Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
OPINIÃO OPINION
para a Equipe de Saúde da Família
Abstract The aim of this study is to evaluate the Resumo Este estudo avalia a implantação da des-
decentralization of Epidemiologic Surveillance centralização das ações de vigilância epidemioló-
actions to the Family Health Program in a city gica para a equipe do Programa de Saúde da Fa-
in the state of Bahia, Brazil. The research was mília em um município da Bahia. Trata-se de uma
conducted as a case study, using adapted tech- pesquisa avaliativa através de um estudo de caso,
niques of thematic and evaluative analysis. In com uso de técnicas adaptadas de análise temática
face of the need to adopt a model for this analysis, e avaliativa, e adoção do modelo político da análi-
it was decided to adopt the political model of im- se de implantação. Os dados primários foram obti-
plantation analysis. The primary data were col- dos através de entrevista semi-estruturada com os
lected in semi-structured interviews with man- gestores da Secretaria Municipal da Saúde e tra-
agers of the local Health Department and the Fam- balhadores do Programa de Saúde da Família e os
ily Health Team and the secondary data through dados secundários, através da análise de documen-
document analysis. The study demonstrated that tos. A pesquisa demonstrou que a vigilância epide-
Epidemiologic Surveillance is understood in three miológica é compreendida como uma prática vol-
ways: as a kind of medical police action; as an tada para o poder de polícia médica; como uma
instrument of surveillance focused on the control vigilância voltada para o controle das doenças
of transmissible diseases and as surveillance ad- transmissíveis e como vigilância de riscos e danos.
dressing the risk of damages. As refers to the ca- Quanto à capacidade de intervenção, confirma-se
pacity of intervention, although mainly directed um desempenho positivo da equipe no Programa
to disease detection and control, the performance de Saúde da Família, ainda que relacionada à de-
of the Family Health Team was found positive. tecção da doença e adoção de medidas de controle.
We conclude that it is possible to decentralize Conclui-se que é possível descentralizar a vigilân-
Epidemiologic Surveillance to the Family Health cia epidemiológica para a equipe do Programa de
Program but the effective implantation of this Saúde da Família, muito embora esta ainda não
process will depend on the support of health man- tenha ocorrido efetivamente, se caracterizando
agers and professionals and on a political project muito mais como uma desconcentração de ativi-
1
Escola de Enfermagem da assuming the decentralization of epidemiologic dades, por razões políticas.
Universidade Federal da survey a strategy towards reorganization of the Palavras-chave Descentralização, Vigilância epi-
Bahia . Av. Dr. Augusto
healthcare system in the city. demiológica, Equipe de Saúde da Família, Avalia-
Viana s/n, Bairro Canela.
40110-060 Salvador BA. Key words Decentralization, Epidemiologic sur- ção
silvone.s@terra.com.br veillance, Family Health Team, Evaluation
1924
Silva Santos, S. S. B. & Melo, C. M. M.
sos. Portanto, a descentralização não se constitui põe uma gestão colegiada na saúde, com a demo-
em desconcentração de recursos, pulverização e cratização do poder, descentralização sem buro-
segmentação das ações governamentais11. cratização e manutenção de espaços permanentes
Há de se considerar que a descentralização via de negociação. No entanto, o PSF também pode
municipalização da gestão dos serviços de saúde ser operado para atender aos ajustes neoliberais,
ao longo da década de 1990 se configurou como de forma focalizada e concebido como uma me-
elemento central na agenda do governo federal, dicina de pobres para pobres.
sendo que 99% dos municípios em 2000 estavam Direcionando para a especificidade do siste-
habilitados no Sistema Único de Saúde. Neste as- ma de saúde do município deste estudo, esse apre-
pecto, a descentralização da saúde pode ser consi- senta uma lógica de funcionamento fragmenta-
derada como uma experiência bem-sucedida, uma do, caracterizado pela dicotomia entre o público
vez que transferiu aos municípios responsabili- e privado, não diferindo do sistema de saúde
dades de gestão na prestação de serviços12. Entre- brasileiro, haja vista que a oferta e a produção de
tanto, as disputas de poder e os diferentes interes- serviços ocorrem de forma “discriminatória, se-
ses político-partidários, tanto nos estados como letiva e centrada na atenção médica”14, possuin-
nos municípios, geraram distorções na organiza- do caráter focal.
ção dos serviços, reproduzindo práticas sanitári- A implantação do Programa de Agentes Co-
as focalizadas e burocratizantes, muitas vezes dis- munitários (PACS) no referido município ocor-
tantes das reais necessidades da população. reu em 1992, sendo priorizados para implanta-
Ainda que a descentralização na saúde seja ção os bairros situados na periferia e zona ru-
uma possibilidade de ruptura de um modelo de ral15, onde a população convive com situações
atenção fragmentado e de baixa resolutividade, é bastante adversas para a saúde. O Programa co-
preciso superar algumas contradições explícitas meça a ser implantado no município com utili-
ou implícitas nesse processo. No que diz respeito zação de baixa tecnologia e sem assegurar um
à descentralização da VE, observa-se que foi ne- sistema de referência e contra-referência às ações
cessária a publicação de uma portaria para a de média e alta complexidade. Em 2000, também
adesão dos municípios, o que implica no cum- o PSF é implantado no município, adotando
primento de uma série de requisitos (formaliza- como critério para definição da área de implan-
ção do pleito pelo gestor municipal, comprova- tação grupos mais pobres da população e com
ção de estrutura e equipe, etc.) para a liberação uma proposta focalizada de intervenção16.
do financiamento. Assim, pode-se afirmar que o O Ministério da Saúde estabelece dentre as
processo de descentralização de VE assume certa atribuições dos trabalhadores das ESF: conhecer
verticalidade e centralidade, dado que não é con- a realidade das famílias pelas quais são responsá-
cebida pelo município, ou seja, alguns gestores veis, com ênfase nas suas características sociais,
municipais acabam aderindo aos requisitos da demográficas e epidemiológicas; identificar os
Portaria no 1.399/99 para assegurar mais recur- problemas de saúde prevalentes e situações de ris-
sos e, não necessariamente, com uma intenção co; executar ações básicas de vigilância epidemio-
real de desenvolver com efetividade as ações de lógica e sanitária na sua área de abrangência17.
VE que estão sob a sua responsabilidade. Entendemos que não se trata apenas de re-
passar mais uma função para as equipes do PSF,
e sim de assumir a responsabilidade sanitária
A descentralização sobre a área de abrangência, realizando interven-
da vigilância epidemiológica ções através da articulação intersetorial. Com-
para as Equipes de Saúde da Família preendemos também que os problemas de saú-
de da área de abrangência deverão ser direciona-
O PSF assume, no atual cenário de saúde, papel dos conforme a complexidade e disponibilidade
de destaque, desenhado com a pretensão de rees- de recursos, assegurando a integralidade da aten-
truturar o modelo de atenção à saúde hegemôni- ção e a melhoria dos indicadores de saúde.
co, predominantemente centrado no hospital e No entanto, algumas questões são cruciais
na prática médica, com características assistencial para o êxito da descentralização: a participação
individualizada e curativa. O PSF só poderá cau- dos cidadãos no sistema de saúde, através dos
sar mudanças se for concebido realmente como conselhos municipal e local; a autonomia dos pro-
uma estratégia, onde os atores sociais sejam co- fissionais na realização das ações, avaliando siste-
participantes no modo de fazer saúde. Nessa di- maticamente seus resultados; a utilização de pro-
reção, é interessante citar Campos13, quando pro- tocolos para situações previamente definidas pelo
1927
Colaboradores
Referências
1. Brasil. Lei Orgânica da Saúde n o 8.080, de 19 de 14. Assis MMA. A municipalização da saúde: intenção ou
setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para realidade? Análise de uma experiência concreta. Feira
promoção, proteção e recuperação da saúde, a or- de Santana: Universidade Estadual de Feira de San-
ganização e o funcionamento dos serviços corres- tana; 1998.
pondentes e dá outras providências. Diário Oficial 15. Bahia. Universidade Estadual de Feira de Santana.
da União 1990; 20 set. Prefeitura Municipal de Feira de Santana. Progra-
2. Brasil. Ministério da Saúde. Guia de vigilância epi- ma de Agentes Comunitários de Saúde, Ano II, n.2.
demiológica. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. Feira de Santana; 1999.
3. Bahia. Prefeitura Municipal de Feira de Santana. 16. Bezerra NO. Programa saúde da família: encontros e
Relatório de Gestão 2001. Feira de Santana: Secreta- desencontros no labirinto da implantação [disserta-
ria Municipal da Saúde; 2001. ção]. Feira de Santana (BA): Universidade Estadual
4. Bahia. Secretaria de Estado da Saúde. Departamen- de Feira de Santana; 2004.
to de Vigilância da Saúde. Divisão de Vigilância 17. Bahia. Pólo de capacitação, formação e educação
Epidemiológica. Treinamento Básico em Vigilância permanente de pessoal para saúde da família - Bahia.
Epidemiológica/TBVE. Salvador: SESAB; 1998. Manual para treinamento introdutório das equipes de
5. Brasil. Ministério da Saúde. Curso Básico de Vigi- saúde da família. Salvador: 2002.
lância Epidemiológica. Manual do treinamento. Mó- 18. Contandriopoulos A-P, Champagne F, Denis JL,
dulo I. Brasília: Fundação Nacional de Saúde; 2000. Pineault R. A avaliação na área de saúde: conceitos
6. Paim JS, Teixeira MGLC. Reorganização do siste- e métodos. In: Hartz ZMA, organizadora. Avalia-
ma de vigilância epidemiológica na perspectiva do ção em Saúde: dos modelos conceituais a prática na
Sistema Único de Saúde (SUS). Anais do Seminário análise da implantação de programa. Rio de Janeiro:
Nacional de Vigilância Epidemiológica; 1992; Brasí- Fiocruz; 2002. p. 29-45.
lia: Ministério da Saúde; 1992. p. 93 -147. 19. Denis JL, Champagne F. Análise de implantação.
7. Brasil. Ministério da Saúde. Guia de vigilância epi- In: Hartz ZMA, organizadora. Avaliação em Saúde:
demiológica. Brasília: Ministério da Saúde; 1998. dos modelos conceituais a prática na análise da im-
8. Cerqueira EM. Práticas de vigilância epidemiológica plantação de programa. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002.
em Feira de Santana: remando contra maré [disserta- p. 49-88.
ção]. Feira de Santana (BA); Universidade Estadual 20. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/
de Feira de Santana; 2001. 96: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa
9. Fundação do Desenvolvimento Administrativo. envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da
Textos para discussão. Descentralização no setor saú- Saúde; 1996.
de: antecedentes, dilemas atuais e perspectivas do caso 21. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3ª
brasileiro. São Paulo: FUNDAP; 1989. ed. Porto Alegre: Bookman; 2005.
10. Mendes EV, organizador. Distrito sanitário: o pro- 22. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70;
cesso social de mudanças das práticas do Sistema Úni- 1977.
co de Saúde. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: 23. Melo CMM. Inovação e gestão pública em saúde:
Abrasco; 1995. uma análise da perspectiva local [tese]. São Paulo
11. Luz MT. Políticas de descentralização e cidadania: (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade
novas práticas em saúde no Brasil atual. In: Pinhei- de São Paulo; 2001.
ro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da in- 24. Foucault M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro:
tegralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Graal; 1998.
Janeiro: IMS-UERJ/Abrasco; 2001.
12. Arretche M. Relações federativas nas políticas so-
ciais. Educação e Sociedade [periódico na Internet].
2002 [acessado 2007 Jan 28]; 23(80). Disponível em:
htpp://www.scielo.br Artigo apresentado em 21/06/2006
13. Campos GWS. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; Aprovado em 10/01/2007
2003. Versão final apresentada em 19/03/2007