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Terceirização e retirada de direitos sociais: a superexploração do trabalho

como intensificadora da crise econômica brasileira

Gabriela Caramuru1

I. A economia política da superexploração

O marco teórico dessa análise é a compreensão da sociedade a partir da


história das transformações dos modelos de produção - o materialismo histórico
- e do estudo da economia política pela teoria marxista. Para realizar a
necessária transformação da realidade, como o enfrentamento a terceirização
como forma de precarização do trabalho, é necessário compreende-la, analisar
a reprodução material da vida e as relações sociais singulares do momento
histórico das relações sociais de produção. Nessa esteira, a exploração do
trabalho é a base da estrutura de produção do modelo em que vivemos: o
capitalismo, já que, dentre todas as mercadorias usadas no processo de
produção, a força de trabalho humana é a única capaz de produzir um valor
maior que seu custo, ou seja, um mais-valor (MARX, 2014).

A exploração do trabalho no modelo de produção que estamos


organizados no momento histórico contemporâneo acontece pelas três formas
de extração de mais-valor: o mais-valor absoluto, o mais-valor relativo e o mais-
valor extraordinário (MARX, 2014).

Para analisarmos as formas de extração de mais-valor e os decorrentes


processos precarizantes é necessário compreender a jornada de trabalho
dividida em dois momentos: o tempo de trabalho socialmente necessário e o
trabalho excedente (MARX, 2014). O tempo de trabalho socialmente necessário
é aquele pago ao trabalhador, destinado a reprodução da sua vida para a
manutenção da exploração dessa força de trabalho. Assim, o tempo de trabalho

1
Mestra em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mestra em Tecnologia pela
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Advogada trabalhista. E-mail:
caramuru.ga@gmail.com.
necessário é igual aos salários, ou o tempo responsável pela feitura das
mercadorias pertencentes a cesta do trabalhador (MARX, 2014). Já o trabalho
excedente é o mais-valor apropriado pelo proprietário do espaço de produção
(MARX, 2014).

As formas de exploração da força de trabalho dependem da relação entre


o trabalho necessário e o trabalho excedente dentro da jornada de trabalho. O
mais-valor absoluto, a partir da constância do tempo de trabalho necessário na
jornada, é a técnica de extensão da jornada de trabalho para,
consequentemente, estender a parte relativa ao trabalho excedente. O trabalho
necessário permanece no mesmo valor e o trabalho excedente aumenta pela
extensão da jornada de trabalho (MARX, 2014). Contudo, com a restrição da
jornada de trabalho pela imposição jurídica de uma jornada máxima, o capital
precisou estabelecer uma nova forma de extração de mais-valor diante uma
jornada fixa de trabalho. Essa técnica é o mais-valor relativo, que ao invés de
aumentar a jornada de trabalho diminui o tempo de trabalho necessário na
jornada, aumentando proporcionalmente o trabalho excedente. O mais-valor
relativo utiliza para diminuição do tempo de trabalho necessário o aumento da
produtividade, que reduz a quantidade de trabalho em cada mercadoria,
barateando-a. O aumento de produtividade é realizado historicamente pelo
incremento da maquinaria (MARX, 2014). Por fim, nas formas em que se dá a
expropriação do valor no capitalismo temos o mais-valor extraordinário que se
relaciona intrinsecamente com a concorrência entre os capitalistas, na medida
em que consiste no pequeno período de tempo que determinado capitalista
consegue um barateamento de sua mercadoria pelo aumento da produtividade
e esse conhecimento ainda não foi socializado com todos os concorrentes.
Assim, o capitalista vende a mercadoria pelo mesmo preço que todo o mercado,
tendo sua mercadoria menos custo. Esse é o mais-valor extraordinário que se
finda quando a técnica de produção mais produtiva é descoberta pelos
concorrentes (MARX, 2014).

As formas de exploração do trabalho estão intimamente ligadas as


propostas de flexibilização de direitos impostas aos trabalhadores em momentos
de crise econômica, ou seja, momentos em que o capital sofre uma crise de
acumulação e busca na reorganização do trabalho retomar aos patamares de
acumulação anteriores.

No caso da América Latina e do Brasil verificamos ainda uma forma


particular de padrão de reprodução do capital, na medida em que o modelo de
produção capitalista se consolida mundialmente com a divisão social do trabalho
em que o capitalismo central tem monopólio na produção de industrializados e o
capitalismo dependente latino-americano se caracteriza pela produção de
matérias-primas baratas para reduzir o custo dos manufaturados produzidos
pelo centro, bem como reduzir o valor da força de trabalho da classe
trabalhadora central (MARINI, 2011).

Com um processo próprio de reprodução do capital a exploração da força


de trabalho nos países da América Latina como o Brasil igualmente se rearrajam
de modo singular. O processo de transferência de valor da América Latina para
o centro determina as formas de exploração do trabalho em nossos países,
cristaliza uma condição de vida precária e o subdesenvolvimento (MARINI,
2011).

A transferência de capital dos países dependentes para os países centrais


se estabelece pelos processos de endividamento dos países periféricos com
dívida pública, a dependência tecnológica e necessária importação de tecnologia
e patentes do centro e as trocas desiguais. As trocas desiguais acontecem pela
diferença da composição orgânica e composição técnica dos capitais, ou seja, a
diferença na quantidade e valor de capital constante entre as economias dos
países e a diferença da produtividade desses capitais (MARINI, 2011). Com
maior composição orgânica e técnica de capitais, os países centrais detêm o
monopólio de produtos industrializados e podem trocar suas mercadorias com a
América Latina impondo o preço que almejam (MARINI, 2011). As mercadorias
nas trocas desiguais são trocadas por preços de produção, que levam em conta
o custo da mercadoria e a taxa média de lucro (MARX, 1988). O presente
processo transfere capital (ou mais-valor) do capitalista latino-americano para os
países centrais. Esse modelo de dependência internacional acarretará uma
exploração própria em nossos países (MARINI, 2011).
A exploração do trabalho na América Latina em relação aos países
centrais é visível, tanto pelo poder de compra e salários reduzidos, como pelo
aumento da jornada de trabalho. No caso da comparação com a Europa, por
exemplo, a França conta com uma jornada de trabalho de trinta e cinco horas
semanais, enquanto a jornada brasileira, quando respeitada, é fixada em
quarenta e quatro horas semanais. O exemplo das férias também é significativo,
ao passo que italianos gozam 30 dias de férias, no caso Mexicano esse número
é de seis dias de férias no primeiro ano de trabalho, oito dias no segundo ano e
dez dias no terceiro ano, sendo esse o período máximo a ser usufruído. Os
exemplos poderiam ser citados infinitamente, mas o descompasso na
exploração do trabalho entre países centrais e América Latina é dificilmente
negado pelo senso médio.

Mas em que as relações internacionais de perdas de capitais nacionais


para os países centrais têm a ver com os níveis e formas de exploração na
América Latina e Brasil? A resposta dessa questão é determinante para
compreendermos a complexidade das condições de exploração, baixos salários
e fragilidade do direito do trabalho no Brasil em relação aos países centrais. Em
face da perda de capital para os países centrais pela transferência, a
superexploração do trabalho é utilizada na América Latina como forma de
compensação dos capitalistas nacionais às perdas nas trocas desiguais com os
países centrais. Para retomar os níveis de acumulação, os capitalistas latino-
americanos extraem sobremaneira mais-valor dos trabalhadores subordinados
(MARINI, 2011).

A superexploração do trabalho consiste no aumento da jornada de


trabalho, no aumento da intensidade do trabalho e no pagamento da força de
trabalho com baixos salários, por vezes abaixo de seu valor de reprodução. O
aumento da jornada de trabalho é a intensificação da extração do mais-valor
absoluto nos países dependentes, já a intensificação do trabalho possibilita a
redução do tempo de trabalho necessário e o aumento do tempo excedente,
figurando como outra técnica de mais-valor absoluto (MARX, 2014).

Para Marx o pagamento da força de trabalho abaixo de seu valor de


reprodução é possível em casos específicos, como uma política de
superexploração dos trabalhadores. Já para Ruy Mauro Marini o pagamento da
força de trabalho abaixo do seu valor de reprodução, ou seja, salários
insuficientes para a manutenção da força de trabalho em determinado período
histórico é uma relação estruturante do padrão de reprodução capitalista latino-
amerciano (MARINI, 2011).

No caso brasileiro, em pesquisa do Departamento Intersindical de


Estatistica e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) relativo ao mês de julho de
2017, o salário mínimo brasileiro encontra-se em R$ 937,00, enquanto o salário
mínimo necessário para a reprodução digna da força de trabalho brasileira
conforme a presente pesquisa deveria estar nos marcos de R$ 3.810,36
(DIEESE, 2017).

A exploração do trabalho é o fundamento da acumulação do modelo de


produção capitalista e, portanto, para o capital, deve ser cada vez maior,
esbarrando apenas nos limites físicos dos trabalhadores (MARX, 2014). O direito
do trabalho, por sua vez, na mesma medida em que serve ao capitalismo para
assegurar a legalidade da exploração do trabalho e mínima estabilidade e
segurança para o capitalista em sua exploração (JEAMMAUD, 1985), de modo
dialético, representa alguma limitação a extração de mais-valor pela regulação
das relações de trabalho.

Dessa forma, da mesma maneira em que o direito é instituído pelo capital


para sustentar a exploração e regular a concorrência - como no caso da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) criada pelos países centrais para
enfrentar a concorrência desleal frente países com superexploração do trabalho
- em momentos de crise e dificuldade de acumulação os direitos sociais,
sobretudo do trabalho, verificamos a redução dos mesmos direitos com vistas a
permitir ao capital a maior extração de mais-valor com exploração da força de
trabalho.

Nessa esteira as políticas de flexibilização do trabalho, ideologicamente


associadas à modernas práticas de produção, são em verdade pilares de
extração de mais-valor, implementadas em períodos de crise do capitalismo. Na
América Latina a situação fragilizada e dependentes de investimentos
estrangeiros em face do comprometimento significativo de suas receitas com a
dívida pública para o mercado financeiro internacional direciona a política
burguesa a intensificação do trabalho e retirada de direitos sociais.

Na contramão do desenvolvimento, a superexploração do trabalho nos


países dependentes representa a cristalização do subdesenvolvimento e
impossibilidade de vida digna aos seus nacionais. A superexploração com
aumento de jornada, aumento da intensidade do trabalho e pagamento abaixo
do valor de reprodução se apresenta na América Latia e Brasil como empecilho
ao florescer do mercado interno nacional. Com baixos salários o poder de
consumo dos trabalhadores é restrito e a produção nacional somente encontra
saída novamente no mercado externo (MARINI, 2011).

A superexploração do trabalho cria nos países dependentes um divórcio


entre a produção e circulação de mercadorias, de modo que os trabalhadores
latino-americanos não conseguem consumir as mercadorias produzidas, assim
como os países de capitalismo central tem seu consumo estendido, e consomem
por si e pelos latino-americanos (MARINI, 2011).

Os reduzidos direitos laborais latino-americanos, somados as constantes


ofensivas liberais de retiradas de direitos e flexibilização trabalhista vem de
encontro ao desenvolvimento nacional, prejudicando a economia e canalizando
a produção de riquezas nacionais para os mercados exteriores. A
superexploração do trabalho fomenta o ciclo de reprodução do capitalismo
dependente e renega aos países dependentes a manutenção de seu lugar como
produtor de matérias primas baratas subordinadas ao capitalismo central
(MARINI, 2011).

A retirada de direitos do trabalho, ao contrário de "flexibilizar" a economia,


destrói a economia nacional, fragilizando o mercado interno consumidor pela
imposição de baixos salários. Mesmo para o capital, parece impossível o
estabelecimento de empresas fortes em um cenário de baixo poder de consumo
dos trabalhadores. A retirada de direitos aumenta o contraste de
desenvolvimento já que ter direitos do trabalho e direitos sociais (salários sociais)
aquecem a economia nacional. Não se trata de uma questão moral, mas
viabilidade econômica para os próprios capitalistas nacionais. A condição
periférica e dependente do capital nacional é a única explicação para a postura
subordinada da economia brasileira.

Como veremos, as propostas jurídicas de terceirização do trabalho, além


de violarem a Constituição Federal, no caso brasileiro, são parte do modelo de
ampliação da extração de mais-valor e prejudicam a economia.

II. Terceirização: enfrentando os mitos liberais

A terceirização do trabalho é defendida majoritariamente por setores


empresariais e questionada por todos os movimentos de trabalhadoras e
trabalhadores organizados. A atualidade da luta de classes no que se refere à
lei da terceirização aprovada em 2017 no Brasil se verifica na medida em que
todas as Centrais Sindicais de Trabalhadores se posicionaram contrárias as
propostas de terceirização do trabalho, é o caso da Central Única dos
Trabalhadores (CUT) Força Sindical (FS) do Paraná, da União Geral dos
Trabalhadores (UGT), da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
(CTB), da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), da Central dos
Sindicatos Brasileiros (CSB), da Central Sindical e Popular (CSP-CONLUTAS) e
da Intersindical.

Do outro lado do conflito está a Confederação Nacional da Indústria (CNI),


como principal defensora do processo precarizante. Além do caráter
extremamente classista da proposta, vale nos debruçarmos sobre as
consequências econômicas da terceirização, como intensificadora da extração
de mais-valor no caso brasileiro e as consequências para a economia brasileira.

A terceirização do trabalho no Brasil apresenta números significativos.


Conforme pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (DIEESE) em parceria com a Central Única dos Trabalhadores
(CUT), são 26,8% dos trabalhadores que já em 2013 se encontravam
terceirizados no Brasil. Mesmo ano em que a remuneração dos trabalhadores
terceirizados chegou a ser 24,7% menor que o conjunto dos trabalhadores.
Ademais, verificou-se o aumento da jornada de trabalho em 7,5% no que diz
respeito aos trabalhadores terceirizados, bem como a maior rotatividade no
trabalho, sendo o trabalho terceirizado possuidor de uma rotatividade de 64,4%
contra 33% dos diretamente contratados (DIEESE, 2014). Como percebemos no
estudo empírico da implementação da terceirização no Brasil a realidade imposta
aos países dependentes com a intensificação da extração de mais-valor absoluto
com o aumento significativo da jornada de trabalho (cerca de 3h a mais por
semana) e depreciação dos salários tem sido a agenda da superexploração do
trabalho na periferia.

Contudo, a técnica de terceirização é defendida pelos setores capitalistas


brasileiros como forma de aumentar as margens de lucro pela reorganização do
processo produtivo. O projeto que significa condições de trabalho anteriores a
Consolidação das Leis do Trabalho se traveste de “modernidade” e
assustadoramente se coloca como alternativa a crise econômica brasileira.

No que se refere ao direito a integridade física e saúde a situação


brasileira quanto a terceirização é ainda mais preocupante. Dados apresentados
pelo relatório do DIEESE (2014) explicitam a fragilidade em manter-se vivo no
caso dos trabalhadores que além da exploração tradicional do trabalho são
submetidos a terceirização: de 2005 para 2012, o número de trabalhadores
mortos na Petrobrás foi de 99 trabalhadores, sendo 14 contratados, enquanto 85
mortos eram trabalhadores terceirizados; já em estudo na empresa Klabin, onde
37,5% dos trabalhadores são terceirizados, a taxa de acidentes é de 3,32, entre
os trabalhadores terceirizados e 2,79 entre os trabalhadores diretos; já segundo
o Relatório de Estatísticas de Acidentes do Setor Elétrico Brasileiro, produzido
pela Fundação Comitê de Gestão Empresarial (COGE), os trabalhadores
terceirizados morrem 3,4 vezes mais do que os trabalhadores contratados. Na
contramão de modernização do processo produtivo os trabalhadores
terceirizados são alvo principal na perda da capacidade laborativa e na perda de
suas vidas para o capital.

A exploração do trabalho que não garante a mera reprodução dos


trabalhadores, como o enorme número de trabalhadores adoecidos e com as
vidas interrompidas vem sendo intensificada com a técnica jurídica de
terceirização da força de trabalho.

Com dificuldade de sindicalização por conta da maior instabilidade no


trabalho, cerca de 90% dos casos de trabalho análogo à escravo acontecerem
em empresas terceirizadas. Relevante também é a discriminação dos
trabalhadores terceirizados em relação aos trabalhadores contratados
diretamente. Os casos de assédio moral, de ameaças de demissão e práticas
antisindicais permeiam a jornada do trabalhador terceirizado. A terceirização
aparece na ordem do dia da agenda neoliberal para os países subdesenvolvidos
e propõe redução de custos com o trabalho e aumento da taxa de exploração na
produção.

Contudo, para além das questões de uma moral socialista de


desenvolvimento, que assegure a manutenção da vida dos trabalhadores e
integridade de seus corpos, nos cumpre enfrentar uma série de argumentos
econômicos não menos importantes, que aparecem como mitos de
desenvolvimento na defesa da terceirização. São eles a especialização do
trabalho, a eficiência, a qualidade e a redução do desemprego.

A Confederação Nacional das indústrias (CNI) no Brasil expõe como


motivos para a terceirização:

especialidade, melhor técnica e tecnologia (qualidade), eficiência,


desburocratização, incremento de produtividade e melhoria de
competitividade, o que pode significar redução de custos [...] terceiriza-
se com o objetivo de se obter melhorias em produtividade e
especialização e, consequentemente, de ganhos de competitividade, o
que permite fornecimento de produtos e serviços com menores custos.

A verificação empírica da implantação da terceirização no Brasil é


suficiente para descartarmos os argumentos de legitimidade da terceirização, ou,
em perspectiva mais realista, concluirmos que se trata uma construção
ideológica que visa obscurecer as consequências do modelo de organização da
produção, com vistas a sua maior permissão e diminuição dos custos com os
trabalhadores, majorando a extração de mais-valor absoluto e extraordinário.
No caso da especialização, a defesa da terceirização advoga que a
terceirização favoreceria o aumento da qualidade do trabalho em face da
especialização do trabalhador. Essa tese foi defendida por Marx em "O Capital",
quando o autor esclarece que a divisão social do trabalho que permitiu o controle
da produção pelo capitalista e retirou dos trabalhadores a dimensão de
produtores de mercadorias com a severa alienação do trabalho, se justificaria
em trabalhos extremamente especializados onde é necessário que a repartição
de tarefas aconteça para melhoramento da mercadoria (MARX, 2014). Contudo,
no caso da terceirização, e de sua implementação em uma país dependente
como o Brasil, é de se verificar exatamente o processo contrário. A terceirização
da força de trabalho ao invés de ocorrer em atividades extremamente
especializadas, que justificariam um trabalho fragmentado para maior eficiência,
acontece exatamente em atividade das menos complexas possíveis, como é o
caso do trabalho com alimentação, do trabalho com limpeza, do trabalho com
segurança e etc.

Embora o capitalista utilize o discurso da especialização para legitimar a


intermediação de força de trabalho é notório nos depararmos com a terceirização
em atividades menos complexas e as atividades altamente especializadas
permanecerem sob a subordinação da empresa com maior concentração de
capital. Assim, o capital assegura o controle da parte mais especializada e
determinante da produção e encurrala uma parcela de trabalhadores em
condições ainda mais precárias de extração de mais-valor.

Outro mito a ser enfrentado nesse estudo é o uso da técnica de


terceirização para aumentar a eficiência do trabalho realizado por determinado
grupo econômico. A experiência do Consórcio Modular no Brasil é excelente para
compreendermos que ao contrário de maior eficiência no trabalho a
fragmentação excessiva da produção diminui a possibilidade de controle central
e prejudica a qualidade da produção, ou seja, é por si mesma, dentro de critérios
de produtividade e eficiência do capital indefensível. O Consorcio Modular é uma
forma radical de outsourcing, consolidando-se na transferência de uma série de
atividades da empresa mãe para seus fornecedores, uma terceirização quase
geral das atividades produtivas da empresa. A experiência brasileira de
Consorcio Modular foi aplicada na Volkswagen do Brasil Ltda em Resende (RJ),
tendo a característica de ser desfeito por interesse da própria empresa central,
que alegava falta de qualidade nas mercadorias produzidas e falta de eficiência
no processo. A verificação desse argumento na realidade permite concluirmos
que o trabalho terceirizado, em perspectiva oposta a ideologia construída, é
menos eficiente e leva a falhas de qualidade na mercadoria produzida,
prejudicando a economia como um todo e os consumidores finais do processo.

No caso do uso da terceirização como política de flexibilização para


combater o desemprego, a lógica ideológica do capital parece caminhar para o
precipício. Como relatamos, os estudos junto aos trabalhadores terceirizados
verificam que a jornada de trabalho dos terceirizados é significativamente
superior a jornada de trabalhadores diretos, de modo que, os trabalhadores
terceirizados trabalham cerca de três horas semanais a mais que os
trabalhadores diretos. Como sabemos, a estratégia para a redução dos níveis de
desemprego que seja compatível ao desenvolvimento social e econômico do
país é a redução da jornada de trabalho. Na contramão implementada pela
terceirização trabalhadores com jornadas de trabalho maiores ocupam mais
espaço do mercado de trabalho e reduzem o número de postos de trabalho
disponíveis. A terceirização nesse caso aumenta o exército industrial de reserva,
tendo como efeito da concorrência a diminuição ainda maior do valor da força de
trabalho, ou seja, dos salários (MARX, 2014). Dessa maneira, a resposta para a
diminuição do desemprego, em perspectiva oposta a terceirização, é a redução
da jornada de trabalho e criação de mais postos de trabalho em uma jornada
antes ocupada por menos trabalhadores, fragilizados pela terceirização.

No caso do aumento da produtividade e concorrência no mercado,


estamos diante de uma possibilidade real de aumento do mais-valor pela
diminuição do tempo de trabalho necessário na produção de mercadorias, bem
como, pelo aumento proporcional da parte da jornada de trabalho que se refere
ao trabalho excedente. A terceirização como possibilidade de aumento da
concorrência com demais empresas capitalistas é uma possibilidade verdadeira
e exatamente por isso não menos importante de ser enfrentada na resistência a
superexploração própria dos países dependentes.
A América Latina, assim como diversos países asiáticos como a China, a
Índia e Bangladesh, em face do enorme exército industrial de reserva e da
condição dependente de transferência aos países de capitalismo central recebe
na divisão internacional do trabalho etapas de produção inferiores, com menos
tecnologia e maior necessidade de força de trabalho para trabalhos precários. A
concorrência com a superexploração de trabalho é dificultada e verificamos a
compensação das trocas desiguais com a alta exploração (MARINI, 2013).

Contudo, a superexploração do trabalho como pilar da economia


dependente não permite aos trabalhadores latino-americanos maior qualidade
de vida e, portanto, desenvolvimento. Em sentido oposto, constrói relações
sociais desfavoráveis no campo jurídico, no acesso às mercadorias para
consumo, nos níveis de educação, saúde, habitação e demais requisitos de vida
digna para as trabalhadoras e trabalhadores.

A fragilidade de manutenção dos direitos básicos nos contratos de


terceirizados representa mais uma preocupação com o futuro da força de
trabalho explorada, a ausência de recolhimento para fins de aposentadoria, ou
mesmo a condição de segurado com garantia de auxílio doença, licença
maternidade e etc., aprofundam um problema social já relevante no Brasil: a
insegurança do trabalhador com a saúde de seu corpo e a necessidade de
submeter-se ao trabalho explorado até o fim da vida.

Nessa esteira, a terceirização como dimensão da superexploração do


trabalho é uma técnica jurídica de diminuição de custos com o trabalho capaz de
intensificar o subdesenvolvimento nos países latino-americanos, dificultando o
desenvolvimento da economia nacional e ceifando a vida e integridade de um
número cada vez maior de trabalhadores.

III. A solução econômica e a terceirização

“A modernização das leis do trabalho é premissa básica para a melhora


do ambiente de negócios do país”, Confederação Nacional das Indústrias,
2017. A retirada de direitos sociais e trabalhistas, como verificamos
incontroversamente na prática da terceirização no Brasil e América Latina, vem
sendo apresentada como uma possibilidade de resolver a crise econômica, com
o enxugamento do Estado e a “modernização” das relações de trabalho. Tal
discurso, mesmo nos moldes do capital, ignora um projeto de desenvolvimento
nacional e não ousa qualquer exercício de totalidade visando compreender as
determinações dos países da América Latina na divisão internacional do
trabalho.

O enforcamento de direitos sociais como a terceirização, ao contrário de


resolver ou diminuir os impactos do subdesenvolvimento, é um gatilho para o
agravamento da crise econômica dos países subdesenvolvidos e potencializa a
condição dependente na produção de commodities para o desenvolvimento dos
países centrais.

A diminuição do Estado com retirada de direitos sociais (salários sociais)


se materializa na redução de salários e poder de consumo dos trabalhadores,
pois na medida em que é necessário arcar com despesas de moradia, saúde ou
educação, verificamos uma diminuição do valor destinado ao consumo de
mercadorias no mercado. A estratégia de baixos salários enfraquece o mercado
nacional do país e impede o desenvolvimento de uma economia nacional forte.

Sem mercado interno capaz de incentivar ou mesmo absorver as


mercadorias nacionais, a indústria brasileira definha ao som da reprimarização
da economia. Não satisfeito, o capital nacional intensifica a diminuição de
salários e diminuição do poder de consumo de seus trabalhadores, no respiro
possível para a manutenção de suas taxas de exploração.

Mas se a adoção de baixos salários e direitos reduzidos impede o


desenvolvimento de uma economia autônoma fortalecida e competidora no
mercado internacional, como explicar a postura da burguesia latino-americana
na linha de frente na defesa da diminuição dos salários?

Se pensarmos no ciclo de valorização do capital é indiscutível a


necessidade da realização das mercadorias para a acumulação e concentração
de valor com o capitalista. Nesse sentido, garantir salários com a finalidade de
girar o próprio mecanismo do capital nos parece um pressuposto do
empresariado, mas não na América Latina.

A existência de trabalhadores bem pagos, com salários suficientes para a


reprodução de si próprio e de sua família, disposto a gastar no mercado e
consumir as diversas mercadorias que garantiriam vida a indústria nacional é a
tese propagandeada como o caminho de desenvolvimento natural em uma
economia capitalista. Contudo, a posição da América Latina e Brasil na retirada
de direitos sociais e trabalhistas só pode ser compreendida na conjuntura da
dependência econômica em face dos países centrais.

No caso brasileiro, restringido por baixo pelo desaquecimento da China e


a diminuição da venda e preço de commodities, e por cima pela incapacidade de
incremento tecnológico para aumentar a produtividade e competir na indústria, o
país segue nos limites da dependência.

A desindustrialização brasileira, com furos na cadeia produtiva a partir da


década de 90, e a estrutural impossibilidade de desenvolvimento tecnológico e
salários majorados em face da compensação das transferências, determinou a
divisão internacional do trabalho com o eixo na exportação de matérias primas
baratas. A alta das commodities no período anterior permitiu um fôlego de
desenvolvimento segurando políticas governamentais menos ofensivas e
manutenção de direitos enquanto se orquestrava o cenário da terceirização e
reformas trabalhistas e previdenciárias.

A burguesia brasileira, sangrando na transferência de capitais para os


países centrais (por dívida pública, trocas desiguais entre países com
composição orgânica e técnica de capital distintas e dependência tecnológica),
se mostra incapaz de um projeto nacional aliado à classe trabalhadora. Projeto
autônomo que leve adiante a valorização de salários e direitos sociais para o
fortalecimento do próprio mercado nacional nos marcos do capital, a reforma
agrária como política de criação de mercados e o desenvolvimento de tecnologia
autônoma.
Em trincheira distinta, satisfeita com a representação e gestão de
monopólios e oligopólios internacionais, com a industrialização para a
exportação passando por cima dos problemas do mercado nacional de baixos
salários, conformada com a compra de pacotes tecnológicos obsoletos e cópia
de tecnologia dos países centrais e resignada com a condição dependente de
produtora de matérias primas baratas pelo agronegócio, a burguesia latino-
americana não vislumbra a superação da condição de dependência da América
Latina frente aos países centrais.

Em campo oposto, vê na superexploração do trabalho um conforto para a


compensação das perdas por transferências e a manutenção dos baixos custos
para a produção de mercadorias direcionadas a exportação e não ao mercado
nacional.

E no que consiste a superexploração do trabalho na América Latina?


Jornadas de trabalho majoradas em relação aos países centrais, aumento da
intensidade do trabalho e pagamento da força de trabalho com baixos salários,
por vezes abaixo de seu valor de reprodução. O aumento da jornada de trabalho
é a intensificação da extração do mais-valor absoluto nos países dependentes,
já a intensificação do trabalho possibilita a redução do tempo de trabalho
necessário e o aumento do tempo excedente, figurando como outra técnica de
mais-valor absoluto. Como observamos, tais elementos aparecem em evidência
na comparação entre trabalhadores com vínculo direto e terceirizados.

O apoio unificado da burguesia brasileira a Terceirização, a Reforma


Trabalhista e a Reforma da Previdência no Brasil, distante das ideologias de
modernização e flexibilização das relações de trabalho que aparecem como
falácias na realidade, tem como objetivo sedimentar e aprofundar os níveis de
superexploração com vistas a extração majorada de mais-valor pelo trabalho
explorado em processo.

A retirada de direitos sociais diminui salários, aumenta o exército industrial


de reserva com desemprego estrutural e agravam a crise econômica,
subjugando sobremaneira a economia brasileira a seu acordado lugar de
produtora de matérias primas a mercê de oscilações nas demandas
internacionais. Exatamente um dos motivos da crise, somado à crise da dividia
pública que desde 2013 dobrou seus custos para o Estado a partir do significativo
aumento da Selic. Irresponsável com a construção de um mercado interno forte
baseado em altos salários e indústria autônoma a opção burguesa pela retirada
de direitos e terceirização vai de encontro a superação dos males do
subdesenvolvimento.

Ante ao exposto, pensar em alternativas de desenvolvimento passa por


desconstruir o caminho econômico dos países centrais como modelo universal
de desenvolvimento. É necessário negar o subdesenvolvimento como etapa do
desenvolvimento, já que os países desenvolvidos jamais estiveram em um
estágio de subdesenvolvimento no período anterior. O subdesenvolvimento é
condição do próprio desenvolvimento e apenas poderá ser superado com a
ruptura com a forma de produzir do capital e sua particular divisão internacional
do trabalho.

Cimentar as bases para uma estratégia latino-americana de superação da


dependência com uma economia sustentada em direitos sociais e trabalhistas
passa por esclarecer e destruir as falsas teses burguesas de avanço econômico
pela precarização do trabalho, tendo em vista que nem mesmo em seus marcos
de análise elas se sustentam.

Enfrentar economicamente a crise no modelo de produção capitalista e


periférico é aumentar direitos e gastos sociais, que permitam maior consumo das
classes baixas e fomentem o mercado interno brasileiro. O aumento de direitos
e salários é a única saída para as crises econômicas latino-americanas, pois
reestabelece o mercado nacional e permite a realização das mercadorias
produzidas pela indústria, garantindo o ciclo de valorização e a saúde financeira
do próprio capital.

Nessa esteira, um projeto econômico para as crises do capital, nos


marcos do atual modelo de produção, só pode ser bem sucedido com o aumento
de salários e direitos sociais. Ademais, precisamos avançar na ruptura com a
transferência de capital por dívida pública ilegal, taxar grandes fortunas e ter
produção autônoma de tecnologia, com empresas estatais.
A nova morfologia do trabalho imposta pelas reformas liberais no Brasil,
em que a terceirização foi a menina dos olhos, caminha de ré na disputa por uma
economia nacional fortalecida e autônoma. É papel dos socialistas
comprometidos com a transformação social construir um programa de transição
próprio da revolução brasileira, longe da gestão do Estado burguês e perto das
pautas mais sensíveis aos trabalhadores: a resistência à extração de mais-valor
e um projeto nacional.

BIBLIOGRAFIA

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