TMS Casos particulares do Ideológicos na Arquitetura
1. O mito “Forma e Função”
A partir da segunda metade do século XIX a arquitetura tinha uma
nova palavra de ordem: funcionalismo. Que acabou se tornando uma panacéia e uma etiqueta. em nome da qual se procura desculpar verdadeiros crimes contra a arquitetura - 'se não fossem, antes, contra o homem. A fórmula mágica Forma, Estrutura e Função, tal como é proposta por Nervi, surgia para resolver os problemas da arquitetura, definindo-a e atribuindo-lhe um domínio específico para, ao final, justificá-Ia.
A teoria da art impliqué (arte implícita) estava sendo formulada: cada
tipo de material traz em si (ou exige) uma nova forma que está implícita nele (entenda-se: e que não foi usada antes). O ferro, e depois o concreto, tornaram-se elementos da vida comum da arquitetura: que fazer com eles, continuar a revesti-los com as formas do Clássico, do Gótico, continuar a propor sopas de restos arquitetónicos, delírios artístico-sociais a que se batizava pomposamente de Ecletismo, como a Opéra de Garnier em Paris? Continuar a propor "neos"? Mas neo-o-quê, a essa altura? Já havia um neoclássico, e um neogótico: propor o que agora, o neobizantino, o neofaraõnico, ou neo-neo-gótico (como é, de certa forma, o art noveau)? Evidentemente, há um limite para tudo, mesmo para a desrazão e o péssimo gosto. Propõe-se então que cada novo material deve ter uma nova forma, ditada pela função que exerce, não mais sendo, portanto, gratuita. Mas quando se insiste muito sobre a necessidade de união entre dois elementos e na apresentação de soluções onde essa ligação é conseguida, é porque talvez esses elementos sejam irreconciliáveis, e a ligação, neste ou naquele caso, inexistente.
As primeiras formas "funcionais" na verdade não o são, mas foram
tomadas como tal na época e até hoje continuam a sê-lo. São enormes mentiras funcionais. O que interessa então indagar é: o que está por trás do conceito de funcionalismo? Que significa função e o que significa forma? Qual a ideologia que está por trás desses conceitos? Qual a possibilidade efetiva de unir um e outro desses elementos?
Um excelente princípio de resposta é fornecido por Baudrillard.
Forma e função seriam dois valores antitéticos e irreconciliáveis porque reflexos e portadores de duas ideologias em conflito absoluto: a aristocrata e a burguesa. Para a determinação do campo desses conceitos remonta- se à Grécia: sua aristocracia faz do não- -trabalho pessoal uma norma absoluta de vida.
2. Teoria da produção do espaço: uma formulação
Produzir um espaço, particularmente na arquitetura "pública" e em urbanística, não é apenas determinar formas, dispor elementos numa representação desse espaço para a seguir executá-Ia numa prática efetiva. Esse é um dos aspectos da produção do espaço, que está longe de defini- Ia inteiramente, e para conhecer a extensão desse conceito é necessário indagar de início - coisa que não se costuma fazer na prática da arquitetura - o que vem a ser efetivamente um sistema de produção.
A Produção propriamente dita significa apropriar-se dos produtos da
natureza e dar-Ihes uma forma adequada às necessidades humanas. E a produção arquitetura I, é a apropriação do espaço e sua. enformação adequado às necessidades do homem; os formuladores desses conceitos, em particular Marx, obviamente não tinham em mente a arquitetura quando os propuseram e, no entanto, nada melhor para uma definição inteiramente aceitável da prática arquitetura!
A segunda fase do sistema é a distribuição, onde se determina a
proporção em que os indivíduos participam dos resultados dessa produção inicial, de acordo com as leis sociais, sejam quais forem. A troca, terceira fase, configura uma distribuição ulterior aquilo que já foi distribuído de acordo com as necessidades; é a troca que traz aos indivíduos os produtos particulares de que carecem. E a quarta e última consumo: os produtos tornam-se objetos de uso e fruição, de apropriação individual; nesta fase, os produtos saem fora do movimento social (donde a afirmação de que a sociedade de consumo, aquela em que o único valor é justamente esse, é eminentemente anti-social).
3. Semantização e dessmantização do espaço
De início, um espaço é semantizado, recebe referências através e a partir do corpo humano. O inquestionavelmente, a partir do corpo que se vive um espaço, que se produz um espaço - isto é, que um espaço recebe uma carga semântica qualquer. Esta é a operação mínima, necessária e indispensável para a investidura de um léxico sobre um tecido espacial. A primeira atribuição semântica a um espaço se faz assim a partir de uma prática do espaço. Mas em consequência do que já foi dito sobre os modos de significação do espaço é necessário bipartir o conceito de prática do espaço em dois ramos bem precisos e delimitados que, no entanto, frequentemente (senão sempre) se apresentam indissoluvelmente ligados na quotidianeidade: uma prática física do espaço e uma prática imaginária. Todo texto sobre o espaço ou sobre arquitetura se detém na análise (quando chegam a fazê-Ia) dessa prática física, muito embora quase nunca igualmente se preocupem com determinar essa prática a partir da unidade mínima imprescindível que é o corpo humano.
São os dois modos iniciais de semantização do espaço, e por certo
dependem de uma ideologia e/ou produzem uma ideologia: sua significação dependerá das relações sociais nele examinadas 12 (das quais se pode secreta r uma ideologia), de um lado e, do outro, da produção do indivíduo elaborada por ele isoladamente e a partir de sua relação com os demais. Obviamente essa semantização - e suas relações com essa ideologia - só pode ser isolada através da análise específica de cada momento histórico. A partir desta primeira semantização do espaço pode ele experimentar mudanças ou acréscimos semânticos - e às vezes se colocam camadas sobre camadas de significados sobre a carga inicial. Se as simples modificações semânticas são fáceis de detectar e analisar quando se opera a partir da prática física do espaço (quando por exemplo se transforma um centenário moinho industrial em centro coletivo de lazer), as transformações ao nível da prática do imaginário e as sobressignificações atribuídas e a um espaço (a proposição de espaços sobressignificantes) são de detecção e compreensão (portanto revelação) mais trabalhosa, particularmente para o usuário-tipo do espaço.