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Lívia Bertges
(UFMT/CAPES)
livia.bertges@gmail.com
GT 22 – Escrileituras
Resumo
O trabalho visa aproximar as teorias semióticas com a Poesia visual contemporânea. A
obra escolhida para análise será OLHLO2 de Luiz Augusto Knop de Mendonça – Knorr. A
característica principal é sua relação lúdica entre o jogo de significantes, reveladas a partir da
matéria verbal, e suas formas visuais. Com o suporte teórico de Roland Barthes (1977), Julia
Kristeva (1974. Refletiremos a respeito da construção de sete lâminas, cada qual abordando
uma gama de recursos diferentes, na tentativa de atribuir sentidos ao texto literário produzido:
fragmentação de palavras, estruturas simbólicas de ciências exatas, jogo de cores e noções de
movimento. O recursos encontrados ganham força pelo caráter de fronteira entre a poesia
visual e a arte gráfica.
Introdução
É perigoso elaborar um conceito fechado sobre arte relacionado à literatura,
principalmente sobre a poesia e o poema. Eles evoluíram e passaram por constantes
transformações ao longo dos séculos. No final do século XX, as artes visuais, em diálogo com
as artes gráficas, dividem espaço com as artes plásticas. Todas essas artes exploram a imagem
como fio condutor de produção.
A partir dos anos 1950, as formas literárias encontradas dão um salto nas barreiras
entre arte escrita e arte visual, formando o que hoje é chamamos de poesia visual. Os críticos
divergem em suas opiniões quanto a criação da poesia visual, ora como gênero híbrido, ora
como movimento artístico. Fato é que tal poesia espalhou-se por todo mundo, cada qual com
uma nomenclatura diferente, no Brasil de “concretismo”, na França de “signalism” e nos
Estados Unidos de “espacialismo”. Portanto, a arte visual torna-se parte fundante da
literatura na medida em que incorpora a imagem gráfica e desloca as estruturas tradicionais.
Ela será composta por letras, palavras, frases curtas, imagens e predominarão os valores
espaciais e visuais. Os recursos meramente sonoros são deixados em segundo plano. A
poesia visual não se trata de ilustrações de poemas, mas seu estímulo vem da produção verbal
através da contemplação da imagem.
GT 22 - ESCRILEITURAS - COMUNICAÇÃO ORAL
SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO 2014: MODOS DE “LER-ESCREVER” EM MEIO À VIDA
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como se produz o sentido no texto literário. Didaticamente, passaremos por alguns nomes
significativos da teoria em foco, a fim de nos ajudar nas análises das lâminas.
O teórico Roland Barthes, em seu discurso na École de France, ao assumir a cátedra de
Semiologia Literária, posteriormente transcrito na obra Aula (1977), argumenta a respeito do
carácter autoritário da língua, como qualquer outra classificação ou código: “Ela é
simplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer”
(BARTHES, 1977, p. 14) e demonstra ser somente na linguagem literária o espaço
privilegiado fora do poder. A teoria enxerga a literatura como um deslocamento do real (faire
semblant), assim não importarão as relações de contexto histórico e autoria para se entender o
texto.
É na trapaça com língua que se forma a textura significante, ela é dada pelas quebras
nas formas das palavras, ou melhor, na subversão das estruturas formais das sentenças. A
literatura, em seu potencial, fomenta sua própria libertação por uma estrutura interna, longe
do poder. Dada tal percepção, no quesito do sentido textual, abre-se a perspectiva de
significações múltiplas (polissemia). Pensar em um único sentido (monossemia) seria tirano.
O texto também se forma pelo que se deixou de escrever; nele há lacunas (assemia), as
omissões causam dúvidas, desse modo, que seria impossível de se chegar a uma interpretação
final.
Em O prazer do texto (1987) Barthes ressalta a condição do texto como fragmentado,
cuja estrutura não pretende ter início, meio e fim, pois todo discurso literário é incompleto,
ignorando a verdade última. O caráter opaco, infiel e incerto de um texto o torna literatura. O
espaço do texto literário conta com a alternância, em uma dinâmica permanente entre
ordem/caos, ou na relação entre regra/trapaça. Na metáfora erótica, o texto é como uma pele,
que busca ligação com suas ausências para gozar.
Kristeva (1974), em seu ensaio Por uma semiologia dos paragramas, ultrapassa
alguns limites a respeito dos conceitos elaborados por Barthes. Como procedimento
sistemático, a matemática (linguagem universal) é um formalismo apropriado para descrever
o funcionamento da lógica poética. Ademais, a teórica aproxima o contexto social à produção
do texto, ao pensar na atividade de prática literária como um meio de procura pelas
possibilidades da linguagem. Segundo ela, a tarefa daquele que estuda a semiótica é enxergar
na linguagem poética “o infinito em relação à infinidade”(KRISTEVA, 1974, p. 104). A
linguagem poética se apresenta como uma “infinidade em potencial”. O texto literário é
Escritura-Leitura, é um diálogo entre os dois meios, e pode ser entendido como um conjunto
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de outros textos, como uma teia em que “Ler era também recolher, colher, espirar, reconhecer
traços, tomar, roubar”(KRISTEVA, 1974, p. 104). Na linguagem poética ainda coabitam a
assemia e polissemia, essas como simultâneas e necessárias (0 e 1).
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“infinito”. De acordo com Kristeva: “A linguagem poética surge como um diálogo de textos:
toda sequencia se constrói em relação a uma outra, provinda do corpus, de modo que toda
sequencia está duplamente orientada pelo ato da reminiscência (...)” (KRISTEVA, 1974, p.
105).
É percebido na lâmina intitulada Palíndromo (KNORR, 2000), o retorno ao ditado
popular “Quem tem boca vai a Roma”. O jogo é representado, desde o início, pelo título. Ele
se dará pela leitura inversa do escrito. O tom poético é gerado pela transformação do
significado da palavra “ROMA”. A brincadeira roma/amor mostra como uma palavra pode
mudar de sentido dependendo da posição em que é lida. Também revela como em uma
mesma palavra podem residir vários significado “roma”, “amor” e “mora”. A mudança de
perspectiva da palavra central torna ainda mais geral o ditado popular, pois a mesma boca que
comunica, é aquela que ama e habita. O uso de um ditado popular é referência direta a um
texto anterior que ganha nova forma no jogo poético.
O mesmo ato de reminiscência é percebido no poema Ovôo
(KNORR, 2003). O jogo de movimento das letras é significativo. A
cada deslocamento ocorre uma mudança pontual para se chegar ao
resultado final. Na primeira linha chamaremos de Oe a letra “o”
posicionada à esquerda, Vg a letra “v” grande e Od a letra “o”
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romper as regras, no exato apelo da trapaça de Barthes, faz-se literatura. De “ovo”, algo
pontual e fechado, se forma “vôo”, que é a representação da liberdade e das possibilidades de
deslocamento.
Em um processo circular, o diálogo entre textos se estabelece com lâmina acima. A
referência direta aos poemas de Símias de Rodes e Augusto de Campos, pois abordam a
mesma temática do “ovo” e jogam com a construção de sentidos das palavras. A construção
“feito feto dentro do centro” de Augusto alude à imagem representada por Oe , Vg e Vp na
terceira linha do poema Ovôo.
Poesia e pensamento lógico: matemática e física como componentes
Kristeva (1974) traz à tona a relação da linguagem poética com a matemática. Esta é
entendida como uma linguagem universal, que permite formalizar em sistemas. A linguagem
poética, assim como a matemática, usa uma simbologia própria e cria unidades lógicas a partir
de palavras. O texto literário é compreendido como um sistema capaz de descrever seus
elementos:
“(...) o texto literário apresenta-se como um sistema de conexões
múltiplas que poderíamos descrever como uma estrutura de redes
pragmáticas. (...) Nesta rede, os elementos apresentar-se-iam como
vértices de um grafo (na teoria de Koening), o que nos auxiliaria a
formalizar o funcionamento simbólico da linguagem como marca
dinâmica, como um grama em movimento (logo, como paragrama),
que constrói mais que exprime, um sentido.” (KRISTEVA, 1974, p.
107)
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pelos parênteses. Os parênteses parecem, ainda, bloquear o som que Figura 3: Espelho D’Água
(1990) Um “quase-haicai”
cada palavra porta, individualmente. A própria circularidade do texto diagramado à sua própria
imagem. OLHLO2 :
lido de forma ecoada “voz-vai-não-vem-não-vai-não-vem-...”, sugere Poesia Visual – Knorr.
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pela surpresa e cria na superfície líquida ondas circulares. O mesmo movimento foi explorado
na lâmina anterior onde os círculos foram representados pelos parênteses.
Considerações finais
O jogo lúdico implementado nas lâminas estudadas nos garante intitular tal obra como
literatura, mesmo que ela habite na fronteira entre a arte verbal e a arte gráfica. O hibridismo
típico das produções poéticas contemporâneas abre novas perspectivas de produção e também
de suporte para poesia visual. Segundo Melo e Castro,
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Referências
BARTHES, Roland. Aula. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Editora Cultrix,
1977.
KIRISTEVA, Julia. Por uma semiologia dos paragramas. Introdução à semanálise. São
Paulo: Perspectiva, 1974. p 97-130.
Agradecimento
Ao colaborador Prof. Dr. Daniel Mendonça Valente (UFMT) pela ajuda na definição dos
conceitos físicos e matemáticos usados na quarta sessão deste artigo.
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