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É VERÃO...
... mas, deixa a praia pra depois.Vamos ler!
ESTA EDIÇÃO
Edição, Capa e Diagramação: EDITORIAL: É VERÃO! E O QUE ISSO SIGNIFICA?
Pabl o Gomes
Design (publicidade): É verão! É tempo de sol , e num paí s repl eto de pe-
Pabl o Gomes quenos paraí sos, como costuma ser o Brasi l , a tenta-
Anthoni el e Carval ho ção de i r a prai as, parques e a qual quer parte onde
se possa agl omerar pode ser enorme. Em tempos nor-
Revisão: mai s, em que os ri scos eram bai xos, "Aprovei te e di -
Hel l en Heveny vi rta-se" seri a nosso consel ho. Seri a. Estamos perto
Tati ana Iegorof f como nunca, de vencer a guerra contra o i nf ame Coro-
Pabl o Gomes
na Ví rus! Val e a pena esperar um pouco mai s, e so-
mente i r para a prai a quando essa etapa j á ti ver si do
Autores: superada. Um verão de prai a a menos, hoj e, pode re-
Al pi no presentar, no f uturo, mui tos verões de prai a!
Cl áudi a Zambrana
Cri sti ano Tei xei ra Isto posto, procuramos sel eci onar, nesta edi ção,
Dani el Cosme os textos j á publ i cados no nosso portal ( caso você
Gabri el Soares não sai ba, é onde sel eci onamos os textos que vi rão
Guto Domi ngues
para a revi sta: www. l i teraturaerrante. com. br) , que
Hel l en Heveny
J . Berwi g tenham al go a ver com verão, prai a, mar, e assuntos
J . Brandão af i ns. Não só el es, mas, como marco temáti co desta
J C. Rodri gues edi ção, el es, pri nci pal mente.
Karl a Gama
Lui s Al l adi n Bambá Comemoramos, ai nda, nessa edi ção, o sucesso de mai s
Lui z Rodri gues uma i ni ci ati va edi tori al f i nanci ada col eti vamente.
Pabl o Gomes Acredi tamos que esse ti po de i ni ci ati va ai nda i rá
Ruan Vi ei ra render mui tas outras excel entes publ i cações!
Túl i o Montei ro
Nossa parceri a com a Revi sta Perpétua recebe mai s
Doug Nol eto um capí tul o. Preci samente, mai s três capí tul os do
Wel l i ngton Duarte ( Eros)
conto Até que a Morte nos Separe. Os três capí tul os
f i nai s estarão di sponí vei s na próxi ma edi ção, em doi s
ISSN: meses.
PENDENTE DE DEFINIÇÃO Desej amos que você l ei a, di vi rta-se, ref l i ta,
( após publ i cação da segunda
edi ção, conf orme normas aprenda e, como mai s qui ser e puder, aprovei te mai s
vi gentes, a numeração deverá ser esta edi ção, f ruto de mui to trabal ho de mui ta gente,
vál i da retroati vamente às
pri mei ras edi ções regi stradas) nessa nova f ase do Li teratura Errante.
Obra Li cenci ada pel a Atri bui ção - Uso Não-Comerci al - Vedada a Cri ação de Obras Deri vadas 2. 5 Brasi l
Creati ve Commons. Todas as i magens publ i cadas são de domí ni o públ i co, royal ty free ou sob l i cença Creati ve
Commons. Os textos publ i cados são de domí ni o públ i co, com consenso ou autori zação prévi a dos autores, sob
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de Arti stas Errantes®, e são de i ntei ra responsabi l i dade de seus autores.
Literatura Errante 3
SUMÁRIO
Estudos Literários:
Thomas Wol f e, um gi- Notícia:
gante esqueci do ( Da- Opera Sopa - Antol o-
Contos: Poemas: ni el Cosme) . . . . . . 43 gi a de HQ. . . . . . . 60
O Conto da Água Amores de Verão ( Kar- Ironi a e ci rcul ari dade
( Hel l en Heveny) . 7 l a Gama) . . . . . . . . . 36 Pol í ti co-Soci al em Os
Desencontros ( Pabl o Inf i ni tude do Ol har Bruzundangas, de Li ma
Gomes) . . . . . . . . . . 13 Até que a Morte nos Se-
( J . Berwi g) . . . . . . 37 Barreto ( Túl i o Barre- pare - parte III. . 74
Serei a Assassi nada
Cartas ao céu ( Cl áu- to) . . . . . . . . . . . . . 49 Até que a Morte nos Se-
( J . Brandão) . . . . 19
Uma manhã na horta di a Zambrana) . . . . 38 pare - Parte IV. . . 76
Folhetim: Até que a Morte nos Se-
( Cri sti ano Tei xei - Sonhava ( Luí s Al l adi n
ra) . . . . . . . . . . . . . 25 Bambá) . . . . . . . . . . . 39 SÉRIE ANTEROS - Pri- pare - Parte V. . . . 80
Táxi ( J C. Rodri - Eu quero paz ( Ruan mei ra Luz. . . . . . . . 62
SÉRIE ANTEROS: Atrás
gues) . . . . . . . . . . . 32 Vi ei ra) . . . . . . . . . . 40
da Marca. . . . . . . . . 64
Cartum:
Fal hou ( Lui s Al l a- Googl e. . . . . . . . . . 84
A Al dei a dos Magos
di n) . . . . . . . . . . . . 33 Opinião: Escondi dos III. . . 68
Batman Mordomo. . 84
Útero de Ferro Kl aatu Barada Ni kto Thi s i s Sparta! . . 85
( Lui z Rodri gues) 34 A Al dei a dos Magos
( Guto Domi ngues) 56
Escondi dos IV. . . . 72
4 Literatura Errante
Literatura Errante 5
Conto
O Conto da Água
por Hel l en Heveny
Lembro-me cl aramente do f atí di co di a em Antes dos homens meu povo j á exi sti a,
que el a f oi pega. Cada gota de mi m doeu quando a pri mei ra centel ha da humani dade
com o desespero, mas eu nada podi a f azer, surgi u, eu al mej ei uma rel ação de ami zade
há coi sas nas quai s eu não posso entre ambas as espéci es. Mesmo em toda
i nterf eri r. mi nha grandi osi dade, eu f ui i ngênua. De
i ní ci o ambos os povos coexi sti am numa
Sou tão anti ga quanto qual quer f orma de rel ação de cooperação, porém, quando a
vi da, quando não havi a nada al ém do sede por poder e domi nânci a, surgi u nos
vazi o, nada al ém das sombras, eu estava homens, eu vi sua verdadei ra essênci a, e
Literatura Errante 7
os odi ei . cor de caramel o e maci a. Seus ol hos, tão
verdes quanto as mai s bel as al gas
Mas ai nda havi a aquel es que acredi tavam mari nhas, bri l havam com o desespero.
na bondade del es, aquel es que não Di one estava presa num emaranhado de
conheci am a dor, nem a cruel dade. Mi nha redes, sendo arrastada para a superf í ci e
queri da Di one, sempre tão genti l . Ai nda por um grupo de pescadores, que
me l embro dos seus ol hos curi osos acredi tavam ter capturado um grande
passeando pel os cascos dos grandes cardume.
navi os, que começavam a se tornar
constantes em mi m. Lembro de suas
perguntas constantes a suas i rmãs. El a
queri a saber mai s sobre o povo da
superf í ci e, mas nunca recebeu nada al ém
de um ol har de repreensão, af i nal após as
pri mei ras embarcações chegarem às águas
quentes daquel as terras, corrompendo uma
das poucas centel has de genti l eza que
ai nda restava na humani dade, meu povo f oi
proi bi do de se aproxi mar dos homens.
-/-
O di a havi a acabado de rai ar, o sol dava Porém os ol hos se arregal aram e
seus pri mei ros si nai s, os rai os pareceram querer pul ar das órbi tas quando
amarel ados i l umi navam o céu, e aquel e avi staram o ser preso nas redes, dentes
poderi a ser o amanhecer perf ei to, se não af i ados à mostra, as unhas, mui to
f osse corrompi do por gri tos de desespero semel hantes a garras, tentavam cortar
e pavor. Eu a senti ser arrancada de mi m. desesperadamente os f i os, porém em vão.
Aos ol hos humanos el a era uma aberração,
Di one, sempre tão tei mosa, estava perto para mi m, mi nha queri da f i l ha.
demai s das margens do ri o, os pescadores
j ogavam suas grandes redes em busca de Agora condenada.
pei xes, a roti na era a mesma, todos os
di as. Exceto naquel a manhã. Naquel a manhã Seus pul mões f rágei s respi ravam o ar
el es encontraram al go surpreendente, e terrestre pel a pri mei ra vez, seus
assustador. Mi nha f i l ha amada, el a estava cabel os, tão negros, eram um emaranhado
tão assustada. A rede se enroscou em sua de f ol has e l i nhas de pesca, que se
bel a cauda perol ada, a l i nha af i ada, espal havam por seu rosto.
cortante, f ez pequenos tal hos em sua pel e
8 Literatura Errante
Eu podi a ver o medo e a admi ração dos passou a não resi sti r mai s, entregue.
pescadores e de um em especi al , seu nome Depoi s das agul has começaram a usar
era Uri el . Eu podi a ver em seus ol hos, seu pequenas f acas, ti ravam suas bel as
coração di vi di do. El e queri a j ogá-l a escamas, e f i cavam maravi l hados com a
novamente no ri o, compadeci do pel o f orma como o corpo del a se curava. Mas nem
sof ri mento del a, porém a ganânci a é o a cura tão acel erada a sal vari a de seu
def ei to mortal dos humanos. Uri el mandou f i m.
seu f i l ho mai s novo à ci dade e, quando el e
retornou acompanhado por doi s homens
uni f ormi zados, eu sabi a que sua deci são
havi a si do tomada.
Condenação.
Literatura Errante 9
outro, num tom rude, of ensi vo e
ameaçador. “Descul pe-me, eu devi a ter evi tado. ”
Após i sso, derramou o l í qui do sobre mi m,
“Não. . . Não senhor. ” Di sse o mai s novo, contami nando aquel a parte do meu ser,
suspi rando pesadamente, arrependendo-se dei xando-me amarga, mortal .
amargamente de ter concordado com a
pesqui sa. Di one sorri u, seus ol hos, que antes eram
tão bri l hantes, f i caram opacos à medi da
Depoi s di sso el e nunca mai s chorou. que a sua vi da saí a de seu corpo, e
vol tava para mi m.
Os di as se passaram e Di one vol tou a
cl amar por mi m, el a pedi a um f i m ao seu “Experi ênci a 137 encerrada, espéci me
sof ri mento. Mas eu não podi a i nterf eri r. extermi nado. Hora do óbi to, 17: 23h. ” Di to
i sto, el e desceu as escadas, cami nhou
Mi nha pequena Di one. El a i mpl orou, mas l entamente para f ora da grande sal a, e
eu não pude f azer nada. f echou a porta, que nunca mai s f oi
aberta.
10 Literatura Errante
Literatura Errante 11
Conto
Desencontros
por Pabl o Gomes
Era um magní f i co di a de sol . Antoni o – col í ri o para seus ol hos. Foi assi m, pel o
Toni , como l he chamavam os pai s i tal i anos menos, que Toni – e, certamente, metade
– curti a, i nocente e i mpunemente, uma dos presentes – percebeu a chegada da
prai a, j á que ni nguém é de f erro. Foi moça.
quando entrou em cena, desl i zando por
sobre a arei a da prai a com uma bel eza Toni não podi a apenas esperar. Ti nha que
extraordi nári a, e uma canga que del i neava agi r. Levantou-se. Mas, f azer o quê?
suas qual i dades, uma verdadei ra deusa de Sentou, novamente. El e não sabi a como
Ébano. agi r, mas não ti rava os ol hos daquel a
mul her úni ca. Preci sava, deci di damente,
El a armou sobre a arei a sua cadei ra de f azer al go. Observou que, ao seu l ado, el a
prai a, e, cui dadosamente, i l umi nou a prai a começava a escrever al go na arei a. El e
com a sua bel eza negra, ao remover a canga parou. Esperou. Droga! O mar apagou. A
branca que ousava roubar do públ i co aquel a maré estava enchendo, e el a, sem saber,
vi são do paraí so. Sentou-se, sai ndo do pusera sua cadei ra em rota de col i são com
campo de vi são da mai ori a, e com i sso a subi da da maré. El a se l evantou, para o
pri vou Toni do prazer de desf rutar daquel e del ei te de toda a popul ação mascul i na da
Literatura Errante 13
prai a ( e desgosto das esposas e namoradas possí vei s! Ri cardão é óti mo na cama! ” ,
presentes) , af astou a cadei ra al guns “Não, o sexo do bebê. ” , “Seu tarado! ” ,
metros do mar, e a col ocou prati camente “Não, dona, quero di zer que você estava
ao l ado de Toni – o que quase o f ez escrevendo um nome de meni na. E se nascer
enf artar, e, certamente, matou os demai s meni no?” , “Ah, se f or meni no, o pai
homens e uma ou outra mul her de i nvej a. escol he o nome. Ol ha el e chegando aí ! ” .
Não! Esta úl ti ma versão do di ál ogo ai nda
El a se sentou, novamente. Agora, bem termi nari a em conf usão. Até porque,
aos ol hos de seu mai s devotado garotas boni tas têm o mau gosto de
observador. Começou, novamente, a namorar caras marombados, ou l utadores de
escrever al go. Logo, se del i neou um bel o j i u-j i tsu. “Tô f ora! ” , pensou Toni .
“E” . Suspense no ar. Um “l ” , segui do em
segui da de um outro “l ” … opa! Um
ambul ante, di straí do, desmanchou tudo.
Pedi u descul pas, e só então vi u a moça.
Babou, quando a vi u, quase l he dava suas
mercadori as, em pedi do de descul pas, mas
el a recusou. “Tá tudo bem, moço. Pode
segui r seu di a. ” . Toni j á ti nha í mpetos
de i r surrar o cara. Quem l he dava o
di rei to de atrapal har e, pi or, se enxeri r
para a sua garota?
14 Literatura Errante
consegui u ol har, tentando não dar a bi quí ni mí ni mo que destacasse as suas
perceber que j á não escutava sua ami ga. curvas, mas não se acostumava com a
“Tchau, meu l i ndo! Vê se me l i ga, hei n? natureza dos ol hares.
A gente ai nda tá se devendo conhecer
aquel a boate…” , “Li go, si m! ” , bei j os à Pôs, então, a cadei ra mai s para trás,
di stânci a, um aceno. Toni , então, ol ha af astando-a do mar por mai s al guns
para o l ado. Decepção. metros. Se ti nha que f azê-l o, por que não
aproxi mar um pouco da cadei ra do rapaz?
“El l yda & Marqui nhos” . O ál i bi era perf ei to, e el a o f ez.
Recomeçou a escrever seu nome, na
Toni f i cou de coração parti do. Como esperança de que o j ovem o l esse, e el e
podi a? El e nem a conheci a, e j á estava se
dei xando abal ar por uma notí ci a óbvi a.
Cl aro que uma mul her perf ei ta como aquel a
só podi a ser comprometi da! Mas,
“Marqui nhos” ? Nem mesmo nome de homem el e
ti nha. Toni se senti a traí do. Qui s
l evantar, tomar as devi das sati sf ações,
e quase o f ez. El a não ti nha di rei to! Mas
el e se conteve. Não suportando a dor,
Toni resol veu vol tar para casa. Foi
chorar sozi nho, pel o fim do
rel aci onamento que j amai s começou.
-/-
Literatura Errante 15
El a não devi a ter ol hado. O negóci o era de um nome mel hor, escol heu o do seu
torcer que el e não esti vesse tão i rmão, de sete anos. Estava tão nervosa,
i nti mi dado, e que l esse o nome del a. Não que mal se deu conta de que escrevera no
demorou tanto em escrever o resto do di mi nuti vo. E com uma cal i graf i a
nome, mas capri chou na cal i graf i a. Queri a sof rí vel .
i mpressi onar.
Quando a l oi ra se despedi u, o convi dou
para i r a uma boate, e el e garanti u que
l i gari a. Se el es não ti nham al go, l ogo
teri am, certamente. E El l yda teve certeza
de que ti nha tomado a deci são acertada,
ao escrever aquel e nome mascul i no ao l ado
do seu. Pena. El e era exatamente como el a
gostava. Boni to, mas nada escandal oso.
Não era marombado, como aquel es caras que
só pensam em academi a e arranj ar bri ga,
e dei xam a mul her em segundo pl ano. El a
gostava de rapazes assi m, em f orma, mas
magri nhos, e com aquel a cara de CDF.
Costumam ser mai s sensí vei s,
companhei ros, apai xonados.
16 Literatura Errante
Literatura Errante 17
“Da pri mei ra vez em que me assas-
si naram, perdi um j ei to de sorri r que
ti nha. . . Depoi s, de cada vez que me
mataram, f oram l evando qual quer coi sa
mi nha. . . ”
Mári o Qui ntana
18 Literatura Errante
Conto
SereiaporAssassinada
J . Brandão
Mas, é bem do modo como vemos. Nós ví amos que o sol a contempl ava
Nada l he f al tava não f osse sua assi m como nós e para tanto não
resi stênci a. Seu senso de vi tóri a. houve surpresa. Bem porque só
E se ol hasse bem, assi m como nós notamos i sso depoi s. O sol dei tou-
ol hamos, el a ti nha qual quer traço se al i naquel as águas antes de
de madona renascenti sta. Esses adormecer e dar seu posto a l ua,
ol hos amendoados e entedi ados. Essa porém antes. Pôs-se al i . A f ul mi ná-
f ace di f í ci l de ser del i neada como l a. Havi a qual quer tragi ci dade no
uma pi ntura da renascença ar. Como l ençói s l evados pel o
descui dada. Esses cabel os de pi ncel vento. Era um peso i nvi sí vel aos
despreocupado de pi ntor perdi do a ol hos que eu desej ei não senti r.
contempl ar sua musa. Sabendo de
antemão que j amai s consegui rá O corpo mei o sentado mei o dei tado.
prender a bel eza del a em seu Torto. Como numa dança estrangei ra
quadro. Ni nf a dos ri os doces. Sua congel ada. E desde que a vi daquel e
pel e não bri l ha, quei ma. Incendei a modo, os ceús despencaram sobre
até por l onge. Não se aqui etou para mi m. Tal vez, até sobre todos.
ser pi ntada, nós sabemos. Não ti nha
i nteresse na pressa. Sentou-se para Porque nós todos í amos por l á
descansar tal vez, somente para despreocupadamente. Cami nhando
esquecer que os mares revol tosos ani mados. Quando a tarde j á caí a. E
af ogari am mari nhei ros experi entes. se eu pudesse adi vi nhar o que eu
vi ri a, teri a tomado outro cami nho.
Literatura Errante 19
Sem dúvi da, teri a i do por l onge. Não i mporta mai s. Não i mportava
porque nós ví amos o sangue que
No entanto, como não se é possí vel havi a escorri do pel os l ábi os
adi vi nhar o f uturo, tomamos a azul ados del a e depoi s vi mos a
tri l ha errada, embasbacados pel as equi pe da perí ci a col ocando seu
marol i nhas que o mar l ançava na corpo f rági l e quebradi ço na maca
prai a. Mol hando os nossos pés, para l evá-l a para uma sal a
trazendo uma sensação de l i berdade porcamente i l umi nada e f ri a. Para
para num espaço mai s af astado dei tá-l a numa cai xa gel ada coberta
darmos de súbi to com el a al i por um pl ásti co ci nza e tri ste. E
apoi ada. Naquel a rocha ao l argo da as ondas na prai a j á pareci am mai s
gel adas e i ndi f erentes. E o sol j á
prai a. O mar trouxera? Poi s si m. se escondera. As cores j ovi ai s
Di sso não haverí amos de duvi dar. del a morreram j unto com o sol .
Pel o menos não de i ní ci o, mas
depoi s acercou-se de nós toda
espéci e de pensamento. De causas,
de sol uções daquel e eni gma.
Acercou-se de nós um recei o
mal i gno do desconheci do, cri atura
ou ser humano que a dei xou al i
j ogada com sua bel eza de ni nf a.
Serei a assassi nada. E nos
surpreendemos ao ver como aqui l o
poderi a ter aconteci do. Então,
chegou a pol í ci a e nos l ançou de
vol ta ao mundo real com suas
buzi nas e ordens. Com suas
perguntas sobre o que estávamos
f azendo al i . Por que estávamos al i
mesmo? De f ato, di rí amos.
20 Literatura Errante
o meu apartamento. Logo após f orte para acordar. Tomei um banho
responder i nf i ni tas perguntas de f ri o. Prendi os cabel os e vesti
um pol i ci al de barba gri sal ha. Eu meu uni f orme. Saí pel a rua
ol hava todos aquel es desconheci dos movi mentada, me desvi ando de
no trem. Uns sentados, outros em mui tas pessoas apressadas. Tomei o
pé. O vi va voz dando i nf ormações trem. Um homem arrui vado l i a
sobre as estações. São Paul o é uma Cl ari ce Li spector. Ti nha f ei ções
ci dade apressada, mas neste di a eu rústi cas, l ábi os pequenos e ol hos
f i quei l enta, parei de acompanhá- amantei gados. Pareci a
l a. concentrado. Macabei a pode
Cheguei ao meu prédi o. Subi as conf undi r mui ta gente. El e
escadas até o tercei ro andar. Me segurava no apoi o superi or do trem
sentei no sof á castanho com uma mão e com a outra segurava
acol choado. As mãos i nertes no o l i vro. Eu tentava l er a capa
mei o das pernas. Os ombros trasei ra do l i vro quando el e
curvados. Os cabel os sol tos l evantou os ol hos e me encarou. Eu
atrapal hando a mi nha vi são. Meus sorri de l eve. El e estrei tou os
l ábi os ressecados. Meus ol hos ol hos e sorri u também. Percebi que
castanhos. Tudo pareci a tão comum. pretendi a puxar conversa comi go,
Mi nha bol sa escorregara do meu mas mi nha estação j á chegara.
ombro e agora estava ao l ado do Desci . Enquanto o trem avançava
sof á. Coçei a cabeça, amassei o para a próxi ma estação el e me
rosto entre as mãos. Um metro e encarava.
setenta de pura conf usão. Pi squei O toque do meu cel ul ar me servi u
os ol hos l entamente. O vento de al erta para vol tar ao mundo
assoprava a corti na branca da real . Atendi . O di a amanhecera
mi nha j anel a da sal a. Porém, era aci nzentado anunci ando chuva.
pi or do que conf usão. Era uma Mi nha chef e pedi a que eu
l etargi a que se apossara de mi m. termi nasse o que el a começara,
Uma i nérci a. Uma di f i cul dade de poi s ti vera uma emergênci a
sai r de dentro de si mesma e f azer f ami l i ar. Deu-me as i nstruções de
o que eu sempre f i zera. Os como deveri a proceder. Quando
servi ços dométi cos, meu trabal ho. entrei no corredor do trabal ho, a
Eu estava l argada dentro de mi m porta da sal a de autópsi a estava
tentando entender como al guém entreaberta. Começava uma chuvi nha
poderi a matar uma moça tão boni ta. f i na. Peguei o f ormul ári o, vi as
Tentando entender por que el a f ora i nci sões que deveri am ser f ei tas
ref ém daquel a vi ol ênci a. Embora eu i ncl ui ndo uma na artéri a caróti da
soubesse que bel eza nenhuma i senta que eu não sabi a o porquê. A rádi o
ni nguém da dor. Mas não consegui tocava um samba canção da década
me l i vrar dessas i nterrogações que de oi tenta. Real mente, el a acabara
nasceram na mi nha cabeça quando a de sai r. Esqueceu o rádi o l i gado.
vi . A l âmpada do pequeno corredor
Havi a al guns dos meus l i vros estava f raca, amarel ada. Eu achei
j ogados sobre a escri vani nha. Um mel hor desl i gar o rádi o. Não
abaj ur f l oral desl i gado. No me combi nava com o barul ho da
quarto, uma cama de sol tei ro chuvi nha l á f ora. O f ormul ári o
bagunçada. Uma estante à esquerda estava numa mesi nha à mi nha
l otada de l i vros. Uma cômoda com di rei ta. Menci onava as f erramentas
gavetas grandes que guardavam as que eu deveri a usar. Ao l ado do
mi nhas roupas. E sobre el a, mai s f ormul ári o também ti nha uma vel a e
l i vros. Os di as passaram l entos. um i squei ro. Eu penso que el a
dei xou aquel a vel a para o caso de
Preparei uma xí cara de caf é bem f al tar energi a. A chuva f i cava
Literatura Errante 21
mai s f orte. E o necrotéri o era total quando as l uzes f al hassem
escuro mesmo durante o di a. Um novamente, eu resol vi trazer a
rel âmpago cl areou a j anel a suj a do vel a do corredor para onde eu
corredor. Pel a f resta da porta, eu estava. Trouxe a vel a comi go e
vi a a maca com o corpo. Mas o f echei novamente a porta. Peguei o
corpo estava total mente coberto f ormul ári o para conf eri r a l i sta
por um teci do cl aro. Pel o menos a de af azeres e col oquei a vel a do
l uz dentro da sal a de autópsi a era outro l ado, na pi a. Mas, no
mel hor do que a do corredor. f ormul ári o os quadradi nhos da
l i sta j á estavam marcados. Estavam
Respi rei f undo, dei xei mi nha marcados antes? Quando estrei tei
bol sa sobre a mesi nha e trouxe os ol hos, percebi que o cadáver
comi go o f ormul ári o. Quando entrei al i ti nha nome. Val enti na Soares.
na sal a. O corpo estava dei tado na Tal vez, eu esti vesse com a l i sta
mesa de autópsi a. Coberto. Eu me errada, mas onde estava a l i sta
aproxi mei da pratel ei ra do outro que eu ti nha vi sto antes? Tal vez,
l ado para l avar as mãos e vesti r eu ti vesse pegado a prancheta
as l uvas. Também vesti o j al eco errada. Passei os ol hos pel a sal a.
por ci ma do meu uni f orme. Enquanto Não ti nha nenhuma outra prancheta.
col ocava as l uvas de l átex eu Eu pensei que pudesse estar no
l embrava do corpo que encontramos corredor. Mas quando me aproxi mei
na prai a. Eu não entendi a como da porta ouvi uns passos. Um
aquel e corpo na prai a me rel âmpago cl areou a sal a. O
sensi bi l i zara tanto. Eu sou si l ênci o pesou. Por i sso ouvi
assi stente de autópsi a há um ano. ni ti damente os passos. Vi nham
Vej o cadáveres quase todos os f i rmes. Depoi s pararam. Eu aguçei
di as. Mas, el a. Ah, eu não sei . a audi ção. Eu queri a encontrar
Fechei a porta da sal a, porque não l ogo o f ormul ári o certo para
queri a ver o corredor escureci do. prossegui r com a autópsi a e sai r
Eu peguei o bi sturi na pi a e me dal i . Por que eu não abri a porta?
aproxi mei da maca. Li a f i cha de Estava assustada. Se f osse a mi nha
i nf ormações do cadáver. Li a-se: chef e el a abri ri a a porta. E me
Desconheci da. Um trovão estourou e chamari a. Mas, os passos pararam.
escureceu a sal a. Numa escuri dão Eu f i quei com a sensação de não
absol uta eu ouvi duas bati das. estar sozi nha. No entanto, não
Numa f ração eterna de segundos, a ti ve coragem de abri r a porta.
l uz vol tou. Senti um cal af ri o na Então, o trovão estremeceu e as
nuca. A porta estava l ogo atrás de l uzes apagaram novamente. Mas, a
mi m. Então, me vi rei rapi damente. vel a permaneceu acesa. Depoi s do
Conti nuava f echada. A l uz vol tou susto eu f i quei f el i z por ter
mai s f raca pel o que pude notar. trazi do a vel a e f ui em di reção a
Então, abri a porta, mas não havi a el a na pi a do outro l ado. Se f osse
ni nguém. Tornei a f echá-l a. O como da pri mei ra vez, as l uzes
corpo ai nda estava coberto, mas vol tari am rapi damente.
percebi que os pés estavam Inf el i zmente, o resto da sal a
descobertos. El es estavam f i cou entre as sombras e o amarel o
descobertos antes? A chuva se encardi do da l uz da vel a. As l uzes
transf ormou numa tempestade. Com o não vol taram. Aproxi mei a vel a da
bi sturi na mão eu tentava l embrar l âmpada, mas el a conti nuava
se os pés do cadáver estavam apagada. Os rel âmpagos cl areavam
descobertos antes. Provavel mente momentaneamente quando ol hei pel a
estavam. A mi nha memóri a nunca f oi j anel a. Porém, ouvi um barul ho
das mel hores. arrastado e me vol tei depressa. A
perna di rei ta do cadáver estava
Para evi tar que f i casse um breu
22 Literatura Errante
descoberta. Si m. E não estava Quebrou o si l ênci o mortuári o da
antes. Eu l embro de ter decorado sal a. Eu pensei em gri tar, mas não
como el e estava depoi s do epi sódi o ti ve coragem. A voz não saí a.
dos pés descobertos. Não estava Presa na garganta. Meu coração a
assi m. Eu sei que não. A l uz da caval gar dentro do pei to. Um bate
vel a tremi a, poi s eu tremi a. bate enl ouqueci do. A chuva
torrenci al . O trovão. O rel âmpago
A chuva conti nuava a cai r l ançando f l ashs de l uz no cadáver.
mal dosamente do l ado de f ora, e os O corpo que se mexi a. Uma mão
rel âmpagos cortavam os céus. Eu cadavéri ca af astando o l ençol do
resto do corpo. Mi nha voz não
saí a. Mi nha angústi a aumentava. Eu
esmurrava a porta, mas acredi to
que os trovões abaf avam mi nhas
bati das. Então, o cadáver col ocou
as pernas para f ora da maca,
i nf el i zmente do meu l ado. El a se
sentou na maca e me encarou. Os
ol hos vazi os. Sem cor. Seu tórax
estava aberto ai nda. A cai xa
toráci ca era vi sí vel por bai xo da
carne sangrenta quando os
rel âmpagos cl areavam. Parte do
i nteri or de sua garganta estava
exposta. E meu caf é da manhã
queri a vol tar pel a mi nha garganta.
Eu não consegui control ar mi nha
tremedei ra e derrubei a vel a. E
naquel a sal eta suf ocante e escura,
quando a vel a escapou das mi nhas
mãos, cai u no chão e apagou-se. A
l uz daquel a vel a l evou com el a a
mi nha sani dade, poi s eu vi . J uro
que aquel a coi sa sentada na maca
era a moça assassi nada na prai a.
resol vi que j á estava mai s do que Na escuri dão total sal va apenas
na hora de sai r dal i . Eu di ri a a pel a l uz pi scantes dos rel âmpagos,
mi nha chef e que passei mal e ti ve el a me di sse com a voz arrastada:
que vol tar para casa. Devagar,
af astei -me ao máxi mo da maca e dei — Aaachoo. . que eu l embro. . . de
a vol ta até a porta. Toquei no vooocê. . . .
tri nco, mas não abri a. Vol tei a
ol har o cadáver. . . Tentei novamente
a porta e não abri u. Me
desesperei . Pel a escuri dão, pel o Sobre o Autor:
rel âmpago e pel o cadáver agora Al agoana, a escri -
parci al mente descoberto. Somente o
tronco, a cabeça e o estômago tora J osi e Brandão
estavam cobertos. As pernas estão resi de em São Paul o.
total mente descobertas. Puxei o Amante da l ei tura
tri nco vi ol entamente com a mão
desde a adol escênci a,
di rei ta. Com a esquerda eu
segurava a vel a. Comecei a suar escreve por hábi to,
f ri o e nesse momento bati na terapi a e gosto.
porta. O barul ho f oi al tí ssi mo.
Literatura Errante 23
Ni nguém é tão estranho
quanto nós mesmos
24 Literatura Errante
Conto
Umapormanhã na horta
Cri sti ano Tei xei ra
Of él i a estava do l ado de f ora da casa predi l eção pel a j ardi nagem, Astol f o
desde cedo. Trabal hava num cantei ro de perambul ava dentro de casa, procurando o
hortal i ças, no j ardi m, e não percebera o que f azer. El e ai nda vesti a o pi j ama
passar das horas. J á era quase mei o di a, l i strado com o qual f ora dormi r na noi te
e seu estômago j á roncava de f ome. O sol passada, e não demonstrava i ntenção de
estava l evemente escondi do por uma corti na trocá-l o por uma roupa. Al go em sua mente
de nuvens desol adoras, mas i sso não a o dei xava i nqui eto. El e quase poderi a
i mpedi u de prati car aquel e hobby recém- j urar que, àquel a hora da manhã, deveri a
adqui ri do. Meu deus, quando f oi que eu estar em al gum l ugar, mas não consegui a
comecei a gostar de j ardi nagem, el a se l embrar onde, por mai s que se esf orçasse.
perguntava, entre sorri sos i ncrédul os. Era uma quarta-f ei ra, será que não deveri a
El a podi a j urar que mexer no j ardi m era estar trabal hando em al gum l ugar, se
coi sa de Astol f o. Mas el a não ti nha perguntava. Por que será que ti nha a
certeza di sso. Havi a, al i ás, mui tas coi sas sensação de que os úl ti mos di as ti nham se
que el a l embrava vagamente nos úl ti mos transf ormado num l ongo e tedi oso f eri ado?
di as e não consegui a di sti ngui r se al gumas Aproxi mou-se da j anel a que dava para o
del as eram reai s ou apenas névoas de j ardi m e vi u Of él i a cami nhando em di reção
sonhos que vez por outra se recordava. El a à casa. Como sua esposa, el e estava morto
remexi a na terra, reti rava ervas dani nhas de f ome. Então el e af astou-se da j anel a e
e col hi a al guns l egumes, sem, no entanto f oi para cozi nha, i nvesti gar o que havi a
estar certa do que real mente f azi a, para comer. Não era própri o de Astol f o
achando graça em tudo aqui l o, podi a j urar f uçar a cozi nha, mas aquel a mudança de
que detestava cui dar do j ardi m. hábi to passara-l he despercebi da, naquel e
momento.
Enquanto Of él i a descobri a a sua súbi ta
Literatura Errante 25
Quando Of él i a entrou na casa, pel a eu quem está del i rando? — Of él i a f al ou,
porta da cozi nha, carregava uma bel a com o seu natural humor i rôni co. — Sabe,
cesta de j unco, contendo l egumes e pel o menos, em que gaveta f i cam as f acas
temperos, ao mesmo tempo em que Astol f o e o descascador?
estava de f rente para o f ogão, em vi as de
— Ora, Of él i a, você f al a como se eu
começar a f azer uma omel ete. El e
f osse um compl eto i di ota — quei xou-se
i nterrompeu-se momentaneamente, para
Astol f o, se perguntado onde estari am as
l ançar à esposa um ol har admi rado.
f acas. El e deu sorte, na pri mei ra gaveta
— Desde quando você gosta de j ardi nagem que abri u, estavam as f acas. E o
— el e perguntou, segurando, de f orma descascador.
desaj ei tada, uma grande caçarol a.
Mei o desaj ei tado, el e se pôs a
— E você, que mal sabe ti rar o gel o da trabal har, sob o ol har i ncrédul o da
cuba, o que tenci ona f azer com essa esposa.
panel a? — el a l he l ançou um ol har
di verti do.
— Não está óbvi o? Uma omel ete! — el e
respondeu, i ndi cando-l he mei a dúzi a de
ovos sobre o bal cão da pi a.
— Queri do, eu mal posso acredi tar que
você tenha consegui do chegar à cozi nha
sem a aj uda do seu GPS, e agora me
assusta querendo f azer uma omel ete. Você
está se senti ndo bem?
— E que há de mal ni sso?
— Em pri mei ro l ugar, você não vai
querer comer todos esses ovos, só
aumentarão a sua taxa do seu col esterol ,
como você mesmo sempre recl ama, quando
f aço ovos mexi dos no caf é da manhã. E, em
segundo, não se f az uma omel ete usando
uma panel a f unda como esta, al ém do mai s,
esta não é anti aderente, não percebe? Sua
omel ete vai grudar e quei mar — el a ol hou
i ntri gada para o mari do e acrescentou,
revi rando os ol hos: Astol f o, para o seu
conheci mento, você detesta cozi nhar,
dei xa que eu mesma f aço i sso para você.
— Eu estou morrendo de f ome. . . — Corte tudo em pedaços f i nos e
pequenos — i nstrui u Of él i a, gostando da
— E eu também, por i sso trouxe al guns novi dade de dar ordens ao mari do. —
l egumes — el a enf ati zou, ao l evantar a Depoi s abra aquel e cabernet, para
cesta e deposi tá-l a sobre a mesa da respi rar. Enquanto i sso, eu vou trocar
cozi nha. — Você acaba de me dar uma essas roupas e l avar as mãos.
i dei a, vou acrescentá-l os à omel ete. O
que acha? Enquanto descascava os l egumes, Astol f o
se perguntava o que real mente estava
— Para mi m, parece óti mo! — el e f azendo na cozi nha de sua casa, el e não
respondeu, af astando-se do f ogão. — pertenci a àquel e l ugar. Tal vez Of él i a
Dei xe-me aj udá-l a, descascando os ti vesse razão. Aquel es úl ti mos di as
l egumes. estavam real mente estranhos, era como se
— Nossa, o que deu em você hoj e? Ou sou as coi sas esti vessem f ora do l ugar. El e
26 Literatura Errante
não deveri a estar em casa de pi j amas, no Prezados l ei tores, esta hi stóri a não
mei o da semana, Of él i a não deveri a estar tem a menor pretensão de ensi ná-l os a
mexendo em sua horta e nem el e ti nha o nobre arte de f azer uma omel ete. Vamos
menor pendor por cul i nári a. Mesmo assi m, prossegui r, pul ando este trecho
conti nuou dedi cado àquel a taref a, com cul i nári o.
af i nco, e achou que descascar e cortar
Of él i a pegou doi s pratos de porcel ana
l egumes poderi a ser di verti do.
no aparador, duas taças e col ocou-os
Quando Of él i a vol tou à cozi nha, el a sobre a mesa, j untamente com os tal heres.
agora vesti a uma sai a azul compri da e uma Ti rou do armári o um pão rústi co, ai nda
bl usa f ol gada. Seus bel os cabel os estavam i ntacto, que assara na noi te anteri or, e
sol tos e pendi am sobre os ombros. Astol f o o pôs sobre uma tábua de madei ra,
acabara de cortar as úl ti mas vagens e j untamente com a serra de cortar pão. A
ol hou para a esposa, admi rado com a sua omel ete estava pronta para ser servi da e
bel eza. ti nha uma cara del i ci osa; el a
acrescentara al gumas f ol has f rescas de
— Você está l i nda.
manj eri cão, que l he emprestaram um aroma
— Obri gada — agradeceu, surpresa. J á del i cado. Astol f o pegou a garraf a de
havi a al gum tempo que el e não f azi a vi nho sobre o bal cão da pi a, j á aberta,
aquel e ti po de el ogi o. e os doi s sentaram-se à mesa.
Literatura Errante 27
sempre cui da dessas coi sas? — Astol f o f ora a úl ti ma vez que os bei j ara e chegou
pareceu i ntri gado. Pegou a garraf a de à concl usão de que não se recordava. Num
vi nho e servi u Of él i a e depoi s a si gesto af etuoso, el e estendeu sua mão e
própri o. acari ci ou a de Of él i a, genti l mente, antes
de segurá-l a com um aperto breve e f i rme,
— Si m. Eu estou di zendo que vi seu carro
que f ez com que o coração del a
chei o de roupas no banco de trás. Por
di sparasse.
i sso estou te perguntando, vai l evá-l as
para a ti nturari a? — Não crei o que haj a nada de errado com
a nossa casa. Não há nenhuma assombração
Astol f o f i cou surpreso com aquel a
por aqui . — El e hesi tou. Qui s di zer que
hi stóri a. Como suas roupas f oram parar no
havi a al go di f erente com el es, mas i sso
carro, se perguntou. E de onde Of él i a
seri a i r l onge demai s, el e nunca f oi o
ti rara a i dei a de que el e i ri a l evá-l as
ti po de homem de conversar sobre essas
para a ti nturari a? Al go estava estranho
coi sas.
naquel a casa nos úl ti mos di as, el e
constatou i ntri gado. Era como se — A casa está bem — f al ou Of él i a. — O
f ragmentos de al guma hi stóri a ti vessem que eu qui s di zer f oi que há al go de
si do apagados e só restasse uma sensação estranho com a gente. Você não percebe?
de déj à-vu. Era i sso que aquel a si tuação
toda era, uma i l usão que a sua memóri a
l he causava, uma sensação de que al go
f ora esqueci do, mas el e não consegui a se
l embrar exatamente do quê.
— Mas eram todas as mi nhas roupas ou
apenas al gumas? — qui s saber Astol f o. El e
observava Of él i a cortar uma f ati a de pão
e pôr em seu prato. Mas el e não comi a
pão, el a sabi a di sso.
— Bem, eu não abri seu carro e f ui
bi sbi l hotar, se é i sto que está
i nsi nuando. Mas eu podi a j urar que quase
todas as suas roupas estavam l á —
respondeu Of él i a, bei rando i mpaci ênci a.
— Então eu vou pô-l as de vol ta no
armári o, se é i sto que te i ncomoda. Astol f o percebera. El e sabi a sobre o
Francamente, não f aço i dei a de como el as que el a estava f al ando. Há di as el e
f oram parar l á — decl arou Astol f o, num também vi nha notando transf ormações no
tom deci di do. comportamento da esposa, mas el e j amai s
admi ti ri a para si , que o mesmo estava
— Há coi sas estranhas acontecendo em ocorrendo com el e própri o. Estas mudanças
nossa casa ul ti mamente. . . — comentou o dei xavam num estado de âni mo conf uso e
Of él i a, com o ol har era perdi do. desconf i ado da própri a sani dade. Estari a
Astol f o a exami nou por um i nstante e perdendo o j uí zo, se perguntava. El e
vi u f oi o rosto de uma bel a mul her. esf orçava-se para buscar no f undo de sua
Of él i a ti nha a pel e branca e avel udada. memóri a uma expl i cação para tudo aqui l o,
Os ol hos eram castanhos, cl aros, nem el e sabi a que deveri a haver al guma, em
mui to grandes e nem mui to pequenos. O que al gum l ugar. Tal esf orço era como tentar
mai s l he apreci ava em sua aparênci a era se l embrar de uma pal avra que achava que
a cor de seus cabel os, ti nham um tom de exi sti a, podi a senti -l a na ponta da
f errugem, quase rosados. Eram l i sos e l í ngua, mas não se compl etava. Esta sua
vol umosos. Seus l ábi os eram l i gei ramente di f i cul dade em se l embrar das coi sas era
grossos e avermel hados, como se ti vessem al go que o aterrori zava, não ti nha nem
si do mordi dos. El e se perguntou quando tri nta e ci nco anos de i dade e j á
28 Literatura Errante
começava a f i car esqueci do. Como i sso do que f osse. Havi a, si m, al go com o que
poderi a estar l he acontecendo tão cedo, el a costumava se ocupar todas as tardes.
se perguntou angusti ado. Astol f o ol hava El a escrevi a para uma revi sta f emi ni na e
para a sua esposa, sentada à mesa, ao seu al guns si tes de i nternet, mas i sso
l ado, el a era mai s j ovem que el e e agi a pareci a que f oi há tanto tempo. . . Quando
de modo estranho ul ti mamente, era como se f oi que el a começara a esquecer de coi sas
al guns de seus hábi tos ti vessem mudado de tão i mportantes para el a, se perguntou-
uma hora para outra, coi sas pequenas, mas se, i ntri gada. Astol f o pareci a que segui a
si gni f i cantes. Por exempl o, seu l ugar à pel o mesmo cami nho, el e não pareci a ser
mesa era à sua f rente, e não ao seu l ado. a mesma pessoa ul ti mamente. Agora, a
grande pergunta era: onde f oi que el a
Depoi s de comerem, Astol f o l evantou-se
guardara o seu notebook. El a, então,
e recol heu os pratos e f oi l avá-l os l ogo
começou a sua procura pel o l ugar mai s
em segui da. Of él i a l ançou-l he um ol har
óbvi o onde poderi a encontrá-l o. Astol f o
surpreso e não se conteve em f azer uma
j á dormi a um sono sol to quando el a
observação:
adentrou na bi bl i oteca, el e dormi a como
— O que deu em você? — al f i netou, um anj o, el a pensou consi go mesma, ao l he
admi rada, com um sorri so no canto da l ançar um ol har af etuoso. Procurando
boca. f azer o menos barul ho possí vel , el a deu
i ní ci o à procura de seu notebook.
— Não é mi nha vez de l avar os pratos? —
el e perguntou, i ndeci so. Não f oi di f í ci l encontrá-l o, estava
sobre a escri vani nha, coberto por um bel o
— Nunca houve a sua vez, para f al ar a l enço de seda f l ori do. Of él i a pegou o
verdade — el a f ul mi nou. — Mas se está com notebook, cui dadosamente, com as duas
tanta di sposi ção assi m, basta despej ar os mãos, e, na ponta dos pés, l evou-o para
restos no tri turador e pôr os pratos e a mesa da sal a de j antar. Seu contato
tal heres na máqui na de l avar; mai s tarde f í si co com o computador pareceu ter o
eu mesma ponho a máqui na para f unci onar. ef ei to de reavi var a sua memóri a naqui l o
— E percebendo o ol har de dúvi da do que el a mai s gostava de f azer, que era
mari do, acrescentou, di verti da: — A escrever. Chegando à sal a de j antar, el a
máqui na de l avar é essa coi sa aí em bai xo o pôs sobre a mesa. Abri u-o e pressi onou
do bal cão. o botão para l i gá-l o, e quando a tel a
Of él i a estava desconf i ada do mari do, i l umi nou-se, a i magem de uma prai a
será que el e estava bem da cabeça? El e paradi sí aca, em al gum l ugar da Oceani a,
vi nha agi ndo tão estranhamente. Nenhuma apareceu. El a l embrou-se daquel a f oto,
de suas ami gas acredi tari a se l he el a mesma a ti rara, com a sua câmera
contassem que, vol untari amente, el e se f otográf i ca, era uma f oto tão boni ta que
of ereceu para l avar os pratos e, ai nda el a a usava como tema da tel a de seu
por ci ma, f i zera o al moço! computador.
— Agora eu vou me dei tar um pouco; essa El a e Astol f o f i zeram aquel a vi agem um
hi stóri a de f i car em casa o di a todo está ano depoi s de casados, com a i ntenção de
me f azendo cul ti var hábi tos rui ns — que f osse a sua segunda l ua mel . A
Astol f o anunci ou, com um pi ngo de verdade era que as coi sas não i am mui to
sati sf ação, pensando no sof á da bem no casamento, apesar de el es estarem
bi bl i oteca. casados há tão pouco tempo. Os doi s
concordaram que tal vez uma l onga e
— Estou vendo, nunca o vi dormi ndo espetacul ar vi agem tal vez aj udasse a
durante o di a — comentou Of él i a, se acertar as coi sas entre el es. O passei o
perguntando o que el a f ari a no resto da f oi uma sugestão de Of él i a, que teve a
tarde, até a hora de preparar o j antar. i dei a depoi s de l er um arti go, na mesma
Repenti namente, el a f oi tomada por uma revi sta f emi ni na para a qual escrevi a,
súbi ta al egri a, f oi como se f i nal mente sobre a cri se no pri mei ro ano de um
ti vesse encontrado al go perdi do que tanto casamento – consi derada, pel a autora,
procurava, embora el a não ti vesse certeza
Literatura Errante 29
como al go mui to provável de acontecer – Para sua desi l usão, depoi s do
e como superá-l a. Uma vi agem espetacul ar casamento, vi ver sob o mesmo teto que
era uma das terapi as sugeri das. Por que Astol f o f oi se tornando uma f onte de
não tentá-l a, el a se perguntou. f rustração e desapontamento, à medi da que
o tempo passava e o casal se conheci a
Of él i a achou bastante prematuro quando
mel hor. El a conti nuava amá-l o, apesar das
Astol f o pedi ra para que se casasse com
di f i cul dades, e podi a j urar que el e
el e, af i nal , el es só namoravam há apenas
senti a o mesmo por el a. Of él i a descobri u
doi s meses e mei o. Mas esta pareci a ser
que o seu adorável mari do nem sempre era
uma marca da personal i dade del e, el e agi a
uma pessoa de f áci l convi vênci a e de
mui to por i mpul so e quase sempre estava
di f í ci l cooperação em taref as domésti cas.
certo. Astol f o era mui to seguro de si e
El e era um homem bom e agradável , e
sabi a o que queri a. Estas f oram
honesto com el a. Mas i sso não bastava.
qual i dades nel e que a seduzi ram e f i zeram
Para Of él i a, casamento era também uma
com que se apai xonasse por el e; el e era
associ ação, e Astol f o pareci a não
mui to boni to também, al ém di sso. El a
entender i sso. Cada um deveri a f azer a
l embrava que estava com duas ami gas no
sua parte e se aj udar mutuamente, ou,
Pandemi a, um mi sto de restaurante e bar
pel o menos, reconhecer o trabal ho do
de cl i entel a maj ori tari amente j ovem, com
outro.
músi ca ao vi vo e pi sta de dança, quando
el e aproxi mou-se da mesa em que estavam, Of él i a, então, assumi ra i ntegral mente,
de f orma deci di da e engraçada, e o papel de dona-de-casa, manti nha-a
convi dou-a para dançar, apesar de que a asseada e conf ortável , e cozi nhava
músi ca de Frank Si natra, cantada por um razoavel mente bem, mas Astol f o pareci a
rapaz cuj a pronúnci a i ngl esa era não perceber i sso e nem mani f estava
horrí vel , mas que era compensada por sua grati dão pel o seu trabal ho – el a era o
voz l i nda e af i nada, não era exatamente ti po de pessoa que preci sava de
o ti po de músi ca para dançar. Ao f i nal , reconheci mento pel os seus esf orços,
Astol f o demonstrou que dançava mui to mal , tal vez f i casse um pouco i nsegura quando
mas sua ati tude conf i ante e desej o de não os recebi a. Só o que pareci a i mportar
agradar, encantaram Of él i a; e f oi assi m para el e era a horta, que vi eram com a
que o namoro começou. casa, quando el es a compraram. Até então,
Astol f o j amai s se i nteressara por
j ardi nagem ou qual quer outra coi sa que
envol vesse trabal hos domésti cos, mas a
horta o encantara de uma f orma
i nexpl i cável que, quando el e não estava
em sua f i rma de advocaci a, só era
encontrado do l ado de f ora da casa,
curvado sobre os cantei ros de hortal i ças,
como se el e f osse um pequeno agri cul tor,
dedi cado à sua próxi ma col hei ta. Aquel a
horta competi a com el a pel a atenção do
mari do, el a quase senti a um ci úme
i rraci onal pel a coi sa, e também
consi derava que a j ardi nagem era mai s
apropri ada a homens vel hos aposentados,
o que não era o caso de seu j ovem e
trabal hador mari do. Tal vez el a cobrasse
demai s del e, el a j ul gava, e este era
sempre o moti vo das pequenas bri gas
domésti cas entre el es. Agora el a se
l embrava, as recordações começavam a
povoar novamente a sua mente, como peças
de um quebra-cabeça que se encai xavam
30 Literatura Errante
l entamente: a úl ti ma di scussão que do casal , f oi como se não houvera bri ga
ti veram. al guma e nem el e pegara suas coi sas para
i r embora. Aquel e i nci dente f oi apenas o
El a aguardara o di a todo para que el e
i ní ci o daquel a semana estranha na qual as
l he desse os parabéns pel a data de seu
pessoas ti nham de f i car trancadas em suas
ani versári o e a l evasse para j antar – não
casas, para se protegerem de uma epi demi a
f azi a questão de presente, apesar de que
que assol ava o mundo, de uma f orma mui to
este f osse bem-vi ndo – , como f i zera no
pecul i ar.
ano anteri or. Mas o di a passou, e el e não
deu uma pal avra. Magoada, Of él i a se Astol f o acordou de seu cochi l o depoi s
quei xou e a di scussão teve i ní ci o. do al moço e l evantou-se do sof á senti ndo-
Pal avras ásperas f oram trocadas, se revi gorado. Foi procurar pel a esposa
cobranças f oram f ei tas e acusações di tas. e a encontrou na sal a de j antar, sentada
Astol f o decl arou que i a embora, pegou à mesa, em f rente ao computador.
suas roupas e as amontoou dentro do
— O que está f azendo aí , queri da? — el e
automóvel . Of él i a f i cou conf usa e não
perguntou, curi oso.
compreendi a como ti nham chegado àquel e
ponto, a emoção a exauri ra e el a cai u no — Acho que vou escrever um pouco antes
sono. Depoi s de pôr as roupas no carro, do j antar, você se i mporta?
Astol f o senti a-se cansado e, depoi s que
— De j ei to nenhum — el e respondeu, a
se sentou-se no sof á da bi bl i oteca, pegou
cami nho da cozi nha. — Vou f azer um chá
no sono i medi atamente.
para nós. Ai nda tem daquel e bol o
del i ci oso que você f ez?
Of él i a f i cou um pouco chocada com
aquel a di sposi ção do mari do, mas procurou
não demonstrar ou f azer qual quer
comentári o i rôni co, para não estragar
momento. Sua i roni a quase sempre i ni ci ava
uma di scussão, e el a prometera a si mesma
se pol i ci ar de agora em di ante.
— Ai nda tem, si m. Está na estante ao
l ado do f ogão, na pri mei ra porta.
El a observou Astol f o desaparecer na
porta da cozi nha e deu um suspi ro de
sati sf ação. Senti ndo-se recuperada
daquel es di as i ncoerentes, então el a
começou a escrever a pri mei ra l i nha de um
conto: Estranhas coi sas aconteceram
durante aquel es di as em que um estranho
Na manhã segui nte, Of él i a acordou e ví rus roubava a memóri a das pessoas. . .
estranhou que Astol f o não esti vesse ao Sobre o Autor:
seu l ado, na cama. El a senti a a cabeça
pesar como um saco de arei a e vontade de Nasci do em Forta-
f i car dei tada mai s tempo, mas mesmo assi m l eza e cri ado em
f oi procurar o mari do, el a quase podi a Sal vador, Cri sti ano
j urar que o vi ra no quarto na noi te Tei xei ra é f i l ho de
passada. Encontrou Astol f o dormi ndo no arti sta pl ásti co e
sof á. El a o acordou genti l mente e cresceu cercado de
perguntou se el e se senti a bem. El e arti stas. Formado em
também se quei xou da cabeça, l evantou-se
Letras, e com l i vros
e subi u para a cama. Foi como se a noi te
publ i cados, é também
passada ti vesse si do ri scada da memóri a
revi sor de textos.
Literatura Errante 31
Miniconto
Táxi
por J C Rodri gues
Falhou!
por Lui s Al l adi n
Literatura Errante 33
Miniconto
Útero de Ferro
por Lui z Rodri gues
34 Literatura Errante
Poesia
Amores de Verão
por Karl a Gama
36 Literatura Errante
Poesia
Infinitude do Olhar
por J . Berwi g
Na vasta i mensi dão rósea de um crepúscul o de verão,
Enxerguei teus ol hos em mei o à névoa de escuri dão.
Doi s farói s acessos que rej uvenesceram
Mi nh’ al ma perdi da em sol i dão,
E que aqueceram como fogo
Um humi l de e desprendi do coração.
Oh! Quão bel os montes o hori zonte del es me faz avi star!
Quão bel os campos fl ori dos, fl orestas densas e oceanos sombri os!
Se tu soubesses o quanto se vê
Ao focal i zar no uni verso do teu ol har. . .
Literatura Errante 37
Poesia
Cartas ao céu
por Cl áudi a Zambrana
38 Literatura Errante
Sonhava
por Luí s Al l adi n Bambá
Sonhava em te namorar,
Nas noi tes, que sob a l uz da l ua,
E vi a as estrel as,
Com toda sua si mpl i ci dade,
Querendo ser você!
Literatura Errante 39
Poesia
Euporquero paz
Ruan Vi ei ra
Eu quero Paz
Mas hoj e em di a está di f í ci l
E qual quer passo descui dado Futuro pl anej ado, f uturo esperado
Pode te l evar a um preci pí ci o O f uturo é i ncerto, tal vez possa não
Cri anças choram de f ome chegar
Choram por f al ta de um pai A gente tem o presente
Choram por f al ta de uma mãe Então vamos aprovei tar
Que o vento l evou Abraçar, Bei j ar
E não vol ta mai s Quem está perto
A j uventude está doente Cui dar de quem está do nosso l ado
E se acovardou Poi s vi ver na sol i dão é um deserto
Estão com medo do amanhã A vi da é si mpl es
Que ai nda não chegou Fel i ci dade está com a gente
O amanhã vi rá Mas a gente não acorda
Tal vez não possa vi r E nem pensa di f erente
Mas você não está no amanhã Mas eu só quero paz
Você está no hoj e, você está aqui E se em mi m el a esti ver
Entre chorar e sorri r Eu hei de encontrar
Eu pref i ro sorri r Mas i nf el i zmente ai nda não achei
Poi s j á chorei demai s E mesmo que eu a ache
Com o tanto que j á sof ri Não sei se a terei
A gente passa a vi da i ntei ra Poi s o mundo é corrompi do
Lutando por Futuro E perturbado
O sof ri mento é repeti do
O f uturo repete o Passado
As pessoas querem guerra
Não escol hem a paz
A verdade é que o f uturo
Dessa humani dade
Não é pra f rente, mas si m pra trás.
4 0 Literatura Errante
Poetas Errantes
Literatura Errante 41
4 2 Literatura Errante
Estudos Literários
Thomas Wolfe,porum gigante esquecido
Dani el Cosme
Lá em meados do sécul o XX, o mundo ti nha sua obra f oi escanteada por moti vos
Thomas Wol f e ( di go: em carne e osso) , um di versos que i ncl uem xenof obi a e raci smo
escri tor norte-ameri cano bastante — reduci oni smos prontos a quei mar um
prol i xo — tal vez, um dos mai s prol i xos de romance por conta de uma cena que, mui tas
sempre — que apesar de sua morte vezes, não passa do retrato de um
prematura, aos 37 anos, em pl eno personagem hi stóri co ( da pri mei ra década
amadureci mento, tornou-se dono de uma do sécul o passado) esboçado pel o autor a
vasta obra que i ncl ui romances, contos e parti r de suas vi vênci as — daí a
novel as ( todos mal reconheci dos i mportânci a de reconhecer o teor
atual mente) . autobi ográf i co de seus l i vros.
Wol f e não é um gi gante apenas pel os Poi s bem, ai nda que você procure
manuscri tos vol umosos, nem só pel a sua paci entemente, pel a i nternet, não achará
aparênci a f í si ca, mas em ambi ções: seu uma tradução sequer dos trabal hos de
sonho era cri ar um novo mi to ameri cano a Wol f e, al ém de uma edi ção j á esgotada da
parti r da sua própri a bi ograf i a. Tal vez antol ogi a de contos “O meni no perdi do” ,
ti vesse consegui do, como o própri o publ i cada pel a Il umi nuras, e trechos de
Faul kner reconheceu, se vi vesse mai s, suas cartas na bi ograf i a sobre Maxwel l
aprendesse mai s. De qual quer f orma, j á em Perki ns ( seu pri nci pal edi tor) . Tendo
1991, a edi tora nova-i orqui na Scri bner, i sso em vi sta, estão abai xo as mi nhas
responsável pel a publ i cação das obras traduções de três poemas encontrados na
ref erentes à sua pri mei ra f ase de antol ogi a, j untamente com o texto
escri tor — Look Homeward, Angel ( 1929) e ori gi nal . Val e l embrar que Wol f e não era
Of Ti me and the Ri ver ( 1935) — publ i cou um poeta, na acepção comum da pal avra,
o l i vro cuj o tí tul o f az ref erênci a à mui to menos um artesão na el aboração da
epí graf e do pri mei ro romance do autor: A sua prosa massi va; mas, em sua mel hor
Stone, A Leaf , A Door. Nel e encontram-se f orma, poderi a evocar passagens l í ri cas
excertos da extrema prosa poéti ca de de bel eza í mpar, com o bri l ho de um
Wol f e, todos versi f i cados, “escri tor cósmi co” . Por hora, não
“transmutados” em poemas. i nterroguemos a natureza f ormal dos
textos em rel ação às i ntenções pri mei ras
Sej a pel a sua f ama de retóri co ou pel as
do autor, mas apreci emos o resul tado.
predi cações tomadas pel a crí ti ca atual ,
Literatura Errante 43
Como o Rio Like the River
Por que estai s ausente, à noi te, meu amor? Why are you absent i n the ni ght, my l ove?
Onde estai s quando soam os si nos noturnos? Where are you when the bel l s ri ng i n the
ni ght?
Agora, há si nos outra vez Now, there are bel l s agai n,
Que estranho ouvi -l os How strange to hear the bel l s
Nesta vasta ci dade adormeci da! In thi s vast, sl eepi ng ci ty!
Agora, em um mi l hão de ci dades menores, Now, i n a mi l l i on l i ttl e towns,
Agora, nos sombri os e sol i tári os l ugares desta Now i n the dark and l onel y pl aces of thi s
terra, earth,
Si ni nhos estão tocando o tempo! Smal l bel l s are ri ngi ng out the ti me!
Ó mi nha negra al ma, O my dark soul ,
Mi nha fi l ha, mi nha queri da, mi nha amada, My chi l d, my darl i ng, my bel oved,
Onde estai s agora, Where are you now,
E em que l ugar, And i n what pl ace,
E a que horas? And i n what ti me?
Ó, anel , doces si nos, aci ma del e Oh, ri ng, sweet bel l s, above hi m
Enquanto dorme! Whi l e he sl eeps!
Envi o meu amor a ti sobre esses si nos. I send my l ove to you upon those bel l s.
Tempo estranho, para sempre perdi do, Strange ti me, forever l ost,
Para sempre como o ri o, fl ui ndo! Forever fl owi ng l i ke the ri ver!
Tempo perdi do, pessoas perdi das e amor perdi do Lost ti me, l ost peopl e, and l ost l ove—
Perdi do para sempre! Forever l ost!
Não há nada que possas segurar There' s nothi ng you can hol d
Lá no ri o! There i n the ri ver!
Não há nada que possas manter There' s nothi ng you can keep
Lá no ri o! There i n the ri ver!
Leva seu amor, l eva sua vi da, It takes your l ove, i t takes your l i fe,
Leva os grandes navi os sai ndo ao mar, It takes the great shi ps goi ng out to sea,
E l eva tempo, And i t takes ti me,
Obscuro, del i cado tempo, Dark, del i cate ti me,
Os pequenos i nstantes de estranho tempo The l i ttl e ti cki ng moments of strange ti me
Contam-nos até a morte. That count us i nto death.
4 4 Literatura Errante
Primavera The Spring
A primavera chegou naquele ano como mágica, Spring came that year like magic,
Como música e como canção. Like music, and like song.
Um dia sua respiração estava no ar, One day its breath was in the air,
Uma premonição assustadora de seu espírito A haunting premonition of its spirit
Encheu os corações dos homens Filled the hearts of men
Com sua transformadora beleza, With its transforming loveliness,
Fazendo sua repentina e incrível feitiçaria Working its sudden and icredible sorcery
Sobre ruas cinzentas, calçadas cinzentas, Upon grey streets, grey pavements,
E nas marés cinzentas e sem rosto do enxame And on grey faceless tides of manswarm ciphers.
cifrado de homens.
Veio como música fraca e distante, It came like music faint and far,
Veio com triunfo, It came with triumph,
E um som de canto no ar, And a sound of singing in the air,
Com lamentos de doce gritar dos pássaros With lutings of sweet bird-cries
Ao amanhecer At the break of day
E a alta, rápida passagem de uma asa, And the high, swift passing of a wing,
E um dia estava lá And one day it was there
Nas ruas da cidade Upon the city streets
Com um estranho, repentino grito verde, With a strange, sudden cry of green,
Sua afiada faca de dor e alegria sem palavras. Its sharp knife of wordless joy and pain.
Literatura Errante 45
Ó perdido O Lost
4 6 Literatura Errante
Sobre o Autor:
Dani el Cosme é
graduando em Letras, na
UFPE, poeta e tradutor.
Vem escrevendo poesi a,
com vari ados i nteresses
estéti cos. Crê que a
poesi a é um espaço
l i vre de pecados.
Literatura Errante 47
4 8 Literatura Errante
Estudos Literários
Literatura Errante 49
Ancorado em sua húmi l e ori gem e
sensi bi l i dade apurada, Li ma Barreto
escreveu magi stral mente sobre a real i dade
brasi l ei ra vi sta de bai xo para ci ma no
que di z respei to às camadas soci ai s,
tendo si do detentor de uma coragem í mpar
para j ul gar e enf rentar, através de sua
cortante e af i ada pena, os poderosos e
opressores de sua época. O preço a ser
pago f oi al to, uma vez que escrever o que
se pensa – sem f l orei os ou reti cênci as –
custa caro. Abertamente, não – como
af i rmamos aci ma – , mas nos basti dores
i ntel ectuai s f oi preteri do por quase
todos os "grandes" l i teratos de seu
tempo, a ponto de nunca ter consegui do “OS BRUZUNDANGAS”: ENTRE A SÁTIRA E A
tornar-se um i mortal da Academi a CARNAVALIZAÇÃO
Brasi l ei ra de Letras, apesar de nel a ter Corri a o ano de 1917 quando Li ma
tentado i ngressar por três vezes. Barreto, aos tri nta e sei s anos e após
Conchavos dos medal hões de pl antão. Nada quatro l i cenças para tratamento de saúde
mai s atual . e uma i nternação no hospí ci o da Prai a
Vermel ha, hospi tal i zou-se mai s uma vez em
No pri mei ro di a de novembro de 1922 – busca da recuperação de al gum vi gor
ano em que Mári o de Andrade e seus f í si co. O di agnósti co: al cool i smo. No
segui dores desf ral daram, em São Paul o, a perí odo em que esteve em tratamento,
bandei ra do Moderni smo Brasi l ei ro – , Li ma concl ui u os escri tos daquel e que vi ri a a
Barreto morreu vi ti mado pel as ser seu pri mei ro l i vro satí ri co: “Os
compl i cações cardí acas advi ndas dos Bruzundangas” .
excessos al cóol i cos. Doi s di as depoi s,
f al eceri a seu pai , J oão Henri que de Li ma Após arrematar os tri nta e nove textos
Barreto. Nas mãos do escri tor Li ma que dão f ormato ao teci do l i terári o de
Barreto, sua i rmã Evangel i na encontrou um “Os Bruzundangas” , Li ma Barreto conf i ou
exempl ar da revi sta f rancesa Revue des seus ori gi nai s ao edi tor J . Ri bei ro dos
Deux Monde, uma de suas l ei turas Santos que, i ntenci onal mente, os manteve
f avori tas, que el e f ez questão de ci tar i nédi tos até a morte do escri tor em 1922,
em "Os Samoi edas", capí tul o i ni ci al de transf ormando “Os Bruzundangas” , por el e
“Os Bruzundangas” ( 1922) . Ao seu mesmo propagado aos quatro ventos, no
concorri do f uneral , real i zado no pri mei ro l i vro póstumo de Li ma Barreto.
Cemi téri o São J oão Bati sta, não Vendas e os l ucros garanti dos.
compareceram i ntel ectuai s ou membros da
al ta soci edade, mas, si m, i números O termo Bruzundangas é um brasi l ei ri smo
anôni mos, personagens mai ores de seus regi strado em di ci onári o que si gni f i ca
áci dos e contundentes textos l i terári os, conf usão, trapal hada,
hoj e traduzi dos para as l í nguas f rancesa, embrul hada. . . mi stura de coi sas
espanhol a, al emã, russa, j aponesa e i mprestávei s, sendo este úl ti mo
i ngl esa, comprovação mai or da si gni f i cado o que mel hor se adapta à
uni versal i dade de sua Li teratura. mensagem panf l etári a que Li ma Barreto
qui s dei xar regi strada nos textos
conti dos no l i vro ora anal i sado.
50 Literatura Errante
Paí s f i ctí ci o que bem poderi a ser o que nada mudou nos úl ti mos quase noventa
Brasi l da pri mei ra metade do sécul o XX ou anos é tão ní ti da, tão pal pável , que o
mesmo o que hoj e habi tamos. A Repúbl i ca l edor menos avi sado se convencerá de que
dos Bruzundangas é uma nação assol ada Li ma Barreto não morreu em 1922, mas,
pel os sete Pecados Capi tai s e suas si m, que conti nua vi vo e escrevendo
vari antes. Pátri a na qual a corrupção é aci damente, dardej ando duras verdades à
moda e model o para se chegar ao poder e soci al cl asse domi nante brasi l ei ra, uma
onde pessoas honestas são tachadas como mi nori a mí ni ma – perdoem a redundânci a –
seres i mbeci l i zados, comprovação mai or de que há mai s de qui nhentos anos di ta
que mal í ci a e ardi l eza são normas e di retri zes ao nosso prol etari ado
caracterí sti cas obri gatóri as aos que tupi ni qui m.
desej am "vencer", "ascender" soci al e
f i nancei ramente nas pl agas daquel e No seu i mpressi onantemente
terri tóri o. contemporâneo “Os Bruzundangas” , Li ma
Barreto sati ri za o Ri o de J anei ro de seu
Que não estranhem os l ei tores de “Os tempo, àquel a época capi tal do Brasi l . A
Bruzundangas” se se depararem com nobreza, a pol í ti ca, a Consti tui ção, as
si tuações extremamente contemporâneas no f orças armadas, os herói s, o si stema de
que di z respei to aos desmandos e abusos saúde, a educação, os l i teratos, enf i m,
ocorri dos neste Brasi l de i ní ci o do a soci edade em sua total i dade, são al vos
sécul o XXI. A sensação de atual i dade e de contundentemente ati ngi dos pel as f l echas
i ncendi ári as do arquei ro Li ma Barreto,
mul ato quase negro que sof reu no corpo e
n’ al ma o raci smo e a rej ei ção de um
Brasi l que f oi e ai nda é basi camente
povoado por í ndi os, negros e uns quase
brancos. Paí s que até hoj e não admi te sua
mi sci genação, sua mesti çagem.
Literatura Errante 51
f az brotar dos capí tul os que compõem “Os pri mei ro Presi dente do Brasi l .
Bruzudangas” . Textos agudamente escri tos
há mai s de nove décadas, mas 1890 - Instal ação da pri mei ra
i mpressi onantemente atuai s no que se Assembl ei a Consti tui nte do Brasi l .
ref ere ao combate expl í ci to à
ci rcul ari dade vi ci osa que as caducas 1891 - Deodoro da Fonseca decreta o
cl asses domi nantes tanto i nsi stem em f echamento do Congresso Naci onal .
transmi ti r, geração após geração, em uma Fl ori ano Pei xoto comanda um contragol pe
i nsana busca pel a perpetuação do poder. que o l evari a a ser o segundo Presi dente
do Brasi l .
“Os Bruzundangas” , de Li ma Barreto,
caros l edores, é l ei tura obri gatóri a aos 1892 - O l i terato Antôni o Sal es, ao
que buscam entender, di scuti r, combater l ado dos poetas Lopes Fi l ho, Temí stocl es
e equal i zar a pereni dade do poder que se Machado, Sabi no Bati sta, Ul i sses Bezerra,
i nstal ou nesse paí s há mai s de mei o Ál varo Marti ns e Ti búrci o de Frei tas,
mi l êni o, i deal i zando tempos mel hores aos f unda a Padari a Espi ri tual , movi mento
povos que habi tam e vi rão a habi tar este cul tural surgi do no Ceará que correu o
nosso Brasi l que, sei , ai nda se tornará Brasi l de f orma contundente,
uma nação f orte e i gual i tári a. di agnosti cando, sei s l ustros antes, aos
i deal i zadores da Semana de Arte Moderna
CRONOLOGIA DE VIDA de 1922 que a j unção, a soma da
1881 - Aos 13 de mai o, nasce, no Ri o de ecl eti ci dade de mui tos segmentos
J anei ro, Af onso Henri ques de Li ma i ntel ectuai s ( Li teratura, Pi ntura,
Barreto, f i l ho da mul ata Amál i a Augusta Músi ca e sadi a mol ecagem) era uma f órmul a
Barreto, prof essora cri ada por uma magní f i ca para se di vul gar ao Brasi l e ao
f amí l i a de recursos, e do ti pógraf o e mundo a ri queza cul tural do nosso paí s.
ávi do l ei tor J oão Henri ques de Li ma
Barreto, f i l ho de uma escrava e de um 1894 - Prudente de Morai s torna-se o
madei rei ro português. Nesse mesmo ano, tercei ro Presi dente do Brasi l .
Machado de Assi s publ i ca Memóri as
Póstumas de Brás Cubas. 1895 - Após concl ui r a i nstrução
pri mári a, Li ma Barreto i ngressa no
1887 - Dona Amál i a Augusta Barreto, mãe Gi nási o Naci onal , que no perí odo da
de Li ma Barreto, morre em dezembro de Monarqui a brasi l ei ra se chamava Col égi o
tubercul ose gal opante. Pedro II.
52 Literatura Errante
Ri o de J anei ro para trabal har e sustentar tratamento de uma anemi a prof unda.
a f amí l i a. Aos 21 anos, procura, na
bebi da, consol o para seus probl emas. 1917 - Greves operári as são def l agradas
em todo o Brasi l . Na Rússi a, os
1903 - Através de concurso públ i co, bol chevi ques procl amam a doutri na
assume o cargo de amanuense na Di retori a Soci al i sta. Li ma Barreto atua ati vamente
de Expedi ente da Secretari a de Guerra. na i mprensa anarqui sta, apoi ando as
mani f estações l i bertári as dos
1905 - Para ref orçar o orçamento trabal hadores brasi l ei ros. Novo
domésti co passa a trabal har como i nternamento, desta vez para tratar seu
j ornal i sta prof i ssi onal no j ornal Correi o al cool i smo. No Hospí ci o, escreve as
da Manhã. crôni cas que compori am “Os Brazundandas” ,
l i vro satí ri co que só seri a publ i cado em
1907 - Lança o pri mei ro número da 1922, um mês após sua morte.
Revi sta Fl oreal . Para restabel ecer-se de
uma f raqueza geral do organi smo, sol i ci ta 1918 - Di agnosti cado como portador de
sua pri mei ra l i cença para tratamento de epi l epsi a tóxi ca, é consi derado i nvál i do
saúde. para o servi ço públ i co, requerendo, poi s,
aposentadori a das suas ati vi dades de
1909 - Sob os cui dados do edi tor M. amanuense na Di retori a de Expedi ente da
Tei xei ra, o romance Recordações do Secretari a de Guerra. Compl etamente l i vre
Escri vão Isaí as Cami nha é publ i cado em para exercer suas ati vi dades de l i terato,
Li sboa, Portugal . 1910 - Nova l i cença apoi a o movi mento bol chevi que l ançando o
médi ca. Di agnósti co: i mpal udi smo, doença Mani f esto Maxi mal i sta Brasi l ei ro.
i nf ecci osa também conheci da como mal ári a. Entrega ao edi tor Montei ro Lobato, seu
admi rador conf esso, os ori gi nai s de Vi da
1911 - No J ornal do Commerci o começa a e Morte de M. F. Gonzaga de Sá, seu
publ i car em f ol heti ns aquel e que vi ri a a pri mei ro l i vro a receber tratamento
ser o seu romance mai s conheci do: Tri ste edi tori al de qual i dade.
Fi m de Pol i carpo Quaresma. 1912 - Passa a
publ i car na Gazeta da Tarde a sáti ra Numa 1919 - Montei ro Lobato traz à l uz “Vi da
e a Ni nf a, que em 1915 seri a publ i cado em e Morte de M. F. Gonzaga de Sá” . Li ma
f orma de l i vro. Mergul ha ai nda mai s Barreto é novamente recol hi do ao Hospí ci o
prof undamente na bebi da. Outra l i cença da Prai a Vermel ha.
médi ca para tratar de reumati smo
pol i arti cul ar e hi perci nese cardí aca. 1922 - Em São Paul o, a Semana de Arte
Moderna def i ne novas estruturas e
1914 - Entre 18 de agosto e 13 de di retri zes à l i teratura prati cada no
outubro, Li ma Barreto é recol hi do pel a Brasi l . No pri mei ro di a de novembro,
pri mei ra vez ao Hospí ci o da Prai a Af onso Henri que de Li ma Barreto cerrou
Vermel ha. A vi da di f í ci l , a Loucura do def i ni ti vamente os ol hos para este mundo.
pai e o al cool i smo são f atores cruci ai s Fechava-se, al i , o cí rcul o de sua
para sua pri mei ra cri se neurastêni ca. magní f i ca vi da. Ao l ado de sua cama,
estava sua i rmã Evangel i na Barreto, que
1916 - O uso excessi vo do ál cool e a doi s di as após sepul tar seu i rmão teri a
vi da desregrada l eva-o a i nterromper por que buscar f orças para também i numar seu
compl eto sua vi da prof i ssi onal e pai , o ti pógraf o e ávi do l ei tor J oão
l i terári a. Nova l i cença médi ca para Henri ques de Li ma Barreto, f al eci do após
vi nte anos de l oucura.
Literatura Errante 53
BIBLIOGRAFIA SOBRE LIMA BARRETO
BARBOSA, Franci sco de Assi s. “A Vi da de
Li ma Barreto” . Ri o de J anei ro: J osé
Ol ympi o, 1975.
BEIGUELMAN, “Por Que Li ma Barreto” . São
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BOSI, Al f redo. O Romance Soci al : Li ma
Barreto. In: “Hi stóri a Conci sa da
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BROCA, Bri to. “A Vi da Li terári a no Brasi l –
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CANDIDO, Antoni o. Os Ol hos, A barca e o
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Outros Ensai os” . São Paul o: Áti ca, 1987.
CURY, M. Zi l da Ferrei ra. “Um Mul ato no
54 Literatura Errante
Literatura Errante 55
Opinião
56 Literatura Errante
ti rar o véu, o verni z desses avi sos. vi rtual . Fal a da al ta tecnol ogi a e da
bai xa qual i dade de vi da. E dá i ní ci o a um
Lembro-me de Pl atão e o Mi to da Caverna subgênero de l i teratura chamado
toda vez que vej o noti ci ári os, exercí ci o Cyberpunk. Nos anos oi tenta era di stante,
de todos os di as para acompanhar as i rreal , especul ação f orçada,
desgraças do novo normal do coti di ano da subl i teratura, rel egada a uma segunda
pandemi a. Fake News são as sombras cl asse l i terári a. Hoj e real i za a proeza
proj etadas nas paredes da Caverna. Mesmo de ref l eti r as preocupações do momento
que não sej am f al sas, nunca saberemos as hi stóri co que está i nseri da, ao mesmo
verdades absol utas. Quem mani pul a as tempo, esses l i vros anteci pam si tuações,
sombras que vem dos pal áci os do Ol i mpo possi bi l i dades, eventos do f uturo próxi mo
Brasi l i ano do Cerrado? ou l ongí nquo. Si tuações que, mui tí ssi mas
vezes, se transf ormam ou i nspi ram
Lembro-me de Phi l i p K Di ck que sempre real i dades. Se i sso não f or l i teratura de
questi onou a real i dade. Real i dade que em al tí ssi mo ní vel , pri mei rí ssi ma l i nha, eu
suas danças mi di áti cas tel evi si vas troca não sei , nem reconheço o que é.
de parcei ro de acordo
com a tão ci tada Guerra Mas não f arei
de Narrati va. Parece- desse texto um
me Hemi ngway: “Quem debruço sobre a
estará nas tri nchei ras f unção ou a
ao teu l ado?” “— E i sso qual i dade
i mporta?” “— Mai s do l i terári a da
que a própri a guerra. ” f i cção
Ti re suas concl usões. especul ati va ou
Não vou i nf l uenci ar ci entí f i ca.
sua i nterpretação. Chame-a como
qui ser. Como
Lembro-me de supraci tado quero
hi stóri as onde um f al ar do materi al
personagem escrevi a pri mi ti vo de toda
uma carta e col ocava em arte. O Humano.
garraf a, o mar se
encarregari a de O ser que
encontrar o cami nha nesse
desti natári o. O termo pl aneta - eu
navegar, hoj e usado para expl orar a estou quase chamando de redondeta para
i nternet, j usti f i ca essa l embrança. Somos i rri tar os terrapl ani stas – parece que
náuf ragos em nossas própri as casas e a sempre procurou respostas. E agora uma
tecnol ogi a nos aproxi mou desses herói s de pergunta nos atormenta: Como será
i dos tempos, perdi dos e sozi nhos em i l has depoi s?, e l ogo em segui da: Como será o
paradi sí acas. Somos náuf ragos em nossos mundo pós-pandemi a? Não tenho respostas.
l ares. Nem ni nguém. Mas não consi go dei xar de me
l embrar de um f i l me que agora é
Lembro-me de Wi l l i an Gi bson, embl emáti co. Não há como dei xar de
Neuromancer, seu l i vro, f al a de uma rel aci onar. Você j á deve ter adi vi nhado.
soci edade que vi ve em um mundo vi rtual , Si m. Estou f al ando de “O Di a Em Que a
f al a de deuses que ascendem no mundo Terra Parou” .
Literatura Errante 57
Vou dar uma resumi di nha. No f i l me Outra coi sa que a pandemi a me f ez
aparece uma nave – el a pousa em rel aci onar hi stóri as de f i cção
Washi ngton - que pensam ser sovi éti ca. A ci entí f i ca, f oi a queda da máscara de
hi stóri a é de 1951; guerra f ri a pessoas no poder, na mí di a e a eterna
i ni ci ando; URSS x USA; testes nucl eares. estrati f i cação soci al que rege as rédeas
Aquel e contexto horroroso. Kl aatu ( um do mundo.
al i ení gena) é bal eado por um sol dado que
o j ul gava i ni mi go. É l evado a um A doença só é democráti ca em rel ação ao
hospi tal , onde se cura rapi damente e contági o. Não escol he quem contami na. Mas
recebe a vi si ta do secretári o de Estado desnuda a vi ol ênci a da pí f i a qual i dade de
dos Estados Uni dos, a quem pede aj uda ao vi da, a i ncapaci dade de dei xar de
presi dente para organi zar uma conf erênci a trabal har na rua e f azer Home Of f i ce, a
de l í deres mundi ai s. O secretári o carênci a de cui dado e bem estar soci al
encami nha sua proposta ao governo, que a propagada em pal anques, mas nunca
recusa. Para qual moti vo? Kl aatu trazi a real i zada.
um ul ti mato aos l í deres da Terra, para
que el es acabassem com as guerras e com Fal a-se da Itál i a, da Ingl aterra, dos
a corri da armamenti sta, o que estari a doentes em Nova York. Mas e os paí ses
preocupando os habi tantes de outros af ri canos? E as f avel as? E o pobre que
pl anetas. move a roda da soci edade? Queri am usar
af ri canos como cobai as? Ai nda vi vemos o
col oni al i smo? Neo Col oni al i smo?
58 Literatura Errante
Literatura Errante 59
Notícia
O Fi nanci amento Col eti vo, como mei o de cati vantes. E o si stema de Fi nanci amento
vi abi l i zação de obras l i terári as, parece Col eti vo permi te que, com i nvesti mentos
ter chegado para f i car. Pequenas edi to- pequenos ( e, por consegui nte, um ri sco
ras e Autores Independentes, ao que pa- reduzi do) , l ei tores possam apostar em
rece, f i nal mente podem não apenas ti rar trabal hos autorai s, naci onai s, em cuj a
seus proj etos do papel , como col ocá-l os qual i dade possam acredi tar. Nesse
no papel . Não é segredo para ni nguém que contexto, se destacou perante nossos
i mpri mi r l i vros envol ve um custo, e que ol hos o HQ SOPA OPERA, em campanha no
o mercado edi tori al está em cri se há al - Catarse. A campanha f oi bem-f ei ta, e o
guns anos. É f ato que a cri se econômi ca resul tado natural f oi o sucesso. A
tem certa i nf l uênci a sobre i sso: no arrecadação al cançou a meta ori gi nal ,
aperto, o corte de gasto tende a ser em mai s duas metas estendi das, e se
l azer, ou qual quer outro mei o menos ur- aproxi mou de uma tercei ra meta estendi da.
gentes do que al i mentação ou transporte Os apoi adores, que contri buí ram com
para o trabal ho, por exempl o. As edi to- val ores que vão de R$35, 00 a R$120, 00,
ras estão, por i sso, ai nda mai s conser- receberão os seus exempl ares em casa, sem
vadoras e cautel osas, no que concerne à custo adi ci onal com f rete.
escol ha de que l i vros devem publ i car.
Apostar nos Best Sel l ers i nternaci onai s A HQ Opera Sopa é uma ref erênci a
ai nda é a estratégi a mai s segura e ga- moderna às cl ássi cas antol ogi as de
ranti da. f antasi a e f i cção ci entí f i ca. Esti l os
vari ados de arte e narrati va transi tam
Ai nda assi m, o públ i co l ei tor conti nua entre aventura, ação, pancadari a, humor
ansi ando por bons l i vros e proj etos e di ál ogos f i l osóf i cos. Bem ao esti l o
60 Literatura Errante
edi tori al da Heavy Metal e 2. 000
A. D.
Em todas as 6 hi stóri as da HQ,
as tramas abordam di versos
di l emas do homem e da soci edade.
Interl i gados por um pequeno f i o
condutor, todos os contos tentam
gerar al guma l eve ref l exão nos
l ei tores mai s atentos sobre as
escol has dos personagens.
Ao todo serão 120 pági nas
col ori das, no f ormato ameri cano
( 17cmx26cm) e papel de al ta
gramatura.
A obra será di stri buí da para os
apoi adores no f ormato di gi tal até
o di a 25 de f everei ro, e deve
começar a ser envi ada também aos
apoi adores a parti r do di a 5 de
março.
Sobre o Autor:
Pernambucano nasci do
em Caruaru e radi cado
no Reci fe, o poeta,
conti sta, croni sta,
romanci sta, rotei ri sta
e aventurei ro Pabl o
Gomes é também ator,
al ém de cri ador e
edi tor do Li teratura
Errante.
Literatura Errante 61
Folhetim
Primeira Luz
por Gabri el Soares
— Acho que a del egada vai querer a El i sa l ogo ordenou a Gomes e Sal danha
companhei ra de vol ta. Segui nte, só um que socorressem a col ega. As armas nas
avi so pra tu entender quem está no j anel as sumi ram, assi m como o branco
62 Literatura Errante
cal vo. O cami nho até o hospi tal f oi corpo com qual quer coi sa.
l i gei ro e, enquanto Carl a era atendi da, — Mas os doi s tem a mesma tatuagem,
El i sa rodava na recepção com a ol ha.
i ndi gnação estampada no rosto marcado
pel o suor e o batom pedi ndo retoque. — Se parecem mesmo. Lembra um cupi do.
Ah, mas aqui só tem um tatuador, el e
O di a segui nte i ni ci ou-se com a tensão deve não saber f azer mui to desenho
da cabeça de El i sa sendo i nterrompi da di f erente.
pel o caf ezi nho do estagi ári o.
— Pesqui sa que i magem é essa.
— Hoj e está quente, acabei de f azer.
— Di sse Dani l o, enquanto col ocava a O estagi ári o vol tou à sua mesa com as
garraf a no bal cão do canto da sal a. f otos e a pesqui sa f oi i ntensa.
Retornou à sal a da del egada com um
— Quente está é mi nha cabeça, Tavares. i mpresso novo.
Não sei o que está acontecendo nessa
ci dade. — Del egada, vê se parece com essa que
eu i mpri mi ? Pel o que vi , pode ser um
— Cri mi nal i dade só aumenta. Nem ci dade cupi do mesmo. Mas esse que i mpri mi é um
pequena se l i vra mai s. deus da mi tol ogi a. Anteros.
— Não sei não. Pra mi m i sso é mai s do — Ah, só podi a ser.
que parece.
— Eu não conheci a esse.
— Como assi m?
— E você entende de mi tol ogi a,
— Esse pessoal não está sozi nho, Tavares?
Tavares.
— Ah, eu gostava de Percy J ackson na
— Ah, eu consegui no arqui vo al guns época de escol a.
bol eti ns pra você anal i sar, como pedi u
ontem. — Que i sso?
Literatura Errante 63
Folhetim
Atrás da Marca
por Gabri el Soares
64 Literatura Errante
— Não sei se i sso é o mai s certo a
senhora correu com el e daqui em duas pensar. Capaci dade a gente vê que a
f rases. senhora tem… a mesma garra que el e. Só
vai preci sar de mai s cal ma.
— Nada me ti ra da cabeça que el e está
meti do nessa l oucura toda. E eu vou — Quantos anos você tem, Tavares?
desco-bri r o que é.
— Vi nte e um, por quê?
— J á consegui u al go a mai s pra l i gar
os homens das tatuagens? — Nada. Só que… você está me aj udando
mai s que os i nvesti gadores.
— Nada. Vi rei de cabo a rabo as f i chas,
notí ci as. Se pel o menos eu pudesse. . . — — Ti ve com quem aprender… f oi um tempo
Ca-l ou-se e bai xou a cabeça, engol i ndo curto com o del egado Lucena, mas deu pra
um sol uço. sacar al gumas coi sas del e… e ai nda estou
aprendendo, com a conti nuação do traba-
— O que f oi , del egada? l ho del e. A senhora vai consegui r.
— Nada, Tavares. É que, só meu pai i a — Deus te ouça, Tavares. Agora j oga
poder me aj udar. esse chocol ate no l i xo e chama o doutor
Saul o pra mi m.
— É. O seu Rubem i a saber. El e conheci a
tudo desses margi nai s da ci dade. Al i era Doi s mi nutos depoi s, o estagi ári o
del egado de respei to. . . não que você não retornou.
sej a— Di sse, gaguej ando.
— Del egada, a secretári a desse que el e
— Eu entendi , Tavares. El e era mesmo. não está. Foi para uma reuni ão com o
Mas esse conheci mento todo teve um pref ei -to.
preço.
— Pref ei to? E que assunto el e tem pra
— É. . . E você está i ndo pel o mesmo tratar com o pref ei to?
cami nho.
— Al guma desconf i ança?
— E i sso é bom ou rui m?
— Puxa a f i cha do pref ei to agora.
— Depende. O bom é que é um cami nho
certo a segui r. . . o rui m é que o f i m não Sobre o Autor:
é o j usto, mas a gente j á sabe. Capi xaba natural de
Ecoporanga, e radi cado
— Esses caras são uns covardes. El e j á em Fei ra de Santana-BA;
estava pra se aposentar. . . estudante de Pedagogi a
apai xonado por café,
— Então vai ter que usar uma estratégi a cri ança, hi stóri a, arte
di f erente. e cul tura brasi l ei ra,
escreve desde cri ança.
— Você acha que eu consi go conti nuar o O gênero pol i ci al vem
l egado del e? sendo seu novo foco na
escri ta.
Literatura Errante 65
66 Literatura Errante
Literatura Errante 67
Folhetim
Capítulo III
por Guto Domi ngues
O F e r r e i r o a o v e r a p e ça d e a ço – Si m. – a r e sp o st a f o i se ca e
arcano, não qui s prol ongar a di sputa i nt e nci o na v a a ca ba r co m a co nv e r sa
verbal . Vi ra a razão se materi al i zar naquel e ponto. Percebendo que o mago
em seus pensament os: Al ém d o uso d e não pronunci ava mai s nad a, vi rou-se
uma e sp a d a f e i t a d a q ue l e t i p o d e para a bi g orna e começou a mart el ar
ma t e r i a l não se r p o ssí v e l pel a a adaga.
ma i o r i a d a s p e sso a s, o p e r f i l d o
usuá r i o e r a mui t o r e st r i t o . A p e na s – Ai nda não sei seu nome. – o mago
usuá r i o s de ma g i a t r e i na d o s em não l e r a a me nt e d o h o me m a e sse
e sg r i ma poderi am f a ze r uso dos ponto. Era uma mente densa, f echada,
p o d e r e s q ue a e sp a d a o f e r e ci a a o ne bul o sa . Pe r mi t i a a co muni ca ção
port ad or ou pouquí ssi mos g uerrei ros etérea, mas não l he dava ol hares mai s
i ni ci ados nas artes mági cas anti gas. p r o f und o s em me mó r i a s, sa be r e s,
Pe r f i l q ue uni sse e ssa s me d o s, d e se j o s. – Pr e t e nd e me
ca r a ct e r í st i ca s a nt a g ô ni ca s e m um contar? Sei que sabe o meu.
úni co i ndi ví duo era mui to raro. Esse
f ato tranqui l i zou-o. – Não. – monossi l ábi co, conti nuou a
martel ar.
– Co nt o co m sua a j ud a , e nt ão ? –
di sse o mago. – N ão q ue r o se u no me a nce st r a l .
Di ga apenas qual quer coi sa para eu me
68 Literatura Errante
– Você não cansa de perguntar?
ref eri r a você.
– Não cansari a se a sua mente f osse
– Si l as. f áci l d e l er. Mas a mag i a em você é
p o d e r o sa . N ão é a p e na s i nt ui t i v a .
– Si l as. – repeti u em ato f al ho. El a foi d e se nv o l v i d a , a mp l i a d a ,
cri ou raí zes em sua al ma. Você d eve
De i nst a nt e s em i nst a nt e s as p a sse a r e nt r e os mund o s co m
ma r t e l a d a s ce ssa v a m e a a d a g a e r a f aci l i dade.
i me r sa em á g ua fri a, e xp e l i nd o
i mpurezas do metal em brasa, da água – J á l he di sse que necromantes não
p a r a a f o r na l h a e d e l á p a r a a exi stem mai s.
bi gorna.
- Não é o que parece. Eu si nto que
A f o r j a e r a um l ug a r q ue nt e . está f ugi ndo de seu passado. De hora
F o r na l h a em al to fogo, vapores p a r a o ut r a se ca l o u. Co nco r d o u e m
ca usa d o s p e l a s i me r sõe s d o me t a l f orj ar a espad a com aço arcano, mas
i ncandescente. Um ambi ente i nóspi to, sabe que el a é i nút i l em mãos d e um
pouco convi d at i vo. Rud e d emai s para g ue r r e i r o . Sa be q ue a p e na s um ma g o
um homem com as qual i dades de Si l as. t r e i na d o na s a r t e s d e g ue r r a p o d e
A nt ô ni o e nt e nd i a a e sco l h a do control ar o poder desse aço.
f ei t i cei ro que est ava em sua f rent e
martel ando o aço. Dando f orma nova ao – Si m. Só um monge guerrei ro ou um
met al , poucas pessoas o procurari am guerrei ro consagrado. Isso são puras
al i . M a s o ut r a co i sa i nco mo d a v a l e nd a s e h i st ó r i a s p a r a e nt r e t e r
A nt ô ni o . O co nh e ci me nt o de cr i a nça s. M a s se d e se j a t a nt o uma
f o r j a d ur a , d e mo nst r a d o de f o r ma espada, f arei .
i mpar por Si l as, até aquel e momento.
– Sem nem cobrar um preço? Acredi to
Essa sabedori a anti ga não ti nha só q ue so me nt e co nco r d o u e m f a ze r p o r
a f unção d e cr i a r f e r r a me nt a s o u doi s moti vos: ver-se l i vre de mi m ou
a r ma s, a r ma d ur a s, e scud o s, e t c. por achar que a espada não encontrará
A l g uns p o uco s f e i t i ce i r o s a mão que a empunhe uti l i zando todos os
ut i l i za v a para i mbui r ma g i a a seus poderes.
obj et os pessoai s. A peça i mpreg nad a
de ma g i a se t o r na v a p o d e r o sa . Si l a s a ssust o u- se f r e nt e à
Al g umas vezes i mbat í vel , d epend end o perspi cáci a de Antôni o.
d o pod er e conheci ment o d o mag o que
a produzi a. N o d i á l o g o e t é r e o , o co r r i d o d i a s
a t r á s, Si l a s p e r scr ut o u áreas
– Pronto! Termi nei . – di sse Si l as, so mbr i a s da me nt e de A nt ô ni o .
o l h a nd o para adaga. – Agora é Descobri ra seus pl anos, moti vações e
engastar a empunhadura e entregar ao não q ue r i a f a ze r p a r t e d a q ui l o .
f uturo dono. Pe r ce be u a me nt e e xt r e ma me nt e
e st r a t e g i st a d o ma g o . O a l ca nce d e
– Em q ua l mo na st é r i o a p r e nd e u a se us poderes e q ua i s ma g i a s
arte de f orj ar? d o mi na v a . N ão i ma g i na v a q ue a i nd a
Literatura
Literatura 69 69
Errante
Errante
– Fei ti ços e magi as?
havi a coi sas que o surpreendessem. A
p e r g unt a t a l v e z f o sse co nst r uí d a – Nas l endas é assi m que f unci ona.
apenas por sorte. Não queri a al ongar
a co nv e r sa a l é m d o ne ce ssá r i o . Er a – Vo u l h e d e i xa r e m p a z. Qua nd o
mel hor dei xar cl aro o que pensava. posso vol t ar para ver a prod ução d a
l âmi na?
– J á q ue a cr e d i t o q ue não me
dei xará em paz. E j á que está cri ando – Se não t i v e r co mp r o mi sso p o sso
r a í ze s a q ui na a l d e i a , t e nh o q ue co me ça r a g o r a me smo . J á a ca be i a
d e i xa r a l g uma s co i sa s cl a r a s e nt r e adaga, como di sse.
nó s. F a ço o se r v i ço . O p r e ço é me
dei xar em paz. Não quero me meter em A nt ô ni o não co nse g ui a co mp r e e nd e r
seus i nteresses. Sei o que te moti va se o mo t i v o d a p r e ssa d e Si l a s e m
e j á l i sua s i nt e nçõe s. F a r e i a t e r mi na r a e sp a d a e r a v ê - l a e nf i m
e sp a d a , ma s não i mbui r e i ma g i a pronta ou mandá-l o embora. Teri a que
al g uma. El a será apenas um cond ut or a g ua r d a r e a v a l i a r a s r e a çõe s d e
de p o d e r e s, um ca na l i za d o r de Si l as.
f orças. Não f arei nad a, al ém d i sso.
Ou acei ta a mi nha proposta ou l eva o Ei s q ue o p r o ce sso se i ni ci a :
aço a outro que f aça. F o r na l h a a l i me nt a d a co m p e q ue na s
l a sca s de ma d e i r a se ca , q ue
A nt ô ni o não e sp e r a v a me no s, e r a r a p i d a me nt e se i nce nd i a v a m e
mui t o p r e v i sí v e l q ue Si l a s a ume nt a v a m as ch a ma s. O ca l o r
o f e r e ce sse a q ui l o co mo mo e d a d e a ume nt a v a co nf o r me a s ch a ma s se
t r o ca . Na verdade, e sp e r a v a a t é a l i me nt a v a m d a s l a sca s d e ma d e i r a .
mai s. Era mel hor acertar l ogo o trato Si l as trocara a água do vasi l hame do
com o f errei ro e d ei xar para t ent ar choque t érmi co. Preci sava d a ág ua o
out ras propost as para mai s t ard e. A mai s f ri a possí vel . Após a t roca d a
e sp a d a p r o nt a e r a ma i s i mp o r t a nt e á g ua , l i mp o u a bi g o r na e p e g o u um
q ue uma p e ça r e t a ng ul a r d e me t a l . mol d e para a l âmi na, t al vez usasse,
Mesmo esse met al possui nd o a ori g em t al vez não, mas g ost ava d e t er t ud o
ancest ral e mág i ca que ambos sabi am à mão . T ud o f e i t o co m a ce r i mô ni a
que l he atri buí am. ne ce ssá r i a p a r a a t a r e f a q ue se
segui ri a.
– Então, estamos combi nados. Fará a
e sp a d a co m o me t a l . T o d a v i a p o sso T e r mi na d o s os p r e p a r a t i v o s,
acompanhar a f ei tura? e st e nd e u a mão e p e d i u a p e ça d e
me t a l . I me d i a t a me nt e A nt ô ni o a
– Não vej o probl emas. Desde que não e nt r e g o u. Si l a s p e g o u a p e ça e a
tente i mbui r poderes ao aço. p r e nd e u a uma l o ng a t e na z. A
f e r r a me nt a f i co u p r e sa be m na
– Ah, mas que pena. . . Queri a tanto e xt r e mi d a d e à d i r e i t a d o o l h a r d e
uma espada f l amej ante. Si l as, na borda do retângul o de aço.
Com a mão esquerda – que estava l i vre
– N ão é a ssi m q ue f unci o na . Vo cê a g o r a q ue a t e na z p r e nd i a a p e ça –
teri a que domi nar certas técni cas. . . segurou a tenaz enquanto – com a mão
70 Literatura Errante
Qua nd o um v e r me l h o v i v o co me ço u a
di rei ta – enrol ava uma f i ta de couro se f ormar em pel o menos um quarto da
no mei o da f erramenta, onde havi a um extensão do metal , Si l as rapi damente
revest i ment o d e mad ei ra para i sol ar reti rou o artef ato da f ornal ha e com
o cal or, para que a pressão da l onga um ma l h o p e sa d o , d e sf e r i u g o l p e s
p i nça não ce d e sse . A ssi m f i ca r i a p o d e r o so s na p e ça . O ma l h o ,
ma i s f á ci l ma ni p ul a r . A p ó s e sse l evantado ao máxi mo que a di mensão de
preparo col ocou a out ra ext remi d ad e se u br a ço p e r mi t i a , era
d o ret âng ul o d e aço na f ornal ha. Se v i o l e nt a me nt e g o l p e a d o no a ço . A o
não f o sse pel os o bj e t o s usa d o s me no r e smo r e ce r da v e r me l h i d ão
pareci a o preparo de um churrasco. a r d e nt e a p e ça e r a a r r e me ssa d a a o
f ogo i mpi edoso da f ornal ha.
– A g o r a é a g ua r d a r o a ço f i ca r
i ncandescente. Só pode ser martel ado E i sso se repeti u. E se repeti u.
q ua nd o a co r v e r me l h a a p a r e ce r .
A nt e s d i sso , ma r t e l a r ca usa r á A o s p o uco s a p e ça se a l o ng a v a ,
f i ssuras na al ma da espada. ca st i g a d a pel as ch a ma s e pel os
gol pes de mal ho.
– Saberes ancestrai s. . .
Si l a s em uma sá d i ca v o l úp i a
– N ão co me ce co m e sp e cul a çõe s se m d e sf e r i nd o gol pes de ma l h o s,
senti do. sussur r a nd o p r e ce s a nt i g a s,
a l i me nt a nd o o f o g o , um f r e ne si d e
Antôni o entendera o recado e cal ou- ce r t o mo d o i mp r e ssi o na nt e , ma s q ue
se. o s d o i s, t a nt o o F e r r e i r o q ua nt o o
Mag o, sabi am que era port ad or d e um
A espera nem f oi tão l onga. O f ol e p e r i g o so e v i o l e nt o r e sul t a d o . A
i nj e t a v a o xi g ê ni o na s ch a ma s q ue a r ma q ue se r i a p r o d uzi d a , e m br e v e
r e v i g o r a d a s p e l o so p r o l a mbi a m e p o d e r i a d e sp e r t a r i nt e r e sse s ma i s
d a nça v a m so br e a sup e r f í ci e do v i o l e nt o s q ue o s f o r t e s g o l p e s d e
metal . Si l as.
Literatura
Literatura 71 71
Errante
Errante
Folhetim
Capítulo IV
por Guto Domi ngues
Os ouvi dos ai nda senti am o i mpacto das seri am de Antôni o. Si l as acredi tava que não
ondas sonoras produzi das pel a úl ti ma pancada haveri a mui tas pessoas capazes de i nvocar as
que o aço recebera. Si l as sabi a que aquel e forças domi nadas pel a espada. Esse pensamento
era o momento onde o aço se tornara arma de o fez conti nuar o servi ço. E queri a ver-se
doi s mundos. Tanto al ma e carne seri am l i vre o mai s rápi do possí vel daquel a vi si ta
rasgadas, pel a l âmi na fri a e azul ada do aço i ndesej ada.
arcano mol dado pel as vi gorosas pancadas
Não houve di ál ogo. Desde o som não natural
produzi das pel o mal ho bárbaro.
que rompera o tedi oso trabal ho, ni nguém ousou
O ferrei ro preci sari a conti nuar o trabal ho fal ar mai s nada. Uma notável e crescente
com novas sagrações murmuradas em bai xa voz, seri edade tomou conta de ambos. Cessaram as
pronunci adas em l í ngua anti ga, só ouvi da em i roni as, as pal avras ásperas, o tom
cl austros monásti cos. Pal avras com capaci dade bel i gerante. Cessou a di sputa. Só o desej o de
de i nvocar magi as i ntensas, com potenci al ver a espada termi nada tomava conta do
para destrui r rochas, monstros, ou o que a coração daquel es homens.
pessoa que a empunhasse qui sesse. Mas a
Si l as deu-se por sati sfei to em rel ação ao
grande val i a era a força etérea, aquel a capaz
compri mento da l âmi na e escol heu uma
de destroçar espí ri tos. O probl ema é que a
empunhadura para duas mãos. Prendeu a peça à
espada não faz di sti nção de quem mata. Isso
l âmi na e a testou. Fez movi mento para aval i ar
é i nfortúni o de quem a desfere sobre o al vo
o peso, a vel oci dade em que cortava o ar, a
nomeado. Em mãos di gnas fari a o bem, em mãos
l âmi na l onga era l eve, caracterí sti ca do aço
funestas o mal . Era i sso que i ncomodava o
que trabal hara, outra teri a mui to mai s peso.
ferrei ro. O acei te da tarefa de forj á-l a não
O ângul o da l âmi na afi ada como uma naval ha
i mpl i cava em escol her o desti no da arma.
promovi a uma vel oci dade mai or que outras
Mesmo arma de tal poder. As responsabi l i dades
espadas do mesmo mol de. Era uma arma mortal .
72 Literatura Errante
Reuni a as qual i dades de armas di sti ntas. O – Ai nda não sei , mas j á tomei as medi das
fi o de uma naval ha, a vel oci dade de uma necessári as.
rapi nei ra, a destrui ção de um montante e a
– Quai s?
l eveza de uma adaga. Em mãos trei nadas o
possui dor seri a prati camente i mbatí vel . De – Lhe contarei , mas não com el e por aqui .
todas as qual i dades, Si l as só não pensava se, Dei xe-o aí . Vamos para mi nha casa. Lá l he
as de ori gem arcana, seri am usadas, canal i zar conto.
energi a, pri nci pal mente.
Cecí l i a não permi ti a que Si l as entrasse em
Um som chamou a atenção de Si l as. Leves sua mente. Ti nha coi sas que não queri a
passos ao l onge. Leves, porém fi rmes. A noi te revel ar. E não conheci a a extensão do poder
era comum, sem outros sons para confundi r-l he mental de Si l as. Mesmo preparando defesas,
os ouvi dos, mas aquel es passos não o uma vez em sua mente, tudo era possí vel . E
enganari am nem em tempestade. Era el a, a dona Si l as como anti go homem de costumes
do armazém. monásti cos não achava que entrar na mente de
uma maga poderosa como Cecí l i a poderi a ser
Si l as i magi nava o moti vo da vi si ta i ncomum
sem consequênci as.
e vi a tempos nebul osos se aproxi mando.
– A espada é só uma peça boni ta e comum em
O som dos passos cresce em vol ume, embora
mãos que não sej am as de quem entenda o que
sem acel erar o ri tmo. E assi m que a mata
el a pode fazer. – di sse assi m que entraram na
permi te o vul to da mul her surge no cami nho
casa ao l ado da forj a.
que l evava à forj a.
– Si m. Mas ai nda há magos poderosos por aí .
Há uma troca de ol hares entre os homens.
E mui to ambi ci osos e abomi návei s. Não sei se
Antôni o tenta contato mental , mas é você fez bem em forj á-l a.
rechaçado. Si l as era uma mural ha. E naquel e
– El a só responderá a quem atender o
momento o ferrei ro se preocupava com outra
chamado.
coi sa.
Cecí l i a arregal ou os ol hos.
– Cheguei tarde. – di sse a mul her, chamada
Cecí l i a. – Quando senti o acúmul o de – Durante a forj a el a foi i mbuí da com fogo
qui ntessênci a demorei em senti r a ori gem. santo. As l ascas que usei para al i mentar a
Agora é tarde. J á está fei ta. fornal ha são de carval ho regado com sangue de
monges encl ausurados. Durante todo o tempo
Cecí l i a termi nou a frase com a voz
fi z as sagrações, só há uma pessoa que reúne
resi gnada, perdi da em pensamentos tentando
os atri butos para empunhá-l a e não ser
prever quem era o responsável por aquel a
quei mada pel a chama de Erethi r. Só quem
i rresponsável demanda. Vi rou-se para Antôni o
control a o fogo dos deuses pode usá-l a.
e, com um l eve mover de ol hos, fez fl utuar a
adaga termi nada há pouco frente aos ol hos de Cecí l i a cal ou-se. Ol hou nos ol hos de Si l as
Antôni o. Quando o forastei ro tentou se mexer e di sse, pausadamente:
não pode. Um campo de energi a i nvi sí vel o
– Não conte comi go.
manti nha i mobi l i zado. Nem fal ar podi a. Tão
forte era a magi a usada pel a mul her.
Sobre o Autor:
– Não o machuque, Cecí l i a. El e não nos fará
mal al gum. J á vascul hei a mente desse Vi ol oni sta,
i mbeci l . E suas habi l i dades em magi a são escri tor, ci néf i l o,
fracas. l ei tor compul si vo, fã
– Mas como el e chegou até aqui ? E como el e de Quadri nhos, Conan,
achou metal arcano? Star Wars, etc.
Escreve desde pequeno
– Aço.
al ém de ter passado os
– Que sej a. Como el e fez i sso? Vi r aqui e úl ti mos 35 anos com um
com esse pedaço de vi l eza? vi ol ão no col o.
Literatura
Literatura 73 73
Errante
Errante
Até que a Morte Nos Separe - Parte III
por Doug Nol eto
Os gri tos de Lessane rasgaram o que temperatura estava al ta, e a vel a ao l ado
deveri a ser uma manhã cal ma. Barnal d j á pareci a quente demai s. Tudo pareci a quente
estava acordado, poi s ti nha o hábi to de demai s. A vi são do quarto estava embaçada,
adi antar as taref as antes das pri mei ras gi rando como se a terra esti vesse f ora dos
l uzes da aurora. Era um homem com pressa. ei xos, e quando Barnal d entrou no quarto,
E, no momento em que o pei to de Lessane el a não o reconheceu. A voz del e chegou a
apertou, ti rando-l he todo o ar, el e estava el a como um sopro vi ndo de uma caverna
col ocando as al ças no burro. Os gri tos escura, trazendo as vozes das grotescas
ati ngi ram o crâni o del e como a grossa cri aturas que poderi am l á habi tar. El a
l âmi na de um machado cego, tonteando-o e tentou f ocal i zar a vi são, mas f oi i núti l ,
removendo-l he o chão. O cami nho que o e quanto mai s tentava, mai s desesperada
l evou até o quarto pareceu desaparecer. f i cava.
Quando vi u, j á estava l á dentro com a
Barnal d f oi até el a. Sentou-se na cama
adaga em punhos.
e pegou-a pel as mãos, tentando
El a estava na cama, aj oel hada, com as tranqui l i zá-l a. Nunca a havi a vi sto
mãos no pescoço que, à l uz das vel as, daquel a f orma e a expressão de horror em
pareci a roxo e com as vei as sal tadas. El e seu rosto era terrí vel . O coração de
sol tou a adaga no chão e f oi até el a. Barnal d pal pi tava no pei to. O vento gel ado
que entrava pel a j anel a entreaberta, que
— O que f oi , amor? Teve sonhos rui ns? outrora seri a agradável , agora pareci a
Mas el a não consegui a responder. Pareci a congel ante. Contudo, tudo i sso
estar submersa em um l ago e não consegui a desapareceu em uma pequena f ração de
respi rar. Uma dor aguda preenchi a todo o tempo, poi s quando a tocou, el a consegui u
corpo, rasgando-a de dentro para f ora. A sol tar o gri to mai s satâni co que aquel a
74 Literatura Errante
voz poderi a produzi r. conceber al go que pudesse transtorná-l a a
tal ponto.
Com um sal to, el e se af astou. Não sabi a
o que f azer. Não ti nha o que f azer. Tal vez Mas Garl of f estava al i , e Barnal d pedi u
as l ágri mas j á esti vessem escorrendo de para os Deuses daqui e de l á para que o
seus ol hos naquel e momento, mas el e não aj udassem a sal vá-l a.
poderi a di zer com certeza. Estava al i , a
El e f oi para f ora e sentou-se no batente
poucos passos da cama, af undado no mai s
da porta. O burro
puro desespero,
também estava l á,
quando uma pancada
e os gri tos vi ndo
vei o atrás de si .
do quarto pareci am
Foi um som al to e
tê-l o perturbado.
estourado. E então,
Barnal d percorreu
Barnal d soube que o
com os ol hos o
i nf erno havi a
cami nho da
chegado, poi s
estradi nha de
aquel e som só
terra bati da até
poderi a ter vi ndo da
as casas cem
porta. El e se
metros à f rente.
agachou, pronto
Ni nguém pareci a
para pegar a adaga,
sequer notar o que
porém, antes mesmo
estava
de se l evantar,
acontecendo al i ,
senti u uma mão em
mas o caval o
seu ombro.
branco de Garl of f
— Sai a daqui . estava parado bem
Agora! à f rente da porta
da cerca. Devi a
Era a voz do vel ho
estar gal opando
Garl of f . O caj ado
pel a regi ão quando
estava em uma das
ouvi u os gri tos de
mãos, e com a outra,
Lessane. Barnal d
aj udou Barnal d a se
não acredi tava em
l evantar. El e
coi nci dênci as,
estava vesti do com
mas agradeceu por
os mesmos panos de
aquel a.
sempre. A barba
l onga e desgrenhada O tempo
enf i ada no ci nto e arrastou-se com
um chapéu anti go e agoni ante
empoei rado estava l enti dão. Sentado
pendurado na no batente, ai nda
cabeça. podi a ouvi r os
gri tos de Lessane
A presença de
com i mpacto gutural atrás de si . Ouvi a,
Garl of f acal mou Barnal d. Mas só um pouco.
também, a voz carregada e suave de Garl of f
Geral mente, quando as coi sas i am por
ao f undo. Se el e di zi a al go naquel a l í ngua
cami nhos desconheci dos, era el e quem
ou em outra, Barnal d não sabi a. E também
possuí a as respostas. Barnal d não sabi a o
não se i mportava. Só queri a ver Lessane
que estava acontecendo e não consegui a
bem. Não sabi a o que seri a de sua vi da sem
i magi nar os horrores que se passavam
el a.
dentro de Lessane. El a era uma moça
saudável a mai or parte do tempo, e quase Porque para el e, sem el a, não exi sti a
nunca ti nha sonhos rui ns. Não consegui a vi da di gna de se vi ver.
Literatura Errante 75
LiteraturaErrante 75
Até que a Morte Nos Separe - Parte IV
por Doug Nol eto
76 Literatura Errante
di stânci a. Contudo, pareceu a el e que
el a não i rá durar mui to. É só i sso que estava percorrendo as Pontes Eternai s.
di sse e nada mai s. Só que dessa vez, não em di reção ao
Grande J ul gamento, e, si m, ao i nf erno
— Odei o quando f az i sso — di sse de f ogo. A certeza de que sua mente não
Barnal d. — Sej a di reto, Garl of f . O que poderi a suportar o que havi a l ogo
quero saber é se el a i rá vi ver ou depoi s daquel a porta era l atente dentro
morrer. del e. O que poderi a ter aconteci do
desde o anoi tecer de um di a perf ei to,
— Sempre sou di reto, f i l ho. Se é i sso até o amanhecer de um di a di aból i co?
que quer saber, me f aça a pergunta. Barnal d não podi a conceber a i dei a de
que sua queri da Lessane, a dona dos
— El a i rá vi ver? seus pensamentos, pudesse estar próxi ma
de parti r. Garl of f havi a di to que el a
— Não — o homem se l evantou. Ti rou o não suportari a a enf ermi dade, f osse
chapéu da cabeça e permi ti u que os qual f osse.
l ongos cabel os brancos caí ssem sobre os
ombros. El e ol hou para Barnal d com A questão era: Barnal d poderi a
cal ma e sereni dade, mas, l á no f undo, suportá-l a?
dei xou cl aro a tri steza que o
transbordava. — Fi z o que pude. Agora El e abri u a porta. O chei ro l á dentro
vá l á, f i l ho. Acho que poderão era horrí vel , e, em tão poucas horas,
conversar por al gum tempo. Mas esse j á f edi a como os antros médi cos da
pequeno monstro é rápi do e i mpl acável . ci dade. Dei tada na cama estava Lessane.
J á está dentro del a há tempos. Esse é, O l ençol estava ensanguentado, assi m
i nf el i zmente, o úl ti mo avi so antes que como seu vesti do e boca, que era de onde
a destrua por dentro. Me perdoe. escorri a o sangue devi do as tosses. O
cabel o havi a assumi do cores de pal ha
Garl of f j á havi a f al ado sobre os seca, como se pudessem i nf l amar-se a
pequenos monstros. Segundo el e, havi a qual quer i nstante. Os ol hos, que
cri aturas i nvi sí vei s por toda parte. No outrora trazi am i ni gual ável bel eza,
ar, na água, na terra, em qual quer agora eram f undos e escuros. Opacos e
l ugar. El e di zi a que era por causa sem vi da. A pel e, ah, a doce e suave
dessas cri aturas que as pessoas f i cavam pel e de Lessane, que um di a trouxera
gri padas, com di arrei a, ou desenvol vi am i menso prazer ao toque de Barnal d,
qual quer outra doença. Barnal d não estava agora de uma cor ci nzenta,
acredi tava. O que vi a j á era o morta, áspera.
suf i ci ente para uma vi da de horror. Não
preci sava de mai s ameaças, mui to menos El e não podi a ver aqui l o, sequer
as i nvi sí vei s. consegui a estar no mesmo l ocal . Queri a
mui to i r até el a e abraçá-l a, mas
El e entrou na casa. dei tada na cama, tão f rági l como uma
f l or sol i tári a em um campo devastado,
O cami nho que separava Barnal d, na pareci a que quebrari a ao menor toque.
f rente da casa, de Lessane, no , não era Barnal d ti nha medo de i r até el a e tocá-
l ongo. Era al go em torno de ci nco l a, prometer a el a que tudo dari a
metros. Sei s ou sete passos de certo, poi s senti a em seu í nti mo que
Literatura Errante 77
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roubado a capaci dade da f al a. Havi a se
não seri a verdade. E menti r para tornado um boneco de pano i núti l ,
Lessane era um de seus mai s terrí vei s daquel es que os mal di tos f i l hotes de
horrores. berwol g estraçal havam e j ogavam de um
l ado para o outro a bel prazer.
— Venha, Barnal d, por f avor, dei xe-me
vê-l o. — Ah, Barnal d, como f ui f el i z com você
— el a conti nuou. — Di ga a meus pai s e
El e l utou contra o i nsti nto de ol har mi nha i rmã que os amo como o céu que nos
em vol ta, poi s embora soubesse que f ora protege do al ém. Mande-l hes um bei j o e
Lessane quem di ssera aqui l o, ti nha um abraço e di ga, por f avor, que
certeza de que a voz não pertenci a a estarei esperando por el es. Queri do,
el a. Estava quebradi ça e rasgada. agora, por f avor, dê-me um bei j o de
Provável que pel as tosses i ncessantes despedi da.
que tanto a machucaram por dentro.
— Não! Nunca! — el e se af astou. Sol tou
El e cami nhou l entamente até o l ei to. a mão de Lessane. — Não i rei me despedi r
Foi com mui ta di f i cul dade que el a, de você, Lessane. J amai s.
enf i m, abri u os ol hos. Tremendo, ergueu
uma das mãos até el e, que a segurou de — Barnal d, por f avor, não f aça i sso
pronti dão. Apertou com del i cadeza os comi go — agora as tosses f oram ai nda
dedos e a pal ma de Lessane, senti ndo a mai s f ortes, quando retornou a f al ar, a
pel e f ri a sob os dedos. El a abri u a voz era um sopro. — Lembre-se da nossa
boca, tentando di zer al go, mas a voz promessa: até que a morte nos separe.
l he f al tou. El a f echou a boca e Agora, dê-me um bei j o e me dei xe i r.
respi rou f undo, e então, consegui u
di zer: Barnal d andou de um l ado para o outro.
El e não podi a dei xá-l a i r. El e não
— Sei o que está pensando, queri do. E queri a dei xá-l a i r. Si m, el e real mente
sei que deve estar sendo dol oroso me havi a f ei to a promessa. Ambos havi am
ver assi m. Mas, por f avor, me dei xe i r. f ei to. Mas, pel as Trevas e pel a Luz,
Eu não suportari a a cami nhada pel as quando é que el e podi a ter i magi nado
Pontes sabendo que o dei xei aqui em dor que as coi sas seri am daquel a f orma?
e sof ri mento. Por f avor, meu amor, não Não, el e não estava pronto para dei xá-
f i que assi m. É uma hora que chega para l a i r. E el a não deveri a estar também!
todos. Reze por mi m. Peça por mi m.
Todos os Deuses, os daqui e os de l á, — Eu não posso, Lessane, me perdoe.
i rão ouvi -l o. Por f avor, queri do, por
f avor. — Não, Barnal d. Não f aça i sso
comi go. . . pel o amor de todos os deuses,
Quando parou de f al ar, entrou em um dos daqui e dos de l á, não f aça i sso
acesso de tosse mol hada. Cuspi u bol as comi go. . .
grossas de sangue para o l ado, f azendo
uma careta de dor em cada movi mento. Mas el e f ez.
Barnal d podi a apenas ol har, j á que
f al ar estava f ora de cogi tação. O El a f echou os ol hos. E dessa vez, não
demôni o zombetei ro pareci a ter-l he os abri u nunca mai s
78 Literatura Errante
Literatura Errante 79
Até que a Morte Nos Separe - Parte V
por Doug Nol eto
Garl of f subi u no caval o e f oi até a casa — Vel ho Garl of f , ou é merda ou novi dade.
de Tosi er. Cami nhou até a porta de madei ra Não me l embro a úl ti ma vez em que apareceu
e, com o caj ado, deu suas três bati das. por aparecer.
Quem atendeu f oi Venri s, a i rmã mai s nova
— Sempre apareço aparecendo — di sse o
de Lessane. El a estava dentro de um
vel ho. — Como poderi a aparecer sem
vesti do l ongo com os ombros a mostra. Ao
aparecer?
bater os ol hos em Garl of f , um sorri so
brotou em seus l ábi os, e el a pul ou nos — Di ga l á, homem. O que quer?
braços del e para um abraço no vel ho. El e
— Menri s está em casa? Temo não trazer
devol veu o abraço tão bem quanto pôde,
boas notí ci as.
contudo, não ti nha o menor i nteresse em
anunci ar a morte da i rmã para el a. Pedi u Tosi er buf ou, sol tando f umaças vermel has
por Tosi er, e esperou do l ado de f ora. A para ci ma com o cachi mbo. Foi um mi sto
moça entrou na casa, aos pul i nhos, ani mada entre ri sada e ansi edade. Cl aro que não
por ver o mago depoi s de tantos anos. era boa notí ci a. Quando é que f oi ?
Quando Tosi er apareceu, não havi a sorri so — Está si m. Tá dei tada com os pés pra
no rosto, embora esti vesse f el i z pel a ci ma. A vel ha não aguenta mai s mui ta
vi si ta. coi sa. Di ga, o que há de errado?
Tosi er era pai . E pai s sabem. Sempre — Pode me acompanhar?
sabem.
Cami nharam j untos até o f i m da rua.
80 Literatura Errante
Tosi er senti a o coração apertar a cada mago depoi s de tantos anos. Quando Tosi er
passo que davam em di reção à casa de apareceu, não havi a sorri so no rosto,
Barnal d. El e não havi a senti do uma dor embora esti vesse f el i z pel a vi si ta.
f orte hoj e mai s cedo? Cl aro que si m, e el e
Tosi er era pai . E pai s sabem. Sempre
sabi a mui to bem o que aquel a dor
sabem.
si gni f i cava. Quando sua mãe havi a morri do
uns bons anos atrás, el e senti ra aquel a — Vel ho Garl of f , ou é merda ou novi dade.
dor. Seu pai , no mesmo di a, di ssera senti - Não me l embro a úl ti ma vez em que apareceu
l a de i gual f orma. El e tentou i gnorar, por aparecer.
di zendo para si mesmo que era i magi nação
— Sempre apareço aparecendo — di sse o
del e e que, na i dade em que estava, dores
vel ho. — Como poderi a aparecer sem
eram tão comuns quanto nuvens no céu.
aparecer?
Contudo, pouco antes do chá, Menri s
di ssera senti r a mesma coi sa. — Di ga l á, homem. O que quer?
Isso f oi o equi val ente ao trovão em uma — Menri s está em casa? Temo não trazer
noi te de nuvens escuras. A tempestade boas notí ci as.
estava próxi ma. A tempestade, meu vel ho, Tosi er buf ou, sol tando f umaças vermel has
havi a chegado. para ci ma com o cachi mbo. Foi um mi sto
Quando passaram pel a cerqui nha de entre ri sada e ansi edade. Cl aro que não
madei ra, Garl of f teve que aj udar Tosi er a era boa notí ci a. Quando é que f oi ?
compl etar o cami nho. Abri ram a porta da — Está si m. Tá dei tada com os pés pra
casa e passaram por um Barnal d sentado à ci ma. A vel ha não aguenta mai s mui ta
mesa em prantos. Total mente entregue à coi sa. Di ga, o que há de errado?
l oucura do l uto. Foram para o quarto.
Lessane estava l á, tão morta quanto antes. — Pode me acompanhar?
Tosi er chorou. Garl of f também. Cami nharam j untos até o f i m da rua.
Quem di ri a que aquel e seri a só o i ní ci o Tosi er senti a o coração apertar a cada
da tempestade? passo que davam em di reção à casa de
Barnal d. El e não havi a senti do uma dor
Enterraram Lessane na manhã segui nte. f orte hoj e mai s cedo? Cl aro que si m, e el e
Todos estavam l á. Menri s, Garl of f subi u no sabi a mui to bem o que aquel a dor
caval o e f oi até a casa de Tosi er. si gni f i cava. Quando sua mãe havi a morri do
Cami nhou até a porta de madei ra e, com o uns bons anos atrás, el e senti ra aquel a
caj ado, deu suas três bati das. Quem dor. Seu pai , no mesmo di a, di ssera senti -
atendeu f oi Venri s, a i rmã mai s nova de l a de i gual f orma. El e tentou i gnorar,
Lessane. El a estava dentro de um vesti do di zendo para si mesmo que era i magi nação
l ongo com os ombros a mostra. Ao bater os del e e que, na i dade em que estava, dores
ol hos em Garl of f , um sorri so brotou em eram tão comuns quanto nuvens no céu.
seus l ábi os, e el a pul ou nos braços del e Contudo, pouco antes do chá, Menri s
para um abraço no vel ho. El e devol veu o di ssera senti r a mesma coi sa.
abraço tão bem quanto pôde, contudo, não
ti nha o menor i nteresse em anunci ar a Isso f oi o equi val ente ao trovão em uma
morte da i rmã para el a. Pedi u por Tosi er, noi te de nuvens escuras. A tempestade
e esperou do l ado de f ora. A moça entrou estava próxi ma. A tempestade, meu vel ho,
na casa, aos pul i nhos, ani mada por ver o havi a chegado.
Literatura Errante 81
LiteraturaErrante 81
Quando passaram pel a cerqui nha de Barnal d e o abraçou f orte, permi ti ndo-se
madei ra, Garl of f teve que aj udar Tosi er a chorar no ombro del e e dando o própri o
compl etar o cami nho. Abri ram a porta da como conf orto. Fi caram al i , abraçados por
casa e passaram por um Barnal d sentado à mi nutos ou horas, ni nguém contou e ni nguém
mesa em prantos. Total mente entregue à se i mportou. Aquel e não era um di a para se
l oucura do l uto. Foram para o quarto. i mportar com detal hes.
Lessane estava l á, tão morta quanto antes.
O sol subi u e desceu, e as nuvens
Tosi er chorou. Garl of f também.
f echaram o céu. Menri s f oi a pri mei ra a i r
Quem di ri a que aquel e seri a só o i ní ci o embora. Logo depoi s f oi Tosi er. O mei o da
da tempestade? noi te chegou e só restavam Barnal d e
Venri s abraçados e Garl of f ao l ado do
Enterraram Lessane na manhã segui nte.
burro. El e o havi a al i mentado, j á que
Todos estavam l á. Menri s, Venri s, Garl of f ,
Barnal d não pareci a capaz de qual quer
Barnal d e o burro. Os outros moradores,
outra ati vi dade que não f osse o própri o
vi zi nhos não tão próxi mos assi m, não
l uto. Resol veu também sol tar o caval o. J á
passaram perto da casa de Barnal d durante
estava parado havi a mui to tempo e el e
todo o di a. Di zi am por al i que havi a si do
gostava de correr. Contudo, quando Garl of f
uma doença di aból i ca, e ni nguém queri a
o sol tou, o caval o deu apenas uma mei a
arri scar contrai r qual quer merda que
vol ta e f i cou no mesmo l ugar. Era como se
aquel e cadáver pudesse carregar.
a dor f osse democráti ca e comparti l hada
Acenderam vel as e as apagaram. J ogaram a por todos.
terra por ci ma e f echaram o túmul o.
Venri s, que já estava cansada e
Barnal d estava encostado na parede da
dol ori da, perguntou à Barnal d se el e
cabana, com os braços cruzados e um
queri a que el a passasse a noi te al i . El e
cachi mbo pendurado na boca. Não havi a mai s
di sse que não preci sava e que, na
l ágri ma para escorrer, nem gri tos para
real i dade, pref eri a f i car sozi nho. Quando
gri tar. Era um homem vazi o e sozi nho,
di sse i sso, ol hou também para Garl of f ,
entregue a sorte e ao azar. Sem âni mo pel a
dando um si nal de que também servi ri a para
vi da e com o desej o pel a morte. Ah, el e
el e. Então, Venri s e Garl of f se f oram
nunca desej ou tanto a morte. Um bei j o del a
sai ndo pel a cerqui nha de madei ra em
seri a uma benção para aquel a al ma af l i ta.
di reção da casa de Tosi er.
Venri s notou i sso. Desvenci l hou-se dos
As pri mei ras gotas de chuva caí ram pouco
braços do pai e cami nhou até o cunhado. O
depoi s. Barnal d não se i mportou com i sso
vento era f ri o, carregado com o chei ro do
também, j á que a água da chuva podi a
horror e da perda. Isso não f oi capaz de
aj udá-l o a esquecer um pouco as l ágri mas
i mpedi -l a. Parou em f rente de Barnal d,
que vol taram a escorrer. O coração ai nda
esperando ser notada. Cl aro que não f oi .
bati a? El e não sabi a. Ah, doce Lessane,
Aquel es ol hos não estavam vi rados para
por que o havi a dei xado? Tal vez esse f osse
f ora, e, si m, para dentro. O mundo externo
o úni co questi onamento que a mente
havi a se resumi do às sombras cruéi s e
perturbada do homem pudesse f azer.
i ntransponí vei s. Nada poderi a al cançá-l o.
Porém, e i sso el e só descobri ri a dal i uma
Nada, a não ser Venri s. El a nunca f oi
semana, el a não o havi a dei xado. Cl aro que
mui to boa da cabeça.
não. El e não havi a se despedi do. E i sso. . .
El a atravessou a pesada armadura de bom, poderi a si gni f i car mui tas coi sas.
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enri s, Garl of f , Barnal d e o burro. Os Barnal d não pareci a capaz de qual quer
outros moradores, vi zi nhos não tão outra ati vi dade que não f osse o própri o
próxi mos assi m, não passaram perto da casa l uto. Resol veu também sol tar o caval o. J á
de Barnal d durante todo o di a. Di zi am por estava parado havi a mui to tempo e el e
al i que havi a si do uma doença di aból i ca, e gostava de correr. Contudo, quando Garl of f
ni nguém queri a arri scar contrai r qual quer o sol tou, o caval o deu apenas uma mei a
merda que aquel e cadáver pudesse carregar. vol ta e f i cou no mesmo l ugar. Era como se
a dor f osse democráti ca e comparti l hada
Acenderam vel as e as apagaram. J ogaram a
por todos.
terra por ci ma e f echaram o túmul o.
Barnal d estava encostado na parede da Venri s, que já estava cansada e
cabana, com os braços cruzados e um dol ori da, perguntou à Barnal d se el e
cachi mbo pendurado na boca. Não havi a mai s queri a que el a passasse a noi te al i . El e
l ágri ma para escorrer, nem gri tos para di sse que não preci sava e que, na
gri tar. Era um homem vazi o e sozi nho, real i dade, pref eri a f i car sozi nho. Quando
entregue a sorte e ao azar. Sem âni mo pel a di sse i sso, ol hou também para Garl of f ,
vi da e com o desej o pel a morte. Ah, el e dando um si nal de que também servi ri a para
nunca desej ou tanto a morte. Um bei j o del a el e. Então, Venri s e Garl of f se f oram
seri a uma benção para aquel a al ma af l i ta. sai ndo pel a cerqui nha de madei ra em
di reção da casa de Tosi er.
Venri s notou i sso. Desvenci l hou-se dos
braços do pai e cami nhou até o cunhado. O As pri mei ras gotas de chuva caí ram pouco
vento era f ri o, carregado com o chei ro do depoi s. Barnal d não se i mportou com i sso
horror e da perda. Isso não f oi capaz de também, j á que a água da chuva podi a
i mpedi -l a. Parou em f rente de Barnal d, aj udá-l o a esquecer um pouco as l ágri mas
esperando ser notada. Cl aro que não f oi . que vol taram a escorrer. O coração ai nda
Aquel es ol hos não estavam vi rados para bati a? El e não sabi a. Ah, doce Lessane,
f ora, e, si m, para dentro. O mundo externo por que o havi a dei xado? Tal vez esse f osse
havi a se resumi do às sombras cruéi s e o úni co questi onamento que a mente
i ntransponí vei s. Nada poderi a al cançá-l o. perturbada do homem pudesse f azer.
Nada, a não ser Venri s. El a nunca f oi Porém, e i sso el e só descobri ri a dal i uma
mui to boa da cabeça. semana, el a não o havi a dei xado. Cl aro que
não. El e não havi a se despedi do. E i sso. . .
El a atravessou a pesada armadura de
bom, poderi a si gni f i car mui tas coi sas.
Barnal d e o abraçou f orte, permi ti ndo-se
chorar no ombro del e e dando o própri o
como conf orto. Fi caram al i , abraçados por Sobre o Autor:
mi nutos ou horas, ni nguém contou e ni nguém Dougl as Nol eto,
se i mportou. Aquel e não era um di a para se nasci do e cri ado em
i mportar com detal hes. Iguape, SP, é autor
de romances e contos
O sol subi u e desceu, e as nuvens de suspense e terror
f echaram o céu. Menri s f oi a pri mei ra a i r psi col ógi co.
embora. Logo depoi s f oi Tosi er. O mei o da Atual mente mora em
noi te chegou e só restavam Barnal d e Curi ti ba e escreve,
qui nzenal mente, para
Venri s abraçados e Garl of f ao l ado do
a Revi sta Perpétua,
burro. El e o havi a al i mentado, j á que sua casa l i terári a.
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Cartum
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Sobre o Autor:
Al berto Al pi no,
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São Paul o, Pl ayboy e
autor da ti ra Samanta,
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j ornai s brasi l ei ros.
Prêmi o HQMi x Humor
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