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Tribunal de Justiça da Paraíba

PJe - Processo Judicial Eletrônico

19/04/2021

Número: 0813414-20.2021.8.15.2001
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
Órgão julgador: 8ª Vara Cível da Capital
Última distribuição : 19/04/2021
Valor da causa: R$ 50.000,00
Assuntos: Tratamento médico-hospitalar
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
RAISSA DE ARAUJO COURA (REPRESENTANTE) RINALDO MOUZALAS DE SOUZA E SILVA (ADVOGADO)
FABIO MASSAHARU FURUKAWA (AUTOR) RINALDO MOUZALAS DE SOUZA E SILVA (ADVOGADO)
BRADESCO SAUDE S/A (REU)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
41958 19/04/2021 18:30 Decisão Decisão
250
Poder Judiciário da Paraíba
8ª Vara Cível da Capital

PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) 0813414-20.2021.8.15.2001

DECISÃO

Vistos, etc.

Trata-se de AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA


ANTECIPATÓRIA, onde HENRIQUE COURA FUKURAMA, menor impúbere, requerer que seja a
promovida, BRADESCO SAÚDE S.A compelida, em sede de tutela provisória antecipatória, a
reembolsar integralmente as despesas já suportadas, bem como as futuras para a continuidade do
tratamento necessário ao Transtorno de Espectro Autista (conforme recomendado pela médica especialista
- doc. anexo), em até 03 dias úteis, após a comprovação das despesas junto ao setor competente, sob pena
de aplicação de multa diária não inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Consta no ID.41941128, negativa do plano de saúde, alegando “limite de sessões


de psicoterapia excedido, conforme disposto nas diretrizes de utilização do Anexo II da RN428/ANS.”

Em síntese, o relato. Passo a decidir.

Para concessão de tutela provisória de urgência antecipada, necessário se faz o


preenchimento dos requisitos previstos no art. 300, do CPC/2015, quais sejam:

1) a probabilidade do direito, compreendida como a plausibilidade


do direito alegado, em cognição superficial, a partir dos elementos de
prova apresentados;

2) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, caso a


prestação jurisdicional não seja concedida de imediato.

Importante ressaltar, ainda, que esta não poderá ser concedida, quando houver
perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (art. 300, §3º, CPC/2015).

Na presente situação, a parte autora, regularmente inscrita no plano de assistência


médico/hospitalar da promovida, busca o reembolso integral das despesas já suportadas, bem como as
futuras para a continuidade do tratamento necessário ao Transtorno de Espectro Autista, conforme
recomendado pela médica especialista.

Primeiramente, é pertinente tercermos esclarecimento acerca do TEA - Transtorno


do Espectro Autista – o qual envolve diversas patologias que prejudicam o desenvolvimento neurológico
e apresentam três características: dificuldade de socialização, de comunicação e comportamentos
repetitivos. Essas síndromes apresentam escalas de severidade e de prejuízos diversas.

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Número do documento: 21041918302490300000039934863
A comunidade médica esclarece que o portador de autismo sofre de um distúrbio
incurável, mas especialmente naqueles com grau leve, cujos sintomas podem ser substancialmente
reduzidos caso recebam o tratamento adequado o mais cedo possível, proporcionando-lhe condições de
conduzir a vida de forma mais próxima da normalidade.

A Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre planos e seguros saúde, determina cobertura
obrigatória para as doenças listadas na CID-10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e de
Problemas Relacionados à Saúde, com relação de enfermidades catalogadas e padronizadas pela
Organização Mundial de Saúde.

O CID 10, no capítulo V (Transtornos mentais e comportamentais), prevê todos os


tipos de Transtornos do Desenvolvimento Psicológico, no qual está o Transtorno Global do
Desenvolvimento, do qual o autismo é um subtipo.

Da mesma forma, a Lei nº 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de


Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, prevê em seu art. 2°, inc. III e art.
3°, inc. III, “b”, a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional ao paciente
diagnosticado com autismo.

Vale ainda mencionar os artigos 15 e 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente,


que garantem o direito ao respeito da dignidade da criança, bem como a inviolabilidade da integridade
física, psíquica e moral.

Destarte, a legislação atual garante cobertura a diversos transtornos do


desenvolvimento, inclusive ao autismo, e ao tratamento que o beneficiário do plano de saúde necessita.

Todavia, o argumento utilizado pela promovida para a negativa é de que o limite de


sessões de psicoterapia excedeu aos dispostos na RN428/ANS.

De há muito, vem a jurisprudência rechaçando as limitações impostas pelas


operadoras de plano de saúde quanto aos tratamentos indicados para a cura das doenças por ele cobertas, à
consideração de que compete ao médico assistente, com exclusividade, a escolha do melhor método de
diagnóstico e/ ou tratamento para a manutenção da saúde do paciente e sua duração, máxime quando este
é o objetivo final do contrato celebrado, sendo a cláusula limitadora considerada abusiva, por se traduzir
em desvantagem exagerada para o consumidor.

Aliás, esse foi o entendimento da quarta turma do STJ, in verbis:

RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR E SAÚDE SUPLEMENTAR. PLANO


PRIVADO DE SAÚDE. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE
CLÁUSULA CONTRATUAL. MENOR IMPÚBERE PORTADOR DE PATOLOGIA
NEUROLÓGICA CRÔNICA. LIMITAÇÃO DE 12 SESSÕES DE TERAPIA
OCUPACIONAL POR ANO DE CONTRATO. DESVANTAGEM EXAGERADA.
CONFIGURADA. ROL DE PROCEDIMENTOS DA ANS. EXIGÊNCIA MÍNIMA
DE CONSULTAS. EQUILÍBRIO CONTRATUAL. COPARTICIPAÇÃO.
NECESSIDADE. JURISPRUDÊNCIA ESTÁVEL, ÍNTEGRA E COERENTE.
OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA.

1. Ação ajuizada em 24/08/12. Recurso especial interposto em 23/05/16 e concluso ao


gabinete em 18/10/16. Julgamento: CPC/15.

2. Causa de pedir da ação declaratória de nulidade de cláusula contratual fundada na


negativa de cobertura de terapia ocupacional eletiva como tratamento de paralisia
cerebral com epilepsia, baseado em prescrição médica.

3. O propósito recursal consiste em definir se é abusiva cláusula de contrato de plano


de saúde que estabelece limite anual para cobertura de sessões de terapia ocupacional.

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4. A Lei 9.656/98 dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde e estabelece
as exigências mínimas de oferta aos consumidores (art. 12), as exceções (art. 10) e as
hipóteses obrigatórias de cobertura do atendimento (art. 35-C), tudo com a expressa
participação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na regulação da saúde
suplementar brasileira (art. 10, §4º).

5. Há abusividade na cláusula contratual ou em ato da operadora de plano de saúde que


importe em interrupção de tratamento de terapia por esgotamento do número de
sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS,
visto que se revela incompatível com a equidade e a boa-fé, colocando o usuário
(consumidor) em situação de desvantagem exagerada (art. 51, IV, da Lei 8.078/1990).
Precedente.

6. Utilização da coparticipação para as consultas excedentes, como forma de evitar o


desequilíbrio financeiro, entre prestações e contraprestações. Valoriza-se, a um só
tempo, a continuidade do saudável e consciente tratamento do paciente enfermo sem
impor à operadora o ônus irrestrito de seu financiamento, utilizando-se a prudência
como fator moderador de utilização dos serviços privados de atenção à saúde.

7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

Infere-se, pois, que é abusiva a limitação prévia de quantidade de sessões de


psicoterapia ao paciente sob acompanhamento médico.

Ressalte-se que, diante do quadro clínico apresentado pelo primeiro promovente,


não se pode deixar de crer que é cabível e imperativo o devido tratamento tal como prescreveu sua médica
assistente, vez que imprescindíveis para seu desenvolvimento cognitivo, necessário para o seu bem-estar e
adequado enquadramento social. Assim é que as terapias prescritas estão intrinsecamente vinculadas ao
tratamento eficaz da doença do autor.

Ademais, se a enfermidade não está excluída de tratamento pelo contrato de plano


de saúde, e sendo aquelas terapias de natureza ordinária e não experimental, assim como necessárias para
o atendimento indispensável do autor, não há como pretender dissociá-las da obrigação pactuada entre as
partes ajustadas.

Portanto, dentro do quadro específico do primeiro promovente, não se pode chegar


a outra ilação senão a de que as terapias reclamadas não podem ser dissociadas do tratamento da doença
em questão, sendo temerário negar a cobertura de seu tratamento.

Cumpre destacar que este tipo de acompanhamento é atestado


pela médica especialista que assiste o menor (Id. 41941114), que, de forma objetiva, declara a
necessidade do tratamento, cuja falta pode interferir no desenvolvimento da autonomia da criança, e na
capacidade de expressar seus pensamentos e consequentemente, na qualidade de vida do paciente e da
família.

Presente, portanto, a probabilidade do direito nas alegações autorais.

Dito isto, e analisando detidamente os autos, observou-se a indubitável urgência


que o pleito carreia, já que a demora, além da já experimentada, na prestação dos serviços de saúde
indicados pela especialista acarreta prejuízos por vezes irreversíveis no desenvolvimento cognitivo do
primeiro promovente, restando, pois, configurado o perigo de dano e ao resultado útil do processo.

Neste sentido, o laudo mencionado (Id.41941114) também nos conta da premente


necessidade de autorização do tratamento nos moldes como requerido pela médica:

“Em caso de negativa para os tratamentos indicados, ou sua suspensão, ou troca de


terapeutas, o paciente pode apresentar piora importante do quadro, com aumento do
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, além de maiores dificuldades para
habilidade essenciais, como comunicação, linguagem, interação social, brincadeira

Assinado eletronicamente por: RENATA DA CAMARA PIRES BELMONT - 19/04/2021 18:30:25 Num. 41958250 - Pág. 3
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simbólica, independência para atividades da vida diária. No momento, é
imprescindível que se mantenha em acompanhamento terapêutico com: (...) –
Psicoterapia ABA (...) – A frequência mínima recomendada para o momento são de
10 sessões/sem.”

De derradeiro, cumpre avaliar que, em sendo deferido, neste momento, o prescrito


pela médica que o acompanha, quando da decisão final da presente demanda, haverá possibilidade de
reversibilidade da mesma. Isto porque, no caso desta demanda ser julgada improcedente, haverá
mecanismos próprios a compelir a parte autora a cobrir os gastos que sobejarem o tratamento
eventualmente não coberto pelo plano de saúde.

Destarte, diante da cognição sumária caracterizadora das decisões prefaciais, as


provas coligidas aos autos, sobretudo a indicação médica demonstram quantum satis o preenchimento dos
requisitos necessários à concessão da tutela provisória de urgência antecipada, bem como a probabilidade
de danos irreparáveis à saúde do primeiro promovente, caso lhe seja negado esse direito
fundamental, motivo que entendo por deferir o pleito liminar ora analisado. No entanto, com a ressalva do
novo entendimento que vem se firmando no TJ/PB, qual seja, que o tratamento seja prestado por
profissionais da saúde, através da rede credenciada do BRADESCO SAÚDE S.A e que, caso inexistam
profissionais credenciados, por meio de reembolso dos valores com base na tabela do plano de saúde,
devidamente comprovados nos autos. (Agravo de Instrumento nº 0804428-37.2019.815.0000, cujo
Relator foi o desembargador José Ricardo Porto).

ISTO POSTO e mais que dos autos consta, defiro em parte a tutela provisória
de urgência antecipada, para determinar que o BRADESCO SAÚDE S.A promova, entre seus
profissionais credenciados, de forma contínua, no prazo de 72 horas, o prosseguimento do tratamento
multidisciplinar constante no LAUDO MÉDICO (Id.41941114), de forma a viabilizar a continuação do
tratamento, preservando o desenvolvimento adequado do menor, haja vista o sério risco de prejuízo
irreparável ao mesmo.

Caso inexistam profissionais habilitados para tanto, em sua rede de credenciados,


arcará, por meio de reembolso, com os valores para cumprimento total da liminar, observado o limite da
sua tabela de serviços, cujas importâncias haverão de ser comprovadas regularmente nos autos, tudo sob
pena de aplicação de multa diária de R$ 1.000,00.

Em igual prazo, e, após a comprovação das despesas junto ao setor competente,


deve ainda a parte promovida promover com o reembolso, até o limite de sua tabela, dos atendimentos
já prestado pela executante CASSIA CASSIMIRO DE OLIVEIRA CASTRO, relativo as sessões de
psicoterapia, conforme informações presentes no Id.41941128.

Ditos reembolsos não devem ser feitos por meio de depósitos processuais, mas
diretamente aos profissionais e/ou ao representante legal do menor.

O promovente deverá, ainda, anexar aos autos, semestralmente, laudo médico que
ateste a necessidade de continuidade do tratamento, podendo a presente decisão ser revista em caso de
descumprimento, ou, revogada, em caso de desnecessidade do procedimento ora perseguido.

Quanto à gratuidade judiciária requerida pelo autor, é bem verdade que a


simples declaração de impossibilidade em arcar com as custas processuais já enseja a presunção da
hipossuficiência para concessão do benefício pretendido. Por outro lado, não pode o judiciário fechar os
olhos para a realidade apresentada nos autos, quando demonstrada a capacidade econômico-financeira do
postulante.

Em análise dos documentos juntados aos autos, notadamente os demonstrativos de


pagamento (Id. 41941125), verifica-se que o promovente percebeu no nono mês do ano de 2020, o valor
líquido de R$ 8.108,35 (oito mil cento e oito reais e trinta e cinco centavos.

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Ressalte-se que do valor acima indicado, já estão descontados os planos de saúde
dos promoventes, além de demais descontos legais.

Considerando que a grande massa da população brasileira não consegue perceber


mensalmente sequer o valor de um salário mínimo, de certo que o autor pode ser considerado um
privilegiado, capaz de arcar com os custos de uma vida de médio padrão.

Destarte, indefiro o pleito de gratuidade judicial.

INTIME-SE a parte promovente para, no prazo de até 10 dias, comprovar o


pagamento das custas ou requerer o parcelamento nos moldes do §6º do art.98 do CPC.

Com o pagamento da primeira parcela das custas comprovada nos autos,


INTIME-SE COM URGÊNCIA para cumprimento desta decisão, devendo o meirinho certificar a hora
em que foi cumprida a diligência.

Após, tudo cumprido, CITE-SE para apresentação de defesa no prazo legal.

João Pessoa,19 de abril de 2021.

RENATA DA CÂMARA PIRES BELMONT


Juíza de Direito

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