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EPIDEMIOLOGIA – CONCEITOS E OBJETIVOS

1. EPIDEMIA E ENDEMIA

Muitas são as definições de epidemiologia que aparecem na literatura. Nenhuma é tão


simples quanto a de Vanderplank (1963) para quem a epidemiologia é apenas “a ciência da
doença em populações”, e nenhuma é tão complexa quanto a de Kranz (1974), para quem a
epidemiologia é o “o estudo de populações de patógenos em populações de hospedeiros e da
doença resultante desta interação sob a influência do ambiente e interferência humana”. Ambos
enfatizam ser a epidemiologia uma ciência de populações.
As populações importantes, para a epidemiologia, são aquelas do hospedeiro, de um lado, e
do patógeno, do outro. O contato destas duas populações leva a uma terceira população, a
população de lesões. O ambiente interfere no desenvolvimento das três populações, muitas vezes
diferencialmente e, em contrapartida, as três populações também influenciam o ambiente,
especialmente o microclima. Finalmente, o homem, cada vez mais, interage em todos os fatores
envolvidos e, não raro, sofre os efeitos do rápido crescimento da população de lesões.
A figura 1 representa todas estas interações e realça que a população de lesões não tem
existência autônoma, como acontece com as outras duas populações o ambiente e o homem.

Figura 1. Representação da população de patógenos interagindo com a população do hospedeiro,


sob influência do ambiente (a- patossistema selvagem) e a interferência humana (b-
patossistema agrícola). Desta interação resultará a população de lesões (doença),
representada pela superfície do triângulo (a) ou superfície da base do tetraedro (b).
Adaptado de Zadoks & Schein (1979).

Epidemiologia, assim definida, é essencialmente uma ciência de campo. Ensaios de


laboratório podem ser considerados como estudos epidemiológicos somente se forem montados
com o objetivo de explicar o que acontece no campo.
O princípio básico por trás da epidemiologia é que a quantidade de doença no campo é
determinada pelo balanço entre dois processos opostos: infecção e remoção (Vanderplank,
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1960). De um lado, novas infecções ocorrem, lesões aparecem , tornam-se infecciosas e, mais
tarde, impossibilitam o aparecimento de novas lesões. Do outro lado, tecido infeccioso é
removido quando as lesões envelhecem e não mais formam esporos. Quando a infecção for mais
intensa que a remoção, a intensidade da doença crescerá rapidamente. Quando a remoção for
mais intensa que a infecção, a intensidade da doença deixará de aumenta e poderá mesmo
diminuir caso o hospedeiro, por exemplo, lance novas folhas. O ponto importante é que,
independentemente da doença estar aumentando ou diminuindo, os dois processos opostos –
infecção e remoção – ocorrem concomitantemente. A epidemiologia engloba estes dois
processos sendo apenas um detalhe o fato da quantidade de doença aumentar, diminuir ou
permanecer inalterada em função do tempo.
O termo epidemia e endemia estão relacionados com o balanço dos processos antagônicos
infecção e remoção. O primeiro deles, epidemia, refere-se a um aumento da doença numa
população de plantas em intensidade e/ou extensão, isto é, um aumento na intensidade-
severidade e/ou uma aumento na área geográfica ocupada pela doença. Os termos epidemia
explosiva e epidemia tardívaga, segundo Gaumann (1950) são usados para o aumento em
intensidade seja rápido ou lento, respectivamente. Este mesmo autor deu o nome de epidemia
progressiva àquelas epidemias que se caracterizam por um aumento em extensão e pandemia
àquelas epidemias progressivas que ocupam áreas extremamente grandes, de tamanho quase
continental. Apesar da definição de epidemia considerar apenas o aumento em intensidade da
doença, a epidemia – ciências das epidemias – estuda não somente doenças que aumentam como
doenças que diminuem, seja de intensidade, seja em extensão. Já endemia, além de ter uma
conotação geográfica, sendo sinônimo de doença sempre presente numa determinada área e
caracterizar-se por não estar em expansão, também implica em apresentar um balanço próximo
de neutro entre os processos de infecção e remoção, quando se considera um período de tempo
relativamente longo. Este balanço neutro significa coexistência entre hospedeiro e patógeno,
refletindo a constante presença de ambos em uma área, fato que se constitui na essência da
definição de doença endêmica (Vanderplank, 1975).
Apesar destas diferenças, epidemia não é o oposto de endemia, como considerado por
muitos. Não existe uma doença completamente endêmica de um lado e uma doença
completamente epidêmica do outro. Endemia e epidemia se misturam, exibindo uma variação
contínua entre os extremos (Vanderplank, 1975). Assim, uma doença endêmica, ou seja,
constantemente presente numa região e em equilíbrio com o seu hospedeiro pode, por fatores
diversos, como uma modificação momentânea do microclima, tornar-se epidêmica, vindo a
afetar muitos indivíduos, com grande intensidade, numa determinada área e num determinado
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tempo. Este fenômeno é referido como sendo um surto epidêmico de uma doença normalmente
endêmica e, caso ocorra periodicidade, é chamado de epidemia cíclica.
O termo mais recente, epidemia poliética (Zadoks, 1974), refere-se àquelas epidemias que
necessitam de anos para mostrar significativo aumento na intensidade de doença. Numerosos
exemplos ocorrem com doenças de hospedeiros perenes ou patógenos veiculados pelo solo.
O termo epidemia explosiva, tardívaga, cíclica, e poliética, além de endemia, estão
exemplificados na figura 2.

Figura 2. Representação esquemática dos diferentes tipos de epidemia e endemia

1.1 Epidemia e endemias: exemplos

As duas fases que caracterizam uma epidemia, o aumento em intensidade (Figuras 3, 4)


e/ou extensão da doença, são facilmente visualizáveis. Do mesmo modo, diferenciar uma
pandemia de uma epidemia progressiva não apresenta problemas. Já os termos epidemia
explosiva e tardívaga existe uma maior dose de subjetividade. Ambos referem-se a variações na
intensidade da doença, mas não há uma linha clara dividindo os dois conceitos. Uma mesma
doença pode dependendo da região ou das condições climáticas numa determinada época, ser
considerada explosiva ou tardívaga. O exemplo típico de epidemia explosiva é representado, na
Figura 3, pela curva de progresso da requeima da batata (Phytophythora infestans). Sua taxa
aparente de infecção, sinônimo de velocímetro da epidemia é 7 a 4 vezes maior que as taxas das
doenças causadas por (Uromyces appendiculatus) em feijoeiro e (Puccinia striiformis) em trigo,
respectivamente, que aparecem na mesma figura, e que podem ser chamadas, nesta situação, de
tardívagas. Quando se comparam valores da taxa aparente de infecção entre diferentes doenças,
deve-se sempre levar em conta a duração do ciclo vital do hospedeiro. Assim, a taxa de
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Ceratocystis fagacearum em carvalho pode ser comparada com a de C. ulmi em olmo (uma
árvore) (Figura 5), mas não deve ser comparada com doenças que incidem em hospedeiros
anuais (Figura 3) ou semi-perenes (cana-de-açucar e a doença de Fiji, Figura 5).
Endemia também apresenta duas faces: a face geográfica, significando doença indígena e
sempre presente numa determinada área, e a face de equilíbrio entre os processos de infecção e
remoção, significando que variações muito amplas na intensidade da doença não devem ocorrer.
Microcyclus ulei – seringueira, na região amazônica, durante a fase extrativista da cultura, é um
bom exemplo de endemia natural. O olho pardo do cafeeiro, causado por Cercospora coffeicola,
exemplifica doença endêmica em condições de plantio racional. Já Hemileia vastatrix, no mesmo
hospedeiro, apesar de sempre presente nas regiões produtoras, não exibe equilíbrio entre as fases
de infecção e remoção durante o ciclo anual da cultura. Ao contrário, periodicamente quando
condições favoráveis do ambiente predominam, o fungo multiplica-se rapidamente causando,
não raro, prejuízos de monta. A ocorrência sazonal de condições favoráveis ao desenvolvimento
do patógeno faz da ferrugem do cafeeiro um exemplo de epidemia cíclica (Figura 4).
Epidemias poliéticas caracterizam-se por apresentar a cada ano, ou a cada ciclo de cultivo,
um inóculo inicial mais elevado, envolvendo, predominantemente, hospedeiros perenes ou semi-
perenes (Figura 5) e/ou patógenos veiculados pelo solo.

Phytophthora infestans
Puccinia striiformis

Uromyces appendiculatus

Figura 3. Curva de progresso da doença: batata-Phytophthora infestans, feijão–Uromyces


appendiculatus e trigo–Puccinia striiformis.
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Figura 4. Curva de progresso da ferrugem do cafeeiro (Hemileia vastatrix) na Índia e no Brasil

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