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Sob neblina
[2004-2007]

Marilá Dardot
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

D229a
Dardot, Marilá, 1973
Arquivo / Marilá Dardot ; [versão para o inglês Paulo Andrade Lemos]. -
São Paulo : Associação de Amigos do CCBB, 2007.
3v. (252p.) ; il.

Textos em português e inglês


Conteúdo: v.1 Sob neblina [em segredo] / Marilá Dardot, texto de Cristina
Tejo - v.2. Sob neblina [2004-2007] / Marilá Dardot - v.3. Sebo / Fabio
Morais e Marilá Dardot
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-98251-19-6 Desde 2004 coleciono frases
ISBN 978-85-98251-17-2 com a palavra silêncio, numa
tentativa de compreender
1. Dardot, Marilá, 1973-. 2. Arte moderna - Século XXI - Brasil. 3. Silêncio os múltiplos sentidos
na arte. I. Associação de Amigos do Centro Cultural Banco do Brasil de São desta palavra. Compartilho
Paulo. II. Título. III. Título: Sob neblina [em segredo]. IV. Título: Sob neblina aqui o estado atual deste
[2004-2007]. V. Título: Sebo. arquivo, sempre aberto.

07-0947. CDD: 709.81


CDU: 7.036(81)
22.03.07 27.03.07 000911

Copyright © 2007 by Marilá Dardot


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Deitada e serena, os braços sob


a nuca, ela fez ainda longo silêncio
depois de ouvir-lhe a história.

Trêmulo, quase aos gritos,


pedi que me insultasse,
que me delatasse, mas
que não continuasse
em silêncio.

Depois dos últimos monossílabos,


separados por silêncios cada vez
mais longos e que acabam por
não ser mais inteligíveis, eles se
deixaram dominar totalmente
pela noite.

Minha insistência o afastou de mim,


fazendo com que se mantivesse
em silêncio, uma vez mais, junto à
janela – um silêncio durante o qual
poderia ter-se ouvido a queda
de um alfinete.
My insistence turned him from me
and kept him once more at his
window in a silence during which,
between us, you might have heard
a pin drop.
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Continuamos em silêncio enquanto Permanecemos sentados em


a criada se achava presente – absoluto silêncio; eu sentia,
tão silenciosos, pensei, como um no entanto, que ele queria
jovem par que, em sua viagem de estar em minha companhia.
núpcias, numa estalagem, ficasse
acanhado em presença de um Olhou para o marido, que,
garçom. embora estivesse junto à janela,
We continued silent while the maid desta vez percebeu no silêncio
was with us — as silent, it dela que deveria falar.
whimsically occurred to me, as
some young couple who, on their Olha-me em silêncio e em segredo
wedding journey, at the inn, feel e pergunta a ti própria
shy in the presence of the waiter. – Tu que me conheces –
quem eu sou…
Ontem à noite, junto à lareira,
esteve sentado ao meu lado duas Levanta a saia até a cintura.
horas em silêncio, como se fosse Faz um giro sobre si mesma,
dizer alguma coisa. depois o vestido cai, em silêncio,
Last evening, in the firelight and e em silêncio ela vai embora.
the silence, he sat with me for two
hours as if it were just coming. Eles tinham esse privilégio:
conviviam bem com o silêncio.
Não só estava a salvo de maiores
tormentos como ficava livre do Sentiu que ela chorava em silêncio.
peso de sua presença – de seus Era o que mais me perturbava,
silêncios melancólicos e olhares talvez: seu silêncio, o jeito com
atormentados, do espaço que parecia olhar através de mim
descomunal que parecia ocupar. como se eu não estivesse presente.
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Quando estava lá em casa a mãe silêncio por favor


passava o tempo a seguir-me em enquanto esqueço um pouco a dor
silêncio com os olhos. do peito
não diga nada sobre meus
ainda ontem defeitos
convidei um amigo eu não me lembro mais
para ficar em silêncio quem me deixou assim
comigo
Entre um beijo e outro ficavam
Esperava tranqüilamente vê-lo, silenciosos, os olhos fixos, as mãos
no quadro da porta, quando seus entrelaçadas. “Deus sabe no que
olhos se levantavam. Num silêncio ela pensa, com esses olhos tão
que vibrava, estreito. severos”.

Ela sentou-se na cama O longo, angustiado silêncio de


e nós nos fitamos em silêncio. Ofélia ajudou-o a sentir-se melhor,
olhando a escuridão com os olhos
Pareceu um tanto desapontada bem abertos.
com minha recusa e,
em silêncio, foi sentar-se Conta-lhe: mais e mais: tudo.
no sofá, atrás da irmã. Então um suspiro: silêncio. Longo
longo longo repouso.
Disse a si mesmo que aquele
silêncio compartilhado, Entre estranhos que, em silêncio,
mantido por um período de três sintonizam um do outro o ser mais
ou quatro minutos (uma eternidade oculto e, entretanto, potencializado
desenraizante), era uma prova clara de faíscas como um diamante
de como deviam estar relaxados. enterrado.
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Ele suplicava ironicamente que ela A velha estava quase dormindo e


desse sua opinião, impacientava-se o homem arrependeu-se um pouco
com o seu silêncio, cumulava-a de ter gritado e não pôde suportar
de questões, encolerizava-se, o silêncio e perguntou: – A senhora
mas sabíamos que ela poderia precisa de alguma coisa, mamãe?
ser martirizada e não confessaria
aquilo em que meu avô acreditava: Ele permaneceu escutando o choro
a sobremesa não estava da mulher, que se foi aquietando
suficientemente doce. aos poucos, até silenciar.

Por instante ela ficou silenciosa Quando o homem veio para perto
com os olhos baixos algo tristes. e começou a acariciá-la, ela não
Houve um silêncio durante o qual chegou a consentir, mas também
ele foi baixando o olhar até não o recusou. Então ele foi até
começar a fitar o chão. o fim, afastando-se, depois, em
silêncio.
De qualquer maneira, seus
silêncios começaram a se estender Ficamos eu e a amiga durante
mais, seus bocejos se tornaram algum tempo em silêncio. Porque
mais musicais e vagos. poderíamos avançar mais e mais
território, mas seria isso ampliá-lo
Seus longos silêncios são outra ou limitá-lo?
característica, quando ele quase
ousa esperar que esteja no fim. E assim permanecemos outra meia
hora, ela dentro de si e eu imerso
Conhecíamo-nos de vista; no silêncio dela, tentando ler seus
descaímos, naturalmente, pensamentos depressa, antes que
no cumprimento silencioso. virassem palavras húngaras.
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No terraço do antigo palácio, Tem razão: as horas que precedem


alçado sobre o mar, meditaremos minhas partidas são cheias de
em silêncio a diferença entre nós. silêncios e constrangimento
entre nós;
Agora, conto até cem: se esse
silêncio continuar, vou pegá-la E, nesse ponto, houve entre
pela mão e começaremos a correr. os dois um longo silêncio;
– And here there arose a long
É nesse silêncio dos circuitos silence between them:
que estou falando com você.
E depois que ambos se tiveram
, nesse ato de sondar o silêncio silenciosamente dominado e
e esperar o retorno de um eco, fortalecido, deram-se as mãos,
perpetua-se o primeiro chamado em sinal de que queriam
do afastamento, reconhecer-se.
And when both of them had thus
Te farei uma confidência – já vês, silently composed and strengthened
não te guardo rancor e estou certo themselves, they gave each other
de que um dia vais romper esse the hand, as a token that they
absurdo silêncio. wanted once more to recognise
Te haré una confidencia – ya ves, each other.
no te guardo rancor y estoy seguro
que un día vas a romper ese Permaneceu um momento em
absurdo silencio – : silêncio, mas continuou a fitar-me:
I will confide in you – you see, Que aconteceu?
I don’t bear any grudges and For some time he was silent,
I’m sure that one day you are but he continued to meet my eyes.
going to break this absurd silence. “What happened?”
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A não ser que tu, neste momento, Não tive tempo, penso que vacilei
digas o mesmo que te digo a um porque preferia guardá-la assim,
silencioso terceiro, que por sua vez… a plenitude era tão grande que não
A no ser que tú, en este momento, queria pensar em seu vago silêncio,
digas lo mismo que te digo a un em uma distração que não
silencioso tercero, que a su vez… conhecera nela antes, em uma
But do you, at this very moment, maneira de me olhar por momentos
tell the same things I tell you to como se procurasse algo, uma
a silent third, who in turn… bofetada de olhar imediatamente
devolvida ao próximo, à gata ou
– Quem é você para se queixar a um livro.
dos meus silêncios ou das minhas
substituições – Ele, com toda a certeza, passaria
o braço pelo meu, obrigando-me a
Disse-lhe isso com tal sinceridade, permanecer sentada durante uma
com um desespero tão evidente, hora em estreito e silencioso
que ficamos silenciosos, um e outro. contato com as suas deduções
sobre o que havíamos conversado.
Mas duas pessoas não se equilibram He would be so much more sure
muito tempo lado a lado, cada qual than ever to pass his arm into mine
com seu silêncio; um dos silêncios and make me sit there for an hour
acaba sugando o outro, e foi quando in close, silent contact with his
me voltei para ela, que de mim commentary on our talk.
não se apercebia.
“Tu mereces o desprezo daquela
Segui observando seu silêncio, mulher. Estás ficando seco
decerto mais profundo que o meu, porque ela te submeteu
e de algum modo mais silencioso. a um silêncio pérfido”.
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Nada pude dizer durante um


minuto, embora sentisse, enquanto
lhe apertava a mão e continuávamos
a olhar-nos nos olhos, que meu
silêncio tinha todo o ar de admitir
a sua imputação, e que nada no
mundo da realidade, naquele
momento, era, talvez, tão fabuloso
como as nossas relações.
I could say nothing for a minute,
though I felt, as I held his hand
and our eyes continued to meet,
that my silence had all the air
of admitting his charge and that
nothing in the whole world of
reality was perhaps at that
moment so fabulous as our
actual relation.

Depois de um silêncio
constrangedor,
abriu intermináveis braços e,
tristemente, ergueu-os:
Com o último gesto do prazer
começava o silêncio, a perturbação,
a comédia ridícula.

.
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Uma vez calado o órgão, reinava


o silêncio em toda a assembléia,
como se ninguém tivesse no peito
um único som para deixar escapar.

Depois fez-se silêncio e todos


se afastaram.

Os três saíram juntos da sala,


caminhando em silêncio,
um silêncio em que havia
um leve tom de embaraço.

A sala silenciosa e quase vazia


era um triste presságio de fracasso.

E, sempre que ele se prometia


para falar, conseguia-se, cá,
o multitudinal silêncio –
das pessoas de milhares.

E a Sala lotada vibrava do jeito


mais intenso que há: em silêncio.

Tudo mergulhara num silêncio


extraordinário como se as
pessoas se tivessem calado
propositadamente.
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Respeitosamente, esperamos que Naquele calmo silêncio e naquele


ela rompesse o silêncio. prazer para nós incompreensível,
eu olhava para minha mãe.
por que descem tão tristes
arrastando lama e silêncio. E esta festa, cruzada por
relâmpagos e delírios, é como
Cessou e fitou-os, degustando o avesso brilhante do nosso silêncio
o silêncio. e da nossa apatia, da nossa reserva
e da nossa aspereza.
Ele enfrentava-lhes o silêncio.
Não somos gente de confiança e
Ela falava torcendo as mãos, nossas respostas, assim como
rindo um pouco, mas quase nossos silêncios, são imprevisíveis,
a chorar nesse tremor. inesperados. Traição e lealdade,
O silêncio que se seguiu durou crime e amor, ocultam-se no fundo
longamente, mas deixáramos de nosso olhar.
de rir, estávamos a comer.
Ouviam-se sons de trânsito,
Porque papai fala mecanicamente, buzinas de barcos, não só durante
como se não estivesse envolvido os silêncios da música: por serem
com as palavras. Como se mais fortes, era mais fácil ouvi-los
cumprisse uma formalidade, para do que os próprios sons do piano.
não haver silêncio total na mesa.
Até que a orquestra em peso
Todos se calam. Ninguém, produziu um acorde seco, e antes
provavelmente, leu nada. que rebentassem aplausos,
Fizeram uma greve silenciosa morteiros e gritaria, houve
frente àqueles livros inusitados. um átimo de silêncio.
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Há um silêncio profundo na sala,


algo que se assemelha a uma dor,
a uma derrota.

Ali, por fim, acharam-se eles


reunidos e em silêncio, todos
pessoas idosas, mas com o coração
consolado e animoso, e admirados
de se sentirem tão bem na terra;
o mistério da noite, no entanto,
aproximava-se cada vez mais
de seu coração.

Acenderam os cigarros
e fumaram em silêncio,
até chegarem as bebidas.
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Aquela nudez silenciosa, inerte,


transmitia-nos uma espécie
de êxtase: um sopro poderia
transformar-nos em luz.

Aquele riso indecoroso acabava


por ir parando mas, no silêncio,
uma rapariga estoirava, não podia
mais: e as gargalhadas voltavam
a submergir a sala.

, a única coisa consoladora,


naquela hora, foi um silêncio,
ficar assim, um contra o outro,
ouvindo-se respirar, viajando
de vez em quando com um pé
ou uma mão até o outro corpo,
empreendendo carinhosos
itinerários sem consequências,
restos de carícias perdidas na
cama, no ar, espectros de beijos,
ínfimas larvas de perfumes
ou de hábitos.

Com os olhos fechados e as mãos


tocando o púbis um do outro.
Naquela luz irisada. Naquele
silêncio total.
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Depois houve alguns minutos O cabelo dela jazia desalinhado,


de silêncio, com a música suave, espalhando-se pelo corpo dele
de fundo, quando as duas imagens e no próximo minuto de silêncio
se aproximaram e deviam estar ele tornou-se o homem mais sadio
se beijando. do mundo, despojado de sua seiva,
liberto de sua mente.
Que silêncio sua pele, que abismos
onde rodam dados de esmeralda, , como se o silêncio e sua solidão
cínifes e fênices e cráteres… no aposento o introduzissem
num território proibido,
Nesse momento da vida, se lhe das coisas escondidas, onde
perguntassem qual o seu maior se reavivava o desejo perdido.
desejo, responderia sem hesitação
que era o de ver respeitado seu Nossos corpos úmidos e eu já podia
direito elementar de permanecer diferenciar quais as partes do meu
em silêncio. corpo e quais as de Lia e perceber
que a chuva passara e não havia
Só que agora, para além do desejo mais relâmpagos e que a caixa
de permanecer em silêncio, ele já de música voltara ao silêncio e
sofria a ação da força contrária: ninguém olhava da porta, como se
a da vontade de luta e de dar um nada, talvez, houvesse acontecido.
salto no escuro.
Mas que tu passavas por mim
A moça silenciosa e enigmática, em silêncio e que coraste, isso
franzina e delicada, linda e eu vi perfeitamente:
branquíssima, que ficava só de But that thou passedst me by in
calcinha e deitava-se sobre ele silence, that thou blushedst –
vestido apenas com a cueca. I saw it well:
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– Não, não – repetiu, quando beijei


silencioso seu pescoço.

Foi um minuto profundo,


silencioso, ao fim do qual
meu impulso cedeu.

Cuidava que sua roupa de baixo


não amarrotasse e por isso a
despiu entre risadinhas silenciosas;

Do teu corpo de ânfora inútil saiba


eu tirar / a alma de novos versos /
e do teu ritmo lento de onda
silenciosa saibam os meus dedos
trêmulos ir buscar as linhas
pérfidas de uma prosa virgem
de ser ouvida.
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O ouvido atento espreita


o próprio silêncio.

O silêncio que se seguiu,


na noite subitamente parada,
pareceu-me interminável.

A escada estava no mais completo


silêncio.

Finalmente o silêncio
restabeleceu-se, mas no momento
em que se preparava para descer,
o seu ouvido apurado percebeu
um novo ruído.

Restabeleceu-se o silêncio;
mas mal cessara este incidente,
produziu-se outro: um grupo
de homens, falando em voz alta,
subia tumultuosamente a escada.

E à voz alta que agora lhe infunde


esse silêncio de olhos inseguros
e surpresos.

Depois de um penoso silêncio,


pronunciei: – Ninguém vai chegar!
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após um breve espaço de tempo Um silêncio tenso, algo


durante o qual o silêncio reinou atemorizado, pairava agora
soberano, sobre a classe, os trinta pares
de olhos fixos no professor,
Mas não podia atirar, nem mesmo talvez porque ele houvesse
pôr o dedo no gatilho. Tudo voltara pegado novamente o ovo,
a tornar-se silencioso. examinando-o com uma
atenção obsessiva.
Fez uma longa pausa antes de
voltar a falar, e, nesse intervalo Quando passamos para a sala de
de escuridão e silêncio, soube jantar estávamos simultaneamente
que algo terrível estava prestes bêbados e silenciosos. Eu esperava.
a acontecer.
Mas o que sobreveio foi o silêncio,
O que se produziu na sala o vazio ou a perplexidade, o que
foi mais profundo ainda que estava muito bem, pois este era
o silêncio; foi uma espécie de um terreno fértil onde os espíritos
vácuo anterior ao verbo primeiro, poderiam florescer.

Ora, tendo acostado e tendo-se E, em silêncio, espero


internado no arvoredo, viu-se o acontecimento.
mergulhado num silêncio que
o encheu de inquieto pasmo. este silêncio todo me atordoa
atordoado permaneço atento
Com o magnetismo de um guia
religioso, ergueu suavemente os ; as mãos levantadas, implora
braços, fazendo com que o silêncio à orquestra que faça silêncio
retornasse ao recinto. E disse: antes do grande salto mortal;
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(Os passinhos de pés pequenos; Aceitou o cigarro que lhe oferecia


a agitação teimosa e incompetente e se disseram os nomes, onde
da maçaneta; a ordem rouca trabalhavam, sentiam-se bem em
emitida da cama e respondida trocar impressões esquecendo-se
com murmúrios intrigados, do corredor, do silêncio que, por
um recuo intrigado; o silêncio momentos, parecia demasiado,
expectante antes do inpacto como se as ruas e as pessoas
ou da colisão – o grito, o choro.) estivessem muito longe.

A casa estava em silêncio absoluto: Desde séculos alinhadas na praia,


um silêncio de pontas dos pés, ruminando conjecturas, reprimindo
e de dedos nos lábios. guias, herdeiras de uma epopéia
concluída no silêncio, aguardam
A mulher deitada e silenciosa, a restituição do seu homem pelo
esperando. mar, que às vezes chateado com
a monotonia do próprio ritmo
Ouves novamente o clique da porta se rebela; então afunda barco,
cuidadosamente fechada e o silêncio, pescadores, bacalhau.
antes que os passos comecem.
Em branco silêncio: suplicando.
O silêncio geral, atenuado apenas
pelo som ínfimo da roleta rodando.

Faz tanto tempo que espero,


escutando o silêncio!

Um profundo, dilacerante silêncio,


e depois…
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Estou pronto a surpreender


a conspiração mais silenciosa.

Não cometi outro erro senão


o de permanecer calado e deixar
que o silêncio se restabelecesse.

(tinha contundência
o meu silêncio!)

Não foi pelo incômodo de escrever


que não o fiz; poderia muito bem
ter escrito tanto quatro páginas
como uma. Mas meu silêncio
abrigava uma intenção.

Será que consigo me entregar ao


expectante silêncio que se segue
a uma pergunta sem resposta?

Mulheres silenciosas falam do


que foi falado. Elas abandonam
o círculo; apenas elas percebem
a perfeição de sua circunferência.

Andava com cautela, pisando em


silêncio, como um gato – fora
treinado para isso.
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Estava silencioso por dois motivos. Não me calo, porque o silêncio


Primeiro, razão já suficiente, é para os grandes.
por não ter nada a dizer.
Segundo, por considerar inferiores Ninguém tem por que saber
os seus companheiros. de nossa vida, e eu te ofereço
a liberdade com o silêncio.
(então compreendi que seu silêncio
era uma tática) Impôs-me um voto de silêncio,
e durante vinte e quatro dias
a partir desta data, não falei com ninguém, não emiti
aquela mágoa sem remédio sequer um som mesmo quando
é considerada nula estava sozinho.
e sobre ela – silêncio perpétuo
– Silêncio, eis minha ultimíssima
Já cheguei a um acordo com o charada!
mundo: em troca do seu barulho,
dou-lhe o meu silêncio. Silêncio com um bocejo ou dois
acompanhou esse emocionante
E prosseguia, dilatado, como se comunicado.
obrigado a preencher o silêncio.
Este livro contém o seu segredo:
Um ajudante silencioso, abrindo a devo reduzi-lo ao silêncio pois ele
porta a meias, fez-lhe um muxoxo está além de todas as palavras.
silencioso.
Ficar em silêncio numa conversa
Enquanto espressava seus compromete imediatamente
sentimentos, que nos aborreciam um minha responsabilidade
pouco, permanecemos em silêncio. por minha imagem.
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Todo mesmo, percebeu como , acender um cigarro atrás do


perguntavam, e botou silêncio, outro, cãimbras nas tripas, sede,
desengraçado com isso, não gritos silenciosos que explodiam
entendendo como pessoas de como massas negras na garganta,
tão alta distinção pudessem
perder seu interesse, em coisa. Um silêncio pode servir
para excluir certas palavras
A única coisa que os consolava ou mesmo para mantê-las
era pensar que Morelli também se de reserva para serem usadas
movia nessa mesma ambigüidade, numa ocasião melhor.
orquestrando uma obra cuja
legítima primeira audição devia Em tempos de silêncio generalizado,
ser, talvez, o mais absoluto conformar-se com a mudez dos
dos silêncios. outros é certamente culpável.

Eu gostaria de entender melhor Ao que precede, opor de um modo


Mallarmé, seu sentido da ausência inerte uma recusa peremptória pelo
e do silêncio era muito mais silêncio ou por uma ocupação tão
do que um recurso extremo, estranha que valha pelo silêncio.
um impasse metafísico.
Fechar-se no escuro e no silêncio,
Se os homens como esse guardam como se para iluminar os olhos
o silêncio, como é provável, e ouvir um som.
os outros triunfam cegamente,
sem qualquer má intenção, E diante da morte, como diante
da vida, damos de ombros
Silenciada e irredenta, ficou-me e oferecemos um silêncio
a mais elevada esperança! ou um sorriso desdenhoso.
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A não ser que tenha o objetivo de É evidente que isso os incomoda:


exasperar, simplesmente pelo som, alguém a fixá-los em silêncio.
alguém que precisa de silêncio.
Plantado na sua arisca solidão,
Se este decifrar é lento, posso espinhoso e cortês ao mesmo
gastar uma vida toda nisso e então tempo, tudo lhe serve para que
é vantajoso para ti manteres-te se defenda: o silêncio e a palavra,
em silêncio, porque assim não a cortesia e o desprezo, a ironia
te conheço e posso tudo imaginar. e a resignação.

Cair, por exemplo, no silêncio Sua linguagem está cheia de


extremamente significativo de suspensões, figuras e alusões,
um Marcel Duchamp. reticências; em seu silêncio há
dobras, matizes, nuvens, arco-íris
Um silêncio onde cabem todas súbitos, ameaças indecifráveis.
as possibilidades, como os poemas
“não escritos” por Rimbaud. In divining and keeping silence
shall the friend be a master: not
Por que o silêncio significativo everything must thou wish to see.
de Duchamp e Rimbaud
e não o silêncio modesto, ”Cala-te!", disse em voz baixa,
o silêncio-silêncio, de uma “as boas canções querem ter um
pessoa absolutamente comum? bom eco; e, depois de cantadas,
deve haver um longo silêncio.”
Oscilamos entre a entrega e a "Be still!" said he with modest
reserva, entre o grito e o silêncio, voice, "good songs want to
entre a festa e o velório, sem que re-echo well; after good songs
nos entreguemos nunca. one should be long silent.
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Minha maldade e arte preferida Os seres claros, valorosos,


é que o meu silêncio aprendeu transparentes, ao contrário, são,
a não trair-se pelo silêncio. para mim, os mais sutis
My best-loved wickedness and art dos silenciosos: pois seu fundo
is it, that my silence hath learned é tão profundo, que também a água
not to betray itself by silence. mais límpida – não o trai.
But the clear, the honest, the
Para que ninguém possa ver transparent – these are for me the
no fundo de mim e da minha wisest silent ones: in them, so
última vontade – para isso profound is the depth that even the
inventei o longo, luminoso silêncio. clearest water doth not – betray it.
That no one might see down into
my depth and into mine ultimate Para mim, ou seja, para o ser
will – for that purpose did I devise inexorável que, em mim,
the long clear silence. guarda silêncio, mas não
o guardará sempre.
Reconhecido e submetido à prova, For me, that is to say, for the
deverá ser, para saber-se se é da inexorable which is now silent in
minha espécie e origem – se é senhor me, but will not always be silent.
de longa vontade, silencioso, ainda
quando fale, e de tal modo dúctil, Havia quebrado, assim, uma
que receba, mesmo ao dar. camada de gelo que se formara
Recognised and tested shall each durante muitos anos;
be, to see if he be of my type and naturalmente, tivera lá suas razões
lineage: – if he be master of a long para aquele longo silêncio.
will, silent even when he He had broken a thickness of ice,
speaketh, and giving in such wise the formation of many a winter; had
that he taketh in giving: – had his reasons for a long silence.
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Não falamos um com o outro, Sim, qualquer coisa invulnerável


porque sabemos coisas demais; e que não pode tumular-se há
silenciamos um com o outro, em mim, qualquer coisa que fende
num mútuo sorriso nos lançamos rochas: chama-se a minha vontade.
o nosso saber. Silenciosa e inalterada, procede
We do not speak to each other, através dos anos.
because we know too much –: we Yea, something invulnerable,
keep silent to each other, we smile unburiable is with me, something
our knowledge to each other. that would rend rocks asunder:
it is called my Will. Silently doth
Vejo e vi coisas piores, e várias it proceed, and unchanged
tão abomináveis, que não desejaria throughout the years.
falar de cada uma delas, mas,
a respeito de algumas, tampouco Foi dele que aprendi o longo,
silenciar: luminoso silêncio?
I see and have seen worse things, Did I perhaps learn from it the long
and divers things so hideous, that I clear silence?
should neither like to speak of all
matters, nor even keep silent about One can only be silent and sit
some of them: peacefully when one hath arrow
and bow; otherwise one prateth
O velho feiticeiro quedou-se um and quarrelleth. Let your peace
momento silencioso, depois disse: be a victory!
“Eu, tentar-te? Eu – apenas
procuro – At this my companion did turn,
But the old magician kept silence but the inquiry she launched was
for a while; then said he: "Did I put a silent one, the effect of which
thee to the test? I – seek only. was to make me more explicit.
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Could ye create a God?- Then, I em toda grande poesia, como em


pray you, be silent about all gods! toda grande música, há que captar
a força do silêncio.
Parecia assentir, mas, mesmo
assim, conservava-se em silêncio. Desejaria reiterar-lhe que a
Diante disso, prossegui: absolveria, mas imaginei que o
She appeared to assent to this, silêncio seria mais inteligente.
but still only in silence; seeing
which I went on: Fi-lo com o objetivo de verificar se
eles, de algum modo, haviam con-
Quanto mais os vigiava e ficava à seguido, por meio de suborno, o
espera, mais me convencia de que, seu silêncio – silêncio que eu, no
mesmo à falta de qualquer outra entanto, me esforçaria por romper
prova, o silêncio sistemático de na primeira oportunidade em que
ambos constituía prova suficiente. nos achássemos a sós.
The more I've watched and waited I did this to such purpose that I
the more I've felt that if there were made sure they had in some way
nothing else to make it sure it would bribed her to silence; a silence that,
be made so by the systematic however, I would engage to break
silence of each. down on the first private opportunity.

Hesitamos em fazer a pergunta Permaneci um momento em


porque não queremos ouvir a silêncio, enquanto nos olhávamos.
resposta. Prosseguimos em silêncio. – Bem. então o que deverei
dizer-lhe?
THEY have the manners to be silent, I was silent awhile; we looked
and you, trusted as you are, at each other. "Then what
the baseness to speak! am I to tell him?"
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Refleti, ansiosamente, que ali, Ajunte-se a isto, também de acordo


durante mais de uma hora, com a linha dos antigos flamengos,
teríamos de guardar silêncio a notação do silêncio, do respiro,
– e pensei com inveja na relativa da pausa funcionando como
penumbra do banco e na ajuda dramatis personae.
quase espiritual que me
proporcionaria a almofada Procurava, evidentemente,
em que apoiaria meus joelhos. encarar como coisas assentes
I reflected hungrily that, for more mais do que lhe era possível
than an hour, he would have to be descobrir por si próprio, e,
silent; and I thought with envy of ao analisar a sua situação,
the comparative dusk of the pew mergulhou em tranqüilo silêncio.
and of the almost spiritual help of He was discernibly trying
the hassock on which I might bend to take for granted more things
my knees. than he found, without assistance,
quite easy; and he dropped
ou ouvir no silêncio todo into peaceful silence while
em pontas do cacto espinhento, he felt his situation.
bem agrestino;
Não tiremos do dedo o anel
seu silêncio, alcançado mágico que chama,
à custa de sempre dizer mexendo-se-lhe,
a mesma coisa, pelas fadas do silêncio
e pelos elfos da sombra
As crianças são assim; comandam e pelos gnomos do esquecimento…
silenciosamente o mundo, pela
energia de uma vontade desesperada, aviar e ativar, debaixo do silêncio,
e às vezes o mundo lhes obedece. o cacto que dorme em qualquer não;
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avivar no silêncio os cem espinhos – Devemos amortalhar-nos


com que pode despertar o cacto não. em silêncio?

Debaixo do silêncio O que não se pode dizer


eu não sei o que traziam. tem de se silenciar.

Ele apenas sorriu, um enorme


e silencioso sorriso.

Vou lhe dizer o que vou fazer


e o que não vou fazer.
Não vou servir àquilo em que já
não acredito, que isso se chame
meu lar, minha pátria ou minha
igreja; e vou tentar me expressar
no modo de vida ou de arte mais
livre e mais íntegro que puder,
usando em minha defesa
as únicas armas às quais
me permito – o silêncio, o exílio
e a astúcia.

A descontinuidade e a falta
de estrutura de seus poemas –
segundo alguns críticos
impertinentes – talvez provenham
da sua intuição do valor positivo
do silêncio:
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Frente a frente, derramando todas


as palavras, dizemos, com os olhos,
do silêncio que não é mudez.

Minhas desequilibradas palavras


são o luxo de meu silêncio.

Escrevo por profundamente querer


falar. Embora escrever só esteja me
dando a grande medida do silêncio.

E depois, o outro está sempre


prestes a partir: ele se vai duas
vezes, pela sua voz e pelo seu
silêncio: de quem é a vez de falar?

(...) a fala se compõe toda de


silêncios. Um ser que não fosse
capaz de renunciar a dizer muitas
coisas, seria incapaz de falar.

As sílabas ecoaram. Mas,


em vez de romper o silêncio,
ainda o tornaram mais denso:

Esse silêncio enchia ainda a pausa


da frase que, sendo cindida para
cercá-lo, guardou-lhe a forma;
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As palavras, após a fala, alcançam Um silêncio, na aparência igual


o silêncio. a outro silêncio, poderia exprimir
cem intenções diversas; até mesmo
São as palavras mais silenciosas um assovio; falar calando-se,
as que trazem a tempestade. ou assoviando, é sempre possível;
o problema é entender-se.
Atento às áreas de silêncio entre
as palavras, nelas distinguindo Começamos a esquecer como é
a misteriosa ressonância do fecundar o silêncio, entendendo
inexprimível afinal expressado. o silêncio não como ausência
de palavra mas como condição
Vazia de palavras e este corpo de existência da própria palavra;
espesso
Sucumbem ao feroz silêncio é o intervalo entre as palavras
meridiano: – o silêncio – que dá sentido
à linguagem;
Em síntese, a palavra não é aquilo
que existe para suprimir o silêncio, Esculpir em silêncio nulo todos
que existe apesar do silêncio, mas os nossos sonhos de falar.
a palavra existe graças ao silêncio.
Na verdade, mesmo o silêncio
O silêncio, seu ofício de existir, pode ser considerado um discurso,
o modo mágico de atingir “sua” enquanto refutação ao uso que
perfeição, o criador de palavras e os outros fazem da palavra;
imagens que somente ele interpreta;
; o silêncio particular da neve com Textos que discutem o dizer e
esse rumor fluido e sonolento que o não dizer. Um livro que busca
afinal se traduz em comunicação. algo assim como o silêncio.
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; mas o sentido desse silêncio-discurso


está nas suas interrupções,
ou seja, naquilo que de tanto
em tanto se diz e que dá um
sentido àquilo que se cala.

Não quero um livro de histórias,


mas um livro que discuta a
linguagem, num tom oscilando
entre o ruído e o silêncio.
Tendendo, talvez, para um
silêncio final ou, quem sabe,
um ligeiro sussurro.

a inaudível palavra
futura, – apenas
saída da boca,
sorvida no silêncio.

Procura a ordem
desse silêncio
que imóvel fala:
silêncio puro.

E não será a palavra


a metáfora do silêncio?
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A tumba do seu povo e sua: pedra


preta, silêncio sem esperança:
e tudo está preparado. Não morra!

Acabou o atalho. O abismo,


um silêncio de morte.

Silencioso de reverência e piedade


aproximei-me de seu leito.

Minha soberania morta está na


rua. Não-apreensível – Ao seu redor
um silêncio de túmulo.

Certo dia, em Jerez de la Frontera,


ouvi um tiro de canhão a vinte
metros e descobri outro sentido
do silêncio.

Esta madrugada que não parece


caminhar para um novo dia.
Um silêncio de morte.

Nossa impassibilidade cobre a vida


com a máscara da morte; nosso
grito estraçalha essa máscara e
sobe ao céu até se distender, quebrar
e cair, como derrota e silêncio.
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Pensei em como seria bom se a Essa arte tem a própria estrutura


Terra se extinguisse em fogo um do suicídio: o silêncio é nela um
dia, não deixando nenhum rastro tempo poético homogêneo que fica
ou resíduo dos que a habitaram, entalado entre duas camadas e faz
reduzidos então à anti-séptica explodir a palavra menos como
pureza do vazio, regida por um o farrapo de um pictograma
silêncio perfeito. do que como uma luz, um vazio,
um assassínio, uma liberdade.
Com uma trovejante decisão,
o céu os recolheu em sua funda, Lentamente, penetrou na escuridão
endireitou-os (“A morte é boa”, e no silêncio e ficou deitado ali
disse ele mais uma vez) e tornou por tanto tempo que, com o pouco
a dispará-los contra a noite discernimento que lhe restava,
silenciosa. ele os julgou finais.

Despertei; em meu valoroso Então lançou, silenciosa,


coração, hesitava entre arrojar-me uma invocação: “Que essas luzes
de bordo para morrer no mar, me guiem logo a um bom termo,
ou sofrer em silêncio e continuar no todo ou no nada”.
entre os vivos.
Uma canção quase branca
O resto é a vida que nos deixa, na garganta essa vontade de silêncio
a chama que morre no nosso olhar, cemitérios que trazemos em segredo.
a púrpura gasta antes de
a vestirmos, a lua que vela Então morre – silêncio –
o nosso abandono, as estrelas o Comendador
que estendem o seu silêncio e não desabam as montanhas
sobre a nossa hora de desengano. e o mundo, já vazio, não acaba?
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Apaziguei-me, silenciei; Eu não quero cair lá. Lá é silêncio.


concluí que não compensava Lá – não.
apressar o dia da morte.
Perdão! E este silêncio
Doces, sempre, doces no silêncio, e esta tumba que cala!
na mortificação, na hostilidade.
E antes que o festim comece,
A voz do professor, angustiada, passe pelas alamedas dos largos
ressoa a distância – naquele parques o grande cortejo medieval
silêncio de fúnebres acajus, de púrpuras mortas, o grande
mangueiras, sicômoros, cerimonial silencioso como
caprichosamente espalhados a beleza num pesadelo.
pela clareira rosa, paisagem
de feras sedentas de sangue. Um homem baixo, troncudo, com
ar de viajante, que andava muito
Lá está a silenciosa ilha dos silencioso, cabisbaixo, sem pressa,
túmulos; lá estão, também, rente à parede das casas.
os túmulos da minha juventude.
Para lá quero levar uma sempre
verde coroa da vida.
Yonder is the grave-island, the
silent isle; yonder also are the
graves of my youth. Thither will I
carry an evergreen wreath of life.

Cubramos, ó Silenciosa, com um


lençol de linho fino o perfil hirto e
morto de nossa Imperfeição…
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No ermo o silêncio
encorpa-se.

O silêncio aumentava,
iniludível.

Sobra silêncio escuro lividamente.

Um silêncio frio. Os sons da rua


como que foram cortados à faca.

Senti-me inquieto já. De repente,


o silêncio deixara de respirar.

Lua defeita, o silêncio se afunda,


afunda – o silêncio se mexe, se faz.

O silêncio entorna os barulhinhos


todos num, que na gente amortece
os ouvidos; e passa por cima, por
cima engrossa um silêncio outro,
que é a massa de uma coisa.

No silêncio nunca há silêncio.

Há um silêncio, mas que muitos


roem, ele se desgasta pelas beiras,
como laje de gelo.
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“Este silêncio…” pensou. Vale a pena observar


Era mais que silêncio, era o nada. pacientemente o que se processa
em silêncio na alma.
O silêncio se desespumava.
The rest is silence.
O silêncio timbrava-se.
Não seria a voz lívida do silêncio,
É no silêncio que se sente com sua música sem timbre
que se ouve. e suas reverberações, vinda
somente do silêncio para a ele
Silêncio é consenso. retornar prontamente?

Há silêncios aéreos e perfumados Sim, tudo é vaidade, tudo é


como noites de junho na Inglaterra, mentira fora desse céu sem limites.
outros têm a consistência glauca Não existe nada, absolutamente
do lameiro, outros, ainda, são nada além disso… Talvez seja até
duros e sonoros como o ébano. um engodo, talvez até não exista
nada, além do silêncio, do repouso.
A atmosfera dessa amizade pura é
o silêncio, mais puro que a palavra. E como, afinal, o trabalho perdido
e o silêncio são melhores.
O silêncio também não traz,
como a palavra, a marca de nossos O ruído total equivale
defeitos, de nossos esgares. É puro, ao silêncio total.
é verdadeiramente uma atmosfera.
Mas onde, como, foi feita esta
O silêncio esparso aumentava divisão entre som e silêncio,
a tranquilidade das coisas. se não com os ouvidos?
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Parmênides: reduz o discurso ao O silêncio abre léguas de distância.


silêncio (como os céticos); mas
o silêncio “absoluto” não é uma A lenha, outro silêncio.
“incerteza”, ou uma “dúvida”,
ou uma “abstenção”; ao contrário, , e o silêncio que havia em toda
é a “certeza” silenciosa, o saber verdadeira música se deslocava
silencioso do absoluto inefável; lentamente das paredes, saindo
de debaixo do divã, separando-se
Parmênides fala “até o fim, fala como lábios ou casulos.
para chegar de um modo certo ou
necessário ao silêncio definitivo, no se diz a palo seco
e pelo qual nada mais é duvidoso”. a esse canto despido:
ao cante que se canta
Agora, porém, tudo é ainda silêncio sob o silêncio a pino.
humano.
que o cante a palo seco
O silêncio, diz ela mesma em algum sem tempero ou ajuda
lugar, está povoado de vozes. tem de abrir o silêncio
com sua chama nua.
E o que nos diz seu silêncio?
O silêncio é um metal
Silenciar é pior: todas as verdades de epiderme gelada,
silenciadas tornam-se venenosas. sempre incapaz das ondas,
To be silent is worse; all suppressed imediatas da água;
truths become poisonous. a pele do silêncio
pouca coisa arrepia:
The material of music is sound and o cante a palo seco
silence. de diamante precisa.
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Ou o silêncio é pesado, A palo seco é o cante


é um líquido denso, de grito mais extremo:
que jamais colabora tem de subir mais alto
nem ajuda com ecos; que onde sobe o silêncio;
é cante que caminha
Ou o silêncio é levíssimo, com passo paciente:
é líquido sutil o vento do silêncio
que se coa nas frestas tem a fibra de dente.
que no cante sentiu;
O respiro das rodas dos deuses
o silêncio paciente em silêncio.
vagaroso se infiltra,
apodrecendo o cante Branco sobre branco:
de dentro, pela espinha. silêncio absoluto agindo.

Ou o silêncio é uma tela Do silêncio que, cuidadoso,


que difícil se rasga se abre
e que quando se rasga Para que a nata do vácuo
não demora rasgada; nos consagre.

O silêncio aqui é uma estrutura. O silêncio pode-se manifestar como


não hostil, não vazio, não ausência.
A silenciosa aguardente dos deuses.
O pobre do silêncio refugia-se
enfrentar o silêncio no bico do canário.
assim despido e pouco
tem de forçosamente O silêncio torna-se um rumor
deixar mais curto o fôlego. surdo, aveludado.
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E nesse silêncio esquadrinhado


em harmonia, cheirando a vinho,
cheirando a estrume, compor aí
o tempo, pacientemente.

Levantei-me, fui até o corredor,


escutei o silêncio que sucedera
à tempestade: nada o interrompia.

Não tem altura o silêncio


das pedras.

Pequenos barcos avançavam em


silêncio com as velas levemente
infladas; em torno deles, ondas
esverdeadas deslizavam meio
entumescidas, rumorejantes.

Desmoronamento – espaço – eras –


folhame de estrelas – e céu sumindo
– silêncio – e silêncio mais profundo
– silêncio de aniquilação – e a voz
dela.

Pensou: “É o silêncio… este lugar…


Nem um vivente, a não ser uns
grilos que arrastam penosamente
no pó o abdômen amarelo e negro”.
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E sempre, como se por certo Noite igual por dentro ao silêncio,


houvesse fora um sol e um dia, Noite.
via-se claramente, para fim
nenhum, no silêncio rumoroso Daí, depois muito silêncio,
da floresta. tem um pássaro, que acorda.

Particularmente forte era a De baque, de altos silêncios,


recordação de que em dada altura caiu, longe, uma folha de coqueiro,
lhe tinham atirado lama, tendo como elas se decepam.
o cisne mergulhado em silêncio,
para depois emergir da corrente, E puxou um silêncio tão grande,
completamente branco. tão fino em si, tão claro, que até
se escuta curuca no rio.
Parara o universo inteiro.
Momentos, momentos, momentos. Depois o silêncio volvia, com os
A treva encarvoou-se de silêncio. passos que se apagavam, e a chuva
continuava, inumeravelmente.
Fico sozinho com o universo
inteiro. Nas cascatas de nossos jardins
Não quero ir à janela: a água era pelúcida de silêncios.
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores O pátio continuou deserto e
há no alto! silencioso, azulado pela luz da lua.
Quase antes de compreender já
No coração desta casa cheia estava escutando a noite, o perfeito
de sonos o queixume subiu silêncio pontilhado pelos grilos.
lentamente, como uma flor
nascida do silêncio. Silêncio, o sol.
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Reinava ali o silêncio Vinham urros da estalagem e,


de um templo vazio. no entanto, tudo silenciou.

No silêncio em que minha alma seus mares áridos, seu silêncio:


vagava luxuriosamente, as sílabas seu esplendor, quando visível:
da palavra Arábia atiravam-me sua atração, quando invisível.
num encanto oriental. the admonition of her craters,
her arid seas, her silence:
Movendo no ar os altos lenhos her splendour, when visible:
de um três-mastros, as velas her attraction, when invisible.
recolhidas nas cruzetas, surgindo,
contracorrente, movendo-se – no espaço vazio onde se rasgam
silenciosamente, um navio silente. como um canto de galo em pleno
silêncio –
Entregou-lhe a folha em silêncio
por sobre o biombo de vidro sujo. Vibrações. Agora ar silencioso.

Um ruído surdo perturbou, por (O corno de bode soa por silêncio.


um instante, o silêncio da água. O pendão de Sião é içado.)
Só restava o sol.
Com todo o meu corpo tenso como
Que espetáculo os confrontou grande orelha, aprecio a qualidade
quando eles, primeiro o hóspede, particular do silêncio em que
depois o visitante, emergiram me banho.
silenciosamente, duplamente
escuros, da obscuridade por Em seguida, um silêncio profundo,
uma passagem da ré da casa esquecido: o rosa da África
para a penumbra do jardim? derramado ao sol.
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O rumor da fauna ouvir-se-ia apenas , onde todos os sopros


do exterior e a certa distância da dos campos infinitos
floresta, ou seria a sua presença vinham de tão longe brincar
que provocava o silêncio? silenciosamente perto de mim,

Até chego a sondar a profundidade Sucedeu a este cataclisma um


sepulcral do silêncio noturno da silêncio formidável.
gruta com uma volúpia vagamente
nauseada que me inspira certa O canto alvoroçado dos pássaros
inquietação. ao amanhecer, aflito e melancólico
no crepúsculo, cedendo lugar
Elas o enchiam com uma vida ao mavioso silêncio.
silenciosa e diversa,
com um mistério no qual eu Depois dirigiu-se para o rio a fim
me encontrava, ao mesmo tempo, de se lavar nas vagas, e Robinson,
perdido e encantado; pensativo e silencioso, viu-o
mergulhar, sempre a dançar,
, onde cada ruído não faz senão na sombra verde dos paletúvios.
evidenciar o silêncio, deslocando-o,
Mas a corrente terral,
; enquanto isso, na rua vizinha, onde o navio se encontrava,
entre a casa do armeiro e o correio, aumentou, silenciosamente
banhadas de silêncio, varrendo-o cada vez para mais
o céu sombrio, mas azul, longe, rumo às estuporadas
estava cheio de estrelas; águas mais além.

Os pássaros observavam Ora, pela calada do dia,


um silêncio gelado. ali é lugar de muito silêncio.
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, as costumeiras casas de Multidões súbitas e silenciosas


empestados, as frágeis construções durante o dia e que de repente
coloniais, o silêncio. desaparecem para ceder lugar
a gatos negros e uivantes,
Verá navegarem em silêncio cachorros esqueléticos que
estrelas e planetas em parábolas se afundam em latas de lixo.
e elipses que determinam o caráter
e o destino? Havia repuxos nos salões, mosaicos
nos pátios, paredes cheias de
Lapas, com salitrados desvãos, ornamentos, mil delicadezas
onde assiste, rodeada de silêncios arquitetônicas, reinando
e acendendo globos olhos no por toda parte um tal silêncio
escuro, a coruja-branca-de-orelhas, que se podia ouvir o roçar de
grande môcho, a estrige cor de um véu ou o eco de um suspiro.
pérolas – strix perlata.
Os grandes pinheiros, com suas
Ouvimos, materializando o silêncio raízes nuas, que um ano antes
doce que enche as orelhas ao lhe haviam parecido tão novos,
mesmo tempo que os pulmões, o tão alegres, tão cheios de vida,
barulho regular das gotas de água já não sussurravam, estavam
caindo uma após a outra numa silenciosos e imóveis, como se
bacia, ou numa poça, invisível. não o reconhecessem…

Como isto é amplo, livre, silencioso! Dissimula tanto a sua singularidade


É como se o mundo todo humana que acaba por aboli-la;
me estivesse mirando de um e se tranforma em pedra,
esconderijo, esperando por mim em árvore, em muro, em silêncio:
para ser compreendido. espaço.
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Às horas em que a paisagem Ó minha alma, todos os sóis


é uma auréola de Vida, e o sonho derramei sobre ti e todas as noites
é apenas sonhar-se, eu ergui, e todos os silêncios e todos
ó meu amor, no silêncio do meu os anseios; cresceste, então,
desassossego, este livro estranho como videira.
como portões abertos ao fim duma O my soul, every sun shed I upon
alameda numa casa abandonada. thee, and every night and every
silence and every longing: – then
Olhando para o céu azul e depois grewest thou up for me as a vine.
para o rosto de tua mãe, rompes
o silêncio perguntando-lhe se, na O se extendía frente a mí, infinita
verdade, não é muito mais distante como el horizonte, hasta que yo
do que parece. O céu, queres dizer. también me hacía horizonte y silencio.
Or she would stretch out in front
Depois recai o silêncio, o rosa, of me, infinite as the horizon, until
o tremendo rosa da África, I too became horizon and silence.
com seu sol sem significado,
Pero no le bastaban mis barcos ni
O índio se funde na paisagem, el canto silencioso de las cacarolas.
se confunde com a cerca branca But my boats and the silent song
em que se apóia durante a tarde, of the shells were not enough.
com a terra escura onde se deita
ao meio-dia, com o silêncio Correm rios, rios eternos por baixo
que o cerca. da janela do meu silêncio.

Cai no silêncio da Cidade Eterna No silêncio notívago da rua...


A água da chuva em largos fios Sonâmbulo glacial da estranha
grossos... pena!
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Sai. Depara com os barracões do Os jipes estão dispostos em ordem,


liceu, vazios, os pátios silenciosos: as tendas são montadas em
e lá embaixo, ameaçadora – silêncio: as conversas são cada
com os gritos dos animais vez menos vulgares, na quietude
na noite que desce – a mata. do trabalho prático, da noite
que desce.
Chama tornada auréola, presença
ausente, silêncio rítmico e fêmea, Haja silêncio no mar
crepúsculo de vaga carne, taça Para se ouvir a sereia.
esquecida para o festim, vitral
pintado por um pintor-sonho A floresta, a cidadezinha com seus
numa idade média doutra Terra. largos, os seus palacetes míseros e
brancos como hospícios e a poeira
Era um grande rio de seixos vermelha: no silêncio de milênios.
brancos, cheio de silêncio.
– Garotos que passam correndo
O silêncio da noite boreal é com suas jaquetas novas, trazendo
percorrido pelo ronco das confusão à praça agora vazia,
rachaduras que se abrem no sonoro silêncio da hora
engolindo metrópoles inteiras, do almoço…
depois por um sussurro de
avalanches que se atenuam, se Virou-se para a parede e, sem a
extinguem, como que acolchoadas. menor pressa, com o dedo, traçou
uma papoula no papel de parede,
E, sobre mim – que rósea calma, com folha, haste e um botão gordo
que silêncio sem nuvens! a ponto de explodir. No silêncio,
And above me – what rosy red e sob o dedo que deslizava, a
stillness! What unclouded silence! papoula parecia tornar-se viva.
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– Panorâmica das cantinas e dos Dédalos de espelho de Elísio,


depósitos dos meeiros recavados torre babéu, hortus urbis diaboli,
nos arredores da antiga cidade, furores de Thule, delícias de
com os trastes abandonados, Menrod, curral do pasmo,
em silêncio, na úmida, ensolarada cada bicho silencia e seleciona
grama tenra… andamentos e paramentos.

Aqui, neste silêncio e neste mato, Escuta-me e não olhes pela janela
Respira com vontade a alma aberta a plana outra margem do
campônia! rio, nem o crepúsculo, nem esse
silvo de um comboio que corta o
Plangem... Silêncio! Mas de novo longe vago (…) – Escuta-me em
as harpas silêncio…
Reboam pelo mar, pelas escarpas,
Pelos rochedos, pelas penedias... , ou ainda o silêncio cruel do vazio
e do escuro.
Da silenciosa montanha e das
borrascas da dor, corre minha Ó silente céu invernal de nevada
alma murmurejando nos vales. barba, alva cabeça de redondos
Out of silent mountains and storms olhos por cima de mim!
of affliction, rusheth my soul into Thou snow-bearded, silent,
the valleys. winter-sky, thou round-eyed
whitehead above me!
E, quando chegou ao cimo da
serrania, eis que lá estava outro O rocio cai sobre as ervas quando
mar estendido à sua frente; e ele a noite mais silencia seus segredos.
permaneceu longamente parado The dew falleth on the grass when
e em silêncio. the night is most silent.
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And when he had reached the top O meu sonho, audacioso navegador
of the mountain-ridge, behold, there à vela, meio embarcação, meio
lay the other sea spread out before lufada de vento, silencioso como
him; and he stood still and was as borboletas, impaciente como
long silent. um falcão real – onde encontrou,
hoje, paciência e vagar para
A academia vegetal dos silêncios… pesar o mundo?
teu nome soando como as My dream, a bold sailor, half-ship,
papoilas… os tanques… o meu half-hurricane, silent as the
regresso… o padre que endoideceu butterfly, impatient as the falcon:
na missa. how had it the patience and leisure
to-day for world-weighing!
É que a lua cheia, nesse momento,
despontava, num silêncio mortal, Um silêncio ruidoso a ameaças
sobre a casa, e, nesse momento, invadia como uma brisa lívida a
estava lá parada, um disco em atmosfera visível da coberta.
brasa – parada sobre o telhado Admirably do forest and rock know
plano, como em propriedade alheia. how to be silent with thee.
For just then went the full moon,
silent as death, over the house; just Ao final, saudado pela idade do
then did it stand still, a glowing gelo, do verão que resfria, fenece,
globe- at rest on the flat roof, as if pelo horizonte distante, ermo,
on some one's property: – dos campos já colhidos, pelo
silêncio das estradas noturnas, eu
A pérola é uma minúscula era um homem sem mulher, triste.
sílfide japonesa; pérola, o casulo
do silêncio, uma vírgula luminosa, Em silêncio se dá:
a perfeição do zero, o eco da pérola. em capas de terra negra.
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O sítio sagrado, o lugar infame, Dos meus lábios mudos não vem
o canto do monólogo: a orfandade canto como o das sereias, nem
de uma tarde, os hinos de uma melodia como a das árvores e das
manhã, os silêncios, aquele dia fontes; mas o meu silêncio acolhe
de paraíso vislumbrado, como uma música indecisa,
compartilhado. o meu sossego afaga como
El sitio sagrado, el lugar infame, o torpor de uma brisa.
el rincón del monólogo: la orfandad
de una tarde, los himnos de una Volta a parecer-te com a árvore
mañana, los silencios, aquel día de que amas, a de ampla ramagem:
gloria entrevista, compartida. silenciosa e à escuta, debruça-se
The sacred place, the infamous site, sobre o mar.
the corner of the monologue: the Resemble again the tree which
orphanage of an afternoon, the thou lovest, the broad-branched
hymns of a morning, the silences, one- silently and attentively
the day of a paradise glimpsed it o'erhangeth the sea.
and shared.
– The winter-sky, the silent
Uma multidão de pequenas luzes, winter-sky, which often stifleth
agitadas pelo vento, traçava even its sun!
na noite uma festa silenciosa,
incompreensível. Acampei Impérios no Confuso,
à beira de silêncios, na guerra
Teria aquela moça metido as mãos fulva em que acabará o Exacto.
no orvalho, ter-se-ia dado algum
dia ao ar puro – esse rosto; Silêncio. Silêncio esdrúxulo
surpreendera jamais o silêncio que interrompe o martelar
das plantas durante o sono? da araponga.
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De seu olho esquerdo brota – Ca d’Oro – disse o gondoleiro


um enxame de insetos de asas rompendo um longo silêncio,
cinzas, que voam em linha reta e com a mão mostrou-lhe
até a cúpula e caem, feitos pó, a fachada do Palácio.
silencioso desmoronamento
de armaduras tocadas Dá para ouvir o cúmulo das
pela mão do sol. excelências falarem num búzio
De su ojo izquierdo brota contigo, baixinho, que as escalas
un enjambre de insectos de alas vão queimar sua última oitava,
grises, que vuelan em línea recta de tal forma que ao dizer
hacia la cúpula y caen, hechos teu nome, silêncio o faz.
polvo, silencioso derrumbe
de armaduras tocadas Raio cai em silêncio, – grito,
por la mano del sol. e é só poeira que levanta.
From his left eye stream Ao sol do deserto e
gray-winged insects no silêncio atingido
that fly in a straight line como a uma amêndoa,
to the dome and fall, sua flauta seca:
turned to dust, a silent
landslide of armor touched Ó face sonhada
by the sun’s hand. de um silêncio de lua,
na noite da lâmpada
O que o canavial sim ensina ao pressinto a tua.
mar:
a elocução horizontal de seu verso; Entre mim e eles
a geórgica de cordel, ininterrupta, estendem-se avenidas iluminadas
narrada em voz e silêncios que arcanjos silenciosos
paralelos. percorrem de patins.
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'Agora tudo está muito tranqüilo',


pensou. Abriu bem os olhos
e ouviu o silêncio tecendo sua teia,
macia e sem fim. Com que leveza
respirava; ela quase não precisava
respirar.

… toadas a mármore em longes


palácios, reminiscências pondo mãos
sobre as nossas, olhares casuais de
indecisões, ocasos em céus fatídicos,
anoitecendo em estrelas sobre
silêncios de impérios que decaem…
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Deixem-me em paz! Não tardo,


que eu nunca tardo…
E enquanto tarda o Abismo e o
Silêncio quero estar sozinho!
O ponteiro avançava, o relógio da
minha vida respirava – nunca ouvi
tamanho silêncio em torno a mim:
a tal ponto que meu coração se
assustou.

Um Tédio, desolado
por cruéis silêncios,
Ainda crê no derradeiro
adeus dos lenços.

Torna a dar-me ó Silêncio imenso,


a minha ama e o meu berço e a
minha canção com que dormia…

Esperou alguns minutos, atento:


nada. A noite estava
em completo silêncio.
Esperou um pouco mais:
silêncio total. Sentiu que estava só.

Saíste ao raiar do dia e já é noite.


Os únicos sons no silêncio são os
de teus passos.
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(…) aí, mas onde, como, grudado Esperava-me nestas margens,


à manhã, com seu silêncio em desde a origem dos tempos, a
que já entram os ruídos do dia, solidão, ela e o seu companheiro
o noticiário do rádio que ligamos habitual, o silêncio…
porque estamos acordados e
levantados e o mundo , mas a vastidão e a solidão de tal
continua andando. maneira são oceânicas, e o silêncio
e a monotonia também,
Em modorrento silêncio ouro
inclinava-se em sua página. Desde que cessou o pipar
de dois gaviões que se libravam
A porta, ao fechar-se, confinava-me circunvoantes, no silêncio daquela
à solidão mas nada, julgava eu, solidão podia-se escutar o sol.
me poderia agora demover, e fiquei
estendido no chão, deixando correr , nas falésias de chuva e de bruma
as lágrimas em silêncio. onde reina o sofrimento inútil, a
solidão austera, silêncio tumultuoso
Já as suas vozes tinham há muito de todos os elementos sacudidos
silenciado quando a minha pelos enxames de espíritos.
começava apenas a cansar-se
do solilóquio. Essa sombra, esse silêncio e essa
súbita solidão o deixaram
E hás de crescer, no teu silêncio, momentaneamente incerto
tanto sobre quem ele era ou podia ser.
Que, é natural, ainda algum dia, o
pranto Uma casa escura e silenciosa,
Das tuas concreções plásmicas eu percebendo tristemente que
flua! é mais fácil sair do que entrar.
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Ficou deitado nas sombras ouvindo E o meu sonho crescia no silêncio,


apenas o som estranho até que, Maior que as epopéias carolíngias!
lentamente, fez-se silêncio e a
escuridão chegou. Diluiu o silêncio em litanias...
E hoje, poetas, já faz sete dias
E ainda há os solitários, os que são Que eu ouço o canto desse sabiá!
capazes de ouvir em silêncio uma
música no rádio ou então ler. Tempo demais ardi em anseios,
olhando ao longe. Tempo demais
Mas que só agora, terminado pertenci à solidão; destarte,
este texto, a angústia haverá desaprendi o silêncio.
passado para dar lugar Too long have I longed and looked
a um delicado silêncio. into the distance. Too long hath
solitude possessed me: thus have I
Então permaneço aqui sentado, unlearned to keep silence.
calmo, silencioso, com a mente
vazia, feliz. Ó solidão de todos os dadivosos! Ó
silêncio de todos que espargem luz!
Apraz-me, adstrito ao triângulo Oh, the lonesomeness of all
mesquinho bestowers! Oh, the silence of all
De um delta humilde, apodrecer shining ones!
sozinho
No silêncio de minha pequenez! Muitos sóis gravitam nos espaços
vazios: falam, com sua luz, a tudo
É difícil viver com os homens, o que é escuro – comigo, silenciam.
porque é tão difícil o silêncio. Many suns circle in desert space: to
It is difficult to live amongst men, all that is dark do they speak with
because silence is so difficult. their light- but to me they are silent.
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Mas seu silêncio oprimia-me; When thy stillest hour came and
a dois, em tais circunstâncias, drove thee forth from thyself, when
estamos realmente mais sós with wicked whispering it said:
do que sozinhos. 'Speak and succumb!
The silence, however, oppressed me;
and to be thus in pairs, one is verily A serpente, porém, e a águia,
lonesomer than when alone! ao vê-lo assim calado, respeitaram
o grande silêncio que o envolvia
Tempo demais vivi perto da solidão e se afastaram de mansinho.
e, assim, desaprendi o silêncio! The serpent, however, and the
Too long have I sat with eagle, when they found him silent
lonesomeness; there have I in such wise, respected the great
unlearned silence! stillness around him, and
prudently retired.
Quando toda a tua espera e
o teu silêncio te contristavam, E soltaram outra risada e foram-se
desanimando a tua humilde embora; depois, fez-se silêncio
coragem – Isto era abandono! em torno de mim e como que
When it disgusted thee with all um duplo silêncio.
thy waiting and silence, and
discouraged thy humble courage: ; mas os seus animais achegaram-se
That was forsakenness! dele, respeitando-lhe a felicidade
e o silêncio.
Quando veio a tua hora mais ; his animals, however, pressed up
silenciosa e te arrastou para longe to him, and honoured his happiness
de ti mesmo, ao falar-te com and his silence.
malvado murmúrio: Dize a tua
palavra e despedaça-te! Ah silenciosa!
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Você se sentia bem assim sozinha, Tenho no meu quarto manequins


mas de súbito algo como a tristeza, corcundas
esse silêncio civilizado, esse filme onde me reproduzo
que só eles veriam. e me contemplo em silêncio.

Depois o Hotel Europa e essa Silencioso: quer fechado ou aberto,


ducha que coroa as viagens inclusive o que grita dentro;
com um longo monólogo de sabão anônimo:
e silêncio.
Abeja ausente, aún zumbas
Afastamento dos fatos, isolamento en mi alma.
silencioso. Revives en el tiempo, delgada
y silenciosa.
Daqui dá para ver o objeto muito
bem, além – a terra de ninguém Divertia-me a chegada dos
do silêncio. viajantes, barulhenta, cheia
de vida, que espantava o silêncio –
Em que pese o vazio, nem vão,
nem silêncio; entupida de açúcar Ali, num só ser, a vida vibrava em
no ponto de cortar. silêncio, dentro de si, intrínseca,
só o coração, o espírito da vida,
Foi a época em que eu mais que esperava.
prestigiei o silêncio, o jejum
e o não. Senhora dos silêncios
Serena e aflita
cãimbras nas tripas, sede, Lacerada e indivisa
gritos silenciosos que explodiam Rosa da memória
como massas negras na garganta. Rosa do oblívio
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Para mim, este é o momento


decisivo de minha confrontação
com Deus: o encontro inelutável
com o silêncio.
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Era o silêncio mortal de nosso


longo olhar, de tão curta distância,
que dava àquele horror, enorme,
a sua única nota sobrenatural.
It was the dead silence of our long
gaze at such close quarters that
gave the whole horror, huge as it
was, its only note of the unnatural.

Compreendi que destruíra


o equilíbrio do dia, o silêncio
excepcional de uma praia
onde havia sido feliz.

Depois, tanto silêncio no meio


dos rumores, as coisas todas
estão com medo.

Nem carecia falar-lhe a paz


da proibição: dava-lhe, apenas,
um silêncio, terrível.

Um vasto silêncio, que sons miúdos


não alteram no como é sentido,
como me assalta e subjuga.

Clamor de erro obscuro, ao silêncio


resignado.
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Apinhadas na nesga de terra Nada aconteceu. Mamãe estava


formas silenciosas apareciam, estendida na varanda, muito
brancas, gravibundas, alcançando pequena ao fundo de um pesado
mãos resignadas, ajoelhadas e sufocante silêncio.
de dor, indicando.
(Com trêmulas garras vulturinas
Ontem, na hora mais silenciosa, tateia o rosto silencioso de Bloom.)
o solo fugiu debaixo de meus pés:
o sonho começou. imediatamente, transido, senti em
mim um novo choque, uma espécie
Loucura de sonho naquele silêncio de silêncio que, vindo do alto,
alheio!… caiu sobre mim e gelou-me.

Ela silenciou um instante num O mais estranho – e o mais


espasmo de medo e recomeçou angustiante – era o silêncio
a chorar. em que se trancara.

Quando parava, fazia-se silêncio, No silêncio esmagador da floresta,


depois transportado de repente o ruído que produzia ao progredir
para o outro extremo do quarto, retumbava com temíveis ecos.
ele recomeçava, como um maníaco,
a sua caminhada sem fim. Mal havia trazido à mente a lenda
e representado em sua imaginação
Lembrava-me do tempo em que a aparição negra no campo
deplorava as bebedeiras de meu de centeio, de trás dos pinheiros
pai, em que o silêncio e a gravidade em sua frente, avançou silencioso,
de minha mãe me faziam crer que sem o mínimo sussurro,
ela partilhava do meu sentimento. um homem de meia altura.
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Depois se fez silêncio no alpendre She smiled and smiled, and we met;
de repouso, um silêncio tão but it was all done in a silence by
completo, como se se tivesse this time flagrantly ominous.
sumido uma miragem ou uma
fantasmagoria. Perguntas inúteis que caem no
silêncio deseperado do rapaz.
Para mim, o mundo está cheio de
vozes silenciosas. Significará isso Mais terrível ainda, e mais
que sou um vidente ou que tenho aterrador, era quando voltava a
alucinações? aplacar-se e tudo em redor se
calava e somente eu estava sentado
E tudo isso, de repente, crescia em meio ao lúgubre silêncio.
e tornava-se uma música atroz, But more frightful even, and more
pior do que o silêncio de feltro heart-strangling was it, when it
das casas em ordem de seus again became silent and still all
pais irrepreensíveis, around, and I alone sat in that
malignant silence.
Gargalhadas desvairadas e até
aterrorizantes – o triunfo de And I cried in terror at this
um gênio do mal – enquanto whispering, and the blood left my
se escutavam os seus derradeiros face: but I was silent.
passos, pois logo depois sobreveio
o silêncio. A menina rompeu o silêncio,
observando-me de alto a baixo
Ela não cessou de sorrir, com ingênuo assombro.
até que nos encontramos – mas
tudo isso em meio a um silêncio O silêncio eterno desses seres
flagrantemente ominoso. tortos e loucos me apavora.
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E também o vi, arrepiado, a cabeça I was silent a little, and it was I,


levantada, tremendo, na mais now, I think, who changed color.
silenciosa meia-noite, quando
também os cães acreditam em Por mais que eu houvesse esperado
fantasmas. que aquele nome não fosse jamais
And saw it also, with hair bristling, proferido entre nós, o súbito e
its head upwards, trembling in the perturbado olhar que se estampou
stillest midnight, when even dogs no rosto da criança, ao ouvi-lo,
believe in ghosts: assemelhou-se muito, em meio
ao meu silêncio, ao ruído de uma
Não me é possível descrever vidraça que se espatifasse.
o que se passou logo após, Much as I had made of the fact that
salvo dizer que o próprio silêncio – this name had never once, between
que era, de certo modo, um us, been sounded, the quick, smitten
atestado de minha energia – glare with which the child's face
transformou-se no elemento now received it fairly likened my
em que vi a figura desaparecer, breach of the silence to the smash
I can't express what followed it of a pane of glass.
save by saying that the silence
itself – which was indeed in a Este calor acalma o silêncio onde
manner an attestation of my o pensamento não entra, ingressa
strength – became the element e integra-se na massa.
into which I saw the
figure disappear; o claro desenho de seu movimento
inscreveu-se no silêncio como o
Permaneci um momento golpe impressionante de uma garra.
em silêncio, e fui eu, creio,
quem então mudou de cor. O silêncio do homem dava medo.
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E tudo isso, de repente, crescia


e tornava-se uma música atroz,
pior do que o silêncio de feltro
das casas em ordem
de seus pais irrepreensíveis,
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A presente edição foi composta em


caracteres Lucida Sans, corpo 8/10
e Bookman Old Style corpo 12, e
impressa pela Rona Editora em sistema
offset, papel offset 90g (miolo) e alta
alvura 240g (capa), em abril de 2007.

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