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Orí: a cabeça como

Márcio de Jagun
divindade
(módulo II)
Compreensão do culto a Orí na perspectiva
Yorùbá: propósitos, modos e peculiaridades

 conceito: a cabeça
 òrìṣà pessoal: o “eu”
enquanto divindade que
deificado;
conduz o próprio destino;
 òrìṣà X santo: visão
* livre arbítrio;
decolonial;
• religião libertária;

• indivíduo autônomo;

• Deus referencial e não


tutorial;
Como se processa o culto a Orí:

 Por que cultuar uma parte de si?


• Reconhecimento da autonomia;
• Primarização de decisões;
• Equilíbrio interior para a lida com o exterior;
• Equilíbrio interior para a saúde física e mental;
• Lembrar das escolhas do destino;
 O ato da prescrição:
• Ato voluntário X ato colonizatório;
 A pessoa que prescreve?
Como se • Sacerdote(isa) habilitado(a);
processa o
• Quem oficia;
culto a Orí:
• Quem pode ser oficiado;
• A escolha e a responsabilidade.
Os preparativos (a mobilização da
vontade):
 O enxoval (aṣọ):
• organização, dedicação, propósito;
• a cor do rito
 O kasípálàrá (sacudimentos):
* limpeza física e energética;
 O local do recolhimento (hunkọ):
* a relação espaço-tempo
Os elementos de culto:

 Símbolo X significado;
 Símbolo (conceito): Jung: “Assim como uma
planta produz flores, assim
1.aquilo que, por
a psique cria símbolos.”
convenção ou por
princípio de analogia Lacan: “O sintoma é a
formal ou de outra inscrição do simbólico no
natureza, substitui ou real.”
sugere algo; Freud: “O sonho é a
2. pessoa ou personagem estrada real que conduz
que se torna representativa ao inconsciente.“
de determinado
comportamento ou
atividade.ọrí
Os elementos de culto:

 SÍMBOLO E CONTEXTO Símbolo é então:


SÓCIO CULTURAL: - Expressão do sagrado
* cultura
- Representação da
* emoção regência/energia
* vivência pessoal - Elemento de culto ao
* intelecto. divino
=> A necessária - Componente para busca
contextualização dos do equilíbrio/harmonia;
símbolos conforme os - A Magia encantatória e o
saberes e fazeres. orò
Os símbolos utilizados no ritual:

 sangue (ẹ̀jẹ): vitalização;


 peixe (ẹja): a paz, a placidez;
 pombo (ẹiyẹlé): a honra, a prosperidade, a serenidade,
a capacidade de voar acima dos problemas;
 caramujo (ìgbín): a tranquilidade, a paciência e a
determinação;
 galinha (adìẹ): a abundância e a fertilidade;
Os símbolos utilizados no ritual:

 galinha d’angola (ẹtù): é resistente, arisca, ágil e forte. A


galinha d’angola é símbolo do primeiro iniciado;
 cágado (àjàpá): ícone da longevidade, da saúde e da
sabedoria;
 água (omi): elemento apaziguador indispensável,
tranquilizante, símbolo da vida, associada à
fecundação;
 azeite de dendê (epo pupa): apazigua as divindades
mais enérgicas, é energético e excitante;
 àkàsá: representa o corpo e o mistério.
Os símbolos utilizados no ritual:

 carne (ẹran): são capazes de absorver as energias


negativas das pessoas e dos ambientes;
 índigo em pó (wájì): energético, traz boa sorte e
energias positivas. Representa o sangue preto vegetal;
 noz de cola (obì): lealdade, amizade, união;
 Itens do assentamento: búzios, moedas atuais, cristal...
Modalidades de Bọrí:

 Bọrí (conceito): oferenda à Cabeça;

1) Borí ẹ̀jẹ̀: é o ritual com o uso do sangue animal (ẹ̀j ẹ̀


pupa). É indicado para fortalecimento da cabeça e
para ajudar no destino.

2) Borí omi ewé: assemelha-se à cerimônia do Borí ẹj̀ ẹ̀, só


que, ao invés do sacrifício animal, usa-se o àgbo (o
chamado sangue preto ou sangue vegetal). É usual nas
obrigações de um ano após a iniciação. Tem a mesma
finalidade do Borí ẹ̀j ẹ̀.
Modalidades de Bọrí:

3) Borí ìgbín: este ritual se desenvolve como o borí ẹ̀jẹ̀, só que se utiliza
uma das formas de sangue branco da natureza. É recomendado
para sacrifício um caracol (ìgbín), cujo fluído (hemolinfa) é
considerado para a recuperação emocional em caso de perdas
significativas;

4) Borí àjápá: neste caso, o animal de sacrifício é o cágado (àjápá),


sendo indicado para propiciar uma vida longa e saudável;

5) Borí onjẹ gbígbẹ (ou onjẹ bílé): neste tipo de Borí, são oferecidas
comidas rituais e frutas (as chamadas comidas secas – onjẹ bílé: tudo
que provém da terra – grãos, frutas, legumes), sem o sacrifício animal.
É utilizado para nutrir a cabeça de energias favoráveis buscando
Modalidades de Bọrí:

6) Borí omi tún: ritual de menor complexidade. Conhecido


popularmente como “Obì d’água”. São ofertados ao Orí água fresca
e obì. Apropriado em situações menos graves. Usa-se na véspera do
ṣiré, quando o indivíduo for entrar em transe no dia seguinte, durante
a festa do Òrìṣà, para que possa vestir a divindade nas cerimônias de
dança. É um ato de purificação de Orí;

7) Borí ẹja: além da água e do obì, sempre presentes em todos os


tipos de Borí, neste caso é ofertado peixe. Presta-se em casos de
convalescência e recuperação de saúde;

8) Borí ewé: utilizam-se ervas maceradas, misturadas a favas e raízes


raladas, formando-se uma espécie de pasta. Revigora e nutre o Orí.
Modalidades de Bọrí:

9) Borí ẹran: neste ritual, são usados diversos tipos de carne animal
(boi, porco, cabra e frango), mas não abatidos durante o rito. De
cada uma das qualidades de carne retira-se um pedaço para ser
preparado com dendê, cebola e camarão, sendo depois oferecido a
Ẹ̀ṣù. O restante é servido cru em alguidares respectivos e dispostos ao
redor do oficiado no momento da cerimônia. Junto à parte doente
(do oficiado), faz-se uma compressa com morim branco e palha da
costa, para que seja amarrado junto ao corpo o órgão similar do boi.
É específico para idosos enfermos.

10) Borí onjẹ dídùn: são usados doces e um pombo para sacrifício.
Muito útil para atrair sorte e prosperidade.
 Orí X Yemọja;
 O corpo altar;
A liturgia à  Corpo individual e corpo coletivo;
Cabeça.  As potências pessoais e sociais
Culto diário a Orí

Quando me dou por mim e desperto todas as


Kọbí mo jí lóròwúrọ̀ manhãs
E levo a mão à Cabeça e digo:
máa fí ọwọ́ kanrí
Minha Cabeça, como está você hoje?
n’jé Orí àjiré? Minha Cabeça eu trato como o Àjiké
Aquele que veio conosco para este mundo,
a bá ní wáyé
E que nunca se esquece de nós
másé gbágbé làìwa Conteúdo de riquezas é o Òrìṣà que toco nele
pela manhã
igbá, ajè kárí E peço orientação para

Resolver meus problemas.


ṣẹ̀ṣè lẹn
́ u eiye
O bico do pássaro comprido é ligado à Cabeça
ṣèṣè lẹ́nu ègà O bico do Ègá é comprido
Ele olha e vê as estrelas até onde nunca estive
ò wò ìrà wò títí kódé ilé
Aquele que está olhando os filhos que o elogiam
k’ó wà rí ọmọ pónle Todas as manhãs fazendo com que eles tenham
sorte
lọ́j ọọjọ́ jùmọ̀ sé ohun rere Cabeça, olhe meus caminhos para que sejam
bons pra mim
Orí wò ònòn ibi rere fún mi Guie-me e dê-me sorte

Òrìṣà, olhe meus passos para que sejam bons pra


gbèèmi ir mi ire mim,

Mesmo que seja num buraco.


òrìṣà wò ìbire sí mi béè ihò
Axé!
àṣẹ
Culto diário a Orí

Oríkì Orí (Louvação à Vejo minha Cabeça


Cabeça) Minha Cabeça nasceu
Ojú Orí Ela me escora à direita
Ìkokó Orí Ela me escora à esquerda

Ọpa ọ̀t ún Cabeça, aceite minha saudação!


Cabeça, aceite minha saudação!
Ọpa òsì
Saudar a Cabeça é começar
Orí pẹ̀l ẹ́ o! Orí pẹ̀l ẹ́ o! nov amente

Orí pẹ̀l ẹ́ àtètè míràn Assim é que crio um começo

Àtètè bẹ́ẹ̀ni kọṣá Te suplico a me ajudar a v encer

Kọṣá ti dání kí bẹ̀ No início do dia, Cabeça, eu te


saúdo
Leeni Orí èní Orí pẹ̀l ẹ́ O dia nasce com a Cabeça que
Orí abi èní Orí ba há em mim despertando
Que minha Cabeça ora cultuada
Kí bọ kó yọ ṣẹ̀ṣẹ̀
seja firme para me liv rar dos perigos
Orí o! desde já
Salv e a Cabeça!
Culto diário a Orí

 O que alegra e mantém  Principais folhas para o culto


de Orí:
Orí saudável?
• Alface, agrião, caapeba,
• A busca do equilíbrio; erva prata, colônia, alevante,
pata de vaca, etc.
• O caráter (ìwà);  Principais animais:
 O que enfraquece e • Pombo (ẹiyẹlé)

adoece Orí? • Angola (ẹtù)


• Frango(a) (adìẹ)
• O poder da palavra;
 Os Obstáculos: Elénìnì
• O derrotismo  As Dores: Ajogun
Culto diário a Orí

 É possível manter Orí saudável na nossa vida


cotidiana?

 Todos podem cultuar Orí?

 Por que cultuamos Orí antes dos demais Òrìsà?


Culto diário a Orí
Somente o Orí
Oriki (louvação):
Acompanha seu devoto a
Orí nikan todos os lugares da Terra
Para eu ter dinheiro,
Ló to alasan ba Roku É Orí quem decide conceder
a bênção,
Bi mo ba lowo lowo
Meu Orí, é você
Orí ni no rofun Para que eu tenha filhos na
Terra
Orii mi iwo ni É Orí quem decide conceder
a bênção
Ire gbogbo ti mo ba ni laye Meu Orí, é você
Tudo de bom eu terei sobre a
Orí ni no rofun Terra

Orii mi, iwo ni É Orí quem decide conceder


a bênção
Meu Orí, minha bênção é
você
O Poder em si: a cabeça como
divindade
Ebí jàre olé.
O homem indolente é o
 Ifá Àyà único responsável por sua
(“Oráculo do peito” ou “Oráculo fome.
interior”) Ìsé kó gbékún.
Choro não é resposta para
Orí í mi bá ni se é pobreza.
Minha cabeça me faz capaz de Àìfágbá féníkan, kò jé ayé
fazer isto. é ó gún.
Faltar com respeito à
autoridade é a origem dos
conflitos do mundo.
Ìwà nikàn l’ó sòro o.
O caráter é tudo o que é
necessário.
Obras do autor:
Outras obras do autor:
Outras obras do autor:
Bibliografia:
 ABIMBOLA, Wande. Ifá Divination Poetry. Indiana: Indiana University Bloomington, 1973.

 ALMEIDA, Maria Inez Couto de. Cultura Iorubá – Costumes e Tradições. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2006.

 BASCOM, William. Sixteen Cowries – yorùbá divination from Africa to the New World. Indiana: Indiana
University Press, 1993.

 BENISTE, José. Orun aiye o encontro entre dois mundos - o sistema de relacionamento nagô-yorubá entre o
céu e a terra. Rio de Janeiro: Bertrand, 2000.

 DAHOUI, Albert Paul. O Cajado do camaleão. São Paulo: Corifeu, 2009.

 JAGUN, Márcio. Ewé a chave do portal. Rio de Janeiro: Litteris, 2019.

 _____________. Nkọ́ Yorùbá. Rio de Janeiro: Litteris, 2020.

 _____________. Orí a cabeça como divindade. Rio de Janeiro: Litteris, 2015.

 _____________. Yorùbá Vocabulário temático do candomblé. Rio de Janeiro: UERJ/Litteris, 2017.


Bibliografia:
 JEGEDE, Samuel. Jornal Nordic de Estudos Africanos. 14 (1):117/126 – 2005.

 JOHNSON, Samuel. The History of the yorubas. Lagos: Brookshops, 1921.

 OLIVA, Anderson Ribeiro. A Invenção dos iorubás na África Ocidental – reflexões e apontamentos acerca do papel
da história e da tradição oral na construção da identidade étnica. Revista de Estudos Afro Asiáticos/UnB – 2005.

 OLUBADAN, Isaac Babalola Akinyele. Iwe Itan Ibadan. Ibadan: Ibadan University, 1911.

 PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

 SILVA, Alberto da Costa e. O Machado e a Lança, a África antes dos Portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2006.

 SANTOS, Juana Elbein. Os Nagô e a morte - pàde àsèsè e o culto égun na Bahia. Petrópolis: Vozes - 9ª edição –
1986.

 VERGER, Pierre Fatumbi. Notas sobre o culto dos orixás e voduns. São Paulo: Edusp, 1996.

 _____________________. Orixás. Salvador: Corrupio,1996.

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