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SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN – procurar

ANA LUISA AMARAL


 

“A reinvenção da tradição a que o talento e a imaginação de Ana Luísa Amaral vêm


dando forma desde há dez anos constitui, ela própria, uma tradição reinventada (...) Ana
Luísa Amaral, professora de literatura e cultura inglesa e americana e profunda
conhecedora de muitas e interligadas tradições, oferece-nos a reinvenção dessa
reinvenção.” Maria Irene Ramalho de Sousa Santos

Página preparada a partir de um exemplar trazido de Portugal por nossa amiga Rosa
Maria Weber, recomendando a obra da poeta de sua admiração e amizade.

 
Capa do livro
MINHA SENHORA DE QUÊ

ESPAÇOS

As nuvens não se rasgaram

nem o sol: só a porta

do meu quarto

A abrir-se noutras

portas dando para outros

quartos e um corredor ao fundo

Não havia janelas nem

silêncios: sinfonias por dentro

a rasgar o silencio

 
A porta do meu quarto

já nem porta: madeiramento

para o fogo

VIAGENS E PAISAGENS

Começo da viagem:

espremer como laranja esta hora tardia.

Sem olhos, mas com túneis, memória

confortável na paisagem

que é sempre a mesma aos gomos

variados: tu (sem descrições maiores)

No escuro embalador que me faz mal,

urna sede maior que nem o sumo apaga

nem o fumo que faz dentro do túnel

Tremente carruagem na velocidade

atónita do tempo (que o momento ja

tarda e o conforto afinal só ilusáo)

E incómodo caroco é o bastante

para rasgar o chão

 
 

DISCRETA ARTE

Discretamente. Cultivar a palavra.

Arte de dispor flores por longa mesa,

prazer de dispor quadros por paredes

em critério de escolha pessoal.

Discretamente: aqui urna pequena

haste a lembrar o sol, ali a folha

resolvendo o lugar, o espaço certo

(ligeiro afastamento necessário

para o conjunto articulado em cores).

O quadro mais azul naquele sitio,

o mais cinzento e largo a distrair-se

sobre a nudez de urna parede clara.

Discretamente. E a palavra nascida

de tela (ou terra) resolvida. Agora.

NAVEGAÇÔES DOENTES

Tenho os sintomas todos:

navegam-me fluidos

e o devaneio em barcos de desejo


 

Os sons de trovoada

mesmo tapando ouvidos:

esclerótica paixão que não domino

Tenho os sintomas todos

e assim me reconheço

acamada, incurável: na parede do fundo

navegantes os barcos

LINGUAGENS

Pássaro nulo

a configuração da tua ausência

o corpo a preencher-se

em ressalvas de medo

ao meu lado

doìdamente longe

Dir-te-ia do sólido

confronto que imagino

ou do conforto de te poder ter

em figura de estilo

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