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Apoio

O CRESCIMENTO DOS
CUIDADOS
PALIATIVOS Cada vez mais,
profissionais dão
assistência aos
pacientes que
estão no final
da vida

R
eceber o diagnóstico de uma enfermidade como a doentes com enfermidades graves dan-
câncer ou qualquer outra doença grave é um cho- do conforto e proporcionando maior qua-
que para o paciente e sua família. Em geral, não lidade de vida a ele e a seus familiares
se está preparado para encarar a morte, por mais enquanto estão internados ou até mesmo em
que ela seja a única certeza que o ser humano tenha na casa. O trabalho é executado por uma equipe
vida. Aparecem logo uma cascata de sentimentos confu- multidisciplinar formada por médicos, psicó-
sos como o próprio medo da morte, o desconhecimento logos, assistentes sociais, nutricionistas, fisiote-
da doença e o que será dali para frente. Em muitos ca- rapeutas e enfermeiras. Eles entram em cena as-
sos, o paciente recorre aos tratamentos tradicionais, às sim que o doente recebe o seu diagnóstico e o
internações, até que não reste mais nada a fazer. Para a acompanham até o momento de sua morte. Muitas
sorte dos brasileiros, muitos profissionais da saúde, en- vezes, dão assistência à família mesmo após o luto.
tre eles os psicólogos, estão direcionando as suas carrei- Com a enorme divulgação do serviço na Europa,
ras e se especializando no cuidado em assistir ao doente Estados Unidos e Canadá, a Organização Mundial da
nesses momentos finais para que o sofrimento seja ate- Saúde elaborou em 1990 um documento que define Cui-
nuado. São os especialistas no setor de cuidados paliati- dados Paliativos. Entre as orientações está a de que o
vos, preocupados com o bem-estar do paciente diante de serviço deve ser oferecido a todos os pacientes e seus
uma situação irreversível. O serviço consiste em atender familiares diante de uma doença ativa e progressiva, que

18 CIÊNCIA e PROFISSÃO – DIÁLOGOS – nº 4 – Dezembro 2006


ameace a continuidade da vida ou a enfermagem sobre como lidar com A atuação dos psicólogos, de uma
toda morte não súbita ou por aciden- determinado problema dentro de cada maneira geral, se dá de maneira in-
te. Têm direito ao atendimento ido- caso. Também é dado respaldo psi- dividual ou em grupo, dependendo
sos, portadores de doenças crônicas, cológico aos profissionais que traba- da necessidade de cada paciente. No
com falências funcionais ou vítimas lham com os pacientes em fase ter- Hospital Albert Einstein, por exem-
de doenças incuráveis. Aqui no Bra- minal. Outro projeto, o “Cuidando do plo, os atendimentos acontecem dia-
sil, o setor de Cuidados Paliativos tem Cuidador”, oferece aos familiares cur- riamente ou também uma ou duas
a sua força. Em 1997, a psicóloga sos de artesanato, além de exibir fil- vezes por semana. Em alguns casos,
Ana Geórgia Cavalcanti de Melo fun- mes com temáticas ligadas ao assun- a própria doença já é vista como um
dou a Associação Brasileira de Cui- to e que depois serão discutidas. E o estigma, como no caso da Aids. Ter
dados Paliativos com o objetivo de último, o “Cuidando do Luto”, é des- de lidar com esse diagnóstico e mais
agregar as pequenas organizações e tinado às famílias que perderam al- a possibilidade da morte é uma situa-
serviços que existiam espalhados pelo gum ente querido. Após o falecimen- ção que exige a constante presença
País. Ela começou o seu trabalho no to, a equipe envia uma carta de con- de um psicólogo. No Hospital Emí-
setor de CP no Hospital Pérola Byton, dolências, faz uma visita de luto para lio Ribas, centro de referência em
em São Paulo. Prova de avaliar a situação dos doenças infecto-contagiosas do País,
que a tendência do setor familiares e realiza en- os profissionais procuram identifi-
é crescer, existe também contros semanais duran- car e trabalhar com questões como
a Academia Nacional de te os quais se realizam estresse, depressão e outros proble-
Cuidados Paliativos, sessões de terapia, sem- mas que pioram a situação. Além de
presidido pela médica pre orientados por um ajudar o paciente e os familiares na
Maria Goretti Sales Ma- psicólogo, para quem compreensão da doença. “A família
ciel, coordenadora de estiver interessado. sente-se mais segura. Se a comuni-
Cuidados Paliativos do O psicólogo também cação for feita de maneira errada na
Hospital do Servidor Pú- é responsável por detec- hora errada, aumenta muito o sofri-
blico do Estado de São tar o grau de conheci- mento do doente e de seus paren-
Paulo. Ela batalha no mento do diagnóstico tes”, assegura Andréa Souza. Seja
Ministério da Saúde pelo Ana Geórgia é uma das que o paciente possui. em hospital público, seja privado, a
reconhecimento do se- pioneiras na área Ele auxilia o doente a constatação desses profissionais é a
tor. Esse movimento processar a informação. de que com os Cuidados Paliativos
também está ancorado em uma cons- Isso, garantem os especialistas, ajuda os pacientes sentem-se mais segu-
tatação óbvia. “A população está en- o doente a ter paz, tranqüilidade, a ros para enfrentar as dificuldades da
velhecendo, vivendo mais e os cui- tomar decisões importantes e a deixar doença e a própria morte. Conse-
dados paliativos estão sendo mais di- as coisas arrumadas na família. “Tudo guem se preparar para deixar a fa-
vulgados”, acredita Andréa Cristina isso é para que ele possa decidir como mília, ficam mais calmos, tranqüi-
da Silveira Souza, psicóloga da equi- vai viver o tempo que lhe resta, se vai los, passam serenidade aos familia-
pe de Cuidados Paliativos do Institu- fazer testamento, por exemplo. Certa res e aprendem a tratar a morte como
to de Infectologia Emílio Ribas. vez, depois de entender a gravidade uma coisa natural da vida.
“Com a tecnologia, nos voltamos da sua situação, uma paciente man- Os Cuidados Paliativos vieram
para novos tratamentos e nos esque- dou vir os filhos do Norte para fica- para ficar, mas ainda há muito espa-
cemos de como oferecer qualidade de rem a seu lado até a hora da sua mor- ço a ser conquistado. Principalmente
vida aos enfermos”, diz Ana Geórgia. te”, diz Ana Geórgia. É o psicólogo no que diz respeito à formação aca-
O papel do psicólogo dêmica. Este tipo de
na equipe de Cuidados atendimento não é con-
Paliativos é de funda-
mental importância. Seja
A atuação do psicólogo siderado especialidade
e não há cursos de es-
em qualquer instituição,
hospital público ou pri-
se estende aos familiares e pecialização. Por outro
lado, não há exigênci-
vado, é ele quem vai es-
tar ao lado do paciente
outros profissionais de saúde as para trabalhar na
área. Alguns profissio-
desde o primeiro mo- nais, no entanto, reco-
mento, o do recebimento do diagnós- quem detecta a dificuldade do doente mendam cursos fora do País ou cur-
tico. O profissional dá respaldo às em aceitar e enfrentar a doença, pos- sos de especialização em Luto ou
dores emocional e psíquica do doen- turas que influenciam bastante a res- Dor. “É importante ter formação para
te e oferece amparo à família, que posta ao atendimento. Ele também faz entender a filosofia e a dinâmica de
passa a assumir papéis que o pacien- a aproximação da comunicação entre um trabalho multiprofissional”, afir-
te não pode mais. “O doente vive um paciente e família. Segundo a psicó- ma Andréa Souza, que fez cursos na
constante momento de perda: da saú- loga Cristiane Agra Ferraz, coordena- Argentina. Mas para outros profissi-
de, da vida, de suas tarefas, da sua dora do setor de Cuidados Paliativos onais o que conta mesmo é a voca-
família. Mas ele ainda tem vida, pre- do Hospital Albert Einstein, em São ção. “Não adianta nada ter vários di-
cisa de um cuidado digno, afetivo”, Paulo, é comum pacientes e familia- plomas se o profissional não souber
afirma Débora Genezini Costa, psi- res explorarem suas fantasias acerca lidar humanamente com o paciente”,
cóloga voluntária do Programa de da morte, reavaliarem suas vidas, en- acredita Ana Geórgia. Para trazer o
Cuidados Paliativos do Hospital do contrarem pendências, expressarem assunto à tona e torná-lo mais popu-
Servidor Público do Estado de São desejo de remediarem ações do pas- lar, no dia 8 de outubro ficou instituí-
Paulo e coordenadora de outros três sado. “O suporte psicológico pode ofe- da a comemoração do Dia Mundial
projetos dentro do setor. O “Cuidan- recer recursos para o doente e seus de Cuidados Paliativos. Quem sabe
do de Quem Cuida” oferece infor- familiares se organizem melhor para no próximo ano o Brasil possa co-
mações e orientações para equipes de enfrentar a situação”, explica. memorar com mais fervor. D

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