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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA

ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA

Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 56/2006 | p. 5 - 26 | Jul - Set /


2006
DTR\2006\430
_______________________________________________________________________
Bruno Zilberman Vainer
Advogado. Mestrando em Direito Público PUC-SP. Pós-graduando na ESDC. Membro
IBDC
 
Área do Direito: Constitucional

Sumário:  
- 1. Introdução - 2. Conceito de segurança jurídica - 3. Historicidade da segurança
jurídica - 4. Direitos fundamentais na Constituição de 1988 e princípio da segurança
jurídica - 5. Segurança jurídica no âmbito do direito público: os princípios da estrita
legalidade e da igualdade - 6. Segurança jurídica no âmbito do direito privado e a análise
do art. 2.035, do CC/2002 - 7. Segurança jurídica: análise de casos concretos - 8.
Conclusões acerca do tema - 9. Referências bibliográficas
 

Resumo: Trata-se de estudo que procura analisar o tema da segurança jurídica frente
às grandes transformações econômicas, sociais e tecnológicas ocorridas sobretudo nos
últimos cinqüenta anos. Para tanto, foi necessária a análise do tema frente à
Constituição de 1988, bem como a sua historicidade, desde a Idade Antiga até a Idade
Contemporânea, para que fosse possível desenhar as perspectivas para o futuro. Desta
forma, o autor procura desmitificar o tema, ao considerar a segurança jurídica não
somente como preceitua o art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 (LGL\1988\3), mas ao tratar as
garantias individuais e os demais direitos fundamentais como fenômeno garantidor da
segurança jurídica. Ainda, discorre o presente artigo acerca do funcionamento da
segurança jurídica nas relações de direito público, a partir da conceituação e análise dos
princípios da estrita legalidade e da igualdade, bem como a polêmica envolvendo o art.
2.035, do CC/2002 (LGL\2002\400). Por derradeiro, dois casos concretos, decididos pelo
Supremo Tribunal Federal, ilustram a utilização - ou não - do princípio da segurança
jurídica.

Abstract: This study is intended to review the issue of security of legal relationships in
face of the significant economic, social and technological changes that have been taking-
up speed in the last fifty years. To that effect, the issue was analyzed from the
standpoint of the 1988 Constitution; nevertheless, in order to have a more accurate
picture of the perspective that lay ahead, a quick investigation on its historical
background, from Ancient times to the Contemporary Age had to be performed.
Accordingly, the author seeks to demystify the subject, by addressing legal security not
only within the boundaries of the provision of 5.º, XXXVI, of the Federal Constitution, but

     
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also dealing with individual warranties and other fundamental rights as social
phenomenon that assures legal security. This paper also addresses the mechanism of
legal security in public-law relationships based on the definition and review of the
doctrine of strict legality and equality, as well on the controversy that involves article
2.035 of the Civil Code. Moreover, two cases ruled by the Federal Supreme Court
illustrate application - or not - o the principle of legal security.

Palavras-chave: Constituição - Segurança jurídica - Direito público - Direito privado.

Key Words: Constitution - Legal security - Public law - Private law.

1. Introdução

1.1 Importância da segurança jurídica

Vivemos em um mundo em constante transformação. As mudanças ocorrem a todo


momento, e nos últimos anos elas têm sido cada vez mais rápidas e profundas.

Basta comparar o mundo há cinqüenta anos e o atual. Explosão demográfica, crises


econômicas, guerras e, sobretudo, as transformações propiciadas pela tecnologia, que
modificaram os meios de produção, de comunicação e de relação entre os indivíduos e
entre os Estados geraram a necessidade cada vez mais premente de se criar
instrumentos capazes de conferir segurança nas relações entre os indivíduos.

De fato, verifica-se que grandes transformações, principalmente aquelas ocorridas em


curto espaço de tempo, geram nos indivíduos uma sensação de insegurança, cujo
sintoma mais profundo é o enfraquecimento da estabilidade social.

Isso porque os indivíduos anseiam um mínimo de estabilidade em suas relações,


estabilidade essa que, em um Estado de Direito, como o Estado brasileiro, deve advir
das leis.

Nesse sentido, é de suma importância que se tenha confiança no conjunto de leis,


normas e regras que regem determinada sociedade, principalmente em se tratando de
sociedades que se dizem "democráticas", onde o conceito de liberdade constitui um de
seus objetivos principais.

Dessa forma, é necessário que os cidadãos saibam que, além de obrigações, possuem
certos direitos e que muitos desses direitos são - ou deveriam ser - de aplicabilidade
imediata, como é o caso dos direitos fundamentais.

Outrossim, revela-se particularmente importante o conhecimento das leis por parte dos
indivíduos de uma determinada sociedade, uma vez que a confiança ou não em um
ordenamento específico está condicionado ao seu conhecimento por parte dos membros
da sociedade. A esse conhecimento Pérez Luño caracterizou como a face subjetiva da

     
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segurança jurídica.

Fréderic Pollaud-Dulian, prestigiado jurista francês, assim se expressou acerca do tema,


em trabalho denominado A propôs de la sécurité juridique:

Un système de droit doit concilier dans l'élaboration de ses règles, des interest varies et
des impératifs divers: pour être bien acceptée et efficace, la loi doit présenter, entre
autres, une certaine sécurité, notamment par son accessibilité et as conférence et ne pás
surprendre excessivement les sujets de droit dans leur pratiques, leur prévisions et leurs
attente. 2

A confiança no ordenamento jurídico, essa certeza que os indivíduos devem possuir, no


sentido de que há um corpo de leis previamente elaboradas com o intuito (entre outros)
de protegê-los, é o que se costuma definir como segurança jurídica, em cujos principais
aspectos consiste o objeto do presente estudo.

1.2 A segurança jurídica na Constituição de 1988

Especificamente no Brasil, verifica-se que o termo segurança aparece em vários


momentos na Constituição de 1988, possuindo assento já no preâmbulo, e se
constituindo em um dos objetivos da República Federativa do Brasil. 3

Poder-se-ia afirmar que o conceito de segurança jurídica consta expressamente no artigo


5.º, XXXVI, da CF/1988 (LGL\1988\3), ao afirmar que "a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

Contudo, data venia da melhor doutrina, nossa opinião é a de que são numerosos os
dispositivos constitucionais que evidenciam a presença marcante do princípio da
segurança jurídica na Constituição Federal (LGL\1988\3), constituindo o inciso
supracitado um dos muitos exemplos da presença da segurança jurídica na Carta
Política, conforme será oportunamente analisado. 4

E, a exemplo da maioria dos ordenamentos vigentes, não há na legislação brasileira uma


conceituação exata do termo, verificando-se que sua definição decorre da jurisprudência
de nossos tribunais superiores e, sobretudo, da doutrina, nacional e estrangeira.

Nas sábias palavras de Paulo de Barros Carvalho:

"A segurança jurídica é, por excelência, um sobreprincípio. Não temos notícia de que
algum ordenamento a contenha como regra explícita. Efetiva-se pela atuação de
princípios, tais como o da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da irretroatividade,
da universalidade e de outros mais." 5

Assim, para o bom desenvolvimento do tema, far-se-á uma análise histórica acerca do
princípio da segurança jurídica, com o intuito de revelar em que momento o mesmo
tornou-se um tema de grande importância.

Outrossim, buscar-se-á conceituar o tema, bem como analisar a sua relação com os

     
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direitos fundamentais e as demais garantias constitucionais.

Por derradeiro, revela-se necessária a análise da segurança jurídica sob a ótica do direito
privado, mas especificamente no âmbito das relações contratuais.

2. Conceito de segurança jurídica

2.1 As acepções da palavra segurança

De acordo com o dicionário Aurélio, a palavra segurança possui quatro significados


distintos. Veja-se: "1. Ato ou efeito de segurar. 2. Estado, qualidade, ou condição de
seguro. 3. Condição daquele ou daquilo em que se pode confiar. 4. Certeza, firmeza,
convicção. 5. Confiança em si mesmo (...)." 6

Para não fugir ao tema do presente trabalho, analisar-se-ão os quatro últimos


significados do termo.

O primeiro aspecto sobre a segurança refere-se à criminalidade. De fato, sentir-se


seguro é saber que há uma vigilância, no sentido de proteger os bens e a vida de uma
determinada pessoa.

Assim, fala-se muito em segurança pública, consistente no conjunto de atos emanados


pelo poder público que torne as vias públicas mais seguras, impedindo ou dificultando a
ação de grupos criminosos, protegendo bens constitucionalmente tutelados, tais como a
vida, a saúde, a residência, etc.

Ainda, além da segurança pública, há a chamada segurança nacional, cujo conceito e


disseminação do tema verificou-se com mais amplidão no período da guerra fria, onde os
blocos antagônicos (capitalistas versus comunistas) incutiam nos países sob sua tutela o
medo de que o outro regime viesse a tomar conta do Poder.

No dizer de Luis Roberto Barroso:

"Em nome da Segurança Nacional, disseminou-se nos países periféricos do bloco


acidental um truculento sentimento anticomunista, fundamento da repressão, da
censura e da perseguição política. Quase todos os países da América Latina sofreram o
impacto antidemocrático da ideologia da segurança nacional, com o colapso das
instituições constitucionais e a ascensão de regimes militares". 7

Outrossim, o termo segurança significa convicção, certeza. De fato, sentir-se seguro com
relação a algo presume certa confiança, estabilidade, é contar com algo certo, que
dificilmente será aniquilado. Assim, pode-se ter segurança quanto ao conhecimento de
determinada matéria, quanto ao domínio de uma língua, quanto ao acontecimento de
determinado evento, etc.

Todavia, não é raro que o termo segurança apareça na Constituição Federal


(LGL\1988\3) e dê ensejo às duas interpretações verificadas, tanto com relação ao

     
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aspecto de prevenção criminal, quanto ao de certeza do direito, sendo esta última


definição a que mais se aproxima do conceito de segurança jurídica propriamente dito,
do que se passa a tratar. 8

2.2 Segurança jurídica propriamente dita

A segurança jurídica constitui um dos princípios mais importantes de um Estado de


Direito. Isso porque um Estado submetido a leis, e criado por meio de uma Constituição
Federal (LGL\1988\3), tal como o Estado brasileiro, deveria gerar um mínimo de
confiança por parte dos cidadãos em seu ordenamento jurídico.

Ainda, analise-se o fato de que a República Federativa do Brasil, além de ser um Estado
de Direito, constitui um Estado Democrático. Em outras palavras, um Estado onde o
povo, titular do poder soberano, elege seus representantes.

A título de esclarecimento, Hauriou bem definiu o conceito de democracia, ao afirmar:

"Nous prendrons comme point de départ la définition d'Abraham Lincoln: La Démocratie,


c'est le gouvernement du people, par le peuple et pour le peuple. Cette définition, qui
est la plus courante, revient à dire q'un pays est en Démocratie lorsque les gouvernés
sont em même temps les gouvernants, ou, em tout cas, lorsque le plus grand nombre
possible de gouvernés participent, les plus directement possiblem a l'exercice du
pouvoir." 9

Ademais, para o bom desenvolvimento do tema, é de grande importância analisar a


questão da legitimidade da Constituição, verdadeiro suporte do princípio da segurança
jurídica.

De fato, verifica-se que a legitimidade refere-se à aceitação popular. Assim, as normas


constitucionais serão legítimas quando estiverem conforme o sentido de justiça, de
acordo com os preceitos éticos de comportamento de uma determinada sociedade. 10

É sempre válido ressaltar ainda que, se das normas infraconstitucionais cobra-se a sua
constitucionalidade e dos demais comandos normativos cobra-se a sua legalidade, da
Constituição, pelo patamar e importância que ocupa, é cobrada a sua legitimidade, a sua
aceitação pela sociedade.

Presume-se, então, que nesta forma de Estado seria inadmissível a existência de um


corpo de leis que não somente estivesse em desacordo com a vontade popular, como
ainda não trouxesse segurança jurídica, ou, em outras palavras, a certeza da eficácia e
da aplicabilidade das normas jurídicas. 11

Como bem assevera Sérgio de Andréa Ferreira:

"A frustração da confiança do cidadão na realização do direito é, na essência, um


atentado à liberdade, no seu sentido mais amplo e importante: o de que o homem,
enquanto ser livre, não age no atendimento de uma função; e, quando exercita suas
grandes opções de vida, na orientação dessa, não tem comprometimento finalístico.

     
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"Se, feita uma opção legítima em face do direito posto, interpretado, revelado,
executado, cumprido e aplicado, pudesse, futuramente ser tida como ilícita, ou ser
desfeita, não mais haveria segurança, nem, conseqüentemente, liberdade, mas
dependência, sujeição, risco. O cidadão voltaria a ser súdito." 12

Sem pretender esgotar o tema, não poderia deixar de citar Celso Antônio Bandeira de
Mello, que brilhantemente conceituou a segurança jurídica:

"Essa 'segurança jurídica' coincide com uma das mais profundas aspirações do Homem:
a da segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo
esta uma busca permanente do ser humano. É a insopitável necessidade de poder
assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que
permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar
e iniciar, conseqüentemente - e não aleatoriamente, ao mero sabor do acaso -,
comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo. Dita previsibilidade
é, portanto, o que condiciona a ação humana. Esta é a normalidade das coisas". 13

Conclui-se que a certeza de que há um conjunto de leis que tutelam os interesses dos
cidadãos, a segurança que a existência desse conjunto de leis gera nas pessoas, bem
como a noção de que a conveniência política do momento não seria capaz de derrubar
um ordenamento vigente, a isso devemos chamar de segurança jurídica.

3. Historicidade da segurança jurídica

3.1 Antiguidade e Idade Média

A segurança no direito foi tema ausente de grande parte da história da humanidade. De


fato, durante toda a história antiga, as sociedades quase sempre foram "governadas" de
acordo com as religiões politeístas (caso do Egito, Grécia, Roma e demais nações da
antiguidade). 14

Com efeito, a confiança que se tinha era baseada num poder maior e inexplicável física e
racionalmente, o poder divino. Assim, revela-se mais esclarecedor tratar não da idéia de
segurança, mas da idéia de "insegurança", predominante dos primórdios da civilização
até a época medieval.

Referida insegurança predominava nas relações econômicas, de propriedade e se


baseava em uma sociedade extremamente desigual, com elevada concentração de renda
nas mãos das classes dominantes na época.

Pérez Luño bem caracterizou este período:

"La Antiguedad y el Medievo fueram edades de básica inseguridad. Los hombres de estas
etapas están expuestos a innumerables y constantes riesgos, su vida se halla acechada
por mil lados. Si rebasa los confines de lo conocido le aguardan comarcas terribles: los
mares y parajes tenebrosos. Su vivier cotidiano se configura por la amenaza constante

     
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Del hambre, la peste, las plagas, la camada de lobos, las huestes de invasores y
bandidos, em suma, la incertidumbre devoradora." 15

Outrossim, durante a Idade Média, o domínio exercido pela Igreja influenciou muito as
relações humanas. Com efeito, a cultura teocêntrica pregava a justiça divina, que
acabou por justificar as atitudes mais arbitrárias, como o que ocorreu com o advento da
inquisição, onde milhões de pessoas foram mortas.

3.2 Renascimento

De fato, verifica-se que somente na época do Renascimento a questão da segurança, e


posteriormente, a questão da segurança no direito, vieram à tona, a princípio revelando
uma preocupação por parte dos indivíduos, até se tornar uma necessidade do Estado.

Isso porque com o desenvolvimento da ciência, vários mitos existentes desde a


Antiguidade caíram por terra. Assim, constatou-se que a Terra era redonda, que ela gira
em torno do Sol (contrariando a teoria geocêntrica então vigente na época), entre outras
descobertas.

Destarte, o iluminismo e a idéia do racionalismo - conhecimento baseado na razão e nos


experimentos (empirismo), associado às idéias cartesianas, à liberdade de pensamento
e, posteriormente, à liberdade de crença, levaram os indivíduos a buscarem uma certa
segurança em suas relações.

Segurança essa não obtida por meio de guerras, que eram tão custosas à sociedade
renascentista, mas baseada em certos compromissos, que ocorreram primeiramente
entre o rei e o povo (durante o absolutismo) e, posteriormente, entre as leis e o povo
(no período iniciado a partir das revoluções francesa e norte-americana).

Ademais, o absolutismo não contribuiu muito para o desenvolvimento da idéia de que


era essencial que o Estado possuísse um corpo de leis que trouxessem segurança e
igualdade aos indivíduos, uma vez que seu fundamento, quando não justificado em um
contrato assinado entre o povo e o rei, era baseado na teoria do poder divino do
Monarca.

3.3 Revolução Francesa

Nesse sentido, pode-se afirmar que somente com o estopim da Revolução Francesa
princípios como a igualdade e da legalidade ganharam importância, uma vez que nessa
época o quadro de poder modificou-se e o período revolucionário representou a ascensão
ao poder de uma nova camada social, formada por comerciantes emergentes, que
possuíam dinheiro, mas não tinham influência política nem os privilégios da nobreza - a
burguesia.

Assim, a Revolução Francesa representou a ascensão ao poder da burguesia que

     
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necessitava de segurança para a realização de seus negócios. Necessitavam de


segurança jurídica.

Neste período, por volta de fins do século XVII, surgem doutrinas como a de Kant e
Montesquieu. Pela teoria de separação de poderes de Montesquieu, o juiz deve ser o
"boca da lei", restringindo-se a aplicar o direito assim como consta da letra da lei.

Outrossim, a separação dos poderes presumia a existência de um Poder Legislativo


forte, capaz de vincular os indivíduos às leis (princípio da legalidade), sendo estas leis
capazes de gerar a segurança nos indivíduos - a segurança que o poder absoluto de
outrora não gerava.

Sem pretender esgotar o tema, Montesquieu, na célebre obra O espírito das leis afirma:

"Quanto mais aqueles que se opusessem mais vivamente ao poder executivo, não
podendo confessar os motivos interessados de sua oposição, aumentassem os terrores
do povo, que nunca saberia com certeza se está em perigo ou não. Mas isso mesmo
contribuiria para fazê-lo evitar os verdadeiros perigos aos quais poderia, em seguida,
estar exposto.

Mas, se o corpo legislativo tiver a confiança do povo e for mais esclarecido do que ele,
poderá fazê-lo perder as más impressões que tiver recebido e acalmar seus movimentos.

(...)

Como, para gozar da liberdade, é preciso que cada qual possa dizer o que pensa e, para
conservá-la, é também preciso que cada qual possa dizer o que pensa, um cidadão,
neste Estado, diria e escreveria tudo o que as leis não lhe proibissem expressamente
dizer ou escrever."

Destarte, as leis surgiriam com o intuito de não somente garantir direitos e deveres
como também para tutelar os aspectos essenciais da vida dos indivíduos. Verifica-se
nesse período que o Estado Liberal possuía uma atuação meramente garantidora.

3.4 Revolução Industrial

Contudo, a Revolução Industrial e o desenvolvimento por ela propiciado demonstrou que


os direitos garantidos pelo Estado nas leis e nas declarações, embora demonstrassem
importantes avanços no plano formal, não possuíam grande aplicabilidade. Ou seja,
embora existissem leis que protegiam os indivíduos, as mesmas não eram aplicadas,
deixando grande parte da sociedade sem qualquer espécie de tutela.

Efeitos da Revolução Industrial, a concentração de renda, o desrespeito aos


trabalhadores e a urbanização acelerada e desordenada geraram pressões sociais cada
vez maiores, até surgirem os movimentos socialistas, como o de Marx e Engels.

Novamente era necessária uma mudança, de um Estado meramente garantidor de


direitos a um Estado que de fato protegesse os direitos fundamentais, dando início ao

     
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Estado Social de Direito, de cuja legislação mais marcante foram exemplos a constituição
de Weimar e a Constituição Mexicana.

Desta forma, o Estado passou a se preocupar não somente com os direitos


fundamentais, mas também com outras garantias, em grande parte relacionadas ao
Poder Judiciário, verdadeiro garantidor dos direitos dos cidadãos através da efetividade
da tutela jurisdicional.

3.5 Idade Contemporânea: importância no "século das guerras" e perspectivas


para o futuro

Com efeito, foi na Idade Contemporânea que a questão da segurança no direito veio à
baila com toda a força. Os regimes totalitaristas como o fascismo e o nazismo
mostraram ao mundo que era perfeitamente possível a formação de sociedades
desiguais e racistas com respaldo não só legal, mas constitucional.

Com efeito, os horrores da Segunda Grande Guerra revelaram a necessidade da criação


de leis que garantissem de maneira eficaz aos indivíduos a efetividade dos direitos
fundamentais, dentre os quais se sobrepunham os princípios da dignidade da pessoa
humana, da legalidade e da igualdade, no intuito de que discriminações e perseguições
não tivessem mais lugar.

Ademais, com o advento da globalização, da economia de mercado e, mais


recentemente, com a queda da Ex - URSS e o conseqüente fim da Guerra Fria, as
profundas mudanças nos meios de produção e de comunicação criaram a necessidade da
existência de leis capazes de proteger os indivíduos, para que os mesmos não fossem
prejudicados por mudanças tão profundas em espaço de tempo tão curto.

Para garantir essa proteção, essa segurança frente às mudanças, existem institutos
especificamente protegidos na Carta Magna (LGL\1988\3) de 1988, como é o caso do
art. 5.º, inciso XXXVI, onde "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada", no intuito de que o direito se preserve frente às mudanças
cada vez mais profundas e rápidas da sociedade atual.

Referido comando normativo é apontado pela melhor doutrina como caracterizador do


princípio da segurança jurídica. Reitere-se, nesse momento, a opinião de que outras
garantias além do art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 (LGL\1988\3) também constituem
desdobramentos deste princípio.

Assim, pode-se apontar a supremacia e a rigidez constitucional como decorrentes do


princípio da segurança jurídica, visando a proteção e preservação dos direitos e
garantias contidas na Magna Carta (LGL\1988\3).

Outrossim, as cláusulas pétreas, partes "intocáveis" da Constituição, também garantem


aos indivíduos que, não importa as mudanças ocorridas na sociedade, há certos direitos
e garantias que se presumem eternos, posto que indispensáveis à vida das pessoas.

Nesse sentido, os direitos fundamentais (vida, liberdade, igualdade, entre outros), os

     
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princípios (legalidade, inafastabilidade da jurisdição, devido processo legal etc), bem


como todas as demais garantias (direito de propriedade, de petição, de defesa), não
somente decorrem do princípio da segurança jurídica, mas também conferem efetividade
ao mesmo.

Ainda, todas as espécies de garantias, conforme será analisado mais adiante, possuem o
intuito de proteger os indivíduos das arbitrariedades, seja do Estado, seja dos próprios
indivíduos entre si, revelando que a preocupação com a segurança jurídica tem assento
em todo o ordenamento jurídico.

4. Direitos fundamentais na Constituição de 1988 e princípio da segurança


jurídica

A Constituição de 1988 foi chamada de "Constituição Cidadã" tendo em vista a


preocupação do Poder Constituinte em garantir direitos individuais e sociais, muitos dos
quais ausentes nas Constituições pretéritas.

Assim, dedicou-se na Carta Magna (LGL\1988\3) brasileira um título inteiro (Titulo II)
aos direitos e garantias fundamentais, dos quais dois capítulos - Capítulos I e II -
discorrem exclusivamente acerca dos direitos e deveres individuais e coletivos e dos
direitos sociais, respectivamente, e cujos destinatários são todos os indivíduos.

Isso porque a Constituição Federal de 1988 é pautada por um superprincípio, que baliza
todo o ordenamento e é fundamento do Estado Social e Democrático de Direito,
denominado princípio da dignidade da pessoa humana, consubstanciado em seu art. 1.º,
inciso III.

Com a clareza que lhe é peculiar, afirma Pietro de Jesús Lora Alarcón acerca do tema:

"Sendo assim, o princípio da dignidade da pessoa humana não é apenas fundamento do


Estado Democrático de Direito, mas valor constitucional. Transcende, assim, a dignidade
consignada no artigo 1.º, III, da CF/1988 (LGL\1988\3), o normativismo positivo puro e
simples outorgando um status que para muitos permanece inadvertido, mas que, no
entanto, é determinante para a persistência da forma de Estado, o de membro da
coletividade, o de participar da humanidade, de ser uma partícula viva, arte e parte do
gênero humano." 16

Ainda, verifica-se que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui verdadeira


resposta aos abusos e horrores presenciados por todos através do nazismo e, mais
precisamente no Brasil, durante a ditadura militar, buscando garantir a todos uma vida
digna, pautada por direitos e deveres que asseguram (ou deveriam assegurar) condições
mínimas para o desenvolvimento dos indivíduos.

Vale citar as esclarecedoras palavras de Ney Lobato Rodrigues sobre a dignidade da


pessoa humana:

"O artigo 1.º, III, da CF/1988 (LGL\1988\3) assegurou a dignidade da pessoa humana
como fundamento do Estado Democrático de Direito. É um princípio que engloba todas

     
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as demais normas jurídicas e orienta as demais regras, razão pela qual todas as normas
infraconstitucionais que não se compatibilizem devem ser, conforme o caso, tidas como
não recepcionadas ou inconstitucionais (eis aqui, aliás, a função negativa dos princípios
jurídicos, no sentido de evitar o ingresso na ordem jurídica de normas-regras em
descompasso com os valores fundamentais consagrados pelo grupo social). Além do
mais, agasalha o respeito, a proteção física e emocional, à saúde, o direito à liberdade, à
individualização, à honra, e à igualdade. Assim, cada ser humano é, em virtude de sua
dignidade, merecedor de igual respeito e consideração, ainda que este mesmo ser
humano não se porte de forma honrosa, nobre, em relação com os seus semelhantes." 17

Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que a proibição de retrocesso de um direito, a


confiança do cidadão no ordenamento jurídico e a preservação de direitos ao longo do
tempo também são garantias decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana.

Com efeito, a partir do momento em que o Poder Constituinte Originário elenca todo um
rol de direitos e deveres que protegem não somente o cidadão, mas o ser humano como
um todo, ele está afirmando claramente aos indivíduos que os mesmos devem confiar no
sistema.

Nas palavras de Flavia Piovesan e Daniela Ikawa:

"A idéia de um direito à segurança de direitos se centra na própria idéia de dignidade, na


idéia de que existem certos direitos fundamentais, que, embora construídos
historicamente, fundamentam-se em um valor intrínseco ao ser humano: a dignidade.
Nesse sentido, o direito à segurança de direitos perfaz um direito não ao retrocesso, um
direito à preservação de direitos já reconhecidos institucionalmente, um direito ao
universalismo atemporal de direitos." 18

E a manutenção desse sistema de direitos e deveres protetores dos indivíduos se dá


através da segurança jurídica, constituída por certas garantias, das quais um exemplo é
a garantia da inafastabilidade da jurisdição, presente no art. 5.º, XXXV, da CF/1988
(LGL\1988\3).

Destarte, chega-se à conclusão de que a segurança jurídica, objeto do presente estudo,


é fundamentada pela dignidade da pessoa humana e se constitui como um dispositivo de
proteção aos indivíduos.

Ademais, embora muitos doutrinadores afirmem que a segurança jurídica é direito


fundamental consubstanciado no art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 (LGL\1988\3), em nossa
humilde opinião, a segurança reside no fato de existir todo um rol de proteção aos
direitos individuais e coletivos, buscando-se proteger os indivíduos em todos os aspectos
de sua existência.

5. Segurança jurídica no âmbito do direito público: os princípios da estrita


legalidade e da igualdade

No âmbito do direito público, a estabilidade nas relações jurídicas é obtida, em grande

     
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parte, porque os indivíduos estão protegidos legalmente de eventuais arbitrariedades


praticadas pelos administradores do poder.

Referida proteção reside no fato de que, no âmbito do direito público, além de todos os
princípios e garantias consubstanciados na Constituição Federal (LGL\1988\3), merecem
destaque dois princípios norteadores de todo o sistema: são eles o princípio da estrita
legalidade e o princípio da não-surpresa.

5.1 O princípio da estrita legalidade

Pelo princípio da estrita legalidade, os entes de direito público estão obrigados a


somente agir de acordo com previsão legal.

É dizer que as autoridades públicas só estão autorizadas a fazer o que a lei obrigar,
havendo verdadeiro controle sobre a legalidade dos atos emanados do poder público.

Referida situação é ainda mais patente nos chamados Estados de Direito, como o Estado
brasileiro, uma vez que não só os atos do poder público devem obedecer estritamente
aos ditames legais, mas a própria existência do Estado é conferida por meio de um
conjunto de leis superiores hierarquicamente - a Constituição Federal (LGL\1988\3).

Nesse sentido, preceitua Roque Antônio Carrazza:

"Nos países onde existe o chamado Estado de Direito, a lei - norma geral, abstrata e
igual para todos os que se encontram em situação jurídica equivalente - provém do
Legislativo, cujos membros são eleitos pelo povo. Por exprimir, como vimos, a vontade
geral, possui um primado sobre os atos normativos emanados dos demais Poderes.
Deveras, a administração pública, que a realiza nos casos concretos, apóia-se
exclusivamente na lei. O judiciário, de seu turno, é o garantidor máximo da legalidade.

O Estado de Direito limita os poderes públicos, isto é, concretiza-se numa proibição de


agir em desfavor das pessoas. Por isso, nele, para a melhor defesa dos direitos
individuais, sociais, coletivos e difusos, a Constituição vincula não só o administrador e o
juiz, mas o próprio legislador. De fato, tais direitos são protegidos também diante da lei,
que deve se ajustar aos preceitos constitucionais. A garantia disso está no controle da
constitucionalidade, que, na maioria dos ordenamentos jurídicos, é levado a efeito pelo
Poder Judiciário." 19

Assim, a administração pública deve sempre atender ao princípio da legalidade, não lhe
cabendo realizar nada que esteja fora dos comandos legais. Referida exigência,
conquanto não impeça, por certo dificulta alguns favoritismos que sempre ocorreram,
sobretudo quando o princípio da legalidade não era aplicado.

Sem pretender esgotar o tema, verifica-se claramente a presença do princípio da estrita


legalidade em outros ramos do direito público, como o direito administrativo, o direito
tributário (necessitando-se de lei que crie tributos e preceitue todas as suas
características - art. 150, I, da CF/1988 (LGL\1988\3)) e o direito penal (onde só a lei
pode definir a ocorrência de crime - art. 5.º, XXXIX, da CF/1988 (LGL\1988\3)).

     
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Desta maneira, pode-se afirmar que a lei é fonte de segurança jurídica, ao obrigar os
entes de direito público a agirem de acordo com seus preceitos, evitando
comportamentos arbitrários.

5.2 O princípio da igualdade

Um dos lemas da Revolução Francesa e verdadeiro baluarte de qualquer ordenamento


jurídico democrático, o princípio da igualdade afirma que "todos são iguais perante a lei".
Esse é o art. 5.º, caput, da CF/1988 (LGL\1988\3).

Por esse princípio, deve-se se tratar as pessoas da mesma forma, sem distinção de cor,
raça, sexo, condição financeira etc., evitando-se, desta forma, qualquer favoritismo em
proveito de uma pessoa ou uma classe, como ocorreu em toda a história da
humanidade.

Todavia, há que se levar em consideração que os indivíduos não são iguais, e que
alguns, sobretudo, possuem deficiências que devem ser tuteladas pela lei. Em outras
palavras, afirma-se que o Estado deve possuir leis especiais destinadas às pessoas
especiais.

Por este motivo, para garantir que o princípio da igualdade seja aplicado, remonta-se à
antiga, porém sempre atual, máxima Aristotélica, na qual se deve tratar de forma igual
os iguais e de forma desigual os desiguais, na exata medida de sua desigualdade.

Assim, pode-se citar como exemplos de obediência ao princípio da igualdade contidos na


Constituição Federal (LGL\1988\3) o art. 5.º, XXXIII, da CF/1988 (LGL\1988\3) (que
confere tratamento especial aos menores de dezoito anos na esfera trabalhista) e o
inciso LXXIV (que trata da assistência judiciária gratuita às pessoas pobres).

Outrossim, a criação de legislações específicas é exemplo de igualdade, ao tutelar e,


assim, conferir garantias especiais às pessoas com condições diferenciadas. É o caso do
Estatuto da Criança e do Adolescente (LGL\1990\37), do Estatuto do Idoso, da Lei da
Assistência Judiciária (LGL\1950\1) Gratuita e do Código de Defesa do Consumidor,
entre outros.

De fato, verifica-se que o princípio da igualdade é um dos sustentáculos da segurança


jurídica, na medida em que a garantia de igualdade faz com que a lei seja aplicada a
todos, bem como garante a tutela dos indivíduos em condições especiais.

E, a partir do momento em que a igualdade "democratiza" a tutela jurídica dos


indivíduos, buscando alcançar a todos, ela possui também o intuito gerar certeza e
confiança do ordenamento jurídico pelo maior número de pessoas possível.

Em suma, pode-se afirmar que a garantia da igualdade é um dos pilares em que a


segurança jurídica se apóia e se fortalece.

Ademais, muitas outras garantias, das quais são exemplos a irretroatividade da lei
penal, os princípios da razoabilidade e da eficiência na esfera administrativa e o princípio

     
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da anterioridade no direito tributário conferem maior segurança jurídica ao sistema.

Por derradeiro, e conforme já explicitado no item dois, in fine, e três do presente


trabalho, também as garantias individuais e coletivas protegem os cidadãos, não
somente no âmbito do direito público, mas também nas relações de direito privado, do
que se passa a tratar.

6. Segurança jurídica no âmbito do direito privado e a análise do art. 2.035, do


CC/2002

Também no âmbito do direito privado, é questão ensejadora de muita discussão a


análise da segurança jurídica frente aos contratos firmados em períodos de mudanças na
legislação, sobretudo após a celeuma provocada pelo art. 2.035, do CC/2002
(LGL\2002\400).

Com efeito, sabe-se que o direito privado é pautado pelo princípio da autonomia da
vontade, que garante ao indivíduo a faculdade de agir conforme a sua vontade, em
relação a todos os atos que a lei não proibir.

Destarte, ao firmarem um contrato, as partes contratantes baseiam-se na legislação da


época da assinatura do contrato, para fixar seus interesses.

Questão interessante é saber o que acontecerá a este contrato no caso do surgimento de


uma lei que discipline a relação jurídica presente no aludido instrumento particular. Em
outras palavras, indaga-se se poderia uma lei modificar os efeitos de um contrato
celebrado no âmbito do direito privado.

De fato, não pode a lei nova modificar ou até mesmo extinguir um contrato, sob o
argumento de que o mesmo teria se tornado "ilegal". Referida hipótese revela-se
absurda do ponto de vista jurídico, uma vez que um contrato firmado sem vícios é ato
jurídico perfeito e os direitos e deveres nele contidos são direitos adquiridos.

Luiz Roberto Barroso, com o brilhantismo habitual, assevera:

"A teoria do ato jurídico perfeito e do direito adquirido teve especial desenvolvimento no
campo dos contratos, tendo em conta a importância da autonomia da vontade nesse
particular. Ao manifestarem o desejo de se vincular em um ajuste, as partes avaliam as
conseqüências dessa decisão, considerando as normas em vigor naquele momento. É
incompatível com a idéia de segurança jurídica admitir que a modificação posterior da
norma pudesse surpreender as partes para alterar aquilo que tinham antevisto no
momento da celebração do contrato.

(...)

"Em suma: as relações contratuais regem-se, durante toda a sua existência, pela lei
vigente quando de sua constituição. Isto é: a lei nova não pode afetar um contrato já
firmado, nem no que diz respeito à sua constituição válida, nem à sua eficácia. Os
efeitos provenientes do contrato, independentemente de se produzirem antes ou depois

     
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da entrada em vigor do direito novo, são também objeto de salvaguarda, na medida em


que não podem ser dissociados de sua causa jurídica, o próprio contrato." 20

Assim, não importa se surgiu um comando normativo que tornou a relação contratual
eivada de quaisquer vícios. Pelo contrário: a relação contratual continua sendo
perfeitamente válida, uma vez que, na época da assinatura do contrato, a relação estava
em absoluta conformidade com o ordenamento jurídico, sendo tal situação preservada
mesmo com a incidência de lei contrária.

Contudo, com a aprovação e publicação da Lei 10.406 de 10.01.2002, que instituiu o


novo Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro, veio à tona a questão da eficácia e validade
nos contratos assinados antes do novo Código Civil (LGL\2002\400).

Eis o art. 2.035:

"Art. 2.035 - A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da
entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no
artigo 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos
preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada
forma de execução.

Parágrafo único: Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem


pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos."

Através de uma breve leitura do comando normativo descrito, é possível, em um


primeiro momento, chegar à conclusão de que o princípio da segurança jurídica foi
respeitado.

Contudo, se no início do artigo em comento o legislador afirma que os negócios jurídicos


realizados antes da entrada em vigor do novo Código Civil (LGL\2002\400) são válidos,
na segunda parte do caput o mesmo condiciona os efeitos desse negócio aos preceitos
do novo Código, o que se revela flagrantemente inconstitucional.

Isso porque de nada adiantaria um negócio jurídico que, embora constituído na vigência
de uma determinada legislação, restasse subordinado em seus efeitos à legislação
futura.

Pelo princípio da segurança jurídica, e aplicando-se o art. 5.º, XXXVI, da CF/1988


(LGL\1988\3), há que se preservar o ato jurídico perfeito. Em outras palavras, não
somente a validade do negócio jurídico deveria ser preservada, como também os seus
efeitos encontram-se tutelados pela lei da época da assinatura do contrato.

Outra inconstitucionalidade patente pode ser verificada no parágrafo único do art. 2.035,
do CC/2002 (LGL\2002\400), onde se pode entender que a norma de ordem pública
seria capaz de modificar os efeitos de um negócio jurídico realizado antes dela.

Ora, nenhuma norma infraconstitucional, pela posição que possui no ordenamento


jurídico, tem o condão de afastar qualquer garantia constitucional. Verdade é que,
nenhuma norma, seja ela de ordem pública ou privada, poderia alterar os efeitos de
negócio jurídico pretérito.

     
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A corroborar este entendimento, o Supremo Tribunal Federal versou da seguinte


maneira acerca do assunto:

"O princípio constitucional do respeito a ato jurídico perfeito se aplica também, conforme
é o entendimento desta Corte, às leis de ordem pública. Correto, portanto, o acórdão
recorrido ao julgar que, no caso, ocorreu afronta ao ato jurídico perfeito, porquanto, com
relação á caderneta de poupança, há contrato de adesão entre o poupador e o
estabelecimento, não podendo, portanto, ser aplicada a ele, durante o período para a
aquisição da correção monetária mensal já iniciado, legislação que altere, para menor, o
índice dessa correção". (STF, AgIn 181.317-2, 1.ª T., rel. Min. Moreira Alves). 21

Conclui-se que os negócios jurídicos, como atos jurídicos perfeitos que são, devem ser
respeitados, não importando de que ordem seja a legislação posterior, sob pena de
desrespeito à garantia constitucional consubstanciada no art. 5.º, XXXVI, da
Constituição.

7. Segurança jurídica: análise de casos concretos

Questão controvertida é a do princípio da segurança jurídica em situações de transição


ou de emergência. Poderia o legislador ou, em última instância, o Magistrado sopesar a
segurança jurídica em face de uma situação de emergência?

Com efeito, há ocasiões em que o legislador ou o aplicador do direito devem verificar a


importância que a segurança jurídica possui frente a uma situação em que a sua
preservação pode acarretar a permanência ou piora de uma situação que atinge
inúmeros outros indivíduos.

Foi o caso da EC 41, de 19.12.2003, que, em seu art. 4.º, instituiu a contribuição para o
custeio do regime de previdência para os servidores inativos e os pensionistas da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Eis o art. 4.º, da EC 41:

"Os servidores inativos e os pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo de benefícios na data de
publicação desta Emenda, bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3.º,
contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40, da CF/1988 (LGL\1988\3)
com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos."

Referida Emenda atingiu indivíduos que já haviam se aposentado, sem o desconto a


título da aludida contribuição. Assim, milhares de aposentados tiveram suas
aposentadorias reduzidas, não se respeitando, supostamente, o direito adquirido, qual
seja, o direito à aposentadoria plena, imune à referida contribuição.

Por este motivo, os servidores ajuizaram a ADIn 3.218-DF, alegando ofensa ao direito
adquirido no ato da aposentaria.

Veja-se trecho da decisão do Supremo Tribunal Federal:

"(...) 2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público.

     
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Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de


contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos
e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de
natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não
retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência
aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos
objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no
custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em relação
ao art. 4.º, caput, da EC 41/2003". (ADIn 3.128-DF, rel. Min. Ellen Gracie, j.
18.08.2004, DJ 18.02.2005)". (Grifos nossos)

Conforme se pode observar, o STF entendeu pela não ocorrência de direito adquirido,
com o fundamento de que não havia norma expressa de imunidade tributária absoluta
aos contribuintes inativos, e preservou os princípios da solidariedade e do equilíbrio
financeiro e atuarial, tendo em vista a situação de extraordinário déficit sofrido pelo
Estado brasileiro, que todo ano acarreta prejuízo da ordem de bilhões de reais.

Em outro caso, o STF julgou inconstitucional as leis Municipais que não respeitavam a
exigência contida no art. 29, IV, da CF/1988 (LGL\1988\3), de que o número de
Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos
e máximos fixados pelas alíneas a, b e c.

De fato, ocorre a situação em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores
proporcionalmente do que outros com um número de habitantes várias vezes maior, não
somente desrespeitando a Constituição como, com isso, gerando grande prejuízo ao
erário público todos os anos.

Todavia, não obstante o reconhecimento da inconstitucionalidade das leis municipais


pelo Supremo Tribunal Federal, a Corte Máxima corretamente não aplicou efeitos ex
tunc, ou retroativos, à decisão, uma vez que aplicar esse efeito, além de ferir o interesse
público, ameaçaria todo o sistema legislativo vigente nos Municípios.

Veja-se trecho da Ementa:

"(...) 7. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a


declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria em grave ameaça a
todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em
caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade.
Recurso extraordinário não conhecido. (RE 266.994- SP, rel. Min. Maurício Corrêa, j.
31.03.2004, DJ 21.05.2004)."

Verifica-se que, em respeito à segurança jurídica, ou melhor, para manter a estabilidade


jurídica do momento, o Supremo preferiu manter uma situação que ele mesmo
considerou inconstitucional, para só modificá-la futuramente, nas próximas eleições. 22

À guisa de ilustração, situação hipotética e curiosa do ponto de vista jurídico ocorreria se


o Supremo Tribunal Federal declarasse que o Prefeito de determinado Município, a um
ano e meio do término de seu mandato, teve sua candidatura eivada por algum vício de
inconstitucionalidade. Indaga-se se o Pretório Excelso aplicaria efeitos retroativos,
desconstituindo todo o Poder Executivo de determinado Município. 23

     
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA

Conclui-se que a questão da segurança jurídica deve ser analisada de forma específica,
dependendo do caso concreto, uma vez que há determinadas situações em que, embora
seja absoluta exceção, a mesma pode ser sopesada, tendo em vista algum valor maior
envolvido, no sentido já julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

8. Conclusões acerca do tema

Uma análise de toda a matéria exposta no presente trabalho permite concluir que a
segurança no direito é necessidade intrínseca à vida dos indivíduos, que necessitam de
estabilidade em suas relações, para que possam se desenvolver.

De fato, a análise histórica do tema realizada no item III revelou que nunca a segurança
foi tão importante - e tão discutida - como nos dias atuais, uma vez que as guerras,
aliadas às mudanças cada vez mais rápidas e mais profundas ocorridas sobretudo nos
últimos cinqüenta anos acarretaram na necessidade de se garantir aos indivíduos a
mantença de certos direitos em períodos de transição.

Outrossim, verifica-se a presença da segurança jurídica não somente na garantia ao


direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, mas também em todo o rol
de direitos e garantias fundamentais e demais cláusulas pétreas da Constituição Federal
(LGL\1988\3).

Conforme ressaltado, a partir do momento em que o Poder Constituinte elenca todo um


rol de direitos e deveres que protegem não somente o cidadão, mas o ser humano como
um todo, ele está afirmando claramente aos indivíduos que os mesmos devem confiar no
sistema.

E a manutenção desse sistema de direitos e deveres protetores dos indivíduos se dá


senão através da observância ao princípio da segurança jurídica.

Ademais, consiste a segurança jurídica em princípio norteador de todo o Estado de


Direito, principalmente se ele possui cunho social e democrático, uma vez que o Estado
assume o papel de garantidor dos direitos e garantias fundamentais.

Assim, deve-se não somente proteger os indivíduos de eventuais arbitrariedades


praticadas pelo Estado, como também resguardar seus direitos nas relações privadas,
sendo excepcionalíssimos os casos em que a segurança jurídica é sopesada, para a
garantia de algum valor maior envolvido.

9. Referências bibliográficas

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Federal (LGL\1988\3) em busca da efetividade. Bauru: Edite, 2003.
   
1 Afirma Pérez Luño: "(...) En la segunda, que representa su face subjetiva, se presenta
como certeza del Derecho, es decir, como proyección en las situaciones personales de la
seguridad objetiva. Para ello, se requiere la possibilidad del conocimiento del Derecho
por sus destinatários. Gracias a esa información, realizada por los adecuados medios de
publicidad, el sujeto de um ordenamento jurídico debe poder saber com claridad y de
antemano aquello que le está mandado, permitido o prohibido. Em función de esse
conocimiento los destinatários del Derecho pueden organizar su conducta presente y
programar expectativas para su actuación jurídica futura bajo pautas razonables de
previsibilidad". La seguridad jurídica, p. 22. Tradução: (...) na segunda, que representa
sua face subjetiva, se apresenta como certeza do Direito, é dizer, como projeção nas
situações pessoais da segurança objetiva. Para ele, se requer a possibilidade do
conhecimento do Direito por seus destinatários. Graças a essa informação, realizada
pelos adequados meios de publicidade, o sujeito de um ordenamento jurídico deve poder
saber com claridade e de antemão aquele que o está mandado, permitido ou proibido.
Em função desse conhecimento os destinatários do Direito podem organizar sua conduta
presente e programar expectativas para sua atuação jurídica futura baixo pautas
razoáveis de previsibilidade".
 
2 Tradução: Um sistema de direito deve conciliar, na elaboração de suas regras,
interesses variados e imperativos diversos: para ser bem aceito e eficaz, a lei deve
apresentar, entre outros, uma certa segurança, notadamente por sua acessibilidade e
sua coerência e não surpreender excessivamente os sujeitos de direitos em suas
práticas, previsões e seus anseios.
 
3 No preâmbulo da Lei Fundamental, o Poder Constituinte considerou a segurança como
um valor supremo da sociedade, ao lado de outros direitos, tais como a liberdade, o bem
estar e o desenvolvimento, entre outros.
 
4 Vide item 5 do presente trabalho.
 
5 Revista da Associação dos Pós-Graduandos da PUC-SP, p. 130.
 
6 Novo dicionário da língua portuguesa.
 
7 Revista do Advogado, n. 73, estudos de direito constitucional em homenagem a Celso
Ribeiro Bastos, p. 113.
 

     
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8 O termo segurança pode ser verificado já no preâmbulo da Constituição Federal de


1988, como um dos objetivos da Assembléia Nacional Constituinte. Outrossim, verifica-
se a presença do instituto no artigo 5.º caput, consistindo o mesmo em direito
fundamental, garantia dos indivíduos.
 
9 Droit constitucionel et institutions politiques, p. 289. Tradução: Nós tomamos como
ponto de partida a definição de Abraham Lincoln: a Democracia é o governo do povo,
para o povo e pelo povo. Essa definição, que é a mais corrente resulta dizer que um país
está em Democracia quando os governados são ao mesmo tempo os governantes ou,
em todo caso, quando o maior número possível de governados participem, o mais
diretamente possível, no exercício do poder.
 
10 José Afonso da Silva sabiamente afirmou sobre a legitimidade que "(...) Nos Estados
Democráticos, o Poder Constituinte pertence ao povo. Aliás, sempre pertence ao povo;
e, se uma Constituição vem de outra fonte, é que ocorreu usurpação. Só o povo é
legítimo para determinar, por si ou por seus representantes, o estabelecimento de uma
Constituição, ou para reformá-la, nos limites por ela mesma estatuídos". Aplicabilidade
das normas constitucionais, p. 58.
 
11 Pontes de Miranda, em obra denominada Tratado de direito privado, p. 139, assim
definiu a segurança jurídica: "(...) é a segurança que tem as pessoas quanto à aquisição,
modificação, eficácia e extinção dos direitos, principalmente no trato com as outras
pessoas. Segurança do direito consiste em que não se ponham em dúvida a sua
existência e o seu conteúdo; segurança de tráfico é a de que a modificação do estado
presente das posições jurídicas de alguma pessoa não seja atingida por circunstâncias
que ela ignora".
 
12 O princípio da segurança jurídica em face das reformas constitucionais, p. 191.
 
13 Curso de direito administrativo, p. 94.
 
14 Não se quer aqui negar o surgimento e desenvolvimento do direito positivo na
antiguidade. É bem verdade que a origem de institutos consagrados atualmente em
nosso sistema, como o direito civil e o conceito de democracia, surgiram no período
clássico. Contudo, ao tratar da segurança jurídica, há que se levar em consideração os
aspectos extralegais dos tempos antigo, e a influência da religião no desenvolvimento da
sociedade humana.
 
15 La seguridad jurídica, p. 13. Tradução: a Antiguidade e a Idade Média foram idades
de básica insegurança. Os homens destas etapas estão expostos a inúmeros e
constantes riscos, sua vida se encontrava rodeada por mil lados. Se ultrapassa os
confins do desconhecido os aguardam comarcas terríveis: os mares e lugares
tenebrosos. Seu viver cotidiano se configura pela ameaça constante da fome, peste,
pragas, a ninhada de lobos, as tropas de invasores e bandidos, em suma, a incerteza
devoradora.
 
16 A dignidade da pessoa humana e o direito à educação na Constituição Federal de

     
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ASPECTOS BÁSICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA

1988, p. 454.
 
17 Vida, morte e dignidade do ser humano, pp. 417-418.
 
18 Segurança jurídica e direitos humanos: o direito à segurança de direitos, p. 48.
 
19 Curso de direito constitucional tributário, pp. 224-225.
 
20 Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa
julgada, p. 157.
 
21 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, p.
302.
 
22 Nesse mesmo sentido, o caso em que a Infraero havia contratado servidores sem
concurso público, de acordo com o seu regimento interno que, na época, que não previa
tal exigência, e contrariando assim o disposto no art. 37, II, da CF/1988 (LGL\1988\3),
que obriga a realização do referido concurso. Tendo em vista o longo período de tempo
transcorrido, e com base no princípio da confiança, o STF houve por bem manter as
contratações. Veja-se ementa: "Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de
Contas da União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estrutura
Aeroportuária - Infraero. Emprego Público. Regularização de admissões. 3. Contratações
realizadas em conformidade com a legislação vigente à época. Admissões realizadas por
processo seletivo sem concurso público, validadas por decisão administrativa e acórdão
anterior do TCU. 4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no
mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança
jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das
situações criadas administrativamente. 6. Princípio da confiança como elemento do
princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua
aplicação nas relações jurídicas de direito público. 7. Concurso de circunstâncias
específicas e excepcionais que revelam: a boa fé dos impetrantes; a realização de
processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero, vigente à época
da realização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época das
contratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso
público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista. 8.
Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada
nulidade das contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança deferido". (MS
22.357-DF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 27.05.2004, DJ 05.11.2004).
 
23 O STF já cassou o mandato de Prefeito e absolveu o Vice-Prefeito de um Município.
Por captação ilegal de sufrágio, sendo a cassação do mandato ocorrida em seu segundo
ano. Ver AC 112-RN, rel. Min. César Peluso, j. 01.12.2004, DJ 04.02.2005.

     
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