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Pombal, Mercantilista
Nascido em Lisboa no ano de 1699, Pombal pode ser considerado um dos principais
símbolos do absolutismo iluminado do século XVIII, tendo governado Portugal com o cargo
de primeiro-ministro entre 1750 e 1777. Seu grande trabalho na reforma administrativa e no
intuito de diminuir a dependência do império português em relação à Inglaterra tornam o
marquês de Pombal um destacado exemplar do fortalecimento do poder político e econômico
dos Estados europeus no período, sendo fortuita sua exploração pelo campo da Economia
Política Internacional. Descendente de uma família da pequena nobreza do país, Sebastião
José passou grande parte de sua vida em busca de reconhecimento político e social, tendo
alcançado título que lhe consagrou historicamente somente na idade de setenta e um anos.
Integrante da Academia Real da História Portuguesa até 1739, o mesmo foi indicado por seu
primo Marco Antonio de Azevedo Coutinho para o cargo de embaixador português em
Londres, o que fez Carvalho e Melo passar a ter contato com os círculos e debates da Royal
Society britânica. Com tal oportunidade em mãos Pombal absorveu amplo conhecimento
sobre a história política da Grã-Bretanha, possuindo em sua biblioteca particular renomadas
obras de autores mercantilistas como William Petty e Charles Davenant. “Em 1742, Pombal
escrevia que ‘todas as nações da Europa se aumentaram e aumentam ainda hoje pela recíproca
imitação. Cada uma vigia cuidadosamente sobre as ações que obram a outra” 1, o que
demonstra, já neste período, o seu interesse pela compreensão das motivações que
ocasionavam o poder dos Estados, tendo Pombal sido influenciado em grande medida pela
perspectiva teórica da economia política inglesa dos séculos XVII e XVIII. Por seu eficiente
trabalho e ligações familiares Pombal recebeu a chance de fazer parte da corte da imperatriz
Maria Teresa em 1742.
Ao longo dos quase oito anos em que esteve com o cargo de diplomata na Áustria
Pombal obteve amplo reconhecimento profissional, sendo chamado para integrar o governo
português em Lisboa na data de 1750. É necessário dizer que 1755 foi determinante para a
ascensão pombalina ao patamar de primeiro-ministro do rei D. José I, devido a sua
reconhecida participação na reconstrução da capital lusitana após um grave terremoto no
mesmo ano. O governo de Pombal pode ser marcado por seu intenso objetivo de diminuir a
dependência política, econômica e militar de Portugal em relação à Inglaterra, sendo
incentivada a produção manufatureira da Real Fábrica das Sedas; fortalecida a política fiscal
portuguesa em relação à evasão aurífera no Brasil, além de haver uma severa reforma na
distribuição de postos administrativos do império português, sendo a Igreja Católica um dos
setores mais afetados. O forte terror que atingiu a alta nobreza do país após o “Processo dos
Távoras” e a expulsão dos jesuítas das possessões territoriais portuguesas em 1759 acabaram
por consagrar a figura de Pombal como referência de despotismo esclarecido e inspiração das
ideias iluministas, sendo por vezes esquecida a grande influência do pensamento mercantilista
em seu legado. Todavia, é de valia a percepção de que as próprias ações no intuito de
fortalecer a dinastia de Bragança em Portugal tornam o ministério pombalino exemplo na
compreensão política da economia, fato de notável importância para os mercantilistas antigos
e que entendia o conteúdo estratégico da mesma a fim de atender os interesses dos Estados na
1
MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal: ascensão e queda. Lisboa: Editora
Manuscrito, 2015. p. 22.
era moderna. Devido os motivos citados é necessário refletir os principais debates de tal
corrente para assim se melhor entendida a relação do legado de Pombal para o debate
econômico.
Em sua Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, Smith busca
destacar a centralidade da produção e livre circulação de produtos como o caráter formador da
prosperidade dos Estados, transferindo para a esfera exclusivamente econômica um tema que,
em princípio, pertencia ao âmbito estratégico do poder. O intuito de fortalecer seu argumento
2
DEYON, P. O Mercantilismo. São Paulo, Perspectiva, 2004. p.62.
3
DEYON, P. IBID. p.27.
4
FIORI, J.L. (org) Estados e Moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis, editora
vozes, 1999. P.49.
acerca da divisão internacional do trabalho e da formação dos mercados nacionais fez com
que o autor reduzisse a participação política ao conhecido "Estado mínimo", tendo em vista
que a regulação estatal ao empreendedorismo, necessária e inerente ao período do
mercantilismo, tolheu em considerável medida os interesses de acumulação de parte da
iniciativa privada.
5
FIORI, J.L. IBID. p. 50.
aos objetivos comerciais ingleses, intentando dessa forma trilhar com Portugal o mesmo
caminho de prosperidade que seguiu a política mercantilista inglesa desde sua criação.
6
PADULA, Raphael (2007). Friedrich List – Nota Introdutória. Oikos (Rio de Janeiro), v.8, p.
164.
Além disso, é perceptível na obra do autor a adoção de um método de análise que tem
as experiências históricas nacionais como ponto de partida, conferindo assim a influência dos
interesses políticos na ciência econômica. Como escreveu List7:
A ideia de uma economia nacional nasce com a ideia de nações. Uma nação é o meio
entre indivíduos e a humanidade, uma sociedade separada de indivíduos que,
possuindo um governo comum, leis, direito, riquezas e vidas constituem um corpo,
livre e independente, que segue somente os ditames de seus interesses, em relação a
outros corpos independentes, e que possui poder para regular os interesses dos
indivíduos que constituem este corpo, com o objetivo de criar a maior quantidade de
bem-estar comum em seu interior e a maior quantidade de segurança em relação a
outras nações.
A essência da crítica de List aos economistas liberais se deve ao enfoque dado por estes às
questões da circulação e distribuição da produção, esvaziando o caráter nacional estratégico
presente no saber econômico. Desta forma, para o autor, a economia acabou perdendo em
grande medida sua importância para o âmbito do poder, sendo descartada prematuramente a
utilização para fins políticos e militares que marcou o desenvolvimento inicial da ciência.
Através da perspectiva de List é possível compreender algumas das motivações que levaram
certos Estados europeus a promover o protecionismo alfandegário em relação à expansão
comercial inglesa, sendo o governo de Pombal um exemplar episodio de tal intuito. As
variadas ações de incentivo e regulação tomadas pelo marquês ao longo de sua administração
visavam defender os interesses políticos portugueses em seu contato com a Inglaterra,
diminuindo assim a dependência econômica e militar de Lisboa em relação à Londres. O
conhecimento histórico e a compreensão estratégica da economia que o estadista português e
o autor alemão compartilhavam tornam compreensível a importância do protecionismo e da
intervenção estatal na luta pelo poder político dos Estados.
7
LIST, G.L. As diferenças entre o Sistema Britânico e o Sistema Americano. Carta 2. IN:
PADULA, Raphael (2007). IBID. p. 176.
situação mais ou menos ancestral, lentamente, historicamente desenhada” 8. A perspectiva de
formação da economia oferecida pelo autor diverge, em grande medida, daquela que era
defendida por Smith em sua “Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das
nações”, já que o pensador inglês do século XVIII tinha como argumento central de sua
análise a hipótese da racionalidade econômica do homem e de sua permanente busca pela
satisfação dos seus desejos e necessidades. Ao situar a economia de uma maneira conjuntural,
e não isoladamente como queriam os clássicos, Braudel percebeu de forma mais atenta as
caraterísticas políticas, sociais, culturais, geográficas e históricas que influenciaram no
surgimento da mesma, enriquecendo de maneira sem igual o método historiográfico de análise
espaço-temporal desenvolvido pelo fundador da revista dos Annales, Marc Bloch.
Para o historiador tais economias se configuram por sua disposição espacial composta
por centros, zonas secundárias e regiões periféricas, sendo estas categorias marcadas por
dinâmicas políticas, econômicas e sociais distintas e interdependentes. As regiões centrais,
segundo Braudel, notam-se pela existência de uma cidade-sede para qual converge o fluxo de
negócios e riquezas, e caracterizada pelo favorecimento de sua política aos interesses dos
grandes capitalistas. É nestes locais que o futuro da economia-mundo é ditado, além de
despontarem sempre deles as novas tendências econômicas dominantes, garantindo a
8
BRAUDEL, F. Civilização material, Economia e Capitalismo – século XV-XVIII, vol. 3. São
Paulo, Martins Fontes, 1998. p.37
9
BRAUDEL, F. IBID. p. 12.
10
Idem.
complexificação de sua hegemonia e a dominância de sua estrutura sobre as “cidades-etapa”
menores ao seu redor. Estas, por sua vez, tem sua atividade ajustada à da metrópole e
“remetem para ela o fluxo dos negócios, redistribuem ou encaminham os bens que ela lhes
confia, agarram-se ao seu crédito (o da metrópole) ou submetem-se a ele” 11, enquanto as
periferias caracterizam-se pela ausência de dinâmica econômica e forte existência de pobreza,
elementos que se desdobram inevitavelmente nos baixos preços das mercadorias
comercializadas em seu interior.
11
BRAUDEL, F. IBID. p.20.
12
FIORI, J.L. O poder americano. Petrópolis, Vozes, 2004. p.21-22.
exímio conhecedor da história e economia da Inglaterra, levando este, quando primeiro-
ministro, a adotar estratégia semelhante à da ilha a fim de aumentar o poder político e
econômico de seu país no contexto do sistema internacional. Com isso, a reforma
administrativa perpetrada pelo marquês em seu governo não visava somente elevar o espectro
da riqueza e o caráter da livre iniciativa individual em Portugal, mas principalmente fortalecer
as bases econômicas que garantiam a soberania política e a estabilidade da relevância
diplomática lusitana na Europa moderna. A crescente pressão competitiva orientada pelo
referido jogo das guerras dissertado por Fiori, tornou clara a necessidade de uma reorientação
política de Portugal a fim de garantir o fortalecimento militar frente a constante ameaça
territorial sofrida por sua coroa. Pelos motivos apresentados é possível concluir a grande
importância de Sebastião José de Carvalho e Melo na análise do sistema interestatal de
meados do século XVIII, guardando a própria vida pública do marquês a comprovação de
suas influências mercantilistas e compreensão da economia como saber estratégico para a
expansão do poder dos Estados no capitalismo de seu tempo.
Bibliografia
FIORI, J.L. (org) Estados e Moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis, editora
vozes, 1999
PADULA, Raphael (2007) Friedrich List – Nota Introdutória. Oikos (Rio de Janeiro), v8.