURG, J. FARIA, J. R.; LIMA, M. A. Dicionário do teatro brasileiro. 2006, p.139.
10
LE BRETON, David. Antropologia del cuerpo y modernidad . 1995 p. 25 (tradução minha).
11
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. 1989, p. 66.
64
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
65
Célia Conceição Sacramento Gomes
Ao final da consulta o adivinho faz as rezas e a limpeza de corpo com as folhas que a Mãe
Pequena colocou na mesa, neutralizando o feitiço ou qualquer outro malefício. O grupo
desfaz a roda e segue dançando e cantando pela rua.
A performance obedece a princípios aprendidos por meio da observação do gestual
de praticantes mais velhos da comunidade; reúne um repertório de movimentos repetidos e
re-criados que comporta a caricatura e a improvisação, de acordo com a circunstância e o
lugar. Segue padrões próprios de criação artística, colocando em cena a história da comuni-
dade, narrada à maneira de um espetáculo, embora os brincantes não possuam, de forma
clara, a consciência da natureza teatral de sua representação. A teatralidade refere-se à
alteridade, à preocupação de oferecer-se em espetáculo sendo afetado pelo olhar do outro.
Essas práticas multiculturais que abrangem no campo da Etnocenologia as artes do
espetáculo, os ritos espetaculares (festas, rituais religiosos, cerimônias) e outras formas de
interações sociais, são consideradas em seu contexto, história e condições apropriadas para
serem definidas como tal.
Analisando o assunto, Bião 15 refere que as categorias da teatralidade 16 e da
espetacularidade17 possibilitam o estudo de modos de apreensão da realidade, em que,
utilizando-se da linguagem simbólica constroem-se possibilidades de compreensão e in-
terpretação desses fenômenos.
Segundo Martins18 os ritos transmitem saberes, princípios e convenções que confor-
mam as performances com base nos fragmentos de memória instalados no corpo.
Os grupos culturais reinterpretam esses saberes, organizando suas performances ba-
seados no ritual e no lúdico; constroem metáforas estéticas, que representam as cenas e
dramaturgias que garantem as identificações comunitárias. Isto ocorre num espaço de fron-
teira entre o imaginário e o real, criando um contexto de afirmação, resistência e transfor-
mação social.
As manifestações culturais apresentam um enredo que é desenvolvido livremente; as
regras do jogo são ditadas pela tradição oral, que define o compromisso com a brincadeira,
fornece um sentido e a legitima. Assim, a cultura cria e re-significa a experiência humana.
15
BIÃO, Armindo. A metáfora teatral e a arte de viver em sociedade. In: Cadernos CRH 15. 1991, p.108.
16
Jogo cotidiano de papéis sociais, pertencentes ao domínio dos ritos de interação de ordem íntima e pessoal.
17
Colocação em cena extracotidiana de relações sociais que têm lugar nos espaços sociais e públicos.
18
MARTINS, Leda. Performance, exílio, fronteira. 2002, p.72.
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68
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
69
Cesar Huapaya
ele arrisca-se a tocar a vida. É nesse espaço habitado pelo teatro que as coisas encontram
suas figuras, e sob as figuras, o rumor da vida”2.
A vida como o teatro e a performance, precisa do espaço para concretizar a afirmação
do homem com seus habitus e pensamentos. O corpo é o veículo dessa concretização, que
vai do corpo vazio para o corpo pleno em presentações performativas, em civilizações e em
pensamentos. A encenação de uma peça de teatro ou de um filme não é somente uma
atividade artística3. Ela é um processo geral atendendo a todos os campos antropológicos
que constrói as operações sobre os corpos sociais e orgânicos da sociedade. O performativo
como a encenação, sãos os meios concretos dos grupos sociais se apropriarem para ex-
pressar os seus corpos no cotidiano e no social.
Os tecidos performativos de um grupo social podem ser divididos em camadas
performativas sociais, políticas, econômicas, artísticas, etc. Já os tecidos performativos do
performer em performatividade, performance libidinal, pulsão energética, bios, pré-
expressividade (Eugenio Barba)4, dispositivo pulsional (Lyotard) e pulsão orgânica (Grotowski).
Segundo Lyotard, o dispositivo pulsional é uma organização de captura de energia, um
bloqueio do intenso de acordo com as ligações intercambiadoras que transformam a ener-
gia em cores, palavras, sons, narrativas, arte, ciência etc. Esse dispositivo pode ser econômi-
co, lingüístico, pictural e teatral. O dispositivo econômico e político podem dissimular a
economia libidinal.
Para Lyotard5, todo objeto é energia que repousa provisoriamente conservada ou ins-
crita. O dispositivo ou figura é somente um operador, metamórfico. Ele mesmo é energia
estabilizada, conservada, que captura a energia em cores, formas, sons, narrativas, danças,
gestos, movimentos e imagens cinematográficas. A captura do dispositivo pulsional pode
ser feita do corpo do performer sobre toda camada performativa e orgânica do mundo. O
performer de forma individual ou coletiva, captura no dispositivo pulsional, agindo nos teci-
dos performativos que vai do social ao privado.
No caso do teatro, o corpo do ator performer será o portador de todas as idéias, criando
uma dramaturgia do ator performer, uma película performativa e um dispositivo próprio em
cena. No cinema, o cineasta através da película (filme) capta todo esse dispositivo em ima-
gens, planos e idéias. O indivíduo performer também cria uma partitura corporal como uma
dramaturgia, ao captar todo o mundo com sua corporeidade.
Nos tecidos performativos das práticas performativas brasileiras, algumas práticas trans-
formaram-se em artes performativas. Podemos citar o carnaval das escolas de samba que se
tornou um grande espetáculo organizado com a participação de cenógrafos, figurinistas,
2
Antonin Artaud, Texto publicado em Os Tarahumaras, L´Arbaléte, Marc Barbezat,1963, pp.196-208. Conferência pronunciada em 1936 na Universidade do México.
3
Jean-François Lyotard, Des Dispositif pulsionnels, Paris :Galilée,1994,pp.57- 69.
Os tecidos performativos e os dispositivos
4
Ver Eugenio Barba , “La course des contraires”, Lês vois de la création théâtrale, vol.9, 1981.Ver também Em português de Eugenio Barba & Nicola Savarese, A arte secreta do Ator-
Dicionário de antropologia teatral, São Paulo-Campinas, Editora Hucitec e Unicamp, 1995.
5
Jean.François Lyotard, « sur une figure de discours » , op .cit., p.115.
70
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
6
Ver Essais sur l’individualisme (Louis Dumont,1983), L’Ere du vide, essais sur l’individualisme contemporain (Gilles Lipovetsky, 1983), Le souci de soi (Michel Foucault, 1984), 68-
86, l´ère de l´individu (Luc Ferry et Alain Renaut, 1987), Les Sources du moi (Charles Taylor, 1989).
7
Patrice Pavis, Dictionnaire du théâtre, Dunod, 1996,p .247. Sobre essa questão ver Jean-Marie Pradier, “Performers e sociétés contemporaines”, Théâtre/Public, Janvier-Février,
n°157, 2001, pp. 47-62. Ver também a tese de doutorado de César Augusto Amaro Huapaya, L’utlisation des matrices rituelles Afro-amérindiennes dans le processus créatif
du Théâtre Expérimental Capixaba (Vitória, Espírito Santo, Brésil), Paris VIII, 2002.
71
Cesar Huapaya
8
Ibid.,p. 248.
9
Jean-Marie Pradier, “Performers e sociétés contemporaines”, Théâtre/Public, Janvier-Février, n°157, 2001, pp. 47-62
10
RoseLee Goldberg, La Performance du futurisme à nos jours, Paris, Thames & Hudson sarl, ( Titre original : Performance Art from Futurism to the Present, Thames & Hudson
Ltd, Londres, 1988.p. 37-38
11
Renato Cohen, Performance como linguagem, São Paulo, Perspectiva, p. 28.
12
RoseLee Goldberg, op,cit.,pp. 9-10.
13
Ludwig Wittgenstein, “Leçons sur l’Esthétique” Leçons et conversations, follio, Gallimard,1992[1951], p. 80.
72
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
14
Luiz Roberto Galizia,Os Processos Criativos de Robert Wilson, São Paulo,Perspectiva,1986,p.74.
15
Jean Bazin, “Questions de sens”, Le description, Enquete/Numéro six, Marseille, Parenthèses,1998,pp. 13-34.
73
Cesar Huapaya
onde o Estado, as leis e a escola não têm mais o seu papel regulador foram de fato marcantes
para a fragmentação do indivíduo cidadão e o surgimento do indivíduo performer. O
surgimento do performer indivíduo no mundo dito pós-moderno traz inúmeras questões,
como a função do artista performer, o papel do performer nas camadas dos tecidos
performativos e a construção do indivíduo performer que cria o seu mundo próprio, mesmo
vivendo em determinado estado ou país.
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74
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Este texto se baseia num trabalho de campo realizado nesses quatro últimos anos no
Litoral Norte na Bahia. Aprofundou-se ultimamente nas regiões próximas às cidades de
Diogo, Baxios e Cidade do Conde. Tenta problematizar o estatuto social dos brincantes de
cultura popular nesta região altamente transformada pela construção da autopista chama-
da Linha Verde e pela chegada do turismo. A versão mais divulgada é que as brincadeiras
desapareceram. Porém, quando o pesquisador vai se aprofundando no assunto descobre
pessoas muito envolvidas nas manifestações de dança, de música e de teatro popular.
O que chamamos aqui de brincadeira ou de manifestação de cultura popular inclui de
forma ampla as expressões espetaculares realizadas pelas populações dos diversos povoa-
dos. Com o termo “espetacular”, entende-se que qualquer evento onde se tem uma pessoa
atuando e a outra olhando, ou até mesmo olhando e participando, se tem a dita brincadeira
ou manifestação popular. Isto inclui o teatro, a dança, a música, certas formas abertas de
rituais religiosos tais como as procissões religiosas. O termo “popular”, tão controvertido,
significa, aqui, simplesmente que as manifestações estão sendo realizadas pelo povo do
lugar.
Os povoados onde estudamos estão repartidos de um lado ou outro da Linha Verde, ou
seja, do lado interiorano ou do lado do mar. De fato, a Linha Verde criou uma verdadeira
fronteira nesses locais que eram previamente homogêneos tanto em termos geográficos
como populacionais. Estar do lado do mar significa geralmente beneficiar-se do turismo e
da renda criada pelo mesmo. Estar do outro lado, do interior, quer geralmente dizer que o
indivíduo trabalha do “outro lado”. Criou-se recentemente uma relação de poder em certas
comunidades, por exemplo, entre os que fazem a mão de obra para o artesanato de palha,
do lado do interior, fazendo as tiras de palha trançadas, e os que finalizam e vendem o
artesanato, como acontece nas cidades de Areal (interior) e Santo Antônio (litoral).
Ora, notamos que geralmente as formas de expressões da cultura popular se fomen-
tam mais do lado oeste da estrada, no lado “interior” do que do lado leste, no litoral, pelo
menos até onde chegou o turismo de forma mais forte, ou seja, em 2007, até Costa do
Sauípe. Isso pode se explicar pela chegada do turismo que monopoliza a atenção dos mo-
radores. Trata-se de “aproveitar” das oportunidades, construindo casas para alugar, hotéis,
realizando artesanato para vendê-lo, etc. Mas quando o pesquisador vai trabalhando des-
cobre a presença das brincadeiras apesar das mutações devidas ao turismo, como se tem
na Praia do Forte ou na Cidade do Conde, seja na época de natal, de carnaval, de são joão ou
nas festas das padroeiras ou dos padroeiros das cidades (Pastoril, Reisado, Bloco de Carna-
val, Boi) . É importante especificar, porém, que geralmente os componentes, pelos menos
75
Christine Doux ami
os organizadores, são pessoas de certa idade... Além disso, nos complexos turísticos propri-
amente ditos, como Costa de Sauípe, não se tem nenhum tecido social que possa dar início
a tais brincadeiras.
Mas os trabalhadores dos hotéis que geralmente são das cidadezinhas do outro lado da
pista, participam ativamente das brincadeiras, quando acontecem nos seus lugares de
moradia. Existe um forte interesse por parte de muitos deles, eles consideram “engraçado”
o contraste entre a vida social deles nos hotéis “chiques” e a vida real participando das
brincadeiras. Assim um jovem que tinha um bom emprego no complexo turístico da Costa
de Sauípe ficou muito orgulhoso de nos dizer que ele era o sobrinho da senhora que orga-
nizava a brincadeira.
Outra distinção geográfica e de poder se formalizou ultimamente com a chegada da
autopista. Os povoados da Costa não são municípios e dependem, indo do sul para o norte,
das cidades de Camaçari, Mata de São João, Esplanada, e Cidade do Conde, sendo que só
esta última fica perto do mar. A distância entre os povoados do litoral e o município pode
fazer com que o cidadão tenha que viajar uma hora e meia, até duas horas até chegar ao
destino, como é o caso entre a cidade de Baxios e o seu município Esplanada. A lentidão das
comunicações de oeste até leste está ainda mais caracterizada pela velocidade das comu-
nicações de norte ao sul com a autopista. Os municípios interioranos se desenvolvem mui-
tas vezes graças ao boom turístico dos seus povoados como é o caso de Mata de São João
com a Praia do Forte, por exemplo.
Porque evocar essas relações? Por que os brincantes dependem do poder político
para realizar as suas brincadeiras e devem ir até o município para poder pedir um auxílio
financeiro para as prefeituras. As mesmas ficam distantes do assunto, pois o evento espeta-
cular acontece longe do seu circuito social de referência, onde a presença da brincadeira
tem um peso social real em relação ao tecido social. Mesmo assim, as prefeituras podem
pedir aos brincantes para se apresentarem no município, o que acontece às vezes. As pre-
feituras costumam mandar o boneco gigante “Judas” cheio de bombas, na “queima de Judas”
na época da Páscoa, mandam os trios de forró para animar as brincadeiras, mandam o ôni-
bus para buscar os participantes, raramente mandam dinheiro e, de fato o número das
brincadeiras vai decaindo.
Como são considerados os brincantes pelos políticos locais? São úteis, pois são repre-
sentantes do folclore para os turistas ou mesmo para o político frente à comunidade num
comício, e ao mesmo tempo são considerados como um peso inútil, porque pedem auxílio
financeiro. Os artistas ficam, financeiramente, na dependência do político, mas continuam,
mesmo passivamente, existindo. Daremos aqui alguns exemplos do tratamento feito aos
brincantes.
Pegamos o caso de Dona Lisette na Cidade do Conde para exemplificar o certo descaso
feito aos brincantes. Dona Lisette tem mais de 80 anos. Ela organiza “O Terno das Pastorinhas”
na época de natal e um bloco de carnaval. Ela não consegue apoio nenhum da prefeitura.
76
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Todo ano vai de casa em casa recolher um real ou cinqüenta centavos para conseguir com-
prar o tecido das roupas para o terno das pastorinhas. A filha da Dona Lisette trabalha na
prefeitura no setor cultural e mesmo assim não consegue apoio. Dona Lisette não saiu este
ano por falta de apoio da prefeitura1. A igreja católica tenta apoiar com o empréstimo de
uma sala de ensaio.
1
Temos que precisar que os brincantes não querem sair com a brincadeira quando uma pessoa muito próxima esta adoentada ou morreu recentemente. Como isso acontece
frequentemente devido a idade dos participantes, as brincadeiras, muitas vezes ficam bloqueadas.
77
Christine Doux ami
Estávamos presentes no dia dos Santos Reis, 6 de janeiro, na cidade de Esplanada para
uma apresentação do Reisado de Baxios, convidado para a festa da cidade. No mesmo mo-
mento iam se apresentar um Pastoril e um Auto de Natal. Os três eram revitalizados: o de
Baxios tinha um ano, empurrado com muita boa vontade por uma senhora que tem um hotel
em Baxios, depois de o prefeito ter pedido a ela. Os outros dois foram realizados este ano,
pela Associação da Terceira Idade de Esplanada com o apoio da Secretaria de Cultura do local.
O coral estava com roupa de Gospel norte americano o que deixa aparecer certas influências
nesta revitalização. Tanto o Pastoril como o Reisado, os dois grupos fizeram pesquisas com os
que participaram antes da brincadeira. Os dois estavam parados há vinte anos.
O que significa revitalizar as brincadeiras? De fato, neste dia, podíamos nos perguntar o
sentido destas apresentações. Tudo só pôde começar com a chegada do prefeito (José
Aldemir da Cruz) no local com duas horas de atraso, por volta das 22 horas. As senhoras de
70 e 80 anos do Pastoril e as moças de treze anos do Reisado de Baxios (distantes há mais
de duas horas das suas casas) tiveram que aguardar, mas tiveram direito a um pequeno pão
com queijo e um copo de guaraná.
A música dos bares não foi parada pela prefeitura quando as brincadeiras desfilaram na
praça antes de entrar no palco e não se ouvia o canto das meninas do reisado e das senho-
ras do pastoril. Também o alto-falante da prefeitura continuava gritando enquanto as meni-
nas cantavam. Podíamos ouvir o nome do prefeito a cada cinco minutos no alto-falante,
“administração de ...”. Depois, o estandarte do Reisado foi logo dado ao prefeito enquanto o
alto-falante gritava “Que bonito! São as raízes, são as raízes!” e pedia aplausos que não vi-
nham, pois o povo esperava o show de Arrocha que vinha em logo em seguida.
Prefeito de Esplanada, José Aldemir da Cruz, recebendo o estandarte no dia dos Reis, 6 de janeiro de
2007. Fotografia Chrisitne Douxami
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
A apresentação do reisado de Baxios foi feita muito rapidamente, um ato apenas, de-
pois da apresentação do nascimento de Jesus e do coral da terceira idade e do Pastoril. As
pastorinhas puderam se apresentar com mais calma, a presença da secretária de cultura no
grupo não deve ser por nada disso.
Ora, este ano, apesar de ter sido revitalizado o ano passado, o Reisado não iria sair em
Baxios. Só porque as pesquisadoras vieram é que quiseram se apresentar, mas, claro, na
última hora, o trio de forró não pôde chegar para a apresentação.
Meu questionamento continua por inteiro então, pois não estávamos num momento de
eleição e a boa vontade nesta revitalização parecia real.
Concluindo, diremos que a relação complexa do poder com as brincadeiras não é espe-
cífica a esta região da Linha Verde, e vem mesmo das relações de “Casa Grande e Senzala”,
mas a presença do turismo criou novas expectativas do poder em relação às brincadeiras,
que ficaram ainda difíceis de entender. Além disso, a chegada recente, com a vinda da
auto-pista, das Igrejas Pentecostais transformaram o estatuto dos brincantes dentro da
comunidade mais próxima, familiar ou de aldeia, e isolaram os mesmos que são criticados
duramente como “gente do mundo”. As pessoas ficam isoladas e acabam se convertendo ao
Pentecostalismo e chegam até a quebrar os seus instrumentos.
Finalizando podemos afirmar que se as brincadeiras estão menos presentes nesta re-
gião, e não é apenas, como sempre se disse, porque os jovens se desinteressam, mas por-
que as modificações dos esquemas de poder contribuem para desmoralizar os participan-
tes das brincadeiras.
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
“Os pés ligeiros fazem parte do próprio conceito ‘deus’(...) eu só acreditaria em um deus que
soubesse dançar (...)”. Nietzsche
Este trabalho visa proporcionar uma visão polissêmica da obra cinematográfica “O Pa-
gador de Promessas”, clássico de Dias Gomes, adaptado por Anselmo Duarte com grande
êxito; traduzido em mais de 12 idiomas no mundo todo. Apresentada até os dias de hoje,
com grande sucesso, em teatro, teatro de rua, ópera e minisséries televisivas. Trata-se de
um clássico brasileiro, atualizado e revitalizado muitas vezes. Mas que aporta elementos
relevantes ao estudo que aqui se propõe, polissêmico por natureza por abarcar vários ân-
gulos de visão, pela tentativa de chegar ao significado estético e social da abrangência que
alcançou a obra.
Como obra cinematográfica, tem a primazia de ser a primeira e até o momento, a única,
a receber a “Palma de Ouro” no Festival Internacional de Cannes (em 1962), o que já a quali-
fica como uma referência em termos de estudo do cinema brasileiro. Tem também o mérito
de ser um filme que fala do Brasil, do povo brasileiro do sertão; seguindo a trilha de Euclides
da Cunha. E, sobretudo mostra as crenças brasileiras e elementos riquíssimos da cultura
popular, como o culto aos Orixás, ou Candomblé (a história é centrada em uma promessa
feita a Oyá / Iansã - sincretizada com Santa Bárbara), a Capoeira, o Samba de Roda e o Carna-
val de Rua.
As análises que se pretende fazer são por três vias: a Etnocenologia, os Motivos e Estraté-
gias e a Desconstrução; pois supõe um olhar atualizado e panorâmico não apenas da obra,
mas também do fenômeno em si e do que desencadeou.
A teoria dos Motivos e Estratégias foi criada por Ángel Berenguer Castellary, professor e
catedrático da Universidade de Alcalá de Henares (Espanha) e coordenador GIAE – Grupo
de Investigação Sobre Teatro Espanhol Contemporâneo da Universidade de Alcalá de
Henares. Sua teoria consiste em identificar do “Eu” (Individual ou Trans-individual) criador
do artista e, igualmente, dos atores sociais, examinando suas motivações, ou Motivos, ante o
processo de tensão e conflito que vivenciam através do choque com um entorno opressivo,
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Elizabeth Firmino Pereira
de uma sociedade fechada, de acordo com os conceitos de sociedade aberta e sociedade fe-
chada, de Popper (1967) – ao qual tenho algumas críticas, pois no Brasil a sociedade tradicio-
nal se desenvolveu de modo distinto e se mostra mais aberta e dinâmica que a sociedade
moderna, que gera muito mais exclusões. O estado de tensão e de conflito em relação do “Eu”
ao “Entorno”, desencadeia a elaboração interna do conflito e a elaboração externa da resposta,
através de uma Estratégia que pode ser mensurada pelo processo de mediação, que ocorre
por três vias: mediação histórica, mediação psicossocial e mediação estética.
A metodologia por mim utilizada na análise etnocenológica é derivada da experiência
no campo estudado, no caso os rituais de candomblé, iniciando minhas pesquisas em casas
de Candomblé em 1988, em Campinas, São Paulo; onde fui iniciada em 1990 e dei prosse-
guimento, realizando posteriores obrigações, inclusive tornando-me Egbomi em 1997. En-
tre 1998 e 2005 participei de uma casa de tradição yorubá, originária de Abeokutá, Nigéria,
situada em São Paulo, a quem devo a iniciação ao culto de Ifá, através do Babalauô Fabunmi
Sowunmi, falecido em 2003, porém um dos precurssores da re-introdução do culto de Ifá
no Brasil. Também tive contato Umbanda, na infância, por influência de minha mãe; guardo
da experiência vivas recordações, sobretudo das cantigas; depois reavivadas pelos traba-
lhos de campo que realizei junto a casas de culto a Orixás e Umbanda, em pesquisa que foi
desenvolvida em 2003, com bolsa de Iniciação Científica concedida pela FAPESP. Além da
memória e da vivência pessoal, me apoio na bibliografia e nas teorias existentes sobre
Candomblé, Orixás e Etnocenologia.
Este envolvimento com o campo pesquisado, de uma perspectiva desde dentro, me
serve de base para a investigação que estou desenvolvendo atualmente, em meus estudos
de doutoramento na Unversidade de Alcalá, em Madri, e terá outros desdobramentos no
decorrer do processo.
SOBRE A OBRA
O filme é fiel ao clássico teatral, são mantidos os mesmos diálogos e a história, adapta-
dos por Dias Gomes, cuja sinopse é a seguinte:
Zé do Burro e sua mulher Rosa vivem em uma pequena propriedade, a 42 km de Salva-
dor. Um dia, o burro de Zé foi atingido por um raio e ele termina por ir a uma casa de
Candomblé, onde faz uma promessa a Santa Bárbara, sincretizada com Iansã, para sal-
var seu animal.
Com a recuperação do animal, Zé vai cumprir a promessa, doa metade de seu sítio a
agricultores pobres e começa a caminhada até Salvador, carregando nas costas uma
imensa cruz de madeira.
Porém a via crucis de Zé se torna ainda mais angustiosa ao ver sua mulher Rosa se ligar ao
cafetão Bonitão e ao se deparar com a resistência do padre Olavo, ao lhe negar o acesso à
igreja, pela razão de Zé haver feito a promessa em um Candomblé e, portanto, a Iansã.
Os personagens principais e seus respectivos atores no cinema são:
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
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Elizabeth Firmino Pereira
A POÉTICA DO SILÊNCIO
A meu ver, uma das cenas mais marcantes do filme, é a seqüência de primeiros planos,
depois de um amplo e largo silêncio que se segue à morte de Zé do Burro. Os dois tipos de
silêncio, tal como descreveu Patrice Pavis1, o silêncio verbal (tácito) e o silêncio de movi-
mentos (silène), como uma suspensão também do tempo, pela ausência completa de qual-
quer deslocamento pelo espaço. A esse silêncio, que também é utilizado em outros mo-
mentos, se segue à seqüência de primeiros planos mostrando os presentes, todos eles
personagens populares, coadjuvantes também na vida - negros, pobres, sem voz na socie-
dade. Todavia, mostra a comunicação do silêncio, do gesto mínimo, do olhar, a pronta
mobilização dos sentidos e da ação. A meu ver, a seqüência é genial.
O CONTEXTO
De certo modo, o filme, laureado com a “Palma de Ouro” em Cannes (1962) e indicado ao
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (1963) é uma continuidade do olhar ao interior do Brasil
e ao sertão, iniciado por Euclides da Cunha em 1903 e nesse sentido, apesar das divergên-
cias, poderia afirmar que Glauber Rocha e O Pagador de Promessas dialogam entre si, mais
precisamente em dois momentos da obra de Glauber: Barravento (1960) e Deus e o Diabo
na Terra do Sol (1964); essa correspondência se estende também ao Movimento Tropicalista,
de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, entre outros. De certo modo, trata-se mais
de um fenômeno de contemporaneidade ou Transindividualidade, de acordo com os
1
Nota de Seminario proferido por Pavis no Ateneu de Madri, 16/03/2007, dentro do Programa de Doutorado em Teatro da Universidad de Alcalá de Henares entre 14 e 16/
03/2007.
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
A ETNOCENOLOGIA
Dias Gomes utiliza os elementos mais vivos da cultura afro-brasileira: Candomblé e Orixás,
Capoeira, Samba de Roda e Carnaval de Rua, ambientados em Salvador, sua cidade natal. Está
claro o conhecimento do autor do contexto, pelas descrições que traça e pelo próprio enre-
do secundário da história, os triângulos amorosos, frequentes nos mitos de Iansã, na disputa
entre Ogum e Xangô, por Oyá ou, na disputa entre Oyá e Oxum pelo amor de Xangô.
Há outro mito de Iansã que pode ser identificado no enredo, de modo mais sutil, associa-
do à elevação de Xangô à condição de Orixá, como é descrito na cantiga “Oba Kosó”, cantada
tanto no Brasil como em terras yorubás, descrito por Verger (1993) e encenado como ópera
por Ladipo (1972). Nele, Xangô é um rei vencido por seus inimigos que se enforca, paradoxal-
mente, o momento da morte de Xangô é uma exaltação à vida, pois a cantiga diz “O Rei não se
enforcou...”. Oyá é a única de suas mulheres a acompanhá-lo neste momento, semelhantemente,
Rosa acompanha o marido morto na entrada final à igreja. O que o mito é também uma das
explicações para o poder que Iansã detém sobre reino dos mortos em sua qualidade de Oyá
Igbalé, vinculada diretamente aos ancestrais, ou Baba Egun.
A força da devoção a Iansã é explícita na obra, pois o personagem Zé do Burro jamais
abjura. Assim como os antigos escravos que foram conduzidos ao Brasil, do porto de Ayudá a
Bahia e que foram, segundo Barbieri (1998), forçados a dar voltas em torno da Árvore do
Esquecimento para abandonar o passado, jamais abjuraram sua memória e sua
ancestralidade.
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Elizabeth Firmino Pereira
CAPOEIRA
No filme e na peça a presença dos Capoeiras é determinante, do início ao fim. O som do
berimbau aparece já nas primeiras cenas, como música de fundo, reproduzindo um toque
de Iansã e como elemento de tensão nos momentos cruciais. Também carrega a re-
presentação simbólica de uma organização, de um grupo mobilizado de pessoas. E assim é,
desde o início, pois a história da Capoeira se mescla com a história do Quilombo dos Palmares.
Sobreviveu à proibição, que durou até a década de 30, hoje é ensinada em todo o mundo
como um esporte genuinamente brasileiro.
O Samba de Roda e, sobretudo o Carnaval de Rua apresentados, também servem ao
caráter documental, por registrar o gênesis do que hoje se apresenta.
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Por outro lado, traduz uma sofisticada elaboração estética da violência, assim como na
Capoeira, que pode converter-se em um combate mortal, sem jamais perder a elegância.
A DESCONSTRUÇÃO
Os conceitos de Desconstrução são tomados de Jacques Derrida, tal como foi apre-
sentado por Patrice Pavis2. Considero importante uma análise neste campo, porque a obra
O Pagador de Promessas já tem em seu cerne a idéia da Desconstrução, porque a cultura
brasileira foi formada pela desconstrução de suas matrizes, porque o retorno a essas fontes
geradoras passa pela desconstrução do que se formou depois ou de si própria, como que
para ver do que está feita. De Pavis, considero importante a pergunta lançada: “Como pre-
servamos e como desconstruímos o que herdamos?”3 Penso que este questionamento aporta
muitos significados, pois ao processo de desconstrução, segue um processo de re-elabora-
ção ou de reconstrução. Porque importa a estrutura, a memória, o conjunto, assim a frag-
mentação e a desconstrução, o “saber do que é feito?”, a tentativa de tocar “o intocável”, de
ver “o invisível”, têm seu sentido e seu encanto no processo de transformação e de criação.
Sobretudo por alargar a visão, por atentar a outros significados.
É importante pensar a Desconstrução como elemento formador da cultura brasileira e
inerente a ela, sobretudo no sentido em que é colocado por Pavis, como parte do processo
de Reconstrução, portanto pertencente ao processo de descoberta e de criação. Formada
por fragmentos, em constante processo de re-elaboração, a cultura brasileira se re-inventa
desde sempre, seguindo a linha do Movimento Antropofágico propagado por Oswald de
Andrade na Semana de Arte Moderna de 1922.
Se a antropofagia é a “incorporação do outro”, vivemos um processo contínuo de antro-
pofagia simbólica e sexual. Porque a antropofagia está vinculada ao ato de comer, verbo
que em português tem uma conotação sexual, paradoxalmente do homem para a mulher; o
que denota a situação de poder, de fetiche e de erotismo em que se desenvolveu o proces-
so de miscigenação forçado. Porém, denota a dinâmica cultural ativa no processo de re-
construção de sentido, na recriação de si mesma.
O artista Carlinhos Brown, no Encontro “Por uma Cidade Educadora”, realizado em São
Paulo (2004), disse: “O povo miscigenado é um povo de muitas almas”4. O que descreve bem
a profusão de vozes que ouvimos e que carregamos dentro de nós.
O processo de desconstrução se iniciou quando o primeiro europeu pisou aqui, pois a
visão de mundo nunca mais foi a mesma. Esse processo irreversível foi muito mais intenso
aqui, sobretudo pelo processo de miscigenação e a incorporação da outra cultura. Somos
2
Ver nota anterior.
3 Ver nota nº 1.
4
O encontro, ao qual estive presente, foi realizado no Anhembi, em São Paulo (2004); a referência é nota tomada por mim da palestra proferida pelo artista e coordenador
do Projeto Pracatum, que une educação musical e inserção social, dirigido a jovens do bairro Candeal, em Salvador de Bahia, Brasil.
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Elizabeth Firmino Pereira
CONCLUSÃO
A oralidade e o mito são formas de assimilação dos fatos da história e da cultura,
através da via simbólica e do ritual. Trata-se de um processo dinâmico, não estático como
descreve Popper (1967), pois a sociedade do mito pode ser sociedade fechada, em con-
traste com a sociedade ocidental e racional, que classifica como aberta, se o mito pertence
ao conjunto dos elementos vivos da sociedade e é reinventado, acrescido e reinterpretado
constantemente, como descrevem Abimbola (1975) e Salami (1998).
O mito mobiliza os sentidos, a imaginação e a memória e a sociedade racional, por si só.
Todavia não é garantia de abertura nem de liberdade, pois somos constantemente manipu-
lados por “deuses” que mudaram de nome e de lugar, somos presas de uma sociedade de
consumo e de leis de mercado, como bem observa Marcuse (1984). Outros totens, para
outros tempos.
Referências
ABIMBOLA, Wande. Ifa. Sixteen great poems of Ifa. UNESCO, 1975.
ANDRADE, Oswald de. Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias./ Introd. de Benedito
Nunes.
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Elizabeth Firmino Pereira
FILMOGRAFIA:
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V Colóquio Internacional de Etnotecnologia
Na minha tese de mestrado trato de um ritual que se chama “Combate dos Bastões” e
que se realiza no contexto do carnaval de Trinidad.
Esse ritual é muito parecido com o ritual de capoeira ou maculelê. No etanto, ao contrá-
rio da capoeira, que é pura simulação, o combate dos bastões é uma luta totalmente verda-
deira. Esse ritual mescla o som dos tambores, o canto e a luta propriamente dita. A música
é o elemento mais importante no desenvolvemento desse ritual. Os cantos se chamam
“calindas”.
As calindas associadas às lutas são expressões artísticas e populares, transmitidas des-
de o início do século XIX. Atualmente o combate dos bastões ocupa um lugar importante
no carnaval de Trinidad.
Na minha dissertação de mestrado me concentrei sobre os aspectos musicais do com-
bate, ou seja, as calindas. Minha conclusão é que os combates dos bastões se aparentam a
um ritual segundo o qual a música é sinal de existência do coletivo. Esse ritual cria uma
dinâmica entre perenidade e desparecimento: o indivíduo morre, mas o grupo se perpe-
tua através o combate.
Na minha atual pesquisa de tese de doutorado, eu tento fazer uma abordagem
pluridisciplinar desse mesmo ritual: antropologia, sociologia, etnomusicologia e
etnocenologia. Essa metodologia multidisciplinar permite apreender o complexo fenôme-
no que é o combate dos bastões, um ritual social cujas principais funções são: a resistência
da cultura negra, a integracão entre as pessoas dos bairros, um espaço de mestiçagem
entre a cultura indiana (devido à imigração mais recente) e africana (de imigração anterior),
uma catarsis da violência social.
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Gilberto Icle
*UFRGS
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Gilberto Icle
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Teatral é a teoria, por excelência, da pré-expressividade, essa última, por sua vez, circuns-
crevendo um campo novo de investigação e abrindo um sem número de problemas a se-
rem explorados, tal qual tem sido feito em diversos espaços, nos últimos anos.
Uma das questões que os estudos de Barba, e seus colaboradores – por intermédio da
ISTA – International School of Theatre Antropology – apresenta é justamente a condição de
imanência da pré-expressividade. Assim sendo, para se pensar a pré-expressividade como
condição ou, melhor ainda, pré-condição do trabalho do ator, algumas problematizações
são necessárias. Os problemas que gostaria de levantar no momento dizem respeito a duas
ordens distintas: a primeira de natureza antropológica, na qual se questiona a universalida-
de da proposição e, a segunda, de caráter epistemológico, que aborda possíveis laivos de
inatismo.
A pretensão universalista de Barba representa um ponto atenuado na demonstração
de seu pensamento, re-discutido em La canoa di carta (1993). Dizer que existiria um nível
universal no trabalho do ator, significaria reconhecer uma unidade – lingüística, discursiva,
prática – que seria capaz de englobar e dar um sentido único à palavra teatro. Barba não se
arrisca de forma tão ingênua.
Quando Barba define a pré-expressividade como condição de possibilidade do traba-
lho do ator, de que ator ele estaria falando? Essa parece ser uma questão basilar para se
problematizar o sentido universalista da pré-expressividade. Suporíamos que ele fala de
todos os atores ou uma parte deles? Ao procurar uma condição universal, Barba estaria
imerso numa posição etnocêntrica, na qual a verdade teatral estaria do seu ponto de vista,
na dimensão pré-expressiva. Esse olhar centrado, reduzido, trataria as diferentes formas
espetaculares como o teatro, como um fenômeno generalizado. Entretanto, chamar teatro
determinadas manifestações e práticas culturais individuais e/ou coletivas é alocar no dis-
curso hegemônico euro-americano e somente por efeito de uma operação artificial, o rico e
infinito modus operandis de dar-se a ver, de chamar a atenção, de se fazer humano por
intermédio da ação espetacular. Isso – essa posição de quem fala sobre – plasmaria outras
formas espetaculares, circunscrevendo-as nos limites daquilo que uma determinada cultu-
ra – a qual pertence o autor – convencionou chamar de teatro.
A saída para tal armadilha pode ser pensada com a Etnocenologia de Pradier (2002) e,
do mesmo modo, no próprio plano imanente, o qual a teoria de Barba supõe.
Os modelos caóticos propostos por Pradier (2002), para compreender os comporta-
mentos humanos espetaculares, borram as fronteiras entre o biológico e o cultural. A idéia
de comportamento, para ele, não se reduz a um padrão de respostas de ação a partir de um
estímulo (como ao gosto de Skinner), e tampouco a biologia se reduz ao funcionamento da
substância viva. Ao contrário, comportamento e biologia se emaranham de tal sorte que as
fronteiras entre o que é inato e o que é adquirido se tornam cada vez mais obnubiladas
pela visão não linear de sua investigação.
Assim, se o olhar de quem pensa tais práticas do ator é uma posição sempre compro-
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Gilberto Icle
metida com sua própria cultura é, com efeito, uma condição de qualquer teorização, pois
toda manifestação carrega em si o prefixo etno, uma vez que sempre estará impregnada,
advinda e constituída de e numa determinada cultura. Fala-se sempre de um lugar preciso,
logo, nos manifestamos dentro de uma cultura, ainda quando falamos do outro.
Os laivos dessa dificuldade de se afastar de si mesmo já impregnam o próprio conceito
de pré-expressivo. O prefixo pré possui tão somente um caráter lógico e não cronológico,
dessa forma, não há uma anterioridade à expressão. É nela que os indícios, os sinais, as
inferências do pré-expressivo se assinalam. É no plano da expressão que vivemos – nós os
atores – nossas vidas espetaculares. Trata-se da dimensão na qual nos reconhecemos como
herdeiros de uma tradição, como possuidores de uma técnica, como artesãos de nós mes-
mos, mas representantes autorizados de nossa comunidade – ainda que ela não seja ape-
nas o nosso entorno.
Essa posição é, então, dada a partir do ponto de vista – profundamente cultural – do
espectador. São os efeitos de atenção, a eficiência da presença do ator que Barba normatiza
como o princípio dos princípios. Ele pré-supõe que todo teatro estaria preocupado, inte-
ressado e se apoiaria na premissa de chamar a atenção do espectador, antes mesmo de
querer significar. Há, portanto, um sentido quase biológico e, senão biológico, limiar entre o
biológico e o cultural. É nessa função de espectador que Barba, ainda nos primórdios da
Antropologia Teatral, reconhece os princípios recorrentes e deles extrai, abstrai considera-
ções. No entanto, nas palavras de De Marinis,
Afirmar que todo teatro [...] tem a ver com a atenção do espectador significa que todo
teatro, indubitavelmente, tem que ver com o mesmo problema, mas não exatamente
com a mesma coisa e, muito menos, com as mesmas soluções. (1997, p.104).
Um possível universalismo da Antropologia Teatral se desfaz, dessa forma, na medida
em que o olhar que Barba lança sobre os fenômenos estudados, ainda que de seu próprio
ponto de vista cultural, faz reconhecer que para essa cultura, da qual ele afirma chamar a
atenção do espectador pareça ser uma verdade profundamente legitimada culturalmente.
Trata-se, também, de uma operação linguística que faz unir o que reconhecemos como
teatro com um modo específico de se dar a ver, de se comportar de forma espetacular e,
sobretudo, de ter êxito em chamar a atenção do outro nessa tarefa. É desse ator que Barba
fala e somente dele. Do ator que apoiado em um comportamento espetacular, cultural-
mente constituído e intencional, é eficiente em chamar a atenção do espectador além do
que narra, conta, expressa e significa. Além, mas não independentemente.
Se Barba não está falando de qualquer ator, de um modelo universal, resta ainda pen-
sarmos: seria a pré-expressividade uma condição inata do ser humano? Haveria um a priori
definitivo nessa dimensão pré-expressiva? Barba suporia um antes como condição suficien-
te e necessária para as artes de dar-se a ver?
A questão é complexa e sugiro aqui uma primeira aproximação. Dificilmente podería-
mos sustentar – depois de tudo o que, no século XX, foi desenvolvido nessa área – um
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*UFSM/UNICAMP
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Gisela Reis Biancalana
põe o verso de despedida e é seguido pelo cantador vitorioso, responsável pelo fechamen-
to da trova.
No que se referem às origens da Trova, alguns pesquisadores apontam para uma remi-
niscência galaico-portuguesa denominada leixa-pren que significa larga-retoma (MARQUES,
1998, p.57) devido à deixa da trova que subordina uma estrofe a outra. Alguns afirmam que
o marco inicial da trova é a prática do repente nos antigos galpões das estâncias após as
lides campeiras. O repente é uma criação de versos, na grande parte das vezes, cantados
individualmente pelo seu criador em improviso.
De acordo com Lamberty (1996, p.75), as origens do peão gaudério campeiro, e boa
parte do desenvolvimento de suas práticas e costumes acontece nos galpões das grandes
estâncias, distantes dos focos urbanos. Os galpões eram ambientes rústicos de chão bati-
do, e cobertos por santa-fé. Quando se recolhiam, os peões faziam seu fogo de chão, colo-
cavam a carne no espeto para o churrasco, cevavam um mate para o chimarrão e sentavam-
se em roda para prosear. É desta convivência nos galpões, distante dos familiares, que favo-
receu o clima fértil para os temas de saudade; das valentias do gaúcho sobre cavalos; dos
“causos”; da viola e da gaita. Este foi um ambiente perfeito para o surgimento das Trovas
também chamadas galponeiras. As carreteadas e tropeadas eram lugares próprios para a
prática da trova entre peões de diferentes estâncias. As Trovas, então, já corriam de galpão
em galpão e, no anonimato, tornaram-se patrimônio da Cultura Popular Gaúcha e são, atual-
mente, de domínio público.
O conceito de Cultura adotado remete-se à abordagem antropológica contemporânea
que considera os aspectos das relações sociais; como relações de produção, exploração,
dominação, entre outras; que determinados grupos; sejam eles delimitados por etnia, reli-
gião ou nação; mantém entre si e com outros grupos, porém, considerando os “caracteres
distintivos que apresentam os comportamentos individuais, dos membros deste grupo, bem
como suas produções originais (artesanais, artísticas, religiosas,...)” (LAPLANTINI, 1996, p.120).
Para desenvolver brevemente o conceito de Cultura Popular buscou-se discorrer, a prin-
cípio, sobre o adjetivo popular.
Popular é uma palavra de origem latina que se remete às coisas do povo, e também às
coisas que agradam e tem a simpatia do povo como o governo popular, por exemplo. Há os
que usam o termo de modo pejorativo para designar coisas vulgares, como uma marca de
sapatos popular, por exemplo, e também para referir-se a pessoas de fama carismática. De
acordo com Zumthor (1997, p.23), a palavra remete-se à qualidade, é um ponto de vista,
não é um conceito.
Cultura Popular, então, pode significar muita coisa como, por exemplo, o modo de trans-
missão de conhecimentos do povo, a permanência de características tradicionais que ve-
nham refletir uma etnia, aos depositários de certas tradições, entre outras. Inevitavelmente
o termo comporta uma tensão com o erudito. Neste contexto bipolar a cultura erudita
possui uma hegemonia sobre a cultura popular. Zumthor (1997) propõe graus de populari-
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
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Gisela Reis Biancalana
Para Barboza (1996, p.11), escritora tradicionalista, o Folclore é sim uma ciência que
estuda manifestações espontâneas da Cultura Popular e fato folclórico seria, para ela, a
“parcela do conhecimento humano que se transmite no tempo e no espaço de geração a
geração (...) sem ensino formal”, considerando-o como elemento dinâmico da Cultura Popu-
lar em constante transformação. Segundo a autora, o fato folclórico tem algumas caracterís-
ticas intrínsecas que são a aceitação coletiva, a funcionalidade, a espontaneidade, a
intemporalidade e a tradicionalidade e, ainda, duas características que não são considera-
das necessariamente essenciais como a oralidade e o anonimato. Desta forma ela coloca
uma classificação temporal para o fato folclórico: nascente, quando a aceitação popular é
inferior a vinte e cinco anos, a exemplo do pular elástico; vigente, quando resiste no tempo
e é dinâmico, a exemplo da trova; e histórico, quando perdeu sua função, mas é cultuado
apenas para lembrar o passado, é estático, a exemplo das danças tradicionalistas.
Semelhante aos conceitos de folclore acima colocados por Barboza, Zumthor (1997, p.23)
coloca que há uma tendência contemporânea que confere uma ampla acepção ao termo
trazendo a idéia de folclore-em-situação, libertando o termo de sua ligação com a idéia de
produção cristalizada que atravessou um processo de folclorização - “movimento histórico
através do qual uma estrutura social ou uma forma de discurso perde progressivamente
sua função”- que, por sua vez, cairia na classificação de folclore histórico de Barboza.
Quanto aos conceitos de Tradição e Tradicionalismo buscou-se remeter, em especial, ao
universo pesquisado e suas definições conceituais. O Movimento Tradicionalista Gaúcho
(MTG) é uma entidade sem fins lucrativos e que possui sua própria jurisdição. É um movi-
mento cívico, cultural e associativo que orienta as atividades de seus filiados os Centros de
Tradição Gaúcha (CTGs). Estas atividades compreendem os piquetes de laçadores, os gru-
pos de arte nativa. O MTG responsabiliza-se pela preservação da cultura gaúcha e da filoso-
fia do movimento.
As práticas gauchescas são realizadas em sua maior parte nos CTGs. Estas agremiações
promovem anualmente um evento chamado ENART (Encontro de Arte e Tradição Gaúcha).
Ao longo do ano são realizadas diversas etapas regionais e no mês de novembro acontece
o encerramento na cidade de Santa Cruz do Sul. Após esta breve explicação, buscou-se
realizar a abordagem dos conceitos acima mencionados orientadas a partir dos pressupos-
tos do MTG.
A bibliografia gaúcha não se cansa de reforçar sua diferenciação destes conceitos. Para
tanto, os autores colocam a origem latina da palavra traditio que significa entregar, transmi-
tir ou ensinar, portanto é o culto de valores, hábitos, enfim, modos de vida que os antepas-
sados legaram as gerações atuais, é o ato de passar fatos culturais através dos tempos.
Desta forma, tradicional é tudo aquilo que foi conservado pela tradição por gerações. Se-
gundo Barboza (1996) o tradicional resiste vivo no tempo e no espaço e tem aceitação
coletiva por mais de 25 anos.
102
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
103
Gisela Reis Biancalana
Bibliografia
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ZUMTHOR, Paul. Introdução a Poesia Oral Trad. Jerusa Pires Ferreira Ed. Hucitec, SP, 1997.
104
V Colóquio Internacional de Etnotecnologia
Às 20h dos dias 14 e 15 de maio de 2004, a Salle des Concerts da Cité de la Musique de
Paris abriu suas portas para quatro confrarias sufis2 do mundo muçulmano – Murid (do
Senegal), Yesevi (do Alto Egito), Kadiri (do Afeganistão) e Chisti-Qawwâli (do Paquistão) –
apresentarem, uma após a outra, seus concertos espirituais. A audição (al-sama) da Nuit
Soufie (nome dado ao concerto) terminou, nas duas noites, de madrugada.
Através das declamações e cantos poéticos dos Murids do Senegal, dirigidos por Sérigne
Abdourahmane Fall Siby, das recitações corânicas proferidas em elaboradas técnicas vo-
cais, pelo Sheikh Ahmad Al-Tûni (do Egito), da roda de zikr (repetição dos nomes de Deus),
comandada por Mir Fakr al-Din Agha (do Afeganistão) e do canto alegre e contagiante dos
Qawwâli (do Paquistão), sob a batuta de Asif Ali Khan, discípulo direto do lendário músico
paquistanês Nusrat Fateh Ali Khan, os rituais sufis rivalizaram com os “transes” technos e
profanos da cultura rave3 atual. Não se pode, todavia, afirmar que os “transes vertiginosos”
produzidos nas pistas rave de dança sejam os mesmos “transes” ou “êxtases” esotéricos4
experimentados pelos participantes (“musicantes” e “musicados”) 5 dos e nos concertos ou
audições (al-sama) públicos, sufis. Embora constatemos que, em ambas as audições, rave
(que significa “dançar em transe”) e Sama (que também pode ser traduzido por “dançar em
1
Primeira e última estrofes do poema Namî dânam cheh manzil bûd shab jâe keh man bûdam – “eu ignoro em que estado e em qual lugar
maravilhoso eu me encontrava na noite passada” – do grande poeta sufi da literatura hindu-persa, Amir Khusrau (?-1325). Nela, o poeta é transportado
para uma cerimônia ideal de sufis extáticos, presidida pelo próprio Deus, em pessoa, e que exalta a presença do Profeta Muhammad (cf. QURESHI,
Regula Burckhardt. Localizer l’Islam: La Samâ’ à la Cour Royale des Saints Chisti. Musiques rituelles, Cahiers de Musiques Traditionelles, n. 5.
Genève: Ateliers d’Ethnomusicologie, 1992, p.130).
2
A variedade de ordens (tariqat[s]) e sub-ordens ou confrarias sufis, existentes no mundo muçulmano, forma um vasto sistema de ramificações de
extrema complexidade. É, porém, no contexto da zawiya (forma árabe) ou tekke (forma turca) ou dergah (forma persa) – o lugar físico onde os
dervixes ou sufis se reúnem para praticar seus rituais – que elas são mantidas. O ensinamento da escola é passado através de uma longa corrente
de transmissão oral, denominada silsila, que remonta ao fundador (Sheikh ou Pir) da Ordem.
3
Rave: “Reunião pontual, organizada tarde da noite, onde se consome a música gravada [e também drogas, como o ‘ecstasy’]. Dar uma definição
musical é mais difícil. Na linhagem das sonoridades e do espírito acid house, a música mais comumente passada é a techno [até 170 bpms: batidas
por minuto] rápida e o hardcore, ao ritmo de 125 a 140 pulsações por minuto” (cf.: GORE, G. The beat goes on: danse et tribalisme dans la culture
rave. Dança nômade, Nouvelles de Danse, n. 34, 35. Bruxelles: Contredanse, 1998, p.86). A cultura rave, diz Gore (1998, p.88), pode ser considerada
“um microcosmo da metrópole contemporânea, que os próprios ravers qualificam de metáfora da pós-modernidade, este ‘estado’ que glorifica
a fragmentação, a desconstrução, a dispersão, a descontinuidade, a ruptura, a ausência de subjetividade, a fugacidade, a superficialidade, a falta de
profundidade, a falta de sentido, a hiper-realidade”.
4
Segundo o antropólogo José Jorge de Carvalho, o “esoterismo” pode ser definido como “a busca do sentido arcano, transcendente e da experiência
iniciática, individual e plena, na era do mundo exaurido dos mistérios doutrinais e da caução sagrada [...]; isto é, no caso do esoterismo moderno,
na era do descrédito e da crítica à religião oficial e da ascensão definitiva da ciência como fonte primordial de saber e gnose” (cf. CARVALHO, J.J.
Antropologia e Esoterismo: dois contradiscursos da modernidade. Horizontes Científicos, n. 8. Porto Alegre: junho de 1998).
5
Categorias usadas por Gilbert Rouget para designar, do ponto de vista da pessoa que está em “transe”, respectivamente, o “emissor” e o “receptor”
da música (ver ROUGET, G. La Musique et la Transe – Esquisse d’une théorie générale des relations de la musique et de la possession. Paris,
p.Gallimard, 1990, p. 497).
105
Giselle Guilhon Antunes Camargo
êxtase”), a ênfase no tempo presente ou mítico6 (“a vida é um fluxo”, “tudo passa”), a experi-
ência do “aqui e agora”, o esvaziamento do self, a não-identificação (que, no contexto sufi,
pode ser traduzida por desapego: das coisas, das pessoas, do mundo) 7 e a sensação de
desterritorialização (para os sufis: Unidade8; para os ravers, tribalismo9) sejam, real ou
idealmente, vivenciados pelos adeptos10, o caminho que cada uma dessas coletividades faz
para chegar “lá”, assim como os meios utilizados como “gatilhos” ou “mecanismos de disparo”,
do “transe” e do “êxtase”, somados à intenção que norteia o percurso dos dois eventos – um,
o rave, buscando o prazer (sobretudo físico) sem limites; outro, o Sama, a realização espiri-
tual – são completamente distintos:
O Sufismo (Tasawwuf) abre o coração (qalb) para a percepção mística, convertendo o
prazer da sensualidade em deleite espiritual, estabelecendo uma harmonia entre os
dois. Não se trata de um conceito ou de um pensamento, mas de uma experiência vivida,
um estilo de vida [...] que conduz a pessoa, pouco a pouco, à união com Deus. [...] A Arte
não é, todavia, o objetivo do Sufismo. Nas cerimônias e cultos realizados pelos sufis, [...]
a dança, em seu sentido mais amplo, exerce um papel importante, assim como também
a música e a literatura, em suas formas mais exaltadas. Mas essas artes não correspondem
à meta do Sufismo: elas são apenas meios para conduzir o ser humano até Allah. A
música, a dança e até mesmo o estilo das roupas [...] despertam a percepção estética
inerente à natureza humana, transformando o gozo sensual em realização divina. Esta é
a proposta da Arte no Sufismo porque o único objetivo do Sufismo é Allah.11
6
“O tempo sagrado nada tem de histórico, o seu passado é mítico, é um tempo que permite ao homem e à mulher reencontrarem a presença do
Ser supremo, recuperar a unidade viva e articulada do cosmo, mergulhar no não-tempo” (cf. OLIVEIRA, Vitória Peres de. O sufismo e a ênfase no
tempo presente. NUMEN – Revista de Estudos e Pesquisa da Religião, v. 4, n. 2, Jul-Dez. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2001, p.72).
7
A máxima sufi “estar no mundo sem ser do mundo” traduz bem a idéia de desapego: “Poder-se-ia, aqui, argumentar que o buscador é levado a viver
o tempo presente, mas de uma forma ausente; entretanto, para um místico, esta ausência [...] é uma ausência do que eles chamariam de ilusório,
mundano, para poder estar presente e participante no êxtase divino, no verdadeiro presente absoluto. É vivendo esse alheamento e alternando-
o com a identificação necessária à vida cotidiana que o sufi, segundo dizem os mestres, se torna livre” (OLIVEIRA, V. P., op. cit., p.62).
8
Ilustremos o sentido de desterritorialização e de Unidade sufis com o poema do mestre sufi persa Jalaluddin Rumi (1207-1273): “Nem deste
mundo, nem do próximo, nem do céu, nem do purgatório. Meu lugar é o não-lugar, Meu passo é o não-passo./ Não sou corpo, não sou alma. A alma
do Amado possui o que é meu. Deixei de lado a dualidade, Vejo os mundos num só. / Procuro o Um, conheço o Um, Vejo o Um, invoco o Um. Ele é
o Primeiro e o Último, o exterior e o interior. – Nada existe senão Ele” (RUMI, J. Poemas místicos – divan de Shams de Tabriz. Seleção, Tradução
e Introdução: José Jorge de Carvalho. São Paulo: Attar Editorial, 1996, p. 84-85). Segundo a antropóloga Vitória Peres de Oliveira (2001, p.60),
especialista em Sufismo, um buscador quer viver esta unidade, conhecer esta unidade. “Meu passo é o não-passo”; para ele, paradoxalmente, não
há porque caminhar, “basta estar aqui”, na experiência do Um.
9
É o DJ (disc-jokey), essa figura “xamânica”, a quem os ravers atribuem poderes “mágicos”, que conduz – através do seu diálogo eletrônico com o
material musical, gravado, disponível – os participantes da festa rave a uma viagem sensorial e corpórea comparável à dos “rituais liminais” de
algumas culturas não-ocidentais, cujo objetivo é chegar, igualmente, a uma celebração coletiva e/ou ao transe. Não se trata, todavia, de um
processo ativo de recuperação e de reprodução, mesmo que uma facção dominante e ruidosa do movimento rave clame em favor da alteração
da consciência por intermédio de práticas ritualistas e da absorção de drogas (cf. GORE, G., op. cit., p.92). Contudo, conforme relativiza o sociólogo
francês Michel Maffesoli, o “neo-tribalismo” rave implica em relações táteis, corpo a corpo; e a preferência dada aos sentimentos coletivos, na
medida em que servem de “cola”, mantendo os indivíduos juntos, não significa que busquem, conscientemente, uma “união plena”, uma “união de
projeto”; a união do rave é uma “união na falta”, “no vazio”; uma “comunhão de solidões” (MAFFESOLI, M. La transfiguration du politique: la
tribalisation du monde. Paris: Livre de Poche, 1995, p. 224).
10
Em seu sentido esotérico, designa o iniciado numa determinada tradição mística ou esotérica, cujo conhecimento, antes disseminado na
qualidade de cultura ou representação coletiva, adquiriu um caráter pessoal, de gnose interiorizada (cf. CARVALHO, J.J., op. cit., p.66). Em seu
sentido geral, designa, simplesmente, a pessoa que é habituée de tal ou tal movimento, de tal ou tal prática, de tal ou tal tipo de evento, como, por
exemplo, aquele que é freqüentador assíduo das festas rave.
11
Explicação do Sheikh Mevlevi Yakup “Baba” Efendi para a relação entre Arte e Sufismo. Yakup “Baba” vive em Istambul e respondeu à minha
questão por e-mail, em agosto de 2005. (Tradução: minha)
106
V Colóquio Internacional de Etnotecnologia
12
“Um estado alterado de consciência, para um indivíduo dado, é aquele no qual ele, claramente, sente uma mudança qualitativa no seu padrão
de funcionamento mental, isto é, ele sente não só uma mudança quantitativa (mais ou menos alerta, mais ou menos imagens visuais, mais aguçado
ou mais vagaroso, etc.), mas também alguma qualidade, ou qualidades, dos seus processos mentais são diferentes. Funções mentais operam que
não operam, em absoluto, comumente; qualidades perceptuais aparecem que não têm contrapartidas normais e assim por diante” (TART, Charles.
Introdução. Altered states of consciousness. Garden City, NY: Anchor Books/Doubleday, 1969, p.1-2). (Tradução: Vitória Peres de Oliveira).
13
Ver o capítulo “Transe et Possession”, de Gilbert Rouget. In: ROUGET, G., op. cit., p.39-83.
14
Ibidem, p. 53.
107
Giselle Guilhon Antunes Camargo
çulmana. Conjugando suas inerentes qualidades religiosas com suas habilidades pedagó-
gicas, o Sheikh Amadu Bamba fundou, em 1883, o Muridismo: “eu recebi do meu Senhor a
ordem de conduzir os homens a Deus, o Altíssimo. Aqueles que quiserem pegar esta via
terão apenas que me seguir. Quanto aos outros, que não desejam nada além de instrução, o
país dispõe de vários letrados”. Depois de uma curta estada em Mbacke Baol, o Sheikh
Ahmadu Bamba fundou, em 1886, Daru Salam e Tuba. Tuba se transformou na “cidade da
paz”, um lugar onde se ensina o Alcorão e onde se aplica a tradição do Profeta. Diante da
influência crescente do Sheikh Ahmadu Bamba sobre as populações locais, o poder colonial
o fez prisioneiro em São Luís do Senegal, em agosto de 1895, condenando-o, mais tarde, à
deportação ao Gabão. Após sete anos e meio de exílio na floresta do Magal, Sheikh Ahmadu
Bamba, um dos maiores peregrinos muçulmanos da África, entrou, em 1902, em Dakar,
morrendo em 19 de julho de 1927. Seu mausoléu, em Tuba, é visitado por homens e mulhe-
res de todos os continentes. O ensinamento da confraria Murid está intimamente ligado à
filosofia do trabalho: “trabalha como se tu não devesses jamais morrer e reza como se tu
fosses morrer amanhã!” Esta valorização do trabalho, oriunda do sistema de castas das mo-
narquias (wolofs) 15 da época, acabou se transformando numa poderosa força de revolução
e luta pela libertação e independência econômica do Senegal.
Terminada a apresentação dos Murids do Senegal, teve início o show dos Yesevis, com as
Recitações Corânicas do Sheikh Ahmad Al-Tûni – conhecido como o Sultão do Alto Egito. A
tariqat Yesevi ou Yeseviyya foi fundada pelo turco Ahmad Yesevi (?-1165), que viveu no século
XII, na parte da Pérsia conhecida como Khorasan. Ahmad Yesevi recebeu seus primeiros
ensinamentos sufis na cidade de Yesi, onde se tornou discípulo de Arslan Baba, um conhecido
murshid (guia espiritual) da região. Após a morte de Arslan Baba, mudou-se para Bukhara,
onde continuou seus estudos tornando-se murid (discípulo) do famoso Sheikh Yusuf Hamadhani
(?-1140). Quando Hamadhani morreu, Ahmad Yesevi permaneceu em Bukhara por mais al-
gum tempo, antes de voltar a se estabelecer em Yesi, onde viveu o resto de seus dias, tendo
a sua volta um grande número de discípulos. Conta-se que Ahmad Yesevi estava tão decidido
a imitar o Profeta Muhammad em todas as coisas, que desejava morrer com a mesma idade
do Profeta, sessenta e três anos: “com isso em mente, ele tinha uma tumba, construída por ele
mesmo, embaixo de sua cela. Quando completou sessenta e três anos, entrou na cela, jurando
que dela não sairia mais pelo resto de sua vida. Como a data do seu nascimento é desconhe-
cida, não se sabe por quanto tempo ele realmente viveu nesta chilakhana [casa mortuária]”. 16
As recitações do Sheikh Ahmed Al-Tûni foram acompanhadas pelos músicos Ahmad
Soliman Turny (canto), Mohamed Ahmed Turny Soliman (percussão: tabla e reqq), Mustafa
15
Os wolofs (mahabutas) costumavam se retirar em grutas para praticar a khalwa (reclusão) e assim ter visões divinas (jenneer) (ROUGET, G., op.
cit., p.47).
16
CF. ÖZTÜRK, Yasar Nuri. The Eye of the Heart – An Introduction to Sufism and the Tariqats of Anatolia and the Balkan. Istanbul: Redhouse
Press, 1998, p.49. (Tradução: minha)
108
V Colóquio Internacional de Etnotecnologia
Abdelhadi Abdelrehman (flauta: ney), Mohamed Ahmed (alaúde: ud), Sayed Ali Mohamed
Hassan (violino: kamanga) e Hamada Ahmed Hassanein Ahmed (percussões: derbuka).
Originário da cidade de Hawatka, próxima à Assiut, no Egito, Ahmad Al-Tûni é o símbolo
de uma geração que conheceu as últimas grandes efervescências da música egípcia, re-
presentadas por cantores como Mohammed Abdel Wahab e Omm Kalsûm. O carisma de
Ahmad Al-Tûni reflete, em certa medida, esse período-chave no qual o inshad (canto sufi)
começou a receber a influência dos cantos citadinos. O munshid (cantor do inshad) 17 já era
um personagem público nessa época e passou a moldar o seu estilo de acordo com o mo-
delo de Omm Kalsûm, ou seja, misturando as técnicas vocais de recitação corânica (tajwid)
com ornamentações clássicas e populares:
A aprendizagem de um músico sufi – que nós chamamos de munshid – [...] e o conjunto
de canções que ele canta, são oriundos dos antigos textos dos grandes santos sufis e
muçulmanos, como Abdal Qadir al-Gilani [1077-1166] [...]. E é através desses textos que
eles entram na via mística [Sufismo] e que aprendem o canto sufi [inshad]. E é a partir
desses textos que transmitem, de fato, a mensagem. Então, o que é mais importante: eles
transmitem a mensagem a todos, muçulmanos ou não-muçulmanos, porque fazem parte,
todos, da Unicidade. 18
Enquanto Ahmad Al-Tûni cantava o inshad (canto sufi), batia ritmicamente o seu rosário
de contas (sîbha) num copo de vidro, dialogando com os instrumentos de percussão (tabla
e reqq) e com o violino (kamanga) da orquestra. Não havia preocupação alguma com a
qualidade acústica – a amplificação modificaria os dons da escuta! – e a orquestra se redu-
ziu num dado momento, à simples percussão da tabla, do reqq e do kamanga. Este último,
graças a um pedal de distorção, cobria os espectros sonoros dos antigos instrumentos com
o mesmo espírito experimental dos anos 70 ou da nova música eletrônica de hoje. Distante
de qualquer possível conservadorismo, a voz de Al-Tûni parecia se remodelar19 continua-
17
O munshid, seja ele egípcio, marroquino ou paquistanês, não é, necessariamente, afiliado a uma confraria particular; seu papel é o de criar,
unicamente, o tarab (transe profano) – oposto a wajd (transe místico) – e ele se torna, então, o mutrib (músico), o provocador de tarab, esta emoção
que provoca a perda de si mesmo: “Mesmo os antigos sultãos, sob o efeito de tal força emocional, dilaceravam suas vestimentas, perdidos neste
oceano de plenitude e conhecimento. Eles se banhavam naquele mar de voluptuosidade, naquele turbilhão das épocas descritas nas poesias
do deserto [...], ornamentadas pela rica métrica dos salmos árabes. Essa poesia e esse canto fizeram do Sufismo uma expressão artística inteiramente
à parte, capaz de veicular um sentimento por vezes terapêutico, espiritual e emocional” (WEBER, Alain. Transes Musicales. Cité Musiques – La
Revue de la Cité de la Musique, n. 45. Mars à Juin 2004, p.23). (Tradução: minha)
18
Explicação dada a Benjamim Minimum – organizador da Nuit Soufie – pelo Sheikh Ahmad Al-Tûni. A entrevista foi feita na primeira noite da
apresentação, logo após o seu término. (Tradução: minha.) A entrevista completa está no site www.mondomix.com/archives/cite-musique04/
main_citemusique.html .
19
De acordo com o músico e musicólogo Peter Michael Hamel, fundador do grupo Between, alguns cantores sufis usam a “voz em falsete” quando
estão em transe: “Em momentos de êxtase, o cantor de textos sagrados consegue uma espécie de gorgolejo em que a voz passa do peito para
a cabeça com grande rapidez, o que lhe permite atingir uma região aguda de sons harmônicos, tal qual uma flauta em que se sopra com muita
força. Esta técnica de canto afeta o ouvinte, também fisicamente, e de maneira tão forte que a música, ao envolvê-lo, pode lhe trazer lágrimas
aos olhos. Em meio a esse canto poderoso, a mensagem mística dos textos ou das invocações extáticas, é transmitida diretamente ao iniciado.
Trata-se de uma técnica que corresponde à união místico-islâmica entre vigor rústico e abandono amoroso” (HAMEL, P. M. O auto-conhecimento
através da música – uma nova maneira de sentir e de viver a música. São Paulo: Cultrix, 1995, p. 109-110). Conforme ainda Hamel, quando o
ouvido não-treinado se depara, repentinamente, com esse tipo de intervalo “desafinado”, pode, a princípio, ter uma sensação desagradável; mas
quando, ao contrário, se abre aos mistérios da música monofônica, relacionada às “notas pedal”, pode ter uma experiência auditiva inteiramente
nova, que o levará a estados de consciência nunca antes experimentados.
109
Giselle Guilhon Antunes Camargo
mente, deixando que a emoção fosse o principal condutor da expressão. Conjugando, si-
multaneamente, tradição e modernidade, Ahmad Al-Tûni incendiou o público parisiense
com suas inesperadas improvisações vocais. Sobre seu estilo de cantar e a forma como
articula seu canto com os outros músicos Yesevi, diz o próprio Al-Tûni:
Eu não costumo preparar nada. Há cantores que ensaiam, trabalham [...]. Eu estou com-
pletamente sob a inspiração divina, sigo o espírito do momento, o espírito da palavra
que canta. Antes de chegar ao microfone, não sei ainda o que vou cantar e nem sei como
eu vou cantar. [...] [Quanto aos músicos], seja lá qual for o lugar [o ponto] em que o canto
estiver eles vão me seguir, seja qual for o ritmo em que eu estiver. Eles acompanham
completamente a minha inspiração. [...] Eu não sigo a música jamais. São sempre os
músicos que acompanham minha palavra. 20
Além de praticarem o inshad (canto sufi), os Yesevis costumam praticar alguns zikr(s) ou
dhikr(s) (repetição dos nomes divinos) de um modo característico. O mais notável entre
eles, e que não foi executado neste espetáculo, é o chamado “zikr-serra”, devido ao som de
serra produzido na garganta daqueles que o executam. A performance deste zikr foi des-
crita pelo Sheikh Muhammad Ghaws da seguinte maneira:
Colocando ambas as mãos nas coxas, e expelindo o ar para baixo em direção ao umbigo,
o som ha é articulado (com o ‘a’ prolongado). Então, conduzindo o ar, de debaixo do
umbigo para o alto, e mantendo o corpo ereto, o som hay é pronunciado (este hay é
alongado e áspero). Deste modo, o zikr continua. O resultado desejado é obtido serran-
do o coração como um carpinteiro serra a madeira [...]. 21
A exaltação provocada pelo canto contagiante de Al-Tûni contrastou com a sóbria roda
de zikr (repetição dos nomes de Deus) da Ordem Kadiri ou Kadiriyya, de Masar-i Shariff
(Afeganistão), dirigida e executada pelo Sheikh Mir Fakr al-Din Agha e pelos músicos Said
Fakhruddin Said Abdullah (canto), Abdulrashid Khan (canto), Mohammad Yasin Ghulam
Mortaza (canto), Ghulam Ali Aminullah (canto), Said Ishaq Said Mustafa (canto) e Abdulhakim
Abdulaziz (canto).
O Afeganistão faz parte do antigo percurso iniciático que atravessava as estepes, os
desertos e as montanhas na época da Rota da Seda. Desde o século II, importantes vias
comerciais atravessavam a China de Norte a Sul e de Leste a Oeste, concentrando em Xi’na,
a antiga capital, os mercados do Império do Meio. Cada vez mais densa essa rede de pistas
estendeu-se consideravelmente ao curso dos séculos, reunindo, em sua malha, tanto as
rotas traçadas anteriormente pelas conquistas orientais de Alexandre, o Grande, quanto
àquelas que, sob o comando de Gengis Khan e Tamerlão, foram fundadas pelos Turco-Mongóis
da Ásia Central. Desse modo, da China ao mundo árabe, passando pela Índia, as tradições
20
Sheikh Ahmad Al-Tûni, em resposta à pergunta de Benjamim Minimum: “Como você faz para se coordenar com os músicos?” (Tradução: minha)
A entrevista completa encontra-se no site www.mondomix.com/archives/cite-musique04/main_citemusique.html .
21
ÖZTÜRK, Y. N., op. cit., p. 54. (Tradução: minha)
110
V Colóquio Internacional de Etnotecnologia
22
A hadra, adoração salmodiada e cantada, tanto quanto o zikr (literalmente: lembrança, reminiscência) – repetição dos diferentes nomes de
Deus acoplada a uma técnica respiratória particular – faz parte do conjunto de técnicas usadas no Sufismo com o objetivo de despertar a
consciência do adepto para o contato com o divino: “Esta técnica é freqüentemente enriquecida com movimentos rodopiantes e/ou gestos
entrecortados onde os corpos se tornam o receptáculo de um êxtase dramatizado. Mas é no interior profundo [...] do círculo confrárico que nasce
a luz que engendra aquela desordem dos sentidos, aquele transe do absoluto” (WEBER, A., op. cit., p. 23). (Tradução: minha)
23
Baraka: benção, influência espiritual, graça divina, beleza impalpável. Designa, também, a influência espiritual de determinada corrente de
ensinamento (silsila).
111
Giselle Guilhon Antunes Camargo
firma, até certo ponto, minhas impressões, tanto como “ouvinte” quanto como “etnógrafa”
(aproximando as duas categorias) 24, do evento extático em questão:
Há, evidentemente, a barreira da língua. (Eu não posso conversar com as pessoas!) Mes-
mo assim, o sentimento é passado. Eu senti que as pessoas o compreenderam. Que elas
o sentiram. E isso é verdadeiramente próprio do Sufismo, porque das palavras cantadas
nós passamos ao transe [wajd], que é conhecido de todo mundo, que todo mundo pode
sentir, que vai além das palavras. O transe, na verdade, cria uma linguagem comum que
aproxima os corações, que aproxima as pessoas. [...] Os espectadores tiveram uma per-
cepção muito boa dessa linguagem comum; eles a sentiram muito bem; eles a apreen-
deram muito bem. [...] A língua falada muda com o tempo, o sentido das palavras muda,
mas quando se chega à linguagem do coração [qalb], do transe, aqui nada muda. E eu
senti que os corações dos ouvintes estavam abertos nesta noite [...], impregnados com o
nosso canto. 25
No decorrer da entrevista, Benjamim Minimum perguntou ao Sheikh afegão o que o fez
aceitar o convite para vir apresentar-se, pela primeira, na Europa. O Sheikh respondeu:
Quando tu me convidaste para vir me apresentar aqui [em Paris], eu me fiz a pergunta:
como o farei? Como poderei cantar para pessoas que não compreendem a minha lín-
gua, que não pertencem à mesma cultura? Como poderei fazer-lhes sentir? E tu me
explicaste que não, que uma vez rompida a barreira da língua, nós podemos nos comu-
nicar muitíssimo bem com o público, fazendo-o sentir. E foi por isso que eu vim. E aqui
está a prova: tudo que eles apreenderam dos nossos cantores, eles sentiram com os seus
corações, eles compreenderam bem. [...] O coração é capaz de comunicar as coisas boas
e as coisas ruins, de um coração a outro, através de uma via secreta. Então, mesmo que
eles não tenham compreendido nada do que eu cantei, do ponto de vista da lingua-
gem, eles compreenderam quase tudo, do ponto de vista do sentimento. 26
Quando o zikr (repetição dos nomes divinos) dos Kadiri do Afeganistão terminou, a Noite
Sufi já penetrava a madrugada. Deu-se início, então, a performance musical dos Qawwâli do
Paquistão: Asif Ali Khan (voz), Hussain Shibli Sarafraz (voz e harmonium), Ali Raza (tabla), Hussain
Raza (voz de sustentação), Fayyaz Hussain Bakhat (harmonium), Nawaz Hussain Shah (voz e
palmas), Hussain Shibli Imtiaz (voz e sopro), Hussain Aftab Omer Draz (voz e palmas), Ahmad
Zahoor (voz e sopro) e Normann Yasser (voz). O público, uma vez mais, experimentaria, sem
qualquer resistência, outra mudança radical de estado de espírito e/ou consciência.
24
Inspiro-me, aqui, na fertilíssima comparação entre a atitude esotérica e a atitude antropológica, desenvolvida pelo antropólogo e etnomusicólogo
José Jorge de Carvalho, em seu ensaio “Antropologia e Esoterismo: dois contradiscursos da modernidade”: “A atitude antropológica guarda
bastante similaridade com a atitude esotérica [ocidental], sobretudo se pensarmos num conceito central para a constituição da atitude esotérica
moderna: o conceito de tradição. Por trás desta palavra está a transmissão viva e direta de um conhecimento arcano e fundamental, que resiste
ao trabalho do tempo, precisamente por sua capacidade de renovar-se a cada geração, encarnando em pessoas dotadas da sensibilidade que
estamos chamando de esotérica. [...] E assim se passam as coisas, a prática etnográfica conduz o antropólogo a deparar-se constantemente com
os mestres que transmitem o conhecimento místico e espiritual que circula no seio das tradições religiosas vivas. Essa dimensão da oralidade é
feita através da presença, da encarnação do saber lembrado” (CARVALHO, J.J., op. cit., p.65). Da mesma forma que o esoterismo só pode ser assimilado
pela experiência direta, a etnografia do fenômeno religioso, diz Carvalho, só pode ser vivida mediante a imersão do etnógrafo numa corrente oral
de conhecimento que lhe permita estabelecer contato direto com a presença viva.
25
Sheikh Ahmad Al-Tûni. (Tradução: minha) O restante da entrevista pode ser ouvido no site: www.mondomix.com/archives/cite-musique04/
main_citemusique.html .
26
Ibidem.
112
V Colóquio Internacional de Etnotecnologia
27
A palavra ‘urs designa, na Índia, e também no Paquistão, o aniversário ou o dia em que se comemora a união final de um santo muçulmano com
Deus. Equivalente ao Shab-i Arûs turco, que quer dizer “noite de núpcias” ou “noites espirituais”.
28
QURESHI, R. B., op. cit., p.130-131.
29
Ibidem, p.132. (Tradução: minha)
113
Giselle Guilhon Antunes Camargo
30
Ibidem, p. 133. (Tradução: minha)
31
Declaração atual de um Sheikh Chisti da Índia. Extraída do filme de Mahmoud Ben Mahmoud, Le Soufisme des Qawwâli (Inde), Les Mille et Une
Voix: Terres et Voix de l’Islam. França: Artline Films/ Les Productions du Sablier/ Arte France/ RTBF Bruxelles/ Mezzo/ SIC/ Canal Horizons/
Editions Montparnasse, 2003.
114
V Colóquio Internacional de Etnotecnologia
32
A poesia mais venerada é aquela redigida em Farsi, a língua original do Sufismo e idioma poético de eminentes santos e poetas do passado. A
segunda língua clássica do Sufismo indiano é o Hindi, que costuma ser associado ao misticismo “primitivo” indianizado e ao seu forte caráter
devocional. A terceira língua, o Urdu, é, sobretudo, um idioma contemporâneo do Sama, faltando-lhe, ainda, suas próprias conotações santas e
espirituais. Conforme Qureshi (1992, p.135), uma categoria à parte é constituída por um repertório bastante limitado de cantos especiais utilizando-
se uma forma do Árabe: “Intitulada ‘qaul’ (dicção), exprime os aforismos atribuídos ao Profeta Muhammad, validando, antes de tudo, um princípio
de sucessão espiritual proveniente de Muhammad, por intermédio de seu genro, Ali. Ainda que não estejam diretamente ligados aos santos,
estes cantos ilustram, através de sua linguagem e de seu conteúdo, a hierarquia espiritual inteira do Sufismo e a posição que cada santo ocupa”.
115
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Quando iniciei a pesquisa “As Técnicas Corporais do gaúcho e a sua relação com a
performance do ator/dançarino”, juntamente com um grupo de alunos1 do Curso de Tea-
tro do Departamento de Arte Dramática da UFRGS, em 2001, o seu primeiro objetivo era o
de criar um sistema de treinamento que desenvolvesse a presença física do ator/dançari-
no a partir das técnicas corporais dos gaúchos2 campeiros nas suas atividades de lide. Essa
idéia surgiu a partir da formação que realizei na Escola Internacional de Mimo, Teatro e
Movimento de Jacques Lecoq3 cuja pedagogia se fundamenta, entre outros aspectos, na
observação da vida cotidiana, no movimento, nos fenômenos dinâmicos da natureza e a
sua recriação no corpo mimético do ator e que tem como base um Sistema de 20 Movi-
mentos. Este se constitui de movimentos estilizados retirados de ações da vida cotidiana,
da ginástica4 e do esporte, e alguns movimentos básicos de acrobacia, os quais servem
para desenvolver a presença física dos atores. Eu poderia transmitir para o grupo de alunos
o Sistema dos Vinte Movimentos que por si só continham o que eu queria alcançar, que era
o desenvolvimento da presença física do ator/dançarino. Mas como, durante o processo de
criação artística do espetáculo Manantiais5, em 1989, eu tive a oportunidade de assistir a
uma demonstração de um gaúcho campeiro realizando a atividade de laçar e havia perce-
bido no seu corpo uma grande presença física, vislumbrei ali um rico material para a cria-
ção de um sistema de treinamento para o ator/dançarino. Percebi naqueles movimentos,
princípios da extra-cotidianidade, segundo as Leis do Movimento6 a partir do corpo hu-
mano em ação de Jacques Lecoq que se confirmavam com os preconizados por Eugenio
Barba quando na sua definição de Pré-expressividade7. Para a realização do espetáculo so-
bre a cultura gaúcha, tínhamos que ambientar os atores no contexto das histórias que
1
O primeiro grupo de alunos foi composto por Andressa de Oliveira, Carla Tosta, Cristina Kessler Furtado, Daniel Colin, Elisa Lucas e o profissional
Luiz Antonio Texeira.
2
O gaúcho a que me refiro aqui é o habitante do interior da campanha do Rio Grande do Sul.
3
A Escola Internacional de Mimo, Teatro e Movimento foi criada por Jacques Lecoq em 1956, em Paris. Em diversos países do mundo várias
gerações de atores,diretores e autores de teatro se inspiraram e se inspiram ainda hoje no ensino que eles receberam na Escola de renome
internacional Jacques Lecoq : Ariane Mnouchkine, Luc Bondy, Yasmina Reza, Philippe Avron, Claude Evrard, Geoffrey Rush entre outros
4
Jacques Lecoq foi professor de ginástica para pessoas portadoras de deficiência física
5
Espetáculo constituído por lendas e contos de autores riograndenses como Barbosa Lessa e Simões Lopes Neto, além de descrições históricas
e antropológicas recolhidas pelo historiador Auguste de Saint-Hilaire. O espetáculo foi realizado pelo TEU (Teatro Experimental Universitário
) sob a minha direção ,e obteve subvenção e apoio do FIPE e Pró Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Santa Maria.
6
As Leis do Movimento a partir do corpo humano em ação, segundo Jacques Lecoq são: Equilíbrio, Desequilíbrio, Oposição,Alternância,
Compensação, Ação, reação.
7
Os princípios da extra cotidianidade segundo Eugenio Barba são: Equilíbrio de luxo, Oposições, Incoerência coerente e virtude da omissão. in
Anatomie de L’Acteur. Un dictionnaire d’Anthropologie Théâtrale de Eugenio Barba e Nicola Savarese, Cazilhac (FR)/Roma/Holstebro(Dinamarca):
Bouffonneries Contrastes/Zeami Libri/ International School of Theatre Anthropology, 1985.
117
Inês Alcaraz Marocco
seriam encenadas e ao mesmo tempo desenvolver a presença física dos mesmos. Para isso
então através da técnica de Análise de Movimentos do sistema pedagógico de Jacques
Lecoq criamos um exercício de quarenta e quatro ações estilizadas correspondentes a ati-
vidade de laçar. Esta partitura de movimentos foi memorizada e treinada diariamente pe-
los alunos/atores proporcionando domínio, amplitude e limpeza gestual8.
Como os resultados foram excelentes, entendi que da mesma forma que trabalhamos com
uma das atividades, poderíamos investigar as possibilidades dramáticas das diferentes técni-
cas corporais do gaúcho campeiro, numa pesquisa científica. Depois de uma seleção, instrumentei
os alunos do primeiro grupo da pesquisa, para criarem um sistema de treinamento constituído
por partituras estilizadas, a partir das técnicas corporais dos gaúchos campeiros retiradas de
suas atividades de lide. Inicialmente, como eu aprendi com o mestre Lecoq, transmiti o Sistema
de 20 Movimentos e as técnicas de Mimo de Ação e Análise de Movimentos do seu sistema
pedagógico para que eles pudessem ter condições de realizar este tipo de transposição de
atividades cotidianas para partituras teatralizadas. Após a pesquisa de campo9 onde realizamos
o registro das atividades, retornamos a Porto Alegre e fizemos a seleção das seguintes ativida-
des, conforme as suas densidades dramáticas, obstáculos e resistências: o laçar, o pealar10,a
tosquia11, o tronco12o ginetear13, tirar o leite e fazer a lingüiça. Depois, iniciamos o processo de
decodificação utilizando as técnicas já referidas acima. Primeiramente aplicamos a técnica Mimo
de Ação, onde por meio da imitação das ações fizemos a reprodução de cada atividade. A se-
gunda etapa do processo foi de separar, enumerar e codificar as ações por meio da técnica de
Análise de movimentos, criando novas seqüências. Por fim, as sintetizamos, aplicando em cada
uma delas os princípios da extra-cotidianidade segundo Lecoq e Barba. O resultado foi a criação
de nove partituras de movimentos estilizados.
Com a realização do sistema do treinamento, surgiu a necessidade de testá-lo quanto a
sua eficácia e por isto partimos para uma criação artística. A idéia era a de que este servisse
somente como treinamento para os atores/dançarinos aperfeiçoando a sua presença física.
Desenvolvemos durante oito meses, um processo que resultou no espetáculo O Nariz14,
onde realizamos não só a criação artística, mas também a adaptação dramatúrgica do con-
to. Durante o processo percebeu-se que os movimentos das partituras do sistema estavam
8
Maiores referências sobre o processo e a construção do espetáculo Manantiais está descrito no artigo Manantiais:pesquisa teatral sobre a
cultura gaúcha de Inês A Marocco e Nair D’Agostini in: Revista do Centro de Artes e Letras ,v.13,n°1-2,jan/dez 1991, pg 141-162.
9
A pesquisa de campo foi realizada na região da campanha do Rio Grande do Sul, na cidade de Caçapava do Sul, numa fazenda onde os peões ainda
realizam atividades campeiras rústicas.
10
O pealar consiste na atividade de laçar o animal pelas patas.Esta atividade está em extinção.
11
A atividade da Tosquia , no sentido mais rústico, corresponde a de tirar a lã da ovelha com uma tesoura que não machuca o animal.
12
Tronco , segundo o Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul de Zeno e Rui Cardoso Nunes, é um corredor estreito , junto à mangueira,
no qual se faz entrarem os animais vacuns e cavalares que vão ser marcados, tosados, etc.Denominamos Tronco a seqüência de movimentos que
faz o peão ao abrir o portão do corredor por onde passam os animais.
13
A ação de Ginetear constitui uma das fases da doma do cavalo chucro,em que o ginete (peão especializado na doma ) tenta dominá-lo, montando-
o sem utilizar dos arreios.Definição retirada do Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul.
14
Espetáculo com criação e adaptação a partir do conto homônimo de Nicolai Gogol.
118
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
presentes nos corpos dos atores/pesquisadores, pois os seus movimentos estavam impreg-
nados dos desenhos das partituras do sistema de treinamento. Após este trabalho de cria-
ção artística, vislumbramos também a possibilidade de utilização do próprio material das
partituras do sistema como instrumental na criação e composição de personagens e de
situações dramáticas15. Com isto ficou demonstrado que além de servir como um sistema
de treinamento os movimentos das partituras poderiam ser utilizados como material con-
creto, um instrumental para a criação de personagens e situações dramáticas. E ao contrá-
rio do que possa parecer, a precisão gestual e o corpo instrumentalizado do ator, longe de
prejudicar o jogo, ao contrário, possibilita ao ator uma eficácia maior. Apesar das diferenças
de princípios e procedimentos16 entre o nosso sistema e o de Meyerhold na Biomecânica,
eu a tomo aqui como referência para melhor justificar a eficácia de um treinamento no jogo
do ator. Da mesma forma que os études biomecânicos possibilitam treinamentos para a
virtuosidade técnica que permitem ao ator de exercitar seu corpo, como o músico exercita o seu
instrumento e liberam a imaginação17 , o sistema de treinamento criado possibilitava ao ator
disponibilizar seu corpo e sua imaginação para o jogo.
Uma vez comprovada a eficácia do sistema de treinamento como instrumental técnico
para a formação do ator/dançarino, concluí que da mesma forma que eu aprendi e transmi-
ti o sistema de Jacques Lecoq, os alunos do primeiro grupo deveriam, eles também passar
adiante os seus conhecimentos, verificando assim a eficácia pedagógica do mesmo.
E desde 2003, realizamos de forma sistemática a transmissão do sistema de treinamento
que já foi trabalhado por três grupos de alunos. O procedimento adotado é de que o grupo
que recebe o sistema o transmita para o próximo, até porque o tipo de aprendizagem é mais
corporal e só pode ensinar aquele que aprendeu pela prática. Este tipo de ensino-aprendiza-
gem de um sistema corporal composto de partituras de movimentos é específico porque só
pode ser realizado através de uma prática constante e se desenvolve pela observação e imi-
tação, nos moldes da formação artística no Oriente. A transmissão se faz então, primeiro pela
demonstração dos movimentos pelos alunos/instrutores para o grupo aprendiz, o qual de-
pois imita e é corrigido pelos primeiros, através da manipulação de seus corpos. Trata-se
então de um processo de aprendizagem essencialmente corporal que se caracteriza pela
forma ‘artesanal’ com que é feito, onde cada aprendiz é trabalhado individualmente no seu
tempo/ritmo, caracterizando assim uma verdadeira formação artística.
15
A aluna Elisa Lucas se utilizou no seu trabalho de graduação em 2003, de fragmentos de movimentos das partituras do sistema de treinamento,
para a criação e composição da personagem principal do espetáculo, Confesso Capitu de Machado de Assis.
16
Parece que, apesar de Meyerhold construir o movimento cênico sobre o modelo do movimento perfeito do operário no trabalho (Economia de
energia, ritmo, equilíbrio e precisão), ele não utiliza nem comportamentos nem situações do trabalho e da vida cotidiana, mas sim aqueles do jogo,
que é o trabalho do teatro.Situações e comportamentos na sua maioria já teatralizados na tradição dos lazzi da commedia dell1arte que servem de
pontos de partida escolhidos para a análise contemporânea do movimento. Assim a biomecânica, que tira seus princípios do estudo do movimento
racional, se desenvolve não no cotidiano, mas no teatral,mesmo se ela lança uma “ponte” entre o teatro e a vida, mesmo se cada um pode encontrar
aí princípios úteis de equilíbrio e eficácia. Béatrice Picon-Vallin, no capítulo Autour de L’Octobre Théâtral in: Les Voies de La Création Théâtrale-
Meyerhold, n° 17, Paris: CNRS, pg 107.Tradução por Inês Marocco.
17
Citação de E.Garine, utilizada por Béatrice Picon-Vallin, Idem., pg 118. Trad.Inês A Marocco.
119
Inês Alcaraz Marocco
18
Os alunos que constituíram o segundo grupo de pesquisa foram: Carina Ninow, Felipe Vieira, Lesley Bernardi, Maico Silveira e Mariana Mantovani.
19
Barba, Eugenio.Tradição e fundadores de tradição.Editado por Rina Skeel.Trad. Patrícia Alves Braga e Cláudia Tatinge. In: A Tradição da
ISTA.Londrina: FILO/UEL, 1994.
20
Jerzy Grotowski,Tu eres hijo de alguién.In: Revista Máscara, México, año 3, n° 11-12, enero 1993, pg.73-75.
21
A noção de Dramaturgia do Ator que empregamos aqui é a de Eugenio Barba : Dramaturgia é uma sucessão de acontecimentos baseados em uma
técnica, a qual busca dar à cada ação trabalhada sua própria peripécia, isto é, uma mudança e direção e conseqüentemente de tensão.The Theme
of XII ISTA Session/septembre 2000. Trad.para fins exclusivamente didáticos por Maria Lúcia Raymundo.
22
Grupo de alunos já citados na nota de rodapé de n° xix.
120
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
23
A expressão bricolage aqui é utilizada na sua conotação francesa de construção, montagem ou colagem.
24
Desde 2004 temos apresentado os resultados da pesquisa nos Congressos Internacionais de Teatro Iberoamericano e Argentino que se
realizam anualmente em Buenos Aires.
25
Mimo Corpóreo ,disciplina criada no final dos anos 20 por Etienne Decroux (1898/1991) foi ensinada ao grupo da pesquisa pela atriz profa Leela
Alaniz, em julho de 2005.
26
Rudolf Laban (1879-1958) desenvolveu uma notação de movimentos capaz de registrar qualquer um de seus tipos, a Kinetography Laban,
conhecida nos EUA como Labanotation.
121
Inês Alcaraz Marocco
27
O terceiro grupo de alunos/pesquisadores que iniciou em março de 2006 é composto por: Elisa Beschorner Heidrich, Kalisy Cabeda, Philipe
Philipsen, Rodrigo Fiatt e Sofia Vilasboas Slomp.
28
Natural de Venâncio Aires (RGS) , Hugo Assmann é Doutor em Teologia e Mestre em Ciências Sociais.Ele escreveu um dos primeiros livros sobre
a Teologia da Libertação,abrindo caminho para Leonardo Boff entre outros.
29
Assmann ,Hugo.Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente .Petrópolis (RJ): Vozes , 2001,pg 30.
30
Fritjof Capra (Áustria, 1939 - ) é um físico teórico e escritor que desenvolve trabalho na promoção da educação ecológica. Htp//pt.wikipedia.org/
wiki/Fritjof_Capra 6/8/2007.
122
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
cação ecológica de Fritjof Capra30, fundamento para justificar esta maneira de ensinar/apren-
dendo. Para ele a nova concepção de conhecimento como uma rede, se caracteriza por uma
mudança da estrutura para o processo e por uma mudança da ciência objetiva para “a ciência
epistêmica”31.
E é este tipo de trabalho em profundidade, em que cada um é responsável e tem auto-
nomia na sua aprendizagem que tem favorecido as várias descobertas e links realizados
pelo grupo. Desta forma fica reforçado o tipo de transmissão realizada, como uma rede,
onde não existe um centro, mas partes, subconjuntos que continuamente se interpenetram
e alteram o todo, com uma interconexão mais complexa onde não existe um centro do
saber ao qual os alunos devem se dirigir e depender, mas, sim uma espécie de contínua
interpenetração e convocabilidade do todo32. Neste mesmo sentido, Capra expressa a mu-
dança da parte para o todo33 como uma das características do novo paradigma da concep-
ção de conhecimento.
Além disso, este tipo de trabalho da pesquisa possibilita aos grupos de alunos experi-
mentarem um tipo de formação que não lhe é possibilitado na academia, pela sua estrutura
fragmentada e divisão de conhecimentos. Procura-se desenvolver uma formação do indiví-
duo como um todo. Além de proporcionar o trabalho em equipe, a pesquisa proporciona
encontros teóricos e a prática do jogo teatral como complementares a investigação. É im-
portante ressaltar que a aquisição de competências técnicas e habilidades implicam para
quem faz, entre outras coisas, persistência, trabalho árduo, rotineiro, convivência e tolerân-
cia no grupo, um treino diário muito difícil. Trabalho em equipe, mas sempre privilegiando
a autonomia do artista. Neste sentido, segundo Taviani, o treinamento assim como o traba-
lho em equipe é eficaz porque além de privilegiar a autonomia do artista ele reforça tam-
bém a consciência do indivíduo cidadão na sua integralidade.
“O treinamento do ator é na maioria das vezes considerado de maneira reducionista:
como a marca do caráter profissional do ator (se ele treina todos os dias como um atleta
ou um pianista) ou como o signo de sua consciência moral (todos os dias ele faz seus
exercícios). Não se compreende que o treinamento é -ou pode ser- um fator de inde-
pendência. Independência do ator em relação ao diretor. Independência da continui-
dade de seu trabalho em relação ao caráter episódico dos espetáculos sucessivos, mas
independência também em relação aos espectadores. Quando ele não é episódico, o
treinamento serve, no início, a introduzir o ator ou aluno na profissão teatral. Além disso,
ele o integra numa tradição, grande ou limitada na história de um grupo restrito (...)”34
31
Assmann,H.Idem.
32
Idem.
33
Idem.
34
Ferdinando Taviani, Les deux visions: vision de l’acteur, vision du spectateur.In: Anatomie de l’Acteur. Idem.,pg.204.Tradução Inês A Marocco.
123
Inês Alcaraz Marocco
Como conclusão podemos afirmar que, da mesma forma que a Etnocenologia a metá-
fora do conceito de rede de Assmann tem também como princípio comum, o estudo do
homem na sua complexidade e especificidade cultural que se revela através de suas mani-
festações e comportamentos vivos.
35
Esta disciplina criada por um grupo de intelectuais entre os quais o professor Jean Marie Pradier foi oficializada na sede da UNESCO ,por ocasião
do Colloque de fondation du Centre International d’Ethnoscénologie, nos dias 3 e 4 de maio de 1995 na Maison des Cultures du Monde, em Paris.
36
Pradier, idem,pg.16.
37
Pradier, idem,pg.41.
124
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
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125
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
1
Ou sujeita a uma reinvenção que visa à mercantilização, como veremos no final dessa comunicação.
128
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
apropriado para a encenação da lavagem, ou seja, a Igreja da Madalena e sua escada, foi
mais importante que a celebração religiosa a uma entidade.
Essas observações nos conduzem para a percepção de que a festa, entendida como um
transplante de um evento religioso que perde os valores que tem na comunidade de ori-
gem, uma vez que o fato histórico e os elementos que o alimentaram não podem se repetir
com as mesmas significações, fundamenta-se de fato na representação de um espetáculo,
que celebraria uma suposta identidade brasileira.
Dentro da perspectiva dos estudos da sociologia pós-moderna, Stuart Hall afirma sobre
a identidade que
...como todas as práticas de significação, ela está sujeita ao “jogo” da différance (...) [en-
volvendo] um trabalho discursivo, o fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas,
a produção de “efeitos de fronteiras”. Para consolidar o processo, ela requer aquilo que é
deixado de fora – o exterior que a constitui. (2000, p.106)
Os efeitos de fronteira estabelecem-se nessa situação em relação àquela que é conce-
bida como a outra identidade em questão, ou seja, a identidade francesa. Nota-se, de fato,
no discurso dos entrevistados em geral, que a festa é sempre definida como “um evento
tradicional que ocorre no Brasil”, e nunca como um evento representativo de uma localida-
de do país. O organizador afirma, ainda, a fim de comprovar a força do catolicismo no país,
que “o Brasil tem uma igreja por dia”, ditado que se refere na verdade unicamente à cidade
de Salvador, a qual teria 365 igrejas, ou seja, uma para cada dia do ano.
Tudo se passa, assim, como se essa festa que se define como brasileira, que seria a
reprodução da Festa do Bonfim, ocorresse há quase dois séculos em nível nacional. Verifica-
se, no entanto, que esta generalização não é sentida como estranha pelos brasileiros pre-
sentes, o que pode ser explicado por duas razões primordiais.
A primeira razão diz respeito ao próprio funcionamento da identidade, a qual é sempre
ilusoriamente essencialista, una, fundada na tradição que persistiria ao tempo e na idéia de
que, pelo fato de formarmos uma comunidade, partilhamos os mesmos hábitos, a mesma
cultura, as mesmas crenças e tradições, enfim, fundada na idéia de que somos iguais. Esse
comportamento se confirma por exemplo no fato de não estranharmos afirmações
generalistas como “o brasileiro é festivo”; ao contrário, sentimo-nos identificados, sobretu-
do em contraposição a uma outra cultura nacional.
A segunda razão diz respeito ao conjunto de símbolos nacionais que se misturam ao
evento, provocando o que Hall denominou de “jogo da différance”, em alusão ao conceito de
Jacques Derrida.
O “jogo da différance” é marcado pelo adiamento e pela negociação que caracterizam a
construção da identidade, que nunca se acaba ou se fixa, a não ser ilusoriamente. Este jogo
se estabelece por formas simbólicas que definem o que somos “nós” em contraposição a
“eles”. A oposição, no espetáculo da festa, não somente se constrói pela presença dos sím-
bolos, anteriormente aqui evocados, que coincidem com os da Festa do Bonfim, mas sobre-
129
Ingrid Bueno Peruchi
tudo por símbolos como o carnaval de rua e a música brasileira, que não somente interpe-
lam os brasileiros em geral presentes, provocando sua identificação, como ainda provocam
a confirmação da expectativa dos franceses sobre o que seria a cultura brasileira.
Assim, se para o francês o Brasil é sinônimo de carnaval, com todo o conjunto de fatores
que ele pressupõe, como as fantasias, o samba e as mulatas, sua expectativa não se frustra
no conhecimento desse outro Brasil que a festa representaria, isso porque nesse outro Bra-
sil há pessoas dançando na rua atrás de um pequeno trio elétrico onde se apresentam
sobretudo cantores brasileiros estabelecidos na França, que cantam músicas de carnaval;
há ainda a ostentação do símbolo maior da nação, a bandeira brasileira; há a presença, em
meio ao cortejo, de pessoas vestidas com os paramentos de diversos orixás, os quais po-
dem ser facilmente interpretados, pelos olhares estrangeiros ou mesmo brasileiros inad-
vertidos, como meras fantasias carnavalescas. A presença de populações negras, não so-
mente formadas por brasileiros, mas também por antilhanos e por africanos, convidados
pelos organizadores para se integrarem à caminhada até a igreja, momento em que eles
dançam e tocam instrumentos, é também uma forma de reconforto da expectativa do fran-
cês em relação ao imaginário que eles possuem sobre a população brasileira, ou seja, a de
que o país é constituído por uma população essencialmente negra.
O “jogo da différance” que se encena confirma expectativas, tanto dos franceses quanto
dos brasileiros, reforça fronteiras da diferença entre eles, e, dessa forma, reafirma o exotismo
do país que se representa, ou seja, do Brasil em relação à França.
Essa noção de exotismo, de diferença e não compartilhamento entre as identidades em
jogo, também pode ser observada no momento em que se evoca a comunidade na discus-
são entre o apresentador do vídeo e o organizador da festa. Fala-se de uma “comunidade
brasileira em Paris”, que de fato não existe como tal, de forma unificada ou organizada, mas
cuja suposta existência representa a construção de mais uma fronteira.
Característico das comunidades é a idéia de fechamento, de união entre os membros;
no mundo da pós-modernidade, elas representam as chamadas minorias, que reivindicam
a valorização de suas particularidades culturais e de suas tradições, à contra-corrente da
uniformização ou do intercâmbio cultural próprio ao mundo globalizado. Uma suposta co-
munidade brasileira em Paris se estruturaria, assim, na afirmação e valorização de sua
brasilidade, sem buscar ou mesmo sentir uma integração com os preceitos culturais das
outras comunidades que a acolhem ou a circundam. Essa situação, porém, não tem lugar,
uma vez que os brasileiros estabelecidos em Paris não se organizam para esse fim, pois não
constituem uma forte imigração, e raramente se encontram ou se conhecem.
Ainda que a Festa da Madalena fale fortemente de uma questão de identidade, como
discutimos, uma outra dimensão não escapa ao espetáculo que se representa – a dimensão
da mercantilização.
Defende Roberto Motta, em artigo sobre a expansão histórica das religiões afro-brasi-
leiras, que elas passariam no momento atual por uma reinvenção e uma decomposição, que
130
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
estão ligadas à noção de mercantilização. Em síntese, defende o autor que as religiões afro-
brasileiras estariam sofrendo um processo de reafricanização que representa, na realidade,
uma estratégia de legitimação e autenticidade de certos terreiros em relação a outros
como forma de atração de um mercado abstrato de clientes e de consumidores de artigos
mágico-religiosos.
Essa nova realidade transformaria essas religiões em produtos, desvinculados doravante
de sua base social e étnica originária e submetidos a uma forma capitalista personalizada e
utilitarista. As religiões, como produtos, passariam ainda por um processo de
“espetacularização”, processo do colossal, do excessivamente elaborado. Nesse sentido, so-
bre a prática dos sacrifícios, afirma o autor que:
...ele não é mais um rito praticado na intimidade de um grupo fechado pelo parentesco,
tanto real quanto ritual, a tradição étnica ou a solidariedade de classe, mas alguma coisa
de espetacular, que se anuncia frequentemente na imprensa ou na televisão. (2002,
p.122)
A Festa da Madalena, como vimos, banaliza o candomblé, através da pouca ou confusa
informação disponibilizada sobre os preceitos desse culto, através da presença nas ruas
dos orixás carnavalizados e, ainda, através do isolamento discursivo desse culto em relação
à religião católica, como forma de torná-lo uma expressão religiosa autônoma. Nesse senti-
do, a festa é também objeto da crítica de Motta: o evento constitui um espetáculo, transmi-
tido pela imprensa, que visa a um grande público, a um grande mercado, tanto de brasilei-
ros residentes em Paris, os quais mesmo não tendo conhecimento da Festa do Bonfim par-
ticipam da Festa da Madalena por sua evocação de símbolos brasileiros mais amplos, quan-
to de franceses, que vão ao evento motivados por uma expectativa, um imaginário sobre o
Brasil, que não se frustra.
Mais do que a ocorrência de um evento religioso, observou-se a encenação de uma
grande festa de tema brasileiro. A festa representa, ainda, o palco de artistas brasileiros
estabelecidos em Paris ou vindos diretamente de Salvador. Esses artistas, praticantes ou
não do candomblé, devotos ou não do Senhor do Bonfim, concorrem por um espaço de
representação, que nada mais é que uma forma de divulgação mercadológica de seu tra-
balho para o público presente.
Promove-se, assim, uma festa, uma imagem do Brasil, artistas brasileiros e uma suposta
forma religiosa diferente e criativa, simples nas suas concepções e cuja existência é inde-
pendente da fé daqueles que na festa se reúnem. Promove-se, globaliza-se, reinventa-se
uma cultura brasileira adaptada ao público ou aos clientes, que guarda, assim, poucas se-
melhanças com as culturas de origem. Promove-se uma “Lavagem para francês ver”, que
não deixa de funcionar, ao mesmo tempo, como uma forma de interpelação identitária dos
brasileiros presentes e como mercantilização de uma expressão religiosa.
131
Ingrid Bueno Peruchi
Referências
BHABHA, H. K. O local da cultura. Tradução: Myriam Ávila, Eliana L. de Lima Reis, Gláucia R.
Gonçalves. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1ª reimpressão, 2001.
HALL, S. « Quem precisa de identidade ? » In : Tomaz Tadeu da Silva (Org), Identidade e
Diferença – A perspectiva dos Estudos Culturais, Petrópolis, Ed. Vozes, 2000.
________ A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e
Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2ª ed, 1998.
MOTTA, R. « L’expansion et la réinvention des religions afro-brésiliennes : réenchantement
et décomposition. », In : Arch. de Sc. soc. des Rel., 2002, n° 117 (janvier-mars).
WOODWARD, K. « Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual », In : Tomaz
Tadeu da Silva (Org), Identidade e Diferença – A perspectiva dos Estudos Culturais,
Petrópolis, Ed. Vozes, 2000.
132
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
A ETNOCENOLOGIA NA FRANÇA
HISTORICO
EVOLUÇÃO
ESTADO DA PESQUISA
PERSPECTIVAS
Jean-Marie Pradier1
Ciências e cultura:
« Espírito nacional »:
Ciências do « vivo »:
z A medicina chinesa antiga ignorava a anatomia (estudo analítico dos cadaveres), fun-
damento da medicina européia e em seguida « ocidental »), e privilegiava o estudo dos
circuitos energéticos do vivo.
z Medicina do orgão e medicina sistémica se opõem hoje ainda.
133
Jean-Marie Pradier
z Junho 1965, Londres. Colóquio organizado por Sir Julian Huxley : « Ritualization of
behaviour in Animals and Man »
z Etólogos : Huxley, Konrad Lorenz, R.A. Hinde, W.H. Thorpe, Desmond Morris, N.M. Cullen,
F.W. Braestup, I. Eibl-Eibesfeldt…
z Antropólogos : Sir Edmund Leach, Meyer Fortes, Victor Turner…
z Março 1898 : expedição antropológica do naturalista britânico Alfred Haddon nas Ilhas
do Estreito de Torres : encara a arte como uma forma de vida que cresce e evolui. Haddon
encoraja os seus informadores à retomar em segredo as práticas proibidas pelos missi-
onários locais.
z O ascendente de Darwin sobre Freud.
Darwin e a performance:
Darwin e Frazer:
Performance studies:
z As performances studies, nascidas nos Estados Unidos nos anos 70, foram aceitas nas
Universidades de cultura anglo-saxona, ou abertas às correntes de pensamento norte-
americanas.
z As performances studies são frequentemente ignoradas ou vivamente criticadas nas
Universidades de cultura latina, ou sensíveis à essas culturas (África francofona).
134
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
2008
z Etnomusicologia : desde mais de um século, já que estamos de acordo, apesar das ob-
servações ou dos trabalhos de Jean-Jacques Rousseau (1768), do Padre Amiot (1779),
de William Jones (1784) e de Guillaume Villoteau (1816), em considerar o artigo de John
Ellis (1884) consagrado à análise das escalas não-harmônicas, quer dizer estrangeiras à
nossa cultura ocidental, como o primeiro trabalho de etnomusicologia.
z Século XX : Antropologia : Marcel Mauss, Marcel Jousse.
z Sociologia : Jean Duvignaud.
z Antropologia do imaginário : Gilbert Durand.
z Os especialistas das « línguas e civilizações orientais » (Índia, China, Japão) INALCO,
Collège de France, EHESS.
z Université Paris 8, Etudes Théâtrales : LIPS Laboratoire Interdisciplinaire des Pratiques
Spectaculaires – Pesquisa sobre os CHSO, Comportements Humains Spectaculaires
Organisés (comportamentos humanos espetaculares organizados).
135
Jean-Marie Pradier
z Os colóquios do LIPS.
z Colóquio : « Aspectos científicos do teatro », Karpacz (Polônia), 12-16 de setembro 1979
(H. Laborit; E. Barba; J; Grotowski; G. Busnel; Roy Art Theater; K; Lupa...).
z Colóquio internacional : « Teatro e ciências da vida », 4-6 de junho 1984, Paris, Maison
des Cultures du Monde.
z Collège européen : « Práticas espetaculares e ciências da vida », Saintes, 24 de julho- 3
de agosto 1989.
z Seminário Internacional para a Pesquisa : « Emoções e complexidade », Saintes, 23-31
de julho 1991.
« Cada tradição especacular, segundo nossa opinião, não deve ser analisada relativa-
mente à sua simples relação ao teatro ocidental, esse que conhecemos e praticamos,
mas observando seu próprio funcionamento, principalmente com os instrumentos da
etnologia, o que nós não saberíamos fazer aqui. Para isso, remetemos à outras obras e
outros críticos, bem mais conhecedores do que nós dos modos de reprensentações ou
de ritualizações particulares à esses gêneros e à essas civilizações, de Richard Schechner
à Jean-Marie Pradier. E, evidentemente, remetemos o leitor à disciplina etnológica que
merece não ser confundida com os estudos teatrais, por que ela tem os seus próprios
métodos e suas próprias teorias », (GALLIMARD, 2006, p.14 - 983 páginas).
Especificidade reconhecida:
z Michel Corvin (Org.), Dictionnaire encyclopédique du théâtre, Larousse 2003, 2 tomes, 1920
pag.
z Artigo « Ethnoscénologie », de Cherif Khaznadar e J-M Pradier (nova edição aumentada,
publicação em breve).
136
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Encyclopaedia Universalis:
Preâmbulo
Aporias...
Disciplinas em movimento:
z Antropologia do sensível.
z Antropologia social e política.
z Antropologia cognitiva.
z Etnolingüística.
z Ciências religiosas.
z Historiografia.
137
Jean-Marie Pradier
z Psicobiologia.
z Neurobiologia.
z Etologia.
z Ecologia evolutiva.
z Estudos teatrais e coreográficos etc...
Noções em movimento:
z Ação.
z Cognição.
z Contexto.
z Emoção.
z Imaginário.
z Crênça (religião).
z Ritual & al..
Os a priori:
z As traduções : Ópera de Pekim, em vez de « Jingjiu », « teatro » indiano (ou teatro dan-
çado do Kerala) para o Kathakali...
z Ignorância do « teatro não clássico » europeu.
z As adaptações (exemplo : Loïe Fuller e os Japoneses)
138
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Metáfora teatral
Ciência e ideologia :
Teses :
z Ainda hoje inúmeras teses de doutorado tendo por objeto de pesquisa práticas não
européias são defendidas por estudantes franceses e estrangeiros, sem unidade
metodológica e às vezes, sem concertação, nos departamentos de:
z Artes cênicas
z Dança
z Antropologia, etnologia
z Etnomusicologia
z Estudos das línguas e civilizações orientais
139
Jean-Marie Pradier
Teses (Continuação)
z Os antropólogos ignoram o que tem a ver com o teatro (história, noções, práticas...).
z Os especialistas do teatro ignoram o que tem a ver com a antropologia (história, con-
ceitos, métodos).
z Os estudantes estrangeiros tem uma idéia simplista, ingênua e incompleta dos contex-
tos culturais europeus e da história européia das práticas : pobreza do vocabulário.
Estudantes estrangeiros :
Exemplo
z Em Taïwan, a antiga academia Fu Hsing, agora em 2006 National Taïwan College of
Performing Arts forma às « artes chineses e taïwanêses da herança ».
z Os departamentos das artes cênicas das diferentes Universidades formam à teorias e à
práticas dos teatros contemporâneos.
z Le Gezai Xi, gênero popular em grande parte improvisado faz o objeto de uma
codificação e de uma institutionalização.
Os estudantes e o idioma:
z A adoção dos termos e noções do idioma não vernacular não é dominada: Opera para
Jing Jiu ou Gezai Xi.
z A difusão da palavra « ritual » tende hoje à apagar as nuances e as especificidades das
práticas (exemplo do li em chinês ; missa para os católicos; « culto » para os protestan-
tes...).
Teses & problemas
Continuação
z Influência das teorias e noções, vocabulário europeus e norte-americanos.
z Ignorância das teorias « outras ».
z Monodisciplinaridade.
140
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
z Museo-centrismo.
z Vocabulário normativo: « superstições », « seita » etc...
Dificuldades epistemológicas:
Perspectivas institucionais:
z Fortalecer a rede internacional, inter-institucional e interdisciplinar (Ecole Normale
Supérieure, Collège de France; EHESS; INALCO).
z Tema de reflexão : a interdisciplinaridade.
Perspectivas epistémologicas 1:
141
Jean-Marie Pradier
Perspectivas epistémologicas 2:
Conclusão
z John Blacking.
z Em vez de interrogar-se sobre a possibilidade da definição de um objeto de pesquisa –
a música - , é melhor interrogar-se : « Qual é a natureza do homem? »
z How musical is man?
142
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
143
João de Jesus Paes Loureiro
Imagem de Orfeu que mergulha na profundidade das coisas, para resgatar a mulher
amada, o poeta mergulha na linguagem para desentranhar de suas encantarias, o poético,
a poesia, os poemas ali contidos. Evidentemente que, valorizando o sentido mítico e poéti-
co de ambos, não dizemos que mito e poesia seja uma coisa só. Mas, reconhecemos a di-
mensão poética do mito, na medida em que, mesmo tendo o primado da intuição semânti-
ca, o mito também revela uma configuração formal significante que é o princípio essencial
da consciência poética.
Utilizando a metalinguagem dos símbolos e tendendo a criar, por sucessivas aproxima-
ções, uma sorte de persuasão iluminante (como bem observa Gilbert Durand, ao estudar
mito e poesia), creio que o mito, pela linguagem, não faz outro percurso que não seja o do
antropológico para o poético. A incorporação da condição poética pelo mito revela tam-
bém, por substância, o denso processo que denomino de “conversão semiótica”.
A “conversão semiótica”, conceito amplo que apresento em Cultura Amazônica: Uma po-
ética do imaginário (2000) e o desenvolvo em A Conversão Semiótica na Arte e na Cultura
(2007), é o processo de mudança de função ou de significação dos fatos da cultura, ressal-
tando especialmente as artes, quando se dá uma mudança de dominante, re-hierarquizando
dialeticamente as outras funções.
No caso do mito, a sua conversão em poesia acontece quando a dominante deixa de ser
mágico-religiosa para tornar-se estética. Quando o mito deixa de ser o funcionamento de
códigos sociais e passa a ser linguagem significante, ou uma “prática significante”, como diz
Júlia Kristeva que é próprio das artes. Interfere nesse processo, o gesto de distanciamento
contemplativo diante do mito, que pode ocorrer tanto no interior de uma determinada
cultura, como na relação com o mito de outra cultura.
É verdade que organizar cronologicamente um sistema de pensamento, é papel do
mito, enquanto que à poesia compete organizar metaforicamente um sistema de valores
de palavras. Todavia, como nada que está só, está somente só, essas funções se
complementam e se alternam hierarquicamente, dependendo de um movimento dialético
de relações culturais.
Usando-se a consagrada predicação de Lévi-Strauss, pela qual “a poesia semelha situar-
se entre duas fórmulas: a da integração lingüística e a desintegração semântica” pode-se
dizer que, a conversão semiótica do mito em poesia, se dá quando o mito, deixando sua
matéria existencial oriunda de situações individuais ou de grupo, passa a reiterar ou legiti-
mar, pelo relato de palavras, o processo poético de integração lingüística e desintegração
semântica. Isto é, quando o mito, deixando de ser algo que parte de fatos naturais ou soci-
ais buscando a reiteração do sentido, passa a se constituir numa significação metafórica,
alegórica, numa imagem, numa ficção, num modo irruptivo do instante que nunca é igual a
outro.
Não estamos tratando, na dimensão poética, do mito como explicação de uma realida-
de. Falamos do prazer de ouvir sua narração, quando o interesse está centrado na forma do
144
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
narrar, quando então o mito se torna uma finalidade sem a representação de um fim. O mito
não estará sendo lido pelo intelecto, como forma de conhecimento que visa integrar com-
preensivamente uma realidade, mas sim, como um fato gestual da linguagem que se “re-
evoca” permanentemente. Como verbo epifanizado. Verbo na coreografia de si mesmo.
O mito, distanciando-se de ser a consciência da coletividade, torna-se a expressão do
sentimento, de uma sensibilidade estética. Passa a ser operado como uma integração lin-
güística, na medida em que é percebido pela linguagem significante e não pelo caráter
normativo que lhe dava equilíbrio e estrutura. O mito torna-se poesia quando, de forma
oral ou escrita, passa a ser narrado no domínio da linguagem, como matéria de linguagem.
Essa mesma linguagem que o poeta Hölderlin diz ser “o mais inocente e o mais perigoso de
todos os bens”. Tanto a poesia quanto o mito testemunham o nosso acontecer em diálogo,
para lembrar, ainda, o poeta da poesia. É no acontecer em diálogo que a vida deixa de ser
um destino solitário.
Pode-se dizer que, pelo mito, as pessoas sentem que algo existe, enquanto que, pela
poesia, elas sentem a sua própria existência. Instaurando o mito na palavra a poesia instaura
o ser do mito dessa palavra.
Intermediação entre o poeta e a coletividade, a poesia, na conjunção dos signos do
poema, vibra pela expressão da alma do poeta dialogando com a alma recriadora de quem
o lê. Linha inconsútil de sílabas e significações cristalizando a experiência luminosa do espí-
rito, a poesia no poema, é um permanente religar do mundo dos homens ao mundo dos
deuses e dos mitos.
O suporte material da poesia é o poema. E o poema é uma construção de palavras. De
palavras articuladas em linguagem e convertidas em signos. Uma linguagem, portanto, car-
regada de significação. Para compreendê-la intelectualmente, Roland Barthes caracteriza a
linguagem poética como um desvio sistemático da norma lingüística. Roman Jakobson tam-
bém fez, sobre o mesmo tema, uma hoje consagrada conceituação na linha formalista, se-
gundo a qual a linguagem poética é o resultado de uma equivalência do eixo da seleção
sobre o eixo de combinação. Conseqüência disso, o metafórico sobrepuja o metonímico e o
poema, sob a dinâmica obstinada da função poética e dotado de uma significação intrínse-
ca, assume o estatuto de um signo-objeto, capaz de conter em si mesmo a sua significação.
Desse modo, é o texto que fala. O poema é a fonopéia de uma outra voz. Nele se privilegia
a imanência da emoção e não a intencionalidade do interesse. A estrutura do texto poético
ultrapassa a finalidade da mensagem. Constitui-se fonte de significação insaciável e campo
de “correspondências”, como se percebe no homônimo poema de Baudelaire, poeta angu-
lar das transfigurações poéticas deflagradas a partir do fim do século XIX.
O mito, enquanto mito ou poesia, não faz uma cultura superior ou inferior à outra no
termômetro de graus de valor. Nele, o que se pode fazer quando o contemplamos como
artefato de palavras, como expressão poética, é deixá-lo dissolver-se na doçura de uma
degustação saborosa de brevidade e leveza. A realidade real do mito, a verdade de seu
145
João de Jesus Paes Loureiro
enredo, só está dentro dele, no entrevero bélico das personagens ou na candura dos seus
gestos de amor. Fora dele há a irrealidade das aparências essenciais, a essência revelando-
se pela aparência, isso que faz de toda arte Arte e, acima de tudo, poesia. Verdadeiramente,
e por tudo isso, o mito é um jorro de poesia na superfície do rio da linguagem.
Passam para o primeiro plano da expressão da língua padrão outros componentes des-
sa encantaria poética, nela submersos, como a entonação, o ritmo, a fonética, a plasticidade,
as assonâncias e as consonâncias. Signos de encantados que são o próprio recolhimento da
palavra no sagrado dos mitos, até que a palavra se torne, ela mesma, o sagrado que se
mostra na poesia.
Uma poética de visualidade virtual. Cena teatral fora do teatro, mas própria da
espetacularidade da linguagem poética. Uma etcenologia poética.
A etnocenologia se vincula ao conceito da cena moderna ultrapassando, no entanto, a
refencialidade estritamente teatral, ampliando a encenação como meio de figurar uma si-
tuação poética formal. No sentido da etnocelogia poética do mito, o grande interesse está
na cenarização que se opera através da linguagem. A forma lingüística configura o cenário,
revela uma espécie de meio-ambiente cenográfico em que a história se desenrola como
narrativa polifônica concentrada. Cada frase compõe com outra a arquitetura cenográfica e
presentificadora da ação. O seu sentido poético está em que a espetacularidade acontece
no âmbito virtual da linguagem expressiva do sentimento humano.
O mito como recepção é racionalizador, mas como comunicação formalizada é um im-
pulso do sentimento decorrente da função simbolizadora da mente humana. Configura-se
uma cena que pertence à eficácia do mito como ordenador de comportamentos, mas su-
bordinada aos efeitos da linguagem que lhe atribui um caráter poético.
As correntes que estudam as origens o mito, assim como da epopéia e da tragédia,
permitem perceber-se que o ritualismo é cenográfico. É dramatização de um sentimento
refletido em espaços diferentes do teatro. O mito contém figuras (personagens) aconteci-
mentos (dramatização). Tudo ocorrendo no âmbito narrativo da linguagem, na virtualidade
expressiva da palavra. Muitas formas teatrais também derivaram de rituais primitivos que
ilustravam os mitos, podendo-se lembrar os “mistérios”, as “tragédias gregas”, o “teatro kabuki”,
o “teatro Nô”, etc. É de Claude Lévy-Strauss a idéia de que o ritual, contrariando o mito,
procura imitar a continuidade do fluxo da vida. Penso que essa mimese da continuidade do
fluxo da vida se faz espetacularizando-se por via da linguagem, com acento em sua função
poética. É o que compreendo ser a dramaticidade cênica virtual do mito ocorrendo no
palco da linguagem.
O mito é uma etnoencenação poética da linguagem com uma finalidade contemplativa
e sem ordenamento legal executivo. Nesse ponto assemelha-se à epopéia. O mito é uma
épica comprimida. Narra algo objetivo e tem intercorrência com o maravilhoso que é o
imaginário fabuloso nele contido. Há no mito a oscilação entre o mágico-religioso do ritual
e o estético de sua investida na linguagem.
146
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Aqui não se deseja definir origens genéticas do mito: se ritualística, se poética. Procura-
se contemplar o mito como uma cena virtual no palco da linguagem. A linguagem, assim
como o theátron, como um lugar de se ver,
O cenário da narrativa legendária do mito e da sua construção decorre da imaginação
configurada segundo uma cultura. É o pertencimento cultural que estabelece a identifica-
ção entre o real e o imaginário, entre história e imaginário. As imagens cênicas e cenográficas
se impõem como co-reais, oscilando entre o virtual e o real. O imaginário, pelo mito, conver-
te-se em história. Caminha em sua realidade paralela no livre jogo entre real e surreal, fasci-
nando pelo maravilhoso revelado, aproximando-se da criação artística. O cenário do mito
resulta do rico material da imaginação nas mãos artesanais da razão.
O mito é uma epifania do imaginário irrompendo na realidade. Semelhante ao teatro é
a apresentação de uma ação através de personagens. Como espaço de ilusão equivale à
encenação teatral. A encenação de uma espécie de sonho. A imaginação encenando-se a si
mesma.
A modelação mitológica se constrói na configuração de um cenário virtual que expres-
sa o sentimento de espaço cênico onde o mito é encenado. É, portanto, uma “representa-
ção” fabulosa. Essa representação é no sentido da simbolização de algo, mas, também, como
atuação. É neste segundo sentido que emerge a etcenografia. Exatamente quando o mito
configura-se como representação espetacular.
O espaço mítico é sempre construído cenicamente, isto é, em função da ação narrada.
Um espaço em separado delimitado pela ação cênica virtual do mito. Um palco. É, portanto,
um espaço construído dentro das exigências cênicas funcionais da ação. Como no teatro é
um espaço no qual o espectador se inclui em uma participação contemplativa, como ocor-
re na experiência estética e no sonho. Assiste-se a uma encenação de acontecimentos para
os quais a “cenarização” é parte constitutiva e expressiva da ação. Cada elemento do cenário
mítico é simbólico. Constitui parte da linguagem cênica do mito, de sua eficácia expressiva.
O mito institui-se em um cenário que é de expressividade poética teatral, mas de signi-
ficação transcendental. Atrai para sua aparência estetizada, mas remete a uma esfera de
significações superiores. É uma etnocenarização poética equivalente a um ritual da lingua-
gem que tem sua significação além dela. Uma espécie de mitopoética teatral.
A representação do mito é sua “leitura”. Portanto, a representação cênica do mito é de
ordem mental e alegórica. Trata-se de uma idéia abstrata manifesta de forma visual, mas
virtual. A aparência imaginada de seres e coisas em que o mito mesmo é a idéia que repre-
senta. Uma alegoria que contém um conceito. Alegoria pura que através da encenação
introduz diretamente no universo das idéias. Um “agonistes” da subjetividade teatralizada.
A criação do mito é intercorrente com sua encenação. E a encenação do mito é sua
etcenologia poética.
147
João de Jesus Paes Loureiro
Referências
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Resumo
A partir de diálogos propostos pela etnocenologia, este trabalho, originalmente pro-
duzido como parte da tese de doutorado: “A visita do Divino: o sagrado e o profano na
espetacularidade das Folias do Divino Espírito Santo no entorno goiano do Distrito Federal”,
é uma reflexão sobre os processos de ofuscamento que a história recente da criação da
nova capital do Brasil proporcionou ao período pré-brasiliense, principalmente no que se
refere às práticas e comportamentos humanos espetaculares organizados. E este estudo é
feito tendo como referência duas manifestações tradicionais da região: as Folias do Divino,
presentes em quase todos os municípios circunvizinhos a Brasília, e as Caretadas de São
João, em Paracatu, Minas Gerais. Apesar da prevalência dos ideais modernistas que predo-
minam em quase todos os ambientes em que a cidade é assunto, esses dois ritos espeta-
culares têm como um de seus principais componentes, a afirmação, pelas pessoas comuns,
de um discurso que segue na contramão dessa via. Em seu cotidiano ordinário ou extraor-
dinário, esses atores, em teatralidades e espetacularidades que se repetem a cada ano, se
afirmam como participantes de uma verdadeira cena contemporânea, tanto em suas mani-
festações estéticas, quanto na presença de homens e mulheres que se negam a viver outro
tempo que não seja o seu aqui/agora. As duas manifestações têm em comum o fato de se
caracterizarem como cortejos votivo/precatórios, de adoração a divindades católicas, em
ambientes de atuação não oficial das paróquias das duas regiões. Ambas levando bandei-
ras de casa em casa, as Folias do Divino são derivações de festejos brancos, originalmente
europeus, enquanto as caretadas aqui vistas são praticadas em uma comunidade quilombola,
com vários componentes advindos de grupos de resistência negros do Brasil escravocrata.
Palavras - chaves: Etnocenologia, ritos espetaculares, Folias do Divino, caretadas,
teatralidade, espetacularidade.
Pela perspectiva das pessoas comuns, é este trabalho uma busca de compreensão do
que ocorre com algumas manifestações tradicionais na região denominada entorno do
Distrito Federal, a partir da inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960. Desde então o
*Jorge das Graças Veloso é Doutor em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, ator, diretor, dramaturgo e professor na
Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, em Brasília – DF.
151
Jorge das Graças Veloso
tratamento dispensado às práticas culturais dos que por ali viveram anteriormente é de
quase descaso, ou, em algumas situações, de considerar que por lá aqueles habitantes nun-
ca passaram.
Primeiro, pelo ofuscamento que a história recente da criação da nova capital do Brasil
proporcionou ao período pré-brasiliense. Poucas são as referências àquele tempo, relativa-
mente falando, nas publicações disponíveis em várias áreas do conhecimento, principal-
mente nas situadas no universo das ciências sociais, ou quase nenhuma quando o assunto
são as manifestações artísticas.
O segundo aspecto a ser considerado é que, quando estudada, a região é tratada quase
que simplesmente como uma grande arena para os embates políticos ou para o denomina-
do “desenvolvimento econômico”. As práticas e comportamentos mais relacionados às con-
vivências e interações societais ficam quase sempre relegados ao segundo plano.
O advento do modernismo da nova capital só reforça a forma menor com que as práticas
culturais não-brasilienses da região sempre foram tratadas. Se a cultura das pessoas comuns
da localidade já não era considerada, a partir de então, mesmo estas questões relacionadas às
convivências sociais cotidianas, como também as extra cotidianas, passam a ser distinguidas,
quase sempre, no âmbito do universo da nova cidade, e a ela subordinadas.
Talvez até pelo etnocentrismo que pode ser detectado no julgamento dos que por aqui
passaram, mesmo em tempos mais remotos, como, por exemplo, a herança da visita de
Auguste de Saint-Hilaire a Santa Luzia (hoje Luziânia), em maio de 1819. Mesmo reconhe-
cendo que os paradigmas reinantes na época eram outros e que, apesar disso, Saint-Hilaire
tenta incluir em suas anotações as manifestações cotidianas e extra cotidianas dos habitan-
tes da região, alertando que “não se deve julgar o interior da América segundo os padrões
europeus”, é constatado que não deixa o teórico francês de falar do povo da região com sua
visão colonizadora de mundo:
[...] ruínas, e uma triste decadência, tal é, em poucas palavras, a história da província de
Goiás. [...] A indolência contribuiu bastante para levar os fazendeiros da região a este
estado de penúria. Mas a miséria, que os embrutece e desanima, deve necessariamente,
por sua vez, aumentar a sua apatia. [...] em meio a bizarras cerimônias (SAINT-HILAIRE,
1975, pp. 14, 27, 96-97).
Ora, mesmo no mundo desses “indolentes, brutos, bizarros e miseráveis decadentes”, é
inegável que neste período já eram perceptíveis, em maior ou menor escala, várias práticas
que poderiam ser consideradas como componentes do discurso identitário daqueles po-
vos, ainda presente nos dias de hoje. Maiores que tantas características desqualificantes,
como as registradas acima, existiam, indiscutivelmente, outras, relacionadas à culinária, à
tecelagem, com as rodas de fiandeiras e seus cantares, jogos e brincadeiras, e às comitivas
de boiadeiros e tropeiros, condutores de gado e outros produtos. Sem citar todas as
vivências, cotidianas e extra cotidianas, das conversas de fim de tarde em frente aos casa-
rões, das festas religiosas, das visitas dos ciganos e dos mascates, ou até dos bailes na roça
152
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
153
Jorge das Graças Veloso
sonho de Dom Bosco e toda a sua mística sobre a fundação da cidade. A grande utopia “de
uma terra prometida, que jorra leite e mel”. Onde haverá “uma riqueza inconcebível” e “onde
serão construídas dezenas de casas de salvação”.
Por esta perspectiva não poderia ser diferente a visão que estudiosos das artes têm
sobre a cultura da cidade. Em seu trabalho A Educação pela Arte: O caso Brasília, Maria de
Souza Duarte (1983) fala de uma “convergência de várias culturas para um ‘vazio’ localizado
no Planalto Central, sem tradições ou experiências anteriores que funcionassem como nú-
cleos iniciais para uma identidade comum”. Angélica Madeira (2002, p. 188) diz que “Brasília
é especial por ser projetada para sediar o governo e por ser inscrita sobre um espaço vazio,
onde não havia nenhuma referência cultural prévia”.
Esta idéia de que Brasília veio ocupar um vazio só reforça o raciocínio de que a cultura
pré-brasiliense é desconsiderada. E o paradoxo do tratamento dispensado às culturas que
antecederam na região, a inauguração da nova capital, também é demonstrado por todas
as letras, igualmente em escritos de diversos outros autores e teóricos que discorreram
sobre a cidade.
Vários são os estudos que demonstram o quanto Brasília é tratada como o centro místi-
co do Brasil, e, em arroubos de exagero, até como a nova terra prometida do universo1. Ora,
se este caráter místico-religioso tem sua força cultural reconhecida por tantos autores, como
poderia o Distrito Federal estar ocupando um vazio, se o espaço por ele “tomado” era antes
habitado por povos que tinham na religiosidade um de seus traços mais característicos?
Práticas sagrado-profanas relacionadas a manifestações religiosas da região foram inicia-
das pelo menos duzentos anos antes, como pode ser comprovado na criação da festa do
Divino Espírito Santo em Luziânia, Formosa e Planaltina, na segunda metade do Século XVIII.
Existem registros de cavalhadas, folguedos, dramas e comédias, nas mesmas cidades, mui-
to antes do evento da transferência da capital (REIS, 1978). Sem falar de Pirenópolis que,
com suas igrejas centenárias, seu teatro do século XIX e suas famosas cavalhadas, é hoje um
dos grandes pólos turísticos do Estado de Goiás, com suas manifestações da mais pura e
genuína característica místico-religiosa ou sagrado-cultural.
Donde podemos constatar a existência de uma rica cultura pré-brasiliense estabelecida
nos costumes, na arquitetura, na alimentação e, principalmente, no sagrado/profano relaci-
onado às manifestações religiosas. Manifestações estas que, queiramos ou não, criam uma
ética e uma estética próprias das pessoas comuns que habitavam a região e que continuam
fazendo do entorno de Brasília seu principal espaço de convivências.
1
Sobre este tema podem ser consultados desde o mítico Sonho de Dom Bosco até publicações mais recentes, incluindo várias teses e dissertações
sobre a cidade. Ver, dentre outros: BOSCO, Terésio. Dom Bosco: uma biografia nova, São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1993; CALMON, Pedro. Brasília:
Catedral do Brasil, Rio de Janeiro: Fon-Fon, 1970; FREITAG-ROUANET, Bárbara. A cidade brasileira como espaço cultural. Brasília: Série Sociológica
N. 161, 1999; IBARRA, Andrés Rodrigues. Em busca da sintonia universal: O narcisismo e a procura pelo esotérico em Brasília. Dissertação. (Mestrado
em Sociologia). PGSOL – Universidade de Brasília. Brasília: UNB, 1992; NUNES, Brasilmar Ferreira (Org.). Brasília: A construção do cotidiano, Brasília:
Paralelo 15, 1997; ZAGO, José Marques. Brasília: símbolo de fé: guia turístico de Brasília, Brasília: Departamento de Turismo e Recreação do Distrito
Federal, s.d.
154
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Mesmo Brasília tendo nascido com o que James Holston chama de “pedigree” dos CIAM2,
com uma premissa fundamentalmente utópica de que sua concepção e organização deve-
riam transformar a sociedade brasileira, o passar do tempo provou que, para o bem e para
o mal, para o pior e para o melhor, a nova capital federal se consolidou de forma bastante
diversa da utopia de seus fundadores.
Talvez porque, nesta utopia, possamos encontrar contradições intransponíveis nos pla-
nos das cidades modernas. Em Brasília, compreendo que existiu, na defesa de seus ideais, a
reafirmação dos processos de exclusão que se propunha extinguir. Seus idealizadores fa-
lam de uma “indesejável estratificação social” que deveria ser eliminada da sociedade, mas
propõe extirpar da cidade a noção de rua e de mercado popular. É nesses espaços onde se
dá, naturalmente, a maior força das manifestações culturais das pessoas comuns. É nessas
ruas e nessas praças de mercados que esses atores mais expõem seus valores relacionados
às práticas culinárias, de vestir-se, dos cantares e falares diversos, suas gestualidades e suas
manifestações cênicas de várias ordens, suas teatralidades cotidianas.
A “relação instrumental entre arquitetura e sociedade” (HOLSTON, 1993, p. 29), mesmo
sendo as pessoas “forçadas” pela “nova concepção de vida”, não foi capaz de ocultar as anti-
gas experiências sociais com suas formas de associação coletiva e de hábitos pessoais. E,
novamente para o bem e para o mal, a força das pessoas comuns se impõe: novas trilhas
que teimam em surgir nos gramados dos eixos rodoviários da cidade obrigam as autorida-
des a criar novas calçadas, mesmo com o sentido simbólico de autorizar o desrespeito às
passagens subterrâneas por sob as pistas de alta velocidade; as quadras, proposta de subs-
tituição asséptica dos tradicionais quarteirões, são tomadas por camelôs, vendedores am-
bulantes e artistas de rua; áreas públicas são invadidas por bares, lanchonetes e restauran-
tes, em todos os níveis sociais, criando e reafirmando um mundo boêmio não previsto nas
pranchetas dos arquitetos; e, principalmente, grandes invasões de áreas públicas obrigam
os governantes a criar, quase que diariamente, novas cidades. E estas cidades, inicialmente
chamadas de assentamentos, se estabelecem com todas as formas tradicionais de convi-
vência social, o que vem provar que as pessoas comuns, a despeito de tudo, acabam crian-
do seus próprios atalhos.
Velhas práticas societais, dentre as quais destaco as folias e as caretadas, mesmo pas-
sando por um longo período de menor importância aparente, e mesmo tendo sido tratadas
com esta carga de desqualificação histórica, se mantiveram vivas o suficiente para, a partir
de meados da década dos noventa, readquirir seu antigo vigor.
2
Os CIAM, Consgrès Internationaux d’Architecture Moderne, se constituíram, de 1928 até meados da década dos sessenta, no mais importante
fórum internacional de debates sobre a arquitetura moderna. Tinham como premissa a transformação social, ou seja, a de que a arquitetura e o
urbanismo modernos seriam os meios para a criação de novas formas de associação coletiva, de hábitos pessoais e de vida cotidiana. O trabalho
de James Holston, A cidade modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia (1993) é bastante esclarecedor de como os CIAM, que tiveram em Le
Corbusier seu nome de maior excelência, se propuseram a mudar o mundo.
155
Jorge das Graças Veloso
3
Armindo Bião ( ) agrupa as PCHEO, objetos de estudos da etnocenologia, em três subconjuntos: artes do espetáculo, como prática substantiva,
que incluiria o teatro, a dança, a ópera, o circo e outras artes, mistas e correlatas; ritos espetaculares, englobando rituais religiosos, festas, cerimônias,
eventos políticos e esportivos; e as formas cotidianas que são repetidas rotineiramente, às quais chamo simplesmente de rituais.
156
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
A segunda reunião, chamada de visita ou giro, ocorre durante o dia, entre um pouso e
outro ou, eventualmente, pela manhã, enquanto todos esperam pelo almoço. Geralmente
são paradas rápidas, onde são feitas orações e cantorias de saudação a imagens de santos,
em altares improvisados, e aos donos da casa e seus familiares. São consumidas, também,
grandes quantidades de quitandas, doces, bebidas diversas, inclusive alcoólicas, quase sem-
pre cachaça de alambique, e, quando solicitado, dançado o catira. Com exceção de uma ou
outra visita efetuada pela manhã, o trajeto entre os pousos se dá a cavalo.
As folias representadas em terras brasileiras se caracterizam ainda como derivações
dos cortejos organizados no Portugal dos séculos imediatamente anteriores às viagens de
conquista que culminaram com a invasão espetacular das “terras brasilis” em 1500. São jun-
ções de procissões rogatórias em benefício dos coroados festeiros do Divino Espírito Santo
com as danças tradicionais realizadas ao som dos adufes, espécie de pandeiros. Por mais
que tenham tido contribuições das culturas ameríndias ou negras, são, essencialmente,
representações herdadas de brancos europeus.
Consideremos então os vários aspectos de caráter social das manifestações cênicas,
sejam elas estabelecidas no campo das artes do espetáculo ou dos ritos espetaculares, e
aos estados de corpos verificáveis em suas técnicas, cotidianas e extra cotidianas
(BIÃO,1999.). As Folias do Divino Espírito Santo se nos apresentam, então, como espaços
onde podemos refletir sobre o pilar epistemológico da etnocenologia, que nos remete às
categorias de teatralidade e espetacularidade.
Ainda segundo o artista pesquisador baiano, teatralidade é “quando o sujeito age e se
comporta para a alteridade, com uma consciência mais ou menos clara mais ou menos con-
fusa de organizar-se para o olhar do outro”. Já espetacularidade é “quando o sujeito toma
consciência clara, reflexiva, do olhar do outro e de seu próprio olhar alerta para apreciar a
alteridade” (BIÃO, 1999, p. 366.).
Já no que diz respeito às caretadas, além de localizá-las no âmbito das práticas e com-
portamentos humanos espetaculares organizados – PCHEO, objetos de estudos da
etnocenologia, e sua relação com os mesmos caracteres localizados nas folias, nos interes-
sam outro conjunto de percepções.
O primeiro aspecto a ser relacionado é o fato de que esta prática se localiza em um
ponto um pouco mais distante de Brasília. É um rito espetacular de adoração a São João,
que se realiza em uma comunidade quilombola, os Amaros, que luta para recuperar suas
terras, tomadas por fazendeiros na década de 60, nos arredores da cidade mineira de
Paracatu, aproximadamente a duzentos quilômetros do quadrilátero do Distrito Federal. As
influências da nova capital, portanto, não são as mesmas dos municípios do entorno oficial.
O que mais se alterou no cotidiano dos habitantes do lugar, além do êxodo provocado pela
proximidade do chamado “novo pólo de desenvolvimento”, foi o fato de que a cidade é
cortada pela rodovia federal BR 040, que liga Brasília ao Rio de Janeiro.
157
Jorge das Graças Veloso
O segundo se refere à descendência negra dos que fazem a festa observada. Sendo
também um cortejo, carrega como um de seus principais elementos o fato de que todos
permanecem anônimos durante o trajeto, que se dá conforme a narrativa a seguir.
Na noite de São João, de 23 para 24 de junho, durante vinte e quatro horas,
ininterruptamente, os homens da comunidade se vestem com roupas coloridas, metade
masculinas, metade femininas, e armações feitas de fitas que descem de seus chapéus de
palha, retrabalhados. Com máscaras (caretas, como eles dizem) cobrindo seus rostos, for-
mam pares anônimos e, em cortejo, ao som de violões, acordeons, pandeiros e caixas, saem
dançando de casa em casa para louvar as virtudes do santo padroeiro. Nos mesmos moldes
das folias, em cada residência que fazem paradas, sinalizadas com bandeirolas de papel
crepom, são recebidos com um altar para o santo, muita comida e muita bebida.
Depois do pedido de licença para entrar, os mestres cantadores sentam-se numa das
extremidades do terreiro e começa a dança. Os “casais” fazem evoluções, algumas delas
parecidas com as quadrilhas, outras livremente improvisadas, e, ao se aproximarem dos
cantadores, são obrigados a dizer um verso de louvação. Todo o ritual é realizado como uma
oração que antecede a parada para a comida e as bebidas. Depois das rezas costumeiras, o
santo é retirado do altar e o giro recomeça, até o dia seguinte.
O terceiro aspecto que considero de maior relevância no universo dos Amaros é que, na
fala dos fazedores das caretadas, está presente um discurso identitário consciente e deli-
berado, feito como afirmação da luta do grupo pela recuperação das terras perdidas. Para
eles, manter a tradição das caretadas é manter viva a possibilidade de resgate da herança
do patriarca Amaro das Mercês. Esta é uma prática com a qual todos eles conviveram, os
vivos e os que os antecederam, muitas décadas antes do surgimento de Brasília.
Da mesma forma que as folias do Divino Espírito Santo, tão recorrentes na região, por
significações antigas ou por re-significações mais atuais, as caretadas permanecem como
testemunho de que, apesar de todas as mudanças impostas pela convivência com a proxi-
midade da já quase cinqüentenária capital do Brasil, continuam vivas para cada um de seus
participantes.
Donde podemos constatar que, a despeito de ordens e imposições ideológicas, de di-
reitas ou de esquerdas, a vida social se dá por outros caminhos. E principalmente pela or-
dem da interação, em que os homens e mulheres comuns da vida cotidiana, a partir de
éticas e estéticas próprias, estabelecem as suas práticas de si, individuais ou societais,
(re)criando as normas vivenciais de seu dia-a-dia muito mais a partir das coisas vistas como
elas são do que propriamente de um utópico “dever ser” imposto por outrem.
E donde também concluo que, mesmo sendo Brasília reconhecida mundialmente pelo
que tem de melhor em sua estética modernista, estando inclusive sua área mais “nobre”
inscrita entre os monumentos tombados pela UNESCO como patrimônio cultural da huma-
nidade, as pessoas que vieram a habitá-la ou que em seu ambiente permaneceram desde
antes, se tornaram maiores que as ideologias dos que a fundaram. Com todas as contradi-
158
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Referências:
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Resumo. O artigo parte da hipótese de que a natureza do lugar teatral é ser um agente,
uma espécie de mídia definidora do processo teatral responsável. Desse modo, o lugar
teatral revelaria uma cartografia caracterizada pelo múltiplo, fortemente ligado ao concei-
to de cidade. A partir desse conceito de lugar teatral se discutiria uma poética da ocupa-
ção, destacando-se a “crise” do edifício teatral e a importância da atividade Teatro se vincu-
lar social e culturalmente ao lugar geográfico.
Palavras chave: Lugar teatral, teatralidade, comunicação teatral, espaço teatral
Para Anne Ubersfeld, o teatro é espaço (1996, p. 49). Tal afirmação é fruto da compreen-
são do teatro como a arte do concreto 1, cuja materialidade se formaliza por meio da orga-
nização desse espaço 2. Suas idéias, de certo modo, dão continuidade aos pressupostos de
Artaud, que dizia que “a arte teatral, por mais fugaz que possa parecer, é baseada na utiliza-
ção do espaço, na expressão dentro do espaço (1995, p.83)”.
Não são raras as confusões conceituais que envolvem a noção de lugar teatral 3. Esta
situação se justifica, em parte, pela proximidade que existe entre os conceitos de espaço e
lugar, e pelo fato de existir uma multiplicidade de outros conceitos em torno da categoria,
ou seja, pelo sentido polissêmico da expressão.
No Brasil, adiciona-se a esta questão o fato de o termo lugar teatral não ser usual, pelo
menos até o presente momento, entre os artistas no seu cotidiano.
Assim, encontramos, em substituição à denominação de lugar teatral, algumas outras
nomenclaturas, tais como “edifício teatral”, ou simplesmente “teatro”. Estas denominações
são utilizadas naqueles eventos teatrais que se realizam em um edifício. Quando a ação se
desenvolve fora do edifício teatral, ao ar livre ou em algum tipo de edifício de outra nature-
za (casarão, fábrica, etc.), o termo empregado com mais freqüência é “espaço”, em várias
acepções: espaço cênico, espaço teatral, espaço alternativo, espaço inusitado. Em alguns
casos, mantêm-se a denominação “teatro”, associando-a ao nome do lugar, como são os
casos do Teatro Casarão do Belvedere, Teatro Casa FAU - Maranhão.
A questão proposta pode se desdobrar em vários questionamentos. Qual o significado
toponímico dessas variações? Serão elas aleatórias? Ou a existência de várias denomina-
1
“O fascínio exercido pelo teatro – em perpétua crise, mas indestrutível – mantém-se, antes de tudo, por ser ele um objeto no mundo, um objeto
concreto, por sua matéria não ser uma imagem, mas objetos e seres reais: seres, sobretudo, o corpo e a voz dos atores (UBERSFELD, 2005, p.190)”.
2
Cabe ressaltar que tais afirmações sobre o espaço não podem ser confundidas com a idéia de um lugar, seja ele da cenografia ou da arquitetura
teatral.
3
Segundo Gay McAuley (1999, p.286), alguns escritores franceses utilizam lugar teatral como sinônimo de espaço teatral, sendo possível de
constatar nos títulos da coleção Arts du Spectacle, publicado pela CNRS, Le lieu théâtral à la Renaisssence (1964); L’Espace Théâtral médiéval
(1975); e Lieu Théâtral dans la société moderne.
161
José Simões de Almeida Jr.
ções do lugar teatral seria resultado da expressão de uma tipologia do edifício teatral?
Estariam essas mudanças relacionadas a uma questão de identidade do Teatro na socieda-
de?
Para Santos:
O fato simples de reconhecer e nomear um objeto supõe um aprendizado, explícito ou
implícito. A linguagem tem um papel fundamental na vida do homem por ser a forma
pela qual se identifica e reconhece a objetividade em seu derredor, através dos nomes
já dados. Para alguns autores, o ato fundador é dar um nome e, por isso, é a partir do
nome que produzimos o pensamento e não o contrário (2004 a, p.67).
Colocada a questão desta maneira, podemos estruturar o seguinte raciocínio: o lugar
teatral é um dos modos da atividade Teatro tornar-se “visível” ao conjunto social, portanto,
de se deixar apreender pela sociedade. Uma variação na nomenclatura poderia indicar,
sim, uma mudança de atitude do teatro em relação ao grupo social. Todavia, não podemos
afirmar qual seria esse tipo de mudança ou quais seriam os fatores responsáveis por tal
procedimento.
Desse modo, tomamos como ponto de partida que a nomeação de um lugar ocorre,
basicamente, com o objetivo de identificá-lo geográfica em um dado espaço. Portanto os
nomes, nesse sentido, seriam registros sócio-políticos de localização, e estariam vinculados
ao contexto de uma época, como também revelariam a existência de uma tendência para a
substituição de velhos por novos lugares no conjunto urbano.
Esse “movimento” pela nomeação dos lugares teatrais nos leva a supor, nos casos em que
a denominação do edifício é “espaço”, que a proposta destes locais deveria romper arquite-
tonicamente ao menos (externa e internamente) com o modelo de edifício teatral dito à
italiana. Afinal, a denominação “espaço” faz parte de um conjunto de referências conhecidas
pelos profissionais da área, e se encontra vinculada a um modelo de espaço cênico denomi-
nado polivalente. O uso da palavra “espaço”, no ambiente teatral, carrega uma conotação
histórica articulada a uma tipologia específica de espaço teatral.
Se essa condição fosse uma norma praticada por todos esses lugares denominados
“espaços”, estes deveriam apresentar, pelo menos, duas propriedades. A primeira seria a de
um espaço cênico associado à noção de polivalência, isto é, dotado de mobilidade, com a
possibilidade de ser modelado de diferentes modos. E a segunda, ligada à idéia de neutra-
lidade, refere-se a um lugar no qual se pode adaptar qualquer tipo de evento teatral.
A denominação “espaço”, logo não seria aleatória, pois estaria ligada a um tipo de lugar
teatral com as características do múltiplo. Um outro aspecto dessa denominação (espaço)
seria o de relacioná-la, no sentido polissêmico da palavra, a uma idéia de ocupação, que
poderia sugerir ao espectador também a idéia um local dinâmico, a ser ocupado, dotado
de simultaneidades, etc. O que, de certa forma, refletiria o entendimento, as condições e o
modo mais freqüente de apreensão teórica do espaço na atualidade.
162
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Freydefont comenta que, durante os anos de 1950 e 1970, havia na França uma prefe-
rência “por uma arquitetura temporária, inacabada, uma arquitetura desmaterializada” (1997,
p.26) que privilegiava a flexibilidade. Esse espaço seria, de acordo com o autor, “uma aplica-
ção concreta do princípio do espaço vazio 4”, formulado por Craig (1997, p. 26).
Contudo, percebe-se na prática que nem sempre a denominação “espaço” corresponde
à proposta de um espaço cênico polivalente. O que nos traz de volta ao ponto de partida na
questão toponímica: o que significa, de fato, essa variação na nomenclatura dos lugares
teatrais em São Paulo?
Trata-se de uma questão que nos pode levar a vários caminhos, e vale aqui uma obser-
vação: independentemente da função ou de uma tipologia de espaço cênico, o nome dos
lugares muitas vezes expressam um desejo separado da coisa em si (FOUCAULT, 2002). Seja
ele qual for e do tipo que for, quer se concretize ou não, será a partir desse desejo, expresso
na sua nominação, que se irá projetar a apropriação cultural do lugar teatral pela cidade,
uma vez que é com o nome escolhido que ele se divulga, isto é, torna-se público.
Avancemos um pouco mais na reflexão. Se a denominação “espaço” estivesse relaciona-
da com a identificação de um tipo específico de lugar teatral, teríamos aí, por conseguinte,
implícito o desejo (estético) de romper com o lugar teatral tradicional, e de propor um
espaço a ser utilizado na sua totalidade, dotado de reversibilidade entre a zona do público
e a zona do palco. Estaríamos oferecendo, enfim, um espaço livre.
Todavia no cotidiano, apesar de bem intencionados, tais espaços nem sempre atingem
esse objetivo. Em alguns casos, sob a denominação de espaço, o que se encontra é um
edifício teatral precário.
A precariedade, por si só, segundo Freydefont, não é uma qualidade negativa. Ao con-
trário, é dotada de um dinamismo provocador dentro do processo de criação. De acordo
com Freydefont (1997, p.31), foi esta qualidade que inspirou Ariane Mnouchkine para a
ocupação da Cartoucherie 5 - “um lugar improvisado” – que, mesmo após se institucionalizar,
mantém a aparência da precariedade 6 inicial.
Esses lugares precários a que nos referimos são locais improvisados, adaptados em
edifícios que foram construídos para uma outra função. Hoje, são uma recorrência em mui-
tas cidades do mundo. No entanto, a questão que se coloca é a seguinte: até onde essa
precariedade, que deveria ser uma premissa ligada à estética da produção artística, não se
encontra, em muitos casos, associada à outra questão do “empobrecimento” da atividade?
Tal possibilidade revela não a opção pela precariedade, mas uma impossibilidade de se
fugir na luta pela sobrevivência – a precariedade como uma condição não escolhida.
4
Em 1922, Craig propõe um teatro que seja um espaço vazio, compreendido como um espaço modelável onde para cada tipo de drama se
construa uma arquitetura (cena-sala) que seja adequada e temporária (FREYDEFONT, 1997, p.21).
5
Cartoucherie – antiga fábrica de munições do exército francês – construída na época de Napoleão III, é a sede do Théâtre du Soleil, sob direção
de A. Mnouchkine, desde agosto de 1970.
6
Instituir a precariedade como característica de um espaço é uma ação antagônica ao conceito de dinâmico que um espaço precário pode oferecer.
163
José Simões de Almeida Jr.
Serroni afirma que temos poucos exemplos de espaços verdadeiramente pensados para
serem flexíveis ou polivalentes. Segundo ele, no Brasil “algumas tentativas isoladas são rea-
lizadas, geralmente calcadas na improvisação e na adaptação caseira de galpões ou gara-
gens, sem recursos, sem condições acústicas e técnicas” (2002, p.33), o que reforça a idéia
do empobrecimento da função teatral.
A situação é complexa, pois os limites entre o processo artístico, sua opção estética e o
evento teatral, o social e o cultural são tênues. Esse empobrecimento estaria atrelado a
quê? À falta de uma política cultural? À formação legal da profissão? À ausência de parâmetros
normativos de regulação da atividade profissional? Sim, pois atualmente qualquer pessoa
pode, de um momento para outro, fazer teatro profissional. Praticamente, não há norma,
sequer parâmetros 7. Essa liberdade seria fundamental? Ou se encontraria ligada a uma
mudança do papel do teatro como função social? São indagações que não surgem somen-
te da propalada “crise” criativa permanente do teatro. Referem-se à própria qualidade da
inserção da função artística do Teatro dentro do conjunto social.
Afirmar que o teatro mudou é incorrer em tautologia. Pois se a sociedade e as pessoas
mudam, o Teatro, sendo feito por pessoas em um determinado local-tempo, é puro dina-
mismo. Portanto, ele é sempre o presente em movimento. A “crise” se dá quando se tenta
fixar esse processo dinâmico em um modelo de sistematizações e reproduzível.
Nesse sentido, uma discussão do papel do lugar teatral é significativa, assim como o
papel da dramaturgia, pois eles são os elementos visíveis, representantes fixados no tem-
po e no espaço, tal qual a marca concreta de um modelo de uma outra época, o que Milton
Santos denomina de rugosidades.
Entretanto, ele nos alerta: “as rugosidades não podem ser apenas encaradas como he-
ranças físico-territoriais, mas também como heranças sócio-territoriais ou sócio-geográfi-
cas” (SANTOS, 2004 a, p.43), o que equivale a dizer que o valor do local se altera no tempo e
no espaço de acordo com a produção que ali se realiza e se expressa para o conjunto da
sociedade.
Dito isto, ao propor a discussão do precário e do empobrecimento, não se deseja
posicioná-la na relação causa-conseqüência. Nem estabelecer juízos de valor, mas sim
relativizar o sentido do precário como opção estética.
Não são raros os exemplos de “romantização” do Teatro realizado em condições precári-
as. Por outro lado, tem-se a aceitação dessas situações de adaptação de lugares, vista como
uma solução diante do quadro de ausência de investimentos para a construção de edifícios
teatrais. Serroni comenta:
É alentador construirmos mais salas num país em que a quantidade de casas de espetá-
culos por metro quadrado é muito pequena, mesmo que esses espaços sejam inade-
quados. Melhor tê-los assim do que não tê-los (2002, p.34).
7
A Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, dispõe sobre a regulamentação das profissões de Artista e de Técnicos em Espetáculos de Diversões, e
fornece outras providências. Entretanto, ela não se constitui num fator limitante para o exercício da profissão.
164
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Ao discutir a questão do lugar, um dos aspectos relevantes está no fato de ele não se
encontrar, necessariamente, ligado a uma estrutura edificada determinada. Assim, a utiliza-
ção do termo lugar teatral deve ser empregada, no sentido geográfico, para todos os luga-
res nos quais ocorram eventos teatrais. Por conseguinte, o lugar teatral contém, ao mesmo
tempo, os condicionantes do espaço teatral e do espaço geográfico.
Para Santos, o lugar representa o cotidiano. É o local da materialidade e da sociabilida-
de, onde se manifestam as técnicas necessárias para a produção e sobrevivência. O lugar
deve ser considerado como um mediador entre o Mundo e o Indivíduo. E afirma ser o lugar
“o depositário final, obrigatório, do evento 8” (2004 a, p.144).
A compreensão dos lugares somente se dá, de acordo com Santos, na compreensão da
Totalidade - Mundo: “o que se passa em um lugar depende da totalidade de lugares que
constroem o espaço” (2004 b, p.153). Portanto, não é possível compreender o lugar pelo
lugar, mas somente pelo entendimento da rede de lugares do qual faz parte.
Um lugar se diferencia de outros lugares por apresentar características e um modo de
organização própria. A definição do lugar, logo, está condicionada a esse conjunto de
especificidades.
Trata-se de uma característica importante do lugar – a sua especificidade. Cada lugar é
um lugar diferente, com respostas e operadores distintos, com tempos de respostas e de
ação próprios em relação ao conjunto social. Sendo assim, se imaginarmos que exista uma
ordem global econômica, que deseje impor a todos os lugares, em escalas superiores ou
inferiores, uma única racionalidade, apesar de tal ação, os lugares responderiam de manei-
ras distintas. Primeiro, porque não existem lugares iguais; segundo porque, seja qualquer a
ação global, devido à singularidade do lugar as respostas se dariam em escalas diferentes,
e terceiro porque, mesmo diante de uma ordem global, sempre existe uma ordem local.
Segundo Santos, a ordem local “funda a escala do cotidiano, e seus parâmetros são a co-
presença, a vizinhança, a intimidade, a emoção, a cooperação e a socialização com base na
contigüidade (2004 a, p. 339)”.
O conceito de lugar teatral proposto Ubersfeld (1996) também se aproxima do sentido
de lugar como singularidade. É designado aí como um “fato dado”, de caráter social, cultural,
de “base sociológica” e que, fundamentalmente, se estabelece pela relação com a cidade.
É essa singularidade que assegura ao lugar teatral distinguir-se no conjunto social. No
entanto é de perguntar: que elementos teriam permitido a um dado lugar geográfico ser
denominado lugar teatral?
Retomando as idéias apresentadas no capítulo anterior (pág.36), vale lembrar o lugar
teatral compreendido como um agente, uma espécie de mídia definidora do processo tea-
tral. Nesse sentido, ele seria uma porção do espaço significado, no qual “se evidencia a
8
O evento para Santos em muito se assemelha à condição de evento teatral. Pois afirma “os eventos são, todos, Presente. Eles acontecem em dado
instante, uma fração de tempo que eles qualificam. Os eventos são, simultaneamente, a matriz do tempo e do espaço” (SANTOS. M., 2004 a, p.145).
165
José Simões de Almeida Jr.
166
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
o distinguem e o caracterizam no conjunto social com o qual o evento teatral deverá dialo-
gar.
Referências:
167
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
A disciplina cujo colóquio é o objeto, mobiliza o prefixo « etno », então ela tem preten-
sões etnológicas ou antropológicas: assim, ela se inscreve de fato entre as disciplinas de
pesquisa dirigidas ao conhecimento do outro, através notadamente, o comparatismo. Me
interessarei aqui às interações entre a antropologia e o « estudo do corpo em vida nos
espetáculos do mundo », pois, a partir do meu percurso de jovem pesquisadora em antro-
pologia e praticante do teatro, uma ligação estreita, acho, tece as suas abordagens
epistemológicas.
Eu fiz minha aprendizagem através de uma antropologia podendo ser qualificada de
« modal », ao lado de brasilianistas da Universidade Lyon 2, como François Laplantine, Thierry
Valentin e Martin Soares, pesquisadores ligados ao departamento de antropologia da UFBA.
Mas, afinal, não foram tanto os seus cursos e trabalhos passionantes que me levaram ao
Brasil, quanto um interesse fervente e uma prática profissional do teatro. Efetivamente, foi
fora do quadro acadêmico que me lancei numa verdadeira exploração das minhas
potencialidades físicas, notadamente com uma trupe britânico-dinamarquêsa baseada numa
região rural da França, o Théâtre Beliâshe. Foi com ela que eu entendi e experimentei o que
um corpo trabalhado, disciplinado e indisciplinado, pode produzir, tanto no plano biológi-
co, social quanto individual.; o que expressões como « think in motions, not in thoughts »,
« dizer com o corpo », « a memoria do corpo », « gesto concreto-gesto abstrato », « exercí-
cio de sensação »... querem dizer.
Em vista de estudar o teatro de pesquisa no Brasil, intrigada pela noção de « ator-pes-
quisador » inexistente na França, efetuei meu primeiro campo brasileiro junto do grupo
fundado por Luis Otávio Burnier (LUME), baseado em Campinas-SP. Enquanto teatro mesti-
ço e de pesquisa, conheci com o Lume1 técnicas do corpo brasileiras, usadas e reconduzidas
no tempo por trabalhadores rurais de Pernambuco, como danças e jogo de ator do cavalo-
marinho e dos maracatus ; e também, que os caracteres sociais e culturais podem suar em
técnicas novas que a gente cria, ou pensa criar.
A evocação desse percurso representativo de um estudante em etnocênologia hoje,
me permite de fazer o estado de uma colaboração – urgente – entre a etnocênologia e a
antropologia : as especificidades de uma (interdiciplinaridade, recorrência a biologia e as
ciências da cognição, competência prática do pesquisador, o objeto « corpo em vida ») e a
metodologia da outra são complementares.
1
Lume: Grupo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais.
169
João de Jesus Paes Loureiro
2
Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales.
3
Expressao do Peter SLOTERDIJK, 2003. La mobilisation infinie, Paris, Seuil (Poinst), citado por F. Laplantine (2005:209)
4
A antropologia teatral de Eugenio Barba. Essa nao é uma ciência humana e nao tem nada ver com a antropologia.
170
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
5
Laplantine (2005:204)
6
O que pode ser discutivel pois o outro na vê forçosamente « dança » aonde eu vejo «
dança », e acha-se dança nos estadios de futebol, nas artes marciais, em homens politicos, em ritos religiosos, em cuzinheiros, na mimica corporal
etc...
171
João de Jesus Paes Loureiro
7
O radical latino verna significa : quem pertence do lar domestico.
172
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
tes do teatro que contribuíram enormamente à essa cênologia geral para qual preten-
de-se chegar. Eu penso à noções como dilatação (Decroux), performatividade
(Grotowski), extra-cotidiano e pré-expressividade (Barba). Notem que elas não são com-
postas de marcador local nem social.
Ela foi mais longe ainda fundando os instrumentos metodológicos de
performatividade, espectacularidade e relação simbiótica. Toda sociedade parece dis-
tinguir a espectacularidade e a performatividade, e concebe de imediato essa relação
simbiótica operando-se através da percepção. A antropologia do corpo ainda nunca
propôs tais noções aplicáveis a toda sociedade : no campo do religioso, da encenação,
da montagem (técnico-maquinista e corporal) e das incarnações do religioso, essas
noções podem ser muito pertinentes para observar o corpo em situação de incarnação,
ou, de « fé manifestada ». Que a divindade entra no corpo, que o indivíduo entra em
transe ou não, e como, a etnocênologia poderá explicá-lo com o recurso das
neurociências, a química e a biologia. Não é contraditório nem impertinente que voltar-
se para uma disciplina que sabe revelar quais são as partes do cérebro implicadas no
que já foi chamado de « estado alterado de consciência ». As antropologias do corpo se
apegam demais às representações e aos simbolismos do corpo e suas produções, en-
quanto os « outros » componentes do ser humano – carne, hormônios e enzimas, maté-
ria putrescível e que envelhece – são caladas ou esquivadas. De fato, a fé não explica
tudo, notadamente quando um fiel da umbanda conta que ele pode e sabe recusar a
possessão se, numa noite aonde é celebrada uma entidade, não está a fim ou está can-
sado demais para hospedá-la ; e ao mesmo tempo, que ele pode ser cavalgado de sur-
presa fora de uma festa para os santos.
Para concluir, posso afirmar que a etnocênologia apresenta verdadeiros caminhos de
companheirismo com a antropologia : ela preconiza mesmo um tipo de « observação partici-
pante » que acontecera, por que o pesquisador deve ser também performer. Mesmo se um
pesquisador francês trabalha no domínio francês, observara a micro-cultura do grupo com
qual trabalha, que, forçosamente, pelos seus imaginários e mitologias escolhidas, suas diver-
sas técnicas emprestadas ou criadas, não parecera completamente a uma outra. Não se deve
necessariamente praticar a forma espectacular estudada, por que as vezes é impossível, o
importante é saber como funciona um corpo sendo ele trabalhado para um fim preciso.
Por outro lado, com as noções e intrumentos metodológicos que ela propõe, ela pode
pertinentemente contribuir a uma antropologia dos usos sociais e culturais do corpo, a
partir da análise da sua materialidade concreta.
As ciências duram enquanto elas, não invalidaram nada do que a etnocênologia no seu
estado atual pretende, tanto mais que elas mesmas, como a genética, trabalham e revelam
os seus resultados com muita prudência. O fato delas nunca se avançarem precipitadamen-
te em suas teorias - universais neste caso - lembrando sempre que os determinismos soci-
ais nunca devem ser isolados no funcionamento biológico de um ser humano, confirma a
173
João de Jesus Paes Loureiro
174
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Resumo
A Dramaturgia da Memória, fruto de minhas vivências como bailarina e coreógrafa, apóia-
se na reconstrução do passado pela poesia do teatro-dança. Recupera pontos importantes
da criação artística que levam em consideração fatores constituintes do processo criativo
na arte: sensibilidade, flexibilidade, fluência, originalidade, capacidade de análise e sínte-
se, coerência de organização e lógica. Também traz pontos relevantes das Ciências Huma-
nas que propiciam o ingresso do criador-executante no campo político-social, levando sen-
timentos e emoções a configurarem um ato poético de resistência. Na reconstituição do
passado, tendo como pano de fundo uma pesquisa histórica, as ações realizadas mostram-
se como condição promotora de fortalecimento e construção de identidades. Essa identi-
dade, memória coletiva compartilhada por todos, vem da história e à história retorna, trans-
formada pelos desafios e pelas necessidades da realidade. No lugar de uma entrevista
com roteiro, propomos questões-geradoras de pontos de vista particulares de um passa-
do a ser expresso pela teatro-dança.
O Processo Memorial
Busca trazer construções poéticas que sirvam de alicerces a realizações revestidas de
novos significados. Nasce como um processo artístico-criativo e mostra-se efetiva como
processo artístico-pedagógico, mas também mobiliza e fortalece outras instâncias do com-
portamento humano enraizadas no passado, uma vez que lida com...
...a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. É uma das mais
difíceis de definir. O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural
na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e
certos pressentimentos do futuro1.
A ligação verificada entre ancestralidade e corpo atuante remexe particularmente com
os mecanismos da minha identidade afro-brasileira. Sob a direção de Bausch, no Wuppertal
Tanztheater quando lá estive de 1986 a 1989, as minhas respostas aos estímulos dados nos
processos criativos da companhia traziam o traço da minha cultura e ancestralidade – nun-
ca estive tão perto do que sou, no sentido do “sinto, logo existo”. Reconheço, assim, que
essa cultura não deve ser o outro quase sempre inaceitável, mas reconhecidamente me-
mória constituinte de uma identidade brasileira, uma fonte rica de motivos.
1
Simone Weil (1943), apud Frochtengarten, A memória Oral no Mundo contemporâneo, op. cit., p. 368.
175
Lícia Maria Moraes Sanchez
A experiência com Bausch fortaleceu esse aspecto. As lembranças colhidas das rela-
ções interpessoais, com meus parentes, além de outros grupos constituídos de pessoas
afro-descendentes vieram à tona com força, mobilizando, entre outros, o meu interesse
pelo resgate dessa ancestralidade.
Um dado importante desse contexto, como coreógrafa, diz respeito a uma inquietação
pessoal quanto ao tratamento às vezes dado à cultura afro-brasileira, manancial rico de
possibilidades de abordagens por meio da arte, mas que, muitas vezes, vi ser levado para a
cena apenas por meio da imitação de seus rituais sagrados e danças dos orixás. À crença de
que o sagrado é o sagrado, tautologia que nos soa muito forte, dizendo-nos que o sagrado
é superior e intocável, somamos o que nos disse Bausch, em Palermo, 31 de maio de 1989;
“não devemos imitar a realidade, ela é muito mais forte do que qualquer imitação”. E, com
esta idéia, propusemos-nos o desafio de fazer o primeiro trabalho de dança-teatro em 1996
após nossa volta da Alemanha.
Dada a subjetividade intrínseca à memória individual, a relação com a ancestralidade
era movida pela intenção de mudança de perspectivas; enfim, de propor caminhos ainda
não percorridos ou insuficientemente batidos, capazes de levar a descobertas originais,
entendidas aqui como aquilo que nos é de origem. Esse referencial, todavia, não é buscado
em seus temas religiosos explícitos, mas na projeção associativa de experiências vividas e
imaginadas, sem imitação, com projeção contemporânea.
2
Dentre outros, Eduardo Galeano, João José Reis, Roger Bastide, Manuel Querino, Evaristo de Moaes, Edison Carneiro, Décio Freitas, Antonio
Monteiro, Clóvis Moura, Richard Price, Ronaldo Vainfas, Jefferson Bacelar, Tomás Pedreira, Kátia Mattoso, Clóvis Moura, Juana Elbein, Júlio Braga, Ma.
Helena Machado, Maria Stela de Azevedo Santos, Pierre Verger, R. Slenes Ruth Landes, Vivaldo Costa Lima, Yeda Pessoa de Castro.
176
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
3
Texto extraído do Projeto Alforria; reflexão conjunta com o pesquisador roteirista e diretor Carlos Ramón Sanchez.
4
Idem.
5
Eduardo Galeano, As Caras e as Máscaras: Memória do Fogo (II). Trad. Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 30.
6
Heiner Müller, Quatro textos para teatro: Mauser Hamlet - máquina Quarteto. São Paulo: Hucitec, 1987.
177
Lícia Maria Moraes Sanchez
referencial. No caso da experiência prática em 2000 realizamos com alunos de Artes Cêni-
cas da UNICAMP “Tua outra cabeça tua outra memória” baseado na obra de Eduardo Galeano
“As Caras e as Máscaras: Memória do Fogo II”, em 2003, com alunos do curso de Artes Cêni-
cas da ECA/USP, associamos ao Candomblé o texto: “Quatro textos para teatro: Mauser, Hamlet
- Máquina, A missão, Quarteto” de Heiner Müller6. Em 2007 também com alunos formandos
da ECA/USP, “O que não Foi” baseado na obra de Artur Muller - “A Morte do Caixeiro Viajante”.
CONCLUINDO
A Dramaturgia da Memória é um processo criativo que valoriza o participante como
“cidadão” intérprete-criador. Os depoimentos (respostas aos estímulos) evocam a
pessoalidade de cada um. O produto artístico dessa forma traduz o ponto de vista deste
participante. Necessita-se para tanto, que os modelos pré-estabelecidos sejam descarta-
dos. Assim mobilizamos o fortalecimento e a criação de identidades neste universo da dan-
ça-teatro onde a busca de novas possibilidades de abordar um tema merece ser valorizada
em sintonia com os conteúdos memoriais.
178
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Introdução
179
Makarios Maia Barbosa
Os caminhos pelos quais a presente escritura busca uma aproximação dos preceitos
científicos que norteiam a Etnocenologia com o cordel nordestino vão desde o formato
tipográfico desse discurso – a métrica rimada, a rítmica cantante, a épica descritiva, a dra-
mática comovente, portanto, a cênica oral –, passando por um ideal não eurocêntrico co-
mum, até chegar à elaboração de analogias do modo de “pensar e produzir saberes”, que se
dá no senso comum, propondo para as artes cênicas, como área do conhecimento, uma
epistemologia menos rígida, que possa favorecer o discurso teorético, com o qual a
Etnocenologia tem se alinhado ao pensamento científico pós-moderno.
O interesse pelas temáticas populares, objetivado na abordagem da espetacularidade pela
Etnocenologia e pelo cordel, é um ponto de interseção pertinente e de valor histórico na
contemporaneidade. Desta forma, o presente trabalho reconhece que o fenômeno espeta-
cular é constituído a partir de fecunda sinergia de expressividades etnológicas híbridas,
multiculturais, transnacionais, que se dão em infinitas materialidades e com sentidos varia-
dos. Assim, busca este cordel predispor-se à leitura cultural prazerosa e ao diálogo frutífero.
180
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
1
Palavras para serem lidas no sentido vertical, escritas a partir das letras iniciais de cada verso.
2
Romance versificado de Ascenso Ferreira que trata da universalidade da cultura, publicado pela editora Nordestal, de Recife/PE, 1995.
181
Makarios Maia Barbosa
182
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
3
Dança dramática de origem européia remontada ao século XVIII, com teor erótico. No Brasil, folguedo popular natalino em que se armam nas praças públicas grandes barcos
ou naus de guerra, onde os brincantes ou brincadores ou marujos, como se nomeiam, figuram uma expedição naval, no decurso da qual se travam combates com os Mouros
e se cantam feitos heróicos. Cf. os verbetes: Chegança e Fandangos em CASCUDO, L. C. Dicionário do folclore brasileiro . Brasília/Belo Horizonte: EDUSP/Itatiaia, 1987.
4
Fanzine baiano, com marcada influência da Contracultura, editado em Salvador, nos anos setenta. Entre os seus articuladores estava Armindo Jorge de Carvalho Bião.
5
Citação festiva de antigo mote de violeiros, marcadamente presente na obra do poeta paraibano Severino de Andrade Silva, o Zé da Luz.
183
Makarios Maia Barbosa
6
Obra de Michel Maffesoli, que se propõe a lidar com a comunicação, o conhecimento comum e a transfiguração da imagem e seu conceito, referencial que pode facilmente
dialogar com a Etnocenologia.
7
Famosa obra etnográfica de Luís da Câmara Cascudo.
8
Adailton Silva dos Santos, professor e pesquisador baiano da Etnocenologia, mestre e, atualmente, doutorando pelo PPGAC. Teve especial participação na disciplina como
professor colaborador.
184
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
185
Makarios Maia Barbosa
30 Ao garimpo da riqueza
Por falar em diversão Que jorra no dia-a-dia
Lembro-me do bom humor E procura dar valia
Sem isso, a lida é um terror Ao teor multicultural
A vida vira um padrão Do que se faz de banal
De mera competição Mas que é significante
Enchendo o mundo de chato Ontem, hoje e doravante
De fofoca e de boato Cultura e sabedoria
Falta criatividade
Pois ciência de verdade 34
É um sinal de comunhão Vem estudar com prazer
O que se faz na peleja
31 Nos botecos, na igreja
E Etnocenologia Com tudo quer aprender
É antes uma comunhão E tudo quer conhecer
Sem abolir a razão A disciplina em questão
Mas sem negar a magia Barro, sopro, massa e mão
Que faz do saber folia Sonho divino da lida
De Jean-Marie Pradier Lição, labuta e guarida
Aos performance studies Força do saber-fazer
Tudo busca celebrar
O brilho espetacular 35
Vida, gozo e alegria Pensando nisso, Bião,
Depois de rodar o mundo
32 Em momento mui fecundo
A Etnocenologia Fez a configuração
Tem raízes mundiais De uma pós-graduação
Duas francesas, iguais Na Federal da Bahia
Em proposta e serventia, E a Etnocenologia
Outra daqui, da Bahia Ganhou assim seu Programa
Engendrada por Bião Que mantém acesa a chama
Um ator de profissão, De estudo e formação
Professor, mestre e gestor
Que define com rigor 36
Seu alcance e parceria Pra tornar realidade
Esta pós-graduação
33 Doutor Armindo Bião
A Etnocenologia Teve ajuda de verdade
Destina-se com destreza Fora e na universidade
186
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
187
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Com o objetivo de constituir a parte prática da tese de título “Gestos Cantados: uma
proposta em dança-coral ritual a partir de princípios xamânicos”, este trabalho foi desen-
volvido envolvendo artistas de Teatro, Música e Dança, especialmente estudantes de Teatro
e Dança da UFBA. Com o patrocínio do Governo Federal, através do projeto “Jovens Artistas”
do MEC, veio a público entre os dias 19 e 27 de Julho, no Teatro do ICBA, com previsão de
apresentação em duas cidades da Chapada Diamantina (Lençóis e Vale do Capão), locais
onde a pesquisa de campo foi realizada.
Parte considerável dos dados da pesquisa etnográfica (PEIRANO, 1995) trata da
cosmologia dos ensinamentos tradicionais dos povos nativos1 norte-americanos, Sioux,
Cherokee, Navajo, Lakota, Hopi, Arapaho, Maia, dados encontrados durante minhas experi-
ências como observadora participante de rituais xamânicos do Castelar da Alvorada, focali-
zados por Sylvie Shining Woman, em especial, nos encontros bimestrais do Círculo de Mu-
lheres e no ritual da Dança da Águia. Uma parte complementar dos dados referentes aos
rituais da Alvorada é proveniente do repertório de Danças da Paz Universal (cuja mentora é
Zelice Peixoto, também integrante da Alvorada), que inclui danças-músicas2 de várias tradi-
ções, em especial a tradição nativa do Oriente Médio (LEWIS, 1993), consideradas como
práticas de oração corporal (DOUGLAS-KLOTZ,1996).
1
Utilizo o termo “nativo” para me referir aos indígenas norte-americanos (México, Estados Unidos e Canadá), uma vez que é assim como eles usualmente se denominam.
189
Márcia Virgínia Araújo
2
Termo utilizado por CAMÊU, Helza. Introdução ao Estudo da Música Indígena Brasileira. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura e Departamento de Assuntos Culturais, 1977.
190
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Yo hey há ya ya ya ya
Yo hey ha ya ya ya do
Yo hey há ya ya ya ya
Yo hey ha ya ya ya do
Yo hey há ya ya ya ya
Yo hey há ya ya ya ya
Yo hey ha ya ya ya do
Este cântico foi incluído no repertório das Danças da Paz Universal, desde 1987,
pela líder de danças, naturalizada canadense, Shemmaho Sioux, porém, segundo ela,
não há uma coreografia sistematizada. Cada frase é cantada com o corpo voltado para
uma direção - norte, sul, leste, oeste, incluindo a terra, o céu e o centro. A energia
desta dança traz equilíbrio entre a criança e o ancião e harmonia entre o masculino e
o feminino em cada pessoa e em suas comunidades. Traz também paz e serenidade
no trato com todas as nossas relações. A coreografia em “Gestos Cantados” foi elabo-
rada a partir da cruz dimensional (Laban), que se adequou perfeitamente aos trajetos
das sete direções.
191
Márcia Virgínia Araújo
Ilustração nº 2.
Para honrar a matriz indígena brasileira, utilizamos esta música do povo Guarani de São
Paulo, tribo que vem sendo representada pelo índio Tukumbo e sua família, no ritual anual
da Dança da Águia da Alvorada. A canção evoca o Deus principal Ñamandu, pai verdadeiro
das numerosas crianças que estão por vir (CLASTRES, 1900, p.32) e deuses do seu panteão,
como Tupã e Ororu. Ainda que não soubéssemos, no momento da criação coreográfica, o
significado dessa letra cantada pelas crianças guaranis, esta canção contribuiu na composi-
ção de movimentos baseados na memória de infância de nosso grupo cênico, durante o
trajeto pela direção Sul.
192
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193
Márcia Virgínia Araújo
194
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Poemas do Sul:
Cem anos se passaram, contudo eu ouço a batida distante dos tambores do meu pai. Eu
ouço seus tambores por toda a terra. Sua batida eu sinto dentro de meu coração. O
tambor baterá, então meu coração baterá. E eu viverei cem mil anos.
195
Márcia Virgínia Araújo
Poemas do Oeste:
Poema do Leste
Autor: Victor
196
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
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198
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
199
Miguel de Santa Brigida
no qual “a etnocenologia compreende análises interiores que partem dos critérios próprios
de cada cultura estudada e análises exteriores, fundadas sobre as noções e métodos em
uso” (PRADIER, 1996, p.21).
Ao alargar a compreensão e análise dos fenômenos e das práticas espetaculares obser-
vamos que:
Ela favorece uma perspectiva integrativa e interacional já que se interessa pelo aspecto
global das manifestações expressivas humanas, incluindo as dimensões somáticas, psíqui-
cas, cognitivas, emocionais e espirituais. O primeiro reflexo da análise etnocenológica será
abordar uma etnometodologia que pense os meios de comentar/analisar/abordar adequa-
damente o espetáculo de uma outra área cultural (PAVIS, 2003, p.272).
Com esta nascente de etnociência das artes cênicas, a etnocenologia vem promovendo
importantes investigações de fenômenos espetaculares de diferentes áreas da cultura brasi-
leira, trazendo significativas contribuições para a análise da diversidade de nossa
espetacularidade popular expressa em grandes eventos como o Festival de Parintins, o Malê
DeBalê, o Auto do Círio, os Ternos de Reis da Lapinha, o Carnaval carioca, entre outros estudos.
Investigando em especial o carnaval carioca, partimos de uma importante pesquisa re-
alizada em 2002 dentre as maiores festas populares de todo o planeta que o apontou como
“O Maior Espetáculo da Terra”. O desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro vem se
constituindo a cada ano em um complexo fenômeno estético e dramático revelando uma
especial interdisciplinaridade em sua criação, marcada pela reunião de diversas lingua-
gens como o teatro, a dança, artes plásticas, circo, vídeo e performance, configurando um
denso e fértil campo para a pesquisa acadêmica.
Da sociologia à antropologia, da etnologia à política, várias foram as áreas de conheci-
mento que já abordaram o tema das escolas de samba, remarcando a importância cultu-
ral desse rico universo da manifestação da cultura carnavalesca no Brasil. Entretanto, a
singularidade espetacular do moderno e luxuoso desfile das escolas de samba carioca
necessitava também de uma análise de sua dimensão artística, de acordo com o seu
redimensionamento que, a cada ano, o consagra como espetáculo cênico hiperbólico vi-
talizado por seu próprio processo em intercorrência com os novos contextos que promo-
ve “o delírio, a confusão, a coesão, a comunhão, a efervescência da festa” (MAFFESOLI,
1985, p.11).
A indicação de Maior Espetáculo da Terra levou em consideração, evidentemente, a sua
dimensão espetacular singular, sua repercussão mundial, o número de pessoas envolvidas
entre público e participantes, seu impacto nas comunidades que o produz e as dimensões
simbólicas e sociais, além de suas projeções midiáticas de alcance internacional.
Este espetáculo reúne ao vivo um público de setenta mil pessoas, somados aos milhões
de espectadores que assistem pela televisão, numa transmissão que contempla mais de
setenta países, além do livre acesso via internet, o que atesta a grande força midiática de
sua espetacularidade em sua recepção pluridimensional mundialmente atrativa.
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Miguel de Santa Brigida
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Referências
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PRADIER, Marie Jean. Etnocenologia manifesto. TRANSE. Performance, performáticos e
sociedade. Brasília: UNB, 1996.
_____.Etnocenologia: a carne do espírito. Repertório Teatro & Dança. Salvador. UFBA/SEC.
1998.
SANTA BRIGIDA, Miguel de. O auto do círio: Drama, fé e carnaval em Belém do Pará. Disser-
tação de Mestrado. Salvador: UFBA, 2003.
_____.O maior espetáculo da terra. O desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro
como cena contemporânea na Sapucaí. Tese de Doutorado. Salvador: UFBA, 2006.
SANTOS, Adailton. O estado pré-paradigmático da etnocenologia. In: Cadernos do GIPE-CIT,
nº1, Etnocenologia: A teoria e suas aplicações. PPGAC/UFBA, Salvador, 1998.
203
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Murilo Freire
1
O A.R.T.-Vivant – Association pour la Recherche du Théâtre Vivant (Associação pela Pesquisa do Teatro Vivo) era uma trupe do que se convencionou chamar de Teatro
Laboratório, indiretamente ligada à Universidade de Paris-8 Vincennes/Saint-Denis, dirigida pelo espanhol Jorge Lapeña, onde Freire foi de fato iniciado num método
sistemático de treinamento e pesquisa prática no campo da Pré-Expressividade (Barba, 1995), do qual sabia teoricamente apenas, tomando pela primeira vez ciência do
trabalho sobre o Método das Ações Físicas.
205
Murilo Freire
2
BARBA, Eugenio e SAVARESE, Nicola. A Arte Secreta do Ator – Dicionário de Antropologia Teatral. Hucitec. Campinas. 1995.
206
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
nossa verdade, por mais que encontremos argumentos plausíveis para justificá-los. Consci-
ência esta que nos faz Humanos e que por sua vez só pode existir num corpo vivo (“e o
verbo se fez carne”), remetendo-nos novamente à unidade do ser. Donde a necessidade de
desenvolvimento técnico de uma musculatura sensível e racionalmente organizada dirigida
pela consciência, ou o Duplo, como diria Artaud. “Somos dois: um pássaro que bica e outro
que observa”3. Buscamos, pois, estudar e desenvolver esta “esquizofrenia”, necessária ao atu-
ante.
Estudamos, pois, a cena, mas não simplesmente da forma como a palavra é comumente
entendida. Nosso conceito refere-se ao próprio sentido da palavra ‘cena’, que, como lembra
Pradier, “é oriunda do grego ‘skenos’ [‘skênê’], em seu sentido arcaico definindo tanto o espa-
ço cênico, quanto o corpo humano, evocando, pois, a ‘dimensão orgânica da atividade sim-
bólica, numa perspectiva universal que transcende às particularidades culturais”4. “Pradier
lembra-nos que a palavra skênê significa tanto corpo quanto o lugar por ele ocupado.”5.
Seguindo lógica, podemos nos referir tanto ao corpo do espaço cênico e suas divisões (cena
x platéia), quanto a uma cena que se passe dentro do próprio corpo do atuante, enquanto
espaço definido em si mesmo, cujos fatores significantes operam em sua categoria
proprioceptiva6. “Skenos é tomado aqui no seu sentido arcaico para evocar o corpo humano
e sua relação dinâmica com a alma”7. Existe também, a noção de cena tal como se é enten-
dida atualmente, como sendo o que se mostra no palco, nas cerimônias religiosas, de magia
ou xamânicas, situações cotidianas, ou na tela: ações, textos, imagens, etc. – matéria poética
e/ou resultado estético. “Na contemporaneidade, este sentido tornou-se dominante”8. Esta
noção amplia ainda mais o sentido epistemológico do termo (skenos), no qual representa
em si um corpo poético. A cena é, então, um espaço (cênico), no qual outro espaço (corpo)
realiza um ato, materializando a existência de um terceiro espaço (poético). Tais conceitos
têm claros reflexos em nossa prática de trabalho no campo da pré-expressividade9, sobre o
qual discorreremos adiante.
Faz-se então necessário que este corpo seja preparado para realizar tal ato. É grande a
sua responsabilidade. Em todas as culturas desenvolveram-se métodos de transmissão,
aculturados e inculturados, visando ao aprimoramento técnico do atuante, todas ressaltan-
do a importância de um corpo capaz de comunicar formal e precisamente, todo o universo
3
GROTOWSKI, Jerzy, De la compagnie théâtrale à l’art comme, In, RICHARDS, Thomas. Travailler avec Grotowski sur lês actions physiques. Actes Sud / Académie Expérimentale
des Théâtres. France. 1995.
4
PRADIER, Jean-Marie. Etnocenologia, In, GREINER, Christine e BIÃO, Armindo (org.),
Etnocenologia – textos selecionados. Annablume. São Paulo. 1ª ed. 1998.
5
VASCONCELOS, Everaldo. Etonocenologia e Pesquisa em Artes Cênicas. Revista Engenho.
http://www.funesc.pb.gov.br/002_cenicas01.shtml.
6
Ver: WEISZ, Gabriel. Textura Xamânica do Corpo, In, GREINER, Christine e BIÃO, Armindo (org.), Etnocenologia – textos selecionados. Annablume. São Paulo. 1ª ed.
7
PRADIER, op.cit.
8
VASCONCELOS, op. cit.
9
BARBA, op. cit.
207
Murilo Freire
10
BURNIER, Luís Otávio. A arte de ator – Da técnica à representação. Editora das Unicamp. Campinas. 2001.
11
GROTOWSKI, Jerzy, In, O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969 – textos e material de Jerzy Grotowski e Ludwik Falszen com um escrito de Eugenio Barba; curadoria
de Ludwik Flaszen e Carla Pollastrelli com a colaboração de Renata Molinari ; Trad. Berenice Raulino. São Paulo. Perspectiva / SESC; Pontedera, Itália / Fodazione Pontedera Teatro.
2007.
208
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
12
BARBA, op. cit.
13
RICHARDS, op. cit.
14
BARBA, op. cit.
15
Ver: FERRACINI, Renato. A Arte de Não Interpretar como Poesia Corpórea do Ator. Campinas. Editora da Unicamp. 2003.
209
Murilo Freire
“presença cênica”, uma vez que ter presença cênica significa, antes, estar presente em seu
próprio corpo (espaço) e consciente da presença deste no espaço (corpo em si). Não se
trata, porém, da qualidade de aplicação direta de um princípio determinado, senão do
resultado de uma junta aplicação de todos os princípios exigidos, a cada novo instante,
provocando um constante estado de alerta e observação, que por sua vez promovem o
estar presente em si mesmo, tendo como conseqüência uma quase involuntária dilatação.
Em termos de princípios, preferimos trocar “dilatação” por “alongamento”, remetendo dire-
tamente ao aspecto físico, material, do trabalho prático, relacionado à forma, estética e
plasticidade, no treinamento e na performance.
Sob o ponto de vista metodológico, o treinamento é realizado através da chamada “via
negativa”16, sendo o espaço para apropriação dos princípios, bem como para o estudo da
ação destes sobre o corpo e a atuação. Propomos um treinamento que denominamos ape-
nas como pré-expressivo, onde o atuante é trabalhado segundo a necessidade imediata de
correção na aplicação dos princípios, ora valorizando aspectos técnicos, ora energéticos do
processo, não sendo feita a distinção, por exemplo, entre treinamento técnico e treinamento
energético17. A esta etapa, o trabalho visa dilatar a consciência do participante e sua atuação
no “meio-cena”18 – as simultâneas relações estabelecidas pelo atuante: consigo mesmo e
seus estados psicofísicos, com o espaço e com o outro, seja seu parceiro de cena ou, sobre-
tudo, o público. O atuante toma conseqüentemente consciência de estar sendo observado,
de ter-se posto voluntariamente nesta condição, sendo levado à necessidade de desenvol-
ver suas faculdades propriceptivas – interoceptivas e exteroceptivas19. Consideramos aqui
as orientações etnocenológicas. O treinamento conduz, pois, a uma consciência dilatada de
si mesmo, de sua relação com o espaço e da percepção do outro acerca de sua ação, de
modo a que o atuante possa desenvolver-se na transmissão precisa e sinestésica (mais que
racional) de sua informação.
No âmbito do trabalho vocal, tal relação com o pensamento etnocenológico se apre-
senta ainda mais significativo. Podemos atingir resultados significativos, do ponto de vista
metodológico, a partir da noção de corpo e espaço como uma só unidade. Se a voz nasce
nos campos vibratórios do corpo; se o corpo está inserido e é parte constituinte do espaço;
se entre o corpo e os limites físicos do espaço existe uma matéria invisível, porém, concre-
ta, como o plasma de uma célula – o ar; é possível, então, conduzir o trabalho para a obten-
ção de uma qualidade de vibração tal, que a voz seja propagada em ondas, irradiando des-
de o corpo até as paredes da sala de espetáculo. O corpo passa a funcionar em Dolby Sound
Surround. Desnecessário falar na influência direta dos trabalhos de Grotowski, Barba e Burnier
16
GROTOWSKI, Jerzy. Em Busca de um Teatro Pobre. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2ª ed. 1976.
17
FERRACINI, op. cit.
18
PICON-VALLIN, Béatrice. L’acteur à l’exercice: des quelques expériences remarquables,
In, Le Training de l’Acteur. Actes Sud-Papiers / Concervatoire National Supérieur d’Art Dramatique. France. 2000.
19
WEISZ, op. cit.
210
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
no nosso. Estamos convencidos de que a voz possa ser treinada ao ponto de tornar-se ma-
téria concreta, palpável. Não fossem pelos resultados obtidos em laboratório, fatos presen-
ciados podem comprová-lo, como ocorrido no XI Encontro Internacional de Teatro Universitá-
rio de Besançon (França), onde um notável trabalho vocal, realizado pelo ator suíço Matteo
Capponi, foi descrito da seguinte forma:
“...ele nos ofereceu um dos momentos mais teatralmente mágicos do encontro: atrás de
uma cortina, sobre a qual via-se apenas sua silhueta, Matteo, dizendo seu monólogo, projetava
de tempos em tempos sua voz sobre o tecido, provocando um efeito de ondas como gotas d’água
que caem num lago tranqüilo. Tive (...) a sensação de ouvir uma voz que tinha peso e forma”20
Assim sendo, o treinamento pré-expressivo é antes de tudo uma via de auto-conheci-
mento, onde, através da aplicação consciente e do estudo da ação dos princípios pré-ex-
pressivos, o atuante desenvolve-se e desenvolve sua técnica pessoal, dinamizando suas
energias potenciais, articulando sua sensibilidade no espaço e no tempo da ação dramáti-
ca, por meio de suas ações físicas e vocais. A esta “via de auto-conhecimento”, no Labô-
Espetáculo, nos referimos sob o conceito de Pesquisa Biomecânica.
Não concordamos que o termo proposto pelo mestre russo Vsevlod Meyerhold se limi-
te ao simples desenvolvimento de um método específico de treinamento, com exercícios
que de tão característicos chegaram a ser estigmatizados; tão pouco a uma mera concep-
ção estética, cuja razão de ser justifica-se em seu contexto histórico e social. Somos orienta-
dos por um sentido filosoficamente mais profundo, no entanto forte esclarecedor sobre o
ponto de vista técnico, da expressão “biomecânica”, a partir de sua apropriação etimológica,
ou seja, o funcionamento da vida em movimento, ou ainda o movimento da vida em funciona-
mento. Compreendendo como se produz o funcionamento da vida em sua própria cena
(corpo), assim como suas movimentações (variações interiores), torna-se, então, possível
reproduzir o processo vital no corpo do espetáculo (espaço e poesia). A consciência do
princípio de correspondência – inculturante – revela-se crucial neste procedimento. Tal
entendimento não pode se dar teoricamente apenas, senão através de sua vivência, dado
que “saber não é compreender”21. Se pretendermos expressar a vida, será preciso, antes,
compreendê-la e isto significa “dominar o seu funcionamento na prática”22. Eis o conceito
que fundamenta o processo de auto-conhecimento que é materializado através do treina-
mento pré-expressivo, físico, plástico e vocal do atuante, proposto pelo Labô-Espetáculo.
Nossa pesquisa nos levará, pois, à compreensão do corpo em suas dimensões material (ra-
zão, sensação e físico) e imaterial (consciência), possibilitando a operacionalização íntima e
sutil de sua expressão no tempo e no espaço. Se pretendermos expressar o Humano será
preciso compreender o Humano... E que outro Ser Humano estaríamos mais aptos a conhe-
20
FREIRE, Murilo. Besançon: leçons de théâtre..., In, Coulisses, Presse Universitaire de Franche-Comté/ Théâtre Universitaire de Franche-Comté. Besançon. Nº 27. janvier 2003.
21
No A.R.T.-Vivant ouvíamos freqüentemente a sentença ser proferida por nosso diretor, Jorge Lapeña.
22
RICHARDS, op. cit.
211
Murilo Freire
cer que nós mesmos, em nossa totalidade – individual, social e ecológica. Alguns chamarão
de “corpo memória”23
Por fim, nosso trabalho se debruça sobre as Ações Físicas como meio operacional da livre
criação artística do atuante, sustentáculo da expressão cênica, a ação sendo aqui conside-
rada “como unidade de base ‘do texto do ator’”24, no qual reside toda a poesia da arte
dramática, diferentemente do “texto do autor”, que, enquanto arte literária, ainda não é
teatro. Neste nível, desenvolvemos e aplicamos duas metodologias específicas de aborda-
gem ao assunto. Primeiramente pela apropriação de diversos procedimentos neste nível,
via pela qual buscamos atender às aspirações poéticas, simbólicas e estéticas de cada pro-
jeto de criação, sendo muitas vezes confundidos num mesmo trabalho – ora em persona-
gens diferentes dentro de uma mesma cena, ora em momentos diferentes de um mesmo
personagem, inclusive numa única cena – procedimentos diversos, regendo-nos pelo obje-
tivo de lograrmos comunicar o que pretendemos da forma que queremos. O segundo
método é realizado através do trabalho sobre as corporeidades animais, partindo da idéia
de que o ser-humano é o único animal que, dada a sua capacidade singular de observação,
manipulação, antecipação e previsão de resultados, donde a consciência que caracteriza
sua espécie, reproduz todos os habitus e comportamentos dos outros animais. Cada ator-
pesquisador elege um animal sobre o qual irá trabalhar. Em laboratório, após observadas,
estudadas e codificadas as corporeidades do animal, os atores-pesquisadores passam a
reproduzi-las em seus próprios corpos, através de equivalências, tendo como ponto de
partida a respiração do animal escolhido, registrando as alterações sofridas em suas própri-
as corporeidades humanas. Atingido o domínio técnico desta fase, os atores-pesquisado-
res retomam, então, suas fisicidades humanas, preservando a corporeidade animal adquiri-
da. Neste momento, há sempre um tipo humano que nos é revelado...
Tais teorias permanecem, no entanto, meras abstrações, se não forem postas à prova e
comprovadas na prática, como buscamos fazer cotidianamente no Labô-Espetáculo. Tão
pouco, pretendemos que sejam verdades absolutas, posto que não existe um único cami-
nho correto a ser seguido, cada um devendo ser capaz de desenvolver sua própria técnica
e teoria. “Estamos apenas começando, a partir do ponto donde outros já chegaram. Não há
nada de original no que fazemos, meros ladrões que somos”25, auto plagiando-nos sempre.
23
GROTOWSKI, 2007. Op. cit.
24
BURNIER, op. cit.
25
FREIRE, Murilo. Notas do dia 23/11/04: Quanto tempo depois...? Manuscrito.
212
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
Resumo
Este trabalho foi desenvolvido a partir da Tese de Doutorado1 Biriba. Parintins Cidade
Ritual: boi-bumbá, performance e espetacularidade e trata dos processos de transforma-
ção ocorridos nos Bois-Bumbás de Parintins, Amazonas. Estes Grupos incorporaram novas
tecnologias desenvolvidas por artistas locais, como recursos cênicos para as suas apresen-
tações, que foram intensificadas com a criação do Festival Folclórico no ano de 1965. Situa-
do na investigação de questões relativas a estudos etnocenológicos sobre a linguagem
cênica dos Bois-Bumbás Garantido e Caprichoso enquanto fenômenos da cultura amazôni-
ca; discute a transculturação, a performance e o ritual enquanto processos dialógicos, en-
tre os valores culturais locais, o imaginário indígena e as novas tecnologias na cena espeta-
cular do Festival Folclórico de Parintins, e, como este interfere na construção da identidade
cultural parintinense; contribui para estudos das formas cênicas, métodos e processos cri-
ativos de manifestações da cultura brasileira com perfil étnico. Este trabalho traz também
para o âmbito acadêmico das artes, estudos a partir de análises dos métodos e dos proces-
sos criativos e das linguagens que compõem as cenas dessas manifestações com foco de
atenção situado na condição de um espetáculo-ritual-performático e suas relações que se
estabelecem entre o artista, a obra de arte e o público.
Palavras Chave: Etnocenologia, Estudos da Performance, Cultura Amazônica, Boi-Bumbá
1
BIRIBA, Ricardo Biriba. Parintins Cidade Ritual: boi-bumbá, performance e espetacularidade. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Salvador : UFBA.
1996
213
Ricardo Barreto Biriba
Ritual Indígena do
Boi Caprichoso 1999, Fo-
tografia de Chisthopher
Pillitz.The Amazon Island
Where Legends come To
Life. Publicada na Revista
Sunes Magazine, England,
March 2000. p. 38-39
2
(Kaprow, apud COHEN, 1989)
3
TURNER, Victorr, From Ritual to Theater - The Human Seriousness of Play NY, PAJ Publications, 1982.
214
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
4
SCHECHNER, Richard. P 191
5
ibd. P 209
215
Ricardo Barreto Biriba
O certo é que a vida se constrói com uma série de performances, Schechener6 deseja a
proliferação de semelhanças: “[...] entre literatura e recital, religião e entretenimento, ritual
e espetáculo...”
O Boi Garantido, hoje, cumpre a tradição recriada em um novo universo, situado entre o
cotidiano e o “extra-cotidiano”, entre o artístico e o não artístico e entre o sagrado e o lúdico,
que passam e se interagem um ao outro com o tempo. Este processo pode ser interpreta-
do como um caminho natural em que os brincantes passam na vida, com amadurecimento
da consciência cultural, que se desenvolve com a prática do Boi-Bumbá, até chegarem a um
constante ritual artístico. Folha de Palmeira, Coroatá7, Inajá, carcaça de boi, pena de aves,
fibras, pau, corda, pano, música, dança, teatro, improvisos, ladainhas, rezas, raio laser, piro-
tecnia e o essencial, o brincante de corpo e alma presentes, materializados na performance
do boi-bumbá refletem o ritual parintinense.
De acordo com Schechner (1988), vimos que o termo performance amplia sua forma de
entendimento, na medida em que passa a incluir e referenciar o cotidiano da vida, abran-
gendo as ações das mais diversas que vão desde as ritualizações, o teatro, a dança, as
dramatizações, os afazeres do dia-a-dia e os demais ritos de uma sociedade. Isso nos possi-
bilitou a visualizar Parintins, como um todo performático e ritual movimentado pela festa
do boi-bumbá.
Historicamente, os estudos realizados por Renato Coehn (1989) sobre a linguagem da
performance, relata a sua gênese como arte de ação, na qual aborda os principais fatos e
acontecimentos que desencadearam o surgimento desta linguagem, como termo inde-
pendente e com formas e características próprias. Considerando a Performance como uma
linguagem cênica, Coehn8, faz uma abordagem antropológica, e conjuga: “o nascimento da
performance, ao próprio ato do homem se fazer representar, a performance é uma arte
cênica, e isso se dá pela institucionalização do código cultural”
Segundo Coehn (1989), a Performance se apóia ainda, numa forma teatral dionisíaca, ao
contrário do teatro clássico. Esta relação situa o seu surgimento oficial com a apresentação
da peça Ubu Rei, em 1896, no Théâtre de L’Oeuvre, em Paris. Essa peça, que rompeu com as
características formais do teatro da época, prenunciou o que iria acontecer no século XX
em relação às manifestações artísticas, alguns anos depois à publicação do manifesto Futu-
rista por Marinetti, (Le Figaro) Le Roi Bombance, no Louvre, em 20 de fevereiro de 1909. Esta
manifestação escandalizou os parisienses pelo que o manifesto propunha: “O incêndio dos
museus e bibliotecas (...) O esplendor do mundo enriqueceu-se com uma nova beleza, a
beleza da velocidade”9.
6
Coroatá – Espécie de aguidá retirado da palmeira do Inajá.
7
Coehn, 1989, p. 41.
8
Gular. op. cit. 1985 p. 89
9
Coenh, 1989 p. 159
216
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
10
Goldberg, 1996, p. 128
217
Ricardo Barreto Biriba
amazônicas. Para o brincante, o bumba-meu-boi é uma forma de viver a própria vida, como
ressalta um deles: “A gente não pode parar de fazer o boi, ele é a nossa vida, sem ele aca-
bou-se tudo”.
Não queremos dizer que o boi-bumbá se enquadra na categoria da performance nos
moldes europeus, mas gostaríamos de ressaltar que esta forma de expressão de arte con-
tém características performáticas de acordo com sua condição cênica, do seu estado de
lugar e dos sentidos incondicionais de vida deste povo artista.
Poderíamos relacionar esta forma participativa e integrada, entre a arena e a galera dos
bois-bumbás, com a gênese da performance, reconhecidamente o primeiro happening,
catalogado como: 18 Happenings em Seis Partes, que Allan Kaprow apresentou na Reuben
Gallery de Nova York, em outubro de 1959. Fiel em seu pensamento de que o happenig
implicava forçosamente a participação dos espectadores, Kaprow soube preparar os seus
convidados. Segundo conta detalhadamente Roselee Goldberg11:
[...] Tras haber decidido que ya era hora de aumentar la “responsabilidad” del observador,
Kaprow imprimió invitaciones que incluían la afirmación “usted se convertirá en parte de los
happenings; usted los experimentará simultáneamente”. Poco después de este primer anun-
cio, algunas de las mismas personas que habían sido invitadas recibieron misteriosos sobres
de plástico que contenían trocitos de papel, fotografías, maderas, fragmentos pintados y
figuras recortadas. Éstos también daban idea de que podían esperar: “Hay tres habitaciones
para esta obra, cada una diferente en cuanto ha tamaño y sensación. [...]
A forma integrada entre galera e arena configura um grande espetáculo performático,
vivenciado por trinta e cinco mil brincantes, distribuídos entre a arena e a arquibancada do
Bumbódromo, com uma platéia especial, no máximo de 12 espectadores que atuam como
integrantes do corpo de jurados. Tal como Kaprow, o boi-bumbá confere responsabilidade
ao espectador com objetivos de promover a sua participação em níveis comprometedores
com a qualidade do espetáculo.
A linguagem artística da cena espetacular dos bois-bumbás, como manifestação coleti-
va, alcança um nível de interação de fatores subjetivos e objetivos, incorporados no curso
da vida de cada um dos brincantes e, logo, manifestada no esplendor do festival: os fatores
objetivos são os sentimentos comuns entre os brincantes de uma mesma agremiação que
usam toda sua força para lograr o título de campeão do Festival; os fatores subjetivos se
referem aos campos dos sentimentos mais íntimos, extravasados de formas diferenciadas,
no corpo e na alma de cada brincante. Seja com o cabelo pintado de vermelho ou azul, na
roupa, na forma de gritar, cantar, sorrir, chorar, cada um do seu jeito, com liberdade, livre
para sentir e agir. Os brincantes não fazem de conta que riem ou que choram, ou que can-
tam... Cada um é único e verdadeiro.
11
Coehn, 2000 p. 69
218
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
219
Ricardo Barreto Biriba
220
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
citada anteriormente. Essa influência está voltada para as formas alegóricas e o esplendor
da fantasia que os brincantes usam. O mestre Jair Mendes que viveu e trabalhou nos barra-
cões das Escolas de samba do Rio de Janeiro foi quem levou para Parintins estes conheci-
mentos. Segundo Jair, em entrevista para este trabalho nos diz que quando retornou a
Parintins depois de longo período trabalhando na Escola de Samba do Salgueiro, o único
espaço que encontrou para desenvolver sua arte, foi o Boi-bumbá.
Não queremos dizer com isso que o boi-bumbá se transformou em um carnaval de
influência carioca. De acordo com as nossas observações, as semelhanças com o carnaval
carioca estão voltadas para as imagens que se veiculam na TV, devido ao esplendor das
fantasias e alegorias que atuam na arena do Bumbódromo. Pois, a maioria do povo brasilei-
ro vê o carnaval carioca, a única referência como espetáculo dessa qualidade. As diferenças
entre estas duas manifestações são muito evidentes enquanto forma, conteúdo e lingua-
gem artística: Uma delas é que o boi-bumbá trata-se de um espetáculo com roteiro
estruturado, que se desenrola numa arena, onde são montadas estruturas cenográficas para
a performance dos brincantes, que se apresenta para um corpo de jurados específicos. Já o
carnaval carioca é um desfile de alegorias e de fantasias, com um enredo pré-estabelecido,
que se apresenta para um público espectador, e, que também pode ser visto como uma
ação performática, devido às suas características próprias, de não representação de algo, e
sim de apresentação de si mesmo – princípio número dois da performance.
Os Bois-Bumbás Garantido e Caprichoso entre outros aspectos, diríamos que se asse-
melham conceitualmente, com as mais antigas formas de carnaval, como acontecia na Ida-
de Média, no Renascimento, em algumas cidades do mundo e incluindo, muitas do Brasil,
nos tempos de hoje.
Segundo Bajtin13, em seus estudos sobre a obra de François Rabelais, nos diz que:
Las formas teatrales del espectáculo de la edad media se asemejan en lo esencial a los
carnavales populares, de los que forman parte en cierta medida. Sin embargo el núcleo de
esta cultura, es decir, el carnaval non es tampoco la forma puramente artística del espectáculo
teatral, y, en general non pertenece al dominio del arte. Está situado en la frontera entre el
arte y la vida.
A festa do boi-bumbá como os atos performáticos, ademais com características carna-
valescas no sentido circunstancial da vida, ao mesmo tempo, real e ideal, está situado na
fronteira entre a vida e a arte, princípio número três da performance.
O jogo performático e a lucidez das imagens da festa dos bois-bumbás, os aconteci-
mentos cotidianos e todos os elementos que integram a festa, adquirem materialidade
própria, plenitude e manifestações de particularidades coletivas e individuais (livres dos
vínculos impostos por sentidos estreitos e dogmáticos), e, reveladas em uma atmosfera de
liberdade que suscita a riqueza da diversidade cultural da Amazônia.
13
Bajtin (1974, p. 13)
221
Ricardo Barreto Biriba
14
Glusberg, 1987 p. 60
222
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
12
Bajtin (1974, p. 13)
223
Ricardo Barreto Biriba
Referências:
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CAGE, John. Para los Pájaros. Monte Ávila Editoras. Venezuela 1981
COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1989.
GLUSBERG, Jorge. A arte da performance. São Paulo. Perspectiva, 1987.
GOLDBERG, Roselee. Performance Art. Trad. Hugo Mariani. Barcelona : ed. Destino, 1996.
___________. Performances: l’art de action. Paris: Ed. Thames & Hudson 2001.
GULAR, Ferreira. Etapas da arte contemporânea. São Paulo. Nobel, 1985.
SCHECHNER, Richard . El Teatro Ambientalista. México. Árbol Editorial, (1973) 1988.
____________. News, Sex, and Performance Theory, In: Innovation / Renovation P 191 (s/data)
TEIXEIRA, João Gabriel L. C. (Org.) Performáticos, performance e sociedade. Brasília: Uni-
versidade de Brasília, 1996
TURNER, Victor. El Proceso Ritual: Estructura y antiestructura. Madrid : Ed. Taurus, 1988.
224
V Colóquio Internacional de Etnocenologia
COORDENAÇÃO
Antonia Pereira, Armindo Bião, Lúcia Lobato, Nadja Miranda e Sérgio Farias
COMISSÃO CIENTÍFICA
Bernard Müller (EHESS, FR), Carlos Alba (Instituto Politécnico de Leiria, Portugal), Chérif
Khaznadar (Maison des Cultures du Monde, FR), Eliene Benício Amâncio Costa (UFBA,
BR), Elizabeth Firmino Pereira (Alcalá de Henares, ES), Idelette Muzart-Fonseca dos
Santos (Paris 10 Nanterre, FR), Inês Marocco (UFRGS, BR), Isa Maria Faria Trigo (UNEB,
BR), Jean-Marie Pradier (Paris 8 Saint Denis, FR), Jerusa Pires Ferreira (PUC SP, BR),
João de Jesús Paes Loureiro (UFPA, BR), Jorge das Graças Veloso (FTB Dulcina/ UNB,
BR), Oswald Barroso (UFC, BR), Paulo Filipe Monteiro (U. Nova de Lisboa, PT), Rafael
Murillo Selva (Honduras)
COMISSÃO ORGANIZADORA
Adailton Santos, Alexandra Gouvêa Dumas, Célia Conceição Sacramento Gomes, Eduardo
Cavalcanti Bastos, Luiz Cláudio Cajaíba, Makários Maia Barbosa, Maria de Fátima Barretto
Bastos e Sarah Roberta Oliveira Carneiro
227
A ETNOCENOLOGIA
O PÚBLICO ALVO
OS OBJETIVOS
O TEMÁRIO
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V Colóquio Internacional de Etnocenologia
A PROGRAMAÇÃO
Dia 25.08
14 às 16 – Recepção dos participantes
16h – Instalação do Colóquio: Apresentação dos convidados e do temário
18h – Intervalo para jantar
19h/ 21h – Vivência Malê Debalê – na sede do grupo cultural em Itapuã (lançamento de
publicações)
Dia 26.08
9h – Reflexão sobre a vivência da noite anterior
10h30 - Intervalo
11h – Formação dos grupos de “crítica e avaliação”, com coordenador e expositores
convidados
12h – Intervalo para almoço
14h30h – Reuniões dos grupos de “crítica e avaliação”
18h – Intervalo para jantar
19h/ 21h – Formação dos grupos de “vivência e criação”, por afinidades e competências
nas diversas modalidades das artes do espetáculo, a partir de uma primeira
dinâmica grupal com todos os participantes
Dia 27.08
9h – Reuniões dos grupos de “crítica e avaliação”
10h30 - Intervalo
11h – Reuniões dos Grupos de “crítica e avaliação”
12h - Intervalo
14h30 – Apresentação das comunicações selecionadas, problematizadas a partir das
discussões sobre o temário nos grupos “crítica e avaliação”
18h – Intervalo
19h/ 21h – Reuniões dos grupos de “vivência e criação”
Dia 28.08
9h – Apresentação em plenário dos resultados dos grupos de “crítica e avaliação”
10h30 - Intervalo
11h – Apresentação em plenário dos resultados dos grupos de “crítica e avaliação”
12h - Intervalo
14h30 – Reuniões e ensaios dos grupos de “vivência e criação”
18h – Intervalo
19h/ 21h – Serenata performance dos participantes na Lagoa do Abaeté em noite de
Lua Cheia
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A METODOLOGIA
O V Colóquio Internacional de Etnocenologia reunirá, de 25 a 29 de agosto de 2007, no
Centro de Treinamento de Líderes de Itapuã, suas diversas comissões (coordenação, cientí-
fica e organizadora), pesquisadores convidados e pesquisadores inscritos, a partir da pro-
posição de trabalhos escritos e/ ou de apresentações orais (com os devidos resumos escri-
tos), relativos ao temário.
A Coordenação do evento e a Comissão Científica, a partir da análise das proposi-
ções inscritas e aceitas e da confirmação de participação dos diversos convidados, definirá
em qual dos grupos de trabalho de “crítica e avaliação” cada participante deverá atuar ou,
eventualmente, ser incluído numa sessão especial de comunicações - apresentadas
prioritariamente pelos convidados, além de definir os coordenadores e expositores da cada
um desses grupos.
Para todos os participantes interessados, será proposta, na noite do dia 26, uma di-
nâmica com foco na criação coletiva, a partir das vocações, experiências e expressões artís-
ticas de cada um dos presentes, que poderão se organizar em grupos de “vivência e cria-
ção”, que terão a noite do dia 27 e a tarde do dia 28, para preparar uma performance artís-
tica, a ser compartilhada com todos os participantes do evento na noite de lua cheia do
último dia, 28 de agosto, na Lagoa do Abaeté.
O Colóquio prevê, portanto, dois tipos de grupos de trabalho, além de duas vivências
artísticas: uma na noite de abertura, no sábado, dia 25, com artistas da comunidade, próxi-
ma ao local de realização do evento, tendo seus participantes como espectadores privilegi-
ados e em situação de observadores participantes; e, outra, na noite de encerramento, na
terça-feira dia 28, com os artistas pesquisadores integrados nos grupos de “vivência e cria-
ção”, apresentando-se para o conjunto dos participantes do colóquio e outros possíveis es-
pectadores, externos ao evento, que se encontrem eventualmente no local de sua realiza-
ção.
Assim, a proposição da etnocenologia, de articulação de prática e teoria e de arte e
ciência, acontecerá com a realização de momentos de avaliação, reflexão crítica e criatividade,
alternados com momentos de criação, vivência artística e reflexividade.
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Realização:
ARCUS 7
UPX Brésil & Chili
GIPE-CIT
fapesb
UNIVERSIDADE DO
ESTADO DA BAHIA - UNEB
PPGAC
Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas
Fundação de Amparo
à pesquisa do Estado da Bahia