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Startups: conceito, especificidades e financiamento

Preprint · March 2018

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3 authors, including:

Anderson Cavalcante Márcia Siqueira Rapini


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Versão Preliminar. Por favor não cite.

STARTUPS: CONCEITO, ESPECIFICIDADES E FINANCIAMENTO

Anderson Cavalcante
PhD University of Cambridge
Professor Adjunto I Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG

Leandro Silva
Doutor em Economia Cedeplar/UFMG

Márcia Siqueira Rapini


Doutora em Economia da Indústria e da Tecnologia - IE/UFRJ
Professora Adjunta IV da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG

Resumo
O principal interesse nas empresas startups está relacionado aos seus vínculos com o
potencial de geração de inovação. Ainda que sua importância seja reconhecida, a teoria
econômica tradicional não consegue explicar sua origem e seu crescimento, sendo
necessário o aporte de outras bases conceituais, muitas delas transdisciplinares. Um dos
principais problemas enfrentados pelas empresas startups é o acesso a recursos para o seu
crescimento, em especial os financeiros. Este capítulo aborda esta temática destacando, a
partir de uma perspectiva contratual do ponto de vista da teoria econômica, as relações
envolvidas na provisão de recursos financeiros para as startups.

Palavras-chave: Startups; Financiamento; Incerteza, Investimento

Abstract
The interest in startup companies is related to their links to the potential of generating
innovation. Although its importance is recognized, the traditional economic theory cannot
completely explain the origin and growth of startups, being necessary a more
encompassing contribution of other conceptual bases, mostly transdisciplinary in nature.
One of the main problems faced by startup companies is the access to resources for their
growth, especially financial ones. This chapter addresses this issue by highlighting,
through a contractual economic perspective, the provision of finance to startups.

Key Words: Startups; Finance; Uncertainty; Investment


Versão Preliminar. Por favor não cite.

Sumário

1 – Introdução ........................................................................................................................... 2
2 – A Firma Startup na Teoria Econômica: uma introdução ..................................... 3

2.1 – Startup como tipo de empresa e como estágio de desenvolvimento ............................... 6

2.2 – Uma definição útil de empresa startup ................................................................................ 8

2.3 – Startups e o Desenvolvimento Econômico ......................................................................... 10

3 – Financiamento do Investimento ............................................................................... 13

3.1 Agentes e Instrumentos de Financiamento ........................................................................... 18

4 – Financiamento de Startups e Investidores Anjo .................................................. 22


5 – Conclusão .......................................................................................................................... 28
6 - Referências ....................................................................................................................... 30

1 – Introdução
As empresas startups vem se tornando objeto de políticas públicas uma vez
que apresentam elevado potencial de crescimento no curto prazo, ademais de serem
inovadoras. Censo realizado em Minas Gerais pela Secretaria de Desenvolvimento
Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SEDECTES) em 2017 identificou
crescimento de 556% no número de empresas startups em Minas Gerais desde 2010. O
estudo também estimou existir, em 2016, 1050 startups no Estado. Ainda que venham
apresentando elevado crescimento, 50% das empresas brasileiras desaparecem nos
primeiros quatro anos de sua existência1. Um estudo realizado pela Fundação Dom
Cabral2, sobre as causas da mortalidade de empresas startups, identificou a importância


1 MORONI, I., ARRUDA, A., BEZERRA, P. e LAILA, T. How the design processes add innovative
capacity in startup companies. In: REBELO F. e SOARES, M. (Eds.) Advances in ergonomics in design.
Proceedings of the AHFE 2017 International Conference on Ergonomics in Design, v. 588. Cham: Springer
International Publishing, 2018.
2 ARRUDA, C.; NOGUEIRA, V.; COZZI, A.; COSTA, V. Causas da Mortalidade de Start-ups
Brasileiras – o que fazer para aumentar as chances de sobrevivência no mercado? Belo Horizonte:
Fundação Dom Cabral, 2014.

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Versão Preliminar. Por favor não cite.

do ambiente no qual a empresa está inserida e da estrutura no momento da concepção da
empresa.
Dentre os fatores que explicam esta morte prematura, o estudo também
identificou a ausência de capital para cobrir sus custos operacionais durante o período de
pré-venda de produtos. Como estas empresas geralmente possuem receitas baixas e
instáveis e fluxo de caixa negativo, há dificuldade em obter crédito via instituições
financeiras tradicionais. Em vista disto, são necessárias fontes alternativas de
financiamento, como capital próprio ou de amigos, crowdfunding, capital de risco,
private equity e recursos de investidor anjo, entre outros. Cada uma destas modalidades
implica em conflitos de interesse entre agente executor (financiador) e demandante do
recurso relacionados à existência ou não de custos de intermediação. Este capítulo
discutirá, em especial, a modalidade de financiamento via investidores anjo e as
especificidades contratuais na viabilização deste tipo de financiamento.
Este capítulo está organizado em quatro seções além dessa introdução e de
uma conclusão. A segunda seção discorre sobre a firma startup na teoria econômica,
discutindo a insuficiência da abordagem convencional (ortodoxa) para firmas e produção,
que não comporta o conceito de startup, exigindo outros arcabouços teóricos para a
compreensão do seu crescimento e importância na dinâmica capitalista. A terceira seção
discorre sobre o financiamento do investimento em uma perspectiva na qual o circuito
finance-investimento-poupança-funding é apresentado como estrutura sistemática,
servindo como base para abordarn em sequência, as especificidades do financiamento à
inovação. Na quarta seção é apresentado os conceitos que explicam o financiamento es
startups e os investidores anjos, com destaque para uma perspectiva contratual, que alia
as expectativas dos agentes envolvidos no processo de financiamento.

2 – A Firma Startup na Teoria Econômica: uma introdução
Os conceitos de empreendimento e empresário3 são raramente encontrados
nos manuais convencionais de (micro) economia. A explicação para tal está no fato de


3
SCHUMPETER, J. Teoria do Desenvolvimento Econômico: uma investigação sobre lucros, capital,
credito, juro e o ciclo econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982 [1934].

3
Versão Preliminar. Por favor não cite.

que a unidade de produção (produtor, aquele que produz) na teoria econômica
convencional (ortodoxa) é reduzida à uma função de produção4 que relaciona certas
quantidades de insumos e fatores de produção (capital, terra e trabalho) para alcançar
uma quantidade ótima de produto que, por sua vez, confere à unidade produtiva o
máximo lucro que poderia ser obtido ao estado da arte. Esse comportamento otimizador é
condicionado por elementos cognitivos, informacionais e estruturais que, sob hipóteses
específicas pré-definidas (quando bem comportadas), conduzem aos melhores resultados
possíveis em termos de bem-estar social. Dessa forma, nesse cenário de racionalidade
ilimitada, com disponibilidade de informações completas e distribuídas a todos e com
livre mobilidade de fatores, o mercado alcançará um estado de equilíbrio perfeitamente
competitivo em que produtores e consumidores extraem o máximo excedente da
economia, livres de qualquer interferência danosa do Estado.
A análise econômica a partir dessa abordagem ortodoxa tem implicações
importantes para o tratamento das empresas startup. A primeira implicação diz respeito à
ideia de produção representada nessa teoria. A unidade produtiva básica – aquela função
de produção – é chamada de “firma”, o que atribui a ela um caráter mais jurídico,
formalizado e menos humanizado, em contraposição ao termo “empresa” enquanto
representação de um empreendimento. Em condições perfeitas de informação (sem
assimetria e sem incompletude) e de racionalidade, as funções de produção tendem a ser
as mesmas para todas as firmas e a refletir a tecnologia mais eficiente disponível. Nesse
sentido, a segunda implicação dessa abordagem é que as firmas são iguais e, portanto,
tendem a ter o mesmo tamanho, definido pela comparação entre a eficiência de conduzir
uma atividade dentro da hierarquia da firma e a eficiência de contratar essa mesma
atividade no mercado. Com a livre mobilidade de fatores, de forma que as firmas possam


4
Uma função de produção, na teoria econômica, é uma função matemática que relaciona quantidades de
fatores de produção, em geral capital e trabalho, a um volume compatível de produto. Uma das funções de
produção mais utilizadas, devido a suas atrativas propriedades matemáticas, é a chamada função de
produção Cobb-Douglas, que pode ser apresentada na forma geral 𝑦 = 𝑓 𝐾, 𝐿 = 𝐾 ! 𝐿!!! , em que K e L
são, respectivamente, as quantidades de capital e trabalho utilizados na produção de y unidades de produto,
enquanto α é um parâmetro relacionado às possibilidades de substituição entre os fatores de produção. Para
um estudo mais detalhado, ver VARIAN, H. Microeconomic analysis. 3. ed. New York: Norton, 1992.

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Versão Preliminar. Por favor não cite.

mudar de um mercado para outro sem custos5, possibilidades de aumento na lucratividade
provocam aumento do número de firmas nesse mercado específico. Dessa forma, e
juntamente com os dois pontos anteriores, a terceira implicação é de que as firmas não
crescem de tamanho, embora o número de firmas possa aumentar. O tamanho e número
de firmas é estabelecido pela escala mínima eficiente da função de produção e a demanda
de mercado. Por fim, a quarta implicação está no fato de que, nas condições elencadas, a
estrutura do mercado será marcada por um grande número de firmas incapazes de afetar
umas às outras (impondo restrições ou estímulos) ou aos consumidores, a não ser via
competição de preços, configurando o sistema de “perfeita competição” e justificando a
ausência da interferência estatal, que reduziria a eficiência de ajustamento de preços e
mercados.
A teoria econômica tradicional propõe, portanto, um alto grau de
homogeneidade (tecnologia, tamanho, lucratividade, entre outros) entre as firmas em seus
mercados específicos, levando a uma situação de equilíbrio com o máximo bem-estar
sem a necessidade de interferência do Estado. Contudo, para compreender o papel de
uma startup na teoria e na vida econômica é necessário o afastamento de tais ideias. De
fato, a regra na economia não é o bom comportamento daqueles elementos
supramencionados. Em um contexto de racionalidade limitada, informação incompleta e
assimétrica, barreiras à mobilidade (entrada e saída) entre mercados, surgem elementos
como falhas de mercado e incerteza, que provocam a diversidade entre as firmas em
função das diferenças de recursos que elas possuem e das decisões que tomaram no
passado. Dessa forma, a trajetória de desenvolvimento das firmas importa e, portanto, a
configuração de um mercado em um dado momento afetará sua configuração futura na
medida em que as firmas forem capazes de atuar para favorecerem suas próprias posições
e enfraquecer as posições de seus concorrentes. Em um ambiente econômico como esse,
as relações entre agentes privados (ou mesmo entre público e privado) regida por
contratos e as capacidades de produtor, demandante, regulador, financiador e,
principalmente, coordenador (planejador) do Estado, são decisivos para definir o papel e


5
BAUMOL, W. Contestable markets and the theory of industry structure. San Diego, CA: Harcourt
College Pub, 1988.

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os limites das startups no processo de desenvolvimento de uma economia.

2.1 – Startup como tipo de empresa e como estágio de desenvolvimento


Caso a economia funcionasse de acordo com o modelo convencional, uma
startup se confundiria com uma empresa já estabelecida, como se apreende da discussão
precedente, não sendo necessárias maiores distinções na literatura. Mas esse não é o caso.
A figura da startup frequenta com grande assiduidade tanto as discussões entre
investidores, em função das expectativas de alto retorno em comparação a outros
investimentos, quanto os debates e formulações de políticas e programas governamentais
de desenvolvimento econômico. Para entender a importância do objeto “startup”, tanto
para um meio quanto para outro, é preciso mais debate, em alguma medida, para dar
maior precisão ao termo.
Existem dois aspectos determinantes que devem ser considerados na
definição de startup. O primeiro está relacionado ao estágio de desenvolvimento da firma.
Segundo o dicionário Merriam-Webster6, o termo “startup” designa um “[..] fledgling
business enterprise” (uma empresa comercial inexperiente ou incipiente – em tradução
livre), o que remete a características de tamanho, modelo de negócios e da concepção de
firma. Por ser uma empresa, o termo carrega um significado diferente da firma como uma
função de produção, associando-o à ideia de empreendimento. Nesse sentido, tornam-se
importantes elementos humanos como capacidade de decisão, liderança, racionalidade
limitada e conhecimento, que diferenciam as firmas umas das outras, mesmo quando os
requerimentos de capital ou trabalho sejam parecidos.
Por ser inexperiente, a startup não possui ainda um modelo de negócios
claramente definido. Isso significa dizer que há ainda alto grau de incerteza quanto à
capacidade de geração de receitas e de apropriação de excedentes por parte dos sócios e
investidores, devido, por exemplo, a indeterminação do tamanho do mercado, da ação dos
concorrentes, mudanças institucionais ou nos gostos dos consumidores etc. Na medida
em que a produção cresça e os produtos ou serviços ofertados pela startup forem testados


6
MERRIAM-WEBSTER DICTIONARY. Disponível em <<https://www.merriam-webster.com>>
Acessado em 13/02/2018.

6
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pelo mercado, instituições e consumidores, a capacidade de formular expectativas em
relação ao futuro do negócio melhora e os erros podem ser mais facilmente identificados
e corrigidos. O sucesso nesse processo pode conferir à firma o tempo necessário para
estabelecer um modelo de negócios consistente, bem como de identificar e desenvolver
vantagens competitivas dinâmicas que podem garantir a sobrevivência do
empreendimento no futuro, desfazendo gradualmente o caráter incipiente da startup.
No processo de crescimento/amadurecimento, a startup acumula experiência
e tende a tornar-se um ativo menos incerto o que, consequentemente, pode vir torna-la
mais atrativa para um amplo conjunto de investidores, facilitando a expansão e/ou
diversificação da produção e dos mercados onde atua. Uma questão importante é que a
redução da incerteza à qual o negócio está sujeito não irá necessariamente atrair mais
recursos de investimento, uma vez que isso dependerá também do conjunto de opções
disponíveis para os investidores. Dessa forma, mesmo que o modelo de negócios e a
trajetória da empresa estejam mais bem definidos, a sua capacidade de crescimento pode
ser limitada pelo volume de recursos para investimentos disponíveis, o que dependerá
também da rentabilidade esperada que a startup poderá oferecer. A conclusão relevante
aqui é que uma firma pode ganhar experiência e fortalecer sua posição no mercado –
perdendo, assim, um dos pontos fundamentais que a caracteriza como uma startup –
enquanto sua capacidade de crescimento permanece limitada. Dessa forma, o tamanho e a
condição de startup não estão indefinidamente associados, podendo a firma manter-se de
pequeno porte, mas que tenha evoluído e ganhado experiência no mercado.
O segundo aspecto a ser considerado para uma definição mais clara de startup
está relacionado à natureza da atividade da empresa. De certo, qualquer empreendimento
em seu início apresentará alguma carga de incerteza quanto a seu futuro. Porém, em um
ramo de atividade econômica tradicional, que já tenha sido repetidamente testado, a fonte
dessa incerteza tende a estar mais relacionada a fatores externos à firma, como o
comportamento da demanda e da oferta de insumos, mudanças nos ambientes natural,
social, econômico e institucional etc. Internamente, a firma sempre estará sujeita à
capacidade de seus recursos humanos, sobretudo os administrativos, se adaptarem às
condições externas reconfigurando os recursos internos de forma a manter a estabilidade
ou favorecendo o crescimento da firma.

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O ponto chave está nas atividades ainda não testadas exaustivamente e, que
por isso, apresentam um maior nível de incerteza, o que caracteriza as atividades de uma
startup. Nesse caso, a incerteza está primeira, e fundamentalmente, ligada à natureza da
atividade. Quando o empreendimento tem por base um novo produto, um novo processo
ou um novo mercado, anterior às possibilidades ditadas pelos fatores externos estão as
características intrínsecas de tudo aquilo que é novo. Por exemplo, é impossível conhecer
ex ante o tamanho da demanda por um novo produto que nunca tenha sido ofertado no
mercado ou a eficiência de um processo que não tenha sido empregado em escala
industrial por um período significativo. E, embora seja possível formular expectativas
quanto a todos os fatores desconhecidos, não haverá base precisa de comparação para os
eventos até que eles ocorram e, a partir daí, possam ser testados.
Alguns ramos de atividades estão mais sujeitos à incerteza desse último tipo
do que outros, na medida em que estão mais propensos ao surgimento de novos produtos
ou processos e quanto mais distintos esses forem das alternativas já existentes. Em outras
palavras, atividades econômicas de produção, comercialização, distribuição e
intermediação caracterizadas pela frequente ocorrência de inovações de natureza mais
disruptiva apresentam uma carga de incerteza fundamental ainda maior que a verificada
em atividades tradicionais. É necessário, portanto, ter em conta que qualquer
empreendimento em seus estágios iniciais terá suas possibilidades de sucesso e de
geração de excedentes condicionadas pela incipiência e pela natureza da própria da
atividade.

2.2 – Uma definição útil de empresa startup


Considerando a variedade de combinações possíveis e imagináveis de estágio
de desenvolvimento e atividade realizada em um empreendimento, torna-se claro que a
condição de startup pode ser associada a uma infinidade de situações muito diversas entre
si. Nesse sentido, pouca ou nenhuma utilidade viria em classificar uma empresa como
startup, ou de pouco ou nenhum interesse tal objeto seria para empresários, investidores,
acadêmicos e governos. É importante, portanto, adotar um conceito útil de startup que
carregue suas características fundamentais e, ao mesmo tempo, dê significado ao
interesse geral que desperta e sua importância na economia.

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Uma startup, como se quer, deve ser definida como uma empresa, ou
empreendimento, que tenha superado a fase inicial de uma simples ideia de negócio e que
esteja em seus estágios iniciais de estabelecimento e teste de um modelo de negócios e
nos primeiros passos para estabelecer uma produção em escala mínima
industrial/comercial. Não é absolutamente necessário que seja de pequeno porte, embora
esse seja o tamanho mais comum, e talvez mais interessante, em que possa se apresentar.
Além disso, uma startup – nessa versão útil e não trivial – deve estar associada a algum
tipo de inovação.
Essa definição acarreta algumas consequências para a abordagem da startup.
A primeira consequência é que uma startup tende a surgir a partir de algum produto ou
processo inovador (ou associado a uma inovação) que ainda não tenha sido testado no
mercado, mas que se deseja transformar em um negócio lucrativo, em geral, por parte de
seus desenvolvedores. A segunda consequência, como um desdobramento da primeira, é
que as startups tendem a surgir em ramos de atividades que têm como base de suas
inovações o uso intensivo de conhecimentos científicos e tecnológicos. A razão para isso
é que o caráter cumulativo do conhecimento permite que sua incorporação na esfera
produtiva dê origem a novos (conhecimentos) produtos e processos, aumentando, assim,
a ocorrência de inovações. Uma startup deve ser, portanto, um elemento de setores
intensivos em conhecimento, descritos em geral pela alcunha “economia do
conhecimento”7.
Uma startup pode possuir ou não os meios para sua expansão, para a travessia
entre os estágios iniciais e a condição de empresa estabelecida. É mais comum que não os
possua. O principal ativo de uma empresa startup é a posse do conhecimento incorporado
no produto ou processo inovador que deu origem ao empreendimento, enquanto suas
limitações estão, geralmente, relacionadas à ausência da posse de ativos
complementares8, e, portanto, às incertezas quanto a sua capacidade de transformar tais
ativos em retornos reais para seus sócios, investidores e para a sociedade. Uma questão


7 LUNDVALL, B. e JOHNSON, B. The learning economy. Journal of Industry Studies, v.1, n.2, p.23-42,
1994.
8 TEECE, D. Profiting from technological innovation: Implications for integration, collaboration, licensing
and public policy. Research policy, v. 15, n. 6, p. 285-305, 1986.

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central aqui é o fato de que cada um desses atores (sócios, investidores e
sociedade/governo) tem uma expectativa quanto ao tipo, o tamanho e o tempo de retorno,
o que tem implicações importantes sobre a forma e o volume de investimento que cada
um pode estar disposto a fazer no processo de transformação da startup em uma firma
estabelecida.

2.3 – Startups e o Desenvolvimento Econômico


O interesse nas empresas startups está relacionado aos seus vínculos com o
potencial de geração de inovação. Introduzir um novo elemento (produto, processo e
mercado etc.) na vida econômica confere a seu possuidor (controlador) o status de
monopolista sobre esse elemento, permitindo assim que sejam auferidos lucros
significativamente altos, compatíveis com tal status. Até que outros agentes concorrentes
sejam bem sucedidos em copiar a novidade e comecem a obter parcelas dos lucros
existentes, os empreendedores inovadores, se conseguirem reunir os ativos
9
complementares necessários , podem ter tempo suficiente para que seus ganhos mais que
compensem os custos e as incertezas do processo. Do ponto de vista dos sócios e dos
investidores, é na promessa de alta lucratividade que reside o principal incentivo para
dedicar recursos a uma startup. Os sócios fundadores podem ainda serem conduzidos (em
parte) pela satisfação de iniciar o próprio negócio e obter reconhecimento no mercado,
além da aquisição de renda, enquanto os investidores, como capitalistas, tendem a
comparar as opões de risco, retorno e liquidez da startup com as de outros ativos
disponíveis no mercado e também tomar decisões que sejam estratégicas, em termos de
posicionamento nos mercados, para outros negócios relacionados.
Do ponto de vista do governo, o interesse reside fundamentalmente no fato de
que a inovação e o empreendimento que a realiza estarem no centro do processo de
desenvolvimento econômico. Uma vez que o desenvolvimento econômico é um processo
contínuo de mudança endógena das estruturas econômicas resultantes da introdução de
novos produtos/serviços, novos processos, novas organizações da produção, novas fontes


9 TEECE, D. Profiting from technological innovation: Implications for integration, collaboration, licensing
and public policy. Research policy, v. 15, n. 6, p. 285-305, 1986.

10
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de recursos e abertura de novos mercados, na vida econômica10, a promoção da inovação
deve ser um interesse estratégico de qualquer governo. O governo pode participar do
processo de inovação com agente principal ou como um grande coordenador que reúne e
direciona recursos dispersos ou como regulador que impõe limites, garantindo que o
processo não atente contra o bem-estar da sociedade. Contudo, um dos papéis mais
importantes e requisitados ao governo é o de financiador do processo de inovação, uma
vez que a complexidade, a incerteza, os elevados custos e as dificuldades de apropriação
dos retornos, principalmente nos estágios iniciais de pesquisa e desenvolvimento, levam
ao subinvestimento privado no processo11.
Do ponto de vista da startup, enquanto manifestação do empreendimento que
introduz uma inovação (schumpeteriano), a mudança econômica acontece quando a
inovação introduzida desloca outras opões ou outras firmas já estabelecidas do mercado.
Dito de outra forma, a ação criadora que, em geral, acompanha a startup desarticula e
encerra posições existentes em um processo evolutivo de destruição criativa que
revoluciona incessantemente as estruturas do sistema econômico 12 . Esse processo
evolutivo oferece um desafio para a promoção do desenvolvimento econômico: se, por
um lado, a própria natureza a inovação tende a manifestar-se em novos empreendimentos
como os caracterizados pelas startups, por outro lado, os altos custos associados ao
processo de inovação e os requerimentos necessários (ativos complementares) para a
apropriação dos excedentes proporciona ao processo de inovação ser mais frequente e
bem sucedido entre as empresas já estabelecidas, cuja capacidade de comandar recursos
para a inovação é maior. Nesse quebra-cabeça schumpeteriano, a questão chave é decidir
entre direcionar esforços para grandes empresas inovadoras ou incentivar iniciativas
incipientes como as startups.
Em favor da atenção dedicada às startups pesa o fato de que além de serem
em si mesmas uma possibilidade de inovação, constituem também uma constante ameaça

10 SCHUMPETER, J. Teoria do Desenvolvimento Econômico : uma investigação sobre lucros, capital,
credito, juro e o ciclo econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982 [1934].
11 ARROW, K. Economic welfare and the allocation of resources for invention. In: LAMBERTON, D.
(Ed.). Economics of information and knowledge. Harmondsworth: Penguin Books, 1971.
12 SCHUMPETER, J. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.

11
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às empresas estabelecidas que são levadas a adotar suas próprias estratégias de inovação,
sob o risco de serem expulsas do mercado, estratégias que não adotariam de outra
maneira. Esse processo de concorrência baseada na inovação – e não na fixação de preços
– e que prevalece mesmo como uma ameaça potencial, traz à tona dois aspectos
contextuais que devem ser apresentados. O primeiro é o fato de que as empresas
estabelecidas podem reagir à entrada de startups em seus mercados erguendo ou
fortalecendo barreiras a entrada por meio de, por exemplo, pressões sobre autoridades
reguladoras, pressões sobre a rede de fornecedores e distribuidores, fortalecimento da
marca com o aumento dos gastos em propaganda etc. Dessa forma, os benefícios em
termos de desenvolvimento econômico podem não ser alcançados, na medida em que os
caminhos para o estabelecimento da startup possam ser bloqueados pelos concorrentes.
Nesse caso, tendem a falhar a inovação incorporada na startup e a pressão (e consequente
incentivo) impostas sobre as firmas estabelecidas.
O segundo aspecto contextual, relacionado ao primeiro, está na possibilidade
de que as empresas já atuantes no mercado, sobretudo as de grande porte, internalizarem
as iniciativas das startups comprando seus ativos13. O resultado, nesse caso, é que, na
melhor das hipóteses, o processo de inovação da grande empresa seja substituído pela
aquisição da inovação da startup ou, no pior cenário, a inovação seja simplesmente
abandonada após a aquisição e não chegue ao mercado, eliminando assim a ameaça aos
ativos da empresa compradora.
Diante do que foi discutido até aqui, percebe-se que as startups têm um
grande potencial de geração de lucros e de contribuição para o desenvolvimento
econômico. Porém, em função de seu caráter incipiente como empresa e do grau de
incerteza ao qual estão expostas, as startups frequentemente encontram-se em posição de
fragilidade em relação às empresas já estabelecidas, o que tende a limitar ou bloquear
completamente seu potencial. Essas fragilidades se manifestam nas dificuldades que as
startups enfrentam para estabelecer seu modelo de negócios, delimitar seu mercado e
adquirir os ativos complementares necessários para explorar adequadamente as inovações
que introduzem. E tudo isso passa pelas opções das quais dispõem para financiar sua

13
Isto tem sido muito frequente no setor farmacêutico. As empresas farmacêuticas multinacionais têm
adquirido empresas startups de base biotecnológica.

12
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transição de startup para empresa estabelecida.
Nesse sentido, e considerando o papel das startups para o desenvolvimento
econômico, dois temas tornam-se importantes para a discussão. O primeiro diz respeito às
alternativas de investimento dos quais as startups podem fazer uso, de modo geral. O
segundo tema é referente à formulação de contratos entre startups e investidores privados
e como tal pode afetar o desempenho da empresa. Esses temas serão introduzidos à
discussão nas seções seguintes.

3 – Financiamento do Investimento
O financiamento de atividades econômicas tem sido estudado, há muito
tempo, por diversos autores a partir de diferentes arcabouços teóricos, fomentando
abordagens cada vez mais sistemáticas sobre o tema. De forma geral, é possível entender
o financiamento a partir da noção de intermediação financeira e da ótica dos agentes
envolvidos em tal atividade. A alocação dos recursos nos mercados financeiros pode se
dar de forma direta, quando não há intermediação entre emprestadores e tomadores de
recursos, ou de forma indireta, quando a alocação de recursos conta com um
intermediário, que capta recursos e os aloca entre diversos tomadores. A alocação direta é
a forma mais básica de relação financeira, podendo ser exemplificada quando o recurso é
obtido de um parente, amigo, credor privado ou mesmo em situações mais complexas,
quando um agente realiza, por conta própria, transações em mercados financeiros, como a
compra de ações de uma empresa. Entretanto, a intermediação financeira (relação
indireta), mais comum no dia a dia, se faz presente sempre que um agente financeiro é
utilizado, como bancos, corretoras e seguradoras.
De qualquer forma, uma relação financeira sempre envolve um acordo de
remuneração pelos recursos envolvidos, incluindo o valor da remuneração (taxa de juros),
o prazo para a celebração do acordo e outras cláusulas de proteção, segurança e garantia
das partes envolvidas. Os contratos estipulados entre credor e devedor seguem condições
que dependem do tipo de atividade econômica e financeira, do perfil do credor e do
devedor e, de forma geral, de condições macroeconômicas vigentes no período (como
índices de preço, nível de taxas de juros básicas, de inadimplência etc.). A partir dessa
estrutura básica, o financiamento de atividades econômicas é estudado de forma mais

13
Versão Preliminar. Por favor não cite.

sistemática, seja em torno de aspectos da relação entre indivíduos (firmas, consumidores,
governo) ou em respeito ao agregado das relações individuais em uma economia
(macroeconomia).
Nesse sentido, faz-se importante indicar que o estudo do financiamento de
startups pode ser logrado a partir de ambas perspectivas (individual ou agregada). Dado
que o intuito deste capítulo é oferecer uma discussão pormenorizada do tema
financiamento da atividade produtiva, com enfoque em startups, em um primeiro
momento será exposta uma sistematização geral do processo de financiamento do
investimento para em seguida atentarmos para o financiamento de empresas (dentre elas
as startups), as condições em que ocorrem e os atores envolvidos.
Em termos analíticos mais gerais, é possível traçar um circuito para a
atividade financeira que engloba os agentes envolvidos na captação e alocação de
recursos e no destino e fim destes. O chamado circuito finance-investimento-poupança-
funding14 estabelece uma sistemática para as atividades de financiamento da atividade
produtiva, conectando credores e devedores em um espaço econômico onde atividades
produtivas e financeiras são realizadas, incluindo financiamento, investimento produtivo,
produção, geração de renda e poupança e alocação financeira desta última. A partir de um
ambiente macroeconômico específico, com graus de desenvolvimento institucional
definidos a priori, o circuito envolve quatro etapas principais: 1) a alocação dos recursos
para financiamento de um investimento de um agente econômico; 2) o uso deste
financiamento para a realização de investimento, com objetivos de aumento da
capacidade produtiva e, em geral, da produtividade; 3) a criação de fluxos de renda e
poupança a partir da contratação de fatores de produção (capital, trabalho, terra)
envolvidos na atividade produtiva realizada; e 4) com aumento dos recursos de poupança
disponíveis pelas etapas anteriores, gera-se a necessidade de alocação destes nos
mercados financeiros.
O circuito nos informa que um agente econômico, ao fornecer recursos
financeiros (financiamento) destinados à atividade produtiva, põe em movimento toda

14 Ver KEYNES, J. Teorias alternativas da taxa de juros. In: IPEA (Org.) Clássicos da literatura

econômica. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1988b[1937] e DAVIDSON, P. International Money


and the Real World. 2. ed. Londres: Macmillan, 1992.

14
Versão Preliminar. Por favor não cite.

uma engrenagem: o tomador do recurso (devedor), ao adquiri-lo, executa seu plano de
gastos, que envolve a aquisição de bens de capital (investimento), a contratação de
trabalhadores (emprego) e a compra de insumos e serviços produtivos. Uma vez que os
fatores de produção são contratados e passam a ser empregados no processo produtivo,
esses gastos geram fluxos de renda (salários, lucros, juros, alugueis). Do total da renda
gerada pelo investimento, parte é poupada, a depender das propensões dos agentes para
tal (que em geral estão relacionadas a gostos, preferências e hábitos de consumo dos
indivíduos). Uma vez que a poupança é formada, estes recursos excedentes procuram
formas de remuneração, em geral oferecidas em mercados financeiros.
O circuito se completa (e, de certa maneira, cria novas possibilidades de
financiamento) quando estes recursos excedentes (poupança) são alocados nos mercados
financeiros. Supondo que um conjunto de financiamentos (finance) são executados na
primeira fase do circuito por diferentes agentes financeiros, estes últimos se encontram
em uma posição onde seus ativos financeiros (direitos de recebimento) possuem menor
liquidez relativa (maior a dificuldade em liquidá-los rapidamente, caso necessário), pois
realizaram empréstimos de prazos mais longos (típicos de investimento produtivo). Por
outro lado, os tomadores de empréstimo também se encontram com passivos (obrigações)
de prazos longos, uma vez que tomaram empréstimos para investimento. Na fase de
funding do circuito espera-se que ativos e passivos sejam reequilibrados, pois um volume
de poupança criada se encontra disponível no mercado, o que possibilita aos agentes
(financeiros e produtivos) tomar recursos emprestados (gerando obrigações) em
condições de liquidez e prazos mais favoráveis, em acordo com os novos fluxos de renda,
equilibrando, portanto, seus balanços a partir da compatibilidade na maturidade relativa
entre seus passivos e ativos. Os agentes financeiros, por exemplo, que possuíam direitos
de recebimento (ativos) em longo prazo, agora são capazes de gerar obrigações de
pagamento (passivos) de prazo maior, tomando recursos emprestados no mercado,
tornando sua posição financeira mais consistente em termos de prazos, retornos e
condições de risco.
Em geral, o circuito descrito acima fornece uma sistematização que descreve
razoavelmente bem as relações econômico-financeiras de uma economia, sendo que
extrapolações podem ser feitas sem prejuízo do arcabouço básico. Algumas destas

15
Versão Preliminar. Por favor não cite.

análises se fazem importante não só para esclarecimento e encadeamento dos
argumentos, mas também para qualificar teoricamente o tratamento do objeto de estudo
deste capítulo.
O circuito finance-investimento-poupança-funding, apesar de apresentar um
conjunto de relações causais e determinísticas, definidas por um arcabouço teórico
próprio15, não implica necessariamente em uma ordem causal definida. De forma geral, é
possível afirmar que tanto as operações de finance (financiamento) quanto o funding
(alocação da poupança) ocorrem de forma simultânea nos mercados financeiros, com
agentes procurando equilibrar de maneira mais eficiente seus balanços (ativos e passivos)
financeiros. Vale também ressaltar que as transações financeiras do circuito ensejam
contratos próprios de acordo com a finalidade esperada e os objetivos do fluxo de
recursos despendidos, o que significa dizer que tanto o finance quanto o funding
incorporam prazos e taxas de remuneração específicas em contratos (dadas a partir das
condições macroeconômicas vigentes) de acordo com a atividade a que se destinam. Se
tomado de forma agregada em uma economia, a alocação desses recursos vêm
acompanhados de taxas de juros e graus de liquidez, entre outras características, que
caracterizam seus mercados financeiros. A quantidade e diversidade de agentes
financeiros presentes em uma economia moldam as possibilidades de relações
financeiras, constituindo-se em um conjunto próprio de desenvolvimento financeiro que
se articula diretamente com as possibilidades de desenvolvimento econômico de uma
nação.
Portanto, a partir desse conjunto de agentes financeiros e de possibilidades de
relações financeiras, é possível analisar, para cada país, as formas, os tipos e as condições
de financiamento existentes de acordo com diversas características, sejam elas
macroeconômicas (condições de mercados) ou microeconômicas (condições das firmas).
Antes de passarmos à discussão do financiamento de startups, é importante frisar alguns
aspectos particulares do ambiente macroeconômico e do conjunto de agentes financeiros
existentes nos mercados.


15 KEYNES, J. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Nova Cultural,

1988a[1936]

16
Versão Preliminar. Por favor não cite.

É sabido que mercados financeiros operam intertemporalmente, alocando
recursos do presente com vistas ao futuro. Quando um financiamento é concedido, um
contrato específico é firmado que, de forma simplória, envolve a promessa de pagamento
e o retorno em um prazo estipulado, com garantias dadas caso tal objetivo não se
concretize. A natureza intertemporal dessa relação é permeada por incerteza: seja na
impossibilidade de obter todas as informações necessárias para realização do contrato,
seja na possibilidade de algum dos agentes envolvidos atuarem de forma contrária ao
acordado, seja por conta da própria inexistência de algumas informações (que só serão
reveladas no futuro) ou por comportamentos inadequado de algumas das partes
envolvidas. Por conta da incerteza implícita ou explícita nestas relações, que inclusive
variam de acordo com os fins almejados para o financiamento, os agentes envolvidos
procuram de todas as formas resguardar seus direitos e obrigações, o que se dá, quase
invariavelmente, de forma incompleta. Portanto, é praxe na literatura econômica, a partir
do reconhecimento da incerteza, analisar as relações econômicas (e, em especial, as
financeiras) a partir do estabelecimento de contratos. O sistema econômico é formado por
relações altamente complexas entre firmas e setores produtivos, operando sob condições
de incerteza.
O ambiente de incerteza funda-se a partir das expectativas dos agentes
econômicos, que se dão não só a partir do grau de desenvolvimento dos mercados e de
suas instituições (desenvolvimento institucional), mas também das condições vigentes na
economia (taxa de crescimento, inflação, grau de endividamento etc.) e de suas relações
internacionais. Cada país, portanto, convive com graus de incerteza diversos em
diferentes períodos, condicionado às relações econômicas (e financeiras) tratadas. Dessa
forma, sob incerteza, os contratos são a forma de proporcionar garantias aos fluxos de
produtos e serviços em determinando período, de determinar preços e permitir o cálculo
de margens envolvidas em processos econômicos. Ao se analisar o financiamento de
startups no Brasil, portanto, é necessário levar em conta o grau de desenvolvimento das
instituições (sociais, econômicas, legais), o ambiente de incerteza, as condições
econômicas presentes e futuras e os contratos firmados.
Não só o ambiente macroeconômico e a incerteza se mostram fundamentais
para a análise, mas também as características dos agentes que formam esses mercados.

17
Versão Preliminar. Por favor não cite.

Esses fatores são essenciais para o estudo do financiamento de startups. Por um lado,
cabe ressaltar o grau de desenvolvimento dos mercados financeiros e a quantidade,
qualidade e funcionalidade de seus componentes (agentes, produtos e transações
financeiras). Definitivamente, um mercado financeiro deve ser analisado não só a partir
da qualidade de intermediação existente (grau de desenvolvimento financeiro), mas
também a partir do quão funcional é a intermediação proporcionada para o crescimento e
desenvolvimento econômico. Funcionalidade, aqui, se refere à capacidade do sistema
financeiro em aportar recursos para o desenvolvimento de atividades produtivas. Muitas
vezes fica claro que agentes financeiros priorizam atividades financeiras que se
distanciam da atividade produtiva em direção à atividade especulativa financeira, mesmo
contando com alto grau de diversificação e quantidade de agentes. Por outro lado, é
também possível averiguar a ausência de interesse do sistema financeiro em alguns
segmentos de mercado, ou mesmo a oferta de serviços financeiros em formas
incompatíveis com as necessidades dos mercados, o que dificulta o desenvolvimento
destes. Esse é o caso especialmente do financiamento para micro, pequenas e médias
empresas no Brasil (muitas delas startups), que encontram inúmeros obstáculos, entre
eles a baixa capacidade de endividamento dessas empresas, mas também os entraves
advindos do próprio setor financeiro, como o desinteresse pelo segmento, a burocracia
envolvida (e garantias exigidas) e as condições de preços (juros) que tornam o
financiamento inviável.

3.1 Agentes e Instrumentos de Financiamento


Em termos de estrutura dos mercados, vale ressaltar que, uma vez que os
tomadores e emprestadores no mercado possuem características diversas, o financiamento
também adquire peculiaridades próprias. É possível, por exemplo, classificar firmas que
tomam empréstimos de acordo com seu tamanho, tipo de atividade executada, tamanho
do patrimônio, capacidade de inovação e, assim, analisar as diferentes possibilidades e as
condicionalidades de financiamento existentes 16 . É sabido que pequenas e médias


16
CAVALCANTE, A., RAPINI, M. e LEONEL, S. Financiamento da Inovação: uma proposta de
articulação entre as abordagens Pós-keynesiana e Neo-schumpeteriana. In: RAPINI, M., SILVA, L. e

18
Versão Preliminar. Por favor não cite.

empresas têm mais dificuldade de obter financiamento, seja por não ter fluxos de renda
bem definidos, seja por não possuir colateral (garantia) exigido ou patrimônio (ativos)
que balizem contratos financeiros. Essas firmas operam sob maiores condições de
incerteza, dificultando a formalização de contratos, o que em geral impossibilita o acesso
ao crédito ou o torna mais caro (taxas de juros mais altas para compensar o risco).
Problemas maiores encontram as firmas com processos inovadores, sejam de produtos ou
processos. A inovação, por si só, é uma atividade cuja natureza é incerta; não é possível
prever plenamente o sucesso de uma inovação, ou seja seu custo e lucro ex-ante, o que
dificulta ainda mais o acesso ao crédito. As startups, como empresas que possuem a
inovação como característica exclusiva, convivem nessa situação delicada. Empresas
maiores, por outro lado, já se possuem um perfil mais adequado às formas tradicionais de
financiamento, por conta dos ativos que possuem e por isso são capazes de obter crédito
com condições mais favoráveis, inclusive em mercados externos.
As características do mercado e de seus participantes, sejam eles firmas,
consumidores ou investidores, formam um conjunto institucional que determina as
possibilidades de financiamento do investimento. Pelo lado dos agentes emprestadores, o
maior grau de desenvolvimento do mercado financeiro em um país inclui a possibilidade
de existência de agentes financeiros que completem as lacunas existentes entre diferentes
segmentos do mercado de crédito, a partir da oferta de serviços financeiros diferenciados
de acordo com diferentes perfis dos tomadores de recursos e os níveis de incerteza
envolvidos. As possibilidades de financiamento se ampliam e o investimento encontra
mecanismos para realização.
Dentre os instrumentos que agentes financeiros oferecem para o
financiamento, destacam-se o crowdfunding, o capital semente, o Venture Capital e os
investidores anjo. O conceito de crowdfunding advém da concepção de microfinanças17 e
crowdsourcing18, caracterizando-se como uma categoria própria de obtenção de recursos


ALBUQUERQUE, E. (Orgs.) Economia da ciência, tecnologia e inovação: Fundamentos teóricos e a
economia global. 1. ed. Curitiba: Primas, 2017.
17
MORDUCH, J. The microfinance promise. Journal of Economic Literature, v.37, n.4, p.1569-1614,
1999.
18
POETZ, M. e SCHREIER, M. The value of crowdsourcing: can users really compete with professionals
in generating new product ideas? Journal of Product Innovation Management, v.29, n.2, p.45-256, 2012.

19
Versão Preliminar. Por favor não cite.

capitaneada pelo desenvolvimento da internet e de sítios especializados. Em uma visão
geral, o crowdfunding se baseia em uma demanda aberta, em especial via internet, por
recursos financeiros, seja em forma de doação ou sob condições de troca por algum tipo
de recompensa, com objetivos de apoiar iniciativas com fins específicos. 19 A essa
definição geral devem ser incluídos outros tipos de empréstimos peer-to-peer com base
na internet e campanhas de arrecadação de fundos. Uma definição mais específica ao
nosso contexto refere o crowdfunding aos esforços culturais e sociais de grupos de
indivíduos e empresas, sob fins lucrativos, para financiar seus empreendimentos a partir
de contribuições relativamente pequenas de um número relativamente grande de
indivíduos via internet, sem a intermediação de agentes financeiros convencionais.20
O Venture Capital (VC) baseia-se no conceito de private equity
(financiamentos privados por meio de títulos para empresas que não são cotadas em
mercados acionários), compondo-se em uma forma de intermediação por onde agentes
adquirem recursos de um grupo de investidores (bancos, fundos de pensão, companhias
de seguro e fundações) para investimento em empresas recentemente instituídas, mas
com alta possibilidade futura de venda, fusão e abertura de capital. A indústria de VC é
composta por um conjunto de organizações financeiras especializadas no aporte de
capital, em particular através da compra de uma participação acionária, em empresas
nascentes e emergentes não cotadas em bolsas de valores. 21 Como intermediários
especializados, estes agentes atuam reduzindo as assimetrias de informação existentes,
pois levantam inúmeras informações diretamente com os empreendedores e dão suporte
ao gerenciamento do negócio.
Por outro lado, o capital semente e o investidor anjo podem ser considerados
fases anteriores ao VC, onde o grau de desenvolvimento da empresa e a quantidade de
capital aportada são menores. O investidor anjo (indivíduo) adquire participação no

19
SCHWIENBACHER, A. e LARRALDE, B. Crowdfunding of small entrepreneurial ventures. SSRN
Electronic Journal. N.10, p.1-23, 2010.
20
MOLLICK, E. The dynamics of crowdfunding: An exploratory study, Journal of Business Venturing.
v.29, n.1, p.1-16, 2014.
21
LEONEL, S. Mitos e Verdades sobre a Indústria de Venture Capital. Tese (Doutorado em Economia) –
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Faculdade de Ciências Econômicas. Belo Horizonte:
Universidade Federal de Minas Gerais, 2014.

20
Versão Preliminar. Por favor não cite.

empreendimento, um investimento inicial que não está vinculado à participação de outros
investidores nem visa abertura de capital da empresa. Já o capital semente inclui a
montagem de um grupo de investimento (instituição) focado em empresas com produtos
e serviços já definidos, clientes estabelecidos e que necessitam de recursos para
expandirem suas atividades.
Nesse sentido, é possível sistematizar as possibilidades de acesso ao
financiamento a partir da descrições de tipologia de firmas da seção 2, levando em conta
as diferentes fases de evolução de uma firma. Em fases iniciais de crescimento (semente
– seed), prévia à fase de startup, a firma opera com receita nulas e fluxos de caixa
negativo, o risco quantificável é alto, dificultando a obtenção de recursos de agentes
financeiros convencionais. As possibilidades se concentram em empréstimos advindos de
economias pessoais (autofinanciamento), familiares e amigos. Em países com mercados
financeiros mais desenvolvidos, as empresas em estágios iniciais também podem acessar
crédito através de crowdfunding e capital semente, sendo que esse último depende da
existência de agentes financeiros que operem com venture capital.
Em empresas na fase de startups, as fontes de financiamento se ampliam
relativamente, mesmo ainda sob condições de incerteza sobre a factibilidade do negócio.
Uma startup ainda está em fase inicial de desenvolvimento, adquirindo experiência no
mercado, usualmente com instalações modestas e equipe dirigente inexperiente. Em
geral, não possuem garantias reais para adquirir empréstimos, mas precisam de recursos
para desenvolver produtos, ampliar sua estrutura produtiva e contratar mão de obra
qualificada. A esse baixo grau de desenvolvimento adicionam-se condições financeiras
ainda incipientes, como receitas relativamente baixas e instáveis e fluxos de caixa
negativos, aumentando o grau de risco de qualquer empreendimento planejado,
dificultando a obtenção de crédito. Dadas essas características, as possibilidades de
financiamento se limitam ao autofinanciamento, ao mercado de crédito informal e à
recursos de instituições públicas de fomento (como bancos de desenvolvimento a
agências de fomento, que possuem funding mais barato).22 Entretanto, em startups mais


22
CAVALCANTE, A., RAPINI, M. e LEONEL, S. Financiamento da inovação: uma proposta de
articulação entre as abordagens Pós-keynesiana e Neo-schumpeteriana. In: RAPINI, M, SILVA, L. e

21
Versão Preliminar. Por favor não cite.

organizadas, com produtos novos e inovadores, e com prospectos bons de crescimento e
posicionamento em mercados, há maiores possibilidades de obter fundos de investidores
anjo e Venture Capital. A próxima seção trata especificamente do financiamento de
startups à partir de recursos de investidores anjo, com foco nas condições que permeiam a
celebração de contratos.

4 – Financiamento de Startups e Investidores Anjo


Conforme discutido nas seções anteriores, a análise do financiamento à
atividade produtiva deve levar em conta as condições macroeconômicas, em especial o
desenvolvimento dos mercados financeiros e o grau de incerteza que permeia as
expectativas dos agentes econômicos; e as condições microeconômicas, aquelas que
caracterizam os agentes presentes nos mercados. As startups se configuram em um tipo
específico de firma, ainda em fase inicial de desenvolvimento, com pouca experiência e
baixo conhecimento de mercado, aliado a poucas garantias financeiras. Sob esse
contexto, há elevado risco na celebração de contratos entre startups e agentes financeiros,
uma vez que a possibilidade de insucesso do empreendimento é elevado. Assim, em
mercados financeiros onde prevalecem assimetrias de informação entre agentes e quando
a incerteza é alta, a formalização de contratos se torna mais complexa.
Ademais, é comum que o principal – e não raramente o único – ativo que uma
startup possua seja o controle do conhecimento incorporado na inovação que ela tenta
explorar. Conforme discutido nas seções anteriores, poucas são as alternativas
disponíveis para a expansão da empresa inovadora quando considerados os mecanismos
habituais de financiamento, desde o autofinanciamento até a intermediação bancária, por
exemplo. Essas modalidades de financiamento tendem a favorecer empresas
estabelecidas de grande porte, seja por sua capacidade de reter lucros para tais fins, seja
pela capacidade de oferecer garantias e, com isso, reduzir os custos do financiamento.
Tais alternativas são bastante limitadas, quando não inexistentes, para uma startup.
Para escapar dessas limitações, a startup pode recorrer a financiamentos do
governo que podem se configurar em torno de expectativas baseadas em resultados mais

ALBUQUERQUE, E. (eds.) Economia da ciência, tecnologia e inovação: fundamentos teóricos e a
economia global. 1. ed. Curitiba: Primas, 2017.

22
Versão Preliminar. Por favor não cite.

gerais de desenvolvimento e não necessariamente no retorno financeiro. O financiamento
público atende os requerimentos de recursos para fases iniciais de pesquisa e
desenvolvimento nas quais, em geral, as startups não se encontram mais. A alternativa
existente é recorrer ao financiamento de fundos privados, que vem carregado de
assimetria de informações e de poder econômico que podem comprometer o investimento
e fragilizar ainda mais a posição da startup. A assimetria de informações surge pelo fato
dos propositores da inovação e desenvolvedores do conhecimento incorporados na nova
tecnologia terem um conjunto privilegiado de informações sobre seu ativo e
empreendimento respectivamente aos investidores. A consequência disso é que os
investidores podem subestimar o valor do ativo (novo produto ou processo) da startup,
exigindo uma maior participação e controle na empresa do que seria desejável por parte
dos sócios fundadores. A assimetria de poder econômico é evidente entre agentes com
recursos excedentes para investir e empresários que buscam tais recursos, já que aos
investidores cabe a decisão final em efetuar o financiamento que, caso realizado, pode
ainda se manifestar em condições desiguais que impostas à contraparte no acordo.
As questões levantadas até aqui evidenciam como são relativamente escassas
as opções disponíveis para fomentar e dar suporte à expansão e desenvolvimento de
startups. Em termos da sistematização discutida pelo circuito finance-funding, é possível
afirmar que startups não só encontram dificuldades em obter finance, por razões que
serão discutidas com mais detalhes abaixo, mas também existem poucas oportunidades
do funding se concretizar, em parte pelas limitações de geração de renda e poupança
derivadas das características da empresa, mas fundamentalmente por insuficiência de
instrumentos financeiros propriamente adequados (especialmente em mercados
financeiros pouco desenvolvidos) para captação de recursos. As opões tradicionais de
financiamento, usualmente mais exigentes em termos de condições impostas, podem
dificultar a capacidade da empresa operar com lucros líquidos, podendo no limite
comprometer a própria existência da firma. Já as alternativas existentes tendem a
estabelecer condições e exigências desiguais entre firmas e investidores. É nesse sentido
que os contratos que regem as interações entre agentes demandantes (startups) e
ofertantes (investidores) de recursos tornam-se peças centrais para o processo de
desenvolvimento econômico.

23
Versão Preliminar. Por favor não cite.

A interação econômica é dita regida por um contrato completo se o contrato
abranger todos os aspectos da interação que interessam a qualquer parte no processo de
financiamento e se o contrato pode ser executado a custo zero (ou mínimo) por qualquer
das partes envolvidas. Um contrato completo é, em geral, uma abstração existente em
modelos econômicos formais que operam sob hipóteses pouco realistas, como existência
de informação completa e acessível a todos. Mesmo sob condições de falhas de mercado
(seleção adversa e risco moral), a abordagem de contratos completos preconiza que
contratos seriam capazes de conter cláusulas que corrigiriam tais falhas, o que ainda
mantém alto grau de abstração. Por outro lado, um contrato incompleto, mais apropriado
a condições onde impera racionalidade limitada, é aquele que não especifica, de uma
maneira executória (enforceable), cada aspecto da troca que afeta os interesses das partes
(ou de outros) e, por isso, envolve custos de transação explícitos. São considerados
incompletos porque a informação existente não é suficiente para balizar o contrato
(informação não é verificável), se uma das partes possui mais informação (não revelada)
do que outra (informação assimétrica) ou simplesmente quando não há informação
disponível. Além disso, contratos também são incompletos por conta das incertezas
dinâmicas (não é possível prever acontecimentos futuros com precisão pois as condições
impostas são dependentes temporalmente e estão em constante mudança), por
dificuldades inerentes à forma como serviços e bens são mensurados (dificuldades em
estabelecer critérios de avaliação de resultados), ausência de instituições judiciárias
(cortes ou terceiros relevantes) para julgar e executar contratos (e.g. algumas transações
internacionais) e mesmo por conta de preferências do agentes por contratos incompletos
(onde parte da informação é deliberadamente excluída).23 A análise de contratos de
financiamento de startups, portanto, carece de maior atenção em relação às condições
impostas às partes envolvidas.
A relação entre o credor e o tomador no mercado financeiro pode ser
analisada pelo que se convenciona chamar, em teoria econômica, de problema do
principal-agente. Nessa abordagem, o credor (investidor) é o "principal" e o tomador

23
Por exemplo, pode não ser preferível descobrir a exata qualidade de uma peça de teatro no momento que
se compra o ingresso, rendendo o contrato de compra do ingresso incompleto. Ver BOWLES, S., CARLIN,
W. e STEVENS, M. The firm: owners, managers, and employees. IN: The CORE Team (Org.), The
Economy, cap.6, 2017. Disponível em http://www.core-econ.org. [Acessado em 10/01/2017].

24
Versão Preliminar. Por favor não cite.

(firma) é o "agente". O principal gostaria que o agente atuasse de certa forma, como
trabalhar com mais dedicação para realizar o projeto com sucesso ou sempre demandar
empréstimos para projetos que tenham sucesso garantido. Mas o principal não pode
garantir que isso aconteça porque simplesmente não tem e não pode obter a informação
que permitiria que ele escrevesse tais requisitos em um contrato executável. Estes
problemas sempre surgem quando há um conflito de interesse entre os agentes envolvidos
na relação. Tal conflito de interesse surge por alguma ação ou atributo oculto do agente
que não pode ser executada ou garantida por contrato.24
Uma resposta do investidor para o conflito principal-agente é exigir que o
tomador (agente) disponha alguma parte de sua riqueza (colateral ou garantia) no projeto
ou empreendimento; quanto mais riqueza do tomador for alocada no projeto, maior é a
garantia que os interesses de ambos os agentes estarão mais alinhados. O maior aporte de
riqueza (colateral) também serve como sinalização de que o tomador acredita que o
projeto tem qualidades suficientes para aumentar as possibilidades de sucesso.
De forma mais específica ao tema principal deste capítulo, é possível afirmar
que a obtenção de financiamento se torna mais difícil para startups por conta de
diferenças de compreensão e análise entre o empreendedor e o agente financeiro (dadas
as diferenças nos conjuntos de informação que cada um detém), seja na compreensão da
qualidade do negócio, na avaliação do valor do projeto, ou na probabilidade de sucesso
do empreendimento; seja pela possibilidade de mau uso ou má alocação dos recursos
(deliberados ou não) após a concessão do financiamento (risco moral, se for uma ação
deliberada). Assim, é imperativo que a incerteza, as assimetrias de informação e o risco
moral sejam minimizados no momento da contratação de recursos, o que requer um
tratamento eficiente da informação existente e, quando esta não for disponível, uma
sinalização eficiente sobre as condições presentes e futuras do empreendimento.
É sob esse contexto de busca por informação e sinalização apropriados que,
nos últimos anos, tem proliferado redes colaborativas de empreendedorismo em diversos
países, reunindo firmas, empreendedores, agentes financeiros e setor público. Nessas


24
BOWLES, S., CARLIN, W. e STEVENS, M. Banks, Money, and the credit market. In: The CORE Team
(Org.) The Economy, cap.10, 2017. Disponível em http://www.core-econ.org. [Acessado em 10/01/2017].

25
Versão Preliminar. Por favor não cite.

redes desenvolvem-se agentes especializados na sinalização de novos empreendedores e
novos negócios, a partir de concorridos processos seletivos, públicos e privados, cujo
objetivo é elencar e indicar negócios com as melhores perspectivas e maiores
probabilidades de sucesso. Pré-incubadoras, incubadoras e aceleradoras atuam, através de
exigentes processos de seleção com objetivos específicos, sob o propósito de selecionar e
elencar os empreendimentos mais viáveis para investimento, uma sinalização
imprescindível para investidores anjo ou venture capitalists. A rede colaborativa,
entretanto, não se reduz apenas à promoção de sinalização mais efetiva para instituições
formais; ela é caracterizada por um conjunto de empreendedores e negócios que formam
conexões sociais importantes, transmitindo conhecimento, know-how e compartilhando
experiências que dão suporte ao desenvolvimento dos negócios. Como tal, é usualmente
denominada ecossistema, uma clara referência ao conjunto biológico de interrelações
entre seres vivos e o ambiente. A rede empreendedora gera interrelações que, no caso
discutido aqui, reduz assimetrias de informação e risco moral, facilitando o acesso dos
integrantes a inúmeras possibilidades de desenvolvimento, incluindo o acesso a
financiamento.
A teoria econômica indica que os problemas de acesso a financiamento, mais
especificamente, podem ser resolvidos através de monitoramento (quando o investidor
acompanha o empreendimento, influenciando nas decisões cotidianas de negócio), na
alocação eficiente dos direitos contratuais (o que cada parte no contrato tem por direito),
no equacionamento do capital investido (em diferentes estágios, de acordo com o
cumprimento de metas pré-estabelecidas) e em soluções que otimizam o
compartilhamento de risco entre o investidor e o empreendedor. 25 Entretanto, estas
soluções para mitigação da incompletude de contratos não se aplicam perfeitamente a
startups, em especial àquelas com poucos anos de vida.26 Para esse conjunto de firmas
com maior fragilidade organizacional, as conexões e obrigações sociais, inclusive nas
redes colaborativas, se tornam importantes mecanismos de transmissão de informação,

25
NOFSINGER, J. e WANG, W. Determinants of start-up firm external financing worldwide. Journal of
Banking and Finance, v.35, n.9, p.2282-2294, 2011
26
SHANE, S. e CABLE, D. Network ties, reputation, and the financing of new ventures. Management
Science, v.48, n.3, p.364–381, 2002.

26
Versão Preliminar. Por favor não cite.

pois aumentam o conjunto de dados sobre o empreendedor e reduzem a possibilidade de
comportamentos oportunistas.
De forma mais sistemática, é possível separar as possibilidades de
financiamento de startups em duas fontes: as que provêm de indivíduos, como o
autofinanciamento, os recursos advindos de familiares e amigos e os investidores anjo; e
os institucionais, como agências públicas de fomento e o Venture Capital. Essas fontes se
diferem na forma de tratamento das assimetrias de informação entre o emprestador e a
startup. As formas de financiamento advindas de indivíduos se respaldam em redes
sociais, onde os agentes possuem laços de sangue e conhecimento interpessoal, o que
reduz as incertezas envolvidas no processo. Já as relações financeiras advindas de agentes
institucionais, como mencionado acima, requerem alguma forma de sinalização que
reduza as assimetrias de informação existentes, seja em forma de garantias tangíveis, seja
por avaliação e acompanhamento mais detalhados das atividades da startup. Em
particular, a redução das incertezas para os agentes financeiros institucionais passa por
uma sinalização que indique se os bens produzidos pela startup são novos (inéditos), se
há produção de tecnologia e se o empreendedor possui algum experiência. Ademais, o
financiamento institucional depende das proteções existentes ao investidor em forma de
leis e resoluções formais que garantam a execução de contratos, instituições que
garantam os direitos de propriedade e aparato legal existentes no país. De forma oposta, o
financiamento por indivíduos, que conta com a rede social e suas conexões como suporte,
dependem da reputação do empreendedor em honrar seus compromissos. Essas são
características levadas em consideração previamente à provisão do financiamento.27
Evidências empíricas dão suporte à análise acima, em especial o
reconhecimento que as características de novos empreendimentos facilitam a obtenção de
financiamento, como a qualidade da proposta de negócios, a habilidade do empreendedor,
além de suas características pessoais (nível de riqueza)28, experiência29 e o grau de

27
NOFSINGER, J. e WANG, W. Determinants of start-up firm external financing worldwide. Journal of
Banking and Finance, v.35, n.9, p.2282-2294, 2011.
28
HURST, E. e LUSARDI, A. Liquidity constraints, household wealth, and entrepreneurship. Journal of
Political Economy, v.112, n.2, p.319–347, 2004.
29
NANDA, R. Entrepreneurship and the Discipline of External Finance. Working Paper, Harvard Business
School, n.08-047, 2009.

27
Versão Preliminar. Por favor não cite.

inovação de produtos e processos da firma. 30 Para startups, verifica-se que ativos
alienáveis e linhas de negócios definidas (produtos, fornecedores, marketing etc.) são
mais significativos para a obtenção de fundos do que a qualidade dos trabalhadores. A
análise de startups em fase inicial (até 6 meses de existência) em 27 países diferentes
indica que o tipo de produto (novo) e a experiência do empreendedor são fundamentais
para superar os problemas de informação assimétrica e risco moral do financiamento.
Entretanto, o tipo de agente financiador (individual ou institucional) responde
diferenciadamente às características informacionais: quando a startup oferece um produto
novo, a obtenção de recursos de financiamento está mais associado a investidores
informais, menos preocupados com proteção legal, já que as normas sociais de equidade
e obrigação são capazes de reduzir o risco de expropriação em uma relação social, o que
também reduz a importância da experiência do empreendedor. Em contraste, a análise do
financiamento institucional indica que novos produtos sinalizam para o investidor
institucional maior incerteza e maior probabilidade de fracasso do empreendimento e,
nesse caso, a experiência do empreendedor passa a ter maior importância.31 Em geral, o
ambiente legal também é significativo para obtenção de financiamento, sendo que a
maior quantidade e diversidade de fontes de financiamento (desenvolvimento financeiro)
se encontra positivamente correlacionado com maiores níveis de direitos de propriedade,
execução de contratos e proteção à corrupção.

5 – Conclusão
O presente capítulo teve o intuito de discutir o financiamento de startups com
destaque aos investimentos do tipo anjo. Para lograr tal objetivo, partiu-se da revisão do
conceito de firmas em teoria econômica, dando especial importância às suas diferentes
características. Esse discussão é importante não só porque capacita o entendimento da
inovação como central na caracterização das firmas, mas também porque permite
esclarecer o conceito de firma que defina a startup. Sob esse ponto de partida, a startup é


30
HELLMANN, T. e PURI, M. Venture capital and the professionalization of start-up firms. Journal of
Finance, v.57, n.1, p.169-197, 2002.
31
NOFSINGER, J. e WANG, W. Determinants of start-up firm external financing worldwide. Journal of
Banking and Finance, v.35, n.9, p.2282-2294, 2011.

28
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uma empresa (empreendimento) associada a algum tipo de inovação, usualmente de
pequeno porte, que superou a fase inicial de uma simples ideia de negócio e se encontra
nas fases iniciais de estabelecimento e teste de um modelo de negócios, concretizando os
primeiros planos para produção em escala mínima industrial/comercial. Essa definição
recebeu tratamento mais detalhado não só pelo fato de ainda ser pouco clara e muitas
vezes ambígua na literatura especializada, mas também porque se faz útil definir uma
startup ao se discutir suas possibilidades de financiamento. Ademais, é imperativo
destacar o importante papel de desenvolvimento econômico expresso pela evolução das
firmas de um país, em especial de startups, pois tal dinâmica enseja a participação de
diversos agentes (firmas, governo e o sistema financeiro), cujo papel deve ser
compreendido em tal processo.
Sob esse contexto, a segunda parte desse capítulo destacou o sistema
financeiro como peça principal de articulação do desenvolvimento. Em um primeiro
momento foi oferecida uma sistematização da relação entre financiamento, investimento
e produção como uma primeira abordagem, de cunho mais geral, para o tema. O grau de
desenvolvimento financeiro é fundamental nos planos de desenvolvimento de um país,
particularmente um sistema financeiro funcional, ou seja, que promova e estimule a
produção, a geração de renda e o emprego em bases que tragam relativa estabilidade
sistêmica. Entretanto, como mercados convivem em ambientes de incerteza, existem
maiores dificuldades para a realização de alguns tipo de atividade financeira, como
aquelas que envolvem pequenas firmas e processo de inovação. Como discutido, esses
são dois fatores que definem uma startup, o que nos indica a existência de obstáculos para
o financiamento desta. Para isso é fundamental entender os agentes, mercados e as
relações financeiras entre eles, sendo destacados algumas dessas, como o crowdfunding e
o Venture Capital, que merecem destaque, se utilizadas de forma a sustentar a referida
funcionalidade, como alternativas de suporte ao crescimento de firmas e dos negócios
que as envolvem.
Por fim, delineou-se uma análise mais detalhada de startups e investidores
anjos. Estas empresas convivem com grandes desafios, sejam aqueles que envolvem o
processo de inovação, ou aqueles referentes ao seu crescimento e estabelecimento nos
mercados. Como uma firma em estágio inicial de desenvolvimento, muitas vezes sem

29
Versão Preliminar. Por favor não cite.

capital próprio, fluxos de caixa significativos e/ou quaisquer ativos que sirvam como
garantia, estas firmas encontram grande dificuldade em conseguir aportes para seu
desenvolvimento, em especial o financiamento. Sob esse contexto, o financiamento usual
se faz disponível a partir do autofinanciamento (recursos do próprio empreendedor), de
amigos e familiares, demonstrando um caráter mais informal da relação financeira, mas
também advém investidores anjo e às vezes de venture capitalists. Esses últimos dois têm
um caráter mais formal e institucionalizado, operando muitas vezes por canais que são
extremamente seletivos, dado o grau de risco e incertezas existentes no processo. A
startup, portanto, se depara com uma situação onde apesar de oferecer um possível
produto ou processo inovador, importante para o desenvolvimento econômico, não tem
como garantir seu sucesso para além da confiança em suas capacidades empreendedoras
(perfil do empreendedor). Por outro lado, o investidor (financiador) se preocupa com a
realização ou efetivação do negócio e os retornos que obterá, objetivos que são
permeados de incerteza e risco, e por isso relutam por vezes em ofertar os recursos.
É nesse sentido que se apresenta uma interface importante entre a abordagem
econômica e os preceitos do direito, em especial no entendimento dos contratos que são
firmados entre startups e agentes financiadores. A literatura em economia destaca a
natureza incompleta de contratos firmados sob estados de incerteza, assimetria de
informações e risco. Por conta desses fatores, advindos tanto das possibilidades de
inovação e desenvolvimento quanto do financiamento, contratos são firmados, em sua
essência, na tentativa de reduzir as incertezas do processo geral. Entretanto, ainda sob tais
características, os contratos podem se caracterizar como mais ou menos vantajosos para
algumas das partes, o que demonstra a necessidade de entender melhor tais relações de
negócios e os contratos derivados de tais. Para uma startup, que lida com possibilidades
de financiamento relativamente escassas, as relações firmadas com os poucos agentes
financiadores podem ser a única alternativa de desenvolvimento, o que pode resultar em
uma relação desigual em termos de direitos e deveres. Há, portanto, espaço para o
tratamento mais detalhado desses tópicos em ambos os campos do direito e da economia.

6 - Referências
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