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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL

DISCIPLINA: ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL I

PROFESSOR: MAURÍCIO METRI

ALUNO: MATHEUS SANTANA

Pombal, Mercantilista

O presente texto visa analisar o pensamento e ações de Sebastião José de Carvalho e


Melo, conhecido como Marquês de Pombal, nas quase três décadas em que este foi ministro
de D. José I em Portugal, sendo utilizadas para tal fim algumas das principais perspectivas de
interpretação provindas da Economia Política Internacional. Tal fato se justifica devido ao
grande enfoque dado pela área às disputas políticas, econômicas e territoriais do sistema
internacional, o que faz a experiência pombalina ser um bom objeto para ser aprofundada a
compreensão acerca dos fundamentos essenciais para a construção das hierarquias
interestatais no capitalismo. Desta forma, buscaremos observar como as respostas políticas do
governante aos desafios do seu tempo podem contribuir com os debates sobre acumulação de
poder e riqueza estatais, sendo a gestão nacional de recursos estratégicos, a necessidade da
conquista e manutenção de posições coloniais avançadas, a questão da acumulação de metais
para fins militares inerente ao mercantilismo e o interesse pela compreensão das hierarquias
internacionais alguns dos motes que orientarão este estudo. Todavia, a fim de que seja
alcançado o objetivo é necessária uma breve contextualização histórica sobre a vida do
referido personagem, para que assim seja compreendido o impacto de suas ações para a
monarquia portuguesa e para todas as outras ao redor da Europa.

Nascido em Lisboa no ano de 1699, Pombal pode ser considerado um dos principais
símbolos do absolutismo iluminado do século XVIII, tendo governado Portugal com o cargo
de primeiro-ministro entre 1750 e 1777. Seu grande trabalho na reforma administrativa e no
intuito de diminuir a dependência do império português em relação à Inglaterra tornam o
marquês de Pombal um destacado exemplar do fortalecimento do poder político e econômico
dos Estados europeus no período, sendo fortuita sua exploração pelo campo da Economia
Política Internacional. Descendente de uma família da pequena nobreza do país, Sebastião
José passou grande parte de sua vida em busca de reconhecimento político e social, tendo
alcançado título que lhe consagrou historicamente somente na idade de setenta e um anos.
Integrante da Academia Real da História Portuguesa até 1739, o mesmo foi indicado por seu
primo Marco Antonio de Azevedo Coutinho para o cargo de embaixador português em
Londres, o que fez Carvalho e Melo passar a ter contato com os círculos e debates da Royal
Society britânica. Com tal oportunidade em mãos Pombal absorveu amplo conhecimento
sobre a história política da Grã-Bretanha, possuindo em sua biblioteca particular renomadas
obras de autores mercantilistas como William Petty e Charles Davenant. “Em 1742, Pombal
escrevia que ‘todas as nações da Europa se aumentaram e aumentam ainda hoje pela recíproca
imitação. Cada uma vigia cuidadosamente sobre as ações que obram a outra” 1, o que
demonstra, já neste período, o seu interesse pela compreensão das motivações que
ocasionavam o poder dos Estados, tendo Pombal sido influenciado em grande medida pela
perspectiva teórica da economia política inglesa dos séculos XVII e XVIII. Por seu eficiente
trabalho e ligações familiares Pombal recebeu a chance de fazer parte da corte da imperatriz
Maria Teresa em 1742.

Ao longo dos quase oito anos em que esteve com o cargo de diplomata na Áustria
Pombal obteve amplo reconhecimento profissional, sendo chamado para integrar o governo
português em Lisboa na data de 1750. É necessário dizer que 1755 foi determinante para a
ascensão pombalina ao patamar de primeiro-ministro do rei D. José I, devido a sua
reconhecida participação na reconstrução da capital lusitana após um grave terremoto no
mesmo ano. O governo de Pombal pode ser marcado por seu intenso objetivo de diminuir a
dependência política, econômica e militar de Portugal em relação à Inglaterra, sendo
incentivada a produção manufatureira da Real Fábrica das Sedas; fortalecida a política fiscal
portuguesa em relação à evasão aurífera no Brasil, além de haver uma severa reforma na
distribuição de postos administrativos do império português, sendo a Igreja Católica um dos
setores mais afetados. O forte terror que atingiu a alta nobreza do país após o “Processo dos
Távoras” e a expulsão dos jesuítas das possessões territoriais portuguesas em 1759 acabaram
por consagrar a figura de Pombal como referência de despotismo esclarecido e inspiração das
ideias iluministas, sendo por vezes esquecida a grande influência do pensamento mercantilista
em seu legado. Todavia, é de valia a percepção de que as próprias ações no intuito de
fortalecer a dinastia de Bragança em Portugal tornam o ministério pombalino exemplo na
compreensão política da economia, fato de notável importância para os mercantilistas antigos
e que entendia o conteúdo estratégico da mesma a fim de atender os interesses dos Estados na
1
MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal: ascensão e queda. Lisboa: Editora
Manuscrito, 2015. p. 22.
era moderna. Devido os motivos citados é necessário refletir os principais debates de tal
corrente para assim se melhor entendida a relação do legado de Pombal para o debate
econômico.

A Economia Política e o governo pombalino

É possível assinalar que o nascimento da ciência econômica foi influenciado, em


considerável medida, pelos interesses da constituição do poder vigente em seu tempo, sendo
por esta razão que a mesma, com o advento de seu surgimento no século XVI, foi denominada
economia política. Todavia, a partir de meados do século XVIII é observável uma tendência
no debate mais centrada na produção e reprodução da riqueza pelos economistas clássicos, e
que acabou por desassociar a acumulação desta das questões ligadas ao poder. A aversão
ideológica liberal em relação ao mercantilismo e as necessidades objetivas de reprodução
humana, pilar do materialismo histórico marxiano, fortaleceram as crenças de um sistema
econômico independente do tema do poder. No entanto, é necessário um resgate das
condições históricas e geográficas que acarretaram o desenvolvimento da economia, para que
assim se compreenda sua importância militar estratégica, a indissolubilidade de sua parceria
com a política e a necessidade da acumulação de riquezas para a expansão e manutenção do
poder no continente europeu.

A fim de melhor situarmos as condições do mercantilismo, primeiro passo teórico para


a constituição da ciência econômica, é de valia observar não a construção da riqueza, mas o
desenvolvimento das lutas pelo monopólio político em diversas regiões da Europa ocidental.
Como destaca Norbert Elias em "O processo civilizador", a luta e a competição pelo poder
teve caráter perene na sociogênese dos Estados, sendo assim de interesse reinante a
constituição de alternativas que fortalecessem a centralidade política e tributária de príncipes
e reis da época. A partir do século XV começaram a se desenvolver um conjunto variado de
teorias e práticas de intervencionismo estatal conhecida posteriormente como mercantilismo,
influenciada por Petty na Inglaterra e Laffemas e Colbert na França, e fortemente associada à
dualidade entre poder político e acumulação de riqueza dos Estados. O intuito de elaborar
estratégias para garantir a capacidade militar dos governantes e para financiar a ocupação e
imposição de sua vontade soberana em uma região fez a doutrina mercantilista dar tenaz
atenção à necessidade de guardar amplas reservas de metais preciosos, já que estes, em última
instância, asseguravam o suprimento bélico e de víveres para a defesa de suas possessões
territoriais. Todavia, como destaca Deyon em sua obra homônima a referida doutrina
econômica, na Europa moderna é a "propriedade do reino que permite ao erário alimentar o
tesouro real"2, sendo fundamental o desenvolvimento de políticas e intervenções que
favorecessem o enriquecimento para a expansão do poder e da defesa dos Estados.

Já ressaltada a determinada conjuntura é importante analisar melhor as propostas


mercantilistas, merecendo a obra de William Petty especial atenção por sua já referida
influência na vida intelectual de Pombal. Como abordou Pierre Deyon, contribuições como as
de Mun, Child, Davenant e Petty sinalizam "uma certa laicização do pensamento político
sobre influências do maquiavelismo"3, tendo Petty fortalecido a experiência nacional e
empírica do sistema mercantil inglês. Além disso, é possível observar em Aritmética Política,
principal obra do autor, a inauguração do método quantitativo fundamental ao mercantilismo
e que visava, em suma, estabelecer os numerários econômicos candentes para o aumento do
poder e riqueza dos Estados. Percebe-se assim que o olhar de William Petty encara a
Economia como um  saber estratégico para a defesa dos interesses das monarquias, sobretudo
àquelas que como a Inglaterra possuíam desvantagens equivalentes em população e território
se comparadas aos maiores reinos, a exemplo da França. É notável com isso que a própria
preparação para a guerra tornou-se uma das raízes fundamentais do mercantilismo inglês,
gerando na ilha uma política defensiva, intervencionista, xenofóbica aos produtos estrangeiros
e interessada na tributação do erário. O eixo para o financiamento do poder fixou a atenção
mercantilista na circulação e apropriação das riquezas, gerando tenaz oposição dos críticos
ingleses do século XVIII. Como destaca Fiori em seu artigo "Estados, moedas e
desenvolvimento", "o viés politico-ideológico imposto pela luta do liberalismo econômico
contra o 'sistema mercantil' impediu os economistas políticos ingleses de reconhecerem o que
havia de verdade na política mercantilista e acabou enviesando, de forma definitiva, todo o
pensamento econômico clássico"4.

Em sua Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, Smith busca
destacar a centralidade da produção e livre circulação de produtos como o caráter formador da
prosperidade dos Estados, transferindo para a esfera exclusivamente econômica um tema que,
em princípio, pertencia ao âmbito estratégico do poder. O intuito de fortalecer seu argumento
2
DEYON, P. O Mercantilismo. São Paulo, Perspectiva, 2004. p.62.

3
DEYON, P. IBID. p.27.
4
FIORI, J.L. (org) Estados e Moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis, editora
vozes, 1999. P.49.
acerca da divisão internacional do trabalho e da formação dos mercados nacionais fez com
que o autor reduzisse a participação política ao conhecido "Estado mínimo", tendo em vista
que a regulação estatal ao empreendedorismo, necessária e inerente ao período do
mercantilismo, tolheu em considerável medida os interesses de acumulação de parte da
iniciativa privada.

Apesar de ter se balizado na premissa de que o livre e mútuo intercâmbio de


mercadorias gerava a riqueza dos Estados, Adam Smith em sua obra de 1776 também
destacou que as relações de pacto colonial da idade moderna favoreciam determinantemente a
Europa e suas principais potências em termos agregados e específicos, respectivamente,
devido às diferenças no uso das técnicas de produção entre os povos conquistadores e
conquistados. Logo, é perceptível um conflito na referida argumentação já que, mesmo
resistente, o autor aceita que as relações de poder possuem influência no ambiente econômico,
contradição parcamente clarificada por Smith, como destaca Fiori, "ao identificar o seu
conceito de nação com o mercado, e ao definir o seu conceito de riqueza a partir da satisfação
dos consumidores"5. Portanto, pode-se concluir que a contribuição teórica dada por Adam
Smith apesar de importante, tendeu a reduzir a influência do poder e sua relação com a
acumulação de riquezas e grandeza dos Estados.

Apesar de ter sido publicada somente no ano anterior à demissão de Pombal em


Portugal, é possível observar que a obra de Smith busca legitimar a ordem política e
econômica defendida pela Inglaterra a partir de meados do século XVIII. Ações do marquês
como a concessão do monopólio de comercio à Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão
em 1755 e da Companhia Geral da Agricultura e das Vinhas do Alto Douro no ano seguinte
visavam garantir maior estabilidade e autonomia para a produção lusitana frente ao poderoso
domínio do capital inglês, que naquele período conservava amplo apoio político e econômico
de seu governo nas relações comerciais com os portugueses. Mesmo com tal relação a
Inglaterra procurou defender a doutrina do livre comércio, promovendo assim o aumento de
suas exportações e a predominância de sua economia perante às demais potências europeias.
Pode-se entender desta maneira que o uso estratégico dos instrumentos de Estado por parte de
Pombal visava garantir e defender os interesses de Portugal vis a vis a forte expansão da
influência industrial e política inglesa ao longo do século XVIII. Os conhecimentos históricos
e diplomáticos sobre a ilha levavam o marquês a optar por uma prática protecionista e oposta

5
FIORI, J.L. IBID. p. 50.
aos objetivos comerciais ingleses, intentando dessa forma trilhar com Portugal o mesmo
caminho de prosperidade que seguiu a política mercantilista inglesa desde sua criação.

É necessário destacar que a experiência protecionista de Pombal em Portugal não foi


exclusiva nem de alta efetividade, visto que aproximadamente um século depois outras nações
adotariam práticas tarifarias de maior impacto no cenário internacional. A partir de 1850 é
notável a ascensão de novas potências industriais com economias distintas do modelo liberal
clássico, sendo presentes os monopólios e o intervencionismo estatal. Desta forma, é notável
o fortalecimento de Estados Unidos e Alemanha por tal via na corrida industrial capitalista do
século XIX, sendo importante a contribuição de George Friedrich List para serem
compreendidas tais estratégias defensivas adotadas pelos países. Nascido em 1789, o
economista dedicou parte de seu trabalho ao objetivo de refutar o pensamento liberal
difundido nas obras de Smith, Say e Thomas Cooper, sendo um dos atores de maior influencia
na formação e integração da economia alemã. Sua principal obra Sistema Nacional de
Economia Política buscou resgatar a preponderância do poder e das questões politicas nos
interesses econômicos, procurando explicitar a inviabilidade macroeconômica dos referenciais
teóricos clássicos para as nascentes economias industriais do século XIX. “List percebeu as
ações da Inglaterra, firmando acordos de livre-comércio com os demais países, e suas
consequências danosas para a indústria e desenvolvimento destes últimos, ao concorrer
livremente com os manufaturados britânicos”6, fato que tornou o autor vanguarda no debate
que enxergava o Estado como agente promotor do desenvolvimento.

É possível considerar que o ponto central da análise do alemão foca-se na distribuição


tripartite da economia, sendo esta dividida nas esferas individual, nacional e geral,
denominada da humanidade ou cosmopolítica. No entanto, List ressalta que o pensamento
teórico liberal por defender a liberdade de iniciativa e comércio, dá conta em sua abordagem
somente do primeiro e do terceiro núcleo, estando a economia e a produção de riquezas
nacionais essencialmente em conflito com os interesses do livre mercado. Por tal motivo
Friedrich List confirma a defesa do nacionalismo inglês na obra de Adam Smith, sendo de tal
forma prejudicial para os demais países a aceitação irrestrita das práticas do liberalismo.

6
PADULA, Raphael (2007). Friedrich List – Nota Introdutória. Oikos (Rio de Janeiro), v.8, p.
164.
Além disso, é perceptível na obra do autor a adoção de um método de análise que tem
as experiências históricas nacionais como ponto de partida, conferindo assim a influência dos
interesses políticos na ciência econômica. Como escreveu List7:

A ideia de uma economia nacional nasce com a ideia de nações. Uma nação é o meio
entre indivíduos e a humanidade, uma sociedade separada de indivíduos que,
possuindo um governo comum, leis, direito, riquezas e vidas constituem um corpo,
livre e independente, que segue somente os ditames de seus interesses, em relação a
outros corpos independentes, e que possui poder para regular os interesses dos
indivíduos que constituem este corpo, com o objetivo de criar a maior quantidade de
bem-estar comum em seu interior e a maior quantidade de segurança em relação a
outras nações.

A essência da crítica de List aos economistas liberais se deve ao enfoque dado por estes às
questões da circulação e distribuição da produção, esvaziando o caráter nacional estratégico
presente no saber econômico. Desta forma, para o autor, a economia acabou perdendo em
grande medida sua importância para o âmbito do poder, sendo descartada prematuramente a
utilização para fins políticos e militares que marcou o desenvolvimento inicial da ciência.
Através da perspectiva de List é possível compreender algumas das motivações que levaram
certos Estados europeus a promover o protecionismo alfandegário em relação à expansão
comercial inglesa, sendo o governo de Pombal um exemplar episodio de tal intuito. As
variadas ações de incentivo e regulação tomadas pelo marquês ao longo de sua administração
visavam defender os interesses políticos portugueses em seu contato com a Inglaterra,
diminuindo assim a dependência econômica e militar de Lisboa em relação à Londres. O
conhecimento histórico e a compreensão estratégica da economia que o estadista português e
o autor alemão compartilhavam tornam compreensível a importância do protecionismo e da
intervenção estatal na luta pelo poder político dos Estados.

É na esteira de tais debates que podemos destacar o esforço intelectual de Fernand


Braudel a fim de melhor situarmos o episódio pombalino com construção da vida econômica
europeia e da sociedade de mercado entre os séculos XV e XVIII. A primeira notável
característica da teoria braudeliana é a sua visão crítica em relação ao constructo econômico
proposto pelos liberais, não sendo a natureza do capitalismo, para Braudel, “fruto de vocações
que se possam considerar ‘naturais’ e óbvias, ela é uma herança, a consolidação de uma

7
LIST, G.L. As diferenças entre o Sistema Britânico e o Sistema Americano. Carta 2. IN:
PADULA, Raphael (2007). IBID. p. 176.
situação mais ou menos ancestral, lentamente, historicamente desenhada” 8. A perspectiva de
formação da economia oferecida pelo autor diverge, em grande medida, daquela que era
defendida por Smith em sua “Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das
nações”, já que o pensador inglês do século XVIII tinha como argumento central de sua
análise a hipótese da racionalidade econômica do homem e de sua permanente busca pela
satisfação dos seus desejos e necessidades. Ao situar a economia de uma maneira conjuntural,
e não isoladamente como queriam os clássicos, Braudel percebeu de forma mais atenta as
caraterísticas políticas, sociais, culturais, geográficas e históricas que influenciaram no
surgimento da mesma, enriquecendo de maneira sem igual o método historiográfico de análise
espaço-temporal desenvolvido pelo fundador da revista dos Annales, Marc Bloch.

Além disso, outro eixo fundamental na obra do autor é o estudo do processo de


integração de mercados ocorrido no sistema internacional capitalista desde o século XV.
Doravante, segundo Braudel, observa-se uma progressiva justaposição de estruturas
comerciais e zonas econômicas de diferentes categorias, iniciando a partir da “economia-
mundo” europeia uma tendência de centralização das trocas que alcançou toda a economia
mundial hoje em dia. A fim de clarificar suas ideias, o historiador francês definiu a economia
mundial como aquela que “estende-se à terra inteira”, agregando todo “o gênero humano ou
toda aquela parte do gênero humano que faz comércio e hoje constitui, de certo modo, um
único mercado”9. Por outro lado, Braudel conceitua economia-mundo como aquela que
“envolve apenas um fragmento do universo, um pedaço do planeta economicamente
autônomo, capaz, no essencial, de bastar a si próprio e ao qual suas ligações e trocas internas
conferem certa unidade orgânica”10, tendo esta unidade delimitação geográfica específica,
além de ser caracterizada por uma hierarquização entre suas zonas componentes.

Para o historiador tais economias se configuram por sua disposição espacial composta
por centros, zonas secundárias e regiões periféricas, sendo estas categorias marcadas por
dinâmicas políticas, econômicas e sociais distintas e interdependentes. As regiões centrais,
segundo Braudel, notam-se pela existência de uma cidade-sede para qual converge o fluxo de
negócios e riquezas, e caracterizada pelo favorecimento de sua política aos interesses dos
grandes capitalistas. É nestes locais que o futuro da economia-mundo é ditado, além de
despontarem sempre deles as novas tendências econômicas dominantes, garantindo a
8
BRAUDEL, F. Civilização material, Economia e Capitalismo – século XV-XVIII, vol. 3. São
Paulo, Martins Fontes, 1998. p.37
9
BRAUDEL, F. IBID. p. 12.
10
Idem.
complexificação de sua hegemonia e a dominância de sua estrutura sobre as “cidades-etapa”
menores ao seu redor. Estas, por sua vez, tem sua atividade ajustada à da metrópole e
“remetem para ela o fluxo dos negócios, redistribuem ou encaminham os bens que ela lhes
confia, agarram-se ao seu crédito (o da metrópole) ou submetem-se a ele” 11, enquanto as
periferias caracterizam-se pela ausência de dinâmica econômica e forte existência de pobreza,
elementos que se desdobram inevitavelmente nos baixos preços das mercadorias
comercializadas em seu interior.

Todavia, apesar de sua grande relevância, a análise de Braudel faz despontar um


questionamento acerca de quais interesses inicialmente mobilizaram a integração dos
mercados e das diferentes zonas econômicas do globo, sendo a resposta de tal pergunta
fundamental para compreensão da superioridade comercial inglesa e da gestão estratégica
pombalina em meados do século XVIII. Foi o intuito de poder contribuir com tal debate que
levou José Luís Fiori a criar o conceito de política-mundo, paralelamente relacionado ao de
economia-mundo braudeliano, que visa destacar a prevalência dos aspectos políticos nos
assuntos relacionados à acumulação de riquezas. Para o autor brasileiro tal conceito refere-se
aos

“pedaços do planeta integrados e unificados por conflitos e guerras quase


permanentes. Territórios ocupados por vários centros de poder e alguns ‘núcleos
imperiais’, contíguos e competitivos, que acabaram se impondo aos demais (...).
Braudel fala no ‘jogo das trocas’, mas se pode e se deve falar também de um outro
jogo que foi absolutamente decisivo para o nascimento dos estados: o ‘jogo das
guerras’. Foi a guerra que teceu a rede europeia dos estados nacionais, e a preparação
para a guerra foi que obrigou a criação das estruturas internas dos estados situados
dentro desta rede”.12

Desta forma, aproximando as proposições de Fiori e Braudel do tema deste estudo é


possível concluir que as ações de reforma adotadas pelo marquês de Pombal entre 1750 e
1777 visavam não só a reorganização econômica, mas também a restruturação do poder
soberano de Portugal em sua relação com as demais potências europeias, sobretudo a
Inglaterra. Tal fato deveu-se ao crescimento da influência produtiva e militar desta no cenário
internacional desde o início do século XVIII, o que alterou o panorama político, acirrou as
disputas hegemônicas e aumentou poderio econômico inglês sobre os lusitanos. Os
conhecimentos obtidos durante o período como embaixador em Londres tornaram Pombal um

11
BRAUDEL, F. IBID. p.20.
12
FIORI, J.L. O poder americano. Petrópolis, Vozes, 2004. p.21-22.
exímio conhecedor da história e economia da Inglaterra, levando este, quando primeiro-
ministro, a adotar estratégia semelhante à da ilha a fim de aumentar o poder político e
econômico de seu país no contexto do sistema internacional. Com isso, a reforma
administrativa perpetrada pelo marquês em seu governo não visava somente elevar o espectro
da riqueza e o caráter da livre iniciativa individual em Portugal, mas principalmente fortalecer
as bases econômicas que garantiam a soberania política e a estabilidade da relevância
diplomática lusitana na Europa moderna. A crescente pressão competitiva orientada pelo
referido jogo das guerras dissertado por Fiori, tornou clara a necessidade de uma reorientação
política de Portugal a fim de garantir o fortalecimento militar frente a constante ameaça
territorial sofrida por sua coroa. Pelos motivos apresentados é possível concluir a grande
importância de Sebastião José de Carvalho e Melo na análise do sistema interestatal de
meados do século XVIII, guardando a própria vida pública do marquês a comprovação de
suas influências mercantilistas e compreensão da economia como saber estratégico para a
expansão do poder dos Estados no capitalismo de seu tempo.

Bibliografia

BRAUDEL, F. Civilização material, Economia e Capitalismo – século XV-XVIII, vol. 3. São


Paulo, Martins Fontes, 1998.

DEYON, P. O Mercantilismo. São Paulo, Perspectiva, 2004.

ELIAS, N. O Processo Civilizador, Vol. 2: Formação do Estado e Civilização. Rio de


Janeiro, Jorge Zahar, 1993.

FIORI, J.L. (org) Estados e Moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis, editora
vozes, 1999

_________. O poder americano. Petrópolis, Vozes, 2004.

MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal: ascensão e queda. Lisboa: Editora


Manuscrito, 2015.

PADULA, Raphael (2007) Friedrich List – Nota Introdutória. Oikos (Rio de Janeiro), v8.

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