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DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

1. Regras gerais
➢ As disposições testamentárias correspondem ao conteúdo do
testamento
o Nelas podem constar disposições de natureza patrimonial ou
extrapatrimonial
➢ Art. 1897:
o A nomeação de herdeiro ou legatário pode se dar de forma pura
e simples
o Também pode envolver uma condição ou encargo
o Pode conter, ainda, a exposição do motivo
▪ Neste último caso, há divergências doutrinárias e
jurisprudenciais com relação ao motivo ilícito
• A princípio, o motivo ilícito só gerará a nulidade de
negócios de natureza bilateral (art. 166, III)
• E.g., pai que dispõe da parte disponível para um filho,
e exclui o outro “porque é adotado”
➢ Art. 1898:
o A rigor, não se admite a presença de termo (inicial ou final) em
um testamento, salvo no caso do fideicomisso
o No fideicomisso, tem-se a figura do fideicomitente (testador),
que deixa uma herança ou legado para um fiduciário, o qual
possui a propriedade resolúvel, e que deverá entregá-la
posteriormente, em razão da sua morte, a certo tempo ou sob
certa condição, para outra pessoa (fideicomissário)

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▪ O fideicomisso só se permite em favor dos não concebidos
ao tempo da morte do testador, sejam ou não
descendentes diretos do fiduciário
▪ Não sendo concebido o fideicomissário dentro do prazo da
prole eventual (i.e., dois anos da abertura da sucessão), a
propriedade resolve-se em favor do fiduciário, caducando
o fideicomisso
▪ O fiduciário possui a propriedade estrita e resolúvel até sua
morte, certo termo ou implemento de condição
➢ Art. 1899 – interpretação de testamentos
o Referido artigo possui uma regra relevante para a interpretação
de testamentos – sendo possível mais de uma interpretação,
prevalece a que melhor assegure a vontade do testador
▪ Paulo Lôbo ressalta que, em razão do direito constitucional
à herança, a vontade do testador não pode se sobrepor às
garantias da sucessão legítima e dos direitos dos herdeiros
(legítimos ou testamentários)
▪ A interpretação do testamento deverá levar em conta
princípios constitucionais e a própria ideia de função social
• A função social, no caso, determina que a herança
deverá ser destinada, prioritariamente, para os
herdeiros necessários do testador, em atenção ao
dever de solidariedade familiar
• Esta ideia também fica clara quando se entende que
a cláusula de inalienabilidade que gravar um bem
imóvel não poderá se estender para além da vida do
beneficiário
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o Tal regra se complementa com a regra prevista no art. 114 – “os
negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se
estritamente”
▪ Sendo o testamento um negócio jurídico gratuito (i.e., uma
liberalidade), sua interpretação deve se dar de forma estrita
– afinal, como não há contraprestação, mas apenas
decréscimo de um lado e ganho de outro, a interpretação
deve se dar de forma a não aumentar os prejuízos do autor
da liberalidade
o Itabaiana de Oliveira faz referência a outras regras gerais da
interpretação dos testamentos:
▪ Deve-se preferir o sentido próprio e geralmente aceito das
palavras
▪ Deve-se preferir a interpretação que faça valer o ato, ao
invés da que possa gerar invalidade
▪ Consideram-se não escritas disposições tão obscuras que
tornem impossível conhecer a real vontade do testador
▪ Se duas disposições se contradisserem, devem ser
consideradas sem efeito
▪ O que se escreve por último presume-se como a vontade
efetiva do testador
▪ Permanecendo as dúvidas, sem que seja possível
solucioná-las através das regras estabelecidas, decide-se
em favor da sucessão legítima
o Outra regra relevante sobre interpretação aparece no art. 1903

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▪ Quando o testador se equivocar na designação do herdeiro
ou legatário, ou com relação à coisa legada, anula-se a
disposição
▪ Salvo se, considerando o contexto, for possível identificar
a pessoa ou a coisa a que o testador quis se referir
• E.g., “deixo meu patrimônio para Francisco, o médico
que salvou minha vida” – quando, na verdade, o nome
do médico é Fernando
• E.g., “deixo meu fusca vermelho para João” – quando,
na verdade, o testador era daltônico e o fusca é azul
➢ Art. 1900 – nulidade do testamento
o Referido artigo elenca as hipóteses de nulidade
o Além das regras previstas neste artigo, deve-se atentar para as
hipóteses previstas no art. 166, que são as hipóteses gerais de
nulidade
▪ Neste sentido, pode-se considerar nulo o testamento
eivado de simulação subjetiva (e.g., “deixo meus bens para
João” – sendo que João prometeu repassá-los a concubina
do testador)
o As hipóteses previstas no art. 1900 são mitigadas pelas
hipóteses do art. 1901
➢ Art. 1909 – anulabilidade do testamento
o Dispõe sobre as hipóteses de anulabilidade do testamento –
erro, dolo e coação
o A anulação deve ser promovida pelos herdeiros prejudicados

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o Não faz sentido afirmar que o testador pode pedir a anulação do
testamento, pois o testamento é revogável enquanto vivo o
testador
o O prazo para se pedir a anulação é de 4 anos contados de
quando o interessado tiver conhecimento do vício
▪ Esta regra é objeto de inúmeras críticas
• E se o interessado descobrir, por exemplo, que o
testamento é maculado pela coação 20 anos após a
morte do testador? Uma interpretação literal dirá que
somente então passa a correr o prazo previsto no
parágrafo único do art. 1909. Contudo, como se trata
de interesse privado, há corrente doutrinária que
entende ser possível a aplicação analógica do prazo
previsto no art. 205 (i.e., prazo prescricional geral de
10 anos), contados da abertura da sucessão. Esta é
uma forma de evitar que a possibilidade de anulação
do testamento se perpetue com o tempo, o que não
faz sentido diante de pretensões particulares, alheias
ao interesse público
• Se o conhecimento do vício ocorreu antes da morte
do testador, o prazo deverá ter início a partir da
abertura da sucessão – pois antes da morte do
testador não há qualquer legitimidade para contestar
a validade do testamento
o Além das hipóteses de erro, dolo ou coação, o testamento
também pode ser anulável por fraude contra credores (art. 158)

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▪ E.g., testador deixa seus bens para terceiros com a
intenção de prejudicar seus credores
➢ Outras especificidades sobre a invalidade dos testamentos
o O testamento contém várias exceções às regras gerais de
nulidade dos negócios jurídicos
▪ Como o testamento, em regra, envolve uma questão de
interesse privado, tem-se que a alegação da nulidade do
testamento só poderá se dar por parte dos indivíduos
diretamente prejudicados com a disposição testamentária
nula
▪ Além disso, a nulidade (e anulabilidade) do testamento se
convalida com o tempo – o art. 1859 afirma que se extingue
em cinco anos o prazo para impugnar a validade do
testamento, contados do seu registro
o O testamento é um exemplo de negócio jurídico que admite a
invalidade parcial
▪ A invalidade de uma disposição testamentária não invalida
o testamento como um todo – reconhece-se o princípio da
incontagiação
o Também se admite o princípio da conservação
▪ Se o negócio nulo conter os requisitos de outro, subsistirá
enquanto este outro negócio se assim o for a vontade do
testador
▪ E.g., é possível aproveitar o testamento cerrado inválido
quando revestir a forma e substância de um testamento
particular

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▪ A matéria, contudo, é objeto de divergência doutrinária,
pois contraria a noção de infungibilidade entre as formas
testamentárias
▪ Jurisprudencialmente, há clara tendência do STJ em evitar
ao máximo a invalidação dos testamentos, buscando
sempre a manutenção do interesse do testador
• Este ponto fica evidente quando se pensa na
dispensa das testemunhas do testamento particular,
quando for possível comprovar a autenticidade do
testamento particular hológrafo (i.e., escrito de próprio
punho)
➢ Outras regras gerais de disposições testamentárias
o Art. 1902: a disposição genérica em favor aos pobres ou à
caridade presume-se em favor dos estabelecimentos do lugar
de último domicílio do testador, ao tempo de sua morte, salvo se
for possível comprovar que o testador tinha em mente beneficiar
outra localidade; e, de acordo com o parágrafo único, as
instituições privadas preferem às instituições públicas
o Art. 1904: nomeados dois ou mais herdeiros sem designar a
parte de cada um, a partilha dar-se-á por igual entre os
nomeados
o Art. 1905: se o testador deixa uma parte para uma pessoa, e
outra parte para duas ou mais pessoas (coletividade), a divisão
se dará entre tantas quotas quanto forem os indivíduos e as
coletividades designadas
▪ E.g., “deixo parte da minha herança para João, e outra
parte para Flávia e Roberto” – João receberá 50% da parte
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disponível, enquanto Flávia e Roberto dividirão igualmente
a outra parte
o Art. 1906: se o testador não dispor da integralidade da herança,
o restante pertencerá aos herdeiros legítimos, de acordo com a
ordem de vocação hereditária
o Art. 1907: se o testador designa expressamente os quinhões de
uns herdeiros, e não os dos demais, primeiro se distribui os
quinhões já designados e o restante é dividido entre os outros
herdeiros
▪ E.g., “deixo meu patrimônio para Francisca e Roberta, e
25% dos meus bens para João” – primeiro, distribui-se o
quinhão de João e o restante será dividido entre Francisca
e Roberta
o Art. 1908: o testador pode dispor de parte de seus bens para um
herdeiro nomeado, ao mesmo tempo em que lhe exclui um bem
certo e determinado da herança – neste caso, o bem pertencerá
aos herdeiros legítimos
o Art. 1911: a cláusula de inalienabilidade importa a de
impenhorabilidade e de incomunicabilidade
▪ Não se pode esquecer que, de acordo com o art. 1848, só
é possível gravar restrições aos bens da legítima se houver
justa causa
• E.g., “deixo o bem X para João, o qual será
inalienável, considerando seu histórico de adição às
drogas ilícitas”
▪ Parágrafo único: o caso de alienação judicialmente
autorizada dos bens gravador, ou de desapropriação, o
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produto da venda será convertido em outros bens, sobre
os quais incidirá as restrições impostas pelo testador

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