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Universidade Federal de Pernambuco

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de Antropologia e Museologia

Programa de Pós Graduação em Antropologia

História e Teoria Antropológicas II

Resenha III

Os grupos étnicos e suas fronteiras

Fredrik Barth

Professor: Dr. Antônio Motta

Professor: Dr. Peter Schröder

Aluno: Alcides J. D. Lopes

Recife, 19 de Setembro de 2013.


Neste ensaio, o autor aborda a problemática dos grupos étnicos, de forma competente e
reivindica a importância do tema para a antropologia social. Partindo da ideia de
descontinuidade cultural, muita atenção tem sido dispendida às diferenças entre culturas,
suas fronteiras e às conexões históricas existentes entre elas, em detrimento do processo
de constituição dos grupos étnicos e da natureza das suas fronteiras. O autor critica o uso
de um conceito bastante abstrato de “sociedade” por parte dos antropólogos sociais ao
tentarem representar o sistema social abrangente dentro do qual grupos e unidades
menores podem ser analisados, sem levar em conta suas características e fronteiras, bem
como as questões teóricas.

Barth infere, a partir de uma investigação empírica sobre o caráter das fronteiras étnicas,
duas descobertas: (a) as distinções entre categorias étnicas não dependem da ausência de
mobilidade, contato ou informação, e (b) as distinções étnicas não dependem da ausência
de interação e aceitação sociais. Com esta crítica, somos convidados a um exame
investigativo dos fatos empíricos e a uma adequação aos conceitos, onde o principal
ponto de partida teórico é composto por várias partes interconectadas; inicialmente a
ênfase no fato de que os grupos étnicos são categorias atributivas e identificadoras
empregadas pelos próprios atores, em seguida a tentativa de exploração dos diferentes
processos que parecem estar envolvidos na geração e manutenção dos grupos étnicos e
finalmente, para observar estes processos, o foco da investigação é localizada nas
fronteiras étnicas e sua manutenção.

Segundo Barth, os critérios usados para identificar um grupo étnico na literatura


antropológica como designação de população é a característica de se autoperpetuar do
ponto de vista biológico, o compartilhamento de valores culturais fundamentais realizado
de modo patentemente unitário em determinadas formas culturais, ser um campo de
comunicação e interação e ter um conjunto de membros que se identificam e são
identificados por outros, como constituindo uma categoria que pode ser distinguida de
outras categorias da mesma ordem, mas ele discorda de tal abordagem argumentando
que essa definição impede a compreensão do fenômeno dos grupos étnicos e seu lugar na
sociedade e nas culturas humanas. As críticas apresentadas por Barth são relativas a uma
visão de um modelo típico ideal que traz atrelada a ela uma preconcepção limitadora de
abordagens. O autor concorda com o fato de que o compartilhamento de uma mesma
cultura é um fator significativo, mas a seu ver é uma consequência que alerta sobre as
limitações dessa visão. Segundo ele, quando a atenção concentra-se sobre a análise das
culturas em detrimento da organização étnica, a relação dinâmica entre os grupos é
descrita através de estudos de aculturação com certa inadequação teórica. As formas
culturais exibem os efeitos da ecologia, na medida em que refletem as circunstâncias
externas às quais os atores têm que se acomodar. O autor ainda comenta sobre a
inadequação em considerar que as formas institucionais manifestas constituem as
características culturais que a todo momento permitem distinguir um grupo étnico, o
mesmo para a alegação de que toda a diversificação interna a um grupo é um primeiro
passo rumo à subdivisão e à multiplicação de unidades. Há, segundo ele, a necessidade de
assumir um ponto de vista que não confunda os efeitos das circunstâncias ecológicas
sobre o comportamento com os efeitos da tradição cultural, tornando possível a
separação desses fatores e a investigação dos componentes culturais e sociais não
ecológicos que agem no sentido da criação de diversidade.

Quanto à configuração de grupos étnicos como tipo organizacional, ele afirma que as
características que devem ser levadas em conta não correspondem ao somatório das
diferenças objetivas, pois são aquelas que os próprios atores consideram significativas. O
conteúdo cultural das dicotomias é inferido, em termos analíticos, de duas ordens
diferentes; (i) sinais e signos manifestos, (ii) orientações valorativas básicas. Quando as
unidades étnicas são definidas como um grupo atributivo e exclusivo, a sua continuidade é
clara. Apenas os fatores socialmente relevantes tornam-se importantes para diagnosticar
o pertencimento.

Desta forma, o foco central da investigação passa a ser a fronteira étnica, e, por
conseguinte, social, e com isso, a existência de critérios para determinação de
pertencimento ou exclusão. Relações interétnicas pressupõem, segundo o autor, um
conjunto de prescrições que governam as situações de contato e permitem uma
articulação em alguns setores ou domínios de atividade específicos e um conjunto de
interdições ou proscrições com relação a determinadas situações sociais. Todos os
sistemas concordam no princípio, de que a identidade étnica implica uma série de
restrições. A identidade étnica aparece neste quadro como sendo imperativa, pois não
pode ser desconsiderada em nenhum momento em virtude de outras definições da
situação.

O autor critica a tendência em configurar associações entre entidades étnicas sempre em


um contexto colonial, mas retifica que antes seria uma classificação de status exclusiva e
imperativa e uma aceitação de princípios e padrões estabelecidos. Barth menciona um
vínculo positivo de conectividade entre vários grupos em um sistema social abrangente e
que isto depende da complementaridade com relação a algumas características culturais
peculiares, o que dá origem a uma simbiose. No entanto, os sistemas poli étnicos
complexos acarretam diferenças de valor relevantes, por isso, os mecanismos de
manutenção de fronteira devem ser eficazes; (i) a complexidade está baseada na
existência de diferenças culturais importantes e complementares, (ii) essas diferenças
devem ser padronizadas dentro de cada grupo, (iii) as características culturais de cada
grupo devem permanecer estáveis. Os setores de atividade onde acontecem estas
articulações são denominados de nichos. Nos casos de contato; (1) cada grupo pode
ocupar nichos distintos no ambiente natural e reduzir ao mínimo a competição por
recursos, (2) os grupos podem monopolizar territórios separados, (3) os grupos podem
oferecer bens e serviços importantes uns aos outros. Com essa perspectiva demográfica
devemos conseguir explicar os processos através dos quais os tamanhos dos grupos
étnicos interdependentes atingem um ponto de equilíbrio.

Quanto à persistência das fronteiras culturais, o autor afirma que, o que importa é a
qualidade da performance dos outros com quem se interage e a quem se é comparado, e
também as identidades e conjuntos de padrões alternativos disponíveis para um dado
indivíduo. Barth dá alguns exemplos para ilustrar as diferenças de concepção no que tange
aos recursos naturais e identidade étnica, afirma que a persistência das fronteiras étnicas
depende de mecanismos mais sutis e específicos, ligados principalmente à inviabilidade de
certas combinações de status e papéis. Com relação à estratificação, deduzimos que a
persistência de sistemas poli étnicos estratificados implica a presença de fatores que
gerem e mantenham a distribuição de recursos diferenciada, de acordo com as categorias
étnicas. As variações entre membros tendem a se agrupar e cabe ao investigador
descobrir os processos que produzem tal agrupamento, construir a análise enfocando um
nível mais básico de interconexão entre status e comportamento. O autor fala dos parias e
de sua marginalização e explica que as características culturais contrastantes dos grupos
componentes estão localizadas nos setores da vida em que a articulação não ocorre.

No que toca aos contatos e mudanças culturais, algumas estratégias são típicas; a
incorporação no grupo, aceitar um status de “minoria” com outros propósitos, optar por
dar ênfase a sua identidade étnica. Não existe nenhuma conexão simples entre a base
ideológica de um movimento e os idiomas escolhidos pelo mesmo; estes aspectos têm
implicações para a subsequente manutenção de fronteiras e para a duração das futuras
mudanças. Já em caráter de conclusão, Barth reconhece que é muito difícil estimar os
efeitos das variações modernas sobre os processos de nomadização e assimilação e
chegar a alguma projeção de longo prazo sobre taxas e mudanças. O autor argumentou
que entre as unidades étnicas as fronteiras também são mantidas, em cada caso por um
conjunto limitado de características culturais, a persistência da unidade depende da
persistência das diferenças culturais. A maior parte da matéria cultural pode variar, ser
aprendida e mudar, sem que isso tenha qualquer implicação para a manutenção da
fronteira do grupo étnico. A impossibilidade de especificar as fronteiras das culturas
impede a construção de linhas filogenéticas, no sentido mais rigoroso, evolutivo, do
termo.

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