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ÍNDICE

Capítulo Páginas

Prefácio ...........................................................................................................................5
Um Breve Retrospecto..................................................................................................5

1.1 - A Influência do Mestre no Brahmo Samaj............................................................7


1.2 - Festival Brahmo na Casa de Manimohan Mallick.............................................12
1.3 - 0 Mestre na Casa de Jayagopal Sen..............................................................15
2 - Começo da Chegada dos Devotos do Mestre Previamente mostrados em Visões......18
3 - Antecedentes de Narendra e sua Primeira Visita ao Mestre...............................22
4 - A Segunda e Terceira Visitas de Narendra ao Mestre........................................30
5 - O Amor Desprovido de Egoísmo do Mestre e Narendranath................................34
6.1 - O Extraordinário Relacionamento entre o Mestre e Narendranath..............................38
6.2 - O Extraordinário Relacionamento entre o Mestre e Narendranath..............................43
7 - O Método de Testar do Mestre e Narendranath................................................48
8.1 - O Aprendizado de Narendranath no Mundo e o recebido através do Mestre........60
8.2 - O Aprendizado de Narendrananth no Mundo e o recebido através do Mestre............63
9 - O Círculo de Devotos do Mestre e Narendranath....................................................69
10 - O Festival em Panihati.............................................................................73
11 - O Mestre muda-se para Calcutá...........................................................................78
12.1 - A Estada do Mestre em Shyampukur........................................................................82
12.2 - A Estada do Mestre em Shyampukur..........................................................85
12.3 - A Estada do Mestre em Shyampukur................................................................95
13.1 - O Mestre na Chácara de Kasipur......................................................................101
13.2 - O Voto de Serviço em Kasipur.........................................................................103
13.3 - O Mestre revela-se e concede liberação do Medo.........................................106

SRI RAMAKRISHNA, O GRANDE MESTRE - VOL. III


Por
Swami Saradananda (Um discípulo direto de Sri Ramakrishna)
Original em Bengali

Traduzido para o inglês por Swami Jagadananda

Traduzido do inglês por Leda Marina Bevilacqua Leal

Vol. III

"Translated from Sri Ramakrishna, The Great Master, as translated into English by Swami
Jagadananda and published by the President, Sri Ramakrishna Math, Madras, Copyright 1952."

É com grande satisfação que apresentamos aos leitores a tradução para o português da edição
de 1983 do "Sri Ramakrishna, the Great Master", traduzido do bengali para o inglês, por Swami
Jagadananda. Desejamos expressar nossa imensa gratidão ao Presidente do Sri Ramakrishna Math,
Chennal, por sua autorização formal para a tradução dessa obra magnífica que retrata a vida do
grande Ser que foi Sri Ramakrishna.
Primeira edição em português

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SRI RAMAKRISHNA, O GRANDE MESTRE

PARTE V

O MESTRE EM ESTADO DIVINO E NARENDRANATH

PREFACIO

Nesta 5a Parte de SRI RAMAKRISHNA, O GRANDE MESTRE, foram relatados mais


detalhadamente, os acontecimentos da vida do Mestre, desde a época em que conheceu os
devotos Brahmos, até o momento em que veio a Calcutá para tratamento da garganta e
permaneceu em Shyampukur1 ( 1 Ao qual foi acrescentado o último capítulo que tratam dos acontecimentos de Kasipur,
que apareceram primeiramente na UDBODHAN em forma de artigos). Nessa ocasião o Mestre estava completamente
estabelecido no estado divino e todas as suas ações e atitudes eram determinadas por esse estado.
Também, esta fase de sua vida ficou tão unida para sempre à vida de Narendra (Swami Vivekananda)
num relacionamento tão doce que, quando começamos a estudar este período da vida do Mestre, a
história da vida de Narendra apresenta-se simultaneamente. A presente parte do livro foi por isto
chamada: "O Mestre em Estado Divino e Narendranath".

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Não podíamos imaginar, ao começar a escrever o jogo da Mãe Divina com Sri Ramakrishna, que
poderíamos avançar tanto. Considerando todas as coisas ficamos convencidos de que isto foi possível
somente por Sua graça. Inclinamo-nos profunda, repetida e humildemente a seus pés de lótus, e
colocamos esta Parte diante do leitor.
Autor

Segundo dia da quinzena brilhante,


Phalgun 20, B.E. 1325 (A.D. 1919).

UM BREVE RETROSPECTO
ASSUNTOS: 1. O estado divino do Mestre. 2. Como a presença deste estado é reconhecida. 3. O Mestre e os
efeitos da cultura ocidental na Índia. 4. Quando o estado divino opera na vida humana. 5. O estado divino torna
as Encarnações Divinas inescrutáveis. 6. As sete fases do estado divino do Mestre.

1. Em 1873 o Mestre terminou sua Sadhana com a adoração da Mãe Divina corno Shodasi.
Foi a partir dessa data que tudo o que fez foi sob impulso do estado divino. O Mestre estava com
trinta e oito anos e aquele estado continuou ao longo de sua vida, por um pouco mais de doze anos1 (1
O Mestre faleceu com cinqüenta anos.). Nesse período todos seus atos assumiram um caráter novo, pela
vontade da Mãe Universal. Sob o impulso daquela vontade, passou a transmitir religião e
espiritualidade às pessoas de educação ocidental. Ao término das práticas espirituais de doze anos
completos, o Mestre despendeu seis anos para se familiarizar com seu poder e com o estado espiritual
das pessoas. Dali para frente empenhou-se com uma energia sem par para restabelecer a Eterna
Religião (Sanatana Dharma) e deter seu declínio que se abateu sobre a Índia sob a forte influência
das idéias e ideais ocidentais, que pregavam que este mundo é tudo para o homem. O Mestre saiu
do cenário do mundo depois de ter terminado esta parte de seu trabalho. Vejamos como executou esta
tarefa divina.
2. Do que já dissemos, pode-se pensar que o Mestre havia sido, até a idade de trinta e nove
anos, apenas um aspirante espiritual, mas não foi assim. Explicamos na Parte III do livro, que
todos aqueles que foram Gurus, profetas e fundadores de religiões e desfrutaram de reverência e
adoração, por haverem conduzido a humanidade à realização das verdades espirituais, manifestaram
as qualidades de instrutor já na infância. No caso do Mestre, também, vemos essas qualidades em
todos os estágios da vida, inclusive na infância. Vimos como, sob o impulso delas, fez muitas
coisas durante sua Sadhana na juventude mas que, com o término da Sadhana, com a idade de trinta
e dois anos, nós o vemos fazendo praticamente tudo sob o impulso desta inspiração. Isto ocorreu em
sua peregrinação com Mathur e depois dela. Por esta razão adotamos o ano de 1875 como a data da
manifestação de seu estado divino, no qual passou a propagar a verdadeira espiritualidade. Não é que
não tivesse ocorrido antes, mas é que, desde então o estado divino expressou-se num fluxo
contínuo e a missão de sua vida tornou-se clara e definitivamente manifestada. De agora em diante o
vemos tomando uma posição contra o materialismo ocidental e a cultura e civilização baseadas na
ciência material. Isso porque, eles entraram na Índia e fizeram com que os homens e mulheres do
país assumissem uma visão do mundo contrária àquela da Religião Eterna, que diariamente afastava-
os dos valores espirituais. Assim, passou a se dedicar de todo o coração à introdução da verdadeira
espiritualidade entre pessoas de educação inglesa, para que pudessem ser abençoadas com a luz
divina.
3. Houve uma necessidade para que assim agisse. Parece que o caráter nacional da Índia e sua
religião teriam sido completamente destruídos, se não tivessem, pela vontade de Deus, sido
sustentados pelo extraordinário poder espiritual do Mestre, estabelecido no estado divino. Um
pouco de reflexão mostra-nos que, assim como as práticas das principais religiões que o Mestre
empreendeu e suas realizações por meio delas levaram à descoberta da grande verdade, "Tantas
crenças, tantos caminhos"e trouxeram bênçãos a todos os povos do mundo, assim também os longos
doze anos entre pessoas de idéias e ideais ocidentais, serviram como a luz de um farol para elas,
induzindo-as a abandonar a busca de valores puramente materialistas e retornar à religião eterna.
Dessa maneira o Sanatana Dharma foi restabelecido e a Índia salva de uma terrível catástrofe. Aqui
o duplo propósito de sua vida foi claramente mostrado. Em primeiro lugar colocou todas as religiões
existentes do mundo em alinhamento com a Eterna Religião da Índia e demonstrou que todas eram
verdadeiras, muitas e variadas porque os gostos e tendências das pessoas são diversos. Em segundo
lugar, salvou a alma da Índia de ser apanhada pelo rodamoinho do materialismo ocidental, baseado no
engrandecimento próprio e na competição acirrada. A educação ocidental foi introduzida na Índia

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em 1836, ano em que o Mestre nasceu. Por conseguinte fica-se admirado ao ver o nascimento
simultâneo, pelo desígnio da Providência, de dois movimentos, a saber, a rajada do sistema ocidental
de educação, destinado a varrer a Índia de sua cultura e o vento contrário que tornariam os males
daquele sistema inócuos, deixando livre a atmosfera na qual os méritos do novo sistema poderiam
ser separados e incorporados à própria cultura da Índia, com muito mais vantagem.
4. A realização completa do estado divino, o grande final do drama espiritual, é
raramente vista na vida humana. O Jiva, profundamente ligado aos grilhões de seus atos, ao ser
liberado pela graça de Deus, obtém somente um fraco gosto desse estado. Porque, quando o
controle dos órgãos internos e externos dos sentidos de um Jiva torna-se fácil e natural como sua
respiração; quando, perdendo sua identidade no amor do Ser Supremo, sua pequena consciência
do eu funde-se para sempre no indivisível oceano da Existência-Conhecimento-Bem-aventurança
Absolutos; quando fundida no Nirvikalpa Samadhi, a mente abandona todas as impurezas e assume
formas sátvicas e quando os desejos de sua mente, reduzida a cinzas pelo fogo do Conhecimento
divino, não pode mais dar nascimento a novas impressões e frutos das ações - é então, e somente
então que o jogo do estado divino começa nele e sua vida passa a ser abençoada de forma
incomensurável. É muito raro encontrar quem tenha oportunidade de encontrar alguém abençoado
pela completa manifestação do estado divino, desfrutando uma paz inquebrantável e contentamento.
Além disso, as ações desse homem, visto que não decorrem de qualquer sentimento de falta e
portanto, parecem ser sem objetivo, permanecem para sempre incompreensíveis para as mentes
comuns. Ninguém, a não ser um homem que está estabelecido no estado divino, pode realmente
compreender a verdadeira natureza desse estado. Jamais é possível para mentes e intelectos como
os nossos, compreender o verdadeiro significado das ações extraordinárias feitas sob influência
daquele estado, a não ser que nos aproximemos com fé e reverência profundas.
5. A manifestação completa deste estado divino é vista somente nas Encarnações Divinas. A
história religiosa do mundo testemunha esse fato. Por isso, o caráter de uma Encarnação parece-nos
misterioso. E possível pintar uma figura parcial, com a ajuda da imaginação, do Conhecimento de
Brahman, além de Maya, mas está além de nosso poder compreender um pouco que seja, os
objetivos das pessoas que moram naturalmente neste estado, ou explicar porque, às vezes, são
vistas trabalhando arduamente como nós, adotando meios definidos para fins determinados e
porque, outras vezes, como deuses, possuidores de poderes sem limites, fazem, miraculosamente,
coisas maravilhosas. O 'porquê' disso permanece um mistério. Quando tolamente tentamos sondar
seus feitos misteriosos, ficamos estupefactos. E, portanto, impossível analisar de forma satisfatória,
os atos da vida de Sri Ramakrishna nessa época. Vamos, portanto, simplesmente narrar o que ele
fez sob influência desse estado, deixando a conclusão sobre seus propósitos para o futuro,
quando a importância de seus atos e ensinamentos se tornarem claros, através dos frutos.
Geralmente baseamos nosso ponto de vista a respeito de uma causa, em seus efeitos. Se o efeito
é grande, da mesma maneira, a causa deve ser grande. Assim, ao ponderarmos sobre a natureza
extraordinária dos atos do Mestre, naquele período, ficamos convencidos de que o grande poder
do estado divino estava se manifestando através de seu corpo e mente.
6. Embora todas as ações de Sri Ramakrishna tinham como única meta, estabelecer a
espiritualidade, contudo, podem ser classificados em sete grandes divisões:
1) Quando moldou de modo extraordinário a vida espiritual de sua esposa Sri Sarada Devi,
convertendo-a num poderoso reservatório de espiritualidade.
2) Quando conheceu todos os dirigentes espirituais de Calcutá contemporâneos, notáveis pela
busca de grandes ideais e influência na sociedade e ajudá-los a aprimorar suas vidas espirituais,
trazendo-lhes poder espiritual para lhes dar apoio.
3) Quando saciou a sede espiritual das comunidades religiosas que vieram a Dakshineswar
naquela ocasião.
4) Quando escolheu entre os devotos que vieram a ele, alguns dos quais tivera visões
anteriores, especialmente marcados pela Mãe Divina para serem seus ajudantes no trabalho da
missão divina, classificando-os segundo suas habilidades e aplicando-se a moldar suas vidas
espirituais.
5) Quando iniciou alguns deles no voto de Sannyasa (renúncia dos valores egoístas para a
realização de Deus), fundando assim, uma fraternidade para a propagação das novas doutrinas
liberais para o mundo.
6) Quando repetidamente foi à casa dos devotos que viviam em Calcutá e despertou a
consciência espiritual nos membros daquelas famílias e vizinhos, com conversas sobre temas sagrados
e serviços devocionais.

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7) Quando uniu os devotos com o elo de um amor extraordinário, ocasionando um
relacionamento entre eles, que todos ficaram extremamente unidos, vindo a constituir uma única
alma de maneira que, gradual e naturalmente converteram-se numa fraternidade espiritual liberal.
Já falamos ao leitor, no final da Parte II (Vol. I), como o Mestre empreendeu o primeiro dos sete
tipos de atividades acima mencionadas, em 1874. Discutimos, também, no Apêndice daquela Parte,
como tomou a segunda atividade ao visitar o Acharya Kesavachandra, chefe do Brahmo Samaj em
1875. Demos, também, ao leitor uma pequena indicação das terceira, quarta e sexta classes de suas
atividades nos Capítulos V, VI, VII e na Parte 4. Vamos estudar neste volume, como e quando
empreendeu as remanescentes.

CAPÍTULO I - SEÇÃO 1

A INFLUÊNCIA DO MESTRE NO BRAHMO SAMAJ


ASSUNTOS: 1.O amor e a reverência dos Brahmos pelo Mestre. 2. O relacionamento afetuoso do Mestre com eles.
3. A afinidade dos Brahmos com ele. 4. O Mestre ajudou os Brahmos na Sadhana. 5. Ele deixou os Brahmos
livres para aceitarem esses ensinamentos na medida em que os considerassem praticáveis. 6. O Mestre
ensinava através de gracejos. 7. A devoção e consciência de Deus como poder. 8. "Não ponha um limite à
natureza do Senhor". 9. A aceitação parcial de Keshav dos ensinamentos do Mestre; a Nova Revelação. 10. O
grande amor do Mestre por Keshav. 11. A influência do Mestre sobre Vijayakrishna Goswami.12. O quanto Vijay
adiantou-se na Sadhana. 13. Removido o mal-entendido entre Keshav e Vijay. 14. O Acharya Sivanath não vai a
Dakshineswar. 15. O Acharya Pratapchandra a respeito da influência do Mestre no Brah-mo Samaj. 16. A influência
do Mestre no General Brahmo Samaj. 17. A influência do Mestre na música Brahmo. 18. O Mestre reconheceu a
religião Brahmo.

1. As pessoas de Calcutá só tomaram conhecimento do Mestre depois que ele conheceu


Kesavchandra, líder do Brahmo Samaj na Índia. Kesav, que dava grande valor às qualidades morais
de uma pessoa, foi extremamente atraído pelo Mestre desde o dia em que o viu pela primeira vez.
Embora inspirado pelas idéias e ideais ocidentais, seu coração estava pleno de amor por Deus e
era-lhe impossível desfrutar sozinho o néctar da devoção. À medida que conquistava mais luz em
seu caminho, com as palavras sublimes do Mestre, falava a seu respeito com as pessoas, convi-
dando-as entusiasticamente a compartilharem com ele a alegria e felicidade de sua sagrada
companhia. Por conseguinte, viu-se que todos os jornais em inglês e bengali, controlados pelo
Brahmo Samaj, como o Sulabha Samachara, o Sunday Mirror, o Theistic Quarterly Review etc.,
estavam cheios de artigos sobre o caráter puro, palavras de sabedoria e princípios religiosos e
espirituais do Mestre. Kesav e outros líderes Brahmos foram vistos em diversas ocasiões, repetindo do
púlpito, as palavras do Mestre, ao se dirigirem à congregação, no final do serviço e das orações.
Também, sempre que tinham tempo livre, iam a Dakshineswar com alguns membros do círculo íntimo,
ou às vezes com todo o grupo, quando então, passavam algum tempo conversando sobre assuntos
espirituais com o Mestre.
2. Encantado com a sede de iluminação espiritual e amor a Deus dos chefes Brahmos, o Mestre
não economizou esforços para encorajá-los a mergulhar profundamente no mar da Sadhana e serem
abençoados com a pérola do Conhecimento de Deus. Era tão grande a alegria em cantar e conversar sobre
Deus com eles, que até mesmo não se importou em ir, muitas vezes, sem ser convidado, à casa de
Kesav. Assim, um próximo e íntimo relacionamento cresceu entre o Mestre e muitos membros daquela
Sociedade, que buscavam sinceramente a Verdade. Às vezes, também, ia à casa de outros Brahmos,
além de Kesav, tornando-os felizes e abençoados. Por exemplo, muitas vezes visitou, sobretudo nas
festividades, as casas de Manimohan Mallick de Sinduriapati, Jayagopal Sen de Mathaghasa Lane,
Venimadhav Pai de Sinthi em Baranagar, Kasiswar Mitra de Nandanbagan e outros, todos seguidores do
movimento Brahmo. Em certas ocasiões aconteceu que, ao ver o Mestre entrar subitamente no templo
Brahmo, enquanto dava instruções no púlpito, Kesav descia, e mesmo antes de terminar o sermão,
recebia o Mestre cordialmente e terminava a oração do dia, a fim de ouvir suas palavras e desfrutar a
felicidade do Kirtan em sua companhia.
3. É com pessoas que têm a mesma maneira de pensar e viver, que se pode conviver
livremente e sentir-se bem. Portanto não é de causar surpresa que os Brahmos ao vê-lo
relacionando-se harmoniosamente com eles, tenham concluído que o Mestre era um homem com
pontos de vista religiosos semelhantes aos deles. Desta maneira pensaram as diversas
comunidades religiosas hindus como os Shaktas e Vaishnavas, ao vê-lo juntar-se a eles e participar
de seus cultos. Isso porque, quem iria compreender que o Mestre podia comportar-se de maneira tão

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natural com todas as seitas e crenças, como se fosse um fiel seguidor de cada uma delas, porque
morava o tempo todo em Bhavamukha? Devido à completa identificação do Mestre com sua devoção,
os devotos Brahmos não tinham a menor dúvida de que sua mente estava unida a Brahman sem
forma mas com atributos, quando participava de seus Kirtans e meditações. Sentiam também que ele
desfrutava de uma felicidade ainda maior do que a deles e que, verdadeiramente, havia tido a
realização direta daquela Luz, ao contrário deles que só viam escuridão durante a meditação.
Compreenderam também que, a não ser que pudessem oferecer tudo a Deus e tornarem-se
absorvidos n'Ele, como ele estava, aquele tipo de alegria e visão permaneceria como um grito
distante.
4. Vendo o amor à Verdade, renúncia, sede de espiritualidade e outras qualidades boas dos
membros do Brahmo Samaj da Índia, o Mestre procurou ajudá-los a avançar no caminho religioso
escolhido por eles. Sempre considerava que aqueles que amavam a Deus, independentemente da
comunidade a que pertenciam, estavam muito unidos a ele e ajudava-os indistintamente em sua
busca espiritual, para que atingissem a perfeição, mas seguindo seus próprios caminhos. Também,
o Mestre sempre dizia que os verdadeiros devotos de Deus constituíam uma classe independente e
jamais hesitou em comer e beber com eles. Olhava com afeição Kesav e os membros de sua
congregação como Vijaykrishna Goswami, Pratapchandra Majumdar, Chiranjivi Sarma, Sivanath
Sastri, Amrital Bose e outros. Devido ao contato íntimo com eles, não demorou muito para que
compreendesse que, sob influência da educação ocidental, eles estavam se desviando do ideal
religioso do país, considerando a reforma social como o objetivo de suas práticas religiosas. Por
conseguinte, tentou fazer com que aceitassem a realização de Deus como o ideal de suas vidas,
mesmo que sua Sociedade não os seguisse inteiramente nesta linha de pensamento. Como
resultado, Kesav e seu grupo foram muito além no caminho mostrado por ele. O costume de se dirigir a
Deus com o nome de Mãe e de adorá-lo como Mãe, foram introduzidos no Samaj; as idéias e ideais
do Mestre entraram na música, literatura etc., daquela Sociedade e encheram-na de doçura. Isso
não foi tudo. Os líderes do Samaj observando a vida do Mestre, constataram que havia muito a
pensar e aprender daqueles ideais e práticas da religião hindu que o Samaj abandonara por achar que
eram errados e supersticiosos."
5. O Mestre compreendeu desde o início que, imbuídos de idéias ocidentais, Kesav e seus
companheiros não entenderam corretamente todas as suas idéias e instruções, e mesmo o que
puderam compreender, não era do agrado deles. Lembrando-se disso, no momento de dar-lhes
instrução, costumava dizer-lhes, "Eu disse o que veio à minha cabeça, podem aceitar, menos a
'cabeça e a cauda'." Também, logo verificou que para muitos membros do Brahmo Samaj, a reforma
social e a satisfação dos prazeres mundanos constituíam o objetivo da vida. Sobre isto falou, em tom
de brincadeira, em diversas ocasiões.
6. "Fui à organização de Kesav e observei as orações. Depois de falar sobre os poderes de
Deus durante muito tempo, o sacerdote disse, 'Vamos meditar nele.' Fiquei imaginando por quanto
tempo iriam meditar. Mas, ah, mal haviam fechado os olhos por alguns minutos e tudo estava
terminado! Pode alguém realizá-lo, meditando assim? Olhei os rostos de todos enquanto meditavam.
Depois disse a Kesav, 'Vi muitos meditando, mas sabe que pensamento passou pela minha mente?
Bandos de macacos ficam às vezes sentados quietos, sob as árvores tamarga em Dakshineswar, como
se fossem bonzinhos, inocentes. Sentam-se nos terraços das casas onde há abóboras, morangas,
etc., ou nos jardins onde há plantanos e beringelas. Em pouco tempo pulam no jardim com um
grito, apanham as frutas e verduras e enchem o estômago. Vi muitos meditarem assim.' Ouviram e
riram.
O Mestre ensinava-nos dessa maneira, por meio de gracejos. Um dia, Swami Vivekananda
estava cantando hinos devocionais diante dele. O Swami nessa época costumava visitar com freqüência
o Brahmo Samaj, praticar meditação e orar duas vezes ao dia, uma vez pela manhã e outra à tarde.
Começou a cantar com devoção e concentração, o hino a Brahman, "Concentra tua mente naquele
Uno Imaculado Purusha." Há um verso naquela canção, "Adora-o sempre, luta constantemente para
realizá-lo." A fim de imprimir estas palavras na mente do Swami, o Mestre disse subitamente: "Não,
não, de preferência diga 'Adora e ora a Ele duas vezes ao dia.' Por que devem repetir aquilo que não
põem em prática?" Todos riram e o Swami pareceu um pouco embaraçado.
7. Em outra ocasião o Mestre disse a Kesav e a outros Brahmos, com referência à adoração
de Deus, "Por que falam tanto de Seus poderes? Uma criança senta-se diante do pai e imagina quantas
casas, quantos cavalos, quantas vacas, quantas chácaras, etc., o pai tem? Ou simplesmente fica
encantada pensando como o pai é querido, como é grande seu amor por ele? O pai alimenta e veste
o filho: o que tem isso? Afinal de contas, todos nós somos Seus filhos, portanto, por que dar tanta
importância, se Ele faz tudo isso? Ao invés de pensar assim, um verdadeiro devoto torna-o 'seu' pelo

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amor - importuna, exige que suas orações sejam atendidas, que Ele Se revele. Se alguém pensa
muito sobre Seus poderes, não pode forçar seus pedidos a Ele. O pensamento de Sua grandeza cria
uma distância entre Ele e o devoto. Pensem nele como sendo muito íntimo. Somente assim O
realizarão."
8. Além de compreender a absoluta necessidade de trabalhar duramente para realizar Deus e
de sacrificar tudo por Ele, Kesav e outros Brahmos tiveram algo mais do Mestre. Haviam aprendido dos
missionários ocidentais e nos livros ingleses que Deus jamais poderia ter forma. Era, portanto,
segundo eles, um grande pecado acreditar que Sua presença poderia ser sentida nas imagens como
tendo formas, adorando-o nelas e orando a Ele. Os comentários do Mestre, tais como, "Assim como a
água sem forma se condensa em gelo adquirindo uma forma devido ao frio, assim a Existência-
Conhecimento-Bem-aventurança Absolutos, condensados pela devoção, tomam formas"; "Assim
como o homem se lembra de uma fruta-de-conde ao ver uma feita de cortiça, assim também,
recorrendo a uma imagem com forma, atinge o conhecimento imediato da verdadeira natureza de Deus
- impressionaram-nos e eles vieram a compreender que havia muito a falar e pensar a respeito do que
chamavam "idolatria" e práticas até então consideradas irracionais e desprezíveis. Além disso, não há
dúvida que tenham visto a adoração de Deus com forma sob uma nova visão desde o dia em que o
Mestre provou a Kesav e a outros Brahmos que Brahman e Seu poder, do qual o universo é
somente uma manifestação, não são diferentes, assim como o fogo e seu poder de queimar.
Compreenderam que é tão incorreto afirmar que Deus é sem forma mas tem atributos, como
sustentar o inverso, a saber, que Ele é com formas mas não tem atributos. Isto porque formas e
atributos andam juntos e dizer que alguma coisa tem uma, é admitir que também tem a outra. Como
manifestado, Ele é o Universo que tem todas as formas; como sem forma, mas Brahman pleno de
atributos, é o controlador do Universo e como aquele além dos atributos, é o substrato eterno que
sustenta todas as manifestações como nomes e formas, como pessoas e coisas tais como Deus, o
Jiva e o Universo. Kesav e os outros ficaram muito admirados naquele dia ao descobrirem o
significado profundo no dito comum do Mestre, "Não se deve fixar limites para a natureza de Deus
-Ele é com formas e sem formas, com atributos e sem atributos. Quem pode conhecer e dizer o que
mais Ele é?"
Por pouco mais de três anos, desde que Kesav conhecera o Mestre em 1875, o Brahmo
Samaj da Índia sob sua competente liderança, começou a abandonar, de modo crescente, a antiga
paixão pelas idéias e ideais ocidentais e adquiriu uma nova feição. Um importante aspecto desse
novo desenvolvimento foi o amor pelas práticas espirituais que logo se tornaram tão marcantes a
ponto de atraírem a atenção do público em geral. Mais tarde, no dia 6 de março de 1878 Kesav deu
a filha em casamento ao príncipe de Coochbihar. Como a idade dela fosse um pouco menor daquela
fixada pelo Samaj para o casamento das moças, esse enlace provocou grandes críticas naquela
sociedade e levados pelo zelo de reformas sociais, à imitação do Ocidente, os líderes dividiram-se em
dois, respectivamente Brahmo Samaj da Índia e o General Brahmo Samaj. A influência do Mestre no
Brahmo Samaj, contudo, não terminou por causa desse acontecimento. Seu amor igualmente
abraçou ambos os grupos e os que buscavam a Verdade vinham a ele como antes e recebiam ajuda
espiritual.
9. Depois dessa separação Kesav, líder do Brahmo Samaj da Índia, fez rápidos progressos
no caminho da Sadhana e sua vida espiritual aprofundou-se, pela graça do Mestre. Convencido de
que o oferecimento de oblações, banhar-se na água consagrada, raspar a cabeça, pôr roupa ocre e
outros atos simbólicos ajudam a mente a se elevar a camadas cada vez mais sutis e elevadas no
campo espiritual, adotou praticamente todos. Tendo desenvolvido uma fé ardente na existência
eterna de Gauranga, Jesus e outras grandes almas, como personificações vivas de estados
espirituais e que tais Seres servem como fontes perenes de inspiração para aquisição daqueles
estados, aplicava-se de tempos em tempos à meditação neles. Kesav empenhou-se nas práticas
acima mencionadas porque soube que o Mestre, enquanto praticava alguma crença particular, vestia
o emblema concernente a seus seguidores. Com a ajuda dessas práticas tentou compreender a
verdade recém-postulada pelo Mestre, "Tantas fés, tantos caminhos", o que levou, dois anos após o
casamento de Coobihar, à fundação da Nova Revelação, do púlpito da qual passou a pregar a
verdade para o público, até onde a havia compreendido. Não podemos exprimir o quanto era
dedicado ao Mestre e quanta fé tinha nele, uma vez que o considerava a personificação da referida
Nova Revelação. Muitos de nós o vimos ir a Dakshineswar e tomar a poeira de seus pés,
pronunciando repetidamente as palavras, "Salve a Nova Revelação!" "Salve a Nova Revelação!"
Quem pode dizer quão profunda teria sido sua vida espiritual, se não tivesse morrido tão cedo, mais
ou menos quatro anos depois de ter começado a pregar a Nova Revelação?

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10. O Mestre considerava Kesav tão intimamente ligado a ele que, ao saber de sua
enfermidade, prometeu à Mãe do Universo, uma oferenda votiva de coco verde e açúcar, se ele se
recuperasse. Foi visitar Kesav durante sua doença e, encontrando-o muito fraco, não pôde controlar as
lágrimas. Disse-lhe, "O jardineiro às vezes não somente poda os galhos de uma roseira basra, como
arranca as raízes do chão e as coloca no sol e orvalho, para que ela dê grandes flores. O Jardineiro
provocou este estado em seu corpo com tal objetivo." Sabendo de sua morte em 1884, o Mestre
foi tomado de dor, não falava com ninguém e permaneceu imóvel na cama durante três dias. Mais
tarde disse, "Ao saber da morte de Kesav, senti como se um dos meus membros estivesse paralisado."
Todos os homens e mulheres da família de Kesav eram muito dedicados ao Mestre. Às vezes levavam-
no a Kamal Kutir, casa de Kesav, e outras, vinham a Dakshineswar para ouvir instruções espirituais
de sua sagrada boca. Enquanto Kesav vivia, os Brahmos da Nova Revelação consideravam
indispensável passar o dia desfrutando a sagrada companhia do Mestre e cantar o Kirtan com ele
durante as comemorações Magha. Além disso, de vez em quando Kesav costumava vir de barco a
Dakshineswar com toda a congregação, para buscar o Mestre e, à medida que o barco deslizava
vagarosamente no Ganga, tinham lugar no convés, o Kirtan e conversas sagradas com o Mestre, nos
quais todos se perdiam.
11. Depois da separação dos dois grupos por causa do casamento de Coochbihar,
Vijaykrishna Goswami e Sivanath Sastri tornaram-se os Acharyas do General Brahmo Samaj. Vijay
reverenciava muito Kesav devido à sua veracidade e amor à Sadhana. A ansiedade de Vijaykrishna
pela Sadhana, como a de Kesav, aumentou muito depois de conhecer o Mestre. À medida que
avançava no caminho, alcançou em pouco tempo diversas visões espirituais novas e passou a crer
na manifestação de Deus com forma. Quando Vijay veio pela primeira vez a Calcutá para estudar no
Sanskrit College, tinha a aparência de um Brahmana ortodoxo com um grande tufo na cabeça,
cordão sagrado e diversos tipos de amuletos. Tornando-se um Brahmo, Vijay abandonou tudo por
respeito à Verdade como postulada pêlos seguidores do Brahmo Samaj. Depois do episódio do
casamento de Coochbihar, boicotou Kesav que era para ele como um Guru, pelo mesmo respeito à
Verdade. Também, por respeito a essa Verdade, achou impossível ocultar sua fé em Deus com formas
e viu-se obrigado a se separar do Brahmo Samaj. Como perdeu os meios de sobrevivência, suportou
grandes sofrimentos durante muito tempo devido à falta de dinheiro. Mas não ficou deprimido. Por
diversas vezes Vijay disse-nos abertamente que havia recebido ajuda espiritual do Mestre e que, às
vezes, de uma maneira misteriosa, tinha visões. Não sabemos, porém, se ele o amava e respeitava
como a um Upaguru, porque ouvimos dele que na colina Akasaganga, em Gaya, um monge o fizera
entrar subitamente em êxtase com a ajuda de seu poder ióguico, tornando-se seu Guru. Não há,
porém, dúvida que Vijay tinha o Mestre num conceito muito elevado.
12. Depois de sua separação do Brahmo Samaj, à medida que os dias se passavam, a vida
espiritual de Vijay tornou-se cada vez mais profunda. As pessoas ficavam encantadas ao vê-lo dançar
alegre e descontraído, e atingindo êxtase freqüente durante o Kirtan. O Mestre falou-nos da condição
espiritual dele, "Vijay alcançou o aposento adjacente à câmara mais interior, ápice da realização
espiritual e está batendo à porta." Vijay iniciou muitas pessoas em Mantras depois de ter atingido uma
espiritualidade profunda. Faleceu em Puri, aproximadamente quatorze anos depois de o Mestre ter
abandonado o corpo.
13. Viu-se que depois do casamento de Coochbihar, surgiu um forte mal-estar entre os dois
grupos Brahmos, o Samaj da Índia e o General Samaj. Os dois grupos nem se falavam, mas como
já dissemos anteriormente, pessoas de ambos os lados, que amavam a Sadhana, continuaram a
freqüentar Dakshineswar como antes.
Um dia tanto Kesav como Vijay subitamente visitaram-no com os membros de seus círculos
íntimos. Naturalmente isso aconteceu porque cada um dos grupos ignorava que o outro iria. Houve
um constrangimento por causa da antiga briga. Vendo o que ocorria, mesmo com Kesav e Vijay, o
Mestre falou-lhes, visando à reconciliação: "Vejam, certa vez houve uma briga entre Shiva e Rama.
Sabe-se que o Guru de Shiva é Rama e que o Guru do Rama é Shiva, portanto, não levou muito
tempo para que a briga terminasse, mas depois da luta, jamais pôde haver união entre os espíritos,
discípulos de Shiva e os macacos, discípulos de Rama. A luta entre os espíritos e os macacos
continuou, para sempre." Dirigindo-se a Kesav e Vijay, continuou, "O que tinha de acontecer,
aconteceu. Não devem ter ressentimento uns com os outros; deixe isso para os espíritos e os
macacos." Depois desse incidente Kesav e Vijay pelo menos passaram a trocar algumas palavras."
14. Quando Vijay saiu do General Brahmo Samaj por causa de suas experiências
espirituais, aqueles que haviam depositado absoluta fé nele, deixaram o Samaj que, em
conseqüência, perdeu muito de sua glória. Foi o Acharya Sivanath Sastri que veio a se tomar o
líder daquele grupo e salvou-o. Anteriormente visitara diversas vezes o Mestre a quem dedicava

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grande amor e respeito. O Mestre também era muito afeiçoado a Vijay, mas Sivanath ficou em
grande dificuldade depois que Vijay deixou o Samaj. Deixou de visitar o Mestre, pensando que a
opinião religiosa de Vijay havia mudado por influência das instruções do Mestre e que, por essa
razão Vijay havia deixado o Samaj. Swami Vivekananda unira-se ao General Samaj um pouco antes
e tornara-se o favorito de Sivanath e outros Brahmos. Embora pertencesse ao General Samaj, o
Swami costumava ir, de vez em quando, a Kesav e ao Mestre em Dakshineswar. O Swami dizia,
"Perguntado naquela ocasião porque deixara de ir ao Mestre, o Acharya Sivanath disse, 'Se eu for
lá com freqüência, todos os outros do Brahmo Samaj assim o farão para me imitar e, como
resultado, o Samaj vai entrar em colapso'." O Swami acrescentou que, sob aquela impressão,
Sivanath aconselhou-o a abster-se de ir a Dakshineswar, dizendo, "O êxtase do Mestre e tudo o
mais, resultado de sua fraqueza nervosa, tornou seu cérebro perturbado pelo fato de suportar muita
austeridade física."
15. O que quer que tenha acontecido, por influência do Mestre, o amor à Sadhana entrou no
Samaj e todos os que buscavam a Verdade, tanto da Nova Revelação como do General Samaj,
tentaram moldar suas vidas para poder obter o conhecimento imediato de Deus. Um dia,
quando Pratap Chandra Majumdar veio a Dakshineswar para desfrutar a companhia do Mestre,
perguntamos a ele sobre a natureza e grau do desenvolvimento das idéias espirituais do Samaj,
depois que os membros entraram em contato com o Mestre. Respondeu, "Será que havíamos
compreendido o que a religião é, antes de tê-lo conhecido? Estávamos simplesmente jogando
hóquei. Viemos e compreendemos o que é a religião, somente depois de conhecê-lo." Nessa
ocasião o Acharya Chiranjiv Sarma (Trailokya Nath Sannyal) estava presente, com Pratap.
16. Enquanto a influência do Mestre na Nova Revelação era evidente, no General Samaj não
foi negligenciada, enquanto Vijaykrishna foi Acharya. Mas quando Vijay e muitos outros que
buscavam a espiritualidade, a deixaram, essa espiritualidade declinou e a organização passou a se
engajar em reformas sociais, trabalho patriótico e atividades semelhantes. Embora tenha havido uma
diminuição, a referida influência não estava totalmente ausente e a prova disso está na prática da
Yoga, no estudo da Vedanta e na busca da espiritualidade por alguns membros do General Samaj.
Alguns deles seguiram a doutrina védica praticada pela classe mais elevada da comunidade Kartabhaja
que procurava curar as doenças físicas com a ajuda da meditação.
17. Chiranjiv Sarma, o Acharya da Nova Revelação, fez muito pelo desenvolvimento da música
Brahmo, mas soubemos que compôs aquelas canções que despertam pensamentos elevados e
emoções depois que entrou em contato com diversos tipos de visões, êxtases e Samadhis do Mestre.
Abaixo damos os primeiros versos de algumas dessas canções.

1. Tua beleza sem forma, Ó Mãe, brilha na densa escuridão.


2. O profundo mar de Samadhi, infinito, sem limites.
3. Ah, a lua cheia do Amor divino surgiu no firmamento da Consciência!
4. As ondas da Felicidade do Amor divino nas águas do mar da Existência-Conhecimento-Felicidade.
5. Dá-me embriaguez divina, Ó Mãe!

Não há dúvida que todas as pessoas de Bengala e Sadhakas do país devem ser gratas ao
excelente poeta Chiranjiv Sarma, por aquelas canções. Nem há qualquer dúvida que foi somente
ao ver o êxtase do Mestre que pôde compô-las. O Acharya Chiranjiv tinha uma voz doce que por
várias vezes fez o Mestre entrar em êxtase ao ouvi-lo.
18. Assim naquela época o Brahmo Samaj sofreu uma extraordinária influência espiritual do
Mestre. Embora o Mestre dissesse que a adoração do aspecto sem forma de Deus como pregada no
Samaj era do tipo imaturo (ch.III.2) várias vezes ouvimos dele que um aspirante realizaria Deus se
adorasse com fé sincera aquele aspecto. Jamais se esquecia de dizer, "Inclino-me profundamente ante
os modernos conhecedores de Brahman" e saudar o círculo dos Brahmos, quando inclinava-se ante
Deus e Seus devotos de todas as denominações, no final dos Kirtans. Deste fato vemos que
realmente acreditava ser a religião Brahmo uma das crenças ou caminhos que conduzem à realização
de Deus, pregada por Sua vontade. Desejava e esforçava-se, porém, para ver o círculo dos Brahmos
libertar-se da influência ocidental e seguir firmemente o verdadeiro caminho da espiritualidade.
Repetidamente falava-lhes sobre a impropriedade e o perigo de tornar as reformas sociais e
atividades filantrópicas o único objetivo da vida, por mais louváveis e indispensáveis que pudessem
ser do ponto de vista social, e de considerar os exercícios devocionais inúteis para a realização de
Deus. Foi o Brahmo Samaj que primeiro discutiu publicamente a extraordinária vida espiritual do
Mestre e portanto, atraiu as pessoas de Calcutá, para Dakshineswar. Todos os que se sentaram aos
pés do Mestre e foram abençoados ao alcançar poder espiritual e paz, estão em débito eterno tanto
com a Nova Revelação como com o General Brahmo Samaj. O presente escritor, também, um débito

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com ambos, porque foram essas duas sociedades que colocaram ideais elevados diante dele e
ajudaram-no a moldar sua vida espiritual no começo da juventude. Cheios de reverência e gratidão,
nós, portanto, inclinamo-nos profunda e repetidamente ao Samaj e suas três Gemas, a saber,
Brahman, o Brahmo Samaj e o círculo de Brahmos, sabendo que são unos em sua natureza.

CAPÍTULO I - SEÇÃO 2

FESTIVAL BRAHMO NA CASA DE MANIMOHAN MALLICK


ASSUNTOS: 1. Marcando a data do evento. 2. Nosso relacionamento com Vaikunthanath Sannyal. 3. Encontro
pela primeira vez com Baburam. 4. O extraordinário Sankirtan na casa de Mani Mallick. 5. A dança extraordinária
do Mestre. 6.0 Mestre divertia-se com Vijay Goswami. 7. O amor do Mestre pêlos devotos. 8. A família de Mani
Mallick era formada de devotos.

1. Era a estação de Hemanta (outubro-dezembro). Satisfeita com o banho de chuva e


vestindo a roupa do outono, a Natureza, que anteriormente fora escorchada pelo calor do
verão, começou a sentir o primeiro toque da estação fria e vestiu suas roupas um pouco mais
apertadas no tenro e frio corpo. A Hemanta estava quase terminando. Estamos descrevendo o
decorrer de um dia nessa época. Balaram Basu, um estimado amigo nosso e grande devoto do
Mestre, marcou o dia, como de costume, na margem do almanaque. Por isso soubemos que se
tratava de uma segunda-feira, 26 de novembro de 1883.
2. Estávamos estudando no St. Xavier's College, em Calcutá e havíamos tido o privilégio
de visitar o Mestre somente duas ou três vezes. Como a escola estava fechada naquele dia nós,
juntamente com Varada Sundar Pai de Comilla e Hari Prasanna Chattopadhyaya, mais tarde
conhecido como Swami Vijnanananda, combinamos que à tarde iríamos visitar o Mestre. Quando
estávamos no barco para Dakshineswar, informaram-nos que havia um passageiro que também
estava indo visitar o Mestre. Conversando com ele, soubemos que seu nome era Vaikunthanath
Sannyal e que só recentemente conhecera o Mestre. Quando um passageiro, ouvindo o nome
do Mestre, referiu-se a ele com palavras de zombaria, a resposta de desprezo de
Vaikuntganath silenciou o homem. Eram duas ou duas e meia da tarde quando chegamos a nosso
destino.
Assim que entramos no quarto do Mestre e inclinamo-nos a seus pés, ele disse, "Ah,
vieram hoje! Se tivessem chegado um pouco mais tarde, não nos teriam encontrado. Hoje vou
a Calcutá, numa carruagem já reservada. Há um festival dos Brahmos. Foi bom que nós
tivéssemos nos encontrado. Por favor, sentem-se. Que desapontamento teria sido se tivessem
de voltar sem me ver!"
3. Sentamo-nos no chão do quarto e depois, perguntamos ao Mestre, "Podemos ir ao
festival Brahmo que o senhor vai assistir?" "Por que não? São livres de ir, se quiserem. É na casa
de Mani Mallick de Sinduriapati." Vendo um jovem, não muito esbelto, louro e usando roupa
vermelha, entrando no quarto, o Mestre disse, "Por favor diga a eles o número da casa de Mani
Mallick." O jovem falou, humildemente, "81, Chitpore Road, Sinduriapati." Vendo o
comportamento educado e calmo do jovem, pensamos que se tratasse do filho de um
funcionário Brahmana do templo. Mas quando, depois de alguns meses o vimos sair da sala de
exames da universidade, constatamos que nossa impressão estava completamente errada.
Soubemos que seu nome era Baburam, originário do vilarejo de Antpur, perto de Tarakeswar.
Estava morando numa casa alugada em Combuliatola, Calcutá, e de vez em quando visitava o
Mestre. Atualmente é conhecido como Swami Premananda da Ordem de Sri Ramakrishna.
A carruagem chegou em pouco tempo. Pedindo a Baburam para levar sua toalha,
roupas, pequeno embrulho com especiarias etc. e inclinando-se profundamente ante a Mãe, o
Mestre entrou na carruagem. Baburam apanhou as coisas e sentou-se no outro lado da
carruagem. Naquele dia outra pessoa também foi com o Mestre a Calcutá. Tratava-se de
Pratapchandra Hazra.
Felizmente, assim que o Mestre saiu, havia um barco de passageiros. Tomamos o barco
e descemos em Barabazar em Calcutá. Pensando que o festival teria lugar ao pôr-do-sol,
esperamos na casa de um amigo. Vaikunthanath, nosso novo conhecido, saiu a negócios,
dizendo que nos encontraria no festival na hora combinada.
Eram aproximadamente quatro horas quando chegamos à casa de Mani Babu. Ao
perguntarmos pelo Mestre, um homem indicou-nos a sala do andar de cima. Chegando, vimos um
lindo aposento decorado com folhas e flores para o festival, onde alguns devotos conversavam. Ao

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perguntarmos, soubemos que o culto do meio-dia e o Kirtan haviam terminado e que, novamente
à tarde haveria orações e Kirtan. A pedido das devotas, o Mestre foi conduzido ao aposento
interior da casa.
4. Saímos ao saber que ainda haveria algum tempo até que as orações começassem. Mais
tarde, ao entardecer, regressamos. Mal alcançamos a estrada defronte à casa, ouvimos uma
música suave e os altos sons de Mridanga saudando nossos ouvidos. Vendo que o Kirtan
começara, apressamo-nos para chegar ao salão, mas o que presenciamos, não pôde passar em
branco. Havia uma multidão de pessoas, dentro e fora do salão. Muitas pessoas estavam diante
de cada porta e no terraço, de modo que era absolutamente impossível atravessar a multidão.
Todos espichavam o pescoço, olhando para dentro do salão com olhos tranqüilos, cheios de
devoção. Ninguém estava completamente consciente de quem estava ou não a seu lado. Como
era impossível entrar no salão pelo terraço, demos a volta, atravessamos o terraço e chegamos
perto da porta norte do salão. Como as pessoas eram mais ou menos magras, metemos a cabeça
no aposento e vimos -
5. Uma cena maravilhosa! Elevadas ondas de felicidade divina moviam-se numa forte
corrente. Todos estavam completamente perdidos no Kirtan, riam, choravam e dançavam.
Incapazes de se controlar, muitos, de vez em quando, caiam violentamente no chão.
Arrastados pela emoção, comportavam-se como um grupo de lunáticos. O Mestre dançava no
centro daquela reunião de pessoas intoxicadas por Deus, ora andando a passos rápidos para
frente, ora para trás, da mesma maneira, na cadência da música. Qualquer que fosse a
direção que ia para frente, as pessoas ali, como que encantadas, arranjavam lugar para seus
movimentos livres. Uma maravilhosa ternura, doçura e força leonina eram visíveis em cada
membro do Mestre. Que dança soberba! Nela não havia qualquer artificialidade ou afetação,
nenhuma arrogância, nenhum gesto forçado e acrobacia; nem falta de controle. Por outro lado
via-se uma sucessão de poses naturais e movimentos dos membros como um jato
transbordante de graça, felicidade e doçura movendo-se do interior, como se pode ver no
movimento de um grande peixe há muito confinado numa poça de lama, quando subitamente é
libertado num vasto lençol de água - nadando em todas as direções, ora lentamente, ora
rapidamente e expressando alegria de diversas maneiras. Parecia que a dança era a expressão
dinâmica do corpo na onda de Felicidade, a realidade de Brahman, que o Mestre estava
experimentando no seu interior. Assim dançando, às vezes perdia a consciência normal,
quando então a roupa escorregava e os outros se apressavam em prender firmemente na
cintura. Também, às vezes ao ver alguém perdendo a consciência normal devido à infusão de
emoções espirituais, o Mestre tocava o peito e trazia-o de volta à consciência. Emanava dele
uma brilhante corrente de Felicidade divina, que parecia se espalhar por todos os lados,
permitindo aos devotos ver Deus face a face. Isso fazia com que aqueles de disposição tíbia
intensificassem o fervor, mentes preguiçosas irem para frente com entusiasmo no campo da
espiritualidade e os extremamente apegados ao mundo libertarem-se daquele apego durante
esse tempo. A onda de emoção divina inundava todos e as mentes dos iluminados, devido à
pureza, subiam a um desconhecido nível espiritual elevado. Não precisamos dizer que
Vijaykrishna Goswami, o Acharya do General Brahmo Samaj, e outros devotos de vez em
quando entravam em transe. Além disso Chiranjiv Sarma, que tinha uma voz suave, enquanto
cantava com acompanhamento de um instrumento musical de uma corda a canção, "Dancem
em roda, Ó Filhos da Venturosa Mãe", ficava absorvido na idéia e perdia-se no Ser. Desta
maneira um período de mais de duas horas foram assim despendidas no desfrutar a felicidade
do Kirtan, no final do qual se cantou a canção a seguir:

Nitai que apresentou o nome de Hari tão doce - Nitai ou


Gaur, ou Advaita de Santipur o trouxe?
Beba o vinho do nome de Hari, a essência de todos os
Seres, Ó mente minha! E fique embriagada.
Rola uma vez no chão e chora repetidamente pronunciando
Hari e dizendo, "Por favor consiga um refúgio para mim."
Enche bem alto o céu com o nome de Hari. Levanta ambos os braços, dança pronunciando 'Hari'. E
distribui grátis nome de Hari de porta em porta. Permite ser suavemente arrastado todos os dias pela
felicidade do amor de Hari.
Canta o nome de Hari, eleva-Te ao ápice de Sua vida e intoxicado
Com a felicidade do amor de Deus, destrói todos os desejos mesquinhos.

Gradualmente as ondas de emoção produzidas por aquele extraordinário Kirtan


diminuíram. Todos os instrutores das comunidades religiosas foram saudados.

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Quando todos se sentaram no final do Kirtan, o Mestre pediu ao Acharya Nagendra
Nath Chattopadhyaya para cantar, "Beba o vinho do nome de Hari, a essência de todos os
seres, Ó mente minha, e fica embriagada" com o que ele imediatamente concordou. Cheio de
devoção, cantou repetindo duas ou três vezes, alegrando novamente os corações de todos.
Depois o Mestre deu diversas instruções a todos os presentes, expondo o tema de que o
Jiva certamente alcançará a Paz Suprema, se puder retirar a mente da visão, do paladar e dos
objetos mundanos e oferecê-los ao Senhor. As devotas, sentadas atrás do biombo, também
fizeram várias perguntas sobre assuntos espirituais e desfrutaram suas respostas iluminadoras.
Enquanto respondia às perguntas, o Mestre de vez em quando cantava alguns hinos em louvor
à Mãe Divina compostos por Ramprasad, Kamalakanta e outros Sadhakas, para imprimir o
assunto na mente dos presentes. Das que cantou, lembramo-nos de cinco:

* A abelha negra da minha mente está completamente ocupada em sugar o mel do lótus azul dos pés de
Shyama.
* A pipa de minha mente voava alto no céu dos pés de Shyama.
* Tudo isso é o jogo da mulher louca. (A Mãe do Universo).
* Qual é o erro da pobre mente; por que você falsamente a julga culpada?
* Lamento, Ó Mãe, somente porque o roubo foi cometido em minha casa enquanto eu estava totalmente
desperto e Tu, Mãe, estavas tomando conta de mim.

6. Enquanto o Mestre cantava o nome da Mãe, Vijay foi para outro aposento com alguns
devotos. Leu e explicou-lhes o Ramayana de Tulsidas. Vendo que a hora do culto vespertino se
aproximava, voltou ao salão para se inclinar diante do Mestre antes de começar a oração. Logo
que viu Vijay, o Mestre disse zombeteiramente, "Vijay hoje em dia sente muita alegria no
Sankirtan, mas fico tomado de medo quando ele dança, porque o terraço pode desabar! (Todos
riram). Sim, isto já aconteceu aqui na cidade. As pessoas constróem um segundo andar em
suas casas somente com madeira e argila. Um Goswami foi à casa de um de seus discípulos e
começou a cantar o Kirtan no primeiro andar. Assim que a atmosfera foi criada e o Kirtan
tornou-se muito agradável, teve início a dança. Ora, o Goswami era um pouco gordo, como
você (olhando para Vijay). Após ter dançado por algum tempo, o terraço desabou e o Goswami
desceu direto para o andar térreo! É por isso que tenho medo que sua dança possa ter o
mesmo efeito." (Todos riram). Vendo que Vijay vestia a roupa ocre, o Mestre acrescentou, "Ele
hoje em dia também se tornou um grande amante da cor ocre. As pessoas tingem de ocre
somente as roupas de baixo e as de cima, mas Vijay tingiu a roupa, agasalho, camisa, incluindo
até mesmo um par de sapatos de lona. Isto é bom. Um estado sobrevem quando uma pessoa
só gosta de vestir roupa ocre. Ocre é, certamente, a marca da renúncia; portanto, lembra ao
aspirante que ele fez o voto de tudo renunciar para realizar Deus." Vijay inclinou-se
profundamente ante o Mestre que o abençoou dizendo, "Paz, que a paz perfeita esteja com
você."
7. Enquanto o Mestre cantava o nome da Mãe, um outro evento ocorreu, mostrando
claramente como seu poder de observar as coisas exteriores era agudo, mesmo que
permanecesse o tempo todo em estado introspectivo. Enquanto cantava, olhou o rosto de
Baburam e viu que ele estava com muita fome e sede. Como sabia que ele não tomaria nada
antes que ele próprio comesse, o Mestre mandou buscar alguns doces e um copo de água,
dizendo que queria tomá-los. Comeu alguns doces, deu a maior parte a Baburam e o resto aos
devotos que comeram, como Prasad.
Algum tempo depois, Vijay inclinou-se ante o Mestre e desceu para o culto da tarde. O
Mestre foi jantar no interior da casa. Já passavam das nove. No meio tempo descemos para
nos juntar à adoração de Vijay. Vimos que os devotos Brahmos haviam se reunido no pátio
para oração e o Acharya Vijay estava sentado no altar na varanda. A congregação inteira,
seguindo o Acharya, cantava em coro a passagem védica, "Brahman é a Verdade, o
Conhecimento Infinito", em lembrança à glória de Brahman, no início do culto. A oração teve
início e continuou por algum tempo, quando o Mestre chegou e sentando-se com os outros,
juntou-se à oração. Permaneceu quieto por dez ou quinze minutos e então, inclinou-se
profundamente no chão. Vendo que já passava das dez pediu que providenciassem uma
carruagem, porque desejava voltar a Dakshineswar. Vestiu a camisa, meias e gorro cobrindo os
ouvidos para se proteger do frio, saiu do salão com uma passada lenta, acompanhado de
Baburam e outros e entrou na carruagem. Naquele momento, o Acharya Vijay do altar dirigia-
se aos Brahmos dando-lhes a instrução usual. Deixamos o recinto e partimos. .

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8. Nessa ocasião soubemos como o Mestre desfrutava de felicidade na companhia dos
devotos Brahmos. Não sabemos se Mani Babu era um Brahmo iniciado, mas sabemos que todos os
membros de sua família eram seguidores da religião Brahmo e diariamente oravam, segundo as
prescrições do Samaj. Havia uma senhora de sua família que não podia concentrar a mente
enquanto rezava e o Mestre, ao saber, pediu-lhe, "Por favor diga-me de quem a senhora se
lembra naquela hora." Sabedor que ela criava o filho de seu irmão e que sempre se recordava
dele durante a oração, o Mestre aconselhou-a a servir a criança como o Menino Krishna.
Praticando esta instrução, a senhora em pouco tempo alcançou Bhavasamadhi. Em outra
ocasião vimos o Mestre desfrutando a felicidade divina na companhia de alguns devotos
Brahmos.

CAPÍTULO I - SEÇÃO 3

O MESTRE NA CASA DE JAYAGOPAL SEN


ASSUNTOS: 1. A casa de Jayagopal Sen. 2. Método de ensino do Mestre. 3. Outra característica desse método. 4.
Seu desagrado com palavras que não condizem com atos praticados. 5. O Mestre ensinava como realizar Deus na
vida mundana. 6. A felicidade do Sankirtan.

Não fomos somente nós que ficamos enlevados e abençoados, ao vermos o êxtase e as
experiências de felicidade do Mestre na casa de Manimohan de Sinduriapati. Nosso amigo Varada
Sundar um dos presentes, também sentiu o mesmo e perguntou como e quando o Mestre
participaria de um evento semelhante, proporcionando felicidade aos devotos. Não demorou
muito tempo e seus esforços foram bem sucedidos, porque na quarta-feira de manhã, dia 28 de
novembro, assim que o encontramos, ele nos revelou, "Sri Ramakrishna irá a Kamal Kurti ver
Kesav Babu e também ao entardecer, irá à casa de Jayagopal Sen no bairro Mathaghasa. Vão
vê-lo lá?" Sabíamos que Kesav estava muito doente e por isso pensamos que a presença em
Kamal Kutir de pessoas estranhas como nós, possivelmente incomodaria a família. Decidimos,
então, ir ao entardecer à casa de Jayagopal ver o Mestre.

1. Considerávamos Mathaghasa uma parte de Barabazar e por isso fomos em primeiro


lugar. Perguntando às pessoas e apressando o passo, chegamos por fim à casa de Jayagopal,
quando o sol já havia se posto. Naquele dia, como em outras ocasiões na casa de Manimohan,
caiu uma chuva forte ao entardecer, o que nos obrigou a atravessar o caminho cheio de lama a
fim de chegar a nosso destino. A casa de Jayagopal Babu, como a de Manimohan, fora
construída em direção oeste e entramos pelo lado leste. Ao atravessarmos o portão vimos uma
pessoa e perguntamo-lhe se o Mestre havia chegado. Recebeu-nos cordialmente e pediu-nos que
nos dirigíssemos até o primeiro andar e fôssemos ao amplo salão. Ao entrar no salão vimos que
era limpo e bem mobiliado; no chão havia um largo colchão coberto por um lençol de algodão
branco servindo de assento para todos. O Mestre estava sentado cercado por alguns devotos
Brahmos. Vimos que os dois Acharyas da Nova Revelação, Chiranjiv Sarma e Amrital Basu
estavam entre eles. Além de Jayagopal, dono da casa, seu irmão, dois ou três amigos que
moravam nas redondezas e um ou dois devotos do Mestre que vieram com ele, estavam
presentes. Também vimos um jovem devoto chamado Gopal Júnior que o Mestre costumava
chamar Hutko (literalmente, "aquele que surge repentinamente e desaparece da mesma
maneira"). Vendo mais ou menos doze homens com o Mestre naquela ocasião, sentimos que a
reunião daquele dia não era para o público e que não deveríamos ter ido. Decidimos, portanto, ir
embora um pouco antes das pessoas serem convidadas a comer.
Assim que entramos na casa, inclinamo-nos profundamente ante o Mestre. "Como vieram
aqui?" perguntou . Respondemos, "Soubemos que o senhor estaria aqui hoje e então, decidimos
vir vê-lo." Parece que ficou satisfeito com aquela resposta e pediu-nos para sentar. Sentamo-nos
e, livres de constrangimento, começamos a observar as pessoas e ouvir as palavras
iluminadoras do Mestre.
2. Embora tivéssemos tido a boa sorte de conhecê-lo pela primeira vez apenas
recentemente, sentimos desde o nosso primeiro encontro uma atração extraordinária por suas
palavras ambrosíacas. Naturalmente, não podíamos compreender a razão. Quão ímpar era seu
método de ensino! Não exibia qualquer erudição, qualquer pedantismo no arranjo de frases
bonitas. Nem havia qualquer artificialidade estudada em suas palavras - nenhuma tentativa de
ostentar idéias vestindo-as com palavras pomposas ou ocultar pensamentos profundos com

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economia de palavras como feito pêlos escritores indianos de aforismos filosóficos (Sutras). Não
podemos dizer se o Mestre, a personificação das idéias que expressava, prestava atenção às
palavras que empregava. Quem porém, ouviu-o falar pelo menos uma vez, deve ter notado
como colocava diante das pessoas quadro após quadro tirados do cotidiano, das coisas e
acontecimentos com as quais a audiência estava familiar, a fim de imprimir em suas mentes
aquelas idéias. Os ouvintes também ficavam sem dúvidas e perfeitamente satisfeitos com a
verdade de suas palavras, como se eles a vissem diante de seus olhos. Pensando como esses
quadros vinham imediatamente à sua mente, sentimos que era devido à sua extraordinária
memória, ao seu agudo poder de observação e à sua presença de espírito ímpar. Mas o Mestre
sempre dizia que a graça da Mãe era a única causa. Costumava dizer, "A Mãe senta-se no
coração daquele que depende inteiramente dela e o faz falar o que ele tem a falar, mostrando-
lhe isso por sinais incontestáveis. A Mãe mantém sempre a mente dele plena de conhecimento
que Ela continuamente retira de Seu estoque interminável de sabedoria, sempre que parece
insuficiente. É por isso que ele jamais termina, por mais que use." Um dia, explicando este
fato, disse:
"Há um depósito do governo ao norte do templo de Kali em Dakshineswar, onde alguns
sikhis que tomavam conta do local moravam. Todos eram devotos do Mestre e por diversas
vezes levaram-no ao alojamento para que ele esclarecesse várias dúvidas sobre assuntos
religiosos. O Mestre dizia, "Um dia perguntaram, 'Para realizar Deus, como deve um homem
viver no mundo?' O que imediatamente vi diante dos olhos, foi a figura de uma máquina de
descascar. O arroz estava sendo descascado e uma pessoa, com muito cuidado, empurrava-o
para o buraco onde o pedal de descascar estava caindo. Logo que vi, soube que a Mãe estava
explicando que uma pessoa deve viver no mundo com aquele cuidado. Assim como uma pessoa
que se senta perto do pedal empurra o arroz para cima, está sempre atenta para que o pedal não
caia em sua mão, assim também, um homem empenhado em atividades mundanas deve tomar
cuidado para não ficar enredado por elas, tomando consciência de que os negócios mundanos não
são seus. É somente então que pode escapar da escravidão sem se ferir, nem ser destruído. Logo
que vi a figura da máquina de descascar, a Mãe imprimiu essa idéia em minha mente e foi isso o
que disse a eles. Também ficaram muito satisfeitos. Lembro-me desses quadros quando falo às
pessoas."
3. Outra peculiaridade observada no método de ensino do Mestre foi a de que ele jamais
confundia a mente do ouvinte com palavras desnecessárias. Analisava o assunto e o objetivo da
pergunta e respondia com algumas frases adequadas. Concluía e ilustrava com palavras vívidas
da maneira acima descrita. Chamamos a isso - afirmação da conclusão - como característica de
seu método de ensino, porque ele costumava dar como resposta somente o que considerava
verdadeiro do fundo do seu coração. Não utilizava muitas palavras para resolver o problema.
Contudo aquela impressão ficava firmemente criada na mente do ouvinte, devido à sua profunda
convicção e à força que costumava imprimir nas expressões. Se, devido à educação e
impressões passadas, um ouvinte apresentasse razões e argumentos contrários, aos quais
chegara pela Sadhaka empreendida e, portanto, não aceitava suas conclusões, encerrava o
assunto, dizendo, "Disse o que veio à minha mente; tome muito ou pouco, como quiser (ou,
traduzido literalmente, aceite o que disse menos 'a cabeça e a cauda'.)" Assim jamais prejudicou
ou destruiu a atitude espiritual do ouvinte, interferindo em sua liberdade. Será que ele pensava
que o ouvinte não poderia aceitar a solução verdadeira do assunto em discussão, enquanto não
tivesse alcançado pela vontade de Deus, um estado mental mais elevado de Deus? É o que
parece.
Também não parava ai, mas reforçava a conversa entremeando-a com canções compostas
por Sadhakas conhecidos e às vezes, citando exemplos das escrituras, o que costumava remover
as dúvidas do inquiridor que, firmemente convencido da solução, logo se empenharia em moldar
sua vida de acordo.
4. É necessário acrescentar mais uma palavra. O Mestre dizia-nos repetidamente que o
aspirante atinge o conhecimento não-dual ao realizar no final da viagem, sua identidade com o
objeto de sua adoração, seja se trilhar o caminho da devoção seja o do Conhecimento. Como
prova dizia, "Pura devoção e puro Conhecimento são a mesma coisa", ou "No estado supremo
todos os chacais uivam da mesma maneira (todos os homens de conhecimento falam da
mesma realização)". Assim, embora fosse de opinião de que o conhecimento Advaita era a
Verdade Suprema, sempre ensinava ao público em geral, que ansiava pêlos objetos do mundo, a
verdade do monismo qualificado e quase sempre, o amor a Deus segundo o dualismo.
Costumava ficar bastante aborrecido com pessoas que, não tendo uma experiência espiritual

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elevada, nem mesmo amor a Deus, discutiam em favor do não-dualismo ou do não-dualismo
qualificado. Muitas vezes não hesitou em condená-las com palavras duras. Um dia, o Mestre
perguntou ao nosso amigo Vaikunthanath Sannyal se ele havia lido o Panchadasi e outros livros
semelhantes. Recebendo uma resposta negativa, o Mestre disse, aliviado, "É bom que não tenha.
Alguns rapazes lêem estes livros e, dando-se ares, vêm aqui; não praticam nada, simplesmente
vêm para discutir. É um tormento para mim."
Um dia, na casa de Jayagopal, uma pessoa perguntou ao Mestre, "Como podemos viver
no mundo e receber a graça do Deus?" O Mestre ensinou-lhe a doutrina do monismo qualificado,
enfatizando o assunto com algumas canções a respeito da Mãe Universal.
5. Enquanto o homem considerar o mundo como "meu" e agir de acordo, permanece
enredado nele, embora saiba que ele é transitório. Encontra sofrimento e não pode achar uma
maneira de sair mesmo que queira fugir. Assim falando, o Mestre cantou, "Tão grande é a Maya de
Mahamaya, que vem mantendo o mundo sob uma grande ilusão; até Brahma e Vishnu estão sob
esta ilusão, para não falar do Jiva que desconhece este fato!" e assim por diante. Uma pessoa,
portanto, deve mentalmente associar este mundo transitório com Deus e executar as ações que
lhe são devidas. Deve-se segurar firme Seus pés de Lotus com uma mão e continuar trabalhando
com a outra, sempre recordando que as pessoas e coisas do mundo são de Deus e não suas. Se
agir assim, não sofrerá apego mundano. Surgirá a idéia de que o que fizer é de Deus e a mente
irá em direção a Ele. A fim de imprimir esta verdade firmemente na mente do inquiridor, o
Mestre cantou, "Ó mente minha, tu não sabes como arar (o chão da vida)" e assim por diante.
Terminada a canção, continuou, "Se uma pessoa viver no mundo buscando Deus desta maneira,
gradualmente sentirá que todas as pessoas e coisas do mundo são partes de Deus. O aspirante
servirá os pais considerando-os como Pais do Universo (Brahman e Seu Poder), vê a
manifestação do Menino Gopala e a Mãe do Universo em seus filhos e filhas e sabendo que todos
são partes de Narayana, comporta-se em relação a eles com respeito e devoção. Uma pessoa que
vive no mundo com esta atitude espiritual é um chefe de família ideal e o medo da morte é
erradicado da mente. Essas pessoas são certamente raras, mas não são inexistentes. Depois,
assinalando os meios para alcançar aquele ideal, o Mestre disse, "Uma pessoa deve recorrer ao
poder do 'intelecto discriminativo' e tudo fazer à luz dele, retirar-se de vez em quando da
vizinhança perturbadora do mundo, para a quietude da solidão e empenhar-se nas práticas
espirituais para a realização de Deus." E somente dessa maneira que pode pôr em prática o
referido ideal de sua vida.1 (1 Estamos em dívida com "M.", o estimado autor do Evangelho de Sri Ramakrishna por parte
da conversa deste dia.) Mostrando o meio, o Mestre cantou a famosa canção de Ramprasad, "Ó mente,
vamos dar uma volta; obterá, se simplesmente colher, os quatro frutos2 (2 A saber, Dharma, Artha,
Kama e Moksha, i. é, mérito moral, econômico e estético, bem como liberação.) sob a árvore que satisfaz todos os
desejos, Kali." Também, quando empregava a expressão "intelecto discriminativo", explicava o
que significava. Dizia que com a ajuda desse intelecto, o aspirante conhece Deus como a
Substância Eterna, subordinando as aparências fugazes, que estão por baixo das visões, gostos,
etc., que constituem o mundo, e renuncia a ele. Ao conhecer Deus, contudo, este mesmo
intelecto ensina-lhe que o Uno, que é o Absoluto, em Seu jogo como múltiplo, assumiu miríades
de formas como coisas e pessoas individuais do universo e o aspirante por fim é abençoado com
a realização de que Deus é tanto o Absoluto como o relativo (Vijnana).
6. O Acharya Chiranjiv começou a cantar, com a ajuda de um instrumento de uma corda,
"Torna-me inebriado, Ó Mãe" e todos cantaram em coro, seguindo-o. Quando o Kirtan assim
começou, o Mestre estava em êxtase e levantou-se. Todos os outros ficaram a sua volta e
começaram a dançar e a cantar. Terminando, Chiranjiv cantou outra:

Ah, a lua cheia de Amor divino surgiu no firmamento da Consciência. Salve o Uno misericordioso!
Contemple o mar do Amor divino expandido! Ó, que felicidade! Ah, os devotos como estrelas, brilham em
torno de Hari, o Uno brincalhão e amigo dos devotos!
Abrindo a porta do céu, a brisa primaveril da Nova Revelação sopra e levanta ondas de felicidade.
O doce perfume de néctar do Amor divino espalha-se rapidamente em volta e torna os Yogis inebriados
com a felicidade da sagrada contemplação.
No mar sem praia do mundo dança o lótus da Revelação, onde a venturosa Mãe senta-se com muita graça.
As abelhas, os devotos, tomados de emoções espirituais, bebem o néctar daquele lótus.
Vejam! Aí está a Mãe com o semblante gracioso que encanta o mundo, tão prazerosa às mentes dos
devotos! E submergidos .em amor, os homens santos em grupos dançam e cantam . Ó, que beleza! A vida
tornou-se fria e refrescada ao ver tudo isso. Segurando os pés de todos, Premadas exorta todos a
saudar a Mãe.

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Dançando durante muito tempo com acompanhamento da canção, fecharam o Kirtan
daquele dia inclinando-se profundamente ante Deus e Seus devotos. Todos tomaram a poeira
dos pés do Mestre e sentaram-se. Também nesta ocasião O Mestre dançou com muita graça,
mas não vimos aqui aquele tipo de êxtase profundo de longa duração que presenciamos na casa
de Manimohan. Terminado o Kirtan, o Mestre sentou-se e disse a Chiranjiv, "Ao ouvir sua canção
pela primeira vez, vi uma grande e brilhante lua cheia levantando-se, e eu entrava em êxtase
sempre que era cantada."
Jayagopal e Chiranjiv conversavam sobre a doença de Kesav. O Mestre disse que Rakhal
não estava bem. Não sabemos se Jayagopal era ou não um Brahmo iniciado, mas não há dúvida
que tinha um grande respeito e reverência por Kesavchandra, o líder Brahmo e amor pêlos
membros do círculo Brahmo. Kesav às vezes ia à chácara de Jayagopal em Belgharia perto de
Calcutá com todo o seu grupo e passava o tempo em práticas espirituais. Foi numa dessas
ocasiões que encontrou o Mestre pela primeira vez, o que levou ao aprofundamento de sua
espiritualidade, culminando com o desabrochar da flor da Nova Revelação. Desde aquele dia
Jayagopal passou a ter grande respeito pelo Mestre. Sentia-se muito feliz em falar sobre
religião, quando ia visitá-lo em Dakshineswar ou o convidava a ir à sua casa. Disseram-nos que
Jayagopal pagava grande parte do aluguel da carruagem para Calcutá. Todos os membros de sua
família respeitavam muito o Mestre.
Agora que a noite estava avançada, despedimo-nos do Mestre e voltamos para a casa.

CAPÍTULO II

O INICIO DA CHEGADA DOS DEVOTOS PREVIAMENTE MOSTRADOS EM


VISÕES
ASSUNTOS: 1. O Mestre também aprendeu algo com o Brahmo Samaj. 2. Ele veio a conhecer a influência das
idéias ocidentais. 3. A feição comparativa dos modernos. 4. O Mestre imperturbável com este fato. 5. O Mestre
harmoniza-se com a aceitação parcial de seus ensinamentos pêlos Brahmos. 6. As pessoas de Calcutá foram
atraídas para o Mestre através dos Brahmos. 7. Uma visão maravilhosa do Mestre: a chegada de Rakhal. 8. A
natureza infantil de Rakhal. 9. A esposa de Rakhal. 10. Como Rakhal perdeu sua natureza infantil. 11. O Mestre
repreende Rakhal. 12. Ciúme de Rakhal e o receio do Mestre. 13. Rakhal vai a Vrindavan. 14. A apreensão do
Mestre ao saber da doença de Rakhal. 15. O final da vida de Rakhal.

1. Já dissemos como os líderes Brahmos como os Acharya Kesavchandra, Vijaykrishna,


Pratapchandra, Sivanath, Chiranjiv, Amrital, Gauragovinda e outros foram bastante beneficiados
ao entrarem em contato com o Mestre e ao observarem nele os gloriosos ideais de devoção e
renúncia completa para a realização de Deus. Agora, surge uma pergunta, "Será que o Mestre,
que já havia alcançado o conhecimento imediato de Brahman e estava estabelecido em
Bhavamukha, aprendeu algo com seu relacionamento com Kesav e outros Brahmos?" Muitos
devotos de Sri Ramakrishna não hesitarão em responder "Não" a esta pergunta, mas a lei de
"dar e receber" existe em todos os lugares do mundo. Mesmo ao ensinarmos a um rapaz
relapso e ignorante, aprendemos muitas coisas, como a melhor maneira de ensinar a uma
pessoa como esta, até que grau as impressões passadas dessa mente ensinam e impedem a
compreensão do assunto, o processo de remover os obstáculos e várias outras lições. Não é
exato dizer que o Mestre nada havia aprendido com o Brahmo Samaj defensor das idéias e
ideais ocidentais. Nossa impressão é bem diferente. O Mestre muito aprendeu ao tentar
transmitir aos Brahmos e sua igreja, o conhecimento e as experiências que obteve com sua
extraordinária Sadhana.
2. Antes de conhecer os Brahmos, o Mestre vivia afastado da influência das idéias e
ideais ocidentais. À exceção de Mathuranath, todas as pessoas de importância que havia
encontrado até então eram seguidores dos antigos ideais indianos de Dharma e Moksha -
alguns lutando para praticar atos de compaixão para o bem do mundo e de si próprios e
outros, seguindo o eterno e glorioso caminho de renúncia total de todas as posses e desejos
para realizar a Imortalidade. Embora tenha visto em Mathuranath uma pessoa educada à
moda ocidental e possuidor de uma feição diferente daquela dos outros, não teve a
oportunidade de observar as vidas de um número suficiente de pessoas assim educadas e o
que a transformação desse novo sistema de educação trouxera para elas, tornando-as
estranhas aos antigos ideais de vida hindu. Isso porque a natureza de Mathuranath mudou em
pouco tempo com a santa companhia do Mestre e assim, ele não teve a oportunidade de

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estudar a nova situação ao observá-lo durante os dias de seu contato com ele. Ao conhecer os
Brahmos, contudo, viu que embora estivessem se esforçando para realizar Deus, haviam se
desviado do antigo ideal de renúncia. Por isso empenhou-se em encontrar a causa. Foi assim
que se familiarizou pela primeira vez, com as idéias que estavam entrando na vida dos
indianos, com a educação ocidental.
3. O Mestre a princípio pensou que, quando Kesav e outros Brahmos entrassem em
contato com as experiências espirituais realizadas diretamente por ele, logo as aceitariam sem
reservas. Mas à medida que os dias se passavam viu que, embora tivessem entrado em contato
com ele, não podiam abandonar a influência da educação ocidental e acreditar nelas. Assim
veio a compreender que as idéias ocidentais haviam se enraizado profundamente na natureza
dos jovens indianos, que os pensadores e eruditos do Ocidente haviam vindo para ocupar o
lugar dos Gurus, que continuariam ainda por muito tempo e que, sem comparar as experiências
espirituais diretas dos antigos videntes da Índia com as idéias desses eruditos, os discípulos
indianos desses últimos jamais as aceitariam como verdadeiras e benéficas. Esta foi a razão
porque o Mestre imediatamente, depois de dar-lhes instrução, costumava dizer, "Disse tudo o
que veio à minha cabeça; escolham o melhor para vocês," ou no seu linguajar, eliminando "a
cabeça e a cauda". Aceitaram todas as idéias e experiências do Mestre porque ele lhes dera
liberdade para escolher.
4. Mas o Mestre, Encarnação das idéias e ideais dos videntes deste país, não ficava
perturbado com a atitude deles, porque sentia, no fundo de seu coração, que a vontade da Mãe
Universal era a única causa de todos os acontecimentos que ocorrem no mundo e que nada
poderia jamais desviar aquele que possuísse Seu comando e estava habituado a ser guiado por
Ela sob quaisquer circunstâncias. Maya, o divino Poder, capaz de tornar possível o impossível,
revelou-lhe Sua natureza real, dotou-o para sempre de Paz imutável. O Mestre, portanto,
compreendeu que foi somente pela vontade da Mãe Divina que as idéias e ideais ocidentais
haviam penetrado na Índia e que somente por Sua vontade haviam os Brahmos e outras
comunidades educadas se tornado simples brinquedos nas mãos daquelas idéias. Assim, como
poderia ficar aborrecido com a fraqueza deles ou negar-lhes seu amor e afeição infinita?
Portanto permaneceu tranqüilo e pensou, "Deixe-os aceitar o máximo do conhecimento dos
videntes que lhes é possível; a Mãe do Universo trará no futuro as pessoas que aceitarão
totalmente aquele conhecimento."
5. Embora dissesse que os Brahmos não poderiam aceitar tudo o que ele dizia, não
ficava satisfeito em dar-lhes somente um quadro parcial de suas experiências espirituais.
Sempre lhes falava de todas as verdades ocultas do mundo espiritual como: "A visão
abençoada de Deus jamais ocorrerá a não ser que a pessoa renuncie tudo por Ele", "Todos os
credos são caminhos verdadeiros na realização de Deus", "No fim de cada caminho, o adorador
identifica-se com o adorado", "Fazer com que as palavras estejam de acordo com os seus
pensamentos é a Sadhana mais importante", "O caminho que conduz a Ele consiste em
discriminar entre o Real e o irreal, libertar-se de todos os desejos e cumprir os deveres
mundanos com fé e confiança em Deus." Explicou a Kesav e a outros que jamais seria possível
ser completamente desapegado do corpo e experimentar as mais elevadas verdades do mundo
espiritual a não ser que se praticasse continência com o corpo, mente e fala. Como resultado,
esforçaram-se para observar seus ensinamentos. Quando, contudo, viu que eram incapazes de
apreender totalmente suas palavras, mesmo depois de repetidas explicações; chegou à
conclusão de que, uma vez que as impressões do passado tornam-se enraizadas, é impossível
fazer com que uma pessoa fique imbuída de idéias novas - tal esforço é tão inútil como ensinar a
um papagaio a repetir "Radhakrishna" quando atingiu a idade adulta. Compreendeu que
aquelas pessoas em quem o desejo de desfrutar o mundo estava profundamente enraizado,
devido à influência do materialismo ocidental ou à qualquer outra causa, jamais poderia aceitar
as idéias eternas de renúncia pregadas neste país, quanto menos pô-las em prática. Foi por
isso que se desfez numa prece sincera, "Traz aqui, Mãe, Teus devotos que a tudo renunciaram,
com quem vou ter a alegria de falar de Ti sem reserva." Como resultado dessa observação,
ficou convencido de que somente as mentes de rapazes, isentas de impressões fortes,
poderiam apreender e aceitar suas idéias e ideais sem constatar e, dedicarem-se à sua
realização.
6. Não levou muito tempo contudo, para que o público em geral de Calcutá observasse
que os líderes Brahmos estavam aceitando as novas idéias espirituais e as modificações que
acarretaram neles. Também quando Kesav e outras pessoas começaram a publicar nos jornais
Brahmos artigos sobre a natureza extraordinária de seus pontos de vista espirituais e suas

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palavras ambrosíacas, as pessoas de Calcutá foram atraídas para ele e começaram a correr para
Dakshineswar a fim de terem o privilégio de conhecê-lo. Foi desta maneira que os 'devotos
marcados' do Mestre começaram gradualmente a chegar ao templo de Kali. Os dois devotos
chefes de família do Mestre, Ramchandra Datta e Manomohan Mitra, disseram-nos, tomaram
conhecimento dele num jornal dirigido por Kesav e vieram a ele mais ou menos no fim de 1879,
cerca de quatro anos depois do primeiro encontro do Mestre com Kesav. Ramchandra Datta
contou-nos através de algumas passagens do seu livro Sri Sri Ramakrishna Paramahamsa
Deber Jivam Vrittanta que, gradualmente uma grande revolução ocorreu em suas vidas por
terem tido a boa sorte de conhecer em contato com ele. Embora incapazes de aceitar
completamente o ideal de renúncia total da luxúria e ouro dele, para a realização de Deus,
avançaram muito no caminho da renúncia sob a influência da devoção e fé nele. A intensidade
da devoção e fé de um devoto chefe de família pode, em grande parte, ser determinada quando
o vemos gastar muito dinheiro para uma boa causa. Colocando o Mestre como seu Guru e
depois, como seu Ideal Escolhido, Ramchandra, freqüentemente convidava-o e seus devotos
para irem à sua casa, no bairro de Simla em Calcutá e gastava dinheiro tão generosamente
durante os festivais naquelas ocasiões, que facilmente se poderia avaliar a profundidade de sua
fé e devoção. De vez em quando o Mestre dizia a seu respeito, "Agora vocês vêem Ram tão
maravilhosamente generoso, mas é necessário lembrar de sua avareza quando veio aqui pela
primeira vez. Pedi-lhe que trouxesse um pouco de cardamono e um dia ele me trouxe uma
porção e colocou-o diante de mim, inclinando-se profundamente. Reparem deste acontecimento
a grande mudança que ocorreu em sua natureza."
7. Não podemos exprimir quão abençoados Ram e Manomohan sentiram-se quando a
graça do Mestre caiu sobre eles ao serem aceitos e ao tomarem refúgio a seus pés, ficando
livres para sempre de todo o medo. Estava além do seu mais intenso sonho que esse refúgio
pudesse ser encontrado no mundo! Sob tais circunstâncias não é de se admirar que agora
estavam levando parentes e amigos àquele lugar de ajuda espiritual. Suas próprias famílias e
outros conhecidos começaram a visitar o Mestre mais ou menos um ano depois deles o terem
conhecido. Foi assim que todos os devotos que a tudo renunciaram, os eternos companheiros
do Mestre em sua Lila, começaram a chegar, um a um, depois do último quarto do ano de
1881. Desses, Swami Brahmananda, muito conhecido na Ordem de Sri Ramakrishna, foi o
primeiro a chegar. Nos anos anteriores à sua vida monástica, seu nome era Rakhalchandra.
Casara-se com a irmã de Manomohan e foi nessa família que ouviu pela primeira vez o nome do
Mestre. Visitou-o pouco depois do casamento. Sri Ramakrishna dizia, "Antes de Rakhal vir, tive
a visão da Mãe do Universo que subitamente me trouxe um menino e o colocou em meu colo,
com as palavras, 'Ele é seu filho'. Eu me assustei de medo ao ouvir isso e disse, 'O que é?
Como posso ter um filho?' Ela sorriu e explicou, 'Ele não é um filho no sentido comum e
mundano do termo, mas filho espiritual que a tudo renunciou.' Assim tranqüilizado, fiquei
consolado. Rakhal veio logo depois de eu ter essa visão e imediatamente nele reconheci o
menino."
8. Noutra ocasião, o Mestre falou-nos sobre Rakhal, "Naqueles dias Rakhal tinha a
natureza de uma criança de três ou quatro anos. Considerava-me sua mãe. Vinha correndo em
intervalos de curto tempo e feliz, sentava-se no meu colo, sem qualquer timidez. Não arredava
um passo daqui, a não ser para regressar à sua casa. De vez quando eu o apressava para
voltar, senão o pai o proibiria de vir aqui. O pai era um Zamindar, imensamente rico, mas
igualmente avarento. Mais tarde, ao ver que muitos homens ricos e eruditos visitavam este
lugar, deixou de fazer objeção a que seu filho viesse aqui. Algumas vezes veio aqui ver o filho.
Pelo bem de Rakhal fui muito atencioso com ele, que ficou satisfeito.
9. "Mas jamais houve qualquer objeção de sua vinda aqui, da parte da família de seu
sogro, porque a mãe, esposa e irmã de Manomohan já freqüentavam assiduamente este lugar.
Um dia, logo depois de Rakhal começar a vir aqui, a mãe de Manomohan veio com a jovem
esposa. Eu temia que sua esposa fosse um obstáculo no caminho de sua devoção a Deus e pedi
que a trouxessem. Observei minuciosamente suas características físicas, da cabeça aos pés, e
convenci-me de que não havia qualquer motivo de receio. Representando o aspecto auspicioso
da divina Shakti, ela jamais seria um obstáculo no caminho do marido, para a realização de
Deus. Fiquei contente e mandei uma palavra à Santa Mãe, pedindo-lhe que desse à nora uma
rupia e descobrisse seu rosto1. (1 Esta é a maneira, em Bengala, como a sogra vê a face velada da nora recém-
chegada. Primeiro dá alguns presentes, geralmente dinheiro e, em seguida, retira suavemente o véu, vê seu rosto e a beija.)
10. "É impossível descrever o arroubo infantil que tomava conta de Rakhal, sempre que
estava comigo; simplesmente perdia-se em si mesmo. Todos que o viam ficavam tomados de
admiração. Inspirado de fervor espiritual, eu também costumava dar-lhe leite engrossado e

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manteiga e brincava com ele para alegrá-lo. Por diversas vezes levantei-o nos ombros. Mesmo
isso não lhe dava a menor vergonha. De vez em quando, contudo, eu dizia, 'Se ele crescer e viver
na companhia da esposa, sua natureza infantil desaparecerá.'
11. "Eu também o repreendia quando fazia algo errado. Um dia estava com muita fome
e pegou manteiga, Prasad trazido do templo de Kali, com as mãos e comeu-a. Eu disse, 'Que
guloso! Você comeu a manteiga com as mãos, ao invés de controlar a avidez, que deveria ter
aprendido aqui!' ele fechou-se em si mesmo de medo e jamais fez novamente.
12. "Rakhal também tinha um ciúme infantil. Era-lhe insuportável que eu amasse
alguém além dele. Sentia-se ferido. Fiquei muito preocupado porque ele poderia se prejudicar
por ter ciúme das pessoas que a Mãe me trazia.
13. "Três anos depois de chegar, Rakhal ficou doente e foi a Vrindavan com Balaram.
Pouco tempo antes eu tivera uma visão, como se a Mãe o fosse tirar daqui. Por isso orei
sinceramente, 'Mãe, ele (Rakhal) é apenas um menino, muito ignorante; é por isso que às
vezes sente-se envergonhado. Se, devido a Seu trabalho, Tu o removes daqui por algum
tempo, coloca-o num lugar bom e feliz.' Ele foi a Vrindavan pouco depois.
14. "Não posso expressar o quanto fiquei preocupado quando me contaram que ele estava
doente em Vrindavan, porque, a Mãe mostrara-me anteriormente que Rakhal era na verdade um
'pastor'2 (2 Com quem o Senhor, em Sua Encarnação como Sri Krishna, brincava em Sua infância. A palavra Rakhal significa
pastor.) de Vraja. Se uma pessoa vai a um lugar onde tomou um corpo, muitas vezes recorda-se
de sua vida passada e abandona o corpo. Por isso eu temia que ele pudesse morrer em
Vrindavan. Ansiosamente orei à Mãe e Ela confortou-me, infundindo-me confiança. A Mãe
mostrou-me muitas coisas sobre Rakhal, mas estou proibido de contar3 (3 Embora o Mestre não tenha
dito todas as coisas mencionadas acima de uma só vez, nós as juntamos aqui por questão de conveniência.) muitas delas".
15. Não há limite para as coisas que o Mestre contou, em diversas ocasiões, a respeito
de seu primeiro devoto rapaz. O que a Mãe mostrou ao Mestre sobre ele, provou ser verdadeiro. À
medida que avançava em idade, foi considerado um Sadhaka conhecido por sua gravidade e
serenidade a tudo renunciando para a realização de Deus. Agora ocupa o mais elevado cargo na
Ordem. Poupado pela vontade do Mestre, Swami Brahmananda está fazendo um bem imenso à
humanidade.4 (4 Swami Brahmananda faleceu em 1922.) Falaremos sobre ele mais tarde, porque ainda está
vivo.
Swami Vivekananda visitou o Mestre três ou quatro meses depois do Swami
Brahmananda ter vindo pela primeira vez a Dakshineswar.

CAPÍTULO III

ANTECEDENTES DE NARENDRA E SUA PRIMEIRA VISITA A


DAKSHINESWAR
ASSUNTOS: 1. O Mestre em estado divino. 2. O primeiro encontro do Mestre com Narendranath na casa de
Surendra. 3. O Mestre convida Narendranath para ir a Dakshineswar. 4. A primeira visita de Narendra a
Dakshineswar. 5. O que o Mestre pensava sobre Narendra. 6. A ansiedade do Mestre para ver Narendra. 7.
Narendra a respeito do primeiro encontro com o Mestre. 8. Narendra prometeu vir novamente. 9. A primeira
impressão de Narendra sobre o Mestre. 10. A prática da religião por Narendra naquela época. 11. Sua ligação
com o Brahmo Samaj. 12. As duas idéias maravilhosas de Narendra. 13. A inclinação natural de Narendra para a
meditação. 14. O encorajamento de Maharshi Devendra. 15. A genialidade de muitas facetas de Narendra. 16. A
inclinação de Narendra pelo estudo. 17. A capacidade para leitura rápida de Narendra. 18. A argumentação de
Narendra. 19. O amor de Narendra pelo exercício físico. 20. Sua coragem e amor aos amigos. 21. Conseguindo
permissão para embarcar no navio Syrapis. 22. O incidente do trapézio. 23. A devoção de Narendra à verdade.
24. Seu amor em desfrutar prazeres inofensivos. 25. A raiva de Narendra. 26. O desenvolvimento equânime da
cabeça e do coração de Narendra. 27. A absorção de Narendra na meditação em seu caminho para Raipur. 28. O
avô Sannyasin de Narendra. 29. Viswanath, o pai de Narendra. 30. O amor de Viswanath à música. 31. Os
modos e hábitos muçulmanos de Viswanath. 32. O amor de Viswanath por divertimento. 33. A generosidade de
Viswanath. 34. A morte de Viswanath. 35. A mãe de Narendra.

1. Os Vedas e outras escrituras afirmam que o conhecedor de Brahman torna-se


conhecedor de tudo. O comportamento do Mestre, firmemente estabelecido no Conhecimento de

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Brahman, comprovou esta afirmação porque, não somente havia realizado o aspecto Absoluto, como
também o relativo de Brahman e Seu poder, Maya, mas elevara-se muito acima de todas as dúvidas e
impurezas, morando num estado de felicidade perene. Estabelecido em Bhavamukha, que consiste
em experimentar a unidade com a Mãe Universal, podia agora compreender qualquer mistério oculto no
campo de Maya. Maya não mais podia ocultar sua natureza aos olhos de sua mente, possuído como
estava da visão sutil de penetrar seu véu. Era naturalmente assim, porque tanto Bhavamukha como
a Mente Universal de Ishvara, o Senhor de Maya, na qual a idéia do Universo permanece às vezes
manifestada e às vezes não manifestada, são uma e mesma entidade.
Todas as idéias que emanam da Mente Universal aparecem claras para aquele que
atravessou o limite de sua pequena consciência do eu e identificou-se com o Eu Universal. O Mestre
podia conhecer os acontecimentos de todas as vidas anteriores de seus devotos antes deles virem a
ele, somente porque alcançara aquele estado. Podia conhecer a Lila particular (jogo) da Mente
Universal, para a manifestação da qual assumira este corpo atual. Sabia também que alguns
Sadhakas da mais elevada ordem nasceram, pela vontade de Deus, para participar daquele jogo.
Compreendeu também que havia os que o ajudariam na maior ou menor manifestação daquele
jogo e quem simplesmente desfrutaria o benefício dele ter alcançado perfeição esta vida. Sabendo
que a época da chegada daquelas pessoas estava próxima, esperava-as com grande ansiedade.
Poderia ele ser considerado de outra maneira senão como aquele que tudo sabe, que vive dentro da
Maya e conhece todos os seus segredos?
2. Quando pensamos no primeiro encontro de Swami Vivekananda com o Mestre, começamos
a compreender quão ansiosamente o Mestre, estabelecido no estado divino, estava esperando por
seus devotos 'marcados', já que vira que sua chegada estava próxima. Swami Brahmananda disse
que Surendranath Mitra de Simla, em Calcutá, veio a Dakshineswar quase na mesma época que ele.
Surendra foi atraído para o Mestre desde a primeira visita. Atraído cada vez mais para ele, em pouco
tempo levou-o para sua casa e celebrou um festival. Como não havia outro cantor disponível na
ocasião, Surendra convidou Narendra, filho de Viswanath Datta, seu vizinho, para ir ao festival e
presentear a audiência, sobretudo o Mestre, com canções religiosas. O primeiro encontro do Mestre
com Vivekananda, seu principal companheiro no jogo divino, foi talvez no mês de novembro de 1881.
Narendra, então com dezoito anos, preparava-se para o exame na Universidade de Calcutá.
3. Swami Brahmamanda dizia que o Mestre ficou atraído por Narendra logo que o viu naquele
dia porque em primeiro lugar chamou Surendra, e depois Ramachandra, perguntando-lhes tudo sobre o
jovem cantor de voz doce pedindo que o levassem a Dakshineswar. Também, ao terminar a canção,
ele mesmo aproximou-se do rapaz e estudando cuidadosamente seus traços físicos, disse-lhe uma ou
duas palavras, convidando-o a ir a Dakshineswar.
4. O exame vestibular para a Universidade de Calcutá terminou algumas semanas depois
desse acontecimento. A pedido de um senhor da cidade, o pai de Narendra estava planejando casá-
lo com a filha dele. Como a noiva tinha a pele um tanto escura, o pai concordou com um dote de
dez mil rupias. Os parentes de Narendra, encabeçados por Ramachandra, fizeram o máximo para
persuadi-lo a concordar com o casamento, mas Narendra fez forte objeção: o casamento não poderia
acontecer. Ramachandra era um parente muito próximo de seu pai. Fora criado em sua casa e era
médico em Calcutá. Ao ver que Narendra desistira de se casar porque desejava seguir o caminho
espiritual, disse-lhe, "Se você deseja verdadeiramente realizar Deus, vá ao Mestre em Dakshineswar
ao invés de visitar o Brahmo Samaj e outros lugares." Por essa época Surendra o convidou a
acompanhá-lo a Dakshineswar. Narendra concordou e, com dois ou três amigos, foi com Surendra a
Dakshineswar.
5. O Mestre contou-nos resumidamente, no decorrer de uma conversa, quais os
pensamentos que vieram à sua mente ao ver Narendra naquela ocasião. Disse: "Naren entrou
neste quarto no primeiro dia pela porta que fica em frente ao Ganga. Reparei que não tinha cuidado
com o corpo. O cabelo e a roupa estavam desalinhados. Ao contrário dos outros, não tinha desejo por
qualquer objeto do mundo exterior. Era desapegado de tudo. Os olhos mostravam que a maior parte
da mente estava sempre voltada para o interior. Ao ver tudo isso, imaginei, 'Será possível que haja
em Calcutá, cidade das pessoas mundanas, um aspirante espiritual tão elevado, com excesso de
Sattva?'
"Havia um colchão no chão. Pedi-lhe que se sentasse. Sentou-se perto de um jarro com água do
Ganga. Chegaram algumas pessoas de suas relações. Eram pessoas de natureza mundana totalmente
oposta à dele. A atenção deles era voltada somente para os prazeres.
"Perguntando, vim a saber que ele conhecia apenas duas ou três canções bengalis. Pedi-lhe
que as cantasse para mim. Começou com uma do Brahmo:

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"Ó mente, vem, vamos para casa. Por que viajas numa terra estranha do mundo com roupa de
forasteiro? Os cinco elementos e objetos dos sentidos são todos teus inimigos, nenhum deles te
pertence. Desiludida com o amor dos outros, tu te esqueceste do Uno que é seu. Ó mente minha,
continua no caminho da Verdade. Acende o lampião do amor, tem-no sempre contigo e vá em
frente. Leva cuidadosamente contigo a provisão secreta da devoção. Ganância, desilusão etc.,
assaltantes, roubam o viajante de tudo. Por isso digo, 'Ó mente, deixa que os dois, o controle
dos órgãos internos e o dos órgãos externos, vigiem. 'Quando estiveres cansada, permanece na
companhia santa e quando perderes teu caminho, pergunta sobre ela aos que estão aí.
Se encontrares um motivo de medo em teu caminho, apela para o Rei com toda tua força. O
Rei exerce grande poder e ante ele até a morte treme de terror.

Cantou com todo o coração como se estivesse meditando. Ao ouvir, não pude controlar-me e
entrei em êxtase.
6. "Quando foi embora fiquei durante vinte e quatro horas, com uma grande ansiedade em
meu coração. Não posso exprimir em palavras o que ocorria comigo. De vez em quando sentia uma
dor cruciante como se o coração estivesse sendo torcido como uma toalha úmida. Incapaz de me
controlar, corri para as árvores tamargas ao norte do jardim, onde geralmente as pessoas não iam e
chorei alto dizendo, 'Ó meu filho! Venha, não posso permanecer sem ver você.' Foi somente depois de
chorar um pouco é que pude me controlar. Isso aconteceu durante seis meses. Minha mente às vezes
ficava inquieta por algum outro rapaz que vinha aqui, mas pode-se dizer que não era nada
comparado com os sentimentos que nutria por Naren."
7. Mais tarde soubemos, que o Mestre não contou muitas das emoções profundas que
experimentou ao ver Narendra pela primeira vez em Dakshineswar e, com muita reserva, falou-nos
sobre o assunto. No decorrer de uma conversa, um dia Narendranath disse-nos: "Eu acabara de
cantar, quando o Mestre subitamente se levantou e tomando-me pela mão, conduziu-me até a
varanda. Era inverno. A fim de proteger o quarto contra o vento do norte, os espaços abertos entre
os pilares da varanda foram fechados com esteiras. Por conseguinte, ao entrar na varanda e
fechar a porta do aposento, ninguém podia ser visto por qualquer pessoa dentro ou fora do quarto.
Logo que entrou na varanda, o Mestre fechou a porta do quarto. Pensei que fosse me dar
algumas instruções em particular, mas o que me disse estava além da imaginação. Subitamente
pegou minha mão e derramou profusas lágrimas de alegria. Dirigindo-se a mim afetuosamente como
uma pessoa já familiar, disse: 'Está certo que tenha chegado tão tarde? Será que não pensou o quanto
eu o estava esperando? Ouvindo o tempo todo a conversa inútil das pessoas do mundo, meus ouvidos
estão a ponto de pegar fogo. Não tendo ninguém com quem falar sobre meus sentimentos interiores,
estou a ponto de estourar.' Assim continuou a dizer palavras incoerentes e chorar. Em seguida pôs-se à
minha frente, com as mãos postas e, olhando-me como se eu fosse um Deus, continuou dizendo, 'Sei,
meu senhor, que tu és o antigo Rishi Nara, uma parte de Narayana, que se encarnou desta vez para
remover as misérias e sofrimentos da humanidade.'
8. "Eu estava absolutamente confuso e pensei, 'A quem vim ver? Ele é completamente
insano. Senão por que falaria daquela maneira comigo, eu que sou o filho de Viswanath Datta?'
Contudo, fiquei calado e o maravilhoso louco continuou falando o que queria. Em seguida pediu-me
para esperar ali e entrou no quarto trazendo um pouco de manteiga, açúcar cande e Sandesh e
começou a me alimentar com suas próprias mãos. Não deu ouvidos aos meus repetidos pedidos para
me dar aquelas coisas para que eu pudesse dividi-las com meus companheiros, dizendo, 'Eles comerão
mais tarde. Coma estes.' Assim falando, alimentou-me com todos os doces e somente depois pôde ficar
sossegado. Pegou minha mão e disse, 'Prometa que brevemente virá visitar-me e sozinho.' Incapaz de
fugir desse pedido, fui obrigado a dizer, 'Está bem', e entrei no quarto com ele e sentei-me junto dos
meus companheiros.
9. "Continuei observando-o de perto e não pude encontrar qualquer sinal de loucura em seu
comportamento, conversa ou postura com relação às outras pessoas. Impressionado com sua
conversa agradável e êxtase, pensei que se tratava verdadeiramente de um homem de renúncia que
abandonara tudo por Deus e que praticava o que havia professado. 'Deus pode ser visto e pode-se
conversar com ele exatamente como eu estou vendo e conversando com você; mas quem quer isto?
As pessoas sofrem e derramam jarros de lágrimas pela morte da esposa e filhos comportando-se da
mesma maneira por dinheiro e propriedade. Mas quem age assim porque não realizou Deus? Se
alguém ficar igualmente ansioso para o ver e o chamar com o coração anelante, certamente Ele Se
revelará.' Ao ouvir aquelas palavras, a impressão que cresceu em mim foi a de que não se tratava de
simples poesia ou imaginação expressas em lindas imagens de oratória como no caso dos outros
pregadores de religião, mas que ele falava de algo do qual tinha conhecimento direto - de algo que
alcançara por ter realmente renunciado a tudo por Deus, chamando-o ansiosamente.

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"Tentando harmonizar estas palavras com seu comportamento em relação à minha pessoa
um pouco antes, lembrei-me dos monomaníacos mencionados por Abercrombie e outros filósofos
ingleses e cheguei à conclusão de que ele pertencia àquela classe. Embora tivesse chegado àquela
conclusão, eu não podia esquecer a grandeza de sua maravilhosa renúncia por Deus. Mudo, pensei,
'Bem, ele pode ser louco, mas certamente é uma alma rara, ímpar no mundo, que pôde praticar essa
renúncia. Sim, louco, mas como é puro! E que renúncia! Certamente é digno de respeito, reverência e
adoração pelo coração humano.' Assim pensando, inclinei-me profundamente a seus pés e regressei
a Calcutá."
10. Como o leitor naturalmente terá a curiosidade de conhecer os antecedentes de quem fez
surgir emoções extraordinárias na mente do Mestre, vamos falar deles rapidamente. Na época da
qual estamos tratando, Narendra não era um simples estudante de aprendizado secular e música.
Levava uma vida de estrita continência e praticava severa austeridade sob o impulso de uma ne-
cessidade espiritual. Estrito vegetariano, passava as noites deitado no chão puro ou numa cama
forrada apenas com um cobertor. Sua avó materna tinha uma casa alugada perto da casa ancestral.
Geralmente ficava num quarto no primeiro andar do apartamento de fora daquela casa desde que
começara a se preparar para o exame. Quando não era possível ficar ali por uma razão ou outra,
alugava um quarto perto daquela casa e permanecia isolado, longe da família, empenhado na busca
do objetivo principal de sua vida: a realização de Deus. Seu pai, que tinha um coração aberto, e os
outros membros da família pensavam que ele vivia separado somente porque não gostava de estudar
em casa devido aos diversos tipos de distrações e desordens que surgem do fato de muitas pessoas
morarem juntas.
Como seguidor dos ensinamentos do Brahmo Samaj, Narendra acreditava em Brahman sem
forma com atributos e passava muito tempo meditando n'Ele. Não conseguia se satisfazer, como as
outras pessoas, com a convicção da existência de Brahman sem forma somente com a ajuda de dedução
e raciocínio. Levado pelas tendências espirituais de vidas passadas, o coração vivia incessantemente
dizendo-lhe que se Deus realmente existisse, jamais manteria Sua natureza oculta ao coração
humano que o buscava ansiosamente, que certamente Ele devia ter exposto os meios de realizá-lo e
que a vida se tornaria um fardo e um trabalho penoso se não houvesse uma busca para a realização de
Deus. Uma vez disse-nos:
11. "Desde que atingi a juventude, todas as noites duas idéias surgiam em minha mente,
assim que me deitava. Uma visão apresentava-me como alguém possuidor de fortuna e
propriedades, inúmeros servos e dependentes, posição elevada e prestígio, grande pompa e poder.
Pensava que era um dos chamados homens grandes no mundo. Sentia que certamente eu tinha o
poder para alcançar aquele objetivo. Também, no momento seguinte, sentia como se tivesse
abandonado tudo do mundo e estava levando uma vida de renúncia, usando um tapa-rabo, comendo o
que havia disponível, passando noites sob as árvores e dependendo somente da vontade de Deus.
Sentia que se quisesse, podia levar a vida dos Rishis e Munis. Esses dois quadros, segundo os quais
eu podia moldar minha vida, surgiam em minha mente, mas por fim o último atraiu-me. Pensei
que essa seria a única maneira com a qual um homem poderia alcançar a felicidade verdadeira e que
eu deveria seguir esse caminho e não, o outro. Concentrando-se na felicidade dessa vida, minha
mente fundia-se na contemplação de Deus, e então, adormecia. É surpreendente que isto tenha
ocorrido todas as noites, durante um longo período."
12. Mesmo nessa tenra idade, Narendra sentiu, sem que ninguém lhe dissesse, que a meditação
era o melhor método para a realização de Deus, o que indica a grandeza de seu passado espiritual e as
impressões que daí se originaram. Quando estava com cerca de quatro ou cinco anos, costumava
comprar no mercado pequenas imagens de Sita, Rama, Shiva e outros deuses e deusas. Trazendo-as
para casa, enfeitava-as e sentava-se imóvel defronte delas com os olhos fechados como se estivesse
em meditação. De vez em quando, contudo, abria os olhos para ver se, no meio tempo, algum cabelo
encaracolado seu entrara na terra, como as raízes aéreas de algumas árvores. Ele ouvira das velhas
senhoras da casa que Munis e Rishis sentavam-se em meditação durante muito tempo e que seu cabelo
encaracolado caía e entrava na terra daquela maneira.
Sua mãe dizia que um dia ele entrou numa parte abandonada da casa com um menino chamado
Hari, um vizinho, sem que ninguém soubesse, e sentaram-se durante tanto tempo como se estivessem
em meditação. Todos correram à procura deles, pensando que o menino saíra da casa e se perdera
no caminho. Mais tarde, vendo aquela parte da casa fechada por dentro, alguém quebrou a tranca e
viu-o sentado, imóvel, em postura meditativa. Seu comportamento era, sem dúvida, a expressão de
sua imaginação infantil, mas claramente mostrava as tendências espirituais maravilhosas com as
quais havia nascido. De qualquer maneira ninguém da família sabia que ele costumava praticar
meditação todos os dias, porque se trancava naquele aposento e sentava-se em meditação, depois que

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todos tivessem ido dormir. Às vezes tornava-se tão absorvido que a noite inteira passava antes que
retornasse à consciência normal.
13. Por esta época um acontecimento veio aumentar a inclinação de Narendra para a
meditação. Um dia foi com uns amigos visitar o Acharya Maharshi Devendranath do Adi Brahmo
Samaj. Nessa época o Maharshi fazia os jovens sentarem-se perto dele, dava-lhes instrução e
pedia-lhes que praticassem meditação em Deus todos os dias. Dirigindo-se a Narendra, disse: "Estão
manifestadas em você as características de um yogi; e se praticar meditação, breve experimentará os
resultados relatados nas escrituras ióguicas." Há algum tempo Narendra respeitava o Maharshi por
sua pureza de caráter. Por conseguinte, a conselho seu, dedicou-se à meditação com mais fervor do
que antes.
Desde a infância Narendra apresentava sinais de um gênio de múltiplas facetas. Sabia de cor
todos os aforismos do livro de gramática sânscrita chamada Mugdhabodha. Pondo-o no colo todas as
noites, um velho parente ensinou-lhe os nomes de seus antepassados, hinos aos deuses e deusas e os
aforismos da referida gramática. Com a idade de seis anos já era capaz de aprender de cor todo o
Ramayana escrito para música. Se fosse cantado em qualquer lugar do bairro, podia-se estar certo
que ele estava presente. Um dia, perto daqui, um cantor desse épico, não pôde recordar-se de certa
passagem; Narendra imediatamente repetiu aquele pedaço sendo elogiado e como recompensa,
ganhou doces do cantor. Ao ouvir a leitura do Ramayana, Narendra costumava olhar em volta para
ver se o grande herói e servo de Ramachandra, Hanuman, estava presente, cumprindo assim sua
promessa de estar presente sempre que a glória de Rama fosse cantada. Devido à sua extraordinária
memória, mereceu ser chamado um 'Srutidhara', aquele que compreendeu o que ouviu apenas uma
vez e o memorizou de imediato. É por isso que seu método de aprender as lições desde a infância
não era igual a dos outros meninos. Ao entrar para a escola foi contratado um explicador para
ajudá-lo em suas lições diárias. Narendra dizia, "Quando chegou à nossa casa, eu lhe trouxe meus
livros em inglês e bengali e as partes que tinha que aprender naquele dia, sentei-me e permaneci
quieto. O instrutor repetiu duas ou três vezes, soletrando, a pronúncia, significado etc., das palavras
daquelas partes dos livros, como se ele próprio estivesse aprendendo a lição e em seguida, foi
embora. Foi o suficiente para que eu aprendesse." Ao crescer estudava somente dois ou três meses
antes do exame. Noutras horas lia fora do currículo por escolha própria. Assim, antes de fazer o exame
vestibular, já havia praticamente lido todos os livros importantes da literatura em Inglês e Bengali e
de história, mas, como resultado de ter adotado este método, às vezes tinha que trabalhar duro
antes do exame. Um dia, explicando como havia resolvido a dificuldade causada por tal hábito,
disse, "Descobri dois ou três dias antes do exame, que as páginas de Euclides nem haviam sido
abertas. Passei a noite inteira estudando-as. Dominei todos os quatro livros sobre o assunto em
vinte e quatro horas e fui fazer a prova." Ele pôde fazer assim porque, pela graça de Deus, tinha um
corpo robusto e uma memória extraordinária.
14. Quando se diz que Narendra passava o tempo lendo livros que não eram de estudo, não se
deve pensar que se tratava de romances e peças teatrais para passar o tempo. Em determinados
períodos, uma grande inclinação para estudar livros sobre assuntos particulares surgia em sua
mente. Dominava todos os livros que conseguia reunir sobre o assunto. Por exemplo, em 1879, ano
de seu vestibular, sentiu necessidade de ler todos os livros disponíveis sobre a História da Índia,
Marshman, Elphinstone e outros. Dominou cada um de todos os livros sobre Lógica, em inglês, como
os de Whitley, Jevons e Mill; enquanto se preparava para o exame de Bacharel em Artes. Desejou
muito estudar a história da Inglaterra e de outros países europeus, tanto a antiga como a moderna e
também, livros de filosofia ocidental. Semelhante foi sua paixão por outros ramos do conhecimento.
15. Como resultado de ter lido um número tão vasto de livros, o poder de Narendra de ler
rapidamente desenvolveu-se a um grau extraordinário desde a época de seu exame vestibular.
Dizia, "Desde então, ao apanhar um livro, não achava necessário percorrer linha por linha a fim de
compreender o autor. Podia entender o assunto lendo a primeira e a última linha de um parágrafo.
Gradualmente aquele poder desenvolveu-se e não mais era necessário ler os parágrafos. Às vezes lia a
primeira e a última linhas de cada página e sabia o conteúdo. Também, quando o autor estava
explicando um ponto de vista com argumentos em qualquer parte de seu livro, podia compreender
toda sua cadeia de raciocínio simplesmente lendo o começo de seus argumentos."
16. Por essa época, Narendra tornou-se amante de debates como resultado de muito estudo e
pensamento profundo. Não se inclinava, contudo a sofismas. Costumava apoiar somente aquilo que
considerava verdadeiro no fundo do seu coração, mas se alguém expressasse qualquer idéia ou
opinião contra o que considerava verdadeiro, jamais ouvia passivamente. Raras foram as pessoas
que não curvaram a cabeça diante de sua argumentação. Não se pode deixar de dizer que seus
oponentes derrotados não o viam com olhos amigos. Ouvindo apenas algumas palavras do oponente,

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podia compreender a tendência dos argumentos que apoiavam a posição do adversário e tinha a
resposta pronta de antemão. Perguntado como tinha bons argumentos sempre prontos para derrotar
seu oponente, certa vez disse, "Quantos pensamentos novos há no mundo? Se aqueles poucos
pensamentos são todos conhecidos com os prós e contra, não há necessidade de pensamento posterior
e a pessoa está sempre pronta com as respostas. Porque qualquer que seja a razão que o oponente
possa apresentar em favor de sua posição, só pode ser uma ou outra daquelas poucas. Realmente
raras são as pessoas que podem dar ao mundo novas idéias e pensamentos a respeito de um assunto."
Nascido com um agudo intelecto, memória extraordinária e profundo poder de pensamento,
Narendra podia dominar tudo em pouco tempo e daí não lhe faltar tempo para, nas horas de lazer,
divertir-se, praticar esportes e jogos como também desfrutar a companhia de amigos. Vendo-o passar
muito tempo em divertimentos e lazer, as pessoas pensavam que não atendia aos estudos. Tentando
imitá-lo, muitos rapazes realmente prejudicaram-se nos estudos.
17. Narendra tinha grande amor tanto pêlos exercícios físicos como por adquirir conhecimento.
Na infância o pai comprou-lhe um pônei, por isso ao crescer, tornou-se um bom cavaleiro. Conhecia
quase todos os tipos de exercícios físicos - ginástica, luta livre, box, esgrima, luta com bastão, dança,
natação e outros. Em conseqüência tornou-se fisicamente muito forte e ágil, além de ser perito nessas
artes. Naqueles dias as competições eram sobre estas artes e os vencedores recebiam prêmios na Hindu
Fair, estabelecida por Navagopal Mitra. Algumas vezes Narendra foi visto, entre os competidores.
18. Desde a infância a Natureza dotou-o de coragem indômita e amor pêlos amigos. Essas
qualidades ajudaram-no muito a torná-lo o chefe em todos os grupos a que pertenceu, e um líder
desde a época de estudante até mais tarde. Certa vez quando tinha somente oito anos, foi com os
amigos a Metiaburuz, sul de Calcutá, ver os jardins Zoológicos de Wazid Ali, o primeiro Nawab de
Lucknow. Os meninos fizeram uma subscrição entre si e alugaram um barco para Chandpalghat, para
as viagens de ida e volta. Na volta um deles sentiu-se mal e vomitou. O barqueiro, muçulmano, ficou
muito zangado e quando o barco atingiu Chandpalghat, não permitiu que ninguém desembarcasse sem
limpar o barco. Os meninos pediram-lhe que arranjasse alguém para limpar e que estavam dispostos
a pagar pelo trabalho, mas ele não concordou. Houve então uma altercação que gradualmente
transformou-se numa luta entre os dois grupos. Todos os barqueiros que estavam perto chegaram e
estavam prontos para bater nos meninos, que não sabiam o que fazer. Narendra era o mais jovem de
todos. Na confusão que surgiu com a altercação com o barqueiro, fugiu e desceu do barco. Vendo-o
tão jovem, o barqueiro não o impediu. Quando desembarcou viu que a situação estava gradualmente
ficando séria. Enquanto pensava como poderia salvar seus amigos, viu dois soldados ingleses
caminhando. Narendra correu até eles, saudou-os e segurou suas mãos. Embora seu conhecimento
de inglês fosse rudimentar, explicou o assunto em poucas palavras e por sinais, enquanto os puxava
até o local da ocorrência. Os dois soldados, encantados com o comportamento do rapazinho de
aparência agradável, sentiram-se atraídos por ele. Chegaram com passos rápidos até onde o barco
estava, compreenderam a situação e levantando o "cassetete" nas mãos ordenaram aos barqueiros
que deixassem os meninos irem embora. Vendo que eram soldados brancos da armada, os barqueiros
foram para seus barcos. Os amigos de Narendra soltaram um suspiro de alívio. Os soldados ficaram
satisfeitos com o comportamento descontraído e destemido de Narendra e convidaram-no a ir ao teatro
com eles. Narendra, agradeceu mas declinou do convite, despedindo-se deles.
19. Em sua infância há outros acontecimentos que também provam sua coragem.
Narendra estava com dez ou doze anos quando Eduardo VII, então Príncipe de Gales, visitou a Índia.
Um gigantesco vaso de guerra da armada britânica, o Syrapis, chegou a Calcutá e muitas pessoas
tiveram permissão para visitá-lo. Desejando conhecê-lo, Narendranath juntamente com seus amigos,
foi ao departamento de Chowringhee com uma solicitação para a permissão, mas viu que o porteiro
não permitia a entrada de ninguém, a não ser pessoas importantes. Como ficou perto da entrada,
imaginando a maneira de se aproximar do oficial inglês, viu várias pessoas saindo do escritório.
Reparou que todos iam a uma varanda no segundo andar do escritório. Narendra pensou que talvez
fosse o lugar onde o oficial inglês estava recebendo os pedidos e expedindo as permissões. Procurando
outra passagem que conduzisse àquele lugar, viu que num canto do lado da casa, havia uma estreita
escada de ferro, utilizada pelo funcionário do oficial inglês que conduzia ao cômodo atrás da referida
varanda. Embora soubesse muito bem que se fosse visto, havia uma grande probabilidade de ser
maltratado, tomou coragem e subiu ao segundo andar por aquela escada. Entrando na varanda pela
sala do oficial, viu muitas pessoas à sua volta e que ele não parava de assinar permissões com a
cabeça inclinada sobre a mesa. Ficou atrás de todos e ao conseguir, na sua vez, permissão, saudou o
oficial e saiu da sala pela escada da frente como todo mundo.
20. Por essa época havia um clube na Cornwallis Street para ensinar educação física aos
meninos de Simla, bairro de Calcutá. Foi Navagopal Mitra, o fundador da Hindu Fair, quem o fundou.

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Como era muito perto de sua casa, Narendra o freqüentava diariamente com os amigos, onde
praticavam exercícios físicos. Como esses rapazes eram amigos de Navagopal Babu, ele os encarregou
do gerenciamento do clube. Um dia, os rapazes não conseguiram, apesar de grandes esforços, erguer
uma pesada armação de madeira para segurar um trapézio. Uma multidão reuniu-se na rua para ver
os rapazes trabalhando, mas ninguém se prontificou a auxiliá-los. Vendo um forte marinheiro inglês
entre as pessoas, Narendra pediu-lhe para que os ajudasse e ele, com prazer, concordou em reunir-se
aos jovens. Os rapazes começaram a levantar a parte de cima da armação com a ajuda de uma
corda e o marinheiro os ajudou a encaixá-la nos receptáculos. O trabalho ia bem quando a corda
rompeu-se e a armação de madeira caiu ao chão. Uma das extremidades subitamente elevou-se e bateu
na cabeça do marinheiro, que caiu inconsciente. Vendo o marinheiro inconsciente e sua ferida sangrando
profusamente, todos imaginaram que estivesse morto e com medo da polícia, fugiram em todas as
direções. Somente Narendra e um ou dois amigos permaneceram, imaginando um meio de trazer o
marinheiro à consciência. Narendra rasgou parte de sua roupa, mergulhou-a na água, enfaixou a ferida
e continuou espargindo água no rosto do marinheiro, abanando-o. Ao recobrar a consciência, foi levado
para uma escola da vizinhança, a Training Academy. Mandaram um recado a Navagopal Babu para trazer
um médico e ele, ao chegar, examinou o marinheiro e disse, "A ferida não é séria mas ele vai necessitar de
uma semana de cuidados para recuperar-se." Ficou bom e agradeceu os cuidados de Narendra com
remédios, dieta etc. Levantando uma quantia através de subscrições com alguns moradores do bairro,
Narendra deu-a ao marinheiro para que continuasse sua viagem e despediu-se dele. Soubemos de
muitos outros acontecimentos que mostram a frieza de Narendra diante dos perigos e dificuldades,
mesmo na infância.
21. Desde menino Narendra era veraz. Ao atingir a juventude, sua preocupação em falar a
verdade aumentou cem vezes. Dizia, "Jamais aterrorizei as crianças, falando-lhes de duendes, da
mesma maneira que tive medo de pronunciar uma mentira e repreendia todos os que eu via assim
agindo. Como resultado da educação inglesa e de freqüentar o Brahmo Samaj, sua devoção à
verdade aumentou bastante."
22. Narendra vivia sempre sorridente porque nascera com uma aparência robusta, um
intelecto arguto, uma maravilhosa memória e um coração puro. Praticou todos os tipos de ginástica
com desempenho, aprendeu a dançar e cultivou tanto a música vocal como a instrumental. Com
seus amigos participava de todo tipo de alegria e divertimento com prazer, desde que não
ultrapassassem os limites da moralidade. Como não entendessem a causa de sua alegria, as pessoas
levianas muitas vezes consideravam essa atitude um defeito de caráter, mas o espirituoso Narendra
não ligava para elogio ou censura. Sua mente e coração orgulhosos jamais dignaram-se a desmentir
a calúnia deles.
A bondade para com os pobres era algo inato nele. Em sua infância, sempre que um
mendigo vinha à sua casa, dava-lhe o que pedia, mesmo que se tratasse de roupas e objetos de
valor. Os membros da família repreendiam-no sempre que vinham a tomar conhecimento do fato e
tomavam de volta os artigos dos mendigos, dando-lhes dinheiro. Como isso aconteceu algumas vezes,
um dia a mãe prendeu o rapaz num aposento, no primeiro andar da casa. Nessa ocasião um mendigo
pediu esmola em voz alta e Narendra jogou pela janela algumas roupas de alto custo da mãe.
23. Sua mãe costumava dizer, "Desde a infância Narendra tinha um ponto fraco. Se ficasse
zangado por alguma razão, descontrolava-se completamente e reduzia a mobília e outros objetos a
pedaços, atirando-as em todas as direções. Eu havia orado a Visvanatha em Kasi por um filho,
fazendo-lhe uma promessa, se nascesse menino. Talvez Ele tenha me enviado um de seus demônios,
caso contrário por que meu filho se comportava como um demônio quando estava zangado?" Ela,
porém, descobriu um maravilhoso remédio para aqueles acessos de raiva da criança. Ao ver que não
conseguia de jeito algum acalmá-lo, recordou-se de Viswanatha e despejou um ou dois jarros de
água na cabeça do menino. O espantoso é que a raiva imediatamente desapareceu! Pouco tempo
depois de ter conhecido o Mestre em Dakshineswar, um dia Narendranath disse-nos, "Pode ser que
eu não tenha ganho nada mais com a prática da religião, mas é certo que ganhei controle sobre
minha terrível raiva, por Sua graça. No passado costumava perder o controle sobre mim, com raiva, e
depois, era tomado de arrependimento mas agora, se alguém me fizer um grande mal ou mesmo me
bata, não fico tão zangado."
24. Pessoas que têm a mente e o coração bem desenvolvidos são muito raras neste mundo. São
elas que deixam uma marca na sociedade. As que manifestam sua peculiaridade no mundo espiritual
também possuem desde a infância um poder bem desenvolvido de imaginação. Isto está bem claro ao
estudarmos a vida de Narendra.
25. Certa vez o pai de Narendra passou algum tempo em Raipur na Índia Central, a negócios.
Sabendo que teria de morar lá por um longo período, pouco tempo depois mandou buscar a família.

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Narendra ficou encarregado de levá-los. Estava com apenas quatorze ou quinze anos. Como o lugar
não era servido por estrada de ferro, as pessoas tinham que viajar de carro de boi por mais de
quinze dias através de densas florestas, cheias de animais ferozes. Embora tivesse de sofrer muitos
dissabores físicos, não se importou devido à oportunidade de apreciar a maravilhosa beleza das
regiões de floresta. Seu coração foi totalmente tomado de encanto quando se viu diretamente em
contato, pela primeira vez, com o poder sem limite do amor infinito dele que adornou a terra com tais
roupagens e enfeites incomparáveis. Disse, "O que vi e senti enquanto atravessava a floresta
permaneceu para sempre, firmemente impresso em minha memória e, em particular, um
acontecimento. Uma vez tínhamos que viajar através de uma montanha que passava por um vale da
Cadeia Vindhya, cujos picos, elevando-se altos no céu, olhavam-nos de cima, de ambos os lados.
Curvadas sob o peso das frutas e flores, várias espécies de árvores e trepadeiras cobriam as encostas
das montanhas, com sua beleza incomparável. Pássaros voavam de uma árvore para outra ou
andavam no chão à procura de comida, enchendo todos os lugares com suas doces notas. Vi todos
os carros de boi chegando a um lugar onde dois picos, aproximando-se como em estado de amor,
abraçavam-se em cima do estreito caminho da floresta. Observando cuidadosamente seu ponto de
encontro abaixo, vi que havia uma grande fenda desde o cume até o sopé da montanha, num dos
lados do caminho e enchendo aquela fenda, estava dependurada uma enorme colméia, resultado do
trabalho das abelhas durante muitos anos. Tomado de admiração, como se estivesse refletindo
sobre o começo e o fim daquele reino de abelhas, fiquei pensando no poder infinito de Deus, o
controlador dos três mundos, perdendo completamente a consciência do mundo exterior. Não me
recordo quanto tempo fiquei deitado no carro de boi, naquele estado mental. Ao recobrar a consciência
normal, vi que havíamos atravessado aquele lugar e estávamos bem longe. Como estivera sozinho no
carro, ninguém soube nada a respeito." Esta foi talvez a primeira vez em que, com ajuda do forte
poder de imaginação, entrou na região fechada da meditação profunda e permaneceu totalmente
absorvido nela.
26. Vejamos agora um pequeno resumo a respeito dos ancestrais de Narendra. A família
Datta de Simla, dividida em muitos ramos, era uma das mais antigas de Calcutá. Esta família era a
mais importante entre os Kayasthas de classe média, em fortuna, posição social e erudição. O bisavô
de Narendra, Rammohan Datta, advogado, ganhou muito dinheiro, manteve uma numerosa família e
tinha o respeito dos amigos, particularmente de seus vizinhos na Alameda Gaurmohan Mukerjee, em
Simla, onde vivia na casa que comprara. Durgacharan, seu filho, herdou uma enorme fortuna do pai,
mas ainda jovem desapegou-se do mundo e abraçou a vida de monge errante. Dizem que
Durgacharan desde a infância era dedicado aos monges e homens santos. Essa inclinação o fez desde
a juventude, um grande estudioso das escrituras tornando-o em pouco tempo um erudito. Embora
casado, Durgacharan não tinha apego ao mundo. Costumava passar muito tempo na companhia de
homens santos, em sua chácara. Swami Vivekananda dizia que o avô deixou a família para sempre
após o nascimento do filho, segundo a prescrição das escrituras. Embora tenha deixado a família e ido
embora, Durgacharan, pela vontade divina, por duas vezes encontrou a esposa e os parentes. O filho
Viswanath estava então com dois ou três anos. A esposa e os parentes foram a Kasi, talvez à sua
procura e ali permaneceram durante algum tempo. Como ainda não havia estrada-de-ferro, as
pessoas de famílias importantes costumavam vir de barco a Kasi, a morada de Viswanatha (o Mestre
dos mundos). A esposa de Durgacharan também acompanhou o grupo de peregrinos que iam a Kasi.
Num certo lugar do caminho, o menino Viswanath caiu nas águas do Ganga. A mãe viu e
imediatamente jogou-se na água. Inconsciente, foi, com muito esforço, alçada até o barco. Viu-se que
mesmo inconsciente ela segurava firmemente o braço da criança. Foi assim que o amor da mãe salvou
a vida do filho.
Em Kasi, a esposa de Durgacharan ia diariamente visitar Visvesvara. Um dia, como a estrada
estava escorregadia devido ao temporal, deslizou e caiu defronte a um templo. Um transeunte que
passava, um monge, viu-a e levantou-a rapidamente com cuidado, mandou-a sentar-se no degrau da
porta do templo e começou a examinar se ela estava ferida. No momento, porém, que os dois olhos se
encontraram, Durgacharan e a esposa reconheceram-se, e ele, sem olhar para ela, desapareceu.
É costume que um monge visite sua terra natal doze anos depois de ter abraçado a vida de
monge errante o que, segundo as escrituras, é superior até mesmo ao céu. Durgacharan, portanto, veio
uma vez a Calcutá depois de doze anos e ficou hospedado na casa de um velho amigo a quem pediu
firmemente que a notícia de sua presença não chegasse até seus parentes. O amigo, um homem do
mundo, desrespeitou o pedido de Durgacharan e deu, secretamente, as boas novas aos parentes.
Vieram em grupo e levaram Durgacharan para casa, quase à força. Em casa jamais dirigiu a palavra a
ninguém. Foi mantido num quarto fechado, onde se sentou num canto com os olhos fechados, em
silêncio e imóvel como uma tora de madeira. Dizem que ficou assim durante três dias e três noites,

28
continuamente, sem mudar de posição. Os parentes temeram que jejuasse até morrer se continuasse
preso e assim, mantiveram a porta do quarto aberta. Viram na manhã seguinte que desaparecera sem
ser notado.
27. Tendo grande conhecimento das línguas persa e inglesa, Viswanath, o filho de
Durgacharan, tornou-se advogado da Alta Corte de Calcutá. Era generoso e afetuoso com os amigos.
Embora ganhasse muito, não guardava nada. Era talvez a qualidade que havia herdado do pai, não
conseguia ser econômico. A natureza de Viswanath era de fato bem diferente daquela dos homens
comuns do mundo, em diversos aspectos, como por exemplo, pensamentos a respeito do futuro jamais
o perturbavam. Ajudava a todos, quer merecessem ou não. Apesar de amar muito a família, era
desapegado e não se preocupava com ela, mesmo ausente e sem notícias por longos períodos.
28. Viswanath era inteligente e possuidor de um intelecto arguto. Tinha um grande amor pela
música e outras belas-artes. Swami Vivekananda dizia que o pai tinha uma voz doce e cantava
lindamente Tappa (música ligeira) de Nidhu Babu, sem ter aprendido música de forma sistemática.
Ao contrário da impressão geral da época, considerava a música um passatempo benéfico e fez o
filho mais velho, Narendranath, aprendê-la com o mesmo cuidado e atenção que estava dando a
outros estudos. Também a esposa, Bhuvaneswari, podia dominar perfeitamente as canções religiosas
com seu tom, cadência etc., que ouvira apenas uma vez dos menestréis vaishnavas.
29. Viswanath gostava muito de ler a Bíblia e os versos do poeta persa Hafiz. Um capítulo
ou dois da Bíblia tratando da vida de Jesus fazia parte de suas leituras diárias. Às vezes lia para a
esposa, filhos e outros, trechos desse livro e dos versos de amor de Hafiz. Admirava e adotou alguns
costumes muçulmanos enquanto viveu tempo em lugares como Lucknow, Lahore etc., e aos quais se
aferrou pela vida inteira. Talvez seja por isso que era hábito da família tomar diariamente Pollau..
30. Viswanath era grave e sério, mas ao mesmo tempo espirituoso e bem humorado. Se um
de seus filhos ou filhas fizesse algo errado, não os repreendia severamente mas fazia com que os
amigos dele ou dela soubessem, de tal maneira que ele ou ela ficasse com vergonha e não mais
fizesse aquilo. Um dia seu filho mais velho, Narendra, teve uma altercação com a mãe sobre
determinado assunto e falou-lhe uma ou duas palavras ásperas. Ao invés de brigar com ele,
Viswanath escreveu, com um pedaço de carvão, em letras grandes, na porta do quarto onde Narendra
recebia seus amigos, que Naren Babu havia dito tais e tais palavras à sua mãe. Sempre que
Narendra e os amigos entravam, seus olhos caíam nesses palavras e Narendra sentia vergonha por
muito tempo, lembrando-se de sua má conduta.
31. Viswanath mantinha uma grande família, que incluía parentes distantes. Era pródigo em dar-
lhes comida e outras necessidades. Vivendo de sua generosidade, alguns desses parentes distantes
levavam uma vida ociosa enquanto outros iam além e aliviavam o tédio de suas vidas com bebidas
fortes e outros tóxicos. Ao crescer, Narendra muitas vezes queixou-se de que o pai fora com eles
generoso ao excesso. Viswanath gravemente respondia, "Você é muito jovem e imaturo para imaginar
quão cheia de miséria esta vida é. Quando vier a compreender, verá com olhos de perdão essas almas
miseráveis que utilizam tóxicos a fim de experimentarem um alívio momentâneo das experiências
amargas da vida."
32. Viswanath teve muitos filhos e filhas. Todos foram dotados de inúmeras qualidades boas.
A maioria das filhas, contudo, morreu jovem. Narendranath era muito querido pêlos pais porque
nascera depois de três ou quatro irmãs. O pai morreu de repente de um ataque do coração, quando
Narendra preparava-se para o exame de Bacharel em Artes, no inverno de 1883. Sua morte súbita
deixou a família sem um vintém.
33. Ouvimos muito a respeito da grandeza da mãe de Narendra, Sri Bhuvaneswari. Combinava
grande beleza física com devoção às divindades. Sua habilidade e inteligência foram amplamente
provadas no excelente gerenciamento da enorme família do marido, cuja responsabilidade caiu
unicamente sobre seus ombros. Administrava com tanta facilidade e eficiência que ainda tinha tempo
para fazer tricô e outros trabalhos manuais. Sua educação fora bem limitada, não indo além da leitura do
Ramayana, do Mahabharata e de alguns livros religiosos, mas aprendeu oralmente várias coisas com o
marido, filhos e outras pessoas, e por isso, numa conversa era considerada altamente instruída. Sua
memória e capacidade de retenção eram realmente surpreendentes. Podia repetir de cor o que havia
ouvido apenas uma vez e recordava-se de velhos ditos e acontecimentos como se tivessem acontecido
na véspera. Abatida pêlos maus dias após a morte do marido, seu ânimo foi posto a teste. Ela, contudo,
deu provas de uma paciência maravilhosa, tranqüilidade, frugalidade e adaptação à súbita mudança
de situação. A senhora que gastava mil rupias mensalmente para as despesas domésticas, tinha
agora somente trinta rupias por mês para manter-se e seus filhos e filhas. Mas nem um dia apresentou
qualquer sinal de abatimento. Administrava todos os negócios da família com aquela magra renda,
de tal maneira que aqueles que viam pensavam que seu gasto mensal era bem maior. Uma pessoa

29
certamente treme só em pensar na terrível condição em que Bhuvaneswari caiu com a morte
súbita do marido. Não havia renda certa para atender às necessidades da família e, contudo, tinha
que manter sua velha mãe, filhos e filhas, criados na opulência e atender às despesas de educação.
Os parentes que tiveram a oportunidade de ganhar a vida decentemente com a generosidade e
influência do marido, em vez de virem a seu socorro nesses dias, viram agora a oportunidade de fazer
algo que há tanto tempo queriam e que era tirar até suas propriedades legítimas. O filho mais velho
Narendra, possuidor de muitas qualidades boas, não conseguia arranjar emprego, apesar dos maiores
esforços e, perdendo toda atração pelo mundo, estava pronto para renunciar a ele para sempre.
Sente-se respeito e reverência por Sri Bhuvaneswari ao se pensar na maneira como cumpriu seu dever
naquela terrível condição.

CAPÍTULO IV

A SEGUNDA E TERCEIRA VISITAS DE NARENDRA AO MESTRE


ASSUNTOS: 1. A demora da segunda visita de Narendra ao Mestre. 2. Sua experiência maravilhosa pelo
poder do Mestre. 3. As reflexões de Narendra. 4. Sua decisão de testar o Mestre cuidadosamente. 5. O Mestre
comportou-se com Narendra como se fossem amigos antigos. 6. A terceira visita de Narendra. 7. A perda de sua
consciência normal ao toque do Mestre em êxtase. 8. O Mestre questionando Narendra naquele estado. 9. A
maravilhosa visão do Mestre a respeito dele. 10. Convicção de Narendra a respeito do Mestre. 11. Mudança de
Narendra em sua concepção a respeito do Mestre. 12. O progresso de Narendra na renúncia. 13. A decisão de
Narendra de não aceitar os ensinamentos sem previamente testá-los. 14. A conduta de Narendra depois disso.
15 O estado mental de Narendra nessa época.

1. Os homens íntegros e dotados de autoconfiança, ao verem essas qualidades numa outra


pessoa, imediatamente reconhecem a sintonia que existe ela e si próprio. Também passam a
pensar constantemente nela e quanto mais assim o fazem mais ficam arrebatados e admirados. Não
são, contudo, tomados de admiração imediatamente, abandonando o próprio caminho e passando a
imitar a pessoa que admiram. É somente depois de longa associação e laços de amizade que essa
admiração começa a tocar suas vidas. Narendra ficou nesse estado ao encontrar pela primeira vez o
Mestre em Dakshineswar. Embora atraído pela extraordinária renúncia e veracidade do Mestre,
Narendra ainda não estava preparado para aceitá-lo como o Ideal de vida. Lembranças do maravilhoso
caráter do Mestre e conduta, sem dúvida, surgiram repetidamente em sua mente durante algum
tempo, desde a primeira visita a Dakshineswar; mas não sentia pressa em cumprir a promessa de
visitá-lo pela segunda vez. Um motivo importante para o adiamento foi a impressão de que o
Mestre era um monomaníaco, conclusão a que foi chegou devido a seu estudo da psicologia ocidental.
Além disso, tinha outras preocupações que o ocupavam. Em aditamento à prática de meditação e
estudos, Narendra fazia, diariamente, um curso sistemático de música e exercícios físicos. Além
disso, à imitação do Brahmo Samaj, estava formando grupos de oração e debate em diferentes
lugares de Calcutá, para o aprimoramento mental e espiritual de seus amigos.
Por estas razões a ida a Dakshineswar foi adiada por um mês. Embora não tenha podido fazê-
la por causa dos deveres diários, a lembrança e a necessidade em cumprir a promessa, levaram-no a
voltar a Dakshineswar, assim que teve tempo. Portanto vemos Narendra um dia, dirigindo-se sozinho a
Dakshineswar pela segunda vez, mais ou menos um mês depois da primeira visita. O próprio
Narendra nos descreveu esta visita.
2. "Não tinha idéia de que o templo de Kali de Dakshineswar era tão longe de Calcutá, porque
eu havia ido lá somente uma vez, e de carruagem. Costumava visitar Dasarathi Sannyal, Satkari,
Lahiri e outros amigos em Baranagar e pensava que a chácara da Rani fosse perto de suas casas. Mas
a viagem parecia que não terminava nunca, por mais que eu avançasse. De qualquer maneira,
perguntando a muitas pessoas, por fim cheguei a Dakshineswar e fui diretamente ao aposento do
Mestre. Eu o vi sentado, mergulhado em si mesmo, no divã menor colocado junto do maior. Estava
sozinho e mal me viu chamou-me para perto dele e fez-me sentar num dos cantos do divã. Sentei-
me, mas encontrei-o num estado estranho. Falou de maneira incompreensível para si mesmo sobre
qualquer coisa, olhou-me firmemente e lentamente começou a vir em minha direção. Imaginei que
uma outra cena de loucura iria acontecer. Mal pensei nisso e ele aproximou-se de mim e colocou o pé
direito em meu corpo e imediatamente tive uma experiência maravilhosa. Vi com os olhos abertos
que todas as coisas do quarto, inclusive as paredes, rapidamente rodopiavam e desapareciam numa
região desconhecida e a consciência do eu com todo o universo ia desaparecer num grande vazio
que tudo absorve. Fiquei tomado por um medo terrível. Sabia que a destruição da consciência do
eu era a morte, e pensei que a morte estava diante de mim, muito perto, na mão. Incapaz de

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controlar-me, gritei, dizendo, 'Ah, O que fez comigo? Tenho pai e mãe, o senhor sabe.' Rindo das
minhas palavras, tocou meu peito com a mão e disse, 'Vamos acabar agora. Tudo não precisa ser
feito de uma só vez. Acontecerá ao longo do tempo.' Fiquei admirado ao ver como minha experiência
extraordinária desapareceu tão rapidamente como aconteceu, quando ele me tocou daquela maneira
e disse aquelas palavras. Voltei ao estado normal e vi as coisas dentro e fora do quarto no mesmo
lugar de antes.
3. "Embora tenha levado tanto tempo para descrever o acontecimento, na verdade aconteceu
rapidamente e produziu uma grande revolução em minha mente. Estava intrigado e continuava pensando
no que havia acontecido. Tinha visto como essa experiência ímpar havia vindo e desaparecido
subitamente pelo poder daquela pessoa maravilhosa. Eu lera nos livros a respeito de mesmerismo e
hipnotismo. Fui levado a imaginar se não se tratava de uma coisa desse tipo, mas meu coração
recusava-se a admitir, porque pessoas de vontade poderosa espalham sua influência somente em
mentes fracas e ocasionam tais condições. Mas como não sou assim; muito pelo contrário, até agora
tenho sido muito inteligente e dotado de grande força mental. Não pode ter sido isto o que me
encantou e tornou-me uma marionete em suas mãos, como as pessoas comuns ficam ao caírem sob
influência de algum homem extraordinário. Jamais permitira que tal influência tivesse controle sobre
mim; muito pelo contrário, fui uma pessoa hostil desde o momento em que cheguei à conclusão de
que ele era um monomaníaco. Por que tinha sido subitamente apanhado naquele estado? Pensei, mas
não pude chegar a qualquer conclusão e ficou no meu coração um problema mal resolvido, de grande
importância. Lembrei-me das palavras do grande poeta, 'Há mais coisas no céu e na terra que sua
filosofia sonhou.' Pensei que esse poderia ser o caso. Refleti e cheguei à conclusão de que a verdade a
esse respeito não podia ser desvendada. Fiquei, contudo, determinado ficar atento a fim de que esse louco
maravilhoso não pudesse no futuro ocasionar uma mudança em minha mente, espalhando sua
influência e adquirindo domínio sobre ela.
4. "Mas continuei pensando: Como poderia eu considerar louca esta pessoa, que podia reduzir
em pedaços a estrutura de uma mente como a minha, possuidora de uma forte e poderosa vontade e
convicções firmes, e que podia remodelá-la como uma bola de argila num molde, como lhe
agradasse? Mas quanto a seu comportamento e às palavras que me disse ao me chamar a um canto,
na minha primeira visita - como poderia eu considerá-las senão como delírio de um louco? Por
conseguinte, assim como não pude encontrar a causa da experiência acima, mesmo assim, não pude
chegar a qualquer conclusão certa sobre aquela pessoa, pura e de coração simples como uma
criança. Desde a infância jamais pude aceitar como final qualquer conclusão sobre uma pessoa ou
proposição, a não ser que tivesse chegado a ela depois de uma observação e investigação própria,
raciocínio e argumentação. Minha natureza recebeu um severo choque naquele dia, o que criou
angústia em meu coração. Como resultado, resolvi firmemente compreender na íntegra, a natureza e o
poder daquela pessoa maravilhosa.
5. "Passei o dia pensando e tomando diversas resoluções. Mas o Mestre parecia ser uma
pessoa totalmente diferente depois daquele acontecimento e começou a alimentar-me
afetuosamente e comportar-se em todos os aspectos como uma pessoa há muito familiar. Seu
comportamento assemelhava-se ao das pessoas em relação a seus amigos queridos ou parentes
íntimos que encontravam depois de longa separação. Alimentava-me, falava comigo, expressava seu
afeto, pilheriava e não ficava satisfeito, como se tudo isso fosse muito aquém do que desejava fazer.
Aquele amor e conduta também me causaram grande ansiedade. Vendo as sombras da noite caindo,
despedi-me dele naquele dia. Triste, do fundo do seu coração, conseguiu de mim a promessa, como da
vez anterior, de que eu voltaria o mais breve possível e só então permitiu que eu voltasse para casa.
Deixei Dakshineswar refletindo sobre o que havia acontecido e como resolver o problema."
6. Não sabemos quanto tempo depois dessa segunda visita Narendra foi ver o Mestre
novamente. Mas depois de conhecer o maravilhoso poder do Mestre, foi tomado por um forte desejo de
compreender sua fonte. A ansiedade provavelmente o trouxe aos pés de lótus do Mestre o mais breve
que pôde. A próxima visita deve ter ocorrido ao final de uma semana, porque no decorrer dela, ele teve
que atender ao colégio. Por natureza, sempre que a mente estava ocupada com qualquer problema,
Narendra não dava atenção à comida, roupa ou lazer e não tinha sossego até que pudesse resolvê-lo. Por
conseguinte, é provável que sua mente estivesse numa condição similar devido ao esforço para
compreender o Mestre. Provavelmente, na terceira visita ao Mestre ele deve ter ido com a mente
bem firme e vigilante para não sucumbir à sua influência, como na ocasião anterior. Mas o que
aconteceu foi inconcebível.
7. Nessa ocasião o Mestre pediu-lhe para acompanhá-lo num passeio até a chácara de Jadu
Mallick, talvez porque haveria uma multidão no templo de Kali, ou por qualquer outra razão. O próprio
Jadunath e sua mãe tinham grande respeito e reverência pelo Mestre. Havia dado ordens ao

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funcionário chefe da chácara para que, mesmo se eles estivessem ausentes, abrisse a sala de visitas
que dá frente para o Ganga, a fim de que o Mestre se sentasse quando chegasse. Naquele dia o
Mestre caminhou com Narendra durante algum tempo na chácara, na margem do Ganga. Conversando
com Narendra, chegou à sala de visitas, sentou-se e entrou em êxtase. Pouco tempo depois estava
Narendra sentado perto, calmamente observando aquele estado do Mestre, quando este último
subitamente aproximou-se e tocou-o como anteriormente. Embora tenha treinado tomar muito cuidado
por causa de sua experiência anterior, Narendra ficou completamente tomado por aquele poderoso
toque. Naquele dia perdeu completamente a consciência, não de maneira parcial, como antes. Ao
retornar à consciência, depois de algum tempo, viu que o Mestre estava passando a mão em seu
peito. Ao vê-lo voltar a seu estado normal, o Mestre sorriu.
Narendra não nos falou nada a respeito da natureza da experiência que teve depois de ter
perdido a consciência. Pensamos que tivesse sido algo secreto. Mais tarde, porém, compreendemos
o que o Mestre certo dia, nos falou a respeito desse acontecimento, de que era normal para Narendra
não se lembrar de nada. Disse:
8. "Quando Narendra perdeu a consciência normal, fiz-lhe muitas perguntas, tais como
quem ele era, de onde viera, porque nasceu, quanto tempo ficaria neste mundo e assim por
diante. Mergulhando nas profundezas de seu ser, deu respostas corretas a todas essas perguntas.
Estas respostas confirmaram o que eu pensara, vira e soubera a respeito dele em minhas visões. É
proibido revelar estas coisas. Mas soube que no dia em que ele viesse a saber quem era, não mais
permaneceria neste mundo, mas abandonaria imediatamente o corpo por meio da Yoga, com o forte
poder da vontade. Narendra é uma grande alma, perfeita na meditação." Mais tarde o Mestre nos
contou novamente, um pouco mais a respeito das visões que tivera com Narendra. Ao saber dessas
visões, compreendemos que ele as tivera antes de Narendra o visitar em Dakshineswar. O Mestre
disse:
9. "Um dia vi que, através do Samadhi, minha mente elevava-se por um caminho luminoso. Indo
além do mundo denso ocupado pelo sol, a lua e as estrelas, entrou primeiro no mundo sutil das idéias.
Quanto mais se elevava a camadas cada vez mais sutis daquele plano, mais eu via lindas formas ideais de
divindades que moravam em ambos os lados do caminho. Gradualmente atingi a última extremidade
daquela região. Vi uma barreira de luz separando o campo do Divisível e do Indivisível. Pulando, a
mente entrou gradualmente até o campo do Indivisível. Vi que não havia nem pessoa nem coisa com
forma. Como se tivesse com medo de penetrar, porque os deuses e deusas que possuem corpos
celestiais, exercem sua autoridade somente sobre planos inferiores. Mas logo vi sete Rishis (sábios)
com corpos formados somente de Luz Divina, sentados em Samadhi. Senti que em virtude e
conhecimento, amor e renúncia, haviam ultrapassado até os deuses e deusas, isso para não falar dos
seres humanos. Atônito, estava refletindo sobre sua grandeza quando vi diante de mim que uma parte
da massa homogênea de Luz da "Morada do Indivisível" que se solidificou e tomou a forma da Criança
Divina. Descendo até um desses Rishis e passando os suaves e delicados braços em torno do seu
pescoço, a Criança Divina abraçou-o e em seguida chamou-o com palavras ambrosíacas, mais doce do
que a música da Vina, fazendo grande esforço para tirá-lo do Samadhi. O Rishi levantou-se ao delicado e
amoroso toque e olhou para aquela maravilhosa Criança com os olhos semicerrados, sem piscar. Vendo
seu rosto brilhante, cheio de alegria à vista da Criança, pensei que Ela era o tesouro de seu coração e que
a familiaridade entre eles era eterna. A extraordinária Criança Divina expressou alegria infinita e disse-
lhe, 'Estou indo, você deve vir comigo!' O Rishi nada respondeu a esse pedido, mas seus olhos
amorosos expressavam seu consentimento vindo do coração. Depois, olhando a Criança com olhos
amorosos, entrou novamente em Samadhi. Atônito, vi então que parte da mente e corpo daquele Rishi,
convertido na forma de uma lua brilhante, desceu à terra pelo caminho inverso. Mal vi Narendra pela
primeira vez reconheci que o Rishi1 (1 O Mestre descreveu-nos esta visão com sua extraordinária e simples linguagem.
É-nos impossível reproduzir com perfeição o que disse. Não havendo outra maneira, conservamos sua linguagem como podemos
e a exprimimos aqui de forma abreviada. Um dia ao lhe perguntarmos a respeito da Criança de sua visão, soubemos que o próprio
Mestre havia assumido a sua forma.) era ele."
10. Narendra deve ter ficado perplexo quando aquela mudança em seu estado mental produziu-se
pela segunda vez por influência do maravilhoso poder do Mestre. Sentiu no fundo do coração quão fraco
era o poder de sua mente e intelecto, comparado com aquele poder divino invencível. Sua impressão
anterior sobre o Mestre, de que era um maníaco mudou, mas não se pode dizer que compreendera o
significado e objetivo do que o Mestre lhe dissera em particular por ocasião de sua primeira visita a
Dakshineswar. O Mestre, ele sentiu, deve ter uma alma extraordinariamente elevada dotada de poder
divino para ter mudado à vontade a mente de um homem como ele e dando-lhe uma direção mais
elevada. Com isso também compreendeu que, como a vontade do Mestre estava completamente
identificada com a vontade Divina, sua condescendência com ele naquele dia havia sido uma rara bênção,

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não acessível a todos e que havia tido uma grande sorte ao obter a graça dessa alma sublime sem ter
pedido.
11. Narendra foi forçado a chegar a esta conclusão e em conseqüência, mudou muitos os seus
conceitos anteriores. Antes relutava em aceitar outro homem como Guru ou guia espiritual; porque
como humano, devia necessariamente estar sujeito a todas as fraquezas e limitações e assim, não
fazia sentido submeter-se a outro ser humano e obedecer às suas ordens de forma inquestionável. Esta
atitude foi confirmada quando se filiou ao Brahmo Samaj. Como resultado dos acontecimentos desses dois
dias, suas convicções a esse respeito ficaram seriamente abaladas. Compreendeu que aquelas almas,
embora raras, realmente nascem no mundo - almas cujo amor, pureza, austeridade e renúncia
extraordinária ultrapassam em muito a concepção de Deus que existe nas mentes pequenas dos
homens comuns. Portanto, se forem aceitos como Gurus, os homens comuns serão altamente
beneficiados. Em conseqüência, agora estava disposto a aceitar o Mestre como Guru; mas ainda não
estava no ponto de aceitar indiscriminadamente tudo o que ele dizia.
12. A idéia de que Deus não poderia ser realizado sem renúncia prevalecia em sua mente desde
a infância. Deve ter sido devida às impressões que trouxera de existências anteriores. Isto contribuiu
para o fato de que, embora tenha se tornado um membro regular do Brahmo Samaj, jamais
freqüentou as reuniões e associações para a reforma da instituição do casamento. Esta idéia de
renúncia, latente nele, agora cresceu porque teve o abençoado privilégio de encontrar o Mestre que a
tudo renunciara.
13. Uma coisa, contudo, tornou-se sua maior preocupação desde então. Ao entrar em contato
com tais grandes e poderosas almas, a mente humana, pensava, geralmente acredita em todas as
palavras que elas dizem sem pesá-las corretamente ou mesmo sem pesá-las. A todo custo devia se
resguardar contra isso, pensou. Por conseguinte, embora ele agora dedicasse grande respeito e
reverência ao Mestre devido aos acontecimentos descritos acima, estava determinado a jamais aceitar
nada a respeito das visões e experiências dele sem pessoalmente ter um conhecimento imediato
delas ou submetê-las ao mais rigoroso teste da razão, mesmo que incorresse no desagrado do Mestre.
Conseqüentemente, se de um lado estava inclinado a manter a mente sempre pronta para receber as
verdades desconhecidas do mundo espiritual, do outro, resolveu submeter o maravilhoso comportamento
e visões do Mestre a um severo teste.
14. No primeiro encontro com o Mestre, Narendranath considerou-o um maníaco, por causa das
estranhas palavras com as quais o Mestre dirigiu-se a ele. Porém o agudo intelecto de Narendra achou
que aquelas palavras deveriam ter um significado consistente, se o Mestre fosse uma Encarnação. Mas
como poderia sua mente racional, que buscava a Verdade, aceitar esse fato subitamente? Assim decidiu que
se Deus algum dia lhe desse o poder de compreender aquelas palavras e acontecimentos, ele as discutiria.
Deixando o problema num canto distante da mente, dedicou-se agora a aprender e discutir com o Mestre
como realizar Deus e ser abençoado.
15. Uma pessoa de mente poderosa sente grande resistência interior na hora de aceitar uma
verdade nova que vai mudar suas antigas convicções. Narendra estava naquele estado. Embora
familiarizado com o poder maravilhoso do Mestre, não podia aceitá-lo completamente apesar de sentir
atraído.

CAPÍTULO V

O AMOR DESINTERESSADO DO MESTRE E NARENDRANATH


ASSUNTOS: 1. As extraordinárias experiências de Narendra no início de sua vida. 2. A experiência direta
de Narendra sobre os poderes divinos do Mestre. 3. Narendra estava preparado para a espiritualidade. 4.
A atração do Mestre por Narendra. 5. A tentativa do Mestre para dar a Narendra o Conhecimento de
Brahman no primeiro dia. 6. A diferença entre a experiência maravilhosa de Narendra do primeiro e do
segundo dias. 7. A apreensão do Mestre a respeito de Narendra. 8. Porque o Mestre foi atraído para
Narendra. 9 . Essa atração nada mais era do que natural e inevitável. 10. O amor do Mestre por Narendra
não era mundano. 11. O testemunho de Swami Premananda sobre aquele amor. 12. A primeira visita de
Swami Premananda a Dakshineswar. 13. Sua experiência sobre a solicitude do Mestre por Narendra. 14.
Vaikunthanat a respeito do amor do Mestre por Narendra. 15. Narendra permanece intocado pelo amor do
Mestre.

1. Narendranath, como já dissemos, nasceu com raras e nobres tendências, o que foi
responsável pelo grande número de experiências espirituais que teve, antes mesmo de
conhecer o Mestre. Costumava dizer: "Durante toda minha vida vi um maravilhoso ponto de
luz entre minhas sobrancelhas, logo que fechava os olhos para dormir e costumava observar

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atentamente suas várias mudanças, de forma que, para vê-lo bem, deitava-me na cama como
as pessoas que se inclinam profundamente tocando o chão com a testa. Gradualmente esse
ponto extraordinário mudava de cor e aumentava de tamanho, tomando a forma de uma bola
que por fim arrebentava e cobria meu corpo da cabeça aos pés, com uma luz líquida. Logo que
isso acontecia, perdia a consciência e pegava no sono. Pensava que todo mundo, antes de
dormir, tinha a mesma experiência. Durante muito tempo tive essa impressão. Quando cresci e
comecei a praticar meditação, o ponto de luz aparecia diante de mim logo que fechava os olhos
e eu me concentrava nele. Naqueles dias praticava diariamente meditação com alguns amigos
segundo a instrução do Maharshi Devendranath. Conversávamos sobre a natureza das visões e
experiências que cada um tivera. Só então vim a saber que eles jamais haviam tido a visão da
luz e que nenhum dormia daquela maneira.
"Também, desde minha infância, quando às vezes acontecia de ver alguma coisa, lugar
ou pessoa, tinha a impressão de que me eram familiares. Pensava que já as vira
anteriormente em outro lugar. Tentava me recordar mas não conseguia, porém isso jamais
pôde me convencer de que não as havia visto antes. Isso acontecia com muita freqüência. Se
eventualmente estivesse na companhia de amigos em algum lugar e ocorresse uma discussão
sobre certo assunto, e alguém fizesse um comentário, imediatamente eu me recordava, 'Ah!
Conversei com eles a esse respeito nesta casa, há muito tempo atrás e naquela época essa
pessoa também fez o mesmo comentário. Tentava lembrar-me, mas não conseguia saber
quando e aonde havia falado assim com eles. Ao tomar conhecimento da doutrina do
renascimento, pensei que talvez pudesse ter conhecido aqueles lugares e pessoas na vida
passada e que uma recordação parcial às vezes vinha à minha mente daquela maneira. Mais
tarde fiquei convencido de que aquela conclusão a respeito não era razoável. Agora1 (1 Narendra
falou-nos dessa sua extraordinária experiência depois que ficamos íntimos dele, mas chegou a essa conclusão final somente na última
parte de sua vida.) tenho a impressão de que antes de nascer devo ter visto, como num filme
cinematográfico, as pessoas que me seriam familiares nesta vida e que depois que nasci, a
recordação desses fatos surgiam de vez em quando em minha mente."
2. Ao ouvir2 (2 Ao chegar a Dakshineswar, Narendra ia se apresentar ao exame vestibular na General Assembly's
Institution de Calcutá. O erudito Sr. Hastie, de mente liberal, era o diretor da faculdade. Narendranath tinha em alto conceito aquele
senhor inglês, pela sua genialidade múltipla, vida pura e tratamento afetuoso aos estudantes. Um dia, como o professor de literatura
subitamente caísse doente, o sr. Hastie substituiu-o na aula. No decorrer de uma discussão a respeito dos poemas de Wordworth,
mencionou que o poeta entrou em transe enquanto observava a Natureza. Como os estudantes não compreenderam o que era um
transe, explicou-lhes corretamente e por flm disse, "Este estado é produzido pela pureza mental e concentração num determinado
objeto. Raramente vê-se uma pessoa capacitada a entrar nesse estado. Entre os contemporâneos vi Ramakrishna Paramahamsa atingi-
lo. Compreenderão se forem, pelo menos uma vez, vê-lo nesse estado." Ouvindo assim falar do Mestre pela primeira vez pelo sr.
Hastie, Narendra viu o Mestre em primeiro lugar na casa de Surendra. Também, como freqüentava o Brahmo Samaj, pode ter ouvido
falar dele lá.) de muitas pessoas a respeito da vida pura e do êxtase do Mestre, Narendranath foi vê-
lo. Jamais imaginou, nem mesmo em sonho, que quando o visse seria objeto de qualquer
mudança mental ou teria qualquer experiência maravilhosa. Os acontecimentos, porém,
provaram o contrário. As experiências que anteriormente tivera pareciam lugar comum e
insignificantes comparadas com aquelas que teve naqueles dois dias de sua segunda e terceira
visitas ao Mestre. Sua inteligência incomum tinha que aceitar a derrota quando tentava sondar
a profundidade da personalidade do Mestre - o intrincado problema parecia escapar da
solução, porque não havia motivo para duvidar que fora pelo poder divino inescrutável do
Mestre que tivera aquelas experiências maravilhosas. Quanto mais refletia, mais crescia sua
admiração.
3. Ficamos perplexos ao pensar na maravilhosa experiência que Narendra teve em sua
segunda visita ao Mestre. Essa experiência, segundo as escrituras, ocorre na vida de uma
pessoa comum, como resultado de longa prática de austeridade e renúncia; e quando ocorre, o
homem fica fora de si de alegria e sente a manifestação de Deus no Guru, submetendo-se
inteiramente a ele. Narendra não agiu assim por causa de sua extraordinária capacidade
espiritual. Não se perdeu completamente em si, somente porque era muito elevado. Durante
muito tempo dedicou-se também a testar o caráter e a conduta do Mestre. Embora tenha
podido se controlar e não tenha se refugiado completamente no Mestre, é inegável que ficara
grandemente atraído para ele.
4. O Mestre, por sua vez, também sentiu uma forte atração por Narendra desde o dia em
que o conheceu. Possuindo o conhecimento imediato de Brahman, o elevado Guru tornou-se
inquieto devido ao grande e ansioso desejo de doar imediatamente todas as realizações de sua
vida espiritual à mente do valoroso discípulo. Aquela profunda ansiedade não pode ser medida.
Essa intranqüilidade sem motivo, livre do mais leve traço de egoísmo, ocorre pela vontade
divina nas mentes dos Gurus que são perfeitamente equilibrados e felizes somente no Ser. É

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sob este tipo do mais elevado impulso que os instrutores transmitem o conhecimento aos
discípulos competentes e os ajudam a quebrar os grilhões e a atingir a perfeição 3. (3 Este fato é
conhecido nas escrituras como iniciação Sambhavi IV 4.)
5. Não há dúvida que o Mestre teve vontade de induzir Narendra imediatamente ao
êxtase, tornando-o um conhecedor de Brahman desde o primeiro dia em que chegou sozinho a
Dakshineswar. Porque quando, três ou quatro anos mais tarde, Narendra refugiou-se
completamente no Mestre e repetidamente pedia para conceder-lhe Nirvikalpa Samadhi, o
Mestre referiu-se ao acontecimento e disse, através de gestos, em nossa presença, "O que?
Não foi você que falou que tinha pais para servir?" "Olhe," disse noutra ocasião, "um homem
morreu e tornou-se um fantasma. Viveu sozinho durante muito tempo e sentiu intensamente a
necessidade de ter um companheiro. Sempre que sabia que alguém sofrera um acidente e
morrera, corria para o lugar, pensando que poderia conseguir o tão desejado companheiro;
porque as pessoas acreditam que aqueles que morrem assim transformam-se em fantasmas.
Mas o fantasma viu, com muita tristeza, que o homem morto havia escapado, ou pelo poder da
água do Ganga ou por qualquer outro agente purificador. Assim voltava cada vez bastante
decepcionado e foi forçado a ter uma vida solitária. O desejo do pobre rapaz de arranjar um
companheiro jamais foi satisfeito. Estou nessa mesma posição. Ao vê-lo, pensei, 'desta vez
talvez eu tenha um companheiro.' Mas você também disse que tinha pais. Assim não pude ter
um companheiro." Dessa forma o Mestre referia-se ao acontecimento, muitas vezes brincando
com Narendra.
6. Notando o terrível medo de Narendra quando estava no ponto de atingir Samadhi, o
Mestre parou de fazer novos esforços para elevar a mente àquele elevado nível, pelo menos
naquele momento. O Mestre, contudo, foi assaltado por dúvidas. Não estava muito convicto das
visões e experiências que tivera algum tempo atrás a respeito de Narendra. Esta foi, talvez, a
razão porque o sobrecarregou com seu poder, quando Narendra veio a Dakshineswar pela
terceira vez e soube por ele dos muitos segredos de sua vida. Sua ansiedade só terminou
quando viu que as respostas de Narendra às suas perguntas coincidiam exatamente com suas
próprias visões. Isto prova que Narendra não teve o mesmo tipo de êxtase em Dakshineswar,
em ambos os dias.
7. De certa maneira depois do teste o Mestre ficou livre de ansiedade, mas alguma
preocupação ainda o rondava. O Mestre havia observado que Narendra, tinha em si de maneira
completa, as dezoito qualidades ou manifestações de poder. A posse de apenas uma ou duas
permite ao homem conquistar fama e influência no mundo. Compreendeu que essa
concentração de poderes poderia levá-lo a um resultado oposto ao desejado se Narendra não
os dirigisse para um canal espiritual a fim de realizar a Verdade Suprema sobre Deus, do homem
e do mundo. Se isso acontecesse, Narendra fundaria uma nova seita ou religião e ficaria
famoso no mundo, como outros líderes espirituais ou profetas. Neste caso não lhe seria possível
primeiro atingir a iluminação, para depois disseminar a grande verdade do mundo espiritual,
cuja realização e propagação constituíam as necessidades gritantes da época moderna e o
mundo ficaria desprovido de sua maior bênção. Por conseguinte, surgiu um ardente desejo no
coração do Mestre para que Narendra o seguisse em todos os aspectos e, como ele, tivesse o
conhecimento imediato das grandes verdades espirituais para revelá-las ao mundo. O Mestre
costumava dizer, "Assim como são vistas plantas daninhas crescendo nos reservatórios,
pequenos lagos etc., onde não há água corrente, assim também seitas confinadas a círculos
estreitos surgem sempre que o homem permanece satisfeito com as verdades espirituais
parciais, considerando-as totais." Fica-se surpreso ao pensar de quantas maneiras o Mestre
tentou tornar Narendra preparado para a verdade perfeita, senão ele, possuidor de uma
inteligência e qualidades mentais extraordinárias, se desviaria e formaria uma seita própria.
8. Essa estranha e forte atração do Mestre por Narendra, sentida desde o primeiro
encontro, não diminuiu até que ele ficou convencido de que não havia mais possibilidade de
Narendra se desviar. Refletindo um pouco sobre este fato, vemos que algumas de suas causas
estavam enraizadas nas extraordinárias visões do Mestre sobre Narendra, no medo de que,
sofrendo a influência da era moderna, ele pudesse deliberadamente atrelar-se a grilhões, como
o desejo de esposa, riqueza ou fama e assim, falhar em alcançar, mesmo que parcialmente, o
objetivo supremo de sua vida.
9. Como resultado do longo período de Sadhana do Mestre e de sua renúncia, a
consciência individual limitada desapareceu e ele ficou eternamente identificado com a causa
do universo e sentiu o trabalho do Senhor de fazer bem à humanidade como se ela fosse dele.
Pelo poder desse Conhecimento, veio a saber que era vontade da benigna Pessoa que tudo
permeia, que o grande trabalho de remover as causas do declínio da religião na era moderna

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deveria ser feito, tendo seu corpo e mente como instrumentos. Foi através do poder desse
Conhecimento que soube que Narendra não havia nascido para se apegar aos pequenos e
insignificantes fins egoístas, mas que tinha descido à terra, por intenso amor a Deus, para
ajudá-lo no trabalho de fazer bem à humanidade. Por conseguinte, a atração do Mestre por
Narendra foi algo natural e inevitável.
10. Não podemos avaliar quão intensamente o Mestre considerava Narendranath como seu
e quão profundamente o amou desde o dia em que o viu pela primeira vez. Neste caso não havia
as razões comuns que fazem as pessoas mundanas a considerar as outras como suas e dedicar-
lhes amor. Contudo jamais vimos, em qualquer lugar, algo comparável à alegria sentida pelo
Mestre na companhia de Narendra ou à ansiedade, quando separado dele. Nem antes tivemos
idéia de como um homem poderia amar outro tão intensamente sem qualquer motivo egoísta.
Quando víamos o maravilhoso amor do Mestre por Narendra, ficávamos convencidos de que o
mundo certamente iria testemunhar o dia em que o homem realizaria a manifestação de Deus
em outro e se sentiria abençoado por despejar verdadeiramente amor desinteressado naquela
manifestação.
11. Swami Premananda pela primeira vez visitou o Mestre logo depois de Narendra.
Narendra não pôde vir a Dakshineswar por aproximadamente uma semana, e Premananda
admirou-se ao ver a dor do Mestre pela separação de Narendra e falou-nos a esse respeito,
diversas vezes.
12. Certa vez disse, "Swami Brahmananda e eu fomos ao Ghat Haltkhoa tomar o barco,
quando vi Ramdayal Babu. Ao saber que ele também ia a Dakshineswar, entramos todos no
barco e quase ao entardecer chegamos ao templo de Kali da Rani Rasmani. Quando entramos
no quarto do Mestre disseram-nos que ele fora adorar a Mãe do Universo. Pedindo-nos para
ficar, Swami Brahmananda foi ao templo buscá-lo. Eu o vi segurando o Mestre com muito
cuidado e ao chegar disse, 'Degraus - suba aqui, desça aqui' e assim por diante. Eu já ouvira que
o Mestre costumava ser tomado de emoções e perder a consciência normal. Por conseguinte, ao
vê-lo chegar daquele jeito, cambaleando como um bêbado, percebi que estava em êxtase. Entrando
no quarto, naquele estado, sentou-se no pequeno divã. Ao voltar ao estado normal, fez-me
algumas perguntas sobre minha pessoa e relações e começou a examinar os traços de meu
rosto, mãos, pés etc. Segurou por algum tempo meu antebraço, do cotovelo até os dedos, para
sentir o peso e disse, 'Bom'. Somente ele sabia o que isso significava. Depois perguntou a
Ramdayal Babu sobre a saúde de Narendra. Ouvindo que estava bem, o Mestre disse, 'Há muito
tempo não vem aqui, gostaria de vê-lo. Por favor peca-lhe para vir.'
13. "Algumas horas foram agradavelmente passadas, com conversas religiosas.
Comemos depois das dez da noite e deitei-me na varanda. Arranjaram camas no quarto para o
Mestre e Swami Brahmananda. Mal havia passado uma hora, o Mestre saiu do quarto, com a roupa
debaixo do braço, aproximou-se de nossas camas e dirigindo-se a Ramdayal Babu, perguntou
afetuosamente, 'Estão dormindo?' Pulamos da cama rapidamente e respondemos, 'Não, senhor.'
O Mestre disse, 'Olhem, como não vejo Narendra há muito tempo, sinto como se minha alma
estivesse sendo violentamente torcida como uma toalha molhada. Por favor, peca-lhe que venha
ver-me uma vez. Trata-se de uma pessoa de puro Sattva, é o Próprio Narayana; não posso ter
paz de espírito se não estiver com ele de vez em quando.' Ramdayal Babu vinha frequentando
Dakshineswar há algum tempo, por isso conhecia a natureza infantil do Mestre. Vendo o
comportamento do Mestre, como o de um menino, percebeu que ele estava em êxtase. Tentou
consolá-lo, dizendo que veria Narendra de manhã e lhe pediria para vir. O Mestre, porém, não ficou
de todo aliviado naquela noite. Sabendo que não estávamos sossegados, retirava-se para o
quarto de vez em quando por algum tempo, mas pouco tempo depois, esquecia-se e vinha até
nós, começando a falar das boas qualidades de Narendra, expressando tristemente sua terrível
angústia pela longa ausência de Narendra. Vendo aquela terrível dor por causa de sua
separação com ele, fiquei muito admirado e pensei, 'Que maravilhoso é esse amor! Que coração
duro deve ter essa pessoa com alguém que entretém o anseio que o impele a comportar-se de
maneira tão patética! A noite passou assim. De manhã fomos ao templo reverenciar a Mãe Divina,
e então, inclinando-nos aos pés do Mestre, despedimo-nos e voltamos a Calcutá."
14. Certo dia, em 1883, Sri Vaikunthanath Sannyal veio a Dakshineswar e viu o Mestre
extremamente ansioso, porque Narendranath não o visitava há muito tempo. Sannyal disse,
"A mente do Mestre estava tomada por Narendra: só falava das boas qualidades de Narendra,
'Narendra', disse ele dirigindo-se a mim, 'é um homem de puro Sattva, é um dos quatro da
"Morada do Invisível" e um dos sete Rishis! 4 (4 Sanaka, Sanandana, Sanatana e Santkumara são os quatro e os
sete incluem mais três - Sana, Sanat-sujata e Kapila.) Não há limite para suas boas qualidades." Assim

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falando, o Mestre muito preocupado derramando incessantes lágrimas, como a mãe separada
do filho. Vendo-o incapaz de se controlar, ficamos muito intrigados com o significado daquele
comportamento. Então ele foi, com rápidas passadas até a varanda norte do quarto. Depois de
chorar amargamente por algum tempo, soluçou em alta voz, 'Ah! Não posso passar sem vê-lo!'
Controlando-se um pouco, entrou no quarto e sentou-se perto de nós, dizendo pateticamente,
'Chorei tanto, mas Narendra não veio. A saudade em vê-lo produziu uma angústia terrível, como
se o coração estivesse sendo torcido, mas ele não entendeu a intensidade da atração que sinto
por ele.' Assim falando, ficou novamente preocupada e saiu do quarto. Voltando pouco mais
tarde, disse, 'O que vão pensar ao ver que eu, um homem de idade avançada, estjve chorando
e ansiando tanto por ele? Com vocês, contudo, sendo meus íntimos, não me sinto envergonhado,
mas o que os outros pensarão ao ver-me assim? Não consigo de jeito algum controlar-me.'
Ficamos sem palayras ao ver o amor do Mestre por Narendra. Pensávamos que Narendra
deveria ser alguém igual a Deus, senão por que o Mestre estaria tão atraído por ele? Dissemos
para consolá-lo, 'Ah, ele está. Sabe que o senhor sente muita dor com sua ausência e apesar
disso, não vem.'
Pouco tempo depois desse acontecimento, um dia o Mestre apresentou-me a Narendra.
Vi que o Mestre ficava tão feliz junto a Narendra, como ficava preocupado quando separado dele.
Mais tarde fomos a Dakshineswar, no aniversário do Mestre. Os devotos, aquele dia,
arrumaram-no de maneira muito bonita - vestiram-no com roupa nova e enfeitaram-no com
grinaldas de flores, pasta de sândalo etc. Cantava-se o Kirtan na varanda que dava para o
leste de seu quarto, perto do jardim. Cercado pêlos devotos, o Mestre ouvia o Kirtan, ora
entrando em êxtase, ora tornando o Kirtan mais interessante ao improvisar um verso ou dois.
Ele, contudo, não podia desfrutar completamente a felicidade, devido à ausência de Narendra.
De vez em quando, olhava ao redor e dizia-nos, 'Vejo que Narendra não veio,' Mais ou menos
ao meio-dia Narendra chegou e inclinou-se a seus pés. Logo que o Mestre o viu, deu um salto,
sentou-se em seus ombros e entrou em êxtase. Depois, voltando ao estado normal, passou a
conversar e dar-lhe comida. Naquele dia não mais ouviu o Kirtan."
15. Fica-se bastante surpreso ao pensar naquele intenso amor que Narendra recebia do
Mestre. Compreendemos quão forte era o amor de Narendra pela verdade, ao vermos que
apesar daquele fluxo de amor desinteressado, fora do comum e incessante, continuava firme e
irredutível, testando o Mestre, a fim de que pudesse alcançar totalmente a verdade. Se de um
lado isso era surpreendente, de outro não era menos surpreendente a magnanimidade e a
ausência de egoísmo do Mestre. Quando se vê que em vez de se sentir ferido com aquela
atitude imprópria de Narendra, o Mestre deixou-se ser testado a fim de que aquele discípulo
pudesse realizar as verdades espirituais, amplamente investigadas e verificadas por ele mesmo
- a surpresa ultrapassa todos os limites. Assim, quanto mais estudamos a relação do Mestre
com Narendra, mais ficamos encantados, de um lado, por ver a determinação de Narendra em
aceitar as coisas somente depois de testá-las e do outro, observar a ansiedade do Mestre em
transmitir as elevadas verdades espirituais para o discípulo mesmo que isto significasse
suportar a humilhação de testes e críticas. Por este estudo compreendemos como o verdadeiro
Guru ensina o discípulo altamente qualificado. Conservando suas atitudes espirituais, o Mestre
por fim, veio ocupar o lugar de estima e reverência no seu coração.

CAPÍTULO VI – SEÇÃO I

O RELACIONAMENTO MARAVILHOSO ENTRE O MESTRE E NARENDRANATH


ASSUNTOS: 1. Por quanto tempo Narendra esteve na companhia do Mestre. 2. Cinco aspectos do
comportamento do Mestre para com Narendra. 3. A atitude do Mestre baseada nas maravilhosas visões. 4. A razão
pela qual o Mestre testou Narendra. 5. Como o Mestre considerava Narendra. 6. A opinião errônea que tinham as
pessoas comuns a respeito de Narendra. 7. O autor ouviu o elogio do Mestre sobre Narendra. 8. A primeira
impressão errônea do autor a respeito de Narendra. 9. O primeiro encontro do autor com Narendra na casa de
um amigo. 10. A conduta exterior de Narendra naquela época. 11. A conversa de Narendra sobre literatura com
o amigo. 12. O autor veio a conhecer a grandeza de Narendra através do Mestre. 13. O Mestre reconheceu
Narendranath desde o começo. 14. O Mestre elogia Narendra publicamente: a razão para esse ato. 15. O
Mestre a respeito dos poderes inerentes de Narendra. 16. O protesto de Narendra a esse respeito. 17. O poder
de argumentação de Narendra. 18. Um exemplo: o Mestre vai ao General Brahmo Samaj ver Narendra. 19. O
resultado desse fato. 20. Luzes acesas para dispersar a multidão. 21. Narendra acompanha o Mestre até
Dakshineswar. 22. Narendra reclama do Mestre porque ele o ama tanto.

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1. Narendranath teve o privilégio de desfrutar a sagrada companhia do Mestre durante cinco
anos. O leitor talvez pense que ele passou aqueles anos continuamente aos sagrados pés do Mestre
em Dakshineswar, mas não foi assim. Nesse período ele, como todos os outros devotos de Calcutá,
costumava visitar o Mestre, porém ia a Dakshineswar em intervalos curtos, uma vez que se tornara
desde o começo objeto especial do amor infinito do Mestre. Gradualmente passou a ser considerada
uma obrigação especial de Narendra, ir uma ou duas vezes por semana e, quando tinha tempo
livre, passar dois, três ou mais dias. Não que não houvesse quebra desta regra de vez em quando, mas
tendo sido grandemente atraído para ele desde o começo, o Mestre não lhe permitia mudar aquela
rotina com freqüência. Quando, por qualquer razão, Narendra não podia ir a Dakshineswar por uma
semana, o Mestre ficava preocupado, enviando-lhe recados e ele voltava, ou então o próprio Mestre ia
a Calcutá e passava algumas horas com Narendra. Até onde sabemos, não houve quebras nessas
visitas regulares de Narendra a Dakshineswar, nos dois anos sub-sequentes à sua apresentação ao
Mestre, mas ele foi obrigado a mudar esse hábito quando a responsabilidade de gerenciar os negócios
da família caiu em seus ombros, após a morte súbita do pai, um pouco antes do exame vestibular, no
começo de 1884.
2. Ao analisarmos o relacionamento do Mestre com Narendra naqueles cinco anos,
encontramos cinco fases principais: Em primeiro lugar do começo das visitas de Narendra, quando o
Mestre tomou conhecimento, através de sua visão interior, que uma pessoa altamente qualificada como
Narendra era muito rara no mundo espiritual e que nascera para ajudá-lo no trabalho que a Mãe Divina
lhe confiara, isto é, o trabalho de renovar a Religião Eterna a fim de atender às necessidades da
época moderna. Em segundo lugar, prendeu Narendra a si mesmo para toda a eternidade com a
corda da fé e do amor. Em terceiro lugar, testou-o de diversas maneiras e confirmou a verdade de
sua visão interior relativa à grandeza de Narendra e sua missão na vida. Em quarto lugar treinou
Narendra de diversas maneiras moldando-o para ser um instrumento adequado no cumprimento de
sua missão. Em quinto lugar, quando a educação do discípulo estava completa, o Mestre instruiu Na-
rendra, agora possuidor do Conhecimento imediato de Brahman, como prosseguir em sua obra de
restabelecer a religião e por fim, confiou-lhe seu trabalho, bem como a Ordem fundada por ele.
3. O Mestre já tivera maravilhosas visões a respeito da grandeza de Narendra mesmo antes
dele ir a Dakshineswar. Foi devido à influência daquelas visões que olhava Narendra com fé e amor,
muito antes de conhecê-lo. Esta corrente de fé e amor fluiu de maneira igual no coração de Narendra
durante toda a vida do Mestre e ligou-o ao Mestre com a corda de um amor que não conhecia
ruptura. Foi contra esse pano de fundo de fé e amor que o Mestre ensinava Narendra e às vezes, o
testava.
4 . "Por que o Mestre testou Narendra, embora conhecesse sua grandeza e o propósito de sua
vinda, com ajuda de suas visões ióguicas?" A razão é que mesmo um homem-Deus como o Mestre
-para não falar de pessoas comuns - ao entrar no campo de Maya e tomar um corpo, fica com a visão
um tanto obscurecida, surgindo a possibilidade de erro com relação às coisas que vêem. É por isso que
às vezes tais testes são necessários. Explicando-nos, o Mestre dizia, "Não se pode dar uma forma
final ao ouro sem misturá-lo com um outro metal, como base." Assim sendo, até o corpo e a mente
das Encarnações não podem ser feitos de puro Sattva, mas têm que ter um pouco de rajas e tamas.
Havia, pela graça da Mãe Divina, uma maravilhosa manifestação de Conhecimento espiritual e visões
no Mestre, enquanto praticava Sadhana. Em muitas ocasiões duvidou da autenticidade daquelas
visões e só as aceitava completamente depois de testá-las. Por conseguinte, não é de se admirar que
agora testasse as maravilhosas visões a respeito de Narendra antes de aceitá-las como verdadeiras.
5. Devemos admitir que das cinco maneiras do comportamento do Mestre com relação a
Narendra, mencionadas acima, três delas - a saber, fé com amor, testes e ensino - começaram
simultaneamente. Já fizemos um breve relato da primeira maneira de conduta do Mestre para com
Narendra, isto é, sua fé e amor por ele. Falaremos muito a esse respeito mais tarde, porque a vida
do Mestre jamais estivera anteriormente tão intimamente ligada à vida de qualquer um dos
devotos que tomaram refúgio nele, como estava agora com a de Narendra. Logo que encontrava um
de seus grandes discípulos, Jesus dizia, "Construirei meu templo espiritual na fundação firme e imóvel
da vida deste homem de fé inabalável." Induzida pela Providência, esta convicção também surgiu na
mente do Mestre, no momento em que conheceu Narendra. O Mestre teve a visão de que Narendra
era seu filho e amigo, nascido para levar avante suas ordens e que a vida de Narendra e a dele
estavam eternamente entrelaçadas com a inquebrantável corda do amor. Esse amor é um exaltado
amor espiritual no qual o amante dá completa liberdade ao bem-amado, contudo mantém o outro
como seu. É um amor em que cada um sente-se feliz em dar ao outro tudo, nada desejando em
retorno. Duvidamos realmente se o mundo já conheceu um episódio de amor desinteressado como
esse do Mestre e Narendra. Somos incapazes de explicar claramente todas as fases desse amor

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extraordinário mas daremos uma indicação e depois, discutir em detalhe, o comportamento do Mestre
com relação a Narendra.
6. Assim como Narendra viu a pureza, renúncia e devoção total do Mestre e foi atraído
para ele desde o primeiro encontro, assim também, o Mestre ficou encantado ao ver sua auto-
confiança e amor à verdade e o fez íntimo desde o primeiro dia em que o encontrou. Se deixarmos
de lado as visões ióguicas a respeito da grandeza e do glorioso futuro e tentar descobrir a causa
dessa maravilhosa atração mútua, torna-se evidente o que dissemos anteriormente. As pessoas
em geral, destituídas de percepção interior, consideram a maravilhosa autoconfiança de Narendra
como arrogância, seu vigor ilimitado como insolência e seu firme amor à verdade como fingimento
ou como exemplo de um intelecto não desenvolvido. Sem dúvida chegaram a esta conclusão ao
verem sua absoluta indiferença ao elogio, sua franqueza, seu comportamento livre e sem timidez
em todos os assuntos e acima de tudo, seu desdém em esconder qualquer coisa por medo de
alguém. Antes de nos tornar amigos de Narendra, um de seus vizinhos, disse-nos a seu respeito:
"Jamais vi uma pessoa tão estragada do que aquele rapaz que mora naquela casa. Tendo obtido o
grau de bacharel em Artes, ficou extremamente arrogante, como se o mundo não existisse para ele.
Canta insolentemente na presença do pai e outras pessoas mais velhas, marcando o tempo com
timbales na palma da mão e com os dedos distendidos. Continua fumando charuto na presença dos
mais velhos do bairro -esse é seu comportamento em todos os assuntos."
7. Pouco tempo depois ouvimos do Mestre outra descrição de Narendra e de seu
comportamento, totalmente diferente. Era nossa segunda ou terceira visita a ele. Falando a Ratan,
chefe dos funcionários da chácara de Jadunath Mallick e apontando para nós, o Mestre disse, "Esses
rapazes são bons. Este passou num exame e meio (eu estava me preparando para o exame
vestibular naquele ano); é educado e calmo, mas jamais conheci outro como Narendra. É tão eficiente
em música vocal e instrumental como na aquisição de Conhecimento, conversação, e também, nos
assuntos religiosos. Noites inteiras perde a consciência durante a meditação. Meu Narendra é uma
moeda sem qualquer liga; jogue-a para o alto e ouvirá o som mais puro. Vi outros rapazes passarem
em dois ou três exames, mas com grande esforço. Aí param, são forças esgotadas, mas Narendra
não é assim. Faz tudo com a maior facilidade e passar num exame é uma bagatela para ele. Vai
também ao Brahmo Samaj onde canta músicas religiosas, mas não é como os outros Brahmos. É um
verdadeiro conhecedor de Brahman. Vê Luz ao se sentar para meditar. É por nada, que amo tanto
Narendra?" Ficamos encantados ao ouvir aquelas palavras e desejando ser apresentados a Narendra,
perguntamos: "Senhor, onde Narendra mora?" O Mestre respondeu, "Narendra é o filho de Viswanath
Datta, de Simla, Calcutá." Depois, ao retornarmos a Calcutá e fazermos perguntas, viemos a saber
que o jovem, tão elogiado pelo Mestre, era a mesma pessoa que nosso amigo, vizinho dele, caluniara
tão veementemente. Bastante admirados, refletimos como erramos em nossos julgamentos sobre o
caráter dos outros, apenas baseados nas palavras superficiais das pessoas!
8. Poucos meses antes de ouvirmos o Mestre descrever as boas qualidades de Narendra, um
dia tivemos a sorte de encontrá-lo na casa de um amigo. Naquele dia somente o vimos, mas não
falamos com ele devido a uma impressão errada. Mas as palavras que disse ficaram tão profundamente
impressas em nossa memória que mesmo depois de muitas décadas, parece que as ouvimos ontem. É
importante mencionar as circunstâncias sob as quais ouvimos aquelas palavras, do contrário não se pode
compreender porque naquela ocasião tivemos aquela má impressão a respeito de Narendra.
9. O amigo em cuja casa o conhecemos, alugara naquele dia uma casa de dois andares
defronte à de Narendra na Alameda Gaur Mohn Mukherjee, no bairro de Simla. Fomos colegas de
escola por quatro ou cinco anos. Dois anos antes de nosso amigo fazer o exame vestibular, partiu para
a Inglaterra, mas não pôde ir além de Bombaim. Frustrado em sua ambição, tornou-se editor de um
jornal, escreveu ensaios e poemas em bengali e chegou a ser autor de alguns livros. Havia se casado
pouco tempo antes. Soubemos de diversas fontes, que antes de se casar levara uma vida moral
duvidosa e que não hesitava em ganhar dinheiro por meios desonestos. Naquele dia fomos à sua casa
sem avisar.
10. Por um empregado o informamos de nossa chegada. Sentamo-nos num aposento da
parte exterior, quando um jovem entrou e refastelando-se num almofadão, completamente à
vontade, começou a cantarolar uma canção em hindi o que mostrava sua intimidade com o dono da
casa. As canções eram a respeito de Sri Krishna, porque ouvimos as duas palavras, "Kanai" e "flauta".
A canção sobre a "flauta do escuro", a aparência impecável embora não estivesse vestido à última
moda, o cabelo bem cuidado e aparentando frieza - foram fatores que confirmaram a má impressão
que tivemos dele, sobre sua familiaridade com nosso amigo sem caráter. Vendo-o comportar-se
daquela maneira sem timidez e em seguida, fumar, ignorando totalmente nossa presença, concluímos
que era um fiel seguidor de nosso amigo sem escrúpulos e que este último havia adquirido maneiras

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más ao misturar-se com rapazes. De qualquer maneira, também não fizemos nada para sermos
apresentados, pois ele tomou uma atitude de grande indiferença, embora tenha notado nossa
presença.
11. Nosso amigo de infância chegou um pouco mais tarde. Embora não nos víssemos há muito
tempo, disse-nos apenas uma ou duas palavras. Deixando-nos de lado, começou a conversar sobre
vários assuntos com o jovem. Apesar de nos sentirmos ressentidos com a indiferença com a qual nos
tratou, pensamos que seria contra a etiqueta sair de repente. Por isso sentamo-nos, ouvindo a
conversa sobre as literaturas inglesa e bengali, que nosso amigo, um literato, mantinha com o
jovem. Ao começarem a conversa, haviam concordado amplamente quanto à função da literatura de
qualidade elevada, isto é, que ela deveria expressar corretamente os sentimentos humanos, mas
surgiu uma divergência de opinião entre eles, se uma composição que expressasse qualquer tipo de
sentimento deveria ser chamada literatura, somente porque o fazia corretamente. Nosso amigo
manteve a posição afirmativa, enquanto o jovem opôs-se. Refutou a posição de nosso amigo e tentou
convencê-lo de que nenhuma composição, simplesmente pelo fato de expressar um sentimento, bom
ou mau de forma correta, poderia ser considerada uma peça de literatura de alta classe se não
apresentasse bom gosto e estabelecesse um ideal elevado. Provando sua posição, o jovem mencionou
livros de famosos literatos ingleses e bengalis, começando com Chaucer e demonstrou que cada um
deles ganhara imortalidade porque apresentava aquele elevado princípio. Concluindo, o jovem disse:
"Embora um homem tenha todos os tipos de bons e maus sentimentos, sempre se esforça para
exprimir algum determinado ideal. Somente na realização e manifestação daquele ideal particular é
que reside toda a diferença entre um homem e outro. Pensando que o desfrutar da vista, gosto etc. é
permanente e real, os homens comuns fazem desse desfrutar o ideal de suas vidas. Idealizam o que é
aparentemente real.1 (1 Esta frase foi dita em inglês.) Há uma pequena diferença entre essas pessoas e os
animais. Há uma outra classe de homens que, incapazes de ficarem satisfeitos com a realização do
prazer de desfrutar o que parece real, sentem dentro de si ideais cada vez mais elevados e estão
ansiosos para moldar todas as coisas exteriores segundo aquele modelo querem realizar o ideal.2 (2
Esta frase foi dita em inglês.) Somente esta espécie de homens cria uma verdadeira literatura. Também,
aqueles que recorreram ao Ideal Supremo e tentaram realizá-lo em vida, têm geralmente que se
afastar da vida do mundo. Vi que somente o Paramahamsa de Dakshineswar realizou aquele ideal em
vida. Por isso o reverencio."
12. Naturalmente ficamos muito admirados com a erudição do jovem e seu poder de
expressão, evidenciado pela defesa das idéias profundas. Mas ficamos desapontados ao ver que não
havia concordância entre suas palavras e sua maneira de viver; como podia estar tão intimamente
ligado a uma pessoa de mau caráter como nosso amigo? Despedimo-nos de nosso amigo. Alguns
meses depois, ouvindo do Mestre elogios a Narendra, pelas nobres qualidades de sua mente e
coração, fomos visitá-lo em sua casa para conhecê-lo. Para nosso espanto vimos, que o tão elogiado
Narendranath não era outro senão o jovem que havíamos conhecido, no outro dia, na casa de nosso
amigo.
13. Pessoas comuns sem grandes pretensões de evoluir espiritualmente, consideravam
Narendra muito arrogante, insolente e mal-educado, julgando-o apenas por sua aparência exterior;
mas o Mestre jamais caiu nesse erro. Desde o começo de seu relacionamento, compreendeu que
"arrogância e insolência" eram conseqüências de sua grande autoconfiança, que por sua vez era o
resultado dos seus extraordinários poderes mentais ocultos; que seu comportamento
absolutamente livre nada mais era do que o natural autocontrole, e que sua indiferença à opinião
das outras pessoas a seu respeito surgiu da absoluta satisfação com a pureza de seu próprio caráter.
Estava convencido de que no devido tempo, a natureza extraordinária de Narendra desabrocharia
como um lótus de mil pétalas e que ficaria totalmente estabelecido em sua glória e grandeza
incomparáveis - que entrando em choque com as árduas realidades do mundo e queimado por suas
misérias, sua arrogância e insolência se dissolveriam numa compaixão infinita; que sua
extraordinária autoconfiança restabeleceria esperanças no coração partido e que seu
comportamento livre, permanecendo nos limites em todos os aspectos, imprimiriam nos outros a
lição de que somente no autocontrole está o caminho da verdadeira liberdade.
14. Esta foi a razão do Mestre elogiar excessivamente Narendra; mas mesmo depois
permanecia insatisfeito, como sentisse a incapacidade de somente uma pessoa fazer justiça das
grandes qualidades de Narendra. Embora soubesse que uma mente fraca, ao se deparar com elogio
público, desenvolve orgulho que leva à ruína, não teve aquele cuidado com Narendra, porque estava
realmente convencido de que o coração e a cabeça de Narendra moravam numa região elevada demais
para aquela fraqueza.

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15. Um dia Kesavchandra Sen, Vijayakrishna Goswami e outros conhecidos líderes sentaram-se
perto do Mestre. O jovem Narendra também estava presente. O Mestre, em êxtase, olhava para Kesav
e Vijay com olhos compassivos. Em seguida quando seus olhos caíram em Narendra, um brilhante
quadro de seu futuro pintou-se imediatamente na tela de sua mente e comparando as vidas
plenamente desenvolvidas de Kesav e outras com a dele, olhou afetuosamente para Narendra.
Depois que a reunião acabou, disse, "Vi que Kesav tornou-se mundialmente famoso devido a um grande
poder, mas Narendra tem em si dezoito desses poderes, com maior intensidade. Vi novamente que
os olhos de Kesav e Vijay brilham pela luz do Conhecimento como a chama de um lampião, mas ao
olhar para Narendra, vejo que o próprio sol do Conhecimento surgiu em seu coração e dali
removeu o menor traço de Maya." Um homem de mente pequena, sem visão interior, ficaria cheio
de orgulho e se perderia, se tivesse sido elogiado pelo próprio Mestre, mas a reação de Narendra foi
exatamente o oposto. Sua mente, possuidora de uma extraordinária percepção interior, mergulhou
em si mesma e imparcialmente comparou sua condição com as inúmeras boas qualidades de Kesav e
Vijay. Sentindo-se indigno de tal elogio, Narendra protestou contra o comentário do Mestre, dizendo,
"Senhor, o que é isso? As pessoas o considerarão insano ao ouvir falar assim. Ah, que diferença há
entre o famoso Kesav e esse nobre coração que é Vijay de um lado, e um rapaz medíocre e
inconsequente como eu, do outro! Por favor, jamais faça tal comparação novamente." O Mestre ficou
satisfeito ao ouvir este protesto e disse afetuosamente, "O que vou fazer, meu filho? Pensa que fui
eu quem o disse? A Mãe mostrou-me tudo isso e por esta razão falei assim. A Mãe sempre me mostrou
a verdade e jamais uma coisa falsa."
16. Não era sempre que o Mestre podia convencer Narendra, dizendo simplesmente que a
Mãe o havia feito ver isto ou dizer aquilo. Duvidando da veracidade de todas essas visões do Mestre,
Narendra, por diversas vezes, disse, "Quem pode afirmar que é a Mãe que está lhe mostrando
todas essas coisas? Podem muito bem ser criações de sua mente. Se eu tivesse essas experiências,
certamente as tomaria como fantasias de meu próprio cérebro. A ciência e a filosofia provaram sem
dúvida que nossos olhos, ouvidos e outros órgãos dos sentidos muitas vezes nos enganam,
especialmente quando há o desejo de ver determinado objeto dotado de determinada qualidade. O
senhor afeiçoou-se a mim e quer me ver grande em tudo; talvez seja por isso que lhe surgem tais
visões."
17. Assim, Narendra por diversas vezes tentou explicar ao Mestre, com ajuda de
ilustrações apropriadas, como as pesquisas e investigações das modernas fisiologia e psicologia
ocidentais mostraram a natureza errônea e ilusória de todas as visões experimentadas por certas
pessoas consideradas místicas. Quando a mente do Mestre morava nos elevados planos de consciência,
encarava aquela tentativa infantil de Narendra como uma indicação de seu amor à verdade e por
esta razão ficava ainda mais satisfeito com ele. Mas quando a sincera e infantil mente do Mestre
estava no plano normal de consciência, os argumentos argutos de Narendra maravilhavam-no e
tomavam-no ansioso, de tempos em tempos. Ficava perplexo e pensava, "Ah! Narendra, veraz em
corpo, mente e fala, não é pessoa de dizer uma mentira! Está escrito nas escrituras também, que
somente idéias verdadeiras, jamais as falsas, surgiriam nas mentes de pessoas altamente verazes
como Narendra. Então há possibilidade de erro em minhas visões? Mas testei minhas visões
anteriormente e vi que a Mãe sempre me mostrou o que era verdadeiro e o que era falso. Além
disso, tive diversas provas de Sua veracidade por Sua sagrada boca. Por que então Narendra, para
quem a verdade é sua vida, diz que minhas visões são maquinações de minha imaginação? Por que
não as aceita como verdadeiras, como lhe exponho?" Muito preocupado, por fim levou o assunto à
Mãe Divina e acalmou-se ao ouvir d'ela, palavras de confiança: "Por que lhe dá ouvidos? Em breve ele
aceitará tudo isso como verdadeiro.".
18. O General Brahmo Samaj fora fundado alguns anos antes, mas agora os membros se
dividiram em dois grupos, devido à divergência de opinião sobre o casamento de CoochBihar. Embora
Narendra costumasse as vezes visitar Kesav, regularmente comparecia às reuniões do Samaj,
quando costumava cantar hinos religiosos nos serviços de domingo. Uma vez Narendra não pôde ir a
Dakshineswar por uma semana ou duas. Durante vários dias o Mestre esperou sua visita quando por
fim, desapontado, decidiu ir pessoalmente a Calcutá vê-lo. Depois, lembrou-se de que, sendo
domingo, talvez Narendra tivesse ido visitar alguém e que não o encontraria. Pensou que
certamente o veria no General Brahmo Samaj, onde Narendra iria cantar no serviço da tarde.
Sem dúvida, ocorreu-lhe que sua visita, súbita e inesperada, poderia ser inoportuna para os
devotos Brahmos. "Mas por quê?" passou pela sua cabeça logo em seguida. "Fui muitas vezes ao
Samaj de Kesav e sempre ficaram contentes. Vijay, Sivanath e outros líderes do General Brahmo
Samaj também não vieram várias vezes a Dakshineswar?" Mas ao tomar esta decisão, o simplório
Mestre esqueceu-se de um ponto importante. Não lhe ocorreu nem por um momento que, vendo a

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mudança nos ponto de vista religiosos de Kesav e Vijay depois de conhece-lo, Sivanath e muitos
outros Brahmos do General Brahmo Samaj gradualmente diminuíram suas visitas a ele. Era muito
natural para o Mestre não ter percebido, porque ao longo de sua vida havia constatado,
profundamente, que as idéias religiosas de uma pessoa sofrem mudanças radicais à medida que a
mente se eleva a planos de consciência espiritual cada vez mais altos e que ela se torna o
recipiente da graça de Deus. Portanto, como poderia o Mestre compreender que os Brahmos,
considerados amantes da verdade e ardentes lutadores por sua causa, fossem agora tomar um
curso diferente e pôr limite às experiências espirituais?
19. Era o entardecer. Os puros corações de centenas de devotos Brahmos, plenos de emoções,
pairavam alto, soprados por Mantras como "Brahman é a Verdade, Conhecimento, Infinito" (Taittiriya
Up.2.1) e ficaram absorvidos na contemplação dos pés de lótus de Deus. As orações e meditação
gradualmente chegaram ao fim, quando o Acharya dirigiu-se ao círculo dos Brahmos do altar e deu-
lhes instruções sobre como obter devoção a Deus. Foi nesse momento que o Mestre entrou no templo
Brahmo em estado de consciência parcial e dirigiu-se ao Acharya sentado no altar. Muitos dos
presentes já o conheciam. Por conseguinte as notícias sobre sua vinda não demoraram a circular na
congregação. Entre aqueles que não o conheciam, uns levantaram-se do chão e outros dos bancos,
para vê-lo. Assim instalaram-se no ambiente barulho e desordem e o Acharya teve que parar com o
sermão. Narendra, que estava sentado no círculo dos cantores, compreendeu a razão da visita
inesperada do Mestre e aproximou-se dele. Como achava que o Mestre fora o causador da diferença
de opinião entre os Brahmos, como Vijay e outros, o Acharya no altar e outros eminentes membros
do Samaj ficaram frios e indiferentes, até mesmo não apresentando a cortesia habitual dada a um
visitante.
20. O Mestre, de sua parte, chegou ao altar sem olhar para qualquer direção e entrou em
êxtase. A ansiedade do grupo, ao ver aquele estado, aumentou a confusão, sem que se notasse
qualquer sinal de arrefecimento. Ao se verificar que a ordem não podia ser restaurada, todos os
lampiões a gás no hall foram apagados a fim de dissolver a reunião em desordem, o que tornou a
confusão ainda maior, porque todos se precipitaram para a porta.
21. Quando Narendra viu que ninguém no Samaj ia dar boas vindas ao Mestre, levantou-se
rapidamente. Ansiosamente procurou tirar o Mestre do hall, na escuridão. Logo depois, quando o
êxtase terminou, Naren trouxe-o para fora com grande dificuldade pela porta dos fundos do Samaj,
colocou-o numa carruagem e escoltou-o até Dakshineswar. Narendra disse, "É impossível descrever a
dor que senti ao ver o Mestre maltratado por minha causa. Ah, quanto o recriminei por seu ato! Mas
ele nem ficou ferido com a humilhação, nem deu ouvidos às minhas palavras, satisfeito como estava
de me ter a seu lado.
22. "Vendo que o Mestre não cuidou de si mesmo por amor a mim, em diversas ocasiões não
hesitei e disse-lhe palavras duras: 'O Rei Bharata, dizem os Puranas, pensava continuamente em seu
veadinho e após sua morte renasceu como esse bichinho. Se isso é verdade, preste atenção nas
conseqüências do fato do senhor pensar tanto em mim. Por favor, fique alerta.' O Mestre, simples como
um menino, ficou muito perturbado ao ouvir aquelas palavras e disse, 'Você está certo! Ah, meu
filho! Que calamidade se isto acontecer! Mas não posso passar sem você. O que devo fazer?'
Triste e assustado, o Mestre foi falar com a Mãe Divina. Voltou pouco depois, radiante de alegria e
disse, 'Fora! Nunca mais vou dar ouvidos às suas palavras. A Mãe disse: 'Você olha-o como o próprio
Narayana; e é por isso que o ama. No dia em que não vir Narayana nele, não mais poderá lançar-lhe
um olhar.' Naquele dia o Mestre descartou com uma palavra, todas as objeções que eu fizera contra
seu amor por mim."

CAPÍTULO VI - SEÇÃO 2

O MARAVILHOSO RELACIONAMENTO DO MESTRE E NARENDRANATH


ASSUNTOS: 1. As palavras do Mestre a respeito da grandeza de Narendra, 2. Comida trazida pêlos
devotos Marwaris. 3. A devoção de Narendra não é afetada pela comida. 4. O progresso de Narendra.
5. O Mestre manda Sri M. manter um debate com Narendra. 6. Kedarnath Chattopadhyaya, o devoto.
7. O poder de raciocinar de Kedar. 8. Narendra e Kedar. 9. Narendra e Rakhal. 10. Narendra reluta a
aceitar o não-dualismo. 11. Pratapchandra Hazra, 12. A admiração de Narendra por sua capacidade
intelectual. 13. A visita de Narendra a Dakshineswar e o comportamento do Mestre. 14. O Mestre
tocando Narendra em estado de embriaguez espiritual. 15. A experiência maravilhosa de Narendra.
16. A conversa do autor com Narendra numa ocasião. 17. Narendra mencionou um acontecimento
maravilhoso. 18. A experiência ímpar de Narendra na casa do autor.

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1. Desde o início a arguta percepção interior do Mestre detectou que a natureza pura e o
coração de Narendra sempre lutavam por ideais elevados, em qualquer trabalho em que estivesse
empenhado. É por essa razão que o comportamento diário do Mestre com Narendra era de rara
delicadeza. O próprio Mestre observava muitas regras com respeito a comer, beber, dormir e ir a um
lugar, e também, sobre meditação, oração, passar o rosário a fim de encorajar os devotos a fazerem
o mesmo. Costumava contudo repetir, sem hesitação, na presença de todos que nenhum mal
cairia em Narendra se não observasse aquelas regras. "Narendra é eternamente perfeito", dizia,
"perfeito na meditação. O fogo do Conhecimento que sempre o inflama, reduzirá a cinzas todos os
males da comida.1 (1 0 hindu crê que a comida que ingere não somente constrói seu corpo físico, mas também, tem um
efeito sobre sua natureza moral e espiritual, ao aumentar ou diminuir a letargia, energia, a agudeza da mente e os órgãos dos
sentidos.) Sua mente, porém, não ficará anuviada ou distraída, mesmo que coma o que quiser, em
qualquer lugar ou de qualquer pessoa. Diariamente reduz a pedaços os grilhões de Maya com a
espada do Conhecimento; Mahamaya não consegue tê-lo sob Seu controle." Ah! Como o Mestre
declarava seu apreço por Narendra, deixando-nos mudos de surpresa!
2. Os devotos Marwaris vieram saudar o Mestre e presenteá-lo com vários tipos de comida,
como açúcar cande, nozes, amêndoas, pistaches e outros. Ele, contudo, não comia nada nem dava a
qualquer devoto que estivesse com ele. Dizia, "Os Marwaris não sabem dar um presente sem um
motivo egoísta; e até na hora de oferecer um amarrado de betel a um homem santo, acrescentam
às suas orações a realização de um grande número de desejos. Faz muito mal à devoção de uma
pessoa receber comida de tais pessoas." Perguntou-se, então, o que deveria ser feito com os alimentos
doados. O Mestre respondeu, "Vão e dêem a Narendra porque ele não será afetado."
3. Narendra certo dia comeu num hotel e depois contou ao Mestre, "Senhor, hoje comi
num hotel o que as pessoas chamam de comida proibida." O Mestre sabia que Narendra falara
assim, não porque quisesse ser elogiado por seu ato, mas para que ele ficasse prevenido e assim,
não se importasse se ele o tocasse ou utilizasse seus utensílios como jarros de água, copos, etc., que
havia no quarto. Imediatamente o Mestre respondeu, "Nenhum mal lhe acontecerá a esse respeito. Se
uma pessoa come carne de porco ou bife mas mantém a mente em Deus, é como estivesse tomando o
sagrado Havishya; por outro lado, se comer verduras e vegetais mas estiver mergulhado em desejos
mundanos, não é melhor do que se comesse porco ou bife. Não acho que você tenha feito mal em
tomar comida proibida, mas se qualquer um deles (apontando todos os outros presentes) viesse e me
dissesse que tinha feito, eu nem tocaria nele."
4. É quase impossível explicar exatamente o amor, elogios e liberdade que o Mestre
dispensava a Narendra, desde que se encontraram pela primeira vez. É difícil que encontremos
em algum lugar, em toda a história espiritual da humanidade um comportamento, no qual o
instrutor trata um discípulo com tanta reverência, devido às suas qualidades. O Mestre não
ficava satisfeito se não falasse de seus mais recônditos pensamentos a Narendra, mas também
o consultava sobre todos os assuntos. Para testar a fé e intelecto dos outros devotos às vezes
mandava-os debater com Narendra. Jamais pediu que ele aceitasse qualquer coisa como
verdadeira sem antes pô-la à prova. Essa conduta do Mestre fez aumentar cem vezes mais,
num curto espaço de tempo, a devoção, reverência e autoconfiança de Narendra bem como
seu esforço pessoal e amor à veracidade. Essa infinita confiança e amor do Mestre cercaram
Narendra em todos os lados com um muro impenetrável, protegendo-o de todos os tipos de
tentação e conduta mesquinha, mesmo inconscientemente e capacitando-o a desfrutar seu amor
natural e liberdade sem limites sem qualquer um de seus conseqüentes perigos. O amor de
Narendra pelo Mestre cresceu de uma forma tão profunda e intensa, que ele um ano após o
primeiro encontro, se submeteu ao Mestre por toda a eternidade. Será que sabia quão longe a
corrente do amor desinteressado do Mestre o levaria em direção à meta da vida? Talvez não.
Pleno e feliz como estava seu coração, com uma alegria celestial, cheio de felicidade como jamais
sentira, Narendra ainda não sabia como era esse amor ímpar e inatingível - uma coisa cobiçada
até pêlos deuses, porque somente com sua experiência do mundo extremamente egoísta e de
coração duro, não tinha com o que comparar aquele raro amor.
5. Sri M., autor do Evangelho de Sri Ramakrishna, teve a grande sorte de conhecer o Mestre em
Dakshineswar em março de 1882, poucos meses antes de Narendra chegar. Naquele livro relatou
como visitou o Mestre várias vezes, em curtos intervalos, visto que estava morando em Baranagar e
como alguns comentários irônicos do Mestre removeram seu orgulho de erudição, convertendo-o num
humilde discípulo. Narendra dizia, "Um dia naquela época, passei a noite com o Mestre em
Dakshineswar. Estava sentado tranqüilo no Panchavati, quando o Mestre subitamente chegou e
pegando minha mão, disse sorrindo, 'Seu intelecto e erudição serão examinados hoje. Você foi
aprovado somente em duas provas e meia; hoje veio um instrutor que passou em três e meia 2. (2
Narendra estava então estudando para seu exame de Bacharel em Artes, enquanto Sri M. havia sido aprovado naquele exame e

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Venha, deixe-me ver como
estava estudando direito (Bacharel em Leis). O Mestre expusera esses fatos daquela maneira.)
vai se sair no debate com ele.' Vacilante, tive que ir com o Mestre. Ao chegar a seu quarto e ser
apresentado a M., comecei a conversar com ele sobre vários assuntos. Tendo conseguido que
conversássemos, o Mestre permaneceu em silêncio, ouvindo nossas palavras e observando. Depois,
quando Sri M. despediu-se e foi embora, disse, 'O que importa, mesmo que ele tenha passado
naqueles exames? O professor tem um caráter feminino, tímido. Não consegue falar com ênfase.'Assim
jogando-me contra os outros, o Mestre costumava divertir-se."
6. Kedarnath Chattopadhyaya era um dos devotos leigos do Mestre. Parece que costumava
visitar o Mestre pouco antes de Narendra chegar a Dakshineswar. Como trabalhava em Dacca na
Bengala Oriental, só podia visitar o Mestre durante as férias, como as da festa da Mãe do Universo
no outono. Kedar era um devoto e dedicava-se à prática das atitudes espirituais descritas nas
escrituras vaishnavas: derramava lágrimas ao ouvir canções devocionais. O Mestre, por conseguinte,
elogiava-o diante de todos. Vendo a fé e devoção de Kedar, muitas pessoas em Dacca passaram a
ter grande reverência e respeito por ele. Muitos também tentaram moldar sua vida espiritual de
acordo com suas instruções. Quando muitas pessoas começaram a visitar o Mestre, este, às vezes
ficava cansado de falar assuntos religiosos com todos e disseram-nos, que um dia, quando estava em
êxtase, orou à Mãe Divina, "Mãe, não posso falar tanto; dá um pouco de poder a Kedar, Ram, Girish
e Vijay3, (3 Kedarnath Chattopadhyaya, Ramchandra Datta, Girishchandra Ghosh e Vijaykrishna Goswami.) de maneira
que as pessoas possam ir em primeiro lugar a eles, aprender um pouco e por fim, vir a mim para
despertarem espiritualmente com apenas uma ou duas palavras." Isto ocorreu muito depois.
7. Deixando por uns tempos seus deveres, Kedar veio a Calcutá e teve a oportunidade de
visitar de vez em quando o Mestre. O Mestre ficou encantado, conversou com ele sobre tópicos
religiosos e apresentou-o aos outros devotos. Um dia, nessa época, Narendra chegou e viu Kedar
com ele. Enquanto cantava hinos devocionais, a pedido do Mestre, Narendra observou Kedar
entrando em êxtase. Depois, o Mestre pediu a Narendra para manter um debate com Kedar que
argumentava bem, a seu modo, e de vez em quando, costumava dizer palavras sarcásticas para
mostrar a falta de lógica do oponente. As palavras que um dia disse para silenciar seu opositor
agradaram muito o Mestre. Se alguém fizesse perguntas semelhantes ao Mestre, muitas vezes ele
respondia que Kedar havia dado tal e tal resposta àquela pergunta. Naquele dia o oponente levantou a
questão, "Se Deus é realmente misericordioso, por que criou tanta dor e miséria, repressão e opressão?
Por que milhares de pessoas morrem de inanição durante os períodos de fome que ocorrem de vez
em quando?" Kedar respondeu, "Infelizmente, não fui convidado para participar da reunião na qual
Ele, apesar de ser misericordioso, decidiu manter dor e miséria, tirania e opressão em Sua criação.
Como posso conhecer a razão?" Mas naquele dia Kedar foi silenciado na presença de todos, pelo agudo
intelecto de Narendra.
8. O Mestre perguntou a Narendra depois que Kedar se retirou, "Bem, o que achou dele?
Reparou sua grande devoção ao Senhor - como derrama lágrimas à simples menção do nome
de Deus? Aquele cujos olhos derramam correntes de lágrimas ao ouvir o nome de Hari é uma
pessoa liberada em vida. Kedar é esplêndido - não é?" Narendra detestava, do fundo do coração,
pessoas que tendo um corpo masculino, assumiam atitude feminina, quer fosse pela religião ou
por qualquer outra razão. O homem que se aproximasse de Deus e ficasse aliviado, chorando, ao
invés de fortalecer sua própria determinação e perseverança, sempre lhe pareceu um insulto à
masculinidade. Era de opinião que, embora um homem fosse inteiramente dependente de Deus,
deveria sempre permanecer um homem e refugiar-se nele assim. Por conseguinte, incapaz de
aprovar de todo o coração aquelas palavras do Mestre, disse: "Mas, senhor, como posso saber? O
senhor conhece a natureza das pessoas, por isso pode falar. Caso contrário, simplesmente em ver
um homem chorando e lamentando-se, jamais se pode saber se é bom ou mau. Se um homem
olhar intensa e fixamente um ponto durante certo tempo, os canais lacrimais e glândulas ficam
cansados e lágrimas fluem. Assim também, a maioria dos que choram, cantam e ouvem canções
descrevendo a separação de Srimati de Sri Krishna, assim o fazem, não há dúvida, porque estão
se recordando da própria separação de suas esposas ou imaginando esta situação. Pessoas como
eu, totalmente não familiarizadas com essa condição, não se sentirão facilmente inclinadas, como as
outras a chorar mesmo ao ouvirem o Mathura-kirtan4, (4 Descreve a intensa dor da separação das Gopis de
Vrindavan na partida de Sri Krishna para Mathura) notável por seu tom patético." Por esta razão, quando
perguntado, Narendra, sem medo, sempre dava para o Mestre, suas opiniões independentes sobre
assuntos que sabia serem verdadeiros. O Mestre também ficava satisfeito com aquela atitude e
jamais aborrecido, porque o Mestre, que conhecia os corações das pessoas, certamente sentia que
Narendra, para quem a verdade era vida, não tinha em sua consciência o menor peso de mentira

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ou, como o Mestre dizia, "Ele mantinha a câmara interior de sua mente livre de expressões
duvidosas."
9. Narendra afiliara-se ao Brahmo Samaj pouco antes de conhecer o Mestre. Havia assinado o
compromisso do Brahmo Samaj de que acreditaria em somente um Deus, Uno e sem forma, adoraria e
meditaria somente. n'Ele. Mas a idéia de se tornar um Brahmo, adotando os costumes sociais do Samaj,
jamais cruzou sua mente.
Rakhal já era conhecido de Narendra e costumava passar muito tempo com ele. Não é surpresa
para ninguém que, encantado com o comportamento de Narendra, Rakhal, de natureza doce e gentil
como a de uma criança, confiasse nele e era dirigido em todos os assuntos por sua forte personalidade.
Portanto, aconselhado por Narendra, também assinou o compromisso do Brahmo Samaj. Rakhal
conheceu o Mestre pouco tempo depois e instruído por ele, o amor adormecido para a adoração de Deus
com forma foi mais uma vez despertado no coração de Rakhal. Narendra começou a visitar o Mestre alguns
meses mais tarde e ficou extremamente feliz ao encontrar Rakhal lá. Viu alguns dias depois que Rakhal
foi com o Mestre ao templo, inclinando-se profundamente ante as divindades. O veraz Narendra ficou
bastante magoado com o fato e recordando a Rakhal seu compromisso anterior, reprovou-o, "Você está
sendo culpado de falsa conduta pois assinou o compromisso do Brahmo Samaj e contudo vai ao
templo e inclina-se ante as divindades." Rakhal, que tinha uma natureza gentil, permaneceu em
silêncio enquanto o amigo falava e, desde então, ficou temeroso e evitava encontrá-lo. Tomando
conhecimento mais tarde porque Rakhal comportava-se daquela maneira, o Mestre falou do assunto a
Narendra com palavras doces mas convincentes, dizendo afetuosamente. "Não censure Rakhal mais. Ele
está evitando você. Agora crê em Deus com forma; então, o que se pode fazer? Será que todos podem
ter a concepção do Deus sem forma desde o começo?" Desde então Narendra parou de censurar
Rakhal.
10. O Mestre compreendeu que Narendra era uma pessoa altamente qualificada no campo da
espiritualidade e, desde o primeiro dia que o encontrou, tentou infundir nele a verdade do não-
dualismo. Logo que veio a Dakshineswar costumava dar-lhe livros como o Ashtavakra Samhita para ler,
porém, livros como esses pareciam ser uma blasfêmia e ateísta aos olhos de Narendra, que fazia o
modo dualista de adoração de Brahman sem forma com atributos. Logo que leu um pouco do
Ashtavakra Samhita, a pedido do Mestre, ficou perturbado, "Qual a diferença entre isso e ateísmo? O
servo Jiva (ser individual) deve se considerar como Criador? O que pode ser mais pecaminoso do
que isso? Que idéias podem ser mais irracionais do que dizer, 'Sou Deus, você é Deus, rodas as
coisas que nascem e morrem é Deus.' Os cérebros dos Rishis e Munis, autores desses livros, deviam
estar desequilibrados, senão, como poderiam ter escrito tais coisas?" O Mestre sorriu ao ouvir as
palavras francas de Narendra, mas, ao invés de atacar subitamente sua atitude espiritual, disse, "Você
pode não aceitá-la agora, mas por que condena os Munis e Rishis? E por que põe um limite à natureza
de Deus? Continue chamando-o, Ele que é a Verdade e acredite que será em Sua verdadeira
natureza que Se revelará a você." Narendra, porém, não deu ouvidos a essas palavras do Mestre,
porque o que não era explicado pela razão parecia-lhe não ser verdadeiro, e era de sua natureza opor-
se contra todo o tipo de falsidade. Ele, portanto, não hesitava em apresentar razões contra a doutrina
do não-dualismo para muitas pessoas além do Mestre e até mesmo usar, para isso, palavras
sarcásticas.
11. Nessa época morava em Dakshineswar um homem chamado Pratapchandra Hazra. As
condições mundanas de Pratap já não estavam tão boas quanto anteriormente. Por conseguinte apesar de
suas tentativas de conquistas espirituais, um desejo de dinheiro ocupava o lugar de destaque em sua
mente. Guardando este fato como um segredo dentro de si, falava do elevado serviço desinteressado ao
Senhor, tentando obter elogios com isto. Cálculo de perda e ganho a cada passo tornou-se tão natural para
ele, que até na hora da prática espiritual não podia esquecê-lo. A idéia de obter algum poder miraculoso
através de Japa, austeridade e outras práticas, com as quais poderia satisfazer o desejo de dinheiro,
parecia às vezes crescer em sua mente. O Mestre viu esta sua atitude mental desde o primeiro dia, e
aconselhou-o a chamar por Deus, abandonando todos os motivos ulteriores. Mas Hazra, que tinha mente
fraca, não somente desobedeceu, mas sob a influência de orgulho, ilusão e interesse, falava sempre que
podia, para aqueles que vinham ver o Mestre, que ele também não era um Sadhu inferior. Mas ao lado
disso, parecia ter um pequeno desejo sincero de se tomar honesto. Isto fica evidente pelo fato de que,
embora o Mestre conhecesse essa conduta e o repreendesse asperamente, não o expulsava de lá uma vez
por todas. Mas prevenia alguns de nós contra nos misturarmos muito com ele, dizendo, "Aquele homem,
Hazra, tem uma grande mente calculista; não dêem ouvidos a ele."
12. Além das boas e más qualidades descritas acima, Hazra tinha um temperamento
céptico. Comparado com outras pessoas de educação semelhante, era bastante inteligente. Por
conseguinte, podia compreender um pouco dos debates sobre as doutrinas dos filósofos

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agnósticos ocidentais feitos por pessoas educadas à moda inglesa, como Narendra. O inteligente
Narendra estava, portanto, satisfeito com ele e passava, segundo sua conveniência, uma ou duas
horas conversando com Hazra, sempre que vinha a Dakshineswar. Hazra, naturalmente, tinha
que curvar a cabeça diante do agudo intelecto de Narendra. Ouvia com grande atenção as palavras
de Narendra e às vezes preparava fumo para ele. Vendo a atitude de Narendra em relação a
Hazra, muitos de nós diziam jocosamente: "O Sr. Hazra é o 'guarda-costa'5 (5 Trocadilho das palavras
"friend"(amigo) com "ferend") guarda-costas.) de Narendra (amigo)."
13. Muitas vezes o Mestre entrou em êxtase à simples vista de Narendra. Mais tarde ao
retomar a consciência parcial, muito feliz, tinha longas conversas espirituais com ele. Nesses
momentos tentava, através de palavras e atos, infundir em sua mente as elevadas verdades
espirituais. De vez em quando sentia vontade de ouvir canções religiosas, mas assim que escutava
a voz doce de Narendra, entrava novamente em êxtase. As canções de Narendra, porém, não
paravam por isso. Ficava absorvido e continuava cantando, canção após a canção, por algumas
horas. Quando o Mestre retornava à consciência parcial, às vezes pedia a Narendra para cantar
uma determinada canção e não ficava totalmente satisfeito enquanto não a ouvisse: "Tu és tudo o
que existe." Depois, passavam algum tempo conversando sobre várias verdades sutis da doutrina
não-dual, tais como a diferença entre o Jiva e Ishvara, a natureza real do Jiva e de Brahman e
assim por diante. Assim havia uma forte onda de felicidade sempre que Narendra vinha a
Dakshineswar.
14. Um dia o Mestre disse a Narendra muitas coisas que mostravam a unidade de Jiva e
Brahman segundo a filosofia não-dual. Narendra ouviu aquelas palavras com atenção, mas não as
pôde compreender e foi procurar Hazra depois da conversa com o Mestre. Fumando e debatendo
aqueles pontos com Hazra, disse, "Será possível que um jarro de água seja Deus, a xícara Deus,
tudo o que vemos e todos nós sejamos Deus?" Hazra também apoiou Narendra, ridicularizando a idéia
e ambos caíram na gargalhada. O Mestre estivera em estado de consciência parcial. Ouvindo Narendra
rir, saiu do quarto como um menino, com a roupa debaixo do braço, e aproximando-se deles sorrindo,
disse afetuosamente, "De que estão falando?" Tocou em Narendra e entrou em êxtase.
15. Depois Narendra nos disse, "Houve uma completa revolução em meu estado mental no
momento do maravilhoso toque do Mestre. Eu estava ansioso para ver se realmente não havia nada
mais no mundo exceto Deus, mas fiquei em silêncio apesar de ver, imaginando quanto tempo
aquele estado duraria. Mas aquela embriaguez não diminuiu naquele dia. Voltei para casa e lá foi a
mesma coisa. Parecia-me que tudo que via era Ele. Sentei-me para comer quando vi que tudo -
comida, prato, a pessoa que estava me servindo, eu mesmo - era Ele. Comi uma colherada ou
duas e fiquei quieto. As palavras afetuosas de minha mãe - 'Por que está quieto; por que não
come?"- trouxeram-me à consciência e comecei a comer novamente. Assim, tive aquela
experiência na hora de comer e beber, sentar e deitar, indo para a faculdade ou dando um passeio.
Estava sempre tomado por um tipo de intoxicação indescritível. Ao caminhar nas ruas, se visse uma
carruagem vindo para mim, não me sentia mais inclinado, como nos outros tempos, a me afastar,
para não colidir. Pensava, 'Sou também ela e nada mais.' Minhas mãos e pés ficaram insensíveis.
Enquanto comia, esquecia-me do que estava fazendo. Tinha a impressão de que era outra pessoa
que estava comendo. Às vezes, enquanto comia, deitava-me e pouco tempo depois me levantava
para continuar a comer. Em alguns dias comia mais do que a quantidade usual de comida. Mas
isto não ocasionou qualquer doença. Minha mãe ficou alarmada e disse, 'Estou com medo que você
esteja com uma doença grave.'
Ás vezes ela também dizia, 'Pode ser que ele não vá viver mais.' Quando a irresistível intoxicação
diminuía um pouco, o mundo me parecia um sonho. Indo dar uma volta às margens do reservatório
Hedua, batia com a cabeça contra o corrimão de ferro, para verificar se era sonho ou real. Devido à
insensibilidade de minhas mãos e pés, temia que estivesse caminhando para uma paralisia. Não
conseguia escapar do terrível estado embriagador e daquela condição irresistível durante algum tempo.
Ao voltar ao estado normal, pensei que se tratava do conhecimento não-dual. Assim acho que o que
está escrito nas escrituras a esse respeito é verdade. Desde então não mais pude duvidar da não-
dualidade.'
16. Noutra ocasião, soubemos de um outro acontecimento maravilhoso também contado por
Narendra. Falou-nos, no inverno de 1884, quando nos tornamos amigos. Recordamos que fomos à casa
de Narendra, na Rua Gaur Mohan Mukerjee em Simla, um pouco antes do meio-dia e ali
permanecemos até às onze da noite. Swami Ramakrishnananda também estava conosco naquele dia. A
atração sobrenatural que sentíamos por Narendra desde o primeiro dia em que o encontramos, foi
multiplicada mil vezes pela graça da Providência. A única idéia que havíamos tido antes sobre ele havia
sido dada pelo Mestre de que era um homem perfeito, isto é, um homem que conheceria Deus, mas

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naquele dia as palavras de Narendra penetraram em nossos corações e derramaram uma luz nova em
nossas mentes. Os extraordinários acontecimentos, como aqueles relatados nas biografias das grandes
almas, instrutores do mundo como Jesus, Chaitanya e outros, sobre os quais havíamos lido e nos quais
não havíamos acreditado durante tanto tempo, foram compreendidos naquele dia, como ocorrendo
diariamente na vida do Mestre. Dava devoção aos que tomavam refugio nele, com um simples toque, ou
por sua vontade desatava os nós de seus corações e apagava as impressões passadas. Fazia-os entrar
em êxtase e realizar a Felicidade divina. Ou desviava o curso de suas vidas para canais espirituais, de tal
maneira, que a realização de Deus vinha a ocorrer logo e eram abençoados por toda a eternidade.
Narendra, lembramo-nos, levou-nos para um passeio ao entardecer, naquele dia, às margens do
reservatório de Hedua enquanto nos contava as experiências divinas que tivera pela graça do Mestre.
Mergulhado em si mesmo, permaneceu em silêncio durante algum tempo e por fim, irrompeu numa
canção entoada com sua voz encantadora e que despejava a maravilhosa felicidade de seu coração:

"Gora Ray distribui a riqueza do amor.


Nitai Chani chama 'venham, venham';
Venham, Ó vocês, que anseiam por isto.
Jarros cheios de amor estão sendo despejados,
Contudo não esvaziam.
Santipur está sendo inundada e
Nadia foi arrastada.
Nadia foi arrastada pela corrente do amor de Gora.

17. A canção terminou. Num solilóquio Narendra disse gentilmente, "Ele está na verdade
distribuindo amor. Gora Ray está distribuindo amor, devoção, conhecimento espiritual, liberação e
o que quer que uma pessoa deseje, ou de quem ele goste. Ó maravilhoso poder! (Por um
momento permaneceu em silêncio e imóvel). Eu estava dormindo à noite com a porta do quarto
trancada por dentro, quando ele subitamente atraiu-me e levou-me - aquele que vive dentro deste
corpo - para Dakshineswar. Dando-me muitas instruções e falando sobre vários assuntos,
permitiu que eu voltasse. Ele pode fazer o que quiser. Este Gora Ray de Dakshineswar pode fazer
tudo."
18. A escuridão do crepúsculo intensificou-se na negrura da noite. Não podíamos nos ver;
nem era necessário, porque a massa brilhante da emoção espiritual de Narendra entrou
profundamente dentro do coração e produziu tal intoxicação em nossa mente que até sua estrutura, o
corpo, estava realmente cambaleando e mesmo o mundo cuja realidade palpável nos era evidente há
tanto tempo, desapareceu no campo do sonho. Além disso, a verdade, que sob o impulso da graça pura
e genuína, o infinito Deus parece como um ser humano finito, pondo em movimento a roda da religião
e destruindo os grilhões das impressões passadas de milhares de Jivas - esta verdade que, segundo
a maioria das pessoas do mundo, é somente uma criação da imaginação - nos foi revelada em sua
forma viva e brilhante. Quanto tempo se passou, não sabemos, mas subitamente ouvimos o relógio
bater nove horas. Eu relutava em me despedir de Narendra, quando ele disse, "Venha, vamos. Vou
acompanhá-lo até uma pequena distância." Enquanto caminhávamos, começaram discussões
interessantes e logo ficamos absorvidos nelas. Ocorreu-nos quando chegamos em casa perto de
Champatala, que fora uma bobagem de nossa parte ter deixado Narendra ir tão longe. Portanto,
convidando-o para entrar, oferecemo-lhe alguma coisa para comer, depois o acompanhamos até
sua casa e voltamos. Lembro-me de outro incidente naquele dia. Assim que entrou na casa,
Narendra ficou imóvel, dizendo, "Sinto que já vi esta casa anteriormente. Tudo aqui me é familiar,
todos os quartos e corredores que conduzem a eles. Ó, que estranho e maravilhoso!" Já falamos
anteriormente como Narendra tinha às vezes essas experiências e o que disse sobre a causa do
fenômeno.

CAPÍTULO VII

MÉTODO DE TESTAR DO MESTRE E NARENDRANATH


ASSUNTOS: 1. A maneira de testar do Mestre. 2. O método comum de exame. 3. Os êxtases do Mestre ao
encontrar pessoas de determinados estados espirituais. 4. Os quatro métodos empregados por ele para
testar as pessoas. 5. Determinando a impressão mental pêlos traços fisionômicos. 6. O maravilhoso
conhecimento do Mestre a esse respeito. 7. Determinando a natureza de um homem pelo peso de seu
antebraço. 8. Traços de caráter revelados por outros sinais. 9. Hanuman Singh, o porteiro. 10.
Determinando a natureza espiritual das mulheres. 11. O Mestre fala a respeito das características físicas

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de Narendra. 12. Mais observações sobre esse mesmo assunto. 13. A impressão do Mestre sobre os
rapazes. 14. Ele observava cada ato dos devotos que vinham a ele. 15. Exemplos. 16. Maré alta no Ganga.
17. Todas as atividades devem ser orientadas para a realização de Deus. 18. Fé não é credulidade. 19.
Ensinamentos diversificados do Mestre para pessoas de temperamentos diferentes. 20. As instruções
dadas pelo Mestre a Yogananda. 21. Uma instrução diferente para Niranjan. 22. Instrução às devotas. 23.
A história de Harish. 24. "Este não é um caso para demonstrar delicadeza." 25. Instruções baseadas nas
ações diárias das pessoas. 26. O Mestre determinando o crescimento espiritual das pessoas pela
estimativa sobre ele delas. 27. Maiores explicações sobre isto. 28. Avaliações diferentes a seu respeito
feitas por diferentes devotos. 29. O exemplo do devoto Purnachandra. 30. O Mestre a respeito da
capacidade espiritual de Purna. 31. Seu comportamento afetuoso com Purna. 32. A avaliação de Purna a
respeito dele. 33. A instrução do Mestre para ele. 34. A grandeza de Purna apesar de viver no mundo. 35.
Vaikunthanath, o segundo exemplo. 36. A pessoa cujas palavras e atos não coincidem não deve ser
acreditada. 37. A história do Mestre sobre este assunto. 38. Os devotos testavam o Mestre. 39. Primeiro
exemplo: a história de Yogananda. 40. A boa impressão de Yogindra e sua inteligência. 41. Yogindra, um
Ishvarakoti. 42. O casamento de Yogindra e o que se seguiu. 43. Yogindra passou noites em Dakshineswar.
44. Yogindra suspeitou do Mestre. 45. A suspeita de Yogindra removida. 46. Yogindra refugiou-se no Guru.
47. As observações do Mestre sobre Narendra. 48. Um incidente engraçado. 49. O autocontrole de
Narendra. 50. Características físicas da devoção de Narendra. 51. Narendra imperturbável com a
indiferença do Mestre. 52. Narendra e os poderes sobrenaturais.

Desde seu primeiro encontro com Narendra, o Mestre descobriu suas elevadas qualidades e
potencialidades espirituais e de que maneira sua afeição desinteressada começava a prendê-lo a
ele, pelo cordão do amor. O Mestre às vezes o testava apesar de continuar a educá-lo nos assuntos
espirituais. Vejamos, de forma resumida, seu método de testar Narendra.

1. Quando o Brahmo Samaj estava prestes a se separar por causa da divergência de opinião
sobre o casamento CoochBihar, o Mestre disse a Kesav, "Você aceita todo mundo sem examinar,
com intuito de aumentar o número de freqüentadores de sua organização, e por esta razão será uma
surpresa se ela esteja se dissolvendo? Não aceito qualquer pessoa sem antes examiná-la
integralmente." Certamente foram diversas as maneiras com as quais o Mestre costumava testar os
devotos, antes de aceitá-los, com ou sem o conhecimento deles. Fica-se imaginando como alguém,
que passava por iletrado, conseguia dominar aqueles métodos totalmente desconhecidos.
Naturalmente surge a pergunta: "Seria revelação do Conhecimento adquirido em vidas passadas? Ou
era o resultado de ter conseguido a visão além dos sentidos e o Conhecimento de tudo devido à sua
Sadhana, como no caso dos videntes do passado? Ou também, seria expressão do poder que tinha
por ser uma Encarnação, como ele mesmo declarou ser, ao seu círculo íntimo de devotos?" Apesar de
termos estas perguntas, desejamos apenas dar uma descrição profunda dos acontecimentos e deixar
que o leitor chegue à sua própria conclusão a esse respeito.
2. Para uma maior compreensão desses métodos extraordinários, passaremos a narrar alguns
incidentes ilustrativos. Mas antes de tentar compreendê-los, é necessário conhecer certas coisas a
respeito desses meios adotados pelo Mestre. Assim que uma pessoa vinha a ele, o Mestre olhava-a
de maneira peculiar. Se sua mente fosse atraída para ela, conversava sobre religião de maneira geral
e pedia-lhe para vir vê-lo de vez em quando. Se a pessoa repetisse as visitas, o Mestre procurava
chegar a uma conclusão correta sobre suas tendências espirituais adormecidas, observando
minuciosamente, sem que ela percebesse, a aparência dos membros, tendências mentais,
intensidade de seus desejos mundanos, especialmente o apego à luxúria e ouro e até que ponto sua
mente estivera ou estava sendo atraída para ele. Juntava os dados, observando como falava, agia e se
comportava. Sua observação era tão minuciosa que levava poucos dias para conhecer o caráter
daquela pessoa. Em seguida, se fosse realmente necessário conhecer qualquer coisa oculta em sua
mente, que a observação exterior não mostrara, o Mestre a perscrutava com sua sutil percepção
ióguica. Um dia disse a esse respeito, "Quando estou sozinho, altas horas da noite, muitas vezes fico
pensando sobre o bem-estar de todos vocês. A Mãe revela-me tudo sobre vocês: o quanto cada um
progrediu e o que bloqueia o progresso espiritual futuro." Não era somente nessas ocasiões que seus
olhos ióguicos se abriam. Outras vezes podia, à vontade, ascender a elevados planos de consciência e
obter aquela visão a qualquer hora. A esse respeito disse, "Assim como ao se olhar uma caixa de vidro
pode-se ver todo seu interior, também, ao olhar para uma pessoa vejo tudo sobre ela - seus
pensamentos, impressões passadas etc."
3. Este era o método que o Mestre geralmente adotava quando tentava conhecer a natureza
dos devotos comuns. No caso de devotos especiais do círculo interno, a Mãe Divina dava-lhe uma visão
deles, nos elevados planos de consciência. O corpo e a mente do Mestre tornaram-se, pelo
extraordinário poder de sua Sadhana, um instrumento maravilhoso com o qual podia conservar

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poderes espirituais em si e conhecer a existência deles nos outros. Isto era literalmente verdadeiro.
Assim que o Mestre via uma pessoa num estado espiritual particular, sua mente coloria-se por aquele
estado sob algum impulso divino. Da mesma maneira, mal via uma pessoa estabelecida num
determinado plano espiritual, sua mente naturalmente subia àquele plano e revelava-lhe as idéias da
mente daquela pessoa. O leitor vai compreender o que queremos dizer ao se recordar do que foi dito
anteriormente sobre as experiências do Mestre com relação à primeira visita de Narendra a ele.
4. Isto, contudo, não o impedia de utilizar métodos comuns, adotados para conhecer o
caráter das pessoas em geral, também no caso dos devotos do círculo interno. Quando estava no
plano normal de consciência, observava suas conversas e conduta com os outros devotos, não
fazendo exceção nem a Narendra, senão não se livrava da ansiedade. Pode-se dividir os meios
adotados para examinar os devotos, em quatro divisões.
5. Em primeiro lugar, o Mestre observava suas características físicas. No processo em que
nossos pensamentos se transformam em ações, os pensamentos deixam marcas especiais em
lugares determinados de nosso cérebro e corpo. A moderna fisiologia e psicologia provaram este
fato numa grande extensão e confirmaram nossa crença. Os Vedas e outras escrituras, contudo, vêm
nos falando sobre este assunto há muito tempo. Os Vedas, os Smritis, os Puranas, os Darsanas e
todas as outras escrituras dos hindus proclamaram unanimemente que a mente cria o corpo. Com a
corrente dos pensamentos movendo-se constantemente num bom ou mau canal, o corpo muda e
assume formas adequadas à realização daqueles pensamentos. Há muitos provérbios correntes entre
nós que determinam o caráter das pessoas pela observação da formação de seus corpos e membros.
Até hoje é considerado absolutamente necessário examinar o corpo como um todo e todos os
membros, a forma das mãos, pés etc., do noivo e do discípulo por ocasião do casamento e da
iniciação.
6. Por conseguinte não surpreende que o Mestre, seguidor de todos os Shastras, observasse
a forma dos corpos e membros de seus discípulos. Mas, às vezes, no decorrer da conversa, costumava
nos dizer tantas coisas a esse respeito, que ficávamos imaginando como havia conseguido tanta
informação sobre o assunto. De vez em quando nos perguntávamos se não havia qualquer livro
importante sobre o assunto, escrito em tempos remotos, que lera ou ouvira. Mas como não vimos ou
ouvimos falar desse livro, abandonamos a idéia. Com grande admiração o ouvíamos, enquanto
contava como a formação de cada membro ou órgão dos sentidos do corpo dos homens e mulheres se
parecia com um determinado objeto e quais as boas e más qualidades que essa semelhança indicava.
"Tomem por exemplo os olhos de uma pessoa," dizia, "No caso de alguns parecem pétalas de lótus;
no caso de outras pessoas como os de um touro e há outros, como os dos yogis. As pessoas que têm
olhos como pétalas de lótus têm bons pensamentos; aqueles cujos olhos são como os de um touro
têm predominância de luxúria; os olhos de um yogi têm uma expressão elevada e são
avermelhados e os olhos semelhantes aos dos deuses não são muito largos, mas compridos,
chegando até perto dos ouvidos. Os que têm o hábito de olhar pêlos cantos dos olhos, de vez em
quando, são mais inteligentes do que as pessoas comuns." Ou ele puxava o assunto da natureza da
formação geral dos corpos das pessoas e dizia, "Uma pessoa de devoção tem, por natureza, um
corpo suave e as juntas dos braços e pernas podem ser dobradas facilmente; mesmo se for magro,
os ossos, músculos etc. são de tal ordem que as juntas não parecem muito angulares." A fim de
determinar se a inteligência de uma pessoa tende para o bem ou o mal, o Mestre segurava o
antebraço daquela pessoa (do cotovelo até os dedos) e a mão e pedia-lhe para que o mantivesse.
Sentia, então, o peso. Se fosse mais leve do que o da maioria das pessoas, considerava-a uma pessoa
de mente pura. O Mestre, segurou o antebraço de Swami Premananda (Baburam) em sua primeira
visita a Dakshineswar.
7. Quando o Mestre estava na chácara de Kasipur, um dia, o irmão mais novo do autor,
Charuchandra Chakravarti, veio vê-lo. O Mestre ficou satisfeito ao vê-lo. Mandou-o sentar-se a seu
lado, fez muitas perguntas e deu-lhe várias instruções espirituais. Quando o autor chegou, o Mestre
perguntou-lhe, "O rapaz é seu irmão?" Quando o autor disse, "Sim", o Mestre continuou, "É um rapaz
muito simpático, um pouco mais inteligente do que você. Deixe-me ver se sua inteligência tende
para o bem ou para o mal." Assim falando, imediatamente colocou em sua mão, o antebraço direito
do rapaz, pesou-o e comentou, "inteligência para o bem". Em seguida perguntou afetuosamente ao
autor, uma vez mais, "Vou atraí-lo, também?" (quer dizer, vou fazer sua mente voltar-se da vida
mundana para Deus?) O que me diz?" "Seria bom, senhor", respondeu o autor, "por favor, faça-o."
O Mestre pensou um pouco e disse, "Não, não me deixe fazer isto; já estou com um e se eu tirar o
outro agora, seus pais, sobretudo sua mãe, vão sofrer muito. Durante minha vida ofendi muitas
Shaktis1, (1 Quer dizer, mulheres, consideradas como as personificações dos poderes criativo e preservativo da Mãe Divina.) mas

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agora não quero mais." Assim dizendo o Mestre deu-lhe mais instruções e algo para comer,
despedindo-se depois.
8. O Mestre dizia que a formação dos membros etc., sono, chamados da natureza e outros
atos físicos normais contendo diferentes impressões passadas, variam bastante. Por conseguinte,
costumava dizer que pessoas experientes encontravam sinais nesses atos, para determinar o caráter
dos homens. Por exemplo, dizia que durante o sono nem todos respiravam da mesma maneira. Um
homem do mundo respirava de um jeito e um renunciante de outro. Na hora de responder ao
chamado da natureza, o primeiro tinha o fluxo de urina para a esquerda, enquanto que o último tinha
para a direita; que as fezes de um yogi não eram tocadas pêlos porcos e assim por diante.
9. Um homem, chamado Hanuman Singh, foi nomeado para guardar o templo de
Dakshineswar na época de Mathur Babu. Apesar de ser um entre vários guardas, Hanuman
desfrutava do maior respeito, não somente porque era um conhecido lutador, mas também, um
aspirante espiritual. Um outro lutador veio a Dakshineswar e provocou Hanuman Singh com a idéia
de que poderia derrotá-lo e tomar seu lugar. Hanuman viu o corpo do lutador, forte e musculoso, mas
não hesitou em aceitar o desafio. Foi marcada uma data e pessoas como Mathur Babu foram
nomeados juizes a fim de decidir quem era o melhor.
O novo lutador começou a se preparar para a luta, comendo muito e praticando exercícios
físicos durante a semana que precedeu ao dia combinado. Hanuman Singh, ao contrário, que era
devoto de Mahavira, de manhã tomava banho, repetia como sempre o Mantra de seu Ideal Escolhido
ao longo de todo o dia e comia somente uma vez, à tarde. Todo o mundo pensava que Hanuman
estava com medo e havia perdido as esperanças de sucesso. O Mestre amava-o muito e, portanto,
perguntou-lhe um dia antes da competição, "Você não preparou o físico, praticando exercícios e
comendo alimento substancioso; pensa que será bem sucedido na competição com o novo lutador?"
Hanuman inclinou-se ante ele, com devoção e disse, "Certamente vencerei se tiver sua graça. Não é
comendo uma pilha de alimentos que o corpo adquire força; a comida deve ser digerida.
Secretamente vi as fezes do outro lutador e reparei que estava comendo além de sua capacidade de
digestão." O Mestre disse que Hanuman venceu.
10. O Mestre falou muitas coisas sobre a formação dos membros das mulheres e dos homens.
Observou-os classificando algumas mulheres em Vidya Shakti, em outras palavras, aquelas que
ajudam os homens no seu progresso em direção a Deus e outras, como Avidya Shaktis, isto é, que
puxam os homens para o mundo. Dizia, "As Vidya Shaktis comem pouco, necessitam de pouco sono e
naturalmente têm pouco apego aos sentidos. Seus corações enchem-se de alegria ao ouvirem os
maridos falarem de Deus; elas mesmas falam de Deus e dão aos maridos um elevado impulso
espiritual, sempre os protegendo das inclinações e ações mesquinhas e assistem-nos em todos os
assuntos, de maneira que serão, por fim, abençoados com a realização de Deus. Os atos das Avidya
Shaktis, ao contrário, são opostos. Correm atrás de confortos físicos, comem e dormem muito. O
objetivo delas é impedir os maridos de dar atenção a qualquer coisa que não seja aquilo que
contribui para a felicidade delas. Se os maridos falarem a respeito de coisas espirituais, ficam
aborrecidas e enfadadas." O Mestre, às vezes, dizia que a forma exterior daqueles órgãos dos sentidos
que permite uma mulher ser mãe, indica seu apego interior ao prazer sensual. Também dizia que
suas formas variavam. Algumas indicavam a ausência de forte instinto animal. Aquelas cujas nádegas
movem-se como a parte traseira das formigas negras, têm aquele instinto num grau fora do comum.
11. Assim, não há limite para o que o Mestre nos contou a respeito da determinação do
caráter humano pela observação da aparência física. Considerava este um dos métodos que
permite conhecer o caráter das pessoas e examinava Narendra e todos os outros devotos por aquele
método. Com Narendra, ficou satisfeito e disse-lhe um dia, "Todas as partes de seu corpo têm boas
características. O único defeito é que você respira de maneira um pouco pesada, quando adormecido.
Os Yogis dizem que respirar assim enquanto se dorme, é sinal de vida curta."
12. A observação dos estados mentais apresentados nas ações dos homens era o segundo
meio que empregava, e o grau de apego à luxúria e ao ouro, o terceiro. O Mestre costumava
observar um recém-chegado, silenciosamente, durante certo tempo para depois, ao decidir incluí-
lo em seu círculo íntimo, fazê-lo abandonar aqueles defeitos, dando-lhe várias instruções e se
necessário, repreendendo-o. Também, ao mesmo tempo em que escolhia a pessoa, determinava se
iria moldar seu caráter como monge ou como discípulo leigo e portanto, dar-lhe instruções adequadas
desde o início. Perguntava a todos os visitantes se eram casados, se a condição financeira da família
era suficiente para permitir uma vida simples e se havia alguém próximo que poderia assumir a
responsabilidade da família, caso renunciasse ao mundo.
13. Observou-se que o Mestre tinha grande simpatia por estudantes secundários e
universidades. Dizia, "Suas mentes ainda não foram distraídas por esposa, filhos, fama e outros

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grilhões mundanos. Se forem educados corretamente poderão dedicar a mente a Deus." Fez,
portanto, um grande esforço para lhes transmitir idéias espirituais. Costumava dizer: "A mente é
como um saco de sementes de mostarda que, uma vez esparramadas, será quase impossível
juntá-las novamente'" ou "Quando atingir a idade adulta é muito difícil ensinar o papagaio a falar
'Radhakrishna' "; ou "As marcas dos pés das vacas nos ladrilhos ainda não queimados são
facilmente apagados, mas quando já estiverem queimadas, elas não mais poderão ser apagadas, e
assim por diante. Por conseguinte, fazia perguntas especialmente para os estudantes secundários e
universitários ainda não contaminados pelo mundo e observava se a tendência natural de suas
mentes era para o prazer ou renúncia. Se os considerava preparados, guiava-os para aquele último
caminho.
14. O Mestre não se contentava simplesmente em delinear o estado mental de uma
determinada pessoa, observando minuciosamente todos os seus atos; investigava de perto e via o
quão era simples e veraz, o quanto traduzia em ação o que exprimia em palavras, se tinha
discriminação e a que ponto estava convencido da veracidade do que ensinava etc. Vejamos alguns
exemplos.
15. Um rapaz vinha freqüentando Dakshineswar há algum tempo, quando um dia o Mestre
perguntou-lhe subitamente: "Por que você não se casa?" "Senhor", respondeu ele, "ainda não
controlei minha mente; se me casar agora, vou me apegar à minha esposa o que destruirá meu poder
de discriminação entre o que é bom e o que não é. Se algum dia puder controlar a luxúria, me
casarei." O Mestre soube assim que, embora houvesse apego em seu interior, a mente do rapaz
estava sendo atraída para o caminho da renúncia e disse, sorrindo, "Não haverá necessidade de
casamento para quem tiver conquistado a luxúria."
Conversando com outro rapaz em Dakshineswar, sobre diversos assuntos, disse, "Por favor
diga-me o que é isto; não posso de jeito algum manter uma roupa sempre em meus ombros - não
fica, chego mesmo a não saber quando ela cai, e eu, um homem tão avançado em idade, tenho que
andar nu por aí. Contudo não sinto minha nudez. Antigamente, não tinha consciência de quem me
via naquele estado. Sabendo que aqueles que me viam assim sentiam vergonha, agora levo uma
roupa no ombro. Você pode ficar nu como eu, na presença de outras pessoas?" O rapaz respondeu:
"Senhor, não tenho certeza, mas posso tirar minha roupa se o senhor me pedir." O Mestre disse:
"Vamos ver; caminhe em volta do pátio do templo com a roupa amarrada em volta de sua cabeça,
como um turbante," O rapaz disse, "Não posso fazer isso, só posso fazê-lo na sua frente." O Mestre
ouviu e disse, "Muitos também dizem isso, 'Não sentimos vergonha de tirar a roupa em sua
presença, mas a sentimos diante dos outros.'"
16. Lembramo-nos de um outro acontecimento a esse respeito. Era uma noite inundada pelo
luar - a segunda ou a terceira da quinzena escura. A enchente da maré veio ao Ganga pouco
tempo depois de irmos para a cama. O Mestre deixou o leito e correu para a amurada, chamando
todo mundo, "Venham todos ver a maré!" Dançava como um menino ao ver a calma água
branca do rio, transformada em altas ondas encimadas com espuma, chegando como loucas com uma
força terrível, subindo e ultrapassando a amurada. Estávamos cochilando quando o Mestre nos
chamou. Ficamos para trás porque tínhamos que levantar e nos vestir. Por esta razão, mal
chegamos à amurada, a maré havia passado. Alguns de nós viram um pouco enquanto outros não
viram nada. O Mestre ficou feliz durante muito tempo. Quando a maré foi embora, perguntou-nos,
"Bem, observaram a maré?" Ao ouvir que ela havia ido embora enquanto nos vestíamos, disse, "Ah,
seus tolos, iria a maré esperar que se vestissem? Por que não deixaram a roupa, como eu fiz?"
17. Em resposta às perguntas do Mestre como, "Você vai se casar? Vai trabalhar?" Alguns de
nós respondíamos, "Senhor, não quero me casar, mas tenho que trabalhar." Esta resposta parecia
para o Mestre, que era um grande amante da liberdade, extremamente irracional. Dizia, "Se você
não vai se casar e cumprir os deveres de chefe de família, por que deverá ser um servo de outros
durante sua vida? Ofereça o coração e a mente a Deus e adore-o. Um homem nascido no mundo não
pode fazer outra coisa maior do que esta. Se achar impossível viver uma vida solitária, case-se,
mas saiba de uma vez por todas que a realização de Deus é o objetivo supremo da vida. Trilhe o
caminho da retidão e viva como um chefe de família." Esta era sua opinião definitiva sobre o
assunto. Portanto, sentiu um grande golpe no coração ao saber que um de seus jovens devotos, que
considerava como possuidor de potencialidades espirituais acima da média, se casara ou estava
gastando sua energia trabalhando como pessoas comuns sem nenhuma razão especial, para
ganhar dinheiro, ou em qualquer outra ocupação mundana a fim de conquistar nome e fama. Um
dia, sabendo que um de seus jovens devotos, Niranjan, (mais tarde Swami Niranjanananda), estava
trabalhando, o Mestre disse-lhe, "Você está trabalhando para manter sua mãe idosa; neste caso posso
incentivá-lo, senão não poderia olhar para seu rosto." Quando um outro jovem devoto, Naren Júnior,

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casado, veio vê-lo em Kasipur, pôs os braços ao redor do seu pescoço, como uma pessoa faz ao
lamentar a morte de um filho e derramou lágrimas incessantes, dizendo repetidamente, "Que você não
se esqueça de Deus e mergulhe completamente no mar do mundo!"
18. Sob o impulso de um recém-nascido amor a Deus, alguns devotos deram uma
interpretação ao dito, "Ninguém pode progredir na vida espiritual sem fé," e começaram a
acreditar em qualquer coisa e em qualquer pessoa, sem qualquer discriminação. Assim que os
agudos olhos do Mestre perceberam, compreendeu o erro deles e preveniu-os. Ele, sem dúvida,
aconselhava às pessoas a trilharem o caminho da religião tendo somente a fé como guia, mas
aconselhava-os a cultivar a discriminação a fim de escolher o desejável ou não. Um discípulo
íntimo comprou uma panela depois de lembrar-lhe do castigo divino que cairia sobre ele se
desonestamente lhe vendesse um artigo de má qualidade. Ao chegar em casa viu que a panela
estava com uma parte quebrada. Sabendo do ocorrido, o Mestre recriminou-o dizendo, "Deve uma
pessoa ser tola somente por ser devota de Deus? O comerciante montou uma loja para praticar
religião? E deveria ser por pena que você acreditou nele e pegou a panela, sem mesmo examiná-
la? Jamais faça isso novamente. Quando quiser comprar uma coisa, verifique o preço em outras
lojas da vizinhança, examine-os cuidadosamente na hora de comprar e não deve ir embora sem
também pedir um desconto que é usual dar ao cliente quando a transação está terminada."
19. Certas pessoas de um determinado temperamento tendem a se tornar fracas em nome
da espiritualidade, o que as afasta do caminho espiritual. Isto acontece muitas vezes com homens e
mulheres de natureza terna. Por essa razão o Mestre sempre ensinava que deveriam ser fortes e as de
natureza oposta, a serem doces. O coração de uma dessas pessoas, Swami Yogananda, era muito
terno. Duvidamos que alguma vez o tenhamos visto zangado ou dizendo palavras ásperas, mesmo
quando tinha uma boa razão para isso. Incapaz de suportar as lágrimas da mãe, uniu-se aos laços
do matrimônio, embora fosse completamente contra sua natureza e intenção. Somente o poder
protetor e as palavras de confiança do Mestre puderam salvá-lo num momento de terrível desespero
e arrependimento ao cometer aquele ato. O Mestre vigiava para que ele aprendesse a controlar sua
tendência à ternura excessiva e fraqueza e cultivasse o hábito de só fazer algo depois de estudar a
situação. Vejamos como o Mestre o ensinou, com ajuda de coisas simples. Um dia viram uma barata
na gaveta em que o Mestre guardava roupas e outras coisas. O Mestre disse-lhe, "Apanhe a
barata, leve-a para fora do quarto e mate-a." Ele apanhou-a, levou-a para fora, mas soltou-a em vez
de matá-la. Assim que voltou o Mestre perguntou, "Bem, matou a barata?" Embaraçado respondeu,
"Não senhor, soltei-a." O Mestre repreendeu-o e disse, "Ah! Eu lhe disse para matá-la e você a soltou!
Faça exatamente como eu mando, senão, se no futuro seguir sua intuição em assuntos sérios, vai
se arrepender."
20. Quando um dia vinha a Dakshineswar de barco, Yogin, o mesmo Swami Yogananda, ao
ser indagado por um dos passageiros, disse que ia ver o Mestre no templo de Kali da Rani
Rasmani. Mal o homem ouviu, começou a caluniar o Mestre assim: "Ó! Ele é um impostor,
enganando as pessoas. Come boas iguarias, deita-se em almofadões e vira a cabeça dos jovens."
Yogin foi tocado até a medula ao ouvir aquelas palavras, pensando dizer ao homem tudo o que
pensava. "Muitas pessoas, sem ao menos tentar compreender o Mestre, fazem uma idéia errada
a seu respeito, falando mal dele. O que posso fazer?" Assim pensando, não teve a menor
reação contra o que aquele homem dissera e permaneceu em silêncio. Ao chegar, contou o
incidente ao Mestre, ao longo da conversa. Yogin pensou que o Mestre, destituído de egoísmo,
jamais se deixaria impressionar por elogio ou censura e acharia graça quando soubesse do
ocorrido. Mas o efeito produzido no Mestre foi o oposto. Vendo o acontecimento sob outra ótica, o
Mestre comentou, "Ah, ele falou mal de mim sem qualquer motivo e você foi embora, ouvindo em
silêncio, sem fazer nada! Sabe o que as escrituras dizem? Deve-se cortar a cabeça da pessoa que
fala mal de seu Guru ou então, deixar o lugar. E você não pronunciou uma única palavra de
protesto contra aquela calúnia!"
21. As instruções do Mestre variavam de acordo com o temperamento do discípulo. Niranjan
(Swami Niranjanananda), tinha por natureza, um temperamento impetuoso. Um dia, vindo de
barco a Dakshineswar, ouviu os passageiros falando mal do Mestre. No início protestou
veementemente, mas como não desistiram, ficou terrivelmente zangado e estava prestes a se vingar,
afundando o barco. Niranjan era muito forte e robusto e também, um exímio nadador. Todos
tremeram de medo ao vê-lo ficar roxo de raiva, pediram-lhe perdão e imploraram-lhe que não
afundasse o barco. O Mestre soube do ocorrido depois e repreendeu-o, "A raiva é o pecado mais
perigoso e repreensível. Deve alguém ficar sob seu domínio? Assim como a marca feita na água
desaparece imediatamente, o mesmo acontece com a raiva de uma pessoa boa. Homens de
mentalidade curta dizem muitas coisas indevidas. Se for brigar com eles sobre esses assuntos,

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terá que passar toda a vida assim. Considere-os não melhores do que insetos e fiquem
indiferentes às suas palavras. Pense que grande erro ia cometer sob a influência da raiva. Que
ofensa o timoneiro e o remador lhe fizeram? Você estava disposto até a fazer mal àquelas pobres
pessoas."
22. O Mestre dava às devotas, instruções semelhantes às dos homens. Prevenia às senhoras
de temperamento manso, com as seguintes palavras: "Suponha-mos que você veja que uma pessoa
de suas relações tem muito trabalho e ajuda-a em tudo o que puder, mas não consegue que ela deixe
de ter orgulho de sua beleza e a recrimina por isso. Neste caso você deve dar rédea solta à sua
bondade ou ser severa? Portanto, note que uma pessoa não pode ser boa com qualquer um sob
todas as circunstâncias. Há um limite para a bondade. Deve-se considerar o momento, lugar e a
pessoa a quem dedicar bondade."
23. Lembramo-nos, também, de outro acontecimento relevante a respeito. Harish era um
jovem forte. Tinha uma linda esposa e um filho pequeno. No conjunto sua situação financeira era
boa. Fizera apenas algumas visitas ao Mestre em Dakshineswar, quando foi tomado por uma
grande renúncia. Vendo sua natureza direta, firmeza e tranqüilidade, o Mestre ficou satisfeito com
ele e tornou-se seu anjo protetor. Desde então, Harish começou a passar a maior parte do seu
tempo em Dakshineswar no serviço do Mestre, meditação contínua, Japa e outras formas de
prática espiritual. Sua família pressionava-o para voltar para casa, mas nada - a pressão dos pais,
convites amáveis do sogro ou as lamúrias da esposa não puderam demovê-lo de sua idéia. Quase
tomou voto de silêncio e prosseguiu nesse caminho ao invés de prestar atenção a qualquer
comentário. Querendo chamar nossa atenção para seu temperamento calmo e firme, o Mestre
disse, "Aqueles que são homens no verdadeiro sentido do termo devem ser como Harish -
permanecem mortos a quaisquer provocações e não apresentam qualquer reação."
24. Enquanto Harish vivia em Dakshineswar, abandonando as preocupações mundanas e
empenhando-se em sadhana e práticas religiosas, trouxeram-lhe um dia uma mensagem de que
todos os membros da família estavam tomados de tristeza e que a esposa, incapaz de suportar a
separação, estava dominada pela dor e quase deixou de comer e beber. Harish ouviu, mas
continuou em silêncio como antes. Querendo conhecer sua mente, o Mestre chamou-o a um canto e
disse, "Sua esposa está muito infeliz. Por que não vai para casa e permite que ela o veja ainda
uma vez? De certa maneira, pode-se dizer que não há ninguém 2 (2 A mãe de Harish estava morta. Talvez tenha
sido por essa razão que o Mestre falou dessa maneira.) para cuidar dela. Por isso qual é o mal se for um pouco
gentil com ela?" Harish disse humildemente, "Senhor, este não é um caso para se mostrar
delicadeza. Se o for, neste caso, é possível que fique possuído pelo apego mundano e esqueça o
maior dever de minha vida. Por favor, não me peça isso." O Mestre ficou muito satisfeito com o que
ele disse e de vez em quando nos repetia suas palavras e louvava seu desapego.
25. Houve muitos acontecimentos que mostram como o Mestre observava nossas ações diárias
para determinar as boas e más qualidades de nossa mente. Ao ver Niranjan comer muito ghee
(manteiga clarificada), disse, "Comer tanto ghee! Vai você raptar as filhas e enteadas das pessoas?"
Uma vez o Mestre ficou aborrecido com certa pessoa durante um algum tempo, porque dormia muito.
Quando outra, levada por forte desejo de estudar medicina, deixou de obedecê-lo, o Mestre disse,
"Longe de abandonar os desejos um após o outro, você está acrescentando mais; como espera fazer
progresso espiritual?"
26. Conhecendo por meio dos métodos acima mencionados, o temperamento dos que
haviam tomado refúgio nele, o Mestre não somente os instruía para modificar e corrigir os
defeitos, mas repetidamente verificava a que grau suas instruções estavam sendo seguidas. Além
disso, adotava um modo particular a fim de determinar o grau de progresso espiritual feito por
certas pessoas. Este é o quarto método. O Mestre tomou como regra observar se a devoção ou
reverência que havia trazido a pessoa a ele pela primeira vez, aumentava diariamente ou não.
Visando conhecê-la, o Mestre às vezes perguntava o quanto uma determinada pessoa
compreendera de seus próprios estados espirituais ou conduta. Outras vezes observava se ela
tinha perfeita fé em todas suas palavras ou não, e ainda, às vezes, ajudava-a de diversas
maneiras, como apresentando-a a outras de mesma natureza, relacionamento próximo com
quem provavelmente aprofundaria sua atitude espiritual. Por fim ficava certo do progresso
espiritual do discípulo quando o via considerá-lo (o Mestre) a mais elevada manifestação do
ideal espiritual do mundo moderno.
27. O leitor certamente se surpreenderá com as palavras acima mencionadas, mas se
pensar um pouco verá que não há nada com o que se surpreender com a idéia; pelo contrário, era
apenas razoável e natural para o Mestre assim falar. Não tinha outra alternativa de se comportar,
porque sentia que realmente nele havia uma manifestação de espiritualidade numa extensão

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jamais conhecida anteriormente. Já explicamos que, como resultado de uma longa prática de
austeridade, meditação e samadhi, o egoísmo foi destruído e que a possibilidade de qualquer erro
ou engano nele, também desaparecera para sempre.
Uma memória e um Conhecimento infinitos manifestaram-se em sua mente.
Conseqüentemente surgiu a convicção de que através dele estava sendo revelado um ideal
espiritual que a humanidade jamais vira em qualquer lugar do mundo. Por conseguinte, tinha
naturalmente de acreditar que todos aqueles que compreenderam convenientemente e tentaram
iluminar suas vidas com a luz daquele ideal, facilmente fariam progresso espiritual na era
moderna. Por esta razão não é de se admirar que ele analisasse minuciosamente se aqueles que
vinham a ele haviam compreendido corretamente o que lhe fora relatado a seu respeito e
estavam se esforçando para moldar suas vidas segundo as idéias elevadas manifestadas através
dele.
O Mestre expressou sua convicção de diversas maneiras. Costumava dizer, "Uma moeda
da época dos Nawabs não têm mais valor no período dos Badshas." "Você alcançará o objetivo se
agir como digo"; "Somente aqueles que estão vivendo sua última encarnação, que chegaram no
final da série de transmigrações, é, que devem ser liberados nesta vida verão e aceitarão a
doutrina liberal deste lugar". "Seu Ideal Escolhido está residindo aqui (apontando para si
mesmo); se meditarem nisso estarão meditando n'Ele" e assim por diante. Vamos ver agora
como o Mestre costumava avaliar, através de perguntas, o grau de fé e compreensão que os
discípulos tinham dele.
28. Aquele que teve a bênção de conhecer o Mestre e receber sua graça sabe que ele,
sozinho ou na companhia de alguns escolhidos, subitamente fazia a pergunta ao devoto
afortunado, "Bem, qual é sua idéia a meu respeito? Quem sou eu?" Esta pergunta costumava
geralmente ser feita a pessoas que estavam em contato íntimo com ele há bastante tempo.
Mas nem sempre era este o caso. Às vezes a fazia a um devoto que o estava visitando pela
primeira vez ou muito pouco tempo depois. Estes eram os devotos, cuja chegada há muito
tempo lhe fora anunciada através de visões ióguicas. A quantidade de respostas que obteve não
pode ser descrita. Resumindo, foram: 'O senhor é um verdadeiro sadhu', 'um verdadeiro devoto
de Deus', 'uma grande alma', 'um homem perfeito', 'uma encarnação de Deus', 'igual a
Krishna, Buda, Chaitanya e outros grandes' " e assim por diante. Também perguntado dessa
maneira, Williams3, (3 Viemos a saber através de uma fonte confiável, que esta pessoa considerou o Mestre uma Encarnação de
Deus, depois de lhe fazer apenas algumas visitas. Renunciou ao mundo, segundo suas instruções e empenhou-se em práticas
espirituais e austeridade nos Himalaias até a morte no norte do Punjab.) um cristão, disse que considerava o Mestre
o "próprio Jesus, o Filho de Deus, a personificação da Consciência Eterna." Não sabemos até que
ponto essas pessoas o compreenderam, mas exprimiram suas próprias idéias a respeito do
Mestre e de Deus. O Mestre, de sua parte, olhava suas respostas com a compreensão
mencionada acima, comportava-se de acordo e as instruía segundo a atitude espiritual de cada
uma. Porque, ao invés de destruir a atitude espiritual dessas pessoas, o Mestre, sendo a
personificação de todas as atitudes e sentimentos, ajudava todas a desenvolverem seu próprio
estado e atitude ao grau mais elevado e por fim, realizar o Deus cuja natureza real é a Verdade e
está além do tempo e espaço, mas tinha cuidado de reparar se elas exprimiam sua própria idéia
ou estavam sendo sugestionadas por alguém.
29. Purna4, (4 Purnachandra Ghosh.) um discípulo, era apenas um menino quando conheceu o
Mestre. Parece que tinha um pouco mais de treze anos. Sri Mahendra, o grande devoto do Mestre,
era então o diretor da escola em Shyambazar, fundada por Vidyasagar. Costumava levar ao Mestre
em Dakshineswar aqueles rapazes que por natureza, pareciam ter amor por Deus. Assim levou a ele,
um após outro, Tejchandra, Narayan, Haripada, Vinod, Naren Júnior, Pramatha (Paltu) e outros do
bairro de Baghbazar, que tomaram refúgio no Mestre. Alguns de nós, portanto, o chamávamos
"instrutor raptor." Ao ouvir isso, o Mestre disse sorrindo, "É o apelido correto para ele." Um dia,
enquanto dava aula aos alunos da classe três, a natureza fina e conversa suave de Purna o atraiu e
pouco tempo depois o apresentou ao Mestre. Isso foi feito secretamente porque os responsáveis por
Purna tinham um temperamento duro e se viessem a saber, tanto o professor como o aluno
sofreriam um tratamento grosseiro. Purna, portanto, foi à escola na hora regulamentar e a
Dakshineswar numa carruagem alugada, voltando à escola antes dela fechar. Chegou em casa na
hora usual.
30.0 Mestre ficou extremamente satisfeito de ver Purna naquele dia e dando-lhe instrução e algo
para comer, com muita afeição, disse na hora da saída, "Venha sempre que lhe for possível, venha de
carruagem, providenciaremos o pagamento do aluguel." Mais tarde, disse-nos, "Purna é parte de
Narayana e um aspirante espiritual, possuindo Sattva em alto grau. A esse respeito, pode-se dizer que
ocupa um lugar imediatamente abaixo de Naren. A chegada de Purna marca o fim da chegada daqueles

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devotos que em uma visão foram especialmente escolhidos para atingir a realização espiritual.
Portanto, ninguém mais assim virá aqui no futuro."
31. Purna experimentou uma extraordinária mudança em seu estado mental naquele dia. A
lembrança do tempo passado com o Mestre foi despertada. Isto o tornou calmo e introspectivo.
Torrentes incessantes de lágrimas de felicidade escorriam dos olhos. Com medo de seus
responsáveis, teve que se esforçar muito para se controlar antes de voltar para casa naquele dia.
Desde então surgiu na mente do Mestre uma grande ansiedade para ver Purna com mais freqüência e
alimentá-lo. Sempre que podia, enviava-lhe diversas comidas. Pedia à pessoa que as levava a Purna,
entregá-las discretamente porque, se em casa viessem a saber, haveria a possibilidade do rapaz ser
castigado.
32. Em muitas ocasiões vimos o Mestre derramar lágrimas incessantes devido à sua
ansiedade de ver Purna. Vendo-nos surpresos com esse comportamento, disse, certo dia, "Vocês
estão admirados por me verem atraído para Purna, mas não sei como se sentiriam se tivessem visto o
anseio que surgiu em meu coração quando vi Naren pela primeira vez e quão desassossegado fiquei
naquela ocasião." Sempre que estava ansioso para ver Purna, o Mestre ia a Calcutá, ao meio-dia, à
casa de Balaram Basu em Baghbazar ou na casa de qualquer outro, no bairro, enviava um recado e
chamava-o da escola. Foi num desses lugares que Purna teve o privilégio de ver o Mestre pela
segunda vez e naquele dia ficou completamente mergulhado em seu Ser. O Mestre, naquela ocasião,
alimentou-o com suas próprias mãos como uma mãe amorosa e perguntou-lhe, "Bem, o que pensa de
mim? Quem sou eu?" Tomado por um extraordinário impulso do coração e inflamado por devoção,
Purna respondeu, "O senhor é o próprio Deus."
33. A alegria e admiração do Mestre não conheceram limite naquele dia, quando soube que
o jovem Purna, ao conhecê-lo, aceitou-o como o mais elevado ideal espiritual. Abençoou o jovem
de todo coração e deu-lhe instrução sobre a prática espiritual iniciando-o com um potente Mantra
sagrado. Depois, voltando a Dakshineswar, disse-nos repetidamente, "Bem, Purna é apenas um
menino; seu intelecto ainda não se desenvolveu, contudo, como pôde compreender? Sob o impulso
de impressões divinas, outros também deram a mesma resposta. Certamente é devido às impressões
acumuladas em vidas anteriores que a verdade surge naturalmente em suas mentes sátivicas."
34. Purna teve de se casar por força das circunstâncias e levou a vida de família, mas todos
aqueles que o conheceram intimamente, testemunharam com unanimidade, sua fé extraordinária,
confiança em Deus, amor à Sadhana, ausência de egoísmo em todos os aspectos.
35. Vejamos outro exemplo do Mestre fazendo aquela pergunta aos devotos que tomaram
refúgio nele. Em seu quarto, no templo de Dakshineswar havia um quadro do grande Sri Chaitanya
em Sankirtan. Logo depois que veio a Dakshineswar o Mestre mostrou o quadro a uma pessoa nossa
amiga e disse, "Não vê como tudo está cheio de emoções divinas?"
A pessoa:: "Senhor, são todas de classe inferior."
O Mestre: "Como? Deve-se dizer isso?"
A pessoa: "Sim, senhor. Pertenço a Nadia e sei que em geral estes vaishnavas, são pessoas
inferiores."
O Mestre: "Você pertence a Nadia; então saúdo-o de outra maneira. Bem, Ram e outros
chamam este (mostrando sua própria pessoa) uma Encarnação. Deixe-me saber o que pensa disso."
A pessoa: "Senhor, eles usam essa palavra pouco importante?"
O Mestre: "Como? Falam 'Encarnação de Deus' e você diz que é 'pouco importante!'"
Uma pessoa: "Sim, senhor; uma Encarnação é uma parte de Deus. Para mim o senhor é o
Próprio Shiva."
O Mestre: "O que você diz!"
Uma pessoa: "Aquele pensamento vem à minha mente; ora, o que posso dizer? O senhor
pediu-me para meditar em Shiva; mas não consegui, embora tenha diariamente tentado fazê-lo.
Assim que me sento para meditar, seu rosto misericordioso aparece radiante diante de mim.
De jeito algum posso trazer Shiva, retirando seu rosto, nem me sinto inclinado a fazê-lo.
Assim, medito somente no senhor, como Shiva."
O Mestre: (sorrindo afetuosamente) "Ó! Não fale assim porque sei que sou um pequeno fio
de cabelo seu. (Ambos riram). Senti muita ansiedade por você; mas agora não sinto mais."
Não sabemos se aquela pessoa compreendeu, naquela época, porque o Mestre falou
aquelas palavras. Em tais ocasiões nossos corações exultavam de alegria ao sentir que o Mestre
havia ficado satisfeito e não queríamos ir mais fundo no significado de suas palavras. Sentimos
que o Mestre dissera aquelas palavras porque sabia que ela o havia aceitado como o mais
elevado ideal espiritual.

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36. O Mestre esforçava-se para saber se os devotos que se refugiavam nele, faziam-no
somente depois de o terem observado minuciosamente e estavam convencidos de sua
autenticidade, porque costumava muitas vezes nos dizer, "Observem um homem santo durante
o dia, observem-no à noite e então, acreditem nele." O Mestre sempre nos encorajava a ver se
um homem santo praticava o que ensinava . Dizia que não se deve acreditar num homem cujos
pensamentos, palavras e ações não estivessem de acordo. Ouvimos do Mestre uma história a
esse respeito.
37. Havia um homem cujo filho sofria freqüentemente de indigestão. Um dia o pai levou-
o para se tratar com um famoso médico, numa vila distante. O médico examinou o menino e fez
o diagnóstico da doença, mas ao invés de prescrever um remédio, pediu-lhe que viesse
novamente na manhã seguinte. Quando o pai voltou no dia seguinte com o filho, o médico disse ao
menino, "Deixe de comer rapadura e ficará curado; não há necessidade de tomar remédio."
Ouvindo estas palavras, o pai disse, "Senhor, poderia ter dito isso ontem porque eu não teria
tido tanto trabalho hoje, de vir de tão longe." O médico respondeu, "Não compreende? Ontem
eu tinha aqui alguns potes de rapadura. Provavelmente o senhor deve ter notado. Se ontem eu
tivesse proibido o rapaz de comer rapadura, ele teria achado que o médico era realmente uma
pessoa estranha; ele mesmo come tanta rapadura e pede-me para me conter! Pensando assim,
não levaria a sério minhas palavras, isto para não falar em abster-se. É por esta razão que não
lhe falei antes de tirar os potes de rapadura."
38. Instruídos pelo Mestre, todos nós observávamos minuciosamente sua conduta e
maneira de viver, a fim de constatar se estavam de acordo com o que afirmava. Alguns,
também, não hesitaram em testá-lo. Observou-se que ele, condescentendemente, permitia toda
liberdade indevida que tínhamos com ele, porque sabia que era feita com toda sinceridade e iria
fortalecer nossa fé e devoção.
39. Já falamos a respeito de Swami Yogananda. Seu nome, antes de tomar os votos
monásticos, era Yogindranath Ray Chaudhuri. Nasceu na conhecida família dos Savarna
Chaudhuris. Seu pai, Navinchandra, foi um rico zemindar e a família viveu durante várias
gerações no próprio vilarejo de Dakshineswar. Na casa de Yogindra sempre se fazia a adoração
da Divindade e o local ressoava com o kirtan e o recital do Mahabharata, Bhagavata e outras
escrituras. Foi assim durante sua infância e mesmo antes. O Mestre dizia que fora naquela casa
muitas vezes durante sua sadhana, para ouvir palestras sobre Hari e que se relacionara com
alguns membros da família. Quando Yogindra era pequeno, a família perdeu a maior parte da
propriedade devido a brigas entre seus membros e outras razões, e a família Chaudhuri ficou às
portas da penúria.
40. Desde a infância Yogindra era calmo, equilibrado, com uma natureza doce. Nascera
com extraordinárias qualidades. Desde a tenra idade, desde que a autoconsciência despertou
nele, tinha a sensação de que não era deste mundo - que seu verdadeiro lar não estava aqui
mas num certo grupo de estrelas onde todos seus companheiros ainda estavam. Jamais o vimos
zangado. Swami Vivekananda dizia, "Se há alguém entre nós que conquistou a luxúria em todos
seus aspectos, este é Yogin." Embora às vezes fosse repreendido pelo Mestre para que lutasse
contra esta tendência de acreditar ingenuamente em todos, Yogindra não era tolo. Apesar de
tranqüilo e sempre ocupado com suas obrigações, observava o que as pessoas faziam e o que
concluía sobre elas era sempre correto. Isto ocasionou nele um orgulho de sua inteligência.
41. Como morava em Dakshineswar, ao atingir a juventude, teve a honra de encontrar o
Mestre que ficou extremamente satisfeito em conhecê-lo e viu nele uma das pessoas que a
Mãe Divina lhe mostrara há muito tempo, destinada a ir a ele para obter iluminação espiritual.
Mais tarde soube, pela graça da Mãe Universal, que era uma das seis pessoas pertencentes à
classe dos Ishvarakotis.
42. Já dissemos que Yogindra casara-se subitamente contra sua vontade devido ao
pedido insistente de sua mãe. Dizia, "Assim que me casei, pensei que a esperança da realização
de Deus passara a ser uma coisa impossível. Por que deveria ir ao Mestre cujo primeiro
ensinamento era a renúncia à luxúria e ao ouro? Havia estragado minha vida por causa da
ternura de meu coração. Agora não podia ser desfeito. Quanto mais cedo eu morresse, melhor
seria. Costumava visitar o Mestre diariamente, mas depois do ocorrido, deixei de ir e passava
meus dias em grande desespero e arrependimento, mas o Mestre não me abandonou. Mandava
recado após recado, chamando-me, mas quando viu que eu não ia apesar de tudo, utilizou um
estratagema. Certa pessoa do templo de Kali havia me dado umas rupias para comprar-lhe
algumas coisas, antes de meu casamento. Havia um troco de algumas annas. Mandei-lhe as
compras e um recado que breve lhe enviaria o troco do dinheiro. O Mestre sabia disso e

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fingindo estar zangado, um dia enviou alguém para me falar a seu favor, "Que tipo de homem
você é? Não mandou o troco, nem mesmo uma palavra à pessoa que lhe deu dinheiro para
comprar os artigos solicitados! O que deveria ter feito era apresentar uma conta do dinheiro
gasto e entregar o saldo.' Estas palavras tocaram meu orgulho, eu estava seriamente ferido.
Pensei, 'O Mestre tomou-me por um ladrão depois de um longo período de relacionamento
íntimo! Bem, vou lá qualquer dia para terminar com a questão e depois jamais porei novamente
meus pés no templo de Kali.' Estava quase morto de desespero, arrependimento, orgulho ferido e
ressentimento. À tarde fui ao templo de Kali e de longe vi que o Mestre estava fora do quarto,
como se estivesse em êxtase, com a roupa no ombro. Logo que me viu, veio correndo, dizendo,
'Ó! Que diferença faz se você está casado! Case-se mil vezes e nenhum mal poderá lhe tocar se
somente tiver a graça deste lugar (referindo-se a si mesmo). Se quiser levar uma vida de
família e ao mesmo tempo realizar Deus, traga sua esposa aqui e tornarei os dois preparados
para esse estado, mas se quiser renunciar à vida mundana e alcançá-lo, também farei isto
possível para você.' Estas palavras do Mestre ditas num estado de semi-consciência
penetraram profundo no meu coração e a escuridão de desespero anterior desapareceu no
vazio. Com lágrimas nos olhos, inclinei-me profundamente ante ele. Ele também segurou a
minha mão afetuosamente e entramos no quarto. Eu ia falar sobre o acerto de contas e a
devolução do troco.
Yogindra havia nascido com a índole de um sannyasin renunciante. Casou-se mas aquele
ato não acarretou qualquer modificação. Começou a dedicar cada vez mais seu tempo ao
serviço do Mestre, agora seu único refúgio. Os pais de Yogin começaram a se queixar ao ver o
filho indiferente aos negócios do mundo e ao dinheiro. Ele disse, "Um dia ao se queixar, minha
mãe observou, 'Por que se casou se não quer pensar em dinheiro?' Respondi, 'Já lhe disse
repetidas vezes que assim agi porque não podia suportar vê-la chorar.' Altamente inflamada
com estas palavras, a mãe replicou, 'Não diga isto! Como poderia se casar por minha causa, se
não o tivesse querido! Quem vai acreditar nisso!' Surpreso com as palavras dela, pensei, 'Ah,
meu Deus! Ela é a pessoa cujo sofrimento eu não podia suportar e por quem estava pronto a
abandonar-te! Fora com isto! Não há ninguém no mundo exceto o Mestre cujos pensamentos e
palavras coincidem. Desde então uma aversão pelo mundo tomou conta de mim, e comecei a
passar as noites com o Mestre."
43. Passando o dia inteiro com o Mestre, um dia Yogindra viu que todos os devotos que
estavam no templo de Dakshineswar foram embora antes do entardecer. Yogindra não quis ir
para casa naquele dia, pensando que o Mestre pudesse precisar de alguma coisa durante a noite,
quando não haveria ninguém com ele. O Mestre, também, ficou bastante satisfeito ao saber que
Yogin iria passar a noite lá. Absorvidos em conversas espirituais não repararam que a noite já
estava bastante avançada e que eram dez horas. O Mestre então tomou uma refeição ligeira.
Depois de Yogindra terminar sua refeição, o Mestre pediu-lhe para dormir no quarto. Quando
passava da meia-noite, o Mestre quis sair para responder ao chamado da natureza; olhou para
Yogin e viu que estava dormindo profundamente. Pensando que Yogin ficaria perturbado se o
acordasse, foi sozinho em direção ao Panchavati e em seguida, ao conjunto de árvores tamargas.
44. Yogin durante toda sua vida foi conhecido por dormir pouco. Acordou logo depois
que o Mestre saiu. Vendo que a porta do quarto havia ficado aberta, levantou-se, conjeturando
onde o Mestre poderia ter ido altas horas da noite. Viu que os jarros d'água do Mestre estavam
no lugar certo e portanto imaginou que ele poderia estar dando uma volta. Uma terrível suspeita
assaltou-o, "Teria o Mestre ido ao Nahabat, onde vivia a esposa? Será que ele também não faz
aquilo que professa?"
45. Yogindra disse, "Mal aquele pensamento passou por minha cabeça, fui tomado de
suspeita, medo e diversos outros sentimentos. Decidi que por mais cruel que a verdade pudesse
ser, ela deveria ser desvendada. Fiquei então num lugar acessível, observando a porta do
Nahabat. Mal havia assim feito em alguns minutos ouvi o ruído de chinelos vindo do
Panchavati. Logo, o Mestre apareceu diante de mim e disse amorosamente, "Ah, vejo que está
aqui". Envergonhado e com medo, pensei, "Ó! Tive uma suspeita mesquinha de seu caráter!'
Conservei a cabeça baixa sem dar-lhe qualquer resposta. O Mestre compreendeu tudo, ao ver
meu rosto, mas ao invés de se ofender, imediatamente me consolou e disse, 'Bem, está tudo
bem. Observe um sadhu dia e noite e então creia nele.' Assim falando, pediu-me para
acompanhá-lo até o quarto. Não pude dormir aquela noite, pensando na ofensa que cometera
sob impulso de uma natureza desconfiada."
46. Swami Yogananda espiou completamente a ofensa acima mencionada, refugiando-se
no Guru em todos os aspectos e depositando sua vida ao serviço, primeiro do Mestre e depois de

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sua morte, ao da Santa Mãe. Um Yogi como Yogindra, tendo a experiência do Samadhi e possuidor
de um intenso desapego e qualificado igualmente para a devoção e o Conhecimento Divino, é
raramente encontrado. Faleceu em 1899 para se unir ao Ser Supremo.
47. Já dissemos que o Mestre sempre observava minuciosamente todos os atos de
Narendra, desde que ele veio para Dakshineswar. Em conseqüência sabia que coragem, valor,
auto-controle, amor à religião, auto-sacrifício por uma boa causa e outras qualidades boas eram
virtudes inatas no coração de Narendra. Sabia que o poder de boas impressões em sua mente
era tão forte que era impossível para ele praticar qualquer ação má como as pessoas comuns,
mesmo sob a pressão da adversidade e tentações. Quanto à verdade, observando sua devoção a
ela, o Mestre ficou tão impressionado que acreditava em cada palavra sua e tinha a firme
convicção de que brevemente ele alcançaria o estado em que a verdade, somente a verdade,
sairia de sua boca e nunca uma inverdade, mesmo por engano, e que até as idéias que por acaso
cruzassem sua mente provariam ser verdadeiras. Ele sempre o encorajou no que diz respeito à
verdade e dizia, "Quem se apega à verdade com o corpo, mente e fala é abençoado com a visão
de Deus, que é a própria Verdade. Quem não se desvia da verdade por doze anos, consegue o
que deseja."
48. Nós nos lembramos de um acontecimento engraçado a respeito da fé que o Mestre
depositava na veracidade de Narendra. Um dia, ao longo de uma conversa, explicava que a
natureza de um devoto é como a de um pássaro Chataka. Dizia, "Assim como um Chataka olha
para uma nuvem para saciar sua sede com a água da chuva e depende dela para tudo, assim
também, um devoto depende de Deus para saciar a sede de seu coração e remover todas as
suas necessidades." Narendra estava sentado por perto. Subitamente disse, "Senhor, embora
geralmente se acredite que um Chataka só bebe água da chuva, isto não é verdade, bebe a água
dos rios e outros reservatórios de água, como todos os outros passarinhos. Vi um Chataka
bebendo essa água." O Mestre disse, "Como e possível? Um Chataka bebe essa água como
outros pássaros? Vejo que o que acredito há tanto tempo é falso. Como você viu, não posso ter
dúvidas a esse respeito." O Mestre, possuidor de uma natureza infantil, não ficou satisfeito em
simplesmente dizer aquilo. Achou que, assim como sua convicção era falsa, as outras também
poderiam ser. Pensando desta maneira, sentiu-se muito deprimido. Alguns dias depois,
Narendra chamou o Mestre e disse, "Ali, veja, senhor! Imagine um Chataka bebendo água do
Ganges." O Mestre veio correndo e disse, "Onde?" Narendra mostrou um passarinho que o
Mestre viu ser apenas de um pequeno morcego, bebendo água. Disse, sorrindo, "Trata-se de
um morcego. Você tomou um morcego por um Chataka, e causou-me tanta decepção. Não
acreditarei mais em você."
49. Um homem comum muitas vezes assume na presença de uma senhora a atitude de
ternura, polidez, apreço à beleza e outras emoções nobres. Segundo as escrituras, isto não é um
impulso de uma nobre estima, mas ocorre devido a impressões sutis de natureza sexual. Estas
impressões e suas manifestações estavam totalmente ausentes em Narendra. O Mestre notou esta
atitude com muita satisfação e estava firmemente convencido de que Narendra jamais se
desviaria do caminho do autocontrole pela atração da beleza feminina. Um dia, ao comparar
Narendra com outro devoto5 (5 Nityagopal. Mais tarde tomou o nome de Swami Jnanananda.) que merece grande
respeito de nossa parte, por causa de seus constantes transes, o Mestre disse, "Ele se perde no
cuidado e afeição das senhoras, mas com Narendra é bem diferente. Observei-o minuciosamente
e vi-o em situações semelhantes balançando cabeça, 'Por que estão aqui?'
50. O Mestre contou-nos em diversas ocasiões que, embora Narendra possuísse
conhecimento vedantista e qualidades masculinas em grau elevado, não lhe faltavam ternura e
devoção. Chegara a essa conclusão ao observar suas atitudes no dia-a-dia e suas características
físicas. Observando a doçura dos traços do rosto de Narendra, lembramo-nos do dia em que ele
disse, 'Pode um homem de Conhecimento6 (6 Tipo de conhecimento vedantista que considera o mundo como
totalmente inexistente, o que conduz portanto, à absoluta indiferença para os sofrimentos da humanidade retirando e
rejeitando a atitude de devoção a um Deus Pessoal, que tudo penetra.) ter esses olhos? Você possui a emoção
feminina da devoção bem como Conhecimento. Aqueles que têm dentro de si apenas
qualidades masculinas não têm círculos negros em torno de seus seios. Arjuna, o grande herói,
não tinha aquelas marcas."
51. O Mestre testou Narendra por outros meios que nos eram conhecidos ou não, além dos
quatro tipos mencionados acima. O Mestre, já dissemos, costumava prestar muita atenção em
Narendra quando vinha a Dakshineswar. No momento em que via Narendra ao longe, a mente saía
do corpo com grande velocidade e unia-se a Narendra num abraço de amor. É impossível dizer
quantas vezes vimos o Mestre entrar em êxtase, dizendo, "Aí está Na - , aí está Na -". Mas houve
uma quebra nesta situação. Numa determinada fase de seu relacionamento, notou-se que o

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Mestre ficou frio e indiferente a Narendra. Um dia Narendra veio como sempre, inclinou-se
profundamente ante o Mestre, sentou-se diante dele e ficou esperando durante muito tempo,
mas o Mestre permaneceu bastante indiferente, nem mesmo perguntando a respeito de seu
bem-estar, muito menos demonstrando preocupação. Narendra pensou que o Mestre estivesse
talvez sob a influência de emoções espirituais. Tendo esperado muito tempo, saiu do aposento
e foi conversar com Hazra, fumando. Ouvindo que o Mestre estava conversando com outras
pessoas, Narendra voltou. Mas o Mestre não lhe dirigiu a palavra e deitou-se na cama com o
rosto voltado para outra direção. O dia inteiro passou assim. A noite aproximava-se e Narendra
ainda não notara qualquer mudança na atitude do Mestre. Assim inclinou-se ante ele e voltou a
Calcutá.
Mal havia passado uma semana, quando Narendra veio novamente a Dakshineswar e
encontrou o Mestre no mesmo estado. Nessa ocasião passou o dia inteiro conversando com Hazra
e outros e, voltou para casa ao entardecer. Narendra voltou ainda uma terceira e quarta vez,
sem encontrar a menor mudança na atitude do Mestre. Sem se sentir aborrecido ou ferido por
isto, continuou fazendo as usuais visitas ao Mestre. O Mestre enviava alguém de vez em quando
para saber notícias de Narendra quando este estava em casa, mas continuava a se comportar
com a mesma indiferença, sempre que ele vinha. No final de mais ou menos um mês, quando o
Mestre viu que Narendra não havia desistido de visitar Dakshineswar, apesar de sua indiferença,
um dia chamou-o e perguntou, "Bem, não falei sequer uma palavra com você, assim mesmo
continua a vir aqui. Por que age assim?" Narendra disse, "Será que venho aqui para ouvir o que
o senhor fala? Eu o amo, quero vê-lo; é por isso que venho." Altamente satisfeito com a
resposta, o Mestre disse, "Eu o estava testando para ver se deixaria de vir, se não tinha amor
verdadeiro e atenção. Só um aspirante espiritual de seu calibre pode suportar tanta negligência e
indiferença. Qualquer outro há muito tempo me deixaria e jamais voltaria aqui."
52. Vejamos mais um acontecimento que fará que se compreenda quão intensa era a
ansiedade de Narendra para a realização direta de Deus. Um dia o Mestre chamou-o à parte no
Panchavati e disse, "Como resultado de ter praticado austeridade durante muito tempo tenho os
oito poderes sobrenaturais, como assumir a menor dimensão de um átomo e os outros. Mas
quando haverá oportunidade para uma pessoa como eu, que nem pode manter roupa de forma
correta em torno da cintura, utilizá-los? Estou pensando em pedir à Mãe para transferir-lhe
todos e porque Ela me disse que você terá que trabalhar para Ela. Se todos esses poderes lhe
forem transferidos, poderá usá-los quando necessário. O que me diz?" Narendra familiarizara-se
com a manifestação infinita do Divino poder no Mestre, desde o primeiro dia em que o viu em
Dakshineswar Por conseguinte não tinha qualquer motivo para desacreditar de suas palavras.
Mas seu amor inerente a Deus não lhe permitia aceitar aqueles poderes sem antes fazer uma
cuidadosa investigação. Narendra pensou seriamente e perguntou, "Senhor, eles me ajudarão a
realizar Deus?" O Mestre respondeu: "Eles não o ajudarão neste respeito, mas lhe serão de
grande valia quando empreender o trabalho de Deus, depois de realizá-lo." Ouvindo estas
palavras, Narendra disse, "Senhor, não necessito dessas coisas. Deixe-me primeiro realizar Deus
e depois, decidirei se os aceito ou não. Se obtiver estes poderes agora, posso, impelido pelo
egoísmo, esquecer-me do objetivo da vida e fazer mau uso deles. Será a ruína total para mim."
Não sabemos se o Mestre podia transmitir a Narendra tais poderes, como ficar do tamanho de
um átomo etc., ou se falara para testá-lo, mas sabemos que ficou muito satisfeito ao ver que
não os aceitou.

CAPÍTULO VIII - SEÇÃO I

O APRENDIZADO DE NARENDRANATH NO MUNDO E O RECEBIDO DO


MESTRE
ASSUNTOS: 1. Narendra e o Mestre divergiam em suas naturezas. 2. Narendra, um livre pensador. 3. A
influência das condições sociais e do pai. 4. Narendra insatisfeito com o pensamento ocidental. 5. A
hesitação de Narendra entre os sistemas de pensamento oriental e ocidental. 6. Sua resolução de realizar
Deus permaneceu imutável. 7. A fé de Narendra em Deus ficou intacta. 8. A Sadhana de Narendra 9. Sua
devoção à meditação. 10. Sua visão de Buda.

1. Às vezes o Mestre falava-nos do contraste existente, entre sua natureza e a de


Narendra, "A pessoa que está dentro de mim tem a natureza de uma mulher, enquanto que a
que Narendra tem, é a de um homem." É difícil compreender exatamente o que o Mestre queria

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dizer com estas palavras, mas entendemos o significado correto se estudarmos os caminhos
que trilhavam, os principais meios que adotaram na busca de Deus, a Verdade Suprema. Isto
porque o Mestre praticara as diversas disciplinas das escrituras com fé total, logo após a
instrução do Guru, enquanto Narendra tinha um ponto de vista totalmente diferente.
Narendra, em primeiro lugar verificava se as palavras das escrituras e do instrutor estavam
corretas e só começava a praticá-las quando as considerava de acordo com a razão. Embora
tivesse uma fé firme na existência de Deus por causa de suas impressões passadas, durante
toda a vida Narendra manteve a idéia de que todos os homens, sem exceção, são suscetíveis
de erros e superstições e que não havia razão para que uma pessoa aceitasse
indiscriminadamente a palavra de qualquer um. Na era moderna, submeter qualquer expressão
de fé e devoção ao teste da razão e ter esta atitude mental em todos os assuntos da vida,
sagrados ou mundanos, é geralmente considerada uma característica masculina.
2. O ambiente sempre teve grande influência na moldagem da vida humana em todos
os tempos e lugares. Mesmo antes de ir ao Mestre, Narendra, devido a seu intelecto fora do
comum, tornou-se bem versado na literatura inglesa, nas histórias européias e indianas e na
lógica ocidental, estando completamente imbuído de idéias ocidentais, cujo princípio de busca
e livre pensamento penetraram em sua medula. É, portanto, natural que duvidasse da
veracidade das escrituras em muitos casos e evitasse aceitar qualquer homem como Guru, a
não ser como um instrutor experiente.
3. Os ideais de vida dos responsáveis de Narendra e as condições da sociedade de
Calcutá na época, contribuíram muito para essa atitude. O avô teve grande fé nas escrituras
hindus durante toda a vida, tornando-se monge, mas o pai de Narendra perdeu aquela fé
devido à educação ocidental e tornou-se um livre pensador. Os poemas de Hafiz, o poeta persa
e as palavras de Jesus, relatadas na Bíblia, eram considerados por ele como o limite mais
elevado das idéias espirituais. Esta limitação de seu horizonte espiritual era devido ao fato de
não ler o Gita e outros Shastras hindus porque não conhecia o sânscrito. Quando um dia, ao
ver Narendra lendo textos religiosos, deu-lhe uma cópia da Bíblia e disse, "Se existe alguma
coisa chamada religião, está contida aqui." Embora enaltecesse a Bíblia e os poemas de Hafiz,
sua vida não era espiritualmente moldada pelas idéias contidas naqueles livros. A espiritualidade
parecia estranha à sua natureza e a admiração que demonstrava por aqueles livros era
somente superficial. Segundo ele o objetivo final da vida era ganhar dinheiro, levar uma vida
feliz e contribuir para a felicidade dos outros na medida do possível. Disso e do estudo de sua
vida diária, pode-se ver quão fraca era sua fé em Deus, no ser individual e no além. O
materialismo ocidental, baseado na idéia de que este mundo é tudo, ocasionou em certas
pessoas, como o pai de Narendra, uma terrível dúvida sobre as entidades metafísicas e em
muitos casos, uma inclinação ateísta. Estavam certos de que nada havia para ser aprendido
dos antigos Rishis e Shastras, sendo estes fontes de todas as superstições e fraqueza. Em
conseqüência, destituídos da espinha dorsal espiritual e da fé na religião, nutriam
internamente um conjunto de idéias mas comportavam-se exteriormente de maneira
diferente, tornando-se assim cada vez mais egoístas e hipócritas. O Brahmo Samaj, fundado
pelo grande intelectual Raja Rammohan Roy, tentou por um curto período, lutar contra a maré
de ateísmo e materialismo motivada pela grande pressão da civilização ocidental, mas aquela
organização ao se dividir em duas partes devido a disputas internas, perdeu o esplendor
original. Ficou cada vez mais evidente que os seguidores de ambas as partes se permitiram ser
conduzidos pela corrente do pensamento materialista que prevalecia na época
4. Narendra tornou-se bem familiarizado com as ciências e filosofia ocidentais depois de
seu exame em 1881. Já havia dominado todas as doutrinas de Mill e outros lógicos ocidentais.
Surgiu então em seu coração um grande anseio pela doutrina de Descartes, expressa
abreviadamente como, "Penso, logo existo" (cogito ergo sum), o ateísmo de Hume e Bentham,
panteísmo de Spinoza, doutrina da evolução de Darwin, positivismo de Comte, agnosticismo
de Spencer e outras doutrinas filosóficas de pensadores ocidentais para determinar a natureza
da Realidade.Tomando conhecimento da grande fama dos filósofos alemães, esforçou-se para
conhecer o máximo possível das doutrinas de Kant, Fichte, Hegel, Schopenhauer e outros.
Também, a fim de conhecer como os nervos e o cérebro são constituídos e como funcionam, às
vezes ia ao Calcutta Medical College com os amigos estudar fisiologia e ouvir palestras a
respeito. Em conseqüência já conhecia muito sobre a filosofia ocidental mesmo antes de ser
aprovado no Exame de Bacharel em Artes em 1884. Como resultado desses estudos, ficou
ainda mais desassossegado uma que o conhecimento adquirido provou que a mente e o
intelecto são inadequados para revelar um vislumbre da Verdade que existe além desses

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limites, quanto mais dar quaisquer meios para a realização de Deus, aquela Verdade
Absoluta, e para atingir a paz eterna.
5. Narendra claramente compreendeu, com a ajuda da ciência e da filosofia
ocidentais, que os estímulos externos, atingindo o cérebro através dos órgãos dos
sentidos, ocasionam várias reações nele que resultam em constantes mudanças mentais,
propiciando experiências agradáveis ou dolorosas. O homem tem o conhecimento direto
somente dessas mudanças mentais e dos resultados que ocorrem nele e mesmo assim,
somente através de espaço e tempo. Além disso, a fonte da qual se supõe vir os estímulos
externos, permanece desconhecida e impossível de ser conhecida por ele.
Esta limitação vale para o mundo interior e natureza real do próprio homem.
Quanto ao mundo interno, embora o homem tenha uma vaga consciência de uma entidade
desconhecida produzindo o sentimento do eu e outras idéias, não pode compreender sua
natureza devido à intervenção do espaço e tempo. Assim silenciada pela impenetrável
parede de espaço e tempo, a mente humana vê-se completamente desamparada em
qualquer direção, interna ou externa, prosseguindo na busca da Realidade Suprema.
Narendra chegou assim a reconhecer que os cinco sentidos, a mente e o intelecto, com a
ajuda dos quais o homem vêm tentando desvendar o mistério do Universo, não podem
revelar sua Causa Suprema; que os sentidos de percepção na base dos quais o homem
tenta construir seus argumentos e chega a conclusões, estão cheios de erros e enganos; e
por esta razão todas as tentativas dos sábios ocidentais de determinar a existência de um
Ser à parte do corpo, falharam. Portanto, as conclusões da filosofia ocidental concernentes
à verdade espiritual não pareceram racionais a Narendra. Surgiu, também, uma séria
dúvida em sua mente: qual das duas alternativas seria a melhor - basear-se na filosofia à
imitação do Ocidente, na aceitação da verdade da percepção dos sentidos do homem, que
é sempre atraído para os prazeres oferecidos por aqueles sentidos ou aceitar
inquestionavelmente, segundo a prática no Oriente, as realizações das grandes almas como
os Rishis, Buda e Jesus, que romperam os grilhões dos sentidos, apesar de suas
experiências serem contrárias àquelas dos homens comuns que dependem dos sentidos.
6. Narendra considerava falha a maior parte das conclusões da filosofia ocidental, mas
exaltava as descobertas no campo das ciências e seu método científico de observação e
experimentação. Ao examinar as verdades da psicologia e espiritualidade, sempre recorreu à
ajuda de suas descobertas e método de análise. Desde então tentou analisar e compreender
as extraordinárias realizações do Mestre e somente aceitava aquelas que passavam nesses
testes, aceitando-as como verdadeiras e praticava-as sem medo. Embora um terrível
desassossego pela realização da Verdade consumisse seu coração, era contra sua natureza
fazer qualquer coisa tolamente ou respeitar alguém por medo. Se o ateísmo era o inevitável
resultado da discriminação, estava disposto até a aceitá-lo. Não ia fugir à verdade ou ao
esforço de resolver o mistério da vida mesmo a custo de sua vida, para não falar de desfrutar
os prazeres no mundo. Tendo, por conseguinte, um olhar firme na busca da Verdade Suprema,
empenhou-se no estudo do pensamento ocidental, aceitando, contudo somente seus aspectos
mais positivos e saudáveis. Abandonou o caminho da fé e devoção sob sua influência, uma vez
que dúvidas o oprimiam e às vezes o dominavam. Prevaleceram, contudo, sua extraordinária
perseverança e poder intelectual que o ajudaram a ter por fim, o objetivo supremo de sua vida
alcançado. Mas as pessoas em geral, sem um entendimento correto de tudo isso, pensava que
Narendra aceitava indiscriminadamente todas as opiniões relatadas nos livros ocidentais. Sua
parcialidade pela filosofia ocidental e pêlos pensadores ocidentais nessa época tornou-se tão
conhecida pêlos seus amigos, que um dia, ao ler a Gita, enalteceu o livro tão intensamente,
que eles ficaram pasmados e contaram ao Mestre. O Mestre, também, disse, "Espero que ele
não tenha agido assim porque alguns eruditos ocidentais exprimiram aquela opinião."
7. Uma coisa a ser salientada, é que Narendra havia conhecido o Mestre e havia tido
algumas experiências espirituais extraordinárias, antes de entrar em contato com o
pensamento ocidental, que produziram a grande revolução em suas idéias. Está claro que elas
ajudaram-no muito em sua fé na existência de Deus, senão seria muito difícil determinar o
quanto ele teria sido levado pelas idéias e doutrinas ocidentais que provavam que Deus, a
Causa do Universo, era desconhecido e incognoscível. Embora elas não tivessem destruído
totalmente sua fé na existência em Deus devido às fortes impressões espirituais do passado,
havia uma chance de ser terrivelmente abalado pelo impacto. Mas isto não tinha que ser,
porque não havia sua vida sido moldada pela Providência para cumprir uma tarefa especial no
mundo? O Guru, o Conhecedor de Brahman, em quem tomou refúgio pela graça de Deus,

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dissera-lhe repetidamente, "Deus sempre ouve a oração suplicante do homem. Ele pode ser
visto, ouvido e tocado palpavelmente, sendo mais real do que nossas experiências mundanas.
Asseguro-lhe isto." Noutra ocasião disse-lhe, "Se você não puder aceitar a forma de Deus ou
as idéias comuns bem conhecidas sobre Ele, porque são produtos do pensamento humano,
mas ao mesmo tempo crê na existência de um Deus, como controlador do Universo, Ele
certamente conferirá Sua graça a você, desde que Lhe ofereça uma oração suplicante como
esta, 'Ó Deus, não conheço Tua natureza; por favor manifesta-Te a mim como Tu realmente
és!" É desnecessário dizer que estas palavras do Mestre tranqüilizaram-no imensamente,
fazendo-o dedicar a mente à Sadhana com mais fervor do que antes.
8. Hamilton, filósofo ocidental, dissera no final de seu livro sobre filosofia que o intelecto
humano apenas pode dar uma mera indicação da existência de Deus, o Controlador deste mundo,
e aí acaba seu papel. Não está em seu poder revelar a existência de Deus. Assim, aqui a filosofia
termina e "onde a filosofia termina, começa a religião." Narendra gostava muito dessas palavras
de Hamilton. Citou-as para nós, muitas vezes ao longo de suas conversas. Narendra, contudo,
não desistiu do estudo da filosofia, embora se aplicasse à Sadhana. Passava praticamente seu
tempo em música, meditação e estudo.
9. A partir dessa data, Narendra adotou um novo método de praticar meditação. Já
falamos que em nossa meditação em Deus, com ou sem forma, podemos pensar n'ele
somente do ponto de vista antropomórfico. Antes de compreender este fato Narendranath
costumava pensar em Brahman sem forma com atributos como prescrito pelo Brahmo Samaj,
mas chegando à conclusão de que mesmo essa concepção sobre a natureza de Deus era
antropomórfica, abandonou este tipo de meditação e orou com esse propósito: "Ó Deus,
torna-me capaz de conhecer Tua verdadeira natureza." Retirou todos os pensamentos da
mente e permanecendo quieto e imóvel como a chama de um lampião num lugar sem vento,
procurou manter-se naquele estado. Como resultado, em pouco tempo Narendra, que há muito
tempo vinha se controlando, começou a se absorver em si mesmo tão profundamente que até
a consciência de tempo e de seu próprio corpo desaparecia de vez em quando. Sentava-se em
meditação em seu quarto enquanto todos dormiam e passou noites inteiras assim.
10. Em conseqüência, um dia Narendra teve uma visão extraordinária que mais tarde,
descreveu-a para nós ao longo de uma conversa: "Fluiu em minha mente uma corrente de
serena felicidade enquanto eu a mantinha quieta, desligada de todos os objetos. Sentia durante
muito tempo, mesmo depois o final da meditação, um tipo de intoxicação e, como não tinha
vontade de deixar o assento, não me levantava imediatamente. Um dia, quando estava
sentado naquele estado vi surgir a extraordinária figura de um monge - de onde viera eu não
sabia - que ficou de pé a pouca distância de mim, enchendo o quarto de um brilho divino.
Vestia roupa ocre com o Kamandalu na mão. O rosto apresentava uma tal serenidade vinda de
seu interior, fruto de sua indiferença a todas as coisas, que fiquei maravilhado, sentindo-me
muito atraído para ele. Dirigiu-se para mim com um passo lento, os olhos firmemente fixos em
mim, como se quisesse dizer-me algo. Mas fui tomado de medo e não pude permanecer
calmo. Levantei-me, abri a porta e saí do quarto com passos rápidos. Em seguida pensei, 'Por
que esse medo tolo?' Tomei coragem e voltei ao quarto para ouvir o monge mas não estava
mais lá. Em vão esperei por ele durante muito tempo, sentindo-me deprimido, arrependido de
ter sido tolo o suficiente para fugir sem ouvi-lo. Já havia visto muitos monges, mas jamais
com essa expressão extraordinária no rosto. Aquele rosto ficou indelevelmente impresso no
meu coração. Pode ter sido uma alucinação, mas muitas vezes penso que naquele dia, tivera a
boa sorte de ter visto Buda.

CAPÍTULO VIII - SEÇÃO 2

O APRENDIZADO DE NARENDRA NO MUNDO E O RECEBIDO DO MESTRE


(CONT.)
ASSUNTOS: 1. Narendra como advogado estagiário. 2. Sua decisão de observar continência durante toda a vida.
3. Sua inclinação a se tornar um Sannyasin. 4. Narendra continuou visitando o Mestre. 5. Como passava o tempo
com ele. 6. Bhavanath, Narendra e os amigos de Baranagar. 7. A morte súbita do pai de Narendra. 8. Uma
mudança deplorável no padrão de vida. 9. A descrição de Narendra daquela condição. 10. Pobreza opressiva. 11.
Tentação das mulheres. 12. Repreensão de sua mãe. 13. Ateísmo devido ao sentimento ferido. 14. A fé
contínua em seu caráter. 15. Terrível inquietude. 16. Conseguindo paz devido a uma visão extraordinária. 17. Sua
resolução de se tornar monge. 18. Decisão protelada por ordem do Mestre. 19. Seu pedido ao Mestre para

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aliviá-lo da pobreza. 20. A visão da Mãe Divina por Narendra. 21. O malogro de Narendra por três vezes para
orar à Mãe Divina por riqueza. 22. Narendra adquire fé na adoração de Deus em imagem. 23. A felicidade do
Mestre a esse respeito. 24. A profunda afinidade do Mestre com Narendra. 25. Vaikuntha veio a Calcutá com
Narendra.

1. Narendra passava o tempo em solidão, estudando, praticando austeridade e freqüentando


Dakshineswar. Pensando em seu futuro, o pai, por esta época arranjou-lhe um estágio de advocacia no
escritório de Nimai Charan Basu, conhecido advogado de Calcutá. Para finalmente estabelecer o filho na
vida do mundo, Viswanath começou a procurar uma noiva para ele, mas sua esperança foi adiada, pois
Narendra fazia grande objeção ao casamento e ele, Viswanath, não conseguia encontrar uma noiva que
lhe conviesse.
2. 0 Mestre ia às vezes ao estúdio de Narendra na Alameda Ramtanu Basu, onde lhe dava
instruções relativas à Sadhana. Nessa época encorajava-o a observar continência e prevenia-o contra o
casamento, alertando-o sobre as lamentosas persuasões de seus pais. O Mestre dizia-lhe, "Como
resultado de observar continência contínua durante doze anos, o homem tem seu nervo retentivo aberto.
Seu intelecto pode penetrar nas coisas mais sutis e compreendê-las; é somente com a ajuda desse
intelecto que Deus pode ser realizado e é somente a esse intelecto puro que Deus Se revela."
3. Por essa ocasião, as senhoras da casa de Narendra passaram a suspeitar que o desejo de
Narendra de não se casar, era motivado por sua associação íntima com o Mestre. Narendra disse: "Um
dia em que o Mestre veio a meu escritório e estava me dando instrução para observar uma vida de
contínua continência, minha avó ouviu tudo e informou meus pais. A partir daquele dia empenharam-se
para que eu me casasse com medo de que me tornasse um monge, por estar me relacionando com um
Sadhu. Mas de que valeu tudo isto? Todos os esforços contra a forte vontade do Mestre fracassaram.
Mesmo quando tudo estava decidido, as negociações se desfaziam, algumas vezes por diferença de opinião
entre as partes, ou por coisas banais."
4. Embora as freqüentes visitas do Mestre a Dakshineswar não fossem do gosto de nenhum
membro da família, ninguém se atrevia a fazer qualquer comentário a respeito, porque Narendra, o mais
amado dos filhos, desde a infância não atendia a qualquer restrição à sua conduta e tomava a liberdade de
se comportar como quisesse a respeito de tudo. Todos na casa sabiam que, se tentassem impedir que
Narendra levasse avante seu desejo sobre qualquer resolução importante, como as pessoas fazem com
um menino ou com um jovem de mente fraca, muito provavelmente o resultado seria o oposto. Narendra,
portanto, continuou visitando o Mestre como antes.
5. A lembrança dos dias em que Narendra passou com o Mestre em Dakshineswar durante esse
período, encheu sua mente de infinita alegria, por toda a vida. Dizia, "É difícil explicar quão feliz eu passava
meus dias com o Mestre. É simplesmente impressionante pensar como, através de jogos, alegria e
outras atividades comuns, ele nos transmitia o mais elevado aprendizado e moldava nossas vidas, sem
que déssemos conta. Um vigoroso lutador, ao instruir um rapaz, mostra apenas um pouco de sua
habilidade e poder - somente o necessário para ensinar. Para incutir autoconfiança, as vezes parece
derrotá-lo com grande dificuldade e, às vezes, permite ser derrotado. O Mestre assumia uma atitude
assim, ao nos ensinar. Ele via 'todo o oceano numa gota de água', como se diz. Pelo êxtase, tomava
conhecimento de que a semente de espiritualidade escondida em nossos corações, iria um dia desenvolver -
se numa árvore cheia de flores e frutos. O tempo todo elogiava e nos encorajava de todas as maneiras.
Observando cuidadosamente cada um de nossos atos, mantinha-nos sob controle, dando-nos instrução,
senão seríamos tragados por apegos, desejos e ambições mundanos e não alcançaríamos nosso objetivo
espiritual. Mas não percebíamos que ele nos observava de maneira minuciosa e nos controlava
efetivamente. Era com uma habilidade extraordinária que o Mestre nos ensinava e moldava nossas vidas.
Sentimos que a mente, embora ficando um pouco concentrada por ocasião da meditação, não podia
mergulhar mais profundamente por falta de um objeto adequado. Perguntamos a ele o que deveríamos
fazer nessa situação e, em resposta, costumava dizer-nos o que ele mesmo havia feito em circunstâncias
semelhantes e sugeria vários métodos. Lembro-me que, ao me sentar para meditar, altas horas da noite, a
mente distraía-se e desviava-se do objeto de meditação, por causa do barulho produzido pelo som sibilante
dos moinhos de juta de Alambazar. Quando me referi a esse problema, o Mestre aconselhou-me a
concentrar a mente no som do apito e assim consegui muito benefício. Em outra ocasião falei-lhe de minha
dificuldade em me esquecer do corpo e concentrar a mente no objetivo, procurando seu conselho. O
Mestre, remontando à instrução que Sri Tota Puri lhe dera, quando praticava sob sua orientação, disse,
"Ele feriu minha testa entre as sobrancelhas dizendo, 'Concentre-se nessa dor.' E realmente vi que a dor
poderia ser mantida uniformemente na mente enquanto eu quisesse e esqueci-me completamente das
outras partes do corpo, isso para não falar das distrações que elas provocavam na mente."
O isolado Panchavati, lugar da Sadhana do Mestre, era bastante propício para nossa meditação
e outros exercícios espirituais. Por que falar somente de exercícios espirituais? Passávamos muito tempo

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ali, também em jogos e alegria. Nessas ocasiões, o Mestre muitas vezes juntava-se a nós aumentando
nossa felicidade. Corríamos, subíamos nas árvores e sentando no balanço formado pêlos galhos fortes das
trepadeiras Madhavi, balançávamos livre e alegremente; às vezes fazíamos um piquenique, nós
mesmos cozinhando a comida. Um dia o Mestre, vendo que eu fazia a comida, comeu o arroz e outros
pratos. Sabia que ele não comia arroz se não fosse de Brahmanas. Por conseguinte ia apanhar a comida
oferecida do templo, mas ele me impediu, dizendo, 'Nada me acontecerá se eu comer arroz de uma
pessoa de puro Sattva como você!' Fiz repetidas objeções, mas naquele dia ele comeu o arroz cozido por
mim sem dar atenção às minhas recomendações".
6. Um devoto de aparência agradável, chamado Bhavanath Chattopadhyaya, que vinha visitando o
Mestre há algum tempo, foi apresentado a Narendra e tornou-se seu amigo. Bhavanath era querido pelo
Mestre por sua fé, devoção, humildade e simplicidade. Vendo sua natureza carinhosa, semelhante à de
uma mulher e seu amor fora do comum a Narendra, o Mestre às vezes dizia jocosamente, "Talvez você
tenha sido companheiro de Narendra numa encarnação anterior." Bhavanath morava em Baranagar e
sempre que tinha oportunidade, levava Narendra para sua casa e oferecia-lhe algo para comer. Satkari
Lahini, vizinho de Bhavanath, era muito amigo de Narendra e Dasarathi Sannyal, colega e amigo de
Narendra. Quando Narendra estava com tempo livre, passavam dias e noites com ele. Assim, de vez em
quando por ocasião de sua visita a Dakshineswar ou por convite especial deles, Narendra costumava
passar algumas horas ou um dia ou dois com esses amigos de Baranagar.
7. O curso calmo da vida de Narendra recebeu um violento golpe, no começo de 1884, um pouco
antes do resultado do exame para Bacharel em Artes. Algum tempo antes seu pai sofrera um colapso
nervoso por excesso de trabalho. Um dia, aproximadamente às dez horas da noite, subitamente morreu de
um ataque cardíaco. Convidado por seus amigos de Baranagar, naquele dia, Narendra à tarde foi visitá-
los e passou o tempo cantando hinos devocionais até mais ou menos onze horas da noite. Depois do jantar
permaneceu com eles até tarde da noite. Cerca de duas da manhã seu amigo Hemali chegou com a
notícia da morte súbita do pai. Narendra foi logo para casa.
8. Narendra chegou em casa e fez o funeral do pai. Mais tarde ao perguntar, veio a saber que as
condições financeiras da família eram deploráveis. Ao invés de deixar qualquer propriedade, o pai apenas
deixara dívidas, tendo gasto mais do que havia ganho. Os parentes que haviam melhorado suas finanças
com a ajuda do pai de Narendra, em vez de serem gratos à família, encontraram na presente situação
desesperadora uma oportunidade de se engrandecerem. Tornaram-se inimigos e até tramaram expulsar a
família de sua própria casa. Pode-se bem dizer que na realidade não havia renda para a família e que
cinco ou seis pessoas tinham de ser sustentadas. Tendo usufruído até então um alto padrão de vida,
Narendra agora se sentia desesperado. Não sabia o que fazer para manter a família. Andava de um
lugar para outro à procura de trabalho, mas em todos os lugares somente encontrou frustrações. Diz-se
que quando um período desfavorável ocorre na vida de uma pessoa, mesmo sem esforços da parte dela
são totalmente fúteis. Três ou quatro meses passaram-se, um após outro, depois da morte do pai, mas
ainda assim o céu da vida de Narendra continuava obscurecido com nuvens de pobreza e incerteza,
destituídas de qualquer raio de sol para aliviar a tristeza. É duvidoso que alguma vez ele tenha passado
por essa escuridão durante sua vida. Sobre esse período, às vezes dizia-nos:
9. "Eu andava de cá para lá à procura de trabalho, até antes do período de luto ter terminado.
Passando fome e andando descalço, ia, sob um sol escaldante, de escritório a escritório com o currículo
na mão. Solidarizando-se com meu sofrimento, alguns amigos íntimos ficavam comigo uns dias, mas
em outros não podiam. Desta primeira experiência da dura realidade do mundo, senti que a amizade
desinteressada era muito rara em qualquer lugar e que não havia lugar para o fraco e para o pobre.
Aqueles que anteriormente consideravam uma sorte poderem me ajudar nem que fosse por um dia ou
dois, agora pensavam que era melhor não fazê-lo. Faziam uma cara de contrariedade para mim e,
apesar de poderem ajudar, relutavam em fazê-lo. Por diversas vezes, ao ter tais experiências, o mundo
me parecia ter sido criado por um demônio. Um dia nessa época, quando ia de lugar a outro ao sol, a sola
de meu pé ficou coberta de bolhas. Extremamente fatigado tive que me sentar à sombra do Ochterloney
Monument no Maidan. Um amigo ou dois estavam comigo naquele dia ou me encontraram lá por acaso.
Lembro-me que um deles cantou para me consolar: 'Aqui sopra o vento, o alento de Brahman, Sua
graça palpável...'Ao ouvir a canção, senti como se ele estivesse me infringindo um golpe na cabeça.
Recordando a situação de absoluto desespero de minha mãe e irmãos, irrompi em ressentimento,
desespero e desapontamento: 'Cale-se. Aqueles que estão na riqueza não sabem o que a opressão da
fome quer dizer, e aqueles que têm seus mais próximos e queridos morrendo de fome e sem roupa - a
essas pessoas, no meio da mais completa felicidade da vida, tais vôos de imaginação parecem
agradáveis. Naqueles dias também me sentia da assim, mas agora confrontando-me com a dura realidade,
esses sentimentos parecem-me uma terrível chacota.'

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10. "Talvez o amigo tivesse ficado bastante ofendido ao ouvir minhas palavras. Como poderia ele
compreender a angústia que fizera sair aquelas palavras de minha boca? Ao levantar pela manhã e
perguntando, constatei que certos dias não havia comida suficiente para todos da casa e que não havia
dinheiro no meu bolso. Dizia à minha mãe que tinha um convite para almoçar com um amigo. Naquela
época, em certos dias comia muito pouco e em outros, saía sem nada, a fim de que os membros da
família pudessem ter o suficiente para comer. Era por demais orgulhoso para falar dessas coisas a
alguém. Amigos ricos levavam-me agora para suas casas ou chácaras como antes e pediam-me para me
divertir com eles. Incapaz de evitá-los, às vezes ia, mas não me sentia inclinado a exteriorizar para eles o
que sentia. Eles, também, jamais faziam perguntas. Alguns raros, contudo, perguntavam-me
afetuosamente de vez em quando, 'Por que parece tão abatido e fraco hoje? Por favor diga-nos a razão.'
Um deles, sabendo por outra pessoa de minha situação, sem meu conhecimento começou a enviar de vez
em quando, dinheiro à minha mãe com cartas anônimas, colocando-me, assim sob eterno débito de
gratidão.
11. "Sabendo de minha pobreza, alguns amigos de infância, que haviam enveredado pelo mau
caminho e estavam ganhando dinheiro por meios desonestos, tentaram me arrastar para sua companhia.
Senti que alguns deles, que tiveram, como eu, uma súbita mudança na vida e adotaram meios ruins de
ganhar a vida, realmente sentiam pena da minha situação. Mahamaya, também, não ficou atrás. Ela
também viu uma oportunidade de me tentar. Uma mulher rica que tinha má intenção por mim durante muito
tempo, pensando que aquele era o momento oportuno, enviou um recado propondo-me que aceitasse um
relacionamento com ela, pondo assim, fim à minha pobreza. Rejeitei sua proposta com amargo desdém e
firmeza. Pouco tempo depois, outra mulher veio seduzir-me da mesma maneira, mas eu lhe disse, 'Ah, minha
filha, quão inúmeros são os atos maus que você cometeu para a satisfação desse seu corpo sem valor! A
morte está tão perto! Preparou-se para esse dia? Abandone a mente inferior e chame por Deus'.
12. "Apesar de todos os meus problemas, nessa época a fé na existência de Deus não desapareceu,
nem duvidei que Deus fosse bom. Costumava acordar de manhã, lembrar-me dele e levantar-me da
cama com Seu nome. Então, com firme determinação e esperança costumava ir de lugar a lugar à
procura de algum meio de ganhar dinheiro. Um dia estava me levantando como sempre, chamando por
Deus, quando minha mãe ouviu minhas palavras do quarto contíguo e disse subitamente, 'Pare, rapaz!
Você vem com freqüência repetindo o nome de Deus desde a infância - e agora veja se o seu Deus o está
ajudando!' Estas palavras feriram-me terrivelmente. Atingido até o âmago, ponderei, 'Será que Deus
realmente existe? Em caso positivo será que Ele ouve a oração lamentosa do homem? Por que então não
há resposta a tantas orações que lhe fiz? De onde vem tanto mal na criação de um Criador benigno? Por
que tanta calamidade no reino daquele que é a própria felicidade?' Vidyasagar, penalizado com o sofrimento
dos outros, perguntou-me uma vez, porque, se Deus era toda bondade e felicidade, milhões de pessoas
caem nas terríveis garras da fome e morrem por falta de um punhado de arroz. Aquela pergunta ressoava
nos meus ouvidos como a reverberação da mais amarga chacota. Meu coração estava tomado por um
sentimento de amor tendo e a dúvida na existência de Deus assaltou a minha mente.
13. "Era contra minha natureza fazer alguma coisa e a esconder dos outros. Desde a infância
não podia ocultar algo por medo ou por qualquer outro motivo, mesmo que fosse uma sombra de
pensamento, isto para não falar de atos. Não foi surpresa, portanto, que eu, tomado pelo estado em que
me encontrava, fosse agressivamente provar para as pessoas que Deus não existia e mesmo que
existisse, não havia necessidade de o chamar, porque era inútil fazê-lo? Em conseqüência logo se
espalhou um rumor de que eu me tornara um ateu e relacionava-me com pessoas de mau caráter,
bebia e até em freqüentava casas de má fama. Daí meu coração que não havia sido tão dócil desde a
infância, tornou-se mais duro com essa falsa calúnia. Mesmo não sendo perguntado, publicamente falei a
uns e outros que não somente não fazia objeção a que alguém bebesse vinho e fosse a um bordel,
visando esquecer-se do seu pesado fardo neste mundo de dor e miséria, se ele pudesse sentir-se feliz ali,
mas que eu mesmo iria no dia que estivesse perfeitamente convencido de que ficaria feliz por um
momento como eles ao agirem assim e que não recuaria por medo de ninguém.
14. "As notícias viajam rapidamente. Não levou muito tempo para minhas palavras serem
distorcidas e chegassem aos ouvidos do Mestre em Dakshineswar e dos devotos em Calcutá. Alguns
vieram ver-me para se certificar do estado real em que eu me encontrava e fizeram-me saber
por gestos alusivos e sugestões, que estavam prontos a acreditar em alguma coisa, para não falar
em tudo, do que se dizia. Sabedores que poderiam acreditar que eu fosse tão degradante, fiquei
terrivelmente ferido e meus sentimentos magoados forçaram-me a retomar a campanha contra
Deus. Tentei provar que era uma grande fraqueza acreditar em Deus por medo de ser punido e
citando Hume, Mill, Bain, Comte e outros filósofos ocidentais, dei início a uma feroz argumentação
para provar que não havia evidências da existência de Deus. Por conseguinte, como soube
posteriormente, foram embora mais convencidos do que nunca de minha queda. Fiquei feliz em saber

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disso e pensei que o Mestre soubesse através deles e talvez também acreditasse. No momento que este
pensamento cruzou minha mente, meu coração encheu-se de uma trágica emoção nascida do
sentimento ferido. Cheguei à conclusão de que não havia mal se assim o fizesse, visto que as
opiniões das pessoas, boas ou más, valiam tão pouco. Mais tarde, porém, fiquei surpreso ao saber
que o Mestre ouviu tudo, mas que a princípio não expressou qualquer opinião. Mas quando mais
tarde, Bhavanath chorou e disse-lhe, 'Senhor, estava além até de nossos sonhos que esta seria a
sorte de Narendra', ficou muito agitado e disse, 'Silêncio, rapazes! A Mãe disse-me que ele jamais
se aviltará a tal ponto. Se falar disso novamente comigo, não suportarei sua presença.'
15. "Mas o que adianta ceder ao ateísmo por orgulho e egoísmo? Em seguida, as
extraordinárias experiências que eu tivera na infância e especialmente aquelas que vieram logo
após meu encontro com o Mestre, surgiram em cores brilhantes em minha mente e pensei, 'Deus
certamente existe e os meios para realizá-lo também existem, senão, qual a razão da vida, para
que ela serve? Este caminho deve ser buscado, por maior que seja a dor e a miséria que essa
busca ocasione.' O tempo passava, a mente estava indecisa, duvidava e a paz desaparecera mais
do que nunca. Minhas carências mundanas, também, não apresentavam sinais de melhora.
16. "À estação chuvosa seguiu o verão. Como antes, a procura de emprego continuou. Um dia,
ensopado pela chuva e não tendo conseguido comida o dia inteiro, voltei para casa à noite, com as pernas
cansadas e a mente mais fraca do que o corpo. O estado de exaustão era tão grande que, incapaz de dar
um único passo, deitei-me como uma tora de madeira na varanda aberta de uma casa na vizinhança.
Não posso dizer se perdi totalmente a consciência durante algum tempo, mas recordo-me que
pensamentos e quadros de várias cores, um após o outro, surgiam e desapareciam por si mesmos em
minha mente. Não tinha poder de expulsá-los, nem de me concentrar em algum pensamento. Subitamente
senti como se dentro de minha mente muitos quadros levantavam-se, um após o outro por um poder
providencial e vi no interior de meu coração as soluções dos problemas que há tanto tempo aturdiam meu
intelecto e distraiam minha mente — problemas como 'Por que há essas forças malignas na criação de
um Deus benigno?' e 'Onde está a harmonia entre a justiça dura e a misericórdia infinita de Deus?' Fiquei
fora de mim de alegria. Depois, quando retomei meu caminho para casa vi que não sentia nem um
pingo de cansaço e, que minha mente estava tomada de força e paz infinitas. O dia terminara.
17. "Tornei-me absolutamente indiferente ao elogio ou à censura do mundo e firmemente
convencido de que não havia nascido para ganhar dinheiro, servir à família e perder tempo com
divertimentos mundanos como as pessoas em geral. Estava secretamente tornando-me preparado para renunciar ao
mundo, como meu avô. Quando o dia para pôr em prática minha decisão foi marcado, soube que o Mestre
naquele dia viria à casa de um devoto em Calcutá. Pensei que se tratasse de uma oportunidade muito boa;
veria meu Guru antes de renunciar ao mundo para sempre. Logo que encontrei o Mestre, ele veio a mim
de uma maneira muito sincera e decidida, "Você deve vir hoje a Dakshineswar comigo." Dei várias
desculpas, mas foi inflexível. Tive que ir. Não houve muita conversa durante o trajeto. Depois de chegar
a Dakshineswar, sentei-me em seu aposento por algum tempo com outras pessoas, enquanto o Mestre
entrava em êxtase. Num dado momento veio subitamente a mim e pegando minha mão, começou a cantar
com as lágrimas rolando pelas faces:

'Tenho medo de falar,


E igualmente de não falar.
A dúvida surge em minha mente
Senão vou perde-Te. Ah, meu Rai.
Senão devo perde-Te1'

1
Há um trocadilho nas duas palavras "Ah Rai". Ao serem separadas significam "Ah Rai" (Radha), e quando não, querem
dizer, "Senão tenho receio de perder".

18. "Durante muito tempo contive a onda de fortes emoções, mas não pude reprimir a força
delas. Meu peito, como o do Mestre, ficou inundado de lágrimas. Estava certo de que o Mestre
sabia de tudo. Todas as outras pessoas estavam admiradas ao ver o nosso comportamento. Depois
que ele voltou a seu estado normal, alguns perguntaram ao Mestre a razão, quando então ele
sorriu e respondeu, 'É algo entre nós dois.' Mais tarde, mandando todos embora, chamou-me à
noite e disse, 'Saiba que você veio ao mundo para o trabalho da Mãe, jamais poderá levar a vida
do mundo, mas enquanto eu viver fique com sua família, por mim.' Assim falando, o Mestre
novamente derramou lágrimas, com a voz embargada de emoção!
19. Despedi-me do Mestre e voltei para casa no dia seguinte e, imediatamente cem
pensamentos a respeito da família ocuparam minha mente. Tornei a ir de lugar em lugar como
antes, esforçando-me para assegurar sua subsistência. Comecei a trabalhar no escritório de um

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advogado e também traduzi alguns livros. Ganhei um pouco de dinheiro e a casa foi mais ou menos
mantida. Esses trabalhos, porém, eram temporários e na ausência de um trabalho permanente nada
de tranqüilo era possível ser feito para a manutenção de minha mãe e irmãos.
Um pouco mais tarde lembrei-me de que Deus ouvia as orações do Mestre. Tinha que fazê-lo
orar por mim para que o sofrimento de minha família pela falta de comida e roupa fosse amenizado.
Estava certo de que ele jamais se recusaria a fazê-lo para mim. Corri para Dakshineswar e pedi-
lhe insistentemente que orasse à Mãe para que os problemas financeiros fossem resolvidos. O
Mestre disse-me afetuosamente, 'Meu filho, não posso falar essas palavras, você sabe. Por que não Lhe
pede você mesmo? Você não aceita a Mãe; é por isso que sofre tanto.' Respondi, 'Não conheço a Mãe;
por favor ore a Ela por mim. Deve orar; não o deixarei enquanto não o fizer.' O Mestre falou com
afeto, 'Orei muitas vezes à Mãe para remover seu sofrimento, mas como você não aceita a Mãe, Ela
não atende. Bem, hoje é terça-feira, dia especialmente consagrado a Ela. A Mãe, afirmo, concede
tudo o que lhe pedir. Vá ao templo à noite e inclinando-se ante Ela, peca-lhe uma graça. Minha querida
Mãe é o poder de Brahman; Ela é a Consciência Pura personificada. Deu nascimento ao Universo por
Sua vontade. O que existe que Ela não possa fazer, se quiser?'
20. "Tive fé que todos os meus sofrimentos certamente teriam fim assim que eu orasse à Mãe,
sobretudo que o Mestre assim disse. Esperei pela noite com muita expectativa. Por fim ela chegou.
Três horas da noite haviam passado quando o Mestre me pediu para ir ao templo sagrado.
Enquanto me dirigia para lá, uma espécie de profunda inebriação tomou posse de mim;
cambaleava. Tinha a firme convicção de que eu iria realmente ver a Mãe e ouvir Suas palavras.
Esqueci-me de todas as outras coisas e fiquei totalmente submerso somente naquele pensamento.
Entrando no templo, vi que a Mãe era realmente Consciência Pura, estava viva e era de fato a fonte
principal de infinito amor e beleza. Com o coração aumentado de devoção amorosa e, fora de mim de
felicidade, saudei-a repetidamente, orando. 'Mãe, concede-me discriminação, concede-me desapego,
concede-me Conhecimento divino e Amor; faz que eu sempre possa ter a visão de Ti.' Meu coração
ficou inundado de paz. O Universo desapareceu e apenas a Mãe permaneceu enchendo meu coração.
21. "Mal havia retornado e o Mestre me perguntou, 'Orou à Mãe para que fossem
removidas suas necessidades mundanas?' Alarmado com a pergunta, respondi, 'Não, senhor,
esqueci-me. O que faço agora?' Ele disse, 'Vá rapidamente de novo e ore a Ela.' Parti para o
templo uma vez mais e chegando à presença da Mãe, novamente fiquei inebriado. Esqueci-me
de tudo, inclinei-me repetidamente ante Ela e antes de voltar, orei pela realização do
Conhecimento divino e Amor. O Mestre sorriu e disse, 'Bem, desta vez pediu-lhe para remover
suas necessidades mundanas?' Novamente fiquei alarmado e disse, 'Não, senhor, mal vi a Mãe e
esqueci-me de tudo devido à presença do indescritível Poder Divino e orei somente por
Conhecimento e devoção. O que deve ser feito agora?' O Mestre disse, 'Rapaz tolo, não poderia
ter-se controlado um pouco e orado? Vá uma vez mais se puder e fale com Ela sobre suas
necessidades. Corra!' Parti pela terceira vez, mas assim que entrei no templo um incrível
sentimento de vergonha tomou conta de meu coração. Pensei, 'Que coisa insignificante vou
pedir à Mãe! O Mestre diz muitas vezes, que é tolice pedir a um rei abóboras e morangas, depois
de ter recebido sua graça. Ah, quão inferior é meu intelecto!' Tomado de vergonha e aversão,
inclinei-me ante Ela repetidamente, dizendo, 'Não quero nada mais, Mãe; concede-me somente
Conhecimento e Amor!' Ao sair do templo, ocorreu-me que certamente se tratava do jogo do
Mestre, senão como eu poderia ter deixado de orar a Ela, embora tivesse ido com aquele
propósito? Então insisti que ele deveria livrar minha mãe e irmãos da falta de comida e roupa,
dizendo, 'Foi certamente o senhor quem me fez ficar inebriado daquela maneira, impedindo-me
de orar.' Ele disse-me afetuosamente, 'Meu filho, jamais posso fazer tal oração por alguém;
certamente não saiu de minha boca. Você obterá, eu lhe disse, da Mãe o que quiser, mas não
pôde pedir-lhe. Você não foi feito para a felicidade mundana. O que vou fazer?' Então respondi,
'O senhor deve orar por mim; estou firmemente convencido de que ficarão livres de todos os
sofrimentos se o senhor somente disser isso.' Como continuasse insistindo, disse, 'Bem, eles
jamais terão falta de comida e roupas simples.'
22. O que foi descrito acima, foi um ponto decisivo na vida de Narendranath. Até então o
significado oculto da Maternidade de Deus e Sua adoração em símbolos e imagens não haviam sido
bem compreendidos por ele. Antes desse acontecimento considerava as imagens e divindades
instaladas nos templos com certo desprezo, jamais com amor e devoção. Todo o mistério dessa
adoração estava agora claro para ele e tornou sua vida espiritual mais plena e rica. O Mestre sentiu
uma alegria indescritível que será melhor compreendida quando mencionarmos o que um amigo
nosso, Sri Vaikunthanath Sannyal, viu e ouviu em Dakshineswar, ao chegar na manhã seguinte:

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23. "Travei relações com Tarapada Ghosh, já que ele e eu trabalhávamos no mesmo
escritório. Narendranath era um grande amigo de Tarapada, por isso às vezes ia ao escritório. Além
disso, um dia Tarapada disse-me no curso de uma conversa que o Paramahamsa Deva amava
Narendra afetuosamente. Mesmo assim não me empenhei para ser apresentado a ele. Um dia, vim
a Dakshineswar ao meio-dia e vi o Mestre sentado sozinho em seu quarto e Narendra dormindo. O
rosto do Mestre brilhava de alegria. Mal me aproximei e saudei-o, ele me mostrou Narendra,
dizendo, 'Olhe, aquele rapaz é muito bom. Seu nome é Narendra e jamais havia aceitado a Mãe
Divina, até ontem. Estava numa situação difícil. Eu, porém, aconselhei-o a pedir dinheiro à Mãe.
Ele, contudo, não pôde pedir-lhe; disse que ficou com vergonha. Voltando do templo, pediu para
que eu lhe ensinasse uma canção à Mãe. Ei-la:

'Tu és a Salvadora, Ó Mãe!


Além da Causa de todas as coisas, Tu és o Substrato dos três Gunas.
Conheço-Te, Ó Mãe, Doadora de misericórdia ao pobre
Como a Destruidora da miséria em grande desgraça.
Tu estás na água. Tu estás na terra. Tu somente és a Causa
Primeira, Ó Mãe!
Com formas e sem forma.
Tu existes em todos os corações e em todos os olhos.
Tu és Sandhya, Tu és Gayatri,
Tu és o Sustentáculo do Universo, Ó Mãe,
Tu nos conduz e nos ajuda a atravessar o mar sem praia do mundo,
Tu és A que encanta o coração do eternamente existente Shiva!'

"Cantou-a a noite toda. Por isso está dormindo agora. (Sorrindo com alegria) Narendra
aceitou Kali; é muito bom; não é?' Vendo que ele estava alegre como uma criança, por causa deste
fato eu disse, 'Sim, senhor, é muito bom.' Um pouco mais tarde sorriu e disse novamente, 'Narendra
aceitou a Mãe; é muito bom; o que me diz?' Assim expressou sua alegria, repetindo aquelas
palavras diversas vezes.
24. "Ao acordar, Narendra veio e sentou-se ao lado do Mestre, mais ou menos às quatro da
tarde. Parecia que Narendra ia despedir-se dele e voltar a Calcutá, mas o Mestre entrou em êxtase
assim que o viu e tocando o corpo de Narendra com o seu, sentou-se em seu colo, dizendo, 'O que vejo
é que este (seu próprio corpo) sou eu e este também (a pessoa de Narendra), sou eu. Em verdade, não
vejo qualquer diferença. Assim como ao se colocar uma vara na água do Ganga, ela parece estar
dividida em duas partes, mas na verdade não há divisões - o mesmo também ocorre. Compreende?
Existe alguém além da Mãe? O que me diz?' Assim falando, subitamente disse, 'Vou fumar.' Corri para
preparar-lhe o fumo e dei-lhe o Hookah. Dando uma baforada ou duas, devolveu o Hookah e disse,
'Vou fumar com a tigela', pegou-a com a mão e começou a fumar. Dando três ou quatro baforadas,
levou-a perto da boca de Narendra e disse, 'Dê apenas uma baforada, uma baforada de minhas
mãos.' Narendra recuou, mas o Mestre disse, 'Que ignorância! Somos você e eu diferentes? Este sou
eu, aquele também sou eu.' Assim dizendo colocou ambas as mãos novamente defronte da boca de
Narendra para que fumasse. Compelido desta maneira, Narendra deu duas ou três baforadas, pelas
mãos do Mestre e, parou. Vendo que ele parara de fumar, o Mestre voltou a fumar.
A isto Narendra disse rapidamente, 'Senhor, lave as mãos e então fume', mas o Mestre
não fez caso de suas palavras. Disse, 'Você, seu patife, está terrivelmente consciente de
diferenças', e fumou o que havia sido tocado pêlos lábios de Narendra. Enquanto fumava, disse muitas
coisas em êxtase. O Mestre considerava poluída toda comida, da qual um pedaço já tinha sido dado a
uma outra pessoa ou que havia entrado em contato com a boca, e não podia comê-la. Vendo-o agir
violando esta regra sua em favor de Narendra, fiquei surpreso e pensei quão perto do seu coração
Narendra deveria estar.
25. "Nossa conversa continuou até oito horas da noite, quando vimos que o êxtase do Mestre
terminara. Despedimo-nos e voltamos para Calcutá." Em diversas ocasiões, Narendra disse, "Desde
nosso primeiro encontro, foi somente o Mestre e ninguém mais, nem mesmo minha mãe e irmãos,
quem teve uma fé inabalável em mim. Aquela fé e aquele amor ligaram-me a ele para sempre.
Somente o Mestre sabia amar. Ele realmente amava, enquanto os outros apenas fingiam, porque
tinham interesse."

CAPÍTULO IX

O CÍRCULO DE DEVOTOS DO MESTRE E NARENDRANATH

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ASSUNTOS: 1. Os devotos marcados do Mestre chegaram em 1884. 2. A conduta do Mestre com esta
classe de devotos. 3. O Mestre, em estado divino, levanta a consciência deles. 4. O que o toque divino do
Mestre provou. 5. Cada devoto sentia que o Mestre era uma pessoa de acordo com sua atitude. 6.
Balaram Basu, um exemplo.7. A conduta inicial de Balaram ao conhecer o Mestre. 8. A dúvida de Balaram
sobre a não-injúria. 9. Sua dúvida é tirada com um exemplo. 10. Os dois grupos de devotos. 11 O método do
Mestre de ensinar as pessoas em geral. 12. A proeminência de Narendra entre os devotos. 13. A
compreensão profunda das palavras do Mestre por Narendra. 14. Servindo Jiva como Shiva.

1. Todos os devotos do Mestre mencionados anteriormente, cuja vinda ele vira através de
sua visão ióguica, chegaram antes do final de 1884. Purna chegou no começo de 1885. Depois de
doar-lhes sua graça, dizia, "Com Purna, a chegada daquela classe de devotos que antevi, foi
completada. Ninguém mais virá no futuro."
2. Muitos dos devotos acima mencionados vieram ao Mestre entre a metade de 1883 e a de
1884. Narendra ainda lutava contra uma dura pobreza para manter a família e Rakhal havia ido a
Vrindavan por algum tempo. Com uma espécie de conhecimento prévio dos acontecimentos, o Mestre às
vezes anunciava a chegada desse tipo de devotos assim: "Um pertencente a este lugar está vindo
hoje dessa direção (apontava para uma determinada direção)" Ou logo que algum chegava, recebia-o
afetuosamente e dizia, "Você pertence a este lugar." No caso de alguns afortunados, sentia uma
atração especial, ficava ansioso ao conhecê-los, alimentando-os e conversando sobre assuntos
espirituais. Observava sua natureza, herança das impressões passadas e apresentava-os a devotos
de temperamento semelhante que já tinham o hábito de visitá-lo, a fim de que pudessem passar o
tempo de lazer em conversas religiosas com pessoas que tinham a mesma linha de pensamento
que eles. Também, visitava alguns devotos sem ser convidado e agradava seus responsáveis,
abrindo assim o caminho para que eles o fossem visitar.
3. Logo após a chegada do devoto, chamava-o à parte, pedia-lhe para meditar e então
tocava, sob influência de inspiração divina, certas partes do corpo como o peito ou a língua. Com
aquele poderoso toque, a mente do devoto tornava-se interiorizada num transe no qual as
impressões acumuladas do passado se ativavam ocasionando sua realização espiritual. Em
conseqüência desse toque, tinha a visão da Luz Divina ou a luminosa figura do Deus ou da Deusa;
outro mergulhava em meditação profunda ou sentia uma felicidade jamais experimentada antes; um
terceiro tinha os grilhões do coração subitamente afrouxados e removidos, e experimentava uma
intensa ansiedade pela realização de Deus; um quarto ficava inspirado com emoções espirituais e
entrava em Savikalpa Samadhi e um raro tinha um gosto antecipado do Nirvikalpa Samadhi. Não
havia limite para o número de pessoas que vinham vê-lo e tinham, assim, a visão de formas
luminosas. Ouvimos do próprio Mestre, que Tarak um dia experimentou uma grande aspiração
acompanhada por um tremendo ataque de choro, quando todos os grilhões de seu coração foram
cortados. Devida a tão potente toque, Naren Júnior entrou em êxtase durante a meditação no aspecto
sem forma de Deus. Mas a experiência de antegozo do Nirvikalpa Samadhi devido ao toque, foi visto
somente em Narendra. Além de tocar os devotos, o Mestre havia iniciado alguns em Mantras. Por
ocasião da iniciação, não examinava o horóscopo dos discípulos, nem fazia um culto, como os
instrutores comuns, mas observando as impressões passadas por meio de sua visão ióguica,
mostrava-lhe seu Mantra dizendo, "Este é seu Mantra." Soubemos que concedeu sua graça desta
maneira a Niranjan, Tejchandra, Vaikuntha e outros. Não iniciava ninguém num Mantra Shakta ou
Vaishnava simplesmente porque aquela pessoa nascera numa família Shakta ou Vaishnava. Depois de
um exame minucioso de suas tendências, às vezes iniciava um adorador Shakta com um Mantra de
Vishnu e um adorador de Vishnu com um Mantra Shakti. É evidente, portanto, que observava a
tendência de cada um e prescrevia de acordo.
4. As escrituras dizem que as grandes almas podem, por vontade ou toque, conceder poder
espiritual aos outros e mudar o curso de suas mentes para canais mais elevados. Mesmo as vidas de
prostitutas, homens lascivos e outros que cometeram atos pecaminosos mudaram pela influência de
grandes almas, isto para não falar dos discípulos de seus círculos íntimos. A manifestação daquele
poder existe em medida que varia na vida de cada uma das grandes almas como Krishna, Buda,
Jesus e Chaitanya, que há muito tempo vêm sendo adoradas como Encarnações no mundo. Mas por
que isto está escrito nas escrituras? Não tendo conhecimento direto dos atos extraordinários dos
seres dessa classe por muito tempo, o mundo quase perdeu a fé neles. Mesmo a fé em Deus é
muitas vezes encarada hoje em dia como um sinal de fraqueza nascida da superstição, quanto
mais a fé nas Encarnações. Era necessário para a idade moderna que nascesse um ser
extraordinário como o Mestre, para remover a falta de fé dos homens em geral e torná-los
espiritualizados. Ao vermos a manifestação daquele poder nele, agora temos fé em poderes

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semelhantes das grandes almas do passado. Mesmo se uma pessoa não aceitar o Mestre como uma
Encarnação de Deus, não pode, ao ver aquele poder nele, negar que ele foi um ser extraordinário,
pertencente à mesma classe de Krishna, Buda, Jesus, Chaitanya e outras grandes almas.
5. Entre os devotos encontramos pessoas de diversas idades, classes e atitudes espirituais,
como jovens e idosos, chefes de família e monges, adoradores de Deus com forma ou sem forma.
Apesar dessas diferenças, havia um ponto em comum entre eles. Cada um tinha uma fé
inquebrantável e devoção no caminho de sua Sadhana e no Ideal Escolhido e estava pronto para
suportar qualquer sacrifício para a realização de Deus. O Mestre prendeu cada um a si próprio com a
corda do amor e conservou a atitude espiritual particular de cada um e fazendo-o pensar que sendo
ele um perfeito conhecedor de todas as doutrinas religiosas, dedicava um amor mais profundo ao
caminho que o próprio devoto estava trilhando. Não havia limite ao amor e devoção dos discípulos
ao Mestre devido a essa impressão que tinham. Também, assim que transcendiam os círculos
estreitos do sectarismo, um a um começou a ter uma visão liberal devido ao convívio com o Mestre, e
sob influência de suas instruções e ensinamentos, ficavam admirados e encantados de terem se
conscientizado da perfeição de sua visão. Vejamos o exemplo de um acontecimento corriqueiro.
6. Balaram Basu, de Baghbazar, nasceu numa família vaishnava, sendo um grande seguidor
daquela crença. Embora vivendo no mundo não estava tocado por ele e apesar de possuir uma grande
fortuna, jamais tivera orgulho dela. Costumava passar quatro ou cinco horas todas as manhãs em
adoração e estudo dos textos religiosos e era tão cioso na observância da virtude de não-injúria, que
não matava nem insetos, qualquer que fosse o motivo. Assim que o Mestre o viu pela primeira vez,
recebeu-o com muito carinho, como se ele lhe fosse familiar. O Mestre dizia, "É um devoto do círculo
interno do grande Sri Chaitanya. Pertence a este lugar (referindo-se a si mesmo). Vi, em êxtase,
como o grande Chaitanya, juntamente com Advaita e Nityananda, trouxe uma torrente do nome de
Hari ao país e inebriou numerosos homens, mulheres e crianças através do Sankirtan cantado por um
grupo maravilhoso. Nesse grupo, vi Balaram.
7. Na companhia do Mestre, Balaram sofreu uma maravilhosa transformação e progrediu
rapidamente no campo espiritual. Indo além do limite da adoração exterior e outros tipos de devoção
ritualista prescritos pela escrituras pôde, em pouco tempo, viver no mundo, completamente confiante
em Deus, discriminando o real do irreal. Oferecendo, como o ideal vaishnava de disciplinas espirituais
requer, tudo que lhe pertencia - a própria vida, esposa, filho, riqueza etc. - aos pés de lótus do
Senhor, viveu como um servo no mundo, sempre pronto para levar avante Suas ordens. Balaram,
chegou a ter somente um objetivo na vida, viver na sagrada companhia do Mestre o máximo possível.
Não pôde permanecer satisfeito somente consigo mesmo desfrutando a paz nascida da graça do
Mestre, mas empenhou-se para que os amigos e parentes também entrassem em contato com o
Mestre e desfrutassem a felicidade que daí advinha. Muitas pessoas sentiram-se assim abençoadas por
ter o Mestre como refugio, devido à atitude devocional de Balaram de ser um servo do Senhor.
8. Quanto à adoração exterior, a opinião de Balaram a respeito de ahimsa mudou em pouco
tempo. Antes de entrar em contato com o Mestre não fazia mal aos mosquitos, embora
perturbassem sua prática. Pensava que destruiria sua devoção. Um dia subitamente pensou que a
prática da religião consistia em tornar a mente concentrada em Deus e não em gastar o tempo
salvando a vida de mosquitos, insetos, pássaros e outros bichos. Portanto, se sua mente pudesse
concentrar-se em Hari por algum tempo com a morte de alguns mosquitos, esse ato, longe de ser
considerado irreligioso, seria altamente benéfico do ponto de vista do objetivo supremo da vida.
Balaram dizia, "A preocupação há muito existente de praticar ahimsa recebeu um rude golpe com aquele
pensamento, mas assaltado por dúvidas, viu-se perturbado por um novo pensamento. Por isso parti
para Dakshineswar para consultar o Mestre. A caminho continuei pensando no assunto, 'Já o vi
matando mosquitos como as outras pessoas? Não pude me lembrar mas observei que ele era mais fiel
ao voto de ahimsa do que eu. Lembrei-me de que, quando um dia vi um homem caminhando num
campo, verde como um capim novo, sentiu como se o homem estivesse pisando em seu peito e ficou
desassossegado de dor. Tão grande era sua sensibilidade àquele Poder de consciência que dava
vida e vitalidade a todas as coisas, inclusive ao capim, no campo, e as penetrava completamente!
Assim compreendi que era desnecessário perguntar-lhe, porque minha dúvida sobre essa questão
deveria ser apenas um ardil decepcionante de minha mente. Deixe-me, contudo, vê-lo. A mente ficará
purificada, pensei."
9. "Cheguei a Dakshineswar e fui até a porta do quarto do Mestre, mas antes de entrar, fiquei
atônito ao ver de longe o que estava fazendo. Eu o vi tirando de sua cama percevejos e matando-os!
Assim que me aproximei e me inclinei, ele disse, 'Há muitos percevejos no travesseiro. Eles me
mordem, dia e noite, ocasionando distração da mente e perturbando o sono. Estou, portanto,
matando-os.' Agora, não havia mais razão de discutir o assunto. Fiquei livre de dúvidas ao ouvir suas

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palavras e ver o que estava fazendo, mas admirado, pensei, 'Nos últimos dois ou três anos tenho
vindo em horas diferentes e sem avisar; chegava durante o dia e voltava à noite. Se chegasse ao
entardecer, ia embora somente quando a noite já avançara mais de três horas. Vinha e ia três ou
quatro vezes por semana, mas jamais o vi agir assim. O que aconteceu? A razão é que no começo eu
não estava preparado para a lição. Minha atitude espiritual teria sofrido se o tivesse visto agir daquela
maneira antes, em conseqüência teria perdido a fé nele. Por isso o Mestre jamais se comportou
daquela maneira na minha presença."
10. Além dos devotos que o Mestre vira em visões anteriores, muitos homens e mulheres
vieram a Dakshineswar nessa época para vê-lo e ter paz. Ele também os recebia de forma
afetuosa abençoando-os, dando a alguns, instruções e a outros, por um toque elevava-os ao
estado de inspiração divina. À medida que o tempo passava, o círculo de devotos, tendo o Mestre
como centro de atração, tornou-se cada vez maior. Desses, tomou cuidado especial em moldar as
vidas espirituais dos rapazes e jovens solteiros. Em muitas ocasiões disse a razão: "A realização
perfeita de Deus jamais poderá ser atingida se uma pessoa não se dedicar totalmente a ela. A
mente dos jovens ainda não se distraiu com esposa, filhos, riqueza, honra, fama e outros
interesses mundanos. Se não tiverem esses interesses agora, podem oferecer a mente
integralmente a Deus e serem abençoados com Sua visão. Por isso é necessário que haja um maior
cuidado ao guiá-los no caminho da realização espiritual." Sempre que o Mestre tinha uma
oportunidade, levava cada um deles a um lugar isolado e instruía-o nos métodos elevados da
realização espiritual, como Yoga, meditação etc., e aconselhava-o a praticar perfeita continência,
não se casando. Depois levando em consideração a capacidade da pessoa, escolhia o Ideal
Escolhido adequado à sua adoração e meditação, e também a atitude espiritual entre Santa, Dasya
e outras que deveria ter pelo aspecto escolhido da Divindade, para atingir um rápido progresso na
vida espiritual.
11. Que ninguém pense que Sri Ramakrishna dedicava menos graças e compaixão aos
devotos chefes de família ao saber do zelo que tinham com o aprendizado dos rapazes. Não lhes
pedia para praticar e estudar as mais elevadas verdades espirituais, somente porque sabia que
muitos deles não tinham tempo nem capacidade para isso, mas guiava-os constantemente para
que pudessem gradualmente vencer a atração de riqueza e sexo e, ter o ideal de sua vida atingido
no devido tempo através do caminho da devoção. Ensinava-lhes em primeiro lugar a viver 'no
mundo de Deus' e não, 'no seu próprio', e enquanto estivessem cumprindo seus deveres,
abandonassem todo apego, todo sentimento de 'eu e meu' e fossem como um servo trabalhando
na casa do patrão. O Mestre também os encorajava a observar continência segundo sua
capacidade. "Marido e mulher", observava, "devem oferecer suas mentes a Deus e viver no
mundo como irmão e irmã depois do nascimento de um ou dois filhos." Além disso,
encaminhava-os sempre no caminho da Verdade exortando-os a agirem com todos de maneira
simples, sem artimanhas; abandonar a luxúria e desejar somente comida e roupa simples,
fixando firmemente o pensamento em Deus; lembrar-se e pensar em Deus diariamente nas duas
junções do dia e da noite, fazendo adoração e Japa, e cantar o Kirtan. Aconselhava os chefes de
família que não podiam nem fazer isso a se sentarem num lugar solitário ao entardecer, tomando
o nome de Hari e batendo palmas. Aconselhava os a se reunir aos parentes e amigos para cantar o
nome de Deus. Certa vez disse, ao dar instrução aos devotos em geral, "Devoção, segundo Narada,
é o único caminho para o Kaliyuga; as pessoas se salvarão se somente cantarem em voz alta o
nome de Deus. As pessoas no Kaliyuga dependem de muita comida para sua sobrevivência;
vivem pouco e têm poderes fracos; e é por isso que um caminho fácil para a realização de Deus
foi prescrito para eles." Também, às vezes dizia para não perderem o ardor ao ouvir Yoga,
meditação e outros caminhos difíceis da Sadhana. "Um monge deve, naturalmente, chamar por
Deus, porque foi com este propósito que renunciou a todos os deveres do mundo. Que mérito
há em agir assim? Deus fica altamente satisfeito com aquele que se recorda dele apenas uma vez
enquanto carrega o pesado fardo de deveres com o pai, mãe, esposa, filho e outros, no mundo.
Deus pensa, 'É grande o mérito deste homem que pode se lembrar de Mim mesmo por pouco
tempo, apesar de levar nos ombros um fardo tão pesado. Este homem é certamente um herói
entre os devotos."
12. As palavras são insuficientes para exprimir quão elevado foi o lugar que o Mestre deu a
Narendra entre os devotos especiais visto por ele em visões, para não falar dos devotos que
vieram sem um chamado prévio, através de visões. Referindo-se a alguns dos devotos das visões,
dizia, "São Ishvarakotis, em outras palavras, nasceram neste mundo para executar um
determinado trabalho de Deus." Comparando Narendra com aqueles poucos homens, disse-nos um
dia, "Naren é um lótus de mil pétalas, enquanto outros desta classe são lótus, sem dúvida, mas de

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dez ou, no máximo, vinte pétalas." Em outra ocasião disse, "Muitos homens vêm aqui, mas
ninguém como Naren." Viu-se, também, que ninguém podia corretamente compreender e
expressar, como fez Narendra, a importância das palavras sábias e atos extraordinários do Mestre.
Ouvindo de Narendra os ensinamentos do Mestre, às vezes éramos levados a pensar, "Ah! Também
ouvimos as palavras do Mestre, mas não compreendemos que tivessem um significado tão
profundo."
13. Num dia de 1884, um amigo nosso veio a Dakshineswar e encontrou o Mestre sentado
em seu quarto, cercado pêlos devotos. Narendra também estava presente. Várias conversas
espirituais, entremeadas com brincadeiras, prosseguiam. Ao longo da conversa, surgiu o
assunto da religião vaishnava. Explicando brevemente a essência daquela doutrina, o Mestre disse,
"Aquela doutrina ensina que se deve sempre ter o cuidado de observar três coisas a saber, gosto
pelo nome de Deus, bondade para com todos os seres e serviço dos vaishnavas. Deus é idêntico
a Seu nome. Conhecendo a não-diferença entre o nome e seu possuidor, tem-se que tomar Seu
nome com amor e devoção. Conhecendo a identidade do devoto com o Divino, do vaishnava e
Krishna, deve-se sempre respeitar, adorar e saudar os homens santos, os devotos. Deve-se ter a
convicção, no coração, de que todo o universo pertence a Krishna; portanto, deve-se ter
compaixão para com todos os seres." Mal havia pronunciado as palavras, "compaixão por todos os
seres", entrou subitamente em êxtase. Retornando à consciência parcial em pouco tempo,
continuou, "Falar de compaixão! Criaturas insignificantes que são, como podem mostrar compaixão?
Quem são para mostrar compaixão? Quem são para concedê-la? Não, não é compaixão com os
Jivas, mas serviço a eles como Shiva."
14. Todos continuaram ouvindo as palavras do Mestre ditas durante o êxtase, mas
ninguém, na época pôde detectar e compreender a importância oculta. Foi somente Narendranath
que, saindo do aposento, no final do êxtase, disse: "Ah, que luz maravilhosa vi hoje saindo das
palavras do Mestre! Que Evangelho novo e atraente recebemos hoje através daquelas palavras. Uma
síntese foi feita da devoção a Deus com Conhecimento vedantista, que geralmente é considerado
seco, austero e indiferente ao sofrimento dos outros. A fim de atingir o conhecimento não-dual, há
muito tempo foi-nos dito que deveríamos renunciar totalmente ao mundo e à companhia dos
homens e retirar-nos para a floresta e sem piedade desenraizar e jogar fora do coração o amor,
devoção e outras ternas emoções. Outrora, quando o aspirante tentava alcançar aquele
Conhecimento, prescrito nas obras antigas, olhava o universo inteiro e cada pessoa como
obstáculo no caminho de seu progresso espiritual - uma atitude que produzia nas pessoas uma
espécie de antipatia em relação à sociedade e por diversas vezes tirou-o do verdadeiro caminho
espiritual, mas o Mestre, em êxtase, disse hoje que a Vedanta da floresta pode ser trazida para
o lar e que pode ser aplicada no trabalho do dia-a-dia. Que o homem faça o que está fazendo;
não há qualquer mal nisso; basta que primeiramente esteja totalmente convencido de que é
Deus quem está manifestado diante dele como o universo e todos os seres nele. Aqueles com
quem entra em contato a cada momento de sua vida, a quem ama, respeita e honra e a quem
sua simpatia e bondade flui, são todos Suas partes, todos Ele mesmo. Se puder considerar todos
como Shiva, como pode se considerar superior, alimentar raiva e ódio ou mesmo ser bom para
eles? Assim servindo os Jivas como Shiva, terá o coração purificado e ficará convencido em
pouco tempo de que ele próprio é uma parte de Deus, Felicidade Absoluta, eternamente puro,
desperto e livre.
"Dessas palavras do Mestre obtivemos também, uma grande luz no caminho da devoção.
Até que se veja Deus em todos os seres, o aspirante não tem a menor chance de realizar a
verdadeira devoção e ter o objetivo de sua vida satisfeito em pouco tempo. Os aspirantes que
adoram o caminho da ação ou da concentração para a realização de Deus, também obterão muita
luz dessas palavras, porque, como os seres encarnados não podem parar, nem um momento, de
trabalhar, não é necessário dizer que somente a natureza do serviço aos Jivas como Shiva deve
ser executado e a ação feita com esse espírito os capacitará a alcançar o objetivo mais cedo. Se
Deus alguma vez me permitir, proclamarei ao mundo inteiro essa maravilhosa verdade que ouvi
hoje. Pregarei ao erudito e ao iletrado, ao rico e ao pobre, ao Brahmana e ao Chandala."
O Mestre, em êxtase, trazia uma luz sobre o Conhecimento, Amor, Yoga e Karma, mas nós,
infelizes, não entendíamos. Somente Narendranath, na medida do possível, compreendeu, e às
vezes nos mostrava seu significado sublime.

CAPÍTULO X

O FESTIVAL EM PANIHATI

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ASSUNTOS: 1. Narendra tornou-se diretor de uma escola. 2. A inimizade dos parentes. 3. A doença de Sri
Ramakrishna. 4. Sua doença piora por causa de conversar muito e entrar em Bhavasamadhi. 5. O festival
em Panihati. 6. O desejo do Mestre de ir. 7. Partindo para Panihati. 8.Porque a Santa Mãe não acompanhou
o grupo. 9. Cenas do festival. 10. A casa de Mani Sen. 11. Seu templo. 12. O Mestre dançou em
Bhavasamadhi. 13. Bhavasamadhi a caminho da casa do Pandit Raghava. 14. A maravilhosa beleza do
Mestre em Bhavasamadhi. 15. O fervor e a alegria do grupo de Kirtan ao ver o Mestre. 16. Todos ficaram
atraídos por ele. 17. Uma travessa cheia de Prasad 18. Doação de uma graça a Navachaitanya. 19. Chegada
a Dakshineswar. 20. O Mestre fala sobre a sagacidade da Santa Mãe. 21. As palavras da Santa Mãe a esse
respeito. 22. Experiências desagradáveis no dia de Snanayatra.

1. Já dissemos anteriormente como Narendranath refugiou-se no Mestre e como ele


abençoou a família livrando-a para sempre da falta de comida e roupa. Por conseguinte as condições
mundanas de Narendra mudaram gradualmente dali para frente e embora não voltasse a ser rica, a
família jamais teve de experimentar novamente a pobreza como antes. Uma filial da Metropolitan
School abriu em Champatala, Calcutá, pouco depois do ocorrido e Narendra foi nomeado diretor graças
ao Pandit Ishvara Chandra Vidyasagar. Trabalhou como professor por mais ou menos três ou quatro
meses, provavelmente a partir de maio de 1885.
2. Embora as condições financeiras de Narendra tivessem melhorado um pouco, começou agora
a ser atormentado pela inimizade dos parentes. Sempre que podiam ocupavam as melhores casas e os
melhores lugares da propriedade ancestral. Por isso saiu de casa por algum tempo e foi morar com a
avó na Alameda Ramtanu Basu. Moveu uma ação na Alta Corte para lhe ser restituído o que era de
direito. Nimai Charan Basu, advogado e amigo de seu pai, ajudou-o muito neste caso. Agora
Narendra gastava muito tempo tomando conta desta ação judicial e preparando-se para o próximo
exame de Bacharel em Leis, e por esta razão teve de se demitir da escola onde trabalhara por
somente três ou quatro meses. Houve outra razão mais grave. O Mestre teve uma inflamação na
garganta e como piorava, Narendra sentiu a necessidade de estar presente, cuidando de seu bem-
estar e tratamento.
3. Vendo que o Mestre sofria com o calor excessivo do ano de 1885, os devotos sugeriram que
tomasse gelo. Observando que ele se sentia aliviado com o gelo, muitos deles, quando iam visitá-lo
em Dakshineswar, começaram a trazer gelo. Ele também gostava de toma-lo com bebidas açucaradas
e ficava feliz como um menino. Começou, contudo, a ter dor de garganta depois de tomar gelo por um
mês ou dois. Foi provavelmente no mês de abril que pela primeira vez sentiu dor.
4. Mais de um mês se passou, a dor não cedeu e o mal se agravou em maio quando
então a doença apresentou novos sintomas. Piorava quando falava muito ou entrava em êxtase.
Em primeiro lugar foi diagnosticada inflamação da faringe devido ao frio, e prescrito emplasto
comum, mas após alguns dias de uso, como não houvesse qualquer melhora um devoto chamou o
Dr.Rakhal, de Bowbazar, conhecido como um bom especialista nessas doenças. O médico
diagnosticou a doença receitando um unguento para ser posto dentro e fora da garganta. Pediu-
nos para fazer com que o Mestre não falasse muito por alguns dias, nem entrasse em êxtase.
5. O trigésimo dia da quinzena brilhante do mês de Jyaishtha (maio-junho) aproximava-se.
Uma feira anual da comunidade vaishnava teria lugar neste ano no vilarejo de Panihati às margens
do Ganga, algumas milhas ao norte de Calcutá. A história da renúncia ardente e do desapego de
Raghunath Das Goswami, um dos companheiros do grande Chaitanya, é bem conhecida em toda a
Bengala. Deixando para trás uma linda esposa e uma imensa fortuna, Raghunath, filho único, veio
a Santipur refugiar-se aos pés de Sri Chaitanya que o enviou para casa para amadurecer seu
incipiente desapego pela vida mundana. Em obediência implícita à ordem do grande senhor, Raghunath
voltou para casa e mantendo oculto o forte desejo de renunciar ao mundo, começou a ajudar o pai e
o tio nos negócios da família. Embora continuasse a viver em casa não podia ficar sem ver de vez em
quando os companheiros de Sri Chaitanya. Costumava visitá-los com a autorização do pai, passar
alguns dias em sua santa companhia e voltar para casa. Assim passavam-se os dias e Raghunath
viveu em casa, aguardando a época apropriada para renunciar.
Ao longo do tempo Sri Gauranga foi iniciado em Sannyasa indo morar em Puri. Encarregado de
pregar a religião vaishnava, Nityananda, um dos chefes do movimento fez o vilarejo de Khardaha,
situado às margens do Ganga, o centro principal de seu trabalho nos arredores de muitos lugares de
Bengala, cantando, pregando o nome de Deus e iniciando muitas pessoas naquela fé.
Um dia quando Nityananda com seus amigos e discípulos do círculo interno pregavam no
vilarejo de Panihati, Raghunath veio vê-lo e pediu-lhe para alimentá-lo e os devotos com arroz
empapado, coalhada, leite, açúcar, plantano etc., misturados numa pasta e oferecidos à Divindade.
Raghunath, muito feliz, deu uma suntuosa festa para centenas de pessoas que haviam vindo

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naquela ocasião ver o reverenciado Nityananda nas margens do Ganga. Quando Raghunath ia se
inclinar e despedir-se de Nityananda no final do festival, Nityananda abraçou-o, em transe parcial, e
disse: "A época agora está propícia para você renunciar ao mundo, e se for ver o grande Senhor em
Puri, Ele o aceitará e o colocará sob os cuidados de Sanatana Goswami para seu aprendizado, visando
o aperfeiçoamento de sua vida espiritual." Raghunath pulou de alegria ao ouvir a ordem de Nityananda,
fez uma pequena visita à sua casa, e renunciou ao mundo, foi para sempre para Puri. Raghunath
deixou o lugar, mas em comemoração a este acontecimento, os devotos vaishnavas fazem um festival
anual no vilarejo de Panihati às margens do Ganga, em louvor a Gauranga e Nityananda, visando obter
uma graça semelhante de Deus. Esse evento é conhecido pêlos devotos como 'Festival do arroz
empapado em Panihati'.
6. O Mestre já fora àquele festival muitas vezes, mas deixara de participar desde que seus
devotos educados à moda ocidental chegaram.. Expressou o desejo de ir esse ano juntamente com
os devotos e disse-nos, "Uma feira de felicidade - um verdadeiro mercado em nome de Hari -
reúne-se naquele dia; vocês,' Young Bengal'1 (1 Estas palavras foram ditas em inglês.) jamais viram algo
semelhante. Vamos vê-lo." Embora um grupo de devotos como Ramchandra e outros tenham ficado
muito alegres com a proposta, alguns pensaram na dor de garganta do Mestre e tentaram
dissuadi-lo. A fim de satisfazê-los disse, 'Vou comer cedo e voltarei depois de uma ou duas horas;
isto não fará muito mal. A dor de garganta talvez aumente com muito êxtase, mas tomarei
cuidado em mantê-la sob controle." Rejeitou todas as objeções e os devotos começaram a
organizar a viagem a Panihati.
7. O festival de Panihati era no trigésimo dia da quinzena brilhante. Cerca de vinte e cinco
devotos vieram às 9 da manhã, a Dakshineswar em dois barcos. Alguns vieram a pé. Via-se um barco
alugado para o Mestre, amarrado no Ghat. Algumas devotas chegaram de manhã cedo e
juntaram-se a Santa Mãe para fazer a comida do Mestre e devotos. Todos comeram e aprontaram-
se para sair às 10 da manhã.
8. Quando o Mestre acabou de comer, a Santa Mãe enviou um recado ao Mestre, através
de uma devota, perguntando se ela também poderia ir. O Mestre disse-lhe, "Estou vendo que
vocês todas estão indo, deixa-a ir, se quiser." Quando falou com a Santa Mãe, ela disse, "Muitas
pessoas estão indo com ele e haverá uma grande multidão; será muito difícil para mim descer do
barco e ver o festival. É melhor que não vá." Assim falando a Santa Mãe desistiu da idéia de ir.
Deu de comer a duas ou três devotas que estavam na companhia do Mestre e pediu-lhes que
fossem no mesmo barco que ele.
9. Havia um grande número de pessoas já reunidas em volta da velha árvore "peepal" às
margens do Ganga, quando o grupo chegou a Panihati, aproximadamente ao meio-dia. Os devotos
vaishnavas desfrutavam a felicidade do Sankirtan mas muitos deles não pareciam ter realmente se
perdido no canto do nome de Deus. Em todos os lugares tinha-se a impressão de que se tratava de
um acontecimento sem vida. Tanto antes como depois da chegada a Panihati, Narendranath,
Balaram, Girishchandra, Ramchandra, Mahendranath e outros devotos importantes, repetidamente
pediram ao Mestre para não se juntar a qualquer grupo de Kirtan e ficar inebriado, porque se assim o
fizesse, o êxtase seria inevitável e a dor de garganta aumentaria.
10. O Mestre desceu do barco e foi direto para a casa de Mani Sen. Felizes, todos os
membros da família inclinaram-se ante ele, levaram-no para a sala de visitas onde se sentou.
Era um aposento bem mobiliado, em estilo inglês, com mesas, cadeiras, sofás e outros confortos.
Depois de um descanso de dez ou quinze minutos, levantou-se e todos foram adorar Sri
Radhakanta, no templo da família.
11. O templo ficava perto da sala de visitas. Entramos pela porta ao lado da sala de música,
junto ao templo e fomos abençoados ao ver as imagens de Radha e Krishna. As imagens eram
lindas. Olhando fixamente para elas por um instante, o Mestre saudou-as em estado semiconsciente.
Descendo cinco ou seis degraus da sala de música, alcança-se o pátio quadrado do templo com um
conjunto de quartos ao longo dos quatro cantos. O portão está situado de tal maneira que uma pessoa
vê as imagens assim que entra no pátio do templo. Enquanto o Mestre saudava, um grupo de Kirtan
entrou no pátio pelo portão e começou a cantar. Parece que era costume que cada grupo que
chegasse à feira, começasse a cantar o Kirtan em primeiro lugar no pátio do templo e depois
prosseguisse até as margens do Ganga e cantasse o nome de Deus. Um homem de meia idade, alto,
gordo, de pele clara, com o cordão sagrado e tufo de cabelo na cabeça e o corpo enfeitado de pasta de
sândalo e outros emblemas sagrados chegou ao pátio passando o rosário num pequeno saco. Com
uma roupa de cima pendendo do ombro, uma roupa branca "Railly do 49", limpa, sem debrum
colorido, gasta, mas de maneira arrumada, e um monte de moedas numa dobra da fazenda na
cintura, parecia à primeira vista ser um Goswami andarilho que viera à feira, vestido dessa maneira

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para ganhar um pouco de dinheiro às custas da boa fé dos outros. Afim de animar o grupo de Kirtan e
provavelmente mostrar-se aos recém-chegados como um grande devoto, veio e juntou-se ao grupo
e começou a gritar, dançar e gesticular como se estivesse em transe.
12. O Mestre ficou num dos lados do templo saudando as pessoas. Sorrindo ao ver o Goswami
fingindo êxtase e a maneira de sua roupa e enfeites, disse a Narendra e a outros devotos a seu
lado, em voz baixa: "Marca da hipocrisia". A esse comentário, houve um pequeno sorriso nos lábios
de cada um. Todos ficaram aliviados quando viram que ele se controlara sem experimentar
qualquer emoção espiritual. Mas pouco depois, antes dos devotos terem qualquer idéia do "como"
e "quando" do assunto, o Mestre, num fechar de olhos, desceu num salto para o meio do grupo
de Kirtan e entrou em êxtase, perdendo toda consciência. Os devotos correram da sala de música e
ficaram a seu redor. Às vezes tinha consciência normal parcial e dançava com passos de um leão e,
às vezes perdia a consciência exterior permanecendo imóvel. Dançando sob a influência das
emoções espirituais, ora avançava, ora retrocedia com passo rápido, acompanhando o ritmo da
música. Parecia um peixe nadando alegremente no mar de felicidade. Cada movimento de seus
membros claramente indicava isto, mas é impossível exprimir a maravilhosa manifestação desse
poder natural e descontraído de felicidade onde beleza e ternura haviam se misturado numa doce
harmonia. Já havíamos visto muitas danças bonitas, cheias de gestos, mas jamais havíamos tido
um vislumbre daquela feliz síntese de poder e beleza como tivemos naquela descontraída dança do
Mestre, quando ele se perdia nos estados divinos de emoções espirituais. Quando o corpo,
transbordando de intensa alegria divina, movia-se para lá e para cá em passos rápidos, uma
pessoa ficava imaginando se era feito de alguma substância física, sólida. Sentia-se como se
ondas se levantassem num mar de felicidade e indo para frente, carregando tudo à sua frente, e
fundindo-se a cada momento naquele mar, líquido no líquido, para desaparecer fora da vista.
Ninguém tinha que explicar quão grande era a diferença que existia entre o genuíno e o impostor. O
grupo de Kirtan não mais olhou para o Goswami, mas cercou o Mestre cantando com fervor e
felicidade multiplicada cem vezes.
13. Cerca de meia hora passou desta maneira, mas ao verem o Mestre em estado de
consciência mais ou menos normal, os devotos tentaram tirá-lo do meio do grupo de Kirtan.
Decidiram que todos deveriam voltar de barco, depois de adorarem o par de imagens e o
Salagrama, (pedra sagrada redonda, símbolo do Supremo), que o Pandit Raghava, um companheiro
do grande Sri Chaitanya, adorara diariamente em sua casa, situada um pouco mais de uma milha
daquele lugar. O Mestre consentiu e partiu com os devotos do templo de Mani Sen. O grupo de Kirtan
não desistiu de acompanhá-lo, cantando o nome de Deus com fervor. O Mestre andou uns passos e
parou imóvel em êxtase. Ao retomar à consciência parcial, os devotos pediram-lhe para andar. Deu
três ou quatro passos e novamente entrou em êxtase. Como isto acontecesse repetidas vezes, os
devotos foram obrigados a prosseguir bem devagar.
14. Não nos recordamos de alguma vez ter visto o brilho e a beleza que vimos naquele dia no
Mestre, em êxtase. Não podemos descrever aquela beleza maravilhosa de sua divina pessoa. Jamais
havíamos imaginado que essa mudança pudesse acontecer num homem, num piscar de olhos, sob
influência de emoções espirituais. Ele era razoavelmente alto, como víamos diariamente, mas tivemos
a impressão de que estava mais alto e parecia tão leve como um corpo visto num sonho. A cor
levemente escura do corpo tornou-se brilhante pelo estado divino e iluminado por um incomparável
sorriso nos lábios levemente entreabertos, o rosto luminoso de glória, paz, felicidade e compaixão
espalhando uma luz maravilhosa que iluminava todos os lados. Enfeitiçada pela visão, a congregação
esqueceu-se de tudo e seguiu-o quase inconscientemente. A cor ocre brilhante da seda que vestia
tornou-se una com o brilho do corpo e ele parecia cercado por chamas de fogo.
15. Assim que o Mestre saiu do templo de Mani Babu e alcançou a estrada, o grupo de Kirtan viu
sua beleza divinamente radiante, sua dança encantadora e também, seu repetido e profundo êxtase. A
visão elevava o fervor de todos a um inimaginável grau e começaram a cantar:

"Quem toma o nome de Hari nas margens do Ganga, o rio Divino?


Parece que Nitai, o doador de amor divino chegou.
Quem toma o nome de Hari,
E canta vitória a Radha?
Parece que Nitai, o doador do amor divino, chegou!
Nosso Nitai, o doador de amor chegou!
Como podem nossos corações ser mitigados sem ele?
Aqui vem nosso Nitai, o doador de Amor!"

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16. Enquanto cantavam o último verso, apontaram para o Mestre e dançaram com grande
alegria, repetindo continuamente: "Aqui está o nosso doador de amor." Aquele fervor chamou a
atenção de todos os presentes no festival que começaram a afluir para lá. Aqueles que chegavam e viam
o Mestre, logo ficavam encantados e juntavam-se ao Kirtan, com grande entusiasmo ou maravilhados
com o aparecimento de uma emoção divina indescritível em seus corações. Permaneceram presos ao
chão durante algum tempo e seguiram o Mestre silenciosamente olhando para ele com olhos bem
abertos. O fervor do grupo gradualmente apossou-se de todos os presentes atraindo também alguns
grupos de Kirtan que chegavam para se juntar a eles. Assim, uma vasta multidão cercou o Mestre em
êxtase e prosseguiu, em passos lentos, até a cabana do Pandit Raghava.
17. As devotas tinham algumas travessas de doces oferecidos a Sri Gauranga e Nityananda
sob a árvore Pipal, nas margens do Ganga. Um pouco antes de chegarem à casa do Pandit Raghava,
apareceu, ninguém sabe de onde, um feio e deformado vaishnava vestido como um mendigo
religioso que apanhou uma travessa de Prasad das mãos de uma devota e parecendo tomado de
amor e emoções espirituais, colocou um pouco na boca do Mestre. O Mestre estava imóvel sob a
influência do êxtase. No momento em que a mão do homem tocou seu corpo, estremeceu
perturbando o êxtase. Cuspiu a comida e lavou a boca. Não levou muito tempo para as pessoas
soubessem que se tratava de um hipócrita. Vendo que todos lhe lançavam olhares de aborrecimento e
ridículo, o homem fugiu. O Mestre pegou o Prasad de um dos devotos, comeu um pouco e deu o
restante aos outros.
18. Levou muito tempo, cerca de três horas, para caminhar a distância de uma milha até chegar à
casa do Pandit Raghava. O Mestre levou meia hora para ir até o templo, tocar o Salagrama, adorar as
imagens e descansar. A vasta multidão dispersou-se em várias direções. Os devotos levaram-no até o
barco quando viram que a multidão diminuíra. Aqui, também, algo maravilhoso ocorreu. Sabendo que o
Mestre viera ao festival, Navachaitanya Mitra de Konnagar ficou ansioso para vê-lo procurando-o em
todos os lugares.
Ora, vendo o Mestre no barco, pronto para partir, veio até ele, correndo como um louco. Caiu
a seus pés e chorou, movido por emoções vindas do coração, "Por favor concede-me sua graça!" O
Mestre respondeu à ansiosa e fervorosa oração do devoto, tocando-o, em êxtase. Não sabemos que visão
extraordinária teve, mas como resultado daquele toque, vimos num piscar de olhos, seu choro
descontrolado mudar subitamente para uma intensa alegria. Dançou de maneira descontraída no barco,
como se tivesse perdido a consciência do mundo exterior. Cantou em louvor do Mestre vários hinos e
inclinou-se ante ele repetida vezes. Enquanto permaneceu assim por algum tempo, o Mestre passou a
mão nas costas de Navachaitanya e sossegou-o ao dar-lhe várias instruções. Embora Navachaitanya já
tivesse visto anteriormente o Mestre muitas vezes, não pôde receber sua graça antes. Foi abençoado
naquele dia. Colocou o filho na direção de seus negócios mundanos, viveu numa cabana em sua própria
vila às margens do Ganga como um Vanaprastha e passou o resto da vida em práticas espirituais,
cantando e glorificando o nome do Mestre. Daquele dia em diante o idoso Navachaitanya costumava
ter êxtase durante o Sankirtan e muitos o amavam e respeitavam, vendo-o tomado de devoção e
com aspecto feliz. Na última parte de sua vida, pela graça do Mestre, teve o dom de despertar o amor a
Deus nos corações de muitas pessoas.
19. Quando Navachaitanya despediu-se, o Mestre ordenou que o barco partisse. Mal havíamos
andado uma pequena distância e já era o crepúsculo. Ao chegarmos ao templo de Kali em
Dakshineswar, aproximadamente às 8.30 p.m., o Mestre foi para o quarto, os devotos inclinaram-se ante
ele e despediram-se para voltar a Calcutá. Estavam todos entrando no barco quando um deles, um jovem,
lembrou-se de que se esquecera de calçar os sapatos e correu para o aposento do Mestre para trazê-los.
O Mestre perguntou-lhe a razão de sua volta e disse jocosamente, "Foi uma sorte que tenha se lem-
brado antes do barco sair, senão teria sido um acidente desagradável nas alegres experiências deste dia."
O jovem sorriu a estas palavras, inclinou-se ante ele e estava pronto para partir quando o Mestre
perguntou-lhe, "Como passou o dia? Foi um verdadeiro espetáculo do nome de Hari. Não foi?" Quando o
jovem concordou, o Mestre perguntou-lhe novamente, "Como passou o dia? Um espetáculo do nome de
Hari! Não é?" Quando o jovem novamente concordou, o Mestre mencionou os nomes dos devotos que
experimentaram transe durante o festival. Elogiou Naren Júnior, dizendo, "Aquele rapaz de pele escura
vem visitando este lugar há pouco tempo mas já está experimentando transes. No outro dia seu
transe não terminava -já estava sem a consciência normal há mais de uma hora. Ele diz, 'Hoje em dia
minha mente funde-se no aspecto sem forma de Deus.' Naren Júnior é um bom rapaz, não é? Por favor vá
à sua casa um dia desses e converse com ele. Vocês vão?" O jovem concordou com todas as suas
palavras e disse, "Mas, senhor, não gosto de ninguém tanto quanto gosto do Naren Sênior, portanto, não
quero ir à casa de Naren Júnior." O Mestre zangou-se com ele por falar assim e disse, "Pirralho, que
uma mente tacanha você tem! Deus tem uma cesta contendo diversas espécies de flores. Tem vários

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tipos de devotos. É sinal de mente tacanha não poder misturar-se com todos e desfrutar felicidade. Deve
um dia visitar Naren Júnior. O que me diz? Vai?" Não tendo outra alternativa, concordou e despediu-
se. Soubemos que alguns dias mais tarde o jovem visitou Naren Júnior, seguindo o conselho do Mestre
e assim, foi abençoado ao conseguir uma solução para aquilo que considerava um problema complicado
de sua vida. Naquela noite o barco chegou a Calcutá às dez horas.
20. Naquela noite as devotas ficaram com a Santa Mãe. Sabendo que haveria uma grande
comemoração no templo de Kali no dia de Snanayatra, que coincidiu ser o aniversário da instalação da
Devi, decidiram voltar a Calcutá somente depois de assistir o festival. Enquanto tomava a refeição à
noite, o Mestre disse a um deles no decorrer da conversa a respeito do festival Panihati, "A multidão
era realmente muito grande, e além disso, todos me observavam por causa do êxtase. A Santa Mãe
fez bem em não nos acompanhar. Se as pessoas a tivessem visto comigo, teriam certamente dito, 'O
Hamsi e a Hamsa2 (2 A sílaba 'hamsa' na palavra Paramahamsa significa 'cisne' e 'Parama' significa 'supremo'. Assim o
significado literal de Paramahamsa é 'Cisne Supremo'. É dado aos monges das Ordens de Shankaracharya, porque rejeitam o
mundo e seus prazeres por serem irreais e aceitam Brahman como o Real, assim como se supõe que o cisne rejeite a água e
aceite o leite de uma mistura dos dois. Sri Ramakrishna era membro da mesma ordem. O Mestre expressava este fato mas de
uma forma sério-cômica.) chegaram.' Ela é muito inteligente." Dando outro exemplo sobre a inteligência
extraordinária da Santa Mãe, acrescentou, "Quando o devoto, Marwari Lakshminarayan, quis me fazer
uma doação de dez mil rupias, senti como se a cabeça fosse cortada e disse à Mãe, 'Vieste Tu me
tentar novamente mesmo tarde como agora, Mãe?" Para testar Sri Sarada Devi mandei chamá-la e
disse, 'Escute, ele quer me dar aquela quantia. Uma vez que não aceitei, quer passar para seu nome.
Você pode aceitar. O que me diz?"Assim que ouviu, ela disse, 'Como posso aceitá-lo? O dinheiro
jamais pode ser aceito e se eu o fizer, será o mesmo que você aceitar, portanto, se o guardar comigo,
só posso gastá-lo com seu serviço e necessidades. É o mesmo que o aceite. As pessoas o amam e
respeitam por sua renúncia e neste caso, o dinheiro não pode ser aceito.' Soltei um suspiro de
alívio."
21. Quando o Mestre acabou de comer, as devotas foram ver a Santa Mãe no Nahabat e
disseram-lhe o que o Mestre falara sobre ela. A Santa Mãe disse, "Pude compreender pela maneira com
que me enviou o recado hoje de manhã, a respeito de minha ida ao Panihati, que ele não aprovava de
coração pois, caso contrário, teria dito, 'Sim, certamente que pode ir.' Ao me dar a responsabilidade
de tomar a decisão sobre o assunto e dizer, 'Deixe-a ir, se quiser' decidi que era aconselhável não ir."
22. O Mestre não pôde dormir naquela noite devido à sensação de queimadura no corpo. Isto
aconteceu porque muitas pessoas, de caráter diferente, o haviam tocado durante o festival. Porque,
quando homens impuros de mente poluída tocavam seu corpo e tomavam a poeira de seus pés com
intuito de se libertarem de suas doenças ou por qualquer outro motivo, observou-se que ele, muitas
vezes sofria aquela espécie de sensação de queimadura. O festival de Snanayatra teve lugar no dia
seguinte ao Festival de Panihati. Não pudemos estar presentes em Dakshineswar naquela ocasião.
Muitas devotas nos disseram que naquele dia vários homens e mulheres vieram ver o Mestre. Uma
delas, a mãe de A., pressionou-o a ajudar quitar sua propriedade e por isso acabou com sua felicidade.
Vendo-a sentada a seu lado na hora do almoço, o Mestre ficou aborrecido e não falou mais nem pôde
comer como usual. Mais tarde, quando outra devota, pessoa de nossas relações, foi despejar água em
sua mão para lavá-la depois de sua refeição perturbada, ele lhe falou particularmente, "As pessoas
vêm aqui para receber amor divino e Conhecimento. Esta mulher quer resolver o problema de
sua propriedade aqui! Olhe só! Trouxe mangas e doces com esse motivo egoísta; não pude comer nem
um pedaço. Hoje é dia de Snanayatra. Ah, quanto êxtase eu costumava ter nesse dia, em outros
tempos! A inebriação produzida pelo êxtase costumava perdurar por dois ou três dias. Não pude comer
nada o dia inteiro. Estados elevados não puderam ocorrer por causa da atmosfera daqui e do contato
com pessoas de vários estados mentais." Como a mãe de A. ficou aquela noite em Dakshineswar, o
aborrecimento do Mestre não diminuiu nem mesmo à noite. Disse a uma devota, na hora do jantar,
"Grande ajuntamento de mulheres aqui, não é bom. Trailokya, filho de Mathur, está aqui. O que vai
pensar? É uma coisa se uma ou duas mulheres vêm aqui de vez em quando e permaneçam um dia
ou dois, mas é outra coisa se uma multidão delas está aqui. Não posso hospedar tantas mulheres."
Pensando que elas eram a causa do aborrecimento do Mestre, a devota ficou muito triste e voltou a
Calcutá na manhã seguinte.
Houve muita pompa por ocasião do Snanayatra no templo de Kali devido ao culto, Yatra e
outros itens de celebração, mas os devotos não podiam sentir alegria pelo motivo acima mencionado.
Desses incidentes compreendemos até certo ponto quão aguda a mente do Mestre era para as
ocorrências do dia a dia e como controlava e guiava os devotos para o bem deles, embora vivesse
freqüentemente nos altos planos de consciência espiritual.

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CAPÍTULO XI

O MESTRE MUDA-SE PARA CALCUTÁ


ASSUNTOS: 1. A experiência de Panihati agrava a dor de garganta do Mestre. 2. O Mestre ignora este fato. 3. As
causas da doença. 4. O Mestre brigando com a Mãe Divina em Bhavasamadhi. 5. Grande afluência de devotos a
Dakshineswar. 6. A previsão do Mestre sobre a época de sua morte. 7. Seu serviço aos Jivas como Shiva. 8. Seu
poder de detectar as impressões passadas na mente das pessoas. 9. Exemplo. 10. Agravamento da doença e
hemorragia da garganta. 11. Na casa de Balaram para tratamento. 12. A doença é diagnosticada como câncer. 13.
As cerimónias espirituais na casa de Balaram. 14. Um acontecimento na casa de Balaram.

1. A dor de garganta do Mestre aumentou depois ter participado do festival de Panihati.


Nesse dia ocorreram pancadas intermitentes de chuva. Os médicos explicaram aos devotos que
a doença piorara porque o corpo e os pés estiveram expostos à chuva durante muito tempo.
Disseram que se isto se repetisse as conseqüências seriam sérias. Por esta razão os devotos
decidiram que para o futuro, tomariam mais cuidado. De temperamento infantil, naquele dia o
Mestre pôs toda a culpa pela desobediência às prescrições médicas, em Ramachandra Datta e
outros devotos mais velhos, dizendo, 'Teria eu ido a Panihati se tivessem me proibido de modo
mais incisivo?" Apesar de não exercer a profissão, Ram Babu havia se formado no Campbell
Medical School. Como fosse um amante da crença vaishnava, preferiu encorajar o Mestre a ir a
Panihati. Foi por essa razão, considerado o maior culpado.
Um dia um amigo nosso foi a Dakshineswar e viu o Mestre sentado no pequeno divã,
com ungüento no pescoço. Disse, "Vi no rosto do Mestre a mesma expressão acabrunhada de um
menino quando é proibido, por castigo, a fazer algo e fica preso num lugar. Saudei-o e perguntei-lhe
a razão. Mostrou-me o emplastro e disse, 'Veja, a dor aumentou e o médico proibiu-me de falar muito!'
'Ah, senhor!' disse eu, 'disseram-me que o senhor foi a Panihati naquele dia. Talvez seja por isso que a
dor aumentou.' A isso respondeu como um menino ferido de amor, 'Veja, havia água em cima, água
em baixo. No céu estavam nuvens de chuva e nas estradas, lama e mais lama, contudo Ram levou-me
lá e fez-me dançar o dia todo! Passou no exame, é médico. Teria eu ido se ele tivesse me proibido de
maneira incisiva?' Respondi, 'Sim, senhor, Ram estava muito errado. De qualquer maneira, o que
está feito, está feito. Agora, por favor tome cuidado por alguns dias e ficará curado.' Ficou satisfeito
com o que ouviu e disse, 'Pode alguém, contudo, ficar sem falar completamente. Veja, como você veio
de longe! Não posso falar uma palavra com você? É possível fazer diferente?' Respondi, 'Estou muito
satisfeito em vê-lo. Por que falar? Nestas circunstâncias, não me importo com seu silêncio. Quando
ficar curado, certamente vamos ouvir muitas coisas do senhor novamente.' Mas ele não deu ouvido a
essas palavras minhas. Esqueceu a proibição do médico, o sofrimento etc. e começou a falar como
antes."
2. O mês de Ashad (junho/julho) passou. Por mais de um mês o Mestre submeteu-se ao
tratamento e a dor não apresentou qualquer sinal de declínio. Embora estivesse um pouco melhor em
certos dias, a dor aumentava na lua cheia, na nova e no décimo primeiro dia da quinzena do mês
lunar. Era-lhe absolutamente impossível, nessa época, ingerir qualquer tipo de comida sólida ou
vegetal. O Mestre tomava somente leite ou farinha de trigo fervida no leite. Os médicos examinaram-no e
diagnosticaram que havia contraído uma doença conhecida como 'dor de garganta do clérigo', quer
dizer, falara demais, dando instruções religiosas às pessoas dia e noite e sua garganta estava a ponto
de apresentar esta doença. Os médicos prescreveram remédio, dieta, etc. Embora o Mestre tenha
seguido as prescrições, contudo violou dois pontos. Incapaz de se controlar devido ao grande amor por
Deus e compaixão infinita pelas pessoas abrasadas pelo calor da miséria mundana, não pôde evitar entrar
em êxtase, nem de parar de conversar. Assim que surgia uma conversa sobre Deus, entrava em
êxtase como antes; e quando as pessoas, cegas pela ignorância ou tomadas de dor e tristeza, vinham a
ele em busca de iluminação, consolo e paz, perdia-se em compaixão por elas, jogava para o ar todas
as proibições e prosseguia instruindo os devotos e abençoando os aflitos.
3. Nesta época muitos homens com anseio espiritual visitaram o Mestre. Além dos devotos
antigos, cinco ou seis, vinham diariamente bater à sua porta, almas sedentas de espiritualidade.
Era um fato que acontecia freqüentemente, desde que Kesav viera a Dakshineswar em 1875 e
começara a proclamar sua glória. Portanto nos últimos onze anos, o Mestre foi conduzido pelo seu
ardor de aliviar os espiritualmente famintos e sedentos e assim, não podia manter horas regulares
para banho, refeições e repouso diários. Além disso dormia muito pouco pelo impulso do Mahabhava.
Quando estávamos com ele em Dakshineswar, por diversas vezes vimos que se levantava pouco
depois de ter ido dormir às onze da noite e caminhava em êxtase. Ora abria a porta do leste, ora

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a do norte e saía; mas às vezes permanecia deitado sossegadamente na cama, embora bem
desperto. Diariamente durante a noite saía da cama três ou quatro vezes, e assim que batiam
quatro horas da manhã, esperava a luz da aurora e levantava-se, recordando, pensando e
cantando as glórias de Deus. Será, portanto de se estranhar que seu corpo estivesse gasto devido à
falta de sono e ao trabalho excessivo de dar instrução espiritual a muitas pessoas durante o dia?
4. Embora o Mestre não dissesse a ninguém que estava ficando bastante cansado,
suspeitamos disso, por suas brigas amorosas com a Mãe Universal. Um dia um de nós foi a
Dakshineswar depois que o Mestre caiu doente e viu que, sentado em seu divã pequeno, em êxtase,
dirigia-se a alguém, dizendo, "Trazes todas as pessoas sem valor aqui. Uma medida de leite
adulterado por cinco medidas de água! Meus olhos estão vermelhos e inchados e meus ossos
reduzidos a pó colocando combustível úmido no fogo e por constante soprar através da boca. Não
posso trabalhar tanto. Se for Tua vontade, faz Tu mesma! Traz pessoas boas aqui - aquelas que
alcançarão o despertar espiritual apenas com uma palavra ou duas." Noutra ocasião disse aos devotos,
"Hoje estava dizendo à Mãe, 'Dá um pouco de poder a estes — Vijay, Girish, Kedar, Ram e ao Mestre (M.,
autor do Evangelho), para que novas pessoas possam vir depois deles e terem as rebarbas, de certa
maneira aparadas por eles." Com relação à questão de remodelar as atitudes espirituais e vidas das
pessoas, uma vez disse a uma devota "Despeje a água você mesma e deixe-me preparar a lama."
Enquanto ainda estava em Dakshineswar, vendo que as multidões que batiam à sua porta, sedentas de
instrução espiritual, aumentavam, o Mestre um dia disse, em êxtase, à Mãe Divina, justamente alguns
dias depois de sentir pela primeira vez a dor de garganta, "Deves Tu trazer tantas pessoas? Trouxeste
uma verdadeira multidão e agora não tenho mais tempo para tomar banho e comer. Sou apenas um
tambor com buracos. Quanto tempo ainda vai durar se é tocado dia e noite?"
5. No final de 1884 a presença do Mestre em Dakshineswar tornou-se conhecida por toda
Calcutá. Sua personalidade ímpar, sua freqüente experiência de êxtase, suas palavras ambrosíacas
que levavam os ensinamentos mais elevados da religião de uma maneira simples, seu especial
poder de levantar as potencialidades espirituais dos aspirantes, seu amor desinteressado por todos,
sem distinção de casta ou credo - tudo isso constituía a conversa corrente das pessoas de Calcutá
e um grande número delas começaram a fluir a Dakshineswar para vê-lo e muitas, tendo-o visto
uma vez, repetiram a visita. O número dessas pessoas não pode ser estimado, porque jamais todas
vieram ao mesmo tempo, ao mesmo lugar, no mesmo dia. Isto foi bom porque se assim não tivesse
sido, o círculo interno dos devotos do Mestre, orgulhoso por esse número crescente e pelo fato de
que seu objeto de amor e adoração estava se tornando objeto de amor e adoração de um círculo
sempre crescente de pessoas, teriam sentido um mau presságio e sua alegria teria sido
obscurecida por uma sombra de medo e tristeza, porque ouviram o Mestre repetir diversas vezes,
"Quando muitas pessoas me olharem como Deus, amarem e me respeitarem, o corpo desaparecerá
imediatamente" Se tivessem se encontrado freqüentemente, certamente teriam abordado este
assunto e ficado por isso, infelizes.
6. De tempos em tempos, o Mestre fazia muitas alusões à época de sua morte, mas, cegos de
amor, não demos atenção a suas palavras, embora as tenhamos ouvido. Nem podíamos compreender
sua importância apesar de compreendê-las literalmente. Todos tinham na mente somente uma idéia,
a de como seus amigos e parentes poderiam desfrutar através do Mestre, a graça da paz que eles
mesmos estavam experimentando. Por isso, o medo de que ele viesse a falecer jamais passou por suas
cabeças. Quatro ou cinco anos antes de ficar doente, o Mestre dissera à Santa Mãe: "Quando eu aceitar
comida de qualquer um e da mão de todos, passar noites em Calcutá e dar uma parte de minha
comida em primeiro lugar aos outros e comer o resto, saiba que está se aproximando o dia de
minha morte." O curso dos acontecimentos estava realmente mudando, como fora predito, mesmo
algum tempo antes dele cair doente. Convidado para ir à casa das pessoas em diversos lugares de
Calcutá, o Mestre estava agora comendo qualquer tipo de alimento, exceto arroz cozido, das mãos de
qualquer um e de todos. Eventualmente, também, passava as noites na casa de Balaram Babu.
Como Narendra estava com dispepsia e não havia vindo a Dakshineswar há muitos dias e pensando
que não estivesse fazendo a dieta adequada, um dia pela manhã, o Mestre mandou trazê-lo a
Dakshineswar, alimentou-o primeiramente com um pouco de arroz e sopa feitos por ele e em seguida,
comeu o resto. A Santa Mãe fez objeção a isto e ao exprimir o desejo de que deveria cozinhar
novamente para o Mestre, ele disse: "Minha mente não recusa em dar um pouco de comida em
primeiro lugar para Narendra. Assim não haverá mais mal. Não precisa cozinhar mais." Mais tarde a
Santa Mãe falou, "Embora o Mestre houvesse dito isto, senti-me preocupada lembrando-me do que
dissera há muito tempo."
7. Embora seu corpo estivesse exausto pelo excessivo esforço de ensinar, seu ardor jamais
arrefeceu. Logo que uma pessoa chegava, sentia, no fundo do coração, se ela estava preparada e,

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perdendo-se no influxo de um poder divino, dava-lhe instrução ou a tocava, abrindo-lhe assim, o
caminho do progresso espiritual. Era isso que acostumava acontecer. A atitude do recém-chegado
invocava uma resposta na mente do Mestre, pondo por terra todas as outras atitudes suas durante
certo tempo. Podia, então, ver através de sua visão divina, o quanto aquela pessoa havia avançado
em direção à perfeição e a razão de não ter ido além. Em seguida removia todos os obstáculos no
seu caminho e a fazia ascender a planos cada vez mais elevados de consciência. Desta maneira
serviu os Jivas como Shiva ate o último momento de sua vida, saciando a sede espiritual de numerosas
pessoas de todas as idades. Era como resultado das lutas e boas ações de numerosas vidas passadas
que essa sede espiritual surgia nelas tornando-se nas mãos do Mestre, recipientes para o mais
elevado dos dons - a suprema Luz do Conhecimento.
8. Sempre vimos no Mestre um poder de detectar as idéias ocultas e impressões passadas
das pessoas. Isto pode ser considerado uma prova de que a saúde física e a doença jamais tocaram
sua mente e, embora conhecesse todos os segredos dos outros, jamais os divulgou para exibir seu
extraordinário poder. Deixava que fosse conhecido somente um fragmento de seu poder para que
fizesse bem a eles e lhes mostrasse um caminho mais elevado, ou, no caso de alguns afortunados,
tornar sua fé no próprio Mestre firme e inquebrantável.
9. Sabendo que a dor na garganta do Mestre aumentara, uma senhora de nossas relações
decidiu visitá-lo em agosto de 1885. Outra pessoa da vizinhança soube e disse, "Hoje não há nada
mais na casa para mandar para o Mestre por você. Pode levar este pote de leite?" A senhora recusou-
se e disse "Não há falta de leite bom em Dakshineswar e sei que providenciam leite para ele. Além
disso, é incômodo carregá-lo. Não é necessário levar leite."
Ao chegar a Dakshineswar viu que era impossível para o Mestre comer outra coisa que não
fosse leite misturado com arroz, por causa da dor na garganta e que a Santa Mãe estava muito
nervosa, porque a mulher que fornecia leite não havia podido, por qualquer razão, trazer a quota diária
de leite. A devota arrependeu-se de não ter trazido leite de Calcutá. Começou a perguntar se o leite
era vendido em outro lugar no vilarejo e veio a saber que não longe do templo, havia uma senhora, Sra.
Pande, que tinha uma vaca e vendia o leite. Foi à sua casa, mas soube que todo o leite acabara exceto
três onças, que já haviam sido fervidas. Sabendo pela devota de que ela tinha necessidade urgente
dele, a fornecedora vendeu. Conseguido o leite, preparou-se um pudim pequeno de arroz que o Mestre
comeu. Ele levantou-se para lavar a boca e a devota ajudou a despejar água em sua mão. Depois o
Mestre chamou-a à parte e disse-lhe afetuosamente, "Sinto muita dor na garganta, por favor pode
dizer o Mantra que conhece para cura e passar a mão em minha garganta?" Ouvindo estas palavras, a
senhora ficou admirada. Passou a mão em volta da garganta do Mestre, como ele desejava e, em
seguida, indo até a Santa Mãe, disse, "Como ele soube que eu tinha este Mantra? Há muito tempo,
uma mulher da comunidade Ghoshpara, sabendo que uma pessoa pode conseguir algumas coisas
com ele, mo deu. Depois o abandonei quando compreendi que se pode chamar por Deus, sem qualquer
motivo. Falei ao Mestre a respeito de tudo de minha vida, exceto de minha iniciação no Mantra da seita
Kartabhaja, porque ele poderia não gostar. Como pôde saber a respeito?" A Santa Mãe sorriu e disse
afetuosamente, "Ele pode conhecer todos os pensamentos e ações dos outros, mas isto não influi em
sua boa vontade para com eles. Jamais deixa de gostar de alguém por ter feito alguma coisa, se for
sincero e suas razões boas. Não precisa ficar com medo. Antes de vir para cá, eu também fui iniciada
naquele Mantra. Falei-lhe a respeito e ele me disse, 'Não faz mal que tenha sido iniciada no Mantra;
agora o ofereça aos pés de lótus de seu Ideal Escolhido.'"
10. Passou-se algum tempo, mas apesar de todo tratamento, a dor de garganta do Mestre
aumentava. Os devotos pensavam repetidamente na situação, mas não souberam de qualquer
medida a tomar no futuro. Então ocorreu algo que os fez tomarem uma decisão. Um dia uma
senhora de Baghbazar convidou os devotos para jantarem em sua casa. Desejava muito convidar o
Mestre, mas sabendo que estava doente, desistiu. Contudo, pensando que seria possível para ele,
sem qualquer dificuldade e efeito adverso, tomar uma carruagem e agraciar a ocasião com uma breve
visita à sua casa, pediu a uma devota para ir a Dakshineswar. Como essa pessoa ainda não houvesse
retornado às nove da noite, pediu aos convidados para se sentarem. Nesse momento a pessoa
enviada a Dakshineswar voltou e informou que a faringe do Mestre havia sangrado naquele dia, e
por isso, ele não pudera vir. Os presentes - Narendra, Ram, Girish, Devendra, Mahendra e outros -
ficaram bastante nervosos ao ouvir a notícia e depois de pensar no assunto, concluíram que deveria
ser alugada uma casa em Calcutá e o Mestre iniciar imediatamente o tratamento. Vendo Narendra
acabrunhado na hora de comer, um rapaz perguntou-lhe a razão e ele respondeu, "Ele, que é a fonte
de toda alegria, talvez vá nos deixar desta vez. Vim a saber através de livros de medicina e conversas
com médicos, que esse tipo de doença gradualmente desenvolve-se em câncer. Sabendo da

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hemorragia de hoje, acho que se trata da doença para a qual a ciência médica ainda não descobriu
cura."
11. Quando, na manhã seguinte, alguns devotos antigos foram a Dakshineswar e pediram ao
Mestre para se mudar para Calcutá para tratamento, ele concordou. Todos conheciam o amor do Mestre
pelo Ganga e os devotos viram que podiam avistar o rio do terraço de uma pequena casa na rua de
Durgacharan Mukherjee em Baghbazar. Alugaram-na e trouxeram o Mestre pouco tempo depois, mas
quando ele, habituado a viver no espaçoso jardim do templo de Kali, entrou dentro da pequena casa,
sentiu que era impossível viver ali e imediatamente foi para a casa de Balaram Basu na rua Ramkanta
Basu. Balaram recebeu-o com amor e pediu-lhe para ficar até que uma casa melhor fosse encontrada, com
o que ele concordou.
12. A busca de uma casa que servisse continuou. Sentindo que não era bom perder tempo, os
devotos nesse meio tempo chamaram os mais conhecidos médicos de Calcutá para darem uma opinião a
respeito da doença do Mestre. Gangaprasad, Gopimohan, Dwarakanath, Navagopal e outros foram
chamados. Examinaram o Mestre e diagnosticaram que ele havia contraído a doença incurável Rohini,
uma afecção da garganta. Gangaprasad, perguntado em particular por um devoto disse, "Rohini é o que os
médicos ocidentais chamam câncer. Embora haja nos livros tratamento, é considerado incurável." Vendo
que nenhuma esperança havia sido dada pêlos médicos e sabendo que nunca fora bom para a constituição
do Mestre tomar muitos remédios, os devotos acharam que seria melhor tratá-lo com homeopatia. Dentro
de uma semana, a casa de Gokulchandra Bhattacharya, situada na rua Shyampukur foi alugada para o
Mestre e ele foi ficou sob os cuidados do Dr. Mahendralal Sarkar, famoso médico de Calcutá.
13. A notícia da vinda do Mestre para Calcutá espalhou-se de boca em boca por toda a cidade.
Vindo em grupos para ver o Mestre, muitas pessoas conhecidas e desconhecidas fizeram da casa de
Balaram, um local de alegria como numa ocasião festiva. Embora permanecesse em silêncio de vez
em quando, de acordo com o conselho do médico, as orações lamentosas sempre o faziam falar
sobre assuntos espirituais com tal zelo e energia que parecia que havia vindo a Calcutá com aquele
propósito - que havia vindo por algum tempo às portas daqueles que não podiam ir a Dakshineswar
para receber a luz da espiritualidade. Diariamente, durante sua estada na casa de Balaram, de
manhã cedo até o almoço ao meio-dia e novamente, depois do descanso de cerca de duas horas
até a hora do jantar e de se retirar para cama, ele resolvia os complicados problemas da vida
espiritual de muitas pessoas e atraiu muitas delas para o caminho da espiritualidade, discutindo
vários assuntos a respeito de Deus. Entrando no profundo campo do êxtase, enquanto ouvia canções
religiosas, enchia os corações transbordantes de muitas pessoas sedentas de religião, com uma
torrente de paz e felicidade. Nenhum de nós teve a boa sorte de estar diariamente presente o tempo
todo. O dono da casa também, tinha de sair para conseguir coisas para o Mestre e para os devotos
sendo, pois, quase impossível ter uma descrição detalhada daquela semana.
14. Estávamos nessa época estudando e portanto, só tínhamos tempo livre para visitar o
Mestre, uma ou duas vezes por semana. Fomos à casa de Balaram numa tarde e encontramos o
vestíbulo do primeiro andar, lotado de pessoas, quando então Girish e Kalipada começaram a cantar com
grande fervor.

"Ó Nitai, abraça-me!


Hoje meu coração sente uma sensação desconhecida."

Entrando no aposento com grande dificuldade, vimos o Mestre, em êxtase, sentado num canto
do quarto, olhando para o leste. Vimos seus lábios com um sorriso maravilhoso de felicidade e a
perna direita levantada e esticada. Uma pessoa sentada diante dele segurava a perna com amor e
cuidado até o peito. Estava com os olhos fechados, as faces e o peito inundados de lágrimas. No
aposento todos estavam imóveis, cheios da divina presença que emanava do Mestre. A canção
continuava:

Hoje meu coração sente uma sensação desconhecida.


Abraça-me, Ó Nitai!
Estou agora sendo carregado pelas ondas
Que se levantam no rio de amor,
Como Nitai distribui o nome de Hari.
Para Nitai marquei o laço com minha própria mão,
Do qual as 'oito amigas"1 são testemunhas.
Como posso pagar meu débito ao credor de amor?
Porque, toda minha fortuna acumulada, acabou,
E ainda o débito não está quitado.
Agora vou ser acionado devido aquele débito de amor.

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1
As oito amigas de Radha, a divina consorte de Krishna.

A canção terminou. Algum tempo depois, recobrando a consciência, o Mestre disse à pessoa
defronte dele, "Diga Sri Krishna Chaitanya! Diga Sri Krishna Chaitanya! Diga, Sri Krishna Chaitanya!"
Fazendo-o pronunciar o nome três vezes seguidas, o Mestre, depois, retomou à consciência normal e
começou a conversar. Indagando, viemos a saber que se tratava de Nityagopal, professor num colégio
em Dacca que, ao saber da doença do Mestre viera visitá-lo. O Goswami tinha um aspecto
impressionante, acrescido pelo seu fervor devocional.

CAPÍTULO XII - SECÇÃO 1

A ESTADA DO MESTRE EM SHYAMPUKUR


ASSUNTOS: 1. A descrição da casa de Shyampukur. 2. O Dr. Mahendralal Sarkar empenhado no
tratamento do Mestre. 3. Dieta e cuidados à noite. 4. A timidez da Santa Mãe. 5. A proposta de trazê-la
para Shyampukur. 6.A capacidade de adaptação da Santa Mãe. 7. A estrada de Kamarpukur a
Dakshineswar. 8. A viagem da Santa Mãe a Tarkeswar. 9. Na estrada lúgubre do Telo-Bhelo. 10. O casal
Bagdi. 11. A solicitude deles para com a Santa Mãe. 12. A Santa Mãe despedindo-se do casal. 13. Os
rapazes servem o Mestre.

1. A casa alugada para o Mestre, situada na parte norte de Shyampukur, estendia-se


de leste para oeste. Assim que se entra, vê-se à esquerda e à direita uma calçada e uma
varanda pequena. Andando uns passos vê-se à direita uma escada que conduz ao primeiro
andar, e em frente, um pátio com dois ou três cômodos pequenos. Subindo vemos à direita
um grande aposento para os visitantes e à esquerda, o corredor que conduz a um quarto.
Este corredor leva em primeiro lugar à porta da sala de visitas. Foi este o cômodo que Sri
Ramakrishna ocupou. Para o norte e sul havia duas varandas, sendo a do norte, maior. Para
o oeste havia dois pequenos aposentos, num dos quais alguns devotos dormiam, e o outro foi
dado à Santa Mãe. Além disso havia uma varanda estreita na direção oeste do aposento para
todos se sentar. Os degraus que conduziam ao terraço ficavam a leste do corredor onde
estava o quarto do Mestre e havia um terraço coberto medindo cerca de três metros
quadrados e meio, perto da porta que levava ao terraço. A Santa Mãe passava o dia inteiro
naquele terraço cozinhando a dieta do Mestre. O Mestre veio da casa de Balaram para esta,
num dia da segunda metade do Bhadra ou começo do mês de setembro de 1885, onde
passou um pouco mais de três meses. Dali mudou-se para a chácara em Kasipur, um dia ou
dois antes do mês de Agrahayan (nov./dez.) acabar.
2. Segundo decisão prévia, os devotos chamaram o Dr. Mahendralal Sarkar para o
tratamento do Mestre, alguns dias antes dele ir para a casa de Shyampukur. Enquanto
Mathur Babu vivia, o médico fora algumas vezes a Dakshineswar para tratar da família de
Mathur e portanto, não era totalmente desconhecido do Mestre. Mas isso aconteceu há muito
tempo. Era, portanto, muito natural que o famoso médico tivesse se esquecido de tudo
relacionado com aquelas visitas e assim, os devotos chamaram-no sem dizer-lhe o nome do
paciente, mas logo que o viu, reconheceu-o e examinando-o com muito cuidado,
diagnosticou a doença, prescreveu os remédios e a dieta. Antes de se despedir passou algum
tempo conversando sobre assuntos espirituais e sobre o Templo de Kali em Dakshineswar.
Nessa ocasião o médico pediu aos devotos para informá-lo, cada manhã, sobre a condição
física do Mestre. Aceitou o pagamento usual na hora da saída mas na manhã seguinte, ao
visitar o Mestre, veio a saber ao longo da conversa, que os devotos que vieram de Calcutá
estavam arcando com todas as despesas. Ficou satisfeito vendo a devoção deles ao Guru e
recusou aceitar qualquer pagamento para o futuro. Disse, "Vou tratá-lo sem aceitar qualquer
pagamento e ajudá-los em seus nobres esforços, de acordo com minha capacidade."
3. Os devotos não podiam ficar sossegados, apesar da assistência de um médico
altamente experiente. Em poucos dias convenceram-se de que seriam necessárias pessoas
para servir o Mestre, dia e noite, e para preparar com muito cuidado sua dieta. Sabendo que
esses dois problemas não seriam solucionados simplesmente com dinheiro, os devotos
decidiram trazer a Santa Mãe de Dakshineswar para resolver a segunda necessidade e os
jovens devotos para a primeira. Mas havia grandes obstáculos pela frente, porque não
podiam compreender como a Santa Mãe poderia viver ali, sozinha, já que na casa não havia

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aposentos para senhoras. Os responsáveis dos rapazes, também, não gostariam se eles
viessem diariamente e ficassem noites acordados.
4. Muitos devotos duvidaram que a Santa Mãe viria porque desconheciam sua natureza
tímida e modesta. Embora morasse no Nahabat e tivesse sido encarregada do serviço do Mestre
todos aqueles anos, ninguém mais, à exceção de dois ou três rapazes que lhe foram
apresentados pelo próprio Mestre, jamais vira seus sagrados pés ou ouvira sua voz. Embora
passasse o dia inteiro naquele pequeno cômodo preparando a comida duas vezes ao dia para o
Mestre e para os devotos, ninguém sabia que havia alguém encarregado desses serviços.
Levantava-se diariamente pouco depois das três horas da manhã, muito antes dos outros terem
se levantado e, depois de ter feito suas práticas matutinas, incluindo abluções no Ganga,
entrava naquele cômodo de onde não mais saía o dia todo. Calma e silenciosamente terminava
o trabalho com uma rapidez maravilhosa e dedicava-se à adoração, Japa e meditação. Certa
vez, numa noite escura, enquanto descia os degraus do Ghat, sob a árvore bakul, defronte ao
Nahabat, quase pisou num crocodilo que estava deitado num degrau. Felizmente com o
barulho de seus passos, ele se jogou na água. Nunca mais foi ao Ghat sem levar uma luz.
5. Nenhum dos devotos poderia imaginar como a Santa Mãe, que vinha morando
naquele pequeno Nahabat havia tanto tempo, longe dos olhos das pessoas, poderia abandonar
sua timidez e viver o tempo todo no meio dos homens da casa. Não vendo qualquer
alternativa, foram obrigados a falar com o Mestre a respeito. O Mestre lembrou-os do
temperamento dela e disse, "Será que ela poderá ficar aqui? Contudo, perguntem e vejam se
ao saber de situação ela quer vir para cá Se quiser, deixem-na vir." Mandaram um recado para
a Santa Mãe em Dakshineswar.
6. "O Mestre dizia que ninguém poderia ter paz e atingir seu objetivo, se não pudesse
se adaptar às circunstâncias, à mudança de tempo, lugar e pessoa, quando necessário; ou,
como ele colocava, não conseguisse agir segundo o princípio, "De acordo com o homem assim é
o tratamento; segundo o tempo, também é o movimento; como é o lugar, assim é ação."
Embora ela sempre se mantivera cercada por um clima de timidez e modéstia, a Santa Mãe
havia recebido instrução do Mestre e aprendido a dirigir sua vida dessa maneira.
7. Naquela época a Santa Mãe, por falta de dinheiro e por ser mais barato, muitas vezes
fora a pé de Jayrambati e Kamarpukur até Dakshineswar. Os caminhantes que empreendiam
essas viagens tinham de prosseguir até Jahanabad (Arambag) e atravessando o campo de dez
milhas de comprimento de Telo-Bhelo chegar a Tarakeswar e daí, atravessando o campo de
Kaikhola, atingiam Vaidyavati e cruzavam o Ganga. Nesses dias havia emboscadas de
assaltantes naqueles dois vastos campos. Diz-se que muitos viajantes perderam a vida em suas
mãos, mesmo de manhã, ao meio-dia e no crepúsculo. Até hoje em dia pode-se encontrar
uma imagem terrível de Kali, com a boca com grandes dentes, no meio do campo cerca de
duas milhas desses dois pequenos vilarejos contíguos, de Telo e Bhelo. É conhecida entre as
pessoas da região como a "Kali dos assaltantes" de Telo-Bhelo. Os assaltantes, dizem,
adoravam-na antes de saírem para matar e cometer outras crueldades. Os viajantes não se
arriscavam naqueles dias a atravessar os dois campos, a não ser em grupos para se
protegerem dos assaltantes.
8. Um dia a Santa Mãe ia a pé de Kamarpukur a Dakshineswar com a filha e o filhinho de
Rameswar, irmão mais velho do Mestre, e com alguns homens e mulheres. Chegaram a Arambag e
pensando que houvesse tempo suficiente para atravessar o campo de Telo-Bhelo antes do crepúsculo, a
maioria dos componentes do grupo foi a favor de que se continuasse a viagem, ao invés de passarem
a noite em Arambag. Embora muito cansada pela viagem, a Santa Mãe não falou a ninguém de sua
dificuldade em prosseguir com o grupo, mas mal havia andado quatro milhas, sentiu-se incapaz de
acompanhar os passos de seus companheiros e começou a ficar para trás. Esperaram um pouco por ela e
quando os alcançou pediram-lhe que andasse mais rapidamente. Ao chegarem no meio do campo,
viram que ela ficara muito para trás. Mais uma vez esperaram e disseram-lhe quando chegou: "Com
esse andar chegaremos muito tarde da noite para atravessar o campo e haverá o perigo de cairmos nas
mãos dos assaltantes." Sentindo que era motivo de transtorno e apreensão para tantas pessoas, a Santa
Mãe proibiu que esperassem por ela dizendo, "Vão todos para a próxima parada em Tarakeswar e
descansem; vou tentar estar com vocês assim que for possível." Vendo que o pôr-do-sol aproximava-
se, seus companheiros acharam conveniente tomar suas palavras ao pé da letra. Andaram rapidamente
e em pouco tempo, não puderam mais ser vistos.
9. A Santa Mãe começou a caminhar o mais rápido possível, mas devido à sua extrema
exaustão física, seus passos diminuíram e mal havia atingido o meio da estrada a escuridão
envolveu a terra. Extremamente nervosa, estava pensando o que faria, quando viu um homem alto,

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muito escuro, com um bastão no ombro, vindo em sua direção com passos rápidos. Parecia que uma
outra pessoa, provavelmente seu companheiro, também vinha um pouco mais atrás. Vendo que fugir
ou gritar seria em vão, a Santa Mãe ficou imóvel e esperou com o coração apreensivo, que chegassem.
10. O homem dirigiu-se para ela e perguntou-lhe num tom áspero, "Quem é você que está
aqui a estas horas?" Desejando agradá-lo, a Santa Mãe chamou-o 'pai' e submissamente disse,
"Pai, meus companheiros deixaram-me para trás e também parece que perdi o caminho. Pode
acompanhar-me até onde estão? Seu 'genro' mora no templo de Dakshineswar da Rani
Rasmani. Estou a caminho de lá. Ele ficará muito contente se o senhor me acompanhar até lá."
Mal pronunciara aquelas palavras quando a outra pessoa aproximou-se. A Santa Mãe viu que
não se tratava de um homem, mas da esposa dele. Acalmou-se ao vê-la e segurando sua
mão, dirigiu-se a ela como 'Mãe, sou sua filha Sarada. Deixei para trás meus companheiros,
correndo grande perigo. Felizmente a senhora e o pai chegaram! Do contrário, não saberia o
que fazer.
11. Os corações do assaltante Bagdi1 (1 Pessoas de uma casta inferior, geralmente notáveis por sua força
física e valor. Inicialmente eram ótimos soldados, mas mais tarde, quando os ingleses acabaram com o recrutamento em Bengala,
muitos deles tornaram-se assaltantes.) e de sua esposa derreteram-se pela absoluta confiança, palavras
doces e comportamento sem hesitação e simples da Santa Mãe. Esqueceram-se das barreiras
sociais de casta e outras considerações com a agitação do afeto familiar para com ela e,
considerando-a sua própria filha, consolaram e confortaram-na. Depois, vendo seu cansaço
físico, levaram-na a uma loja na vizinhança e fizeram-na pernoitar, ao invés de permitir que ela
prosseguisse na viagem até o vilarejo de Telo-Bhelo. A mulher estendeu a própria roupa e
preparou uma cama para a Santa Mãe, enquanto o homem trouxe arroz tostado e arroz
empapado para ela comer. Assim, com cuidados e amor paternais, pediram-lhe para dormir,
eles mesmos velando por ela toda a noite. Acordaram-na pela manhã e alcançaram Tarakeswar
mais ou menos a uma hora da tarde. Levaram-na a uma loja e pediram-lhe para descansar. A
mulher dirigiu-se ao marido e disse, "Minha filha não teve nada para comer na noite passada. Vá
e faça adoração ao Pai Tarakewar Shiva e traga peixe e legumes do mercado. Ela deve se
alimentar bem hoje."
12. Quando o homem foi fazer compras no mercado, os companheiros da Santa Mãe
chegaram à procura dela e ficaram contentes ao ver que chegara salva. A Santa Mãe apresentou-
lhes seu 'pai' e 'mãe' que lhe haviam dado abrigo à noite, dizendo, "Não sei o que teria feito na
noite passada se não houvessem chegado e me salvado". Depois, terminando a adoração,
cozinhando e comendo, descansaram um pouco naquele lugar. Quando todos estavam prontos
para partir para Vaidyavati, a Santa Mãe expressou sua infinita gratidão ao homem e à mulher e
pediu-lhes permissão para ir embora. No final de sua vida, a Santa Mãe costumava dizer,
"Ficamos tão unidos naquela noite que me senti bastante comovida e derramei incessantes lágrimas
no momento de deixá-los. Por fim pedi-lhes para vir ver-me em Dakshineswar quando pudessem e
somente depois de terem me prometido, pude deixá-los, com grande dificuldade. Quando saímos,
acompanharam-nos à grande distância e a mulher chorou amargamente, apanhou algumas ervilhas
do campo vizinho e as amarrou na ponta de minha roupa dizendo tristemente, 'Sarada, minha
filha, tome-as com arroz tostado quando for comer à noite.' Mantiveram a palavra que me
deram. Foram algumas vezes a Dakshineswar levando doces. O Mestre também soube de tudo
por mim e nesses dias, agradou-os, recebendo-os com amor e comportando-se com eles como
se fosse um 'genro'. Embora agora sejam gentis e com boa conduta, parece-me que aquele meu
'pai assaltante' deve ter cometido muitos assaltos anteriormente."
13. Sabendo que a doença do Mestre poderia se agravar caso a dieta não fosse preparada
corretamente segundo as instruções médicas, a Santa Mãe veio a Shyampukur para fazer o
serviço, sem se preocupar com qualquer inconveniente que pudesse lhe ocorrer. Fica-se surpreso
como ela enfrentou todo tipo de problema e cumpriu seu dever durante três meses,
permanecendo num cômodo só, no meio de homens desconhecidos. Embora houvesse apenas
um lugar para todos tomar banho, ninguém sabia quando ela terminara as abluções de manhã
e subira ao terraço perto dos degraus que conduziam ao terraço do segundo andar, antes das três
horas da manhã. Passava o dia inteiro lá, preparava a dieta para o Mestre na hora certa e então,
mandava um recado por Swami Adbhutananda (Latu) ou Swami Advaitananda (Gopal). Quando era
hora das pessoas irem embora, trazia a comida para baixo e ela própria dava de comer ao Mestre
ou a nós. Ao meio-dia comia e descansava. Às onze da noite, quando todos dormiam, descia e
dormia até duas da manhã no aposento do primeiro andar, que lhe fora destinado. Fortalecendo o
coração com a esperança de ver o Mestre curado, passava dia após dia, daquela maneira.
Permanecia tão silenciosa e sem ser notada que até os que visitavam a casa diariamente não

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sabiam que ela morava lá e tomara para si o mais duro e importante trabalho, o serviço do
Mestre.
14. Quando o problema de preparar a dieta foi resolvido, os devotos preocuparam-se
com uma outra necessidade: fazer à noite o serviço pessoal do Mestre. Narendra tomou-o para si
e passou a permanecer na casa. Encorajado por seu exemplo, Gopal (Júnior), Kali, Sasi e alguns
jovens vieram juntar-se a ele naquele trabalho. Todos estavam firmemente determinados a
viver para o mais elevado ideal, quer dizer, para a realização de Deus. Inspirados pela ardente
renúncia do Mestre, por suas palavras e companhia e, por amor a ele, resolveram dedicar-se a
seu serviço.
Seus responsáveis não fizeram objeção à vinda deles a Shyampukur e servirem o
Mestre, mas até compreenderam seus propósitos finais. Mas, assim que a doença do Mestre
piorou, todos deixaram de ir ao colégio e até de ir em casa para comer. Os responsáveis
começaram a desconfiar. Sua suspeita gradualmente transformou-se num mau pressentimento e
começaram a adotar várias medidas, corretas ou não, para dissuadir os jovens de fazer o
serviço devocional. Os jovens só ficaram firmes devido ao encorajamento de Narendra. Em
Shyampukur somente quatro ou cinco pessoas se dedicaram ao serviço, mas em Kasipur, na
hora do desfecho, este número quase quadruplicou.

CAPÍTULO XII - SEÇÃO 2

A ESTADA DO MESTRE EM SHYAMPUKUR


ASSUNTOS: 1. A parte dos chefes de família no serviço do Mestre. 2. Sacrifício dos devotos chefes de
família. 3. A doença coloca os devotos juntos numa Ordem. 4. Os três conceitos sobre o Mestre. 5. O amor
mútuo dos devotos. 6. A experiência dos devotos da manifestação espiritual especial no Mestre.7. A atração do
Dr. Sarkar pelo Mestre. 8. O amor do médico pela verdade. 9. Para Vidya e Apara Vidya. 10. O Senhor é
ilimitado. 11. O intelecto abandona mas o coração anseia por mais. 12. O pulso de um jovem devoto é
examinado em Bhavasamadhi. 13. O "brilho" (orgulho) gerado pela erudição. 14. A humildade do médico.
15. "Há substância nele". 16. O Mestre conduz o médico ao longo do caminho da espiritualidade. 17. O médico
preocupa-se com a ineficácia do remédio. 18. Muito mal devido à menor irregularidade. 19. A reverência do
médico pelo Mestre aumenta. 20. A opinião do médico a respeito das Encarnações de Deus. 21. A doença
agrava-se. 22. O maravilhoso Bhavasamadhi do Mestre durante a adoração anual de Kali. 23. A preparação
para a adoração. 24. O Mestre permanece em silêncio. 25. Girishchandra adora o Mestre em Bhavasamadhi.
26. Os devotos também o adoram. 27. A experiência espiritual direta dos devotos sobre o Mestre. 28. Os
parentes de Balaram opõem-se à associação dele com o Mestre. 29. Eles obstruem Balaram. 30. O começo de
vida de Balaram. 31. O encontro de Balaram com o Mestre. 32. A chegada a Calcutá do primo de Balaram,
Harivallabh. 33. O desejo do Mestre de ver Harivallabh. 34. Girish traz Harivallabh ao Mestre. 35. O toque do
Mestre e seu resultado. 36. O número crescente de devotos. 37. A doçura atraente do Mestre. 38. Upendra.
39. A experiência de Upendra a respeito do Mestre. 40. Deus é tanto com forma como sem forma. 41. O
desagrado de Atui com as palavras do irmão Ram.

1. Os devotos continuaram muito preocupados, mesmo depois de terem tomado medidas


para o tratamento do Mestre, como dieta e vinte quatro horas de cuidados, porque
compreenderam o diagnóstico de alguns dos melhores médicos de Calcutá, que a doença da
garganta, embora não fosse totalmente incurável, era muito difícil de ser tratada e que ele levaria
muito tempo para ficar bom. Estavam também preocupados com o pagamento das despesas do
serviço até que ele se recuperasse totalmente. Era natural esta preocupação porque Balaram,
Surendra, Ramachandra, Girishchandra, Mahendranath e outros, que trouxeram o Mestre para se
tratar em Calcutá, não eram ricos. Nenhum deles tinha meios para arcar sozinho com a
responsabilidade das despesas do Mestre e de seus auxiliares, depois de atenderem a seus orçamentos
familiares. Impulsionados pela corrente da esperança celestial, luz, felicidade e esperança que fluía
em seus corações pela presença do Mestre entre eles, assumiram aquele trabalho sem qualquer
cogitação sobre o futuro. Mas era de se esperar que aquela corrente santa sempre fluiria como a
maré alta e não conheceria a vazante, quando o pensamento do futuro viesse perturbar sua paz e
felicidade. De fato a corrente não fluía uniformemente. Mas o maravilhoso é que quando esses
momentos ocorriam, experimentavam manifestações espirituais maravilhosas do Mestre que faziam
aquela preocupação desaparecer totalmente e seus corações ficavam novamente cheios de ardor e
força.
Uma experiência de felicidade ininterrupta conduzia-os para um plano muito além do
intelecto e viam, num vislumbre de iluminação divina, que naquele que haviam aceitado como o
objetivo supremo de todos os seres vivos - Deus como homem, o próprio Narayana - seu

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nascimento, austeridade e mesmo atos comuns, isto para não falar dos sofrimentos atuais pela
doença física, eram todos para o bem da humanidade. Senão como poderia haver doença física na
Pessoa Suprema em quem todos os desejos se realizam e que está além das misérias de nascimento
e morte, de doença e senilidade? Estavam convencidos de que ele estava fingindo estar doente e
permanecia ali a fim de que aqueles que não tinham tempo e oportunidade de ir a Dakshineswar
para vê-lo, pudessem vir e receber a luz do Espírito brilhando em seus corações e que os discípulos
pudessem ter o privilégio de servi-lo e ter o ideal de suas vidas alcançado.
Viram na mudança do Mestre para Calcutá, uma razão oculta que proporcionaria a muitos
homens que se tornaram materialistas sob a influência da educação ocidental e suposto
conhecimento das ciências naturais mal interpretadas, uma oportunidade para observar a vida do
Mestre, baseada na experiência direta do Divino e portanto, converterem-se ao ideal de renúncia,
reconhecendo a total futilidade de uma vida de prazer dos sentidos. Por que haver qualquer
preocupação sobre falta de dinheiro? Aquele que lhes dera o privilégio de servi-lo também lhes daria
o poder de ajudá-lo naquele momento duro.
2. Falamos dos acontecimentos acima porque realmente vimos os devotos discutindo esses
assuntos, já que diariamente reuniam-se em torno do Mestre. Muitas vezes vimos que, perturbados
por possíveis deficiências no serviço do Mestre e por falta de dinheiro, reuniam-se, mas saíam
confiantes. Um deles disse, "O Mestre vai tomar as medidas. E se não tomar? Que preocupação pode
haver enquanto houver um tijolo sobre o outro? (mostrando sua casa). Vou hipotecar minha casa e
custear as despesas de seu serviço." Outro dizia, "Vou saber administrar os custos do serviço, como
administro as despesas por ocasião do casamento ou doença de meus filhos e filhas. Não há motivo
de apreensão enquanto minha esposa tiver algumas jóias." Um terceiro restringiu as despesas de
sua casa e fez uma doação para o serviço do Mestre. Foi sob a influência desse estado que Surendra
pessoalmente assumiu totalmente o aluguel da casa e Balaram, Ram, Mahendra e Girish supriram
integralmente qualquer outra necessidade do Mestre e de seus auxiliares.
3. A felicidade divina que os devotos sentiram em seus corações tinha o apoio do Mestre que
agora os ajudou a se unirem, prendendo-os com a corda do amor. Embora se considere que a ordem
de devotos de Sri Ramakrishna tenha se iniciado em Dakshineswar, ela tomou forma nas chácaras de
Syampukur e Kasipur crescendo rapidamente, e fazendo muitos devotos pensarem que a razão da
doença do Mestre era o de ocasionar esse desenvolvimento.
4. À medida que o tempo passava, as conversas e cogitações indefinidas dos devotos sobre a doença
do Mestre e o tempo de sua recuperação, tomou forma definitiva e dividiu-os em grupos. As discussões
sobre esses pontos foram fortemente reforçadas devido aos extraordinários acontecimentos dos
primeiros tempos da vida do Mestre e pelas maravilhosas conclusões desses devotos a este
respeito. Um grupo expressou-se abertamente a todos que a doença física do Mestre, uma
Encarnação de Deus, era simplesmente fingida e não uma realidade. Ele a havia aceitado
conscientemente para cumprir algum objetivo determinado e, quando aquele objetivo fosse
realizado, novamente se apresentaria como antes. Girish, com seu grande poder de imaginação,
era o chefe deste grupo. Um outro grupo era de opinião que a Mãe do Universo, em conformidade
com a vontade infinita da qual o Mestre estava acostumado a viver e fazer tudo, o mantivera
doente por algum tempo, a fim de satisfazer um propósito oculto Seu, que traria bem para a
humanidade. Pode ser mesmo que o próprio Mestre não fosse capaz de esclarecer aquele mistério.
Assim que o propósito dela fosse satisfeito, ele se recuperaria. Ainda um outro grupo exprimia o
ponto de vista que nascimento, morte, velhice e doença são naturais ao corpo; e que tudo isto
ocorre enquanto o corpo dura e por isso, essa era a explicação para a doença do Mestre. Qual era,
então, a necessidade para tanto falatório e especulação a esse respeito, dando uma causa
sobrenatural, oculta, para explicar a situação? Não estavam preparados para aceitar uma opinião
definitiva sobre o Mestre, sem a analisar pelo raciocínio e dedução, e chegar a uma conclusão válida.
Era o grupo racional e prático que rejeitava o sentimentalismo. Em lugar de especular, queriam
servir o Mestre e trabalhar para sua cura, mesmo com risco de suas próprias vidas, fazendo o
melhor para seguir os elevados ideais espirituais que ele havia postulado moldando suas vidas de
acordo com esses ideais. Enquanto o serviam, pacientemente, dedicavam-se às práticas espirituais
nas quais foram instruídos, sendo Narendranath representante dos jovens discípulos do Mestre,
quem exprimia este último ponto de vista.
5. Embora os discípulos do Mestre, de temperamentos diferentes, tivessem opiniões diferentes
sobre estes assuntos, num ponto concordavam. Todos tinham fé que alcançariam o supremo objetivo
da vida se moldassem suas vidas segundo os mais elevados ensinamentos do Mestre e que
alcançariam sua graça ao se empenharem em seu serviço de todo o coração. É por isso que entre
eles não havia falta de amor, embora um grupo acreditasse que ele fosse uma Encarnação de Deus,

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outros, o Guru ou instrutor do mundo, um terceiro grupo que ele era um super-homem, e alguns que
era Deus-homem.
6. Vejamos agora alguns acontecimentos que presenciamos, confirmando vários tipos de
manifestações do Mestre para com seus discípulos. Esses exemplos foram também vistos por pessoas
que não puderam ser consideradas discípulos mas que simplesmente haviam vindo vê-lo na ocasião.
7. O Dr. Mahendralal Sarkar, que assumira o tratamento do Mestre, estava dando o
melhor de si para curá-lo. Vinha ver o Mestre três vezes por dia - de manhã, ao meio-dia e à noite.
Diariamente, depois do exame, receitava e dava outras prescrições concernentes à doença,
passava algum tempo conversando sobre assuntos espirituais. À medida que suas visitas sucediam-
se, gradualmente começou a sentir a atração pelas idéias do Mestre e sempre que podia passava
duas ou três horas em sua companhia.
Um dia, quando o Mestre estava a ponto de expressar gratidão ao médico por passar grande
parte de seu precioso tempo com ele, o médico rapidamente interrompeu-o e disse asperamente,
"Bem, o senhor pensa que passo muito tempo somente por causa do senhor? Também tenho um
interesse pessoal nisso tudo. Fico muito feliz em conversar com o senhor. Embora o tenha visto
antes, não tive tempo para conhecê-lo tão intimamente, ocupado como estava com outras coisas.
Gosto muito do senhor pelo seu amor à verdade. Não move um fio de cabelo em seu falar e agir, no
que considera verdadeiro. Em outros lugares vejo que dizem uma coisa e fazem outra. Não
consigo aceitar isso. Não pense que o estou adulando, não sou uma pessoa desse tipo. Sou um
filho sem graça de meu pai, como dizem; e falaria francamente, mesmo com o senhor, se fizesse
algo errado. Por isso ganhei notoriedade de ter uma língua ferina!" Sorrindo, o Mestre replicou,
"Sim, ouvi sobre isto, mas não tive prova a esse respeito, embora o senhor esteja vindo aqui há tanto
tempo."
8. O médico respondeu sorrindo, "É sorte nossa, porque senão, se algo não estivesse correto,
o senhor teria visto que Mahendra Sarkar não é o tipo de homem para tolerar isto. Contudo, não
pense que não sinto amor pela verdade. Em toda minha vida venho correndo daqui para ali somente
para estabelecer o que considero verdadeiro, e é por isso que me dediquei à Homeopatia, que 'A
Associação para a Cultura da Ciência' foi fundada e o mesmo ocorre com todos os meus outros
trabalhos."
Alguns entre nós compreendemos que, embora o médico tivesse amor à verdade, amava
somente descobertas de verdade relativa (Apara Vidya), que não conduzem à realização de Brahman, e
que a busca do Mestre durante toda sua vida fora para o Conhecimento Supremo (Para Vidya),
conduzindo ao Conhecimento de Brahman ou à Verdade.Suprema
9. Um tanto agitado o médico disse, "É uma idéia maluca. O que são Para e Apara com
referência ao Conhecimento? O que é mais elevado ou mais baixo com a revelação da verdade?
Também, mesmo se alguém fizer uma distinção imaginária, deve-se admitir que uma pessoa
alcançará Para Vidya através de Apara. Podemos compreender Deus, a Causa Suprema do
Universo, com mais clareza através das verdades que conhecemos do estudo das ciências
naturais. Não levo em consideração aqueles companheiros, cientistas ateus, nem posso
compreender o que dizem. São cegos, embora tenham os olhos perfeitos, mas se alguém
disser que compreendeu totalmente Deus infinito e sem começo, é um mentiroso, e o hospício
é sua residência apropriada."
10. O Mestre sorriu e disse com um olhar de prazer, ao médico: "O senhor está com razão;
aqueles que restringem Deus são de mentalidade tacanha; não posso suportar suas palavras."
11. Assim falando, o Mestre pediu que um de nós cantasse uma canção de Ramprasad, o mais
importante dos devotos, começando com: "Quem conhece, Ó mente minha, como Kali é? Os seis
tratados filosóficos não podem vê-la." Alguém então cantou:

"Quem sabe, Ó mente minha, como Kali é?


As Seis Filosofias não podem vê-La.
Kali, como o cisne fêmea co-habita com o Hamsa no lótus.
O Yogi sempre medita n'Ela no lótus, desde o básico até o de mil pétalas no cérebro.
Há inúmeras provas de que Kali é o Ser daquele que está contente no Ser.
Ela, a Salvadora, reside segundo Sua vontade nos corações de todos os seres como a vontade
divina. Sabe como é grande o ventre da Mãe onde está contido o macrocosmo, o Universo de
Brahman?
Somente o grande Destruidor conheceu a verdade a respeito de Kali:
Quem mais sabe?
Prasad canta: as pessoas podem rir, mas devo nadando, atravessar o mar.
O coração compreendeu, mas o intelecto não viu que o anão, que sou eu, está tentando agarrar
a lua.

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Enquanto ouvia a canção, o Mestre explicava ao médico, em voz baixa, o conteúdo. Quando o
cantor disse, 'Meu coração descansa satisfeito, mas não o intelecto,' o Mestre interrompeu-o e
disse, "Ó! É tudo uma confusão; deveria ser, 'Meu intelecto descansa satisfeito, mas não meu
coração.' Tentando conhecer Deus, o intelecto logo compreende que não é de sua alçada entender
Deus, infinito e sem começo, mas o coração reluta senti-lo; continua em sua tentativa de realizá-lo."
O médico ficou encantado ao ouvir a interpretação e disse, "É isso. Aquele intelecto, é
extremamente mesquinho; ao encontrar a menor dificuldade afirma, 'Não pode ser'. Mas o coração
não o apóia e é assim que todas essas descobertas foram feitas e muitas ainda serão."
12. Vendo que ao ouvirem a canção, um ou dois rapazes entraram em transe e ficaram fora de
sua consciência normal, o médico aproximou-se deles e examinou seus pulsos, dizendo ao Mestre,
"Parece que não têm consciência dos objetos exteriores, como no desmaio." Observando-os retomar à
consciência normal, quando o Mestre passou a mão sobre seus peitos e pronunciou o nome de
Deus em seus ouvidos num tom baixo, disse uma vez mais ao Mestre, "Tudo parece ser um jogo do
senhor." Sorriu e disse, "Não é meu jogo, mas Sua vontade. Suas mentes ainda não foram desviadas
para esposa, dinheiro, nome, fama etc., esta é a razão porque fundiram-se em Deus ao ouvir a glória
de Seu nome."
13. O assunto anterior foi levantado novamente e alguns devotos disseram ao médico que
embora ele aceitasse Deus e não determinasse limites para Ele, há diversos cientistas que puseram
Deus de lado e, há outros que, ao aceitar Sua existência, proclamavam alto e em bom tom, que Ele
era aquilo que eles concebiam de Deus e que não tinha qualquer poder exceto o que eles Lhe davam.
O médico respondeu, "Sim, é verdade; mas pensam que isto é devido ao conhecimento? Não, é o
'brilho' gerado pela erudição; é devido à indigestão intelectual do conhecimento. Pensam que
resolveram todo o mistério do universo porque puderam conhecer algumas coisas insignificantes de
Sua criação. Estas pessoas têm muita erudição, mas pouca experiência, porém aquelas que têm
ambas as qualificações, estão livres desse ponto de vista deturpado. Eu, de minha parte, jamais pude
alimentar essa idéia."
"O senhor está certo", disse o Mestre. "Com a aquisição do conhecimento intelectual surge o
egoísmo; 'Sou um erudito, o que compreendi é a única verdade; a opinião dos outros é errada.' O
homem vive sob diversos grilhões. O orgulho do conhecimento é um deles. O senhor é tão culto, mas
felizmente conseguiu escapar desse tipo de orgulho. Isto é devido à Sua graça."
14. "O que aprendi e entendi," disse o médico, um pouco agitado, "parece ser muito pouco, -
quase nada. Não há razão para ficar orgulhoso. São tão vastas e variadas as coisas que ainda
tenho que aprender, que penso e realmente vejo, é que cada homem sabe muitas coisas que não
sei. Eu, entretanto, não me sinto humilhado se alguém me ensina alguma coisa. Parece-me que
posso ter muitas coisas para aprender mesmo deles (mostrando-nos). Estou pronto para tomar a
poeira dos pés de todos em consideração a eles."
15. O Mestre ouviu e disse (mostrando-nos), "Eu também lhes digo, 'Ó amigo, vivendo e
aprendendo'." Apontando para o médico, o Mestre continuou, "Não vêem quão livre de orgulho ele é?
Certamente tem substância em si, daí sua atitude." O médico despediu-se.
16. À medida que a fé e o amor do médico por ele aumentavam, o Mestre orientava-o no
caminho espiritual. Além disso, sabendo que pessoas cultas gostam de conversar com outras também
cultas, o Mestre de vez em quando mandava que discípulos selecionados como Mahendranath,
Girishchandra e Narendranath conversassem com o médico. Ao se tornar amigo de Girish, o medico foi
à apresentação do Buddhacharita e pôs a peça nas nuvens. Posteriormente assistiu outras peças.
Também ficou encantado em conversar com Narendra e convidou-o um dia para almoçar com ele.
Quando veio a saber do talento de Narendra para a música, pediu-lhe que um dia lhe cantasse
algumas canções religiosas. Alguns dias depois, quando numa tarde, o médico veio ver o Mestre,
Narendra cantou por um período de duas ou três horas, cumprindo assim, sua promessa. O médico
gostou tanto que, antes de despedir-se, abençoou Narendra, abraçou-o e beijou-o, dizendo ao Mestre,
"Estou feliz em ver um rapaz como ele, seguir o caminho da realização de Deus." O Mestre olhou para
Narendra com um prazer evidente e disse, "Dizem que Gauranga desceu a Nadia com o chamado de
Advaita; desta vez tudo certamente é somente para ele!" Portanto, sempre que o médico visitava o
Mestre e acontecia de Narendra estar presente, invariavelmente ouvia alguns cânticos devocionais
entoadas por ele.
17. Era outono, ocasião da adoração de Sri Durga em Bengala. Nesta época a doença do
Mestre oscilava a cada dia, piorando em certos dias e melhorando em outros. O tratamento estava
apresentando poucos resultados. Um dia, o Dr. Sarkar, ao chegar e reparando que a doença se agravara,
aventurou-se a um comentário, "Deve ter havido alguma irregularidade na dieta. Por favor diga-me o

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que comeu hoje." O Mestre falou-lhe que havia tomado a usual sopa de arroz, aveia e leite de manhã e
leite e líquidos como bebidas à base de cevada à noite. Ouvindo isso o médico disse, "Não, não pode
tomá-lo; deve ter havido alguma quebra da dieta. Bem, por favor, quais os vegetais utilizados na
sopa?" O Mestre respondeu, "Havia algumas batatas, verduras, beringelas e também, um ou dois
pedaços de couve-flor." "Ah!" exclamou o médico com um sobressalto, "O senhor comeu couve-flor!
Aqui, vejam, há uma grande irregularidade! Couve-flor é muito quente e de difícil digestão. Quantos
pedaços comeu?" "Não comi nem um pedaço," foi o brando protesto do Mestre, "mas vi que havia na
sopa." O médico respondeu, "Não importa se o senhor realmente comeu ou não; mas certamente havia
caldo de couve-flor na sopa. Sua digestão foi, portanto, prejudicada e hoje, a doença piorou." O Mestre
protestou dizendo, "Como é possível? Não comi couve-flor nem estou com problema nos intestinos; é difícil
aceitar que a doença piorou por causa de um pouco de suco de couve-flor na sopa!"
18. O médico continuou, "Ninguém tem idéia do mal que pode ocorrer com a menor alteração.
Deixe-me contar uma coisa que me aconteceu e compreenderão o assunto ao ouvi-lo. Minha
digestão sempre foi ruim e de vez em quando eu sofria de dispepsia. Por conseguinte, sou muito
cuidadoso no que diz respeito à minha comida e observo estritamente as regras dietéticas. Não como
nada que vem do mercado. Em casa fazem ghee e azeite. Mesmo assim, certa vez peguei um
resfriado forte e fiquei com bronquite de natureza persistente que não curava. Tive a idéia de que
havia qualquer coisa errada com minha comida, mas mesmo pesquisando cuidadosamente, não vi
qualquer defeito na comida que ingeria diariamente. Algum tempo depois, soube que o empregado
estava alimentando a vaca com feijão. Eu havia tomado leite desta vaca. Perguntando, soube que
algumas quantidades do feijão vieram de um determinado lugar. Como ninguém queria comê-lo para
não pegar resfriado, foi, portanto, dado à vaca. Esses dois acontecimentos, alimentar a vaca com
feijão e eu pegar um resfriado coincidiam perfeitamente como causa e efeito. Para tirar a prova, parei
de alimentar a vaca com feijão e para confirmar minha suspeita, o resfriado passou. Tive de gastar
cerca de quatro ou cinco rupias para viajar a fim de mudar de clima, e tomar outras medidas para
recuperar-me totalmente." O Mestre sorriu ao ouvir e disse, "Ó meu caro! Veja, é como o caso do
homem que ao passar pelo pé de tamarindo pegou um resfriado." Todos riram. Embora aquela
dedução do médico parecesse muito forçada, ninguém levantou qualquer dúvida a respeito, já que
viram uma fé firme nela. Sua proibição foi aceita e a couve-flor foi imediatamente retirada dos
ingredientes da sopa do Mestre.
19. O amor do Mestre por ele, juntamente com seu comportamento simples e sincero e sua
profunda espiritualidade, atraíram o médico para ele e lentamente, uma espécie de reverência
começou a brotar no coração do médico. Suas palavras e ações em certas ocasiões levaram-no a
esse sentimento. Agora olhava, não somente para o Mestre mas também para os devotos com
olhos benevolentes e convenceu-se de que não estavam fazendo do Mestre um ídolo falso. Parecia-lhe
que a profunda fé e devoção que tinham pelo Mestre eram excessivas, mas podia compreender que
não tinham aquela atitude por exibicionismo ou motivo egoísta. Ele, portanto, parecia ter encarado
tal fato como algo além de sua compreensão. Embora se ligasse intimamente com os devotos e seu
agudo intelecto estivesse empenhado em resolver o problema, ainda lhe parecia um enigma, porque,
apesar de acreditar em Deus, estava tão profundamente influenciado pela educação ocidental, que
era incapaz de compreender como poderia uma pessoa adorar ou reverenciar um simples homem
como Guru ou Encarnação de Deus, mesmo quando se vê nele uma manifestação extraordinária do
poder divino. Era contra esta atitude, simplesmente porque não podia compreendê-la. Não é difícil
entender a causa desse antagonismo geral das pessoas de educação moderna. Gerações de
discípulos dos homens que vêm sendo adorados no mundo como Encarnações de Deus, exageraram
em certos fatos relacionados com suas vidas de tal maneira que tornaram impossível que outros
acreditassem nelas. Sem dúvidas assim agiram devido ao cuidado em propagar a glória de seus
Mestres. Esse falso zelo ocasionou antagonismo. Um dia o médico falou francamente de sua dúvida a
esse respeito. Disse: "Posso compreender amor, adoração e outras formas de devoção a Deus, mas
sinto muita confusão quando se fala que aquele Deus infinito desceu à terra como homem. É difícil
compreender que Ele encarnou-Se como o filho de Yashoda 1, (1 Sri Kríshna.) o filho de Maria2, (2 Jesus Cristo.)
o filho de Sachi3 (3 Sri Chaitanya.) e assim por diante. Esta hoste de 'filhos' arruinou o país." O Mestre
sorriu e disse-nos, "O que está dizendo? É, contudo, verdade que fanáticos de mente tacanha muitas
vezes quiseram fazê-los aparecer tão grandes e agem de tal maneira que ocasionam estas reações nas
pessoas."
20. De vez em quando Girishchandra e Narendranath tiveram muitas controvérsias com o
médico a respeito das Encarnações de Deus e em conseqüência, ele tomou um pouco de cuidado ao
dar sua opinião porque se sabia que muitos argumentos razoáveis poderiam ser apresentados contra
aquele ponto de vista. Isso gradualmente, fez mudar muito sua opinião. O médico pôde testemunhar e

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examinar o súbito aparecimento no Mestre, de uma extraordinária manifestação de poder durante o
culto anual de Durga, no encontro dos oitavo e nono dias da quinzena brilhante do mês lunar de
Aswin (setembro/outubro) daquele ano. Naquele dia trouxe um amigo médico e examinaram com
instrumentos, as batidas do coração etc., do Mestre. O amigo nem hesitou em pôr o dedo nos olhos
abertos do Mestre para ver se piscavam. Ficaram admirados com o resultado do exame e tiveram de
admitir.
1) que a ciência até agora não havia tido qualquer luz sobre o estado de Samadhi, no qual uma
pessoa parece morta externamente para tudo, como no caso do Mestre.
2) que em vista disso a classificação desse estado pêlos psicólogos ocidentais como uma
simples inconsciência e a recusa em aceitar outra dimensão que não fosse a dos sentidos, somente
demonstram ignorância e teimosia.
3) que na criação de Deus há muitas coisas cujo mistério não havia sido até então explicado pela
ciência e psicologia ocidentais; e que haveria pouca possibilidade desse mistério ser resolvido no futuro.
21. O mês de Aswin (setembro/outubro) e o de Kartik (outubro/novembro) passaram e o dia
da festa de Kali aproximava-se, mas não se notava qualquer melhora no estado físico do Mestre. Os
bons resultados que o tratamento produziu no início, estavam rapidamente desaparecendo, e temia-
se que a doença tomasse um rumo mais sério, mas os devotos tinham a impressão de que a
felicidade e a alegria do Mestre pareciam aumentar mais do que declinar. Apesar do Dr. Sarkar o
visitar com a mesma freqüência anterior, e ter mudado os remédios repetidas vezes, ele não
conseguiu o resultado esperado considerando a mudança de estação a responsável, e que aquele
estado passaria assim que o frio do inverno surgisse.
22. Por ocasião do culto anual de Kali, os devotos testemunharam uma extraordinária
manifestação da Divindade no Mestre, como a que ocorreu na adoração de Durga. Um dia
Devendranath quis trazer uma imagem e adorar Kali. Pensando que daria muita alegria se pusesse
esse desejo em prática na presença do Mestre e dos devotos, propôs fazer a adoração na casa de
Shyampukur, mas os devotos acharam que o Mestre ficaria cansado com o ardor e barulho por
ocasião do culto e tentaram dissuadi-lo. Os argumentos dos devotos pareciam razoáveis a
Devendra que desistiu da idéia, mas na véspera do culto, o Mestre subitamente disse a alguns
devotos, "Arrumem todos os artigos para um culto curto; Mãe Kali deve ser adorada amanhã."
Felizes ao ouvi-lo, começaram a se preparar, mas como não tinham outras instruções do Mestre
com respeito à adoração exceto as palavras acima, todos deram várias sugestões. Incapazes de
chegar a uma conclusão sobre detalhes tais como, se o culto deveria ser feito com dezesseis artigos
ou cinco, se o arroz cozido deveria ou não ser oferecido, quem seria o sacerdote oficiante etc., mas
por fim decidiram adquirir somente pasta de sândalo, flores, incenso, luz, frutas, raízes e doces e
esperar as ordens posteriores do Mestre, mas ele não lhes deu mais instruções até a manhã do dia da
adoração.
23. Eram 7 horas, hora do pôr-do-sol. Vendo que o Mestre nada dissera sobre o culto e
estava sentado, quieto, na cama, os discípulos lavaram uma parte do chão perto de sua cama,
trouxeram os artigos e puseram-nos ali. Quando estava em Dakshineswar o Mestre às vezes
adorava a si mesmo com pasta de sândalo, flores e outras coisas. Alguns já haviam observado
aquele comportamento. Por fim concluíram que nesta ocasião também iria adorar a Consciência
Universal e seu poder no símbolo de sua própria mente e corpo, ou em outras palavras, fazer a
adoração prescrita nas escrituras em si mesmo, como idêntico à Mãe do Universo. Não é de se
admirar que devessem colocar os artigos do culto perto da cama, como acima descrito. O Mestre
não interferiu no que fizeram.
24. Aos poucos trouxeram todos os artigos. Queimou-se incenso, os lampiões foram acesos
e o aposento ficou iluminado e perfumado. Vendo que o Mestre ainda estava sentado quieto, os
devotos sentaram-se a seu lado. Alguns esperavam sua ordem e olhavam para ele com a mente
concentrada, enquanto outros meditavam na Mãe Divina do Universo. Havia um silêncio total no
aposento e, embora houvesse trinta ou mais pessoas, o quarto parecia vazio. Algum tempo passou-
se; mas o Mestre permaneceu sem iniciar o culto ou pedir a alguém para fazê-lo.
25. Estavam presentes devotos mais velhos, Mahendranath, Ramchandra, Devendranath,
Girishchandra bem como os jovens. Muitos deles estavam surpresos com o silêncio do Mestre a
respeito do culto. Mas Girishchandra, a quem o Mestre muitas vezes disse que possuía um
excesso de fé4, (4 "Quatro ou cinco annas mais do que dezesseis annas que constituem uma rupia," como o Mestre costumava
colocar.) sentiu uma emoção diferente em seu coração. Ficou chocado ao se lembrar de que o Mestre
não tinha necessidade pessoal de adorar Kali. Se alguém pensasse que ele desejava fazer o culto
por pura devoção, então por que estava sentado tão quieto? Devia haver outra razão. Será que
aqueles artigos não eram para os devotos, para que pudessem ser abençoados pela Mãe do Universo

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na imagem viva da pessoa do Mestre? Certamente que era. Assim pensando, ficou fora de si de
alegria e subitamente, tomando as flores e a pasta de sândalo e ali, diante de todos, ofereceu
punhados delas aos pés de lótus do Mestre, dizendo: "Salve a Mãe!" A isto, os pêlos do corpo do Mestre
eriçaram-se e ele entrou em êxtase profundo, o rosto com um brilho radiante, os lábios adornados
por um sorriso divino e ambas as mãos assumindo a atitude de doação de graças e libertação do
medo. Tudo isto indicava a manifestação da Mãe Divina nele. Tais fatos ocorreram em tão pouco tempo
que mesmo muitos devotos que estavam perto, pensaram que Girish vira em primeiro lugar o Mestre
em êxtase e depois, oferecera flores a seus sagrados pés, enquanto que para aqueles que estavam
um pouco mais afastados parecia que a luminosa imagem da Devi apareceu diante deles, no corpo do
Mestre.
26. Não havia limite para a alegria dos devotos. Cada um tirou flores e pasta de sândalo da
bandeja e pronunciando seu Mantra, adorou os pés de lótus do Mestre e encheu o aposento com os
repetidos sons de "Jai" (Salve). Algum tempo passou-se desta maneira quando o êxtase do Mestre
chegou ao fim e ele ficou em estado parcial de consciência. As frutas, raízes e outras coisas para o
culto lhe foram trazidos para que comesse. Comeu um pouco de todas as coisas e abençoou os
devotos para que o Conhecimento e a devoção crescessem neles. Depois comeram o Prasad e
cantaram até altas horas da noite a glória da Devi e a grandeza de Seu nome.
Os devotos experimentaram uma alegria como jamais haviam sentido antes, com este culto
especial à Mãe Divina e cuja lembrança permaneceu fresca para sempre em suas mentes. Sempre
que as tristezas e os sofrimentos surgiam e ficavam deprimidos, aquela serena face do Mestre,
brilhando com um sorriso divino e as mãos prometendo graças e libertação do medo, aparecia diante
deles, lembrando-lhes que estavam sob a proteção de Deus.
27. Durante sua permanência em Shyampukur, não foi somente nesses dias especiais como o
acima mencionado que os devotos testemunharam o poder e a natureza divina do Mestre, mas
vinham testemunhando essa manifestação de vez em quando em qualquer dia ou hora.
Desnecessário dizer que isto fortaleceu sua fé no homem-Deus, mas reparou-se que esta revelação
não ocorreu com todos. Foi dada somente a alguns devotos e estes, por sua vez, falaram com os
outros.
28. Em partes do livro falamos de certos assuntos relacionados com Balaram. Alguns de
seus parentes aborreceram-se porque, ele e sua família estavam dedicando amor e respeito ao
Mestre. Tinham razão para agir assim porque, em primeiro lugar praticavam doutrinas religiosas
estreitas que davam grande valor à observância de ritos e cerimônias exteriores, segundo a prática e
educação das famílias vaishnavas nas quais haviam nascido. Não podiam, portanto, compreender a
doutrina do Mestre de que todas as religiões e diferentes tradições devocionais conduzem à realização
de Deus. Além disso não usava qualquer tipo de emblema externo de religião. Tudo isso estava além da
compreensão daqueles parentes vaishnavas de Balaram, presos à tradição. Eles, portanto, olhavam
as tendências liberais de Balaram, conquistadas pela graça e companhia do Mestre, como um desvio
da religiosidade. Em segundo lugar, riqueza, honra, nascimento nobre e outros tipos de superioridade
mundana muitas vezes ocasionaram um tipo de orgulho e egoísmo. Esses parentes de Balaram
tinham, também, essas fraquezas. Para eles era motivo de orgulho e glória pertencerem à família do
último Krishnaram Babu, de sagrada memória. Assim, sentiram-se feridos ao ouvir que Balaram havia
esquecido o grande prestígio e reputação da família e ia como uma pessoa comum, visitar o Mestre em
Dakshineswar, para receber instruções espirituais e o que era pior, não hesitava em levar a esposa,
filhas e outras senhoras. Estavam agora determinados a dissuadi-lo desse comportamento.
29. As pessoas orgulhosas, que não conseguem atingir o objetivo desejado por meios
decentes, não hesitam em usar meios escusos. Alguns membros da família de Balaram pensavam
assim. Tentaram ao máximo dissuadi-lo de visitar o Mestre, primeiro lembrando-lhe de que havia na
própria tradição vaishnava santos reconhecidos e ortodoxos, como o Bhagavan Das de Kalna, a
quem ele poderia recorrer se quisesse companhia santa e também, fazendo-o ver que com este
comportamento não deveria desacreditar as tradições aristocráticas da família. Ao falharem em sua
tentativa, passaram a demonstrar ódio ao Mestre e às vezes a caluniá-lo. Naturalmente que tinham
notícias do Mestre através de outras pessoas. Baseados nelas, começaram a dizer que se tratava de
uma pessoa sem devoção a seu Ideal Escolhido, heterodoxo em assuntos relacionados à comida,
bebida, usos e costumes e contra o uso de emblemas da religião vaishnava, como marcas na testa.
Vendo que não produziam qualquer efeito, por fim levaram para os primos Nimai Charan e
Harivallabh Basu, notícias distorcidas sobre o Mestre e Balaram.
30. A bondade e o espírito de renúncia e de desapego que predominavam em Balaram,
convenceram-no de que as fazendas e outras propriedades não poderiam ser administradas
adequadamente sem que ocasionalmente se recorresse a meios cruéis. Por isso deixou as fazendas

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e outras propriedades a cargo de Nimai Basu. Embora o que ele conseguia com a renda de sua
propriedade mal fosse suficiente para atender a todas suas necessidades, administrava seus negócios
mundanos com ela. Também não estava fisicamente preparado para administrar seus negócios. Na
juventude sofrera tanto de dispepsia que teve de deixar de comer arroz durante doze anos e viver de
água de cevada e leite. Passou grande parte desse período em Puri para recuperar a saúde. Passava o
tempo em Japa, adoração, companhia santa, adoração à imagem de Jagannath e outras práticas
religiosas. Teve, assim, oportunidade de entrar em contato com tudo o que era bom ou mau na
comunidade vaishnava. Seu encontro com o Mestre teve lugar em sua volta a Calcutá, depois de um
longo período ausente daquela cidade.
31. Balaram foi a Calcutá por algumas semanas por ocasião do casamento de sua filha mais
velha. Sua paz de espírito nesses onze anos de vida em Puri não fora perturbada por outro
acontecimento. Seu primo Harivallabh Basu comprou a casa na 57 da rua Ramakrishna Basu, pouco
tempo depois de Balaram voltar a Calcutá. Seu pai e primos secretamente decidiram pedir-lhe que
morasse na casa recém-adquirida, porque temiam que Balaram renunciasse ao mundo por causa de
seu relacionamento íntimo com os homens santos de Puri. Privado da companhia desses homens
santos e das visitas diárias ao templo de Jagannath, Balaram sentia-se deprimido e viera morar em
Calcutá com o coração partido. Parece que inicialmente pensava voltar a Puri logo, mas desistiu depois
de conhecer Sri Ramakrishna, quando passou a viver permanentemente em Calcutá. De vez em
quando ficava com medo que Harivallabh Basu lhe pedisse a casa ou Nimai Basu o chamasse para
Kothar para tomar conta das fazendas e outras propriedades, privando-o da companhia do Mestre.
32. As preocupações às vezes fazem prever acontecimentos futuros. Isto ocorreu com
Balaram porque sua apreensão concretizou-se. Sob instigação dos parentes, os dois primos
enviaram-lhe cartas dando a entender que não estavam satisfeitos com ele. Chegaram-lhe, também,
notícias que Harivallabh Basu breve viria a Calcutá e ficaria com ele, para acertar alguns assuntos
importantes. Embora Balaram não estivesse preocupado, uma vez que não fizera nada de errado,
temia, contudo, que, por força das circunstâncias, tivesse de se afastar do Mestre. Depois de muita
preocupação concluiu que não deveria abandonar o Mestre durante sua doença e ir para qualquer
lugar, mesmo que seus primos fossem contra ele. Nesse meio tempo, Harivallabh Basu veio a
Calcutá. Balaram fez o possível para que o primo não tivesse qualquer trabalho ou contratempo,
durante a permanência com ele. Balaram manteve-se firme em sua decisão e, sem medo ou
preocupação, continuou visitando abertamente o Mestre todos os dias.
33. 0 rosto é o melhor espelho da alma. O Mestre compreendeu que havia uma luta na mente
de Balaram assim que o viu, quando veio a ele no dia em que Harivallabh chegou de Calcutá. O Mestre
considerava Balaram seu amigo muito íntimo. Solidarizando se com ele, o Mestre chamou-o a um
canto e fazendo numerosas perguntas, veio a saber tudo a respeito da situação e por fim, disse,
"Que tipo de homem ele é? Pode um dia trazê-lo aqui?" Balaram respondeu, "Como homem é muito
bom, senhor, culto, inteligente, magnânimo e caridoso; ajuda a muita gente e também, é uma alma
dedicada. Seu único defeito e aquele que o rico geralmente tem, ser um pouco crédulo demais.
Acreditou em alguns mal-entendidos a meu respeito, baseando-se no que outros disseram. Está
aborrecido comigo somente porque freqüento aqui. Por isso duvido que ele venha aqui a meu
pedido." O Mestre disse: "Não precisa pedir-lhe. Por favor, chame Girish aqui."
Girish veio e concordou em trazer Hanvallabh. Disse, "Harivallabh e eu fomos colegas no
colégio. Por isso sempre vou vê-lo logo que sei que chegou a Calcutá. Portanto, não é difícil encontrá-
lo. Vou vê-lo hoje."
34. Girish foi a Dakshineswar no dia seguinte com Hanvallabh Basu mais ou menos às cinco da
tarde e apresentou-o ao Mestre. "Este é Harivallabh Basu, meu amigo de infância. É advogado do
Governo em Cuttuck. Veio para conhecê-lo." O Mestre cumprimentou-o com carinho e sentando-se
perto dele disse, "Ouvi falar do senhor por muitas pessoas e quis conhecê-lo. Fiquei com medo que
fosse uma pessoa calculista, (a Girish) Mas agora vejo que não é assim. (Mostrando Harivallabh) Tem a
simplicidade de um menino. (A Girish) Reparou seus olhos? Não se pode ter esses olhos se o coração
não estiver cheio de devoção. (Subitamente, tocando Harivallabh) Ó sim! Você parece ser dos meus.
Não sinto qualquer distância entre nós." Harivallabh inclinou-se profundamente ante o Mestre, tomou
a poeira de seus pés e disse, "É sua graça."
Girish disse, "É natural que ele tenha devoção pelo senhor, porque nasceu numa família de
célebres devotos. As pessoas têm em grande apreço a devoção do último Krishnaram Basu. É
considerado digno de ser lembrado todas as manhãs, ao se tomar o nome das almas santas. A
fama de sua piedade trouxe glória a esta parte do país. Quem teria devoção, senão aqueles que
nasceram em sua família?"

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Iniciou-se uma discussão sobre devoção a Deus. O Mestre começou a falar aos presentes
sobre os vários aspectos desse tema e afirmou que a realização suprema da vida humana era
alcançar uma fé inabalável em Deus, devoção e absoluta dependência dele. Enquanto falava entrou em
êxtase. Mais tarde, ao recobrar a consciência parcial, pediu a um de nós para cantar um hino religioso.
Em voz baixa, estava explicando a Harivallabh a importância da canção, quando entrou mais uma vez
em êxtase profundo. Ao terminar a canção, viram que dois ou três devotos também estavam em
êxtase. Maravilhado com as palavras de Sri Ramakrishna, que tocaram seu coração, Harivallabh
derramou lágrimas de amor. Depois do crepúsculo, despediu-se do Mestre.
35. Quando estávamos em Dakshineswar, várias vezes vimos o Mestre tocar um recém-
chegado com habilidade, durante a conversa, quando este começava a argumentar contra sua
doutrina ou quando alguém vinha com uma atitude de antagonismo. Esse gesto tinha o efeito de tornar
a pessoa receptível a seus conselhos. Naturalmente só agia assim com aqueles em quem sentia prazer
em ver. Por sua espontânea vontade, um dia contou-nos a razão. Disse, "Sob a influência do egoísmo
e do sentimento de que não são inferiores a ninguém, as pessoas não gostam de aceitar as palavras
dos outros. Assim que tocam o Ser que mora dentro corpo, aquela tendência perde a força, aquele
egoísmo não pode mais levantar a cabeça devido a Seu poder divino, como uma serpente, tocada
com uma determinada erva, ao levantar o capuz, inclina a cabeça. Por isto toco as pessoas enquanto
converso com elas."
Essas palavras do Mestre vieram à nossa cabeça ao ver Harivallabh Basu despedir-se dele
com reverência no coração, uma atitude totalmente contrária àquela que anteriormente tivera.
Não precisamos dizer que a idéia de que Balaram estava agindo errado ao visitar o Mestre, jamais
passou novamente pela cabeça dos primos.
36. O estado físico do Mestre piorou durante sua estada em Shyampukur e, no mesmo
ritmo, o número de pessoas que vieram vê-lo e obtiveram sua graça, também começou a crescer
diariamente. Devotos chefes de família como Harish Chandra Mustafi e Manidranath Gupta e
jovens devotos como Sarada Prasanna Mitra (que mais tarde veio a se tornar conhecido na
Ordem Monástica de Sri Ramakrishna como Swami Trigunatitananda) e muitos outros visitaram
o Mestre pela primeira vez. Também, embora outros como Swami Abhedananda houvessem feito
uma ou duas visitas a Dakshineswar, foi aqui que tiveram a oportunidade de entrar em íntimo
contato com ele. O Mestre observou sua natureza e impressões passadas e guiou-os ao longo da
Sadhana, de pura devoção ou de devoção fortalecida pela disciplina do Conhecimento. Jamais
perdia uma oportunidade de dar-lhes instrução individual exortando-os a irem em frente no
caminho espiritual. Soubemos que um dia o Mestre ensinou a um jovem, as diferentes
maneiras de se sentar e outras posturas do corpo, apropriadas para meditação em Deus com
forma e sem forma. Sentando-se em Padmasana, colocando a palma da mão direita na palma da
esquerda e, levantando as duas mãos juntas, no nível do peito, disse com os olhos fechados,
"Esta é a melhor postura para todos os tipos de meditação em Deus com forma." Em seguida,
sentado nesta postura de Padmasana, colocando as mãos direita e esquerda, nos joelhos direito
e esquerdo, respectivamente, juntando as pontas do polegar e do indicador de cada mão,
enquanto os outros dedos, permaneciam retos e fixando os olhos entre as sobrancelhas, disse,
"Esta é a mais comum das posturas para meditação em Deus sem forma." Mal pronunciara
aquelas palavras, entrou em êxtase forçando a mente a descer, pouco tempo depois, ao plano
da consciência normal, dizendo, "Nada mais pode ser mostrado. Assim que me sento nesta
postura, a mente fica absorvida e entra em êxtase. O ar vital no interior do corpo sobe, e por
isso a ferida na garganta dói. O médico enfatizou que os êxtases devem ser evitados." O jovem
ficou muito triste e disse, "Por que o senhor mostrou todas estas coisas? Não lhe pedi." Ele
respondeu, "É verdade, mas posso ensinar sem mostrar um pouco a você?" O jovem ficou
surpreso pensando na infinita graça do Mestre, a grande tendência de sua mente ao êxtase.
37. Havia essa doçura em todos os atos do Mestre, que todos os recém-chegados
ficavam maravilhados. Atulchandra Ghosh, o conhecido irmão mais novo de Girish Ghosh, que
dedicava uma grande amizade a seus amigos, nos relata um exemplo do comportamento do
Mestre:
38. "Upendra5, (5 Upendranath Ghosh. Era aparentado com Bhupendra Nath Basu de Shyampukur.) um amigo
íntimo meu; era juiz e morava longe da família. Depois que conheci o Mestre, escrevi-lhe,
'Quando vier aqui na próxima vez, vou lhe mostrar algo lindo.' Veio nas férias de Natal e
recordou-me aquela promessa. Eu disse, 'Pensei apresentá-lo a Sri Ramakrishna Paramahamsa,
mas agora, está doente e morando em Shyampukur. Os médicos proibiram-lhe de falar. Você é
um recém-chegado; como posso agora levá-lo até lá?' Passou-se aquele dia. Outro dia Upendra
veio visitar meu irmão, Girishchandra, quando se cogitou de uma entrevista com o Mestre. Meu

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irmão disse-lhe, 'Por que você não vai com Atui um dia ver o Mestre?' Upendra disse, 'Ele vem
me dizendo, nos últimos seis meses, que me levaria lá, mas quando cheguei e lembrei-lhe,
disse que não era possível agora.' Ouvi estas palavras e disse a meu irmão, 'Agora até nós, nem
sempre temos permissão de ir, como posso levar um recém-chegado?' Meu irmão disse, 'De
qualquer maneira leve-o uma vez; isto feito, se ele tiver esta sorte o Mestre se revelará e o
amará.'
39. "Alguns dias depois, numa tarde, levei Upendra. O quarto de Mestre estava cheio
com as pessoas sentadas em dois longos colchões espalhados no chão, que chegavam até perto
da cama e falavam sobre assuntos banais como pintura, (porque naquele dia estava presente o
pintor Ananda Bagchi), fundição de ouro6 (6 O Mestre às vezes nos contava uma divertida história da habilidade dos
ourives em roubar ouro e prata. Aqui Atui Babu está se referindo a ela: Um homem foi a uma ourivesaria com alguns amigos para
vender uma jóia e viu um velho ourives com o corpo todo enfeitado com marcas de terra sagrada colorida e pasta de sândalo, a
cabeça com um tufo de cabelos e o pescoço com rosários. Estava sentado do lado de fora da casa, chamava-se Hari e estava em
estado profundo. No interior da casa seus três ou quatro assistentes, com marcas semelhantes e rosários, faziam vários tipos de
jóias. Vendo as marcas e a roupa de devoção do velho ourives e seus assistentes, o cliente e seus amigos pensaram que eram
pessoas religiosas que não iriam roubá-los. Colocaram as jóias que trouxeram para vender diante do velho ourives e pediram-
lhe que desse o preço justo. Com carinho, o velho os fez se sentar e pediu a um de seus ajudantes para preparar fumo para eles.
Analisou a jóia na pedra de toque, disse-lhes o preço daquela qualidade de ouro e, com a permissão deles, entregou-a a outro
ajudante dentro da casa para fundi-la. O ajudante começou imediatamente a fundir e subitamente, lembrando-se de Deus, gritou,
"Kesava! Kesava!" Devido à associação de idéias divinas em sua mente, o velho simultaneamente começou a gritar "Gopala!
Gopala!" Em seguida, um assistente dentro de casa começou a repetir "Hari! Hari! Hari!" Aquele que havia trazido fumo e dado a
tigela para o recém-chegado, neste meio tempo, falou alto, entrando dentro de casa. "Hara! Hara! Hara!" Logo que ele assim falou,
o primeiro assistente jogou com habilidade um pouco de ouro derretido no jarro cheio de água que estava diante dele para ser
reservado para eles. Os recém-chegados não compreenderam que para o ourives e seus assistentes, os nomes de Deus acima
mencionados, tinham significados fora do comum. Ao invés de dizer Kesava, o nome de Deus, estava fazendo a pergunta
"Kesava", que em bengali, significa, "Quem são eles?" Em outras palavras, queriam saber se os recém-chegados eram inteligentes
ou tolos. Como resposta a esta pergunta, o velho dissera "Gopala", não com o significado de Menino Krishna, mas no sentido de
"GoPala", um rebanho de gado, querendo dizer, por conseguinte, que eram tão tolos como um rebanho de gado. Pêlos dois
nomes de Hari e Hara (nomes de Vishnu e Shiva respectivamente) queriam dizer "Deixe-me então roubar!" (hari) e "roube" (hara).
Satisfeitos com a devoção e firmeza na religião que eles demonstravam, os recém-chegados fumaram, sem suspeitar da artimanha.
Tiveram seu ouro derretido pesado, pagaram o preço e voltaram para casa, felizes. Baniam Chandra, o famoso novelista de
Bengala, assumiu uma atitude céptica e fez ao Mestre várias perguntas complicadas sobre religião, quando o Mestre o encontrou na
casa de Adhar Chandra Sen, seu amado devoto. Depois de dar respostas acertadas àquelas perguntas, o Mestre disse a Bankim
Chandra, a propósito de um gracejo, "Você é Bankim (trapaceiro) de nome e conduta." Satisfeito com as respostas do-Mestre às
suas perguntas, Bankim Babu disse, "Senhor, deve vir à nossa casa em Kanthalpara, um dia desses; organizamos o serviço de Deus
e tomamos o nome de Hari." O Mestre respondeu, gracejando, "Como tomam o nome de Hari? É como o ourives?" Assim dizendo,
o Mestre narrou a história acima, que tirou uma risada da audiência.) na casa do ourives e assim por diante.
Permanecemos assim por muito tempo, mas não se falou de nada mais exceto daqueles
assuntos. Pensei, 'Trouxe aqui este recém-chegado e justamente hoje estão falando de coisas
inúteis! Que idéia Upendra terá a respeito do Mestre?' Fiquei bastante preocupado. De vez em
quando olhava para ele, com muita apreensão, mas sempre que olhava, via em seu rosto uma
expressão evidente de prazer, como se estivesse gostando daquele tipo de conversa. Com um
sinal disse que ia embora, mas ele, também com um aceno, disse-me para esperar um pouco
mais. Fiz-lhe mais dois ou três sinais e ele levantou-se e veio a mim. Perguntei-lhe, "O que
estava ouvindo durante tanto tempo? O que há nessas conversas? Será que o chamamos de
'simples' sem razão?" Costumávamos chamá-lo assim porque tinha uma marca na testa.
Respondeu, 'Ó não! Era bom ouvir. Antes só ouvia falar de amor universal, mas jamais o vira
manifestado em outra pessoa. Hoje o observei no Mestre quando o vi gracejar assuntos banais
como aquele. Mas tenho que vir uma vez mais. Tenho mais três perguntas a fazer.'
"Na manhã seguinte levei Upendra comigo. Não havia quase ninguém com o Mestre.
Somente um ou dois ajudantes e Sri Mallick, meu cunhado. De novo disse a Upendra, antes de
partirmos, 'Pergunte-lhe pessoalmente o que quer e terá as respostas que deseja. Não faça
perguntas através de outras pessoas.' Mas como tinha uma natureza tímida, aconteceu que fez
exatamente o que não deveria: pediu a Sri Mallick. O Mestre deu respostas que, pela expressão
de Upendra, compreendi que não lhe satisfizeram. Sussurrei-lhe, 'Tinha que ser assim. Já lhe
disse repetidas vezes para fazer-lhe pessoalmente as perguntas desejava? Por que não fez?
Por que contratou um advogado?"
40. "Tomou coragem e fez uma pergunta para o Mestre, 'Senhor, Deus tem formas ou
não? Se tem ambas, como podem essas duas naturezas contraditórias estarem nele ao mesmo
tempo?' O Mestre respondeu imediatamente, 'Ele é tanto com forma como sem forma, como a
água e o gelo.' No colégio Upendra escolheu estudar ciências portanto, o exemplo o satisfez
plenamente. Gostou daquela resposta, que compreendeu com a ajuda da ciência. Fez aquela
pergunta mas absteve-se de fazer as outras duas. Inclinou-se ante o Mestre e despediu-se
d'ele. Ao sairmos, perguntei-lhe, 'Upendra, você disse que tinha três perguntas; por que só fez

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uma e foi embora em seguida?' Respondeu, 'Não compreende? Todas as três perguntas foram
imediatamente respondidas com aquela.'
"O irmão Ram (Ramchandra Datta), naquela época, costumava tomar seu desjejum em
casa e muitas vezes ao visitar o Mestre, trazia um pequeno embrulho, contendo seu uniforme.
Passava duas ou três horas antes de mudar a roupa e ir para o escritório. Quando o Mestre
estava respondendo à pergunta de Upendra, foi subitamente àquele aposento, vestindo o
uniforme e ouviu as palavras do Mestre. Ao sairmos, o irmão Ram atreveu-se a dizer, 'Irmão
Atui, traga Upendra aqui. Será muito difícil para ele compreender a resposta do Mestre à sua
pergunta. Terá que ler meu livro Tattvaprakasika a fim de compreender as palavras do Mestre.'
Fiquei aborrecido com isto e não hesitei em dizer, 'Não é um fato, irmão Ram, que está
visitando o Mestre nos últimos sete anos, muito antes de nós o conhecermos? E você diz que ele
não compreenderá a verdade que o Mestre disse, mas a compreenderá pelo poder persuasivo de
seu livro! O que o Mestre não pode esclarecer, seu livro o fará! Que idéia absurda! Mas se
quiser dar a Upendra o livro para ler, pode fazê-lo; é outra coisa.'O irmão Ram ficou
envergonhado e deu o livro a Upendra."

CAPÍTULO XII - SEÇÃO 3

A ESTADA DO MESTRE EM SHYAMPUKUR


ASSUNTOS: 1. O Mestre vê feridas em todo o corpo. 2. Restrições quanto à entrada de novos visitantes. 3.
Uma atriz visita o Mestre. 4. O sentimentalismo entre os devotos. 5. Ramachandra supera Girish nesse
aspecto. 6. Vijaykrishna Goswami atiçou a chama. 7. Os esforços de Narendra para controlar o
sentimentalismo. 8. O sentimentalismo não ocasiona uma mudança permanente na vida. 9. Quando não
são sinceros os arrepios, as lágrimas e outras modificações do corpo, são ruins. 10. As palavras de
Narendra convencem. 11. Narendra ridiculariza o sentimentalismo. 12. Seus esforços no sentido de
estabelecer a verdadeira renúncia e amor a Deus em lugar do sentimentalismo. 13. A vida de uma pessoa
será semelhante àquela do Mestre se ela o amar. 14. O esforço de Narendra para tornar os devotos
críticos das novas idéias. 15. O desejo ardente de Mahim Chakravarthi por nome e fama. 16. A pele e
tigre de Mahima. 17. O Guru de Mahimacharan. 18. A sadhana religiosa de Mahimacharan. 19.
Mahimacharan em Shyampukur. 20. Um debate entre Mahima e Narendra. 21. Narendra ensinou que se
deve olhar com equanimidade todos os devotos. 22. Prabhudayal Mosra, o missionário cristão. 23. O
agravamento posterior da doença do Mestre.

1. Um dia enquanto estava em Shyampukur o Mestre teve uma visão maravilhosa. Viu
que seu corpo sutil saía do corpo denso enquanto andava de lá para cá no quarto e viu que as
costas estavam cobertas de feridas, especialmente na região da garganta. Estava pensando qual
seria a razão dessas feridas, quando a Mãe Divina do Universo explicou-lhe que os fardos dos
pecados dos que cometeram atos maus e que se tornaram puros ao tocá-lo haviam sido
transferidos para seu corpo e conseqüentemente, ele ficara com aquelas feridas no corpo sutil.
Ouvimos algumas vezes o Mestre dizer em Dakshineswar, que desejava se reencarnar inúmeras
vezes para fazer bem aos seres vivos. Portanto não é de se admirar que falasse com alegria sobre
isto conosco, sem se sentir afetado por este fato. Ficávamos encantados ao nos lembrar e discutir
sua graça infinita, mas os devotos, principalmente os mais jovens tinham um cuidado especial para
que nenhum recém-chegado se inclinasse ante ele e tocasse os pés até que recuperasse a antiga
saúde. Alguns devotos, também, pensaram em suas vidas anteriormente dissipadas e decidiram
que não mais tocariam a sagrada pessoa do Mestre, já que isto significava sofrimento para ele.
Mas algumas raras pessoas como Narendra, tendo avaliado essa experiência do Mestre,
passaram a indagar e pesquisar a veracidade dessa doutrina de sofrimento delegado (ou a teoria
de que uma pessoa toma para si voluntariamente, os sofrimentos dos pecados de uma outra
pessoa) - doutrina fundamental para cristãos, vaishnavas e outras crenças.
2. Girishchandra observou essa tentativa de impedir que novos visitantes falassem com o
Mestre e disse, "Não há qualquer mal, mas isto será impossível, porque este foi o propósito da
vinda do Mestre." À medida que os dias se passaram, a suposição de Girish provou ser
verdadeira. Assim como estranhos piedosos eram proibidos, os novos visitantes, amigos dos
devotos, também o eram. Por isso a decisão inicial foi mudada e ficou acertado que nenhum
desconhecido de qualquer devoto poderia aproximar-se do Mestre, e mesmo os conhecidos eram
instruídos de antemão que não deveriam inclinar-se profundamente e tocar seus pés. Mas até esta
regra teve de ser ocasionalmente violada quando estranhos, dotados de fervor espiritual fora do
comum, vieram ver o Mestre.

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3. Ocorreu um incidente interessante relativo a esta regra. Certa vez quando estava em
Dakshineswar, o Mestre foi ver um drama religioso no teatro de Girishchandra e, naquela
ocasião, elogiou a atriz que representava o papel principal. No final da peça a atriz teve a boa
sorte de adorar os pés do Mestre quando ele estava em êxtase. Desde então passou a considerá-
lo o próprio Deus e adorando-o como tal. Estava procurando uma oportunidade de encontrá-lo
novamente Ao tomar conhecimento de sua doença, desejou muito vê-lo mais uma vez. Como
conhecia Kalipada, imaginou que ele poderia satisfazer seu anseio. Ora Kalipada era um seguidor
de Girish em todos os assuntos e não acreditava que a doença do Mestre pioraria se um
pecador arrependido tocasse seus sagrados pés, porque estava convencido de que o Mestre era
a Encarnação da época e nada poderia afetá-lo ou feri-lo. Por conseguinte não hesitou nem teve
medo de levar a atriz ao sagrado Mestre. Secretamente combinou com ela e um dia, vestindo-a
como um cavalheiro inglês, à moda da "jovem Bengala" foram ao anoitecer, à casa de
Shyampukur onde o Mestre estava. Ele nos apresentou a ela como um amigo e levou-a ao Mestre,
dizendo-lhe quem na verdade ela era. Nesta ocasião não estávamos no quarto do Mestre e
Kalipada, portanto, não teve qualquer problema. Vendo que a atriz viera vestida daquela maneira
para deitar poeira em seus olhos, o Mestre, que gostava de uma brincadeira, soltou uma
gostosa gargalhada. Satisfeito com sua fé e devoção, elogiou sua coragem, estratégia e
reverência. Deu-lhe uma pequena instrução espiritual para que ela pudesse ter fé e confiança
em Deus e logo depois, despediu-se dela. Ela chorou de alegria e arrependimento, tocou
amorosamente seus sagrados pés com a cabeça e foi embora com Kalipada. Soubemos do
acontecimento pelo próprio Mestre e, vendo-o gracejando, sorrindo e alegre com a peça que
nos fora pregada, não pudemos ficar zangados com Kalipada.
4. Embora a fé e devoção nos corações dos devotos crescessem aceleradamente na
companhia do Mestre e com os serviços prestados a ele, havia agora o perigo deles trilharem um
caminho que não somente era cheio de perigos, mas que conduzia a uma direção oposta à
verdadeira espiritualidade. As ondas temporárias de emoções pareciam-lhes mais importantes do
que a renúncia e o difícil autocontrole. Os devotos não compreendiam que este sentimentalismo,
embora doce, não lhes permitiria vencer a luxúria, raiva e outras hostes inimigas do homem, se não
estivesse fundamentado na renúncia e autocontrole. Havia diversas causas para este
sentimentalismo. A primeira delas era a inclinação do homem comum para caminhos fáceis e
retornos rápidos. A maioria das pessoas consideradas religiosas queria um caminho que lhes
oferecesse tanto o mundo como Deus, prazer e renúncia. Raros eram os afortunados que
consideravam esse caminho contraditório por natureza, como luz e escuridão, e não incorriam
neste erro. Compreendiam que não podem ser harmonizados sem o risco de comprometer o ideal de
tudo renunciar para atingir a realização de Deus. Aqueles que querem realizar a façanha impossível
de manter juntas duas praias, retiram o barco de sua vida um pouco mais longe da praia do
mundo, não desejando fazer nenhuma viagem futura, lançam a âncora e aí permanecem a salvo
para sempre. O Mestre, portanto, por várias vezes testou cada um que chegava a ele,
determinando se "estava a salvo com a âncora" ou não. Em caso positivo revelava-lhe somente o
quanto do ideal de renúncia ele poderia compreender e aceitar. É por esta razão que seus
ensinamentos eram diferentes para cada pessoa, segundo o grau de preparo de cada uma. Dava
instruções diferentes para devotos chefes de família e para discípulos solteiros. É por isso que, ao
dar instruções em geral, dizia que devoção como exposta por Narada e o canto do nome de Hari
eram os meios mais eficazes no Kaliyuga. Naquela época os estudos da religião e das escrituras
tornaram-se tão obsoletos, que se duvidava se um em cem compreendia o significado da frase
"devoção como exposta por Narada". Ignoravam que a renúncia de uma pessoa por amor a Deus
também fora ensinada por Narada. Por isso não é de se admirar que, devido as suas naturezas
fracas, os devotos ignorantes do Mestre às vezes caíam no erro de se apegarem a ambas, à vida do
mundo e à vida espiritual e de considerar o sentimentalismo o ápice da experiência religiosa.
Também, outra causa desse erro dos devotos era que desconheciam a base muito firme na qual
o sentimentalismo extraordinário do Mestre estava estabelecido, porque a austeridade e as grandes
práticas ascéticas que empreendeu durante o período de Sadhana, estavam além do que haviam
vivenciado e, portanto, muito pouco sabiam a esse respeito. Mas esse sentimentalismo recebeu o maior
impulso a partir da época em que Girishchandra deu sua "procuração" espiritual ao Mestre e,
convencendo-se de que o Mestre era a Encarnação da era, começou, com grande alegria e
entusiasmo, a divulgar a todos o seu ponto de vista. Embora muitos também pensassem assim a
respeito do Mestre, todos respeitavam sua proibição de revelar, a razão porque ele os havia prevenido
que, quando um grande número de pessoas o considerassem uma Encarnação e começassem a
acorrer a ele, este seria sinal de sua morte e desaparecimento do mundo. Mas Girishchandra tinha

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sua própria maneira de pensar. Jamais pudera ao longo de sua vida, esconder qualquer pensamento
ou ação sua, boa ou má. Por isso não podia obedecer àquela proibição do Mestre. Havia se esquecido
de que sua aguda inteligência, sua vida plena de experiências e seu coração sobrecarregado de zelo e
fé, capacitavam-no a compreender a verdadeira grandeza do Mestre e ajudava-o a refugiar-se
completamente nele. Assim convidou todos de maneira indiscriminada a fazerem o que ele mesmo
fizera. Sem darem importância à necessidade de esforço pessoal, exercícios devocionais, renúncia e
austeridade e pronunciando frases como "Nós lhe demos procuração", "Nós nos refugiamos nele" e
assim por diante - as pessoas passaram a achar que a realização de Deus era uma coisa de ser
facilmente alcançada. O amor infinito de Girishchandra pelo Mestre poderia ter impedido que ele assim
falasse, se não tivesse sido mal conduzido por sua grande inteligência. Aceitara totalmente que o
Mestre havia tomado um corpo para deter o declínio da religião e dar um novo despertar espiritual à
humanidade e que ele estava aceitando voluntariamente as misérias de nascimento, velhice e
doença, a fim de que os Jivas se refugiassem nele e se libertassem das "triplas misérias1". (1 São os
sofrimentos ocasionados por outros seres como tigres, serpentes etc., e aos agentes da natureza como raios, enchentes, etc.) Sua
inteligência dizia-lhe que, sendo assim, o Mestre jamais morreria sem concluir sua missão. Portanto
não devemos censurá-lo por convidar as pessoas a tomarem refugio no Mestre e terem paz e felicidade
divina com sua presença.
5. A inteligência de muitos devotos antigos como Ramachandra foi dominada pela aguda
inteligência e argumentação de Girishchandra. Ramachandra, como já dissemos anteriormente,
nasceu numa família vaishnava, portanto, não é de se admirar que realmente considerasse o
Mestre, como Sri Krishna e Sri Chaitanya. Mas ele teve uma certa reserva em proclamar suas
teorias antes que Girish começasse a falar sobre o Mestre. A chegada de Girish, contudo, funcionou
como se juntasse combustível ao fogo de seu fervor. Não se deteve, contudo, em simplesmente
proclamar que o Mestre era uma Encarnação de Deus, mas inclinou-se para idéias de estabelecer as
identidades de determinados devotos do Mestre com os devotos de suas Encarnações anteriores
como Gauranga e Krishna. Era de opinião que, aqueles que experimentavam mudanças em seus
corpos e, às vezes, perdiam a consciência devido a ondas temporárias de sentimentalismo, ocupavam
um lugar espiritual elevado em seu julgamento.
6. Enquanto os devotos eram carregados pela corrente de sentimentalismo, graças à sua firme
convicção de que o Mestre era a Encarnação da época, Vijaykrishna Goswami veio de Dacca para
visitar o Mestre e declarou diante de todos sem hesitar, como, por ocasião de sua meditação em
Dacca, o Mestre aparecera fisicamente diante dele e ele tocara seu corpo e pernas (cf. IV.5). Isto
funcionou como um vento forte abanando um fogo violento. Cinco ou seis devotos passaram
experimentar mudanças no corpo e perdiam a consciência parcial sempre que ouviam música
devocional. Abandonaram a estrada real da prática espiritual sustentada pela razão e discriminação e
começaram a ter a atitude mórbida de esperar que os milagres acontecessem. Acreditavam que
qualquer coisa poderia acontecer a qualquer momento pelo poder divino do Mestre e permaneciam
ansiosos nessa expectativa.
7. Quando a maioria dos devotos começou a considerar esse sentimentalismo o ápice da
vida religiosa, a aguda inteligência de Narendranath, o principal dos devotos do Mestre, previu seus
efeitos danosos para os devotos. Sentiu que essa maneira de pensar era ideal para se atingir a
elevação espiritual como renúncia, autocontrole, completa devoção e outras, mas por outro lado,
constituía um perigo se lhe fossem dadas rédeas soltas. Narendra tentou explicar-lhes isto, salvando
assim, a situação. Uma pergunta surgiu: por que o Mestre se mantinha indiferente, apesar de ver
a possibilidade dos devotos se darem mal? Podemos afirmar que não era assim; que ele sabia que a
emoção verdadeira, livre de todo artificialismo, era um dos caminhos que conduziam à realização de
Deus, e que por isso esperava uma ocasião favorável para guiá-los, observando entre os devotos
quem estava realmente preparado. Porque de vez em quando ele dizia, "Nada acontece que não
seja em seu devido tempo, por mais que desejemos." "O sucesso tem sua época certa"; "Tudo
aguarda seu tempo certo" e assim por diante. Também, quem sabe se ele não estava observando
Narendra em sua cruzada contra o erro dos devotos e estava esperando pêlos resultados de seus
esforços? Ou talvez tivesse a intenção nesse caso de fazer Narendranath seu instrumento para
castigá-los?
8. Pensando que o círculo de jovens devotos determinados pudesse facilmente compreender
suas palavras, Narendra apresentou razões e argumentos contra essa crescente onda de
sentimentalismo. Dizia, "O sentimentalismo que não ocasiona uma mudança permanente na vida,
mas que num determinado momento torna o homem ansioso para realizar Deus, para em seguida
voltar à luxúria e à ganância, carece de profundidade e, portanto, tem pouco valor. Penso que embora
sob sua influência, alguns possam derramar lágrimas e ter arrepios e outras mudanças no corpo, ou

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mesmo ter uma retirada temporária da consciência, essas atitudes são produzidas por um problema
nervoso. Um homem certamente deve tomar uma comida nutritiva e recorrer a um médico, se não
puder vencê-lo com sua própria força de vontade."
9. Narendra acrescentou, "Há muito artificialismo naquelas mudanças do corpo e ausência
de consciência normal. À medida que o controle sobre nós mesmos torna-se mais firme, nossos
sentimentos aprofundam-se. É somente na vida de poucas pessoas que os sentimentos espirituais
tornam-se tão poderosos que tomam a forma de ondas gigantescas, transbordando até a firme
barragem do autocontrole e manifestando-se como mudanças no corpo e cessação temporária da
consciência. Pessoas tolas não podem compreender esse estado e invertem o processo. Pensam
que a profundidade dos sentimentos espirituais é alcançada como resultado daquelas mudanças no
corpo e perda de consciência fazem, portanto, esforços conscientes para provocar aqueles efeitos em
si mesmos. O desejo e esforço deles transformam-se gradualmente num hábito e
enfraquecem cada vez mais seus nervos à medida que os dias passam, de maneira que no
decorrer do tempo ocorrem-lhes aquelas mudanças ao surgir o mais leve sentimento. Em
conseqüência, enlouquecem ou adquirem uma doença crônica por cederem livremente a esses
sentimentos. Ao tentarem praticar religião, oitenta por cento das pessoas tornam-se hipócritas, cerca
de quinze por cento loucas, e somente o restante cinco por cento alcançam o conhecimento imediato
da Verdade Infinita e são abençoadas. Por conseguinte, tomem cuidado."
10. A princípio não pudemos aceitar aquelas palavras de Narendranath, mas tivemos que
acreditar quando pouco tempo depois, descobriu-se por acaso que um devoto, sentando-se sozinho e
cantando certos versos que conduziam a certos sentimentos, deliberadamente estava fazendo práticas
para produzir mudanças no corpo, necessárias para ocasionar aqueles sentimentos; que a dança
graciosa de um outro era somente a demonstração de um tipo de dança que ele havia praticado
anteriormente e que havia observado num devoto, dançando em estado de semi-transe, e que a
dança de um terceiro era imitação da linda dança de um outro devoto. Também observando que um
devoto tinha transes cada vez mais freqüentes, Narendra convenceu-o, em particular, de sua tolice em
pensar que aquilo era um ato desejável, aconselhando-o a praticar o controle dos sentimentos e
ingerir comida nutritiva se quisesse se livrar desses sentimentos mórbidos. Como resultado de seguir
esse conselho durante uma quinzena, o devoto recobrou a saúde e autocontrole. Quando muitos viram
esses fatos diante de seus próprios olhos, tiveram que acreditar nas palavras de Narendra e deixaram de
se considerar infelizes porque não experimentavam mudanças no corpo e parada da consciência, como
os outros devotos.
11. Narendra não parou de pregar, somente usando a razão e argumentos, mas quando via o
menor artificialismo no sentimentalismo de alguém, ridicularizava, fazia troça na presença de todos e o
devoto sentia-se embaraçado e humilhado. Também, levantava o assunto do homem imitando os gestos
de uma mulher, como prevalecia na Sadhana de uma seita vaishnava e a forma extremamente ridícula
que às vezes tomava. Assim provocava uma risada entre os devotos e levava ao ridículo aqueles que
entre nós, eram propensos àquele tipo de sentimentalismo, dizendo que pertenciam à classe de
"amigas" do Senhor. De fato, Narendranath, um leão entre os homens, não podia aceitar a idéia de que,
porque um homem se dedicava à pratica religiosa, deveria desistir de sua virilidade, do esforço
vigoroso e da busca indomável da Verdade, chorando e imitando os gestos das mulheres ao ouvirem
as canções líricas vaishnavas. Portanto ele, de uma maneira séria e cômica, chamava de 'demônios de
Shiva' os devotos que assumiam uma atitude viril de Sadhana e tinham a devoção temperada pela
discriminação entre o Real e o irreal, enquanto apelidava àqueles de natureza oposta, de 'amigas'
do Senhor.
12. Narendranath não se contentava somente em abrir uma brecha no círculo de
sentimentalismo, com sua razão e sarcasmo. Estava realmente convencido de que a simples pregação
não resolveria o problema se não surgisse uma nova atitude mental em seu lugar e esforçou-se muito
nesse sentido. Reunia os jovens devotos em suas horas de lazer, cantava com eles músicas devocionais
que despertavam em seus corações a idéia da natureza transitória do mundo, da renúncia e da
devoção a Deus tentando assim, manter queimando em seus corações as chamas daquelas fortes
qualidades espirituais. Ao visitarem o Mestre, muitos regressavam para casa derramando lágrimas
porque um forte desapego e amor a Deus haviam despertado em seus corações, ao ouvirem as canções
e hinos cantados por Narendra com sua voz doce. Costumava a cantar:

"Ó Tu, Ó mar de néctar que é um concentrado de Felicidade e Consciência!


A Vida transborda de alegria ao cantarmos Teu nome."

* * * * *

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"Não sou nem a mente nem o intelecto, nem o ego nem o estofo mental;
Não sou nem os ouvidos nem a língua, nem o nariz; nem os olhos;
Não sou nem o éter nem a língua, nem o fogo nem o ar;
Sou Shiva, Felicidade e Consciência Absolutas!"

Também contava histórias da vida do Mestre relacionadas com as Sadhanas


que empreendera devido a seu profundo amor a Deus ou explicava sua grandeza
ímpar, de um modo que maravilhava os discípulos. Ou, outras vezes citava passagens da
Imitação de Cristo e dizia, "A vida de qualquer um que realmente ama Deus será perfeitamente
moldada por Seu modelo. Portanto se realmente amamos o Mestre ou não, será provado por este
teste." Além disso recordava-nos o dito do Mestre, "Primeiro prenda o Conhecimento não-dual no
canto de sua roupa e em seguida, faça o que lhe aprouver." Depois explicava-nos que todo o
sentimentalismo do Mestre surgira daquele conhecimento como fundamento. Os devotos, portanto,
tinham que se esforçar para alcançar primeiro o Conhecimento não-dual.
14. Narendra muitas vezes nos encorajou a cultivar o hábito de primeiro testar qualquer
idéia nova antes de aceitá-la. Tendo ouvido que as enfermidades poderiam ser curadas com ajuda
da concentração da mente, um dia nos reuniu numa sala e nos fez fazer essa prática para curar o
Mestre. Também sempre cuidava para que os devotos se afastassem das observâncias irracionais.
Como exemplo narraremos a seguir o seguinte acontecimento.
15. A casa de Mahimacharan Chakravarti estava situada num terreno oposto ao lugar em que
a parte sul do lago Mati se encontrava com a estrada de Kasipur. Ele, inúmeras vezes havia sido
abençoado por suas boas qualidades, mas estava sempre querendo mostrar-se mais do que era na
realidade. Parece que até mesmo não hesitava em recorrer à mentira se isto lhe trouxesse prestígio.
Sua preocupação para que as pessoas o olhassem como rico, culto, inteligente, religioso, generoso e
possuidor de todas as outras qualidades louváveis dominavam todas as ações de sua vida, chegando às
vezes ao ridículo. Uma vez Mahimacharan abriu uma escola gratuita que chamou "Seção Educacional
do Instituto dos Arianos Orientais"(Prachya-aryasiksha-kanda-parishat). Deu a seu único filho o
nome de "Sagrada face daquele que tem a lua na cabeça" (Mri-ganka-muli-puta-tundi); tinha um
veadinho que denominou Kapinjala como o nome daquele anacoreta. Que razão tivera um erudito
como ele para não dar nomes simples a coisas e pessoas? Possuía uma coleção de livros em inglês e
sânscrito. Quando o conhecemos, fomos um dia à sua casa, com Narendranath, e perguntamos, "O
senhor leu todos esses livros?" Com uma humildade estudada, respondeu que sim, mas Narendra
logo trouxe alguns daqueles livros e viu que algumas páginas ainda não haviam sido cortadas e
perguntou qual a razão. Mahima respondeu, "Sabe, irmão, as pessoas apanham os livros antes de eu
ter lido, mas esquecem-se de devolver. Compro os livros para repor os perdidos. Não vou mais deixar
ninguém apanhar livros aqui." Mas Narendra descobriu que nenhum daqueles livros tinha as folhas
abertas. Por isso, Narendra estava certo de que ele tinha aquelas prateleiras somente para mostrar
que era um grande erudito e, também, para decorar o aposento.
16. Na época em que nos relacionamos com ele, durante uma conversa, Mahimacharan
apresentou-se como um aspirante espiritual no caminho do Conhecimento. Já visitava
Dakshineswar muitos anos antes dos devotos de Calcutá terem ido ao Mestre. Em certos festivais
ia a Dakshineswar usando roupa ocre com contas de Rudraksha levando um longo instrumento de
uma corda só na mão e sentava-se para a Sadhana com um jeito pomposo, numa pele de tigre
estendida no Panchavati. Dependurava a pele de tigre na parede num canto do quarto do Mestre
quando voltava para casa. Isto foi o suficiente para que o Mestre compreendesse quem ele era,
porque, um dia em que perguntaram de quem era a pele de tigre, o Mestre disse, "Foi deixada
aqui por Mahima Chakravarti. Sabem a razão? As pessoas verão e me perguntarão a quem pertence
e quando eu disser, vão considerá-lo um Sadhaka muito desenvolvido.
17. Uma vez ao se falar sobre iniciação, lembramos ter Mahimacharan dito, "O nome de meu
Guru é Agamacharya Damaru-vallabho." Também, outras vezes dissera que havia sido iniciado, como
Mestre, por Tota Puri, o Paramahamsa errante. "Encontrei-o", dizia, "quando ia em peregrinação na
parte ocidental do país e fui iniciado. Pediu ao Mestre para viver como um devoto, enquanto me
instruía a viver no mundo como um Sadhaka no caminho do Conhecimento." É desnecessário dizer
que a veracidade dessas suas palavras só era conhecida por ele e por aquele que conhece todos
os corações.
18. A única Sadhana que o vimos fazer foi pronunciar o Pranava em uníssono com seu instrumento de
uma corda e nos intervalos, 'cantar' um verso ou dois de livros, como o Uttara Oita. Dizia que esta prática era a
disciplina preconizada pelo eterno caminho do Conhecimento, nenhuma outra disciplina mais seria necessária.
Ela por si só despertaria o poder enrolado e a pessoa teria a visão de Deus. A sagrada imagem de

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Sri Annapurna foi instalada na casa de Mahima Babu e parece que costumava ser realizado ali um culto
anual a Sri Jagaddhari. Devido a esses fatos deduzimos que ele nasceu de uma família shakta. Parece
que seguiu a Sadhana shakta na última parte de sua vida, porque, enquanto dirigia um pequeno carro,
às vezes o ouvíamos gritar, "Tara, Tu és Aquilo, Tu és Aquilo." Tinha uma pequena propriedade,
cuja renda era suficiente para suas necessidades materiais.
19. Mahima Babu veio visitar o Mestre duas ou três vezes durante sua permanência em
Shyampukur. Nessas ocasiões, depois de perguntar sobre o Mestre, vinha e sentava-se no aposento
destinado a todos e murmurava um Mantra uníssono com o instrumento de uma corda e nos
intervalos, conversava sobre assuntos religiosos. Encantados com sua beleza pessoal realçada pela
roupa ocre que vestia, impressionados por sua aparência grande e pelo encanto de suas palavras,
muitos costumavam fazer-lhe perguntas espirituais. O Mestre também às vezes costumava dizer-
lhe, "Você é um erudito. Por favor vá e dê às pessoas algumas instruções." Isto porque o Mestre
sabia que Mahima, no fundo do coração, tinha um grande desejo de ter alguns discípulos e
divulgar seu nome.
20. Um dia Mahima Babu veio a Shyampukur e falou muitas coisas e tentou estabelecer que
o método de disciplina adotado por ele era o mais fácil e melhor do que todos os outros que eram
lentos e tortuosos. Narendra não pôde aceitar isto e quando viu os jovens devotos do Mestre ouvindo
sem protestar, apresentou argumentos contrários e provou que a posição de Mahima era insustentável,
dizendo: "Qual é a prova que alguém verá Deus pronunciando Mantras em uníssono com a música de
um instrumento com uma corda, como estão fazendo?" Mahima Babu respondeu: "O som em si
mesmo é Brahman. Deus não pode deixar de Se revelar aos Mantras pronunciados em uníssono com
notas musicais. Nada mais precisa ser feito." Narendra retrucou: "Será que Deus fez um acordo
com o senhor por escrito? Ou Ele vai aparecer diante do Senhor com um andar controlado como
uma cobra encantada por Mantras e ervas, pronunciando sílabas místicas como 'Hum' 'Hum'?" Não
precisamos dizer que a pregação de Mahima Babu não provou ser o mais interessante para os
argumentos de Narendra, e naquele dia ele se despediu mais cedo.
21. Narendranath também cuidava para que os devotos do Mestre prestassem o devido
respeito aos verdadeiros Sadhakas de todas as comunidades religiosas. "Respeitar somente os
Sadhakas de sua própria comunidade e condenar todos os outros, como geralmente as pessoas
fazem", disse, "é como mostrar desrespeito à doutrina do Mestre, 'quantas crenças, tantos caminhos',
e, portanto, ao próprio Mestre." Lembramo-nos de um acontecimento deste tipo que ocorreu durante
nossa estada em Shyampukur.
22. Um dia um missionário cristão chamado Prabhudayal Misra veio ver o Mestre. À primeira
vista não o tomamos como cristão, pelo fato de estar vestido com uma roupa ocre. No decorrer da
conversa viemos a saber o que era e porque usava uma roupa ocre. Disse: "Nasci numa família
Brahmin. Devo abandonar meus hábitos e práticas que vieram dos meus ancestrais somente porque
tive a boa fortuna de ter fé em Jesus e aceitá-lo como meu Ideal Escolhido? Acredito nas escrituras
da Yoga e tenho Jesus como Ideal Escolhido, faço exercícios diariamente. Naturalmente não aceito
nosso sistema de casta, mas acredito que é prejudicial à prática da Yoga, comer das mãos de
qualquer um. Por isso, diariamente cozinho minha comida. Em conseqüência, embora cristão, venho
realizando um após o outro, os resultados das práticas ióguicas, como ver luzes etc. Desde tempos
imemoriais os yogis da Índia, devotados ao Supremo Ser, vêm usando roupa ocre. Por isso prefiro
esta roupa a qualquer outra." Narendranath fez-lhe uma pergunta atrás da outra fazendo aflorar
todas as suas mais caras e interiores idéias. Assim sabendo que ele era um yogi e um homem
santo, apresentou-lhe grande respeito e pediu-nos para fazer o mesmo. Muitos de nós tocamos seus
pés e inclinaram-se ante ele. Sentamo-nos e comemos Prasada de doces do Mestre. Expressou sua
opinião a respeito do Mestre, que ele considerava o próprio Jesus.
23. Naqueles dias em que a doença do Mestre piorava a cada dia, Narendranath guiava os
devotos no caminho correto. Dr. Sarkar ficou muito ansioso vendo que os mesmos medicamentos
que haviam produzido anteriormente, resultados mais ou menos bons, já não se mostravam
eficazes. Chegando à conclusão de que isto era devido à atmosfera poluída de Calcutá, aconselhou
que o Mestre deveria ser removido para alguma chácara fora da cidade. A primeira metade do
mês de Agrahayan (nov./dez.) ainda não tinha terminado. Sabendo que o Mestre não desejaria
mudar-se no próximo mês de Paush (dez/jan.), os devotos fizeram o máximo para encontrar
uma casa. Em pouco tempo alugaram por oitenta rupias ao mês, a chácara do falecido Gopal
Chandra Ghosh, enteado de Rani Katyayani, situada no lado leste da estrada principal que conduz
a Baranagar Bazar, onde o caminho norte do lago Mati de Kasipur encontrava a estrada. Surendra
Nath Mitra de Simulia, Calcutá, um dos devotos mais íntimos do Mestre, prometeu pagar o aluguel.

100
Quando acertaram os detalhes relativos à casa, foi marcado o dia auspicioso para levar a
mobília e os utensílios de Shyampukur para a nova casa. Tudo organizado, os devotos trouxeram o
Mestre de Shyampukur até a chácara de Kasipur à tarde do penúltimo dia do mês de Agrahayan
(nov./dez.). Ficaram contentes ao ver o Mestre satisfeito com o sossego e o ar puro daquele lugar,
adornado de árvores carregadas de frutas e flores.

CAPÍTULO XIII - SEÇÃO 1

O MESTRE NA CHÁCARA DE KASIPUR1


1
Escrito pelo autor e publicado mensalmente na revista bengali Udbodhan, mas não incluído na primeira edição do livro publicado durante sua vida.

ASSUNTOS: 1. Kasipur. 2. A chácara de Kasipur. 3. O Mestre, ao chegar, começa a treinar os jovens


devotos. 4. A chácara, contendo estas lembranças, deveria ser adquirida pela Missão Ramakrishna.

A chácara de Kasipur está situada na larga estrada ao norte de Calcutá que liga o bairro
de Baghbazar a Baranagar, a três milhas da cidade.

1. Em ambas as margens dessa estrada, desde o norte da ponte de Baghbazar até as


encruzilhadas, um pouco para o sul daquela chácara, vêem-se as cabanas dos trabalhadores
pobres e pequenas lojas de artigos de uso diário. Podem ser vistos, contudo, aqui e ali, alguns
prédios de tijolos como moinhos de juta, a fábrica de ferro da Dost Company, a firma da Ralli
Brothers Ltda., uma ou duas chácaras ou residências, o posto policial e o corpo de bombeiros
situado ao sudoeste das encruzilhadas de Kasipur. Não longe da parte oeste está situado o famoso
templo de Sri Sarvamangala Devi, como testemunhando as terríveis diferenças de vida entre
pobres e ricos. Também, como a estação da Estrada de Ferro Sealdah foi melhorada e
aumentada, muitos armazéns com telhado de folha de flandres foram construídos na referida
estrada, desfigurando a pequena beleza de alguns anos atrás. Embora essa antiga estrada não seja
agradável aos olhos de um poeta ou de um artista, tem um certo valor para o historiador. Dizem
que, Nawab Siraj2 (2 Siraj-ud-daula, o último Nawab independente de Bengala, Binar e Orissa.) avançou ao longo desta
estrada e ocupou o forte britânico de Govindapur e além disso, um palácio do notório traidor
Nawab Mirzaffar foi construído nessa parte da estrada, um pouco mais de meia milha de
Baghbazar. Essa parte da estrada, de Baghbazar até as encruzilhadas de Kasipur não é bonita,
mas a parte que se estende até o bazar de Baranagar é atraente. Indo um pouco mais para o
norte longe das encruzilhadas, encontra-se a parte sul do lago Mati e do lado oposto, na parte
leste da estrada, fica a bela residência do nosso amigo, o falecido Mahimacharan Chakravati. A
Companhia de Estrada de Ferro agora comprou a maior parte do terreno que cerca esta casa e
estendeu uma parte da ferrovia para a margem do Ganga, o que roubou da casa sua antiga
beleza. Indo daqui um pouco mais para o norte vê-se, à esquerda, o lado norte do pequeno
lago Mati, e em frente, no lado leste da estrada, o muro alto e o portão de ferro da chácara de
Kasipur. Em direção oeste do Isgo Mati Jil havia belas chácaras ao longo da estrada, algumas às
margens do Ganga. Dessas, a melhor e mais linda era a de Mati Lal Sil que, depois da compra
pela Cia. de Eletricidade de Calcutá, perdeu sua beleza dos tempos antigos e agora está
tomada com edificações desordenadas, barulho e alvoroço da indústria. A residência dilapidada
dos Basaks estava situada às margens do Ganga na direção norte dessa chácara. Como fileiras
de árvores tamargueiras ficavam em ambos os lados do caminho que conduz a estrada até a
casa, uma maravilhosa beleza de forma e som sempre confortava os olhos e ouvidos dos
visitantes. Enquanto estivemos com o Mestre na chácara de Kasipur, fomos várias vezes à
chácara de Sil para tomar banho no Ganga, e como o Mestre gostava das flores Gulchi, nós as
apanhávamos das grandes árvores que cresciam no lado do ghat, com as quais presenteávamos
o Mestre. Muitas vezes, também, íamos pelo caminho embelezado por fileiras de árvores
tamargueiras e, alcançando a chácara desabitada de Basak, sentávamos à margem do Ganga.
Um pouco mais para o norte dessa chácara estava o espaçoso ghat de banho que pertencera ao
último Prananath Chaudhuri e, na direção norte estava situado o lindo templo de Gopala,
pertencente a Rani Katyayani, esposa do famoso Laia Babu. Às vezes também íamos àquele
lugar para tomar banho no Ganga e adorar Sri Gopala. O falecido Gopal Chandra Ghosh, genro
da Rani Katyayani era o proprietário da chácara de Kasipur. Os devotos alugaram-na por oitenta
rupias mensais, inicialmente por seis meses, e depois, por mais três meses. Surendranath Mitra
de Simla, Calcutá, um grande devoto do Mestre, assinou o contrato e pagou todo o aluguel.

101
2. A chácara de Kasipur era muito bonita, embora não fosse grande. Tinha uma área de
quatorze bighas (4 2/3 acres) e era cercada de muros altos. Uma ala de três ou quatro cômodos
quase tocando o centro do muro do conjunto norte, era destinada à cozinha e dispensas. Em
frente desses cômodos, do outro lado da chácara, havia uma residência de dois andares, com
dois quartos no andar de cima e quatro no de baixo. Dos cômodos do andar térreo, o do meio era
um espaçoso hall. Em direção ao norte desse hall havia dois pequenos quartos, um ao lado do
outro. A oeste desses quartos surgia uma escada de degraus de madeira que conduzia ao
primeiro andar. O quarto do lado leste foi ocupado pela Santa Mãe, durante sua estada na casa.
O acima mencionado hall que se estendia de leste para oeste e o quarto ao sul dele, que tinha
uma varanda a leste, era utilizado pêlos devotos para se sentarem ou dormir. Em cima do hall
do andar térreo havia um hall quadrado, de dimensões iguais, que formava o primeiro andar.
Foi esse o quarto destinado ao Mestre. Na direção sul havia um pequeno terraço sem cobertura.
Ali o Mestre, às vezes, sentava-se ou caminhava. Indo na direção norte havia os terraços do
quarto cujas escadas conduziam ao andar de cima e um pequeno quarto quadrado de igual
tamanho e situado acima do quarto da Santa Mãe. Ali o Mestre costumava tomar banho. Era,
também, usado à noite por um ou dois de seus atendentes.
Nos lados leste e oeste da residência havia duas escadas que conduziam ao hall do
andar térreo que era cercado por um caminho do jardim revestido de ladrilhos. No canto
sudoeste do jardim junto ao muro oeste, havia um pequeno quarto para o porteiro e ao norte
deste, o portão de ferro. Um caminho do jardim semicircular, largo o suficiente para passar uma
carruagem, ia em direção norte-leste e juntava-se à estrada circular em volta da residência.
Havia um pequeno lago a oeste das residências. Do lado oposto da escadaria que levava ao
vestíbulo e do outro lado do passeio do jardim, estava uma escada que conduzia a esse lago. No
canto nordeste do jardim havia um lago quatro ou cinco vezes maior do que esse tendo a
noroeste construções de um ou dois quartos. Além disso havia um estábulo no canto noroeste
do jardim, na direção oeste do mencionado lago e, lado a lado havia duas construções de
tijolos, dilapidadas, para os jardineiros, perto da metade do muro sul do jardim. No resto do
jardim havia mangueiras, jaqueiras e outras árvores frutíferas. Os passeios do jardim eram
adornados com flores em ambas as margens. A maior parte do terreno era utilizada para
plantação de verduras e vegetais para a cozinha. Também, espalhada entre as árvores, havia
grama, que acrescentava muito à beleza do jardim.
3. O Mestre veio para a chácara no dia 1° de dezembro de 1885. A doença piorara nos
últimos oito meses e seu corpo alto e forte estava reduzido a um simples esqueleto. A mente,
perfeita no autocontrole, ignorava cada vez mais a fúria da dor da doença. Parecia aos olhos
dos observadores que estava se preparando para completar o trabalho, já iniciado, de ensinar
e treinar a Ordem dos seus devotos, dando-lhes as instruções necessárias, sem quebra nem
pausa, tanto individual como coletivamente. Além disso, constantemente testemunhávamos a
realização de sua profecia a seu respeito de si mesmo, tantas vezes faladas aos devotos em
Dakshineswar: "Antes de morrer, desvendarei todo o segredo para os ventos (quer dizer,
divulgarei minha natureza como um homem-Deus)"; "quando muitos chegarem e tomarem
conhecimento de minha glória divina, murmurando a esse respeito, meu corpo deixará de existir;
e se despedaçará segundo os desígnios da Mãe"; "Ficará então determinado, durante minha
doença quais os devotos que pertencem ao círculo interno e quais ao círculo externo", e assim
por diante. Foi aqui que pudemos compreender a verdade de suas predições sobre Narendranath
e outros devotos, tais como, "A Mãe necessitou trazer você (Narendra) ao mundo para fazer
Seu trabalho; você só poderá me seguir; aonde mais irá?"; "Todos os jovens devotos são como
os filhotes do pássaro homa que sobem muito alto no céu onde coloca os ovos, que começam
a cair em direção à terra em grande velocidade. Teme-se que eles se despedacem ao atingir o
solo, mas isso não acontece. Antes de caírem, os ovos são chocados e abrem-se antes de cair
ao solo. Os filhotinhos abrem as asas e voam para cima em direção a seus pais, que os esperam.
Da mesma maneira, estes jovens devotos também renunciarão ao mundo e irão em direção a
Deus antes de serem enredados pelo mundo." Além disso foi aqui que ele moldou a vida de
Narendranath e colocou o círculo dos devotos, particularmente dos jovens devotos, a seu cargo e
deu-lhe instruções detalhadas de como guiá-los. O trabalho realizado pelo Mestre em Kasipur,
teve o mais elevado significado.
4. É natural que todos desejem que o lugar que foi testemunha de tantos
acontecimentos importantes e profundos, pertença à Missão Ramakrishna 3 (3 O desejo ardente do
autor foi satisfeito. A intenção da Companhia de Estrada de ferro de adquirir o lugar não frutificou, mas recentemente tornou-se
propriedade do Ramakrishna Math (1946). A preservação da sagrada atmosfera tornou-se, portanto, possível. Atualmente é
sede de um mosteiro da Ordem de Ramakrishna. Os velhos edifícios foram reparados sem qualquer alteração em sua aparência

102
original, e os lugares santos associados aos últimos dias do Mestre estão todos marcados. Também um grande festival,
atraindo uma multidão, realiza-se anualmente no dia 1° de janeiro, para comemorar o aniversário do dia do Kalpataru (a árvore
que satisfaz todos os desejos)) a fim de que as sagradas lembranças do Mestre sirvam de memorial para
as futuras gerações, dando-lhes inspiração e felicidade. Mas meu Deus, surgiu um grande
obstáculo para sua realização: a Cia. de Estrada de Ferro está tentando comprá-la. Breve, este
lugar do divino jogo do Mestre tomará uma nova feição e se converterá talvez em armazéns de
juta ou de trilhos ou em quaisquer outras construções feias. Se essa for a vontade da
Providência, o que nós, pobres mortais podemos fazer? Vamos, portanto, consolar-nos com o
pensamento: "O que surge na mente da Providência inevitavelmente se realiza."

CAPÍTULO XIII - SEÇÃO 2

O VOTO DE SERVIÇO EM KASIPUR


ASSUNTOS: 1. A alegria do Mestre por estar na chácara. 2. Pessoas e dinheiro necessários para o serviço do
Mestre. 3. A decisão de Narendra de permanecer na chácara para servir o Mestre. 4. O Mestre dependia
somente da Mãe. 5. O Mestre administrando os trabalhos. 6. Formação dos futuros monges. 7. Pequena
melhora na saúde do Mestre. 8. A comida feita pela Santa Mãe com a ajuda da irmã Lakshmi. 9. Os
discípulos leigos e os assuntos financeiros. 10. Narendra incentivou os jovens devotos para a realização de
Deus. 11. Os jovens devotos queimaram os desejos na fogueira Dhuni.

1. O Mestre veio de Shyampukur para a chácara de Kasipur, no penúltimo dia do Agrahayan


(nov./dez.), uma vez que era de bom augúrio, de acordo com o costume corrente, viajar para um
lugar novo no mês de Paush (Dez./Jan.). A casa principal era mais espaçosa e isolada do que a de
Shyampukur, localizada numa estrada onde durante o dia a movimentação e o barulho das pessoas
da cidade era grande. Nessa casa de Kasipur, para qualquer direção que se olhasse, a visão das
folhas verdes das árvores, das cores brilhantes das flores e das matizes azul e o azul escuro das gramas
da relva era um deleite para os olhos. Embora a beleza dessa chácara não pudesse ser comparada
com a maravilhosa beleza natural do templo de Kali em Dakshineswar, o Mestre teve uma impressão
agradável, depois de uma estada contínua de cerca de quatro meses, em Calcutá. Assim que entrou
no espaçoso aposento do primeiro andar, reservado para ele, foi atraído pela beleza da área em volta.
Saiu do quarto e sentando-se no terraço do primeiro andar, desfrutou durante algum tempo a beleza
da chácara. A Santa Mãe, também, estava muito satisfeita,vendo que ali não teria que viver confinada
como na casa de Shyampukur e também, teria condições de servir o Mestre com uma vizinhança
melhor e, portanto, a alegria dos ajudantes não tinha limite quando viram que ambos estavam
satisfeitos com a casa.
2. Passaram-se alguns dias quando foram resolvidas algumas deficiências do lugar,
observadas pêlos ajudantes. Narendranath pensou nelas e logo concluiu que agora haveria
necessidade de mais homens e dinheiro do que anteriormente, se aqueles que voluntariamente
haviam tomado para si o encargo do serviço do Mestre, tivessem também, de morar na chácara que
ficava longe de suas casas. Havia também, os encargos com o médico que tratava do Mestre. Claro, a
não ser que todos os assuntos fossem resolvidos de forma correta e tomadas medidas desde o
começo, as dificuldades cresceriam no que diz respeito ao serviço do Mestre. Balaram, Surendra, Ram,
Girish, Mahendra e outros, que vinham também pensando no lado financeiro do assunto, encontraram,
depois de muito pensar, os meios para aquele gasto. Sobre a questão do pessoal, Narendranath teria
de encontrar uma solução, portanto, gastar a maior parte de seu tempo na chácara de Kasipur. Se
não encontrasse uma solução, muitos jovens discípulos não poderiam ajudar, porque seus
responsáveis se oporiam à ida deles a Kasipur ou seus estudos ficariam prejudicados. Quando o
Mestre estava em Shyampukur, costumavam ir para casa, comer e voltar para atender ao serviço
do Mestre, o que agora era impossível devido à longa distância entre Kasipur e Calcutá.
3. Naquele ano Narendra estava se preparando para o exame de Bacharel em Direito. Apesar
de lhe ser absolutamente necessário permanecer em Calcutá para estudar e tomar conta do
processo que estava correndo na Alta Corte, sobre a partilha da propriedade ancestral pêlos parentes,
tirou completamente essa idéia da cabeça a fim de servir o Guru e decidiu trazer os livros de Direito
para estudar nas horas vagas. Vemos assim que até então, o plano de Narendranath havia sido de
se preparar para o exame de Direito e ao mesmo tempo, servir o Mestre. Porque, não tendo
qualquer outra opção diante de si, decidira passar no vestibular de Direito e, com alguns anos de
trabalho árduo, ganharia dinheiro para sustentar a mãe e os irmãos, e depois de tê-los deixado
amparados, se retiraria do mundo dedicando-se inteiramente às práticas espirituais. Mas, meu Deus!

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muitos de nós tomamos boas resoluções, mas quantos são bem sucedidos? Decidimos que não
seremos levados pelas correntes de mundanismo e mostramos nossa força interior, nadando contra
aquelas correntes, dirigindo-nos para o porto seguro da praia da espiritualidade, e começamos
assim, a trabalhar nesse sentido. Mas quantos de nós salvam-se de serem apanhados no redemoinho,
chegando com sucesso, à praia? Narendranath foi o mais importante dos aspirantes de primeira
classe e recebeu a graça infinita do Mestre. Então o que dizer de sua resolução acima? Será que a
cumpriu quando teve de enfrentar problemas familiares não previstos? Ou viria a ser vítima dos
compromissos? Logo veremos como e por qual caminho Narendranath foi ajudado a atingir sua meta,
pelo poder infalível da vontade do Mestre.
4. Estávamos falando o que os devotos faziam para o serviço do Mestre, mas pergunta-se,
"Será que o Mestre agora dependia dos devotos para tudo, deixando de pensar por si? Será que
agora o Mestre estava indiferente, ele que, como vimos em Dakshineswar, tinha um olho arguto até
para os pequenos assuntos do dia a dia e para os problemas espirituais e mundanos de cada devoto, e
ao mesmo tempo tinha a experiência das verdades além dos Vedas e Vedanta? Não deveria ele fazer
algum esforço para guiá-los?" A questão é que ele dependia, como antes, somente da Mãe Divina - os
olhos dirigiam-se somente para Ela, para tudo de que necessitava e não, por intermédio das pessoas.
Qualquer serviço, pessoal e financeiro, que aceitava de cada devoto, já sabia de antemão que fora
autorizado pela Própria Mãe Divina para o bem deles. Quanto mais prosseguimos no relato da história
da vida do Mestre, mais este fato importante se tornará claro.
5. Também ele costumava mudar as medidas tomadas pêlos devotos, quando não estavam a
seu gosto, às vezes com seu conhecimento, às vezes sem esse conhecimento, quando sentia que seria
prejudicial para eles. Assim, um dia quando foi a Calcutá para tratamento, chamou Balaram e
disse-lhe: "Está me desagradando o fato das pessoas fazerem subscrição para comprar minhas
refeições diárias, porque jamais vivi dessa maneira. Você pode perguntar se isto acontecia no templo
de Kali em Dakshineswar. As autoridades administravam em conjunto os negócios do templo, apesar
de viverem separadamente. Sob tais circunstâncias, você pode argumentar que eu era sustentado
por eles, enquanto vivi no templo. Mas não foi assim, nem mesmo lá vivi dessa maneira. Ficou
combinado, desde o tempo da Rasmani, que o pagamento de sete rupias mensais que costumavam
me dar quando eu fazia o culto, deveria ser pago juntamente com o Prasad das divindades enquanto
vivesse lá. Pode-se dizer, portanto, que de uma certa forma eu vivia de pensão.1 (1 0 Mestre
pronunciava a palavra como 'pencil' (lápis em inglês).) Por favor pague pessoalmente as minhas despesas com
a comida, enquanto eu não estiver em Dakshineswar." Também, quando a chácara de Kasipur foi
alugada, veio a saber que o aluguel mensal era elevado (oito rupias) e ficou pensando como seus
devotos que tinham que manter famílias numerosas - muitos deles com muita dificuldade - poderiam
arcar com a despesa. Por fim chamou a seu lado o devoto Surendranath, superintendente da Dost
Company, e disse, "Surendra, são todos pequenos funcionários com salários baixos e com dificuldade
até para manter suas famílias. Será que podem levantar tanto dinheiro? Por conseguinte, pague você
mesmo o aluguel." De mãos postas Surendra concordou de boa vontade, dizendo, "Como o senhor
mandar." Um dia, o Mestre nos disse que, devido à sua fraqueza, era-lhe difícil sair para fazer suas
necessidades fisiológicas. O jovem devoto Latu2 (2 É agora conhecido no círculo dos devotos, como Swami
Adbhutananda. Nasceu no distrito de Chhapra. Embora compreendesse o bengali, havia muitas peculiaridades quando falava
aquela língua, que eram agradáveis de serem ouvidas como a linguagen de uma criança.) ficou muito penalizado
quando ouviu aquelas palavras. Fez o Mestre e todos nós sorrir, mesmo naquele estado de tristeza
quando, de mãos postas, disse num bengali imperfeito, "Senhor, aqui estou, seu varredor." Assim o
Mestre decidiu fazer um novo escalonamento das tarefas dos devotos.
6. Gradualmente foram tomadas medidas para todos os serviços e os jovens devotos, em
número superior ao necessário, chegaram um após o outro. Narendra mantinha-os ocupados em
meditação, práticas espirituais conversas sobre temas religiosos e debates sobre tópicos das
escrituras, de maneira que não sentiam os dias passarem, e assim absorvidos, todos ficaram felizes.
O amor puro, desinteressado do Mestre de um lado e o magnífico espírito de amizade de Narendra e
sua nobre companhia de outro, unia-os e ao mesmo tempo prendia-os de uma maneira tão doce e
terna, apesar de dura e inquebrável, de modo que eles realmente começaram a se considerar muito
mais intimamente aparentados do que com as pessoas da própria família, de modo que se um dia, um
deles, infelizmente, tivesse que ir para casa, devido a um negócio urgente, voltava invariavelmente
na mesma tarde ou na manhã seguinte. Apesar de não serem mais do que doze 3 (3 Vejamos seus nomes:
Narendra, Baburam, Yogindra, Latu, Tarak, irmão Gopal (o único senhor idoso entre os jovens devotos), Kali, Sasi, Sarat e Hutko ('o
que apareceu de repente'). Sarada só podia ficar um dia ou dois de vez em quando, devido à dura pressão do pai. Harish vinha por
alguns dias, voltava para casa e aí ficava com perturbação mental. Hari, Tulasi e Gangadhar praticavam Tapasya em casa e vinham
em intervalos. Além desses doze, dois outros juntaram-se a Mahimacharan Chakravarti pouco tempo depois e passaram a morar com
ele.) em número, todos permaneceram até o fim da vida mortal do Mestre e completaram o voto de

104
serviço, ao renunciar ao mundo. Amavam seu Guru de forma tão querida quanto as suas próprias
vidas e eram maravilhosamente competentes em todos os tipos de trabalho.
7. Alguns dias depois de chegar a Kasipur, o Mestre um dia desceu e caminhou por algum
tempo no passeio em torno da casa. Os devotos ficaram contentes ao vê-lo e tiveram a esperança
de que breve ele ficaria forte e recuperaria a saúde, se pudesse dar passeios diariamente. Mas ele
se sentiu fraco no dia seguinte, ou porque contraíra um resfriado por causa do ar frio do exterior ou
por qualquer outra razão e não poderia dar um passeio nos próximos dias. O resfriado foi naturalmente
curado em dois ou três dias, mas a fraqueza continuou. Os médicos, portanto, prescreveram-lhe uma
sopa especial, e ao tomá-la parou em poucos dias de sentir fraqueza e sentiu-se mais forte do que
antes. Esta melhora durou uns quinze dias e o Dr. Mahendralal também ficou muito contente, quando
veio visitá-lo nesse período.
Os jovens ajudantes tinham que ir a Calcutá diariamente para dar ao médico notícias sobre a
saúde do Mestre e receber instruções sobre a dieta. Estas duas tarefas ficaram inicialmente a cargo de
apenas uma pessoa, mas como isso ocasionou problemas, ficou decidido que dali para frente duas
pessoas iriam a Calcutá. Se fosse necessário ir a Calcutá por qualquer outra razão, seria designada uma
terceira pessoa. Além disso os jovens devotos começaram a trabalhar em turnos, para manter a casa
limpa, ir diariamente a Baranagar fazer compras no mercado, cuidar do Mestre dia e noite etc.
Narendranath cuidou da supervisão de cada ato deles e de fazer qualquer trabalho que surgisse
subitamente.
8. A Santa Mãe, como antes, era encarregada de preparar a dieta do Mestre. Quando era
prescrita uma comida especial, o médico ensinava a maneira de prepará-la. Um ou dois devotos,
como o irmão Gopal, com quem ela não observava o purdah e falava com liberdade, explicava-lhe o
modo de fazer. Além de preparar a dieta, a Santa Mãe continuava a levar a comida para o Mestre
duas vezes por dia, uma antes do meio-dia e a outra pouco depois do pôr-do-sol. Ficava esperando
no quarto até que o Mestre terminasse de comer, quando levava de volta os copos e pratos. Lakshmi
Devi, sobrinha do Mestre, veio a Kasipur para ajudar a Santa Mãe na cozinha e em outras tarefas, além
de servir de companhia. Além disso, devotas que muitas vezes visitaram o Mestre em Dakshineswar
vinham em intervalos e ficavam com a Santa Mãe por algumas horas e às vezes, por um dia ou dois.
Assim numa semana tudo começou a andar tranqüilamente.
9. Os devotos chefes de família não estavam livres de preocupações. Reuniam-se na casa
de Ram ou Girish para decidirem sobre o serviço, pessoal ou financeiro, que poderiam prestar a
seu querido Mestre. Sabiam que não podiam despender tempo ou dinheiro de maneira idêntica
todos os meses; por isso tinham de se encontrar uma ou duas vezes por mês para planejarem com
antecedência.
10. Quando tudo começou a ficar em ordem, a maioria dos jovens devotos só pôde ir em casa
por pouco tempo. Aqueles que não podiam deixar de ir voltavam após algumas horas, ou enviavam
um recado para casa, dizendo que não poderiam ir regularmente até que o Mestre recobrasse a
saúde. É óbvio que, ao saber deste fato, nenhum responsável aprovou. Mas o que poderiam fazer?
A cabeça dos rapazes estava afetada, diziam. Imaginaram que aconteceria mais mal do que bem, se
tentassem interferir diretamente. Portanto permitiram que os jovens seguissem seu caminho, mas
tentando o tempo todo conquistá-los lentamente, através de pressão indireta e persuasão. Quando os
devotos chefes de família e Brahmacharis se uniram de coração e com determinação no grande voto
de serviço ao Mestre, tudo começou a caminhar tranquilamente, como uma máquina. Narendranath
estava calmo. Tendo agora tempo para pensar em seus negócios, decidiu ir em casa por um ou dois
dias. À noite colocou-nos a par e foi para a cama, mas não pôde dormir. Logo levantou-se. Vendo
Gopal e um ou dois outros acordados, disse: "Venham, vamos dar uma volta no jardim e fumar."
Enquanto caminhava disse: "O Mestre está sofrendo de uma doença terrível. Quem pode dizer que
ele não decidiu abandonar o corpo? Enquanto houver tempo, vamos nos dedicar ao máximo a seu
serviço, meditação e práticas devocionais. Caso contrário, quando ele partir, não haverá limite para
nosso arrependimento. Chamar Deus somente depois que os desejos sejam satisfeitos! É assim que
nossos dias passam e estamos cada vez mais enredados na rede dos desejos. São estes desejos
que nos levam à destruição e morte. Vamos abandoná-los sim, vamos desistir de todos eles."
11. A noite de inverno do mês de Paush (dez./jan.) estava indo embora em completo
silêncio. O azul infinito em cima olhava fixamente para a terra com cem mil olhos estrelados. A
terra debaixo das árvores que estava agora seca devido aos poderosos raios do sol, era limpa e
boa para se sentar. A mente de Narendra, inclinada ao desapego e acostumada à meditação,
sentiu dentro de si, que um silêncio externo fundia-se. Ao invés de continuar andando, sentou-se
debaixo de uma árvore. Logo depois viu uma pilha de capim seco e galhos de árvore quebrados e
disse, "Ponham fogo neles. Os homens santos acendem suas Dhunis nesta época. Vamos

105
também acender uma Dhuni e queimar nossos desejos nela." Uma fogueira foi acesa.
Espalhamos pilhas de combustível seco em todos os lados e as oferecemos como oblações ao
fogo, pensando todo o tempo que estávamos oferecendo os nossos desejos como oblações e
sentimos uma felicidade maravilhosa. Sentíamos como se nossos desejos mundanos tivessem
sido queimados e nossas mentes ficaram puras e serenas e que estávamos nos aproximando
de Deus. Pensamos, "Por que não fizemos isto antes? Deu-nos tanta felicidade!" Decidimos
acender essas Dhunis sempre que tivéssemos oportunidade Depois de passadas duas ou três
horas, quando não havia mais fogo, apagamos a fogueiras, voltamos para casa e fomos dormir.
Já havia passado das quatro da manhã. Aqueles que não puderam juntar-se a nós para acender
a Dhuni ficaram tristes quando acordaram na madrugada e souberem do ocorrido. Ficaram
magoados porque não foram convidados. Narendranath disse, consolando-os, "Nada foi
planejado quem poderia saber de antemão que seria uma experiência tão feliz? De agora em
diante vamos nos reunir e acender uma Dhuni sempre que pudermos. Não nos preocupemos
com isso."
Narendra foi para Calcutá de manhã, como combinado, e voltou a Kasipur no dia seguinte com
alguns livros de Direito na mão.

CAPÍTULO XIII - SEÇÃO 3

O MESTRE REVELA-SE E CONCEDE LIBERAÇÃO DO MEDO


ASSUNTOS: 1. O Mestre sentiu-se um pouco melhor com o tratamento do Dr. Rajendra. 2. O Mestre revela-se e
abençoa os discípulos. 3. Será que o Mestre agiu como a árvore que satisfaz todos os desejos? 4. Quem estava
presente quando ele se revelou? 5. Vaikunthanath importunou o Mestre para ter experiências espirituais. 6.
Como ele se sentiu ao toque do Mestre. 7. Sem a devida preparação as elevadas experiências espirituais não
podem ser mantidas.

1. Um dia o Mestre saiu do quarto e caminhou no jardim durante algum tempo. Sentindo-se
fraco, durante uns quinze dias, não se aventurou a repetir o passeio. Apesar de não ter havido
qualquer alteração no tratamento, houve uma mudança de médico. Rajendranath Datta, nascido
na família do rico e renomado Akrur Datta de Bowbazar, Calcutá, trabalhou e gastou muito dinheiro
com o prolongado e profundo estudo da homeopatia e sua difusão na cidade. Em contato com ele, o
conhecido médico Dr. Mahendralal Sarkar ficou convencido da eficácia e eficiência da homeopatia,
adotando aquele tratamento em sua clínica. Rajendra Babu ouvira a respeito da doença do Mestre.
Sabia que se pudesse curá-lo, a reputação da homeopatia se firmaria entre muitos e por isso
escolheu um remédio depois de muito estudo e reflexão. Era amigo de Atui, irmão mais novo de
Girish. Conheceu Atui nessa época e perguntou-lhe sobre a doença do Mestre. Mostrou sua
intenção de tratá-lo e disse: "Por favor diga a Mahendra que escolhi um remédio, depois de muito
estudar o caso. Espero alcançar bons resultados com ele. Gostaria de tentar uma vez, se ele estiver
de acordo." Atui levou a sugestão aos devotos e ao Dr. Mahendralal Sarkar, e como ninguém
fizesse objeção, Rajendra Babu foi visitar o médico, uns dias depois. Após ouvir a descrição da
doença desde o começo, administrou Lycopodium (200). O Mestre melhorou muito durante mais
ou menos uns quinze dias. Os devotos pensaram que em breve ele voltaria a ficar forte e saudável
como antes.
2. Metade do mês de Paush (dez./jan.) passou e chegou o 1° de janeiro de 1886. Como o
Mestre sentia-se um pouco melhor naquele dia, quis sair do quarto e caminhar um pouco no jardim.
Era feriado e, pouco depois do meio dia, os devotos chefes de família vieram sozinhos ou em grupos.
Assim, quando o Mestre desceu, às três da tarde, mais de trinta pessoas conversavam no jardim de
baixo das árvores, ou dentro de casa. Logo que o viram, levantaram-se em respeito e inclinaram-se.
Desceu à calçada do jardim pela porta oeste do vestíbulo do andar térreo e lentamente em direção ao
portão sul, seguido por todos mantendo certa distância. Ao chegar no meio do caminho que conduzia ao
portão, viu Girish, Ram, Atui e outros, sentados debaixo das árvores a oeste do caminho, que
também o viram, saudaram-no e vieram até ele.
Antes que alguém dissesse uma palavra, o Mestre subitamente dirigiu-se a Girish e disse,
"Girish, sei que diz para todo o mundo em todos os lugares tantas coisas a respeito 'deste', que sou
uma Encarnação de Deus. O que viu e compreendeu sobre mim que o faz agir assim?" Girish
permaneceu completamente imóvel, as mãos postas e o rosto voltado para cima e ajoelhando-se
perto dos pés do Mestre, disse com a voz embargada, "O que mais posso dizer dele, cuja grandeza
Vyasa e Valmiki não puderam encontrar palavras para expressar?" O Mestre ficou encantado com as

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ardentes palavras de Girish e abençoando todos os devotos presentes, através de seu representante
Girish, disse, "O que mais direi a vocês? Que todos sejam abençoados com o despertar espiritual."
Fora de si de amor e compaixão pêlos devotos e mal acabara de pronunciar aquelas poucas
palavras, entrou em Bhavasamadhi. Aquelas palavras de benção profunda, intocadas pelo mais
leve traço de egoísmo, imediatamente entraram no coração dos devotos, criando elevadas ondas de
felicidade. Esqueceram-se do tempo e espaço, da doença do Mestre, da previa determinação de não
tocá-lo até que ele se recuperasse, somente ficando consciente de que um extraordinário Ser divino,
por simpatia a eles em sua dor, sentindo uma dor cruciante com a miséria deles e transbordando
compaixão, descera do céu e os chamara afetuosamente para que Ele concedesse proteção, como
uma mãe protegendo seus filhos contra todos os males, cobrindo-os amorosamente com a parte
superior de seu sari. Ficaram ansiosos para inclinarem-se ante ele e tomar a poeira de seus pés.
Enchendo os quarteirões com gritos de "Salve Ramakrishna!", um após o outro começaram a
saudá-lo. Enquanto se inclinavam profundamente ante ele, o mar da compaixão do Mestre,
transcendeu todos os limites e ocasionou um estranho fenômeno. Víamos quase diariamente o Mestre
em Dakshineswar perdendo-se em graça e compaixão por alguns devotos e, em estado semi-
consciente, abençoando-os com seu toque extraordinário. Agora começou a tocar cada um dos
devotos reunidos naquele dia naquele estado divino. A alegria dos devotos não conheceu limites ante
aquele gesto do Mestre. Sentiram que daí em diante não poderiam mais esconder sua divindade tanto
entre si como de qualquer outra pessoa e, contudo, conhecendo sua incapacidade, seus próprios
defeitos, seu desamparo espiritual, não tinham a menor dúvida que todos igualmente, tanto o pecador
como o aflito, encontrariam refugio a seus pés e cujo toque dissiparia para sempre qualquer medo.
Incapazes de pronunciar uma simples palavra devido a tão maravilhoso acontecimento, alguns
apenas olhavam fixamente para ele como se estivessem sob a magia de um Mantra, alguns o
chamavam em voz alta e todos os que estavam dentro de casa vieram para ser abençoados com a
graça do Mestre, enquanto outros apanhavam flores e o adoravam com elas, cantando Mantras. Logo o
êxtase do Mestre terminou e os devotos também voltaram ao estado normal de consciência.
Terminado o passeio pelo jardim, voltou para casa e sentou-se no quarto.
3. Alguns devotos, como Ramchandra, descreveram o acontecimento daquele dia como a
transformação do Mestre na própria árvore que realiza todos os desejos (Kalpataru), mas parece-
nos mais razoável, chamá-la "auto revelação do Mestre" ou "o Mestre ao se revelar, concede liberação
do medo para todos os devotos". A Kalpataru, dizem, dá a todos o que pedirem de bom ou mal. Mas o
Mestre fez mais do que isso, e tornou claro por aquele acontecimento, o fato de ser um homem-Deus
e de ter concedido sem a menor discriminação, proteção contra o medo e sua liberação para todos,
sem a menor discriminação. De todas as pessoas abençoadas com aquela graça naquele dia,
Haranchandra Das é digno de ser particularmente mencionado porque, assim que se inclinou, o
Mestre em êxtase, colocou seu pé de lótus na cabeça dele. Somente em algumas ocasiões o vimos
abençoar assim1. (1 Haranchandra de Belliaghata trabalhava no escritório da Cia. Finley Mayor. Nos Últimos anos de vida celebrou
um festival em memória da graça que o Mestre concedeu-lhe naquela ocasião.) Ramlal Chattopadhyaya
também estava presente e recebeu a graça do Mestre. Perguntado sobre esse fato, disse, "Antes
só podia ver parte da sagrada Pessoa de meu Ideal Escolhido, com os olhos da mente, por ocasião
da meditação - quando via os pés de lótus, não podia ver o rosto; assim também, eu via a Pessoa, do
rosto até a cintura, mas não podia ver os pés sagrados, mas o Mestre, ao me tocar naquele dia, a
forma de meu Ideal Escolhido subitamente subiu da cabeça aos pés, no lótus do meu coração,
mexia-se e parecia benigno e brilhante."
4. Lembramos os nomes de apenas nove ou dez pessoas presentes: Girish, Atui, Ram,
Navagopal, Haramohan, Vaikuntha, Kishori (Ray), Haran, Ramlal e Akshay. Mahendranath
(escritor do Evangelho de Sri Ramakrishna) talvez também estivessem presente. É de se
admirar, contudo, que nenhum dos futuros devotos Sannyasins do Mestre não estivessem
presentes naquele dia. Narendranath e outros do grupo, na noite anterior, estiveram ocupados
durante muitas horas fazendo sua prática espiritual, além do serviço do Mestre e, sentindo-se
cansados, dormiam dentro da casa. Embora Latu e Sarat estivessem acordados e vissem o que
ocorria do terraço do primeiro andar até o quarto do Mestre, deixaram de ir lá. Logo que o Mestre
desceu para dar um passeio no jardim, puseram suas roupas e seus lençóis ao sol e começaram a
limpar o aposento. Pensando que poderia ser inconveniente para o Mestre, se deixassem o traba-
lho feito pela metade, não tiveram vontade de descer.
5. Perguntamos a outros, inclusive a Yaikunthanath sobre suas experiências naquele dia.
Vaikuntha conheceu o Mestre mais ou menos na mesma época que nós. O Mestre tornou sua vida
cheia de felicidade ao iniciá-lo num Mantra. Vaikuntha, desde então dedicou-se à Sadhana e deu o
melhor de si para ter a visão do Ideal Escolhido. Sabendo que não seria bem sucedido sem a graça

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do Mestre, de vez em quando orava com tristeza por ela, especialmente quando o Mestre ficou
fisicamente doente e foi para Calcutá e depois, para Kasipur. Também nesse período, duas ou três
vezes, Vaikuntha teve oportunidade de implorar para a realização dos desejos de seu coração. O Mestre
graciosamente sorriu, confortou-o e disse, "Por que não espera? Deixe que a doença do corpo melhore
um pouco e farei tudo por você."
6. Vaikuntha estava presente nesse dia. Assim que o Mestre abençoou dois ou três dos
devotos com seu toque poderoso, aproximou-se e inclinou-se com devoção, dizendo, "Senhor, por-
favor conceda-me sua graça!" O Mestre disse, "Mas lhe foi dado tudo." "Quando o senhor falou",
disse Vaikuntha, "que tudo foi dado, certamente é assim; mas por favor faça-o, para que eu
também possa compreender." Dizendo, "Que assim seja", o Mestre tocou seu queixo somente por um
momento, na forma usual. "Mas", disse Vaikuntha, "como resultado, uma grande revolução ocorreu em
minha mente. Vi a figura do Mestre iluminada, com um sorriso, no céu, nas casas, árvores, plantas,
homens e em tudo mais para onde eu olhava. Não sabia conter a alegria dentro de mim, e vendo
vocês dois, Sarat e Latu, no terraço, gritei, dizendo, 'Ó vocês! Onde quer que estejam, venham sem
demora!' Aquela minha atitude mental e a visão continuaram ainda por alguns dias no estado de
vigília. Fiquei admirado e encantado com a visão santificada do Mestre, que persistia onde quer que
eu fosse, ao escritório ou qualquer outro lugar de trabalho.
7. "Eu não podia atender ao trabalho. Vendo que meu serviço estava sendo prejudicado,
esforcei-me para esquecer aquela visão durante algum tempo, mas não consegui. Então
compreendi um pouco porque Arjuna teve medo de ver a forma universal do Senhor e orei para que
Ele a retirasse. Lembrei-me da assertiva das escrituras de que as almas liberadas sempre
permanecem no mesmo estado elevado. Somente depois dessa experiência pude compreender
quão grande deve ser a falta de desejos que a mente deve desenvolver para ser capaz de
permanecer naquele elevado estado. Mal se passaram alguns dias quando senti dificuldade em ter a
mesma atitude mental e a mesma visão. Às vezes me ocorria: 'Será que estou ficando maluco?'
Então com medo, novamente orava ao Mestre, 'Ó senhor, não posso impedir esse estado mental; por
favor, ordene que ele passe.' Agora penso, 'Amaldiçoada seja a fraqueza humana e estupidez! Por
que oro assim? Por que não mantenho a fé nele? E por que não espero pacientemente para ver seus
últimos desdobramentos? No máximo devo ter enlouquecido ou o corpo deve ter caído.' Logo que
assim orei, a visão e o estado mental desapareceram. Penso que foram retirados pelo mesmo Ser
extraordinário de quem eu os havia obtido. Mas Ele, misericordiosamente, preservou uma capacidade
parcial da mente para retomá-los, talvez porque eu não houvesse orado para sua completa retirada.
Senti-me abençoado e maravilhado com o súbito aparecimento todos os dias dessa visão - a visão da
figura do Mestre tornada brilhante pelo estado divino."

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SWAMI SARADANANDA (1865-1927), o autor, foi um discípulo direto, monástico de Sri
Ramakrishna. Passou a juventude sob a orientação espiritual do Grande Mestre, na prática da
meditação e Samadhi e em viagens aos lugares santos de peregrinação e de retiro nas
montanhas. Foi também um erudito do conhecimento oriental e ocidental, tendo viajado
muito como pregador de Vedanta no oriente e ocidente, como também juntou vasta
experiência no trabalho administrativo e de organização durante toda a vida como Secretário
do Ramakrishna Math and Mission. Foi um dos organizadores pioneiros e dos mais respeitados
seniors da Ordem Ramakrishna de Monges, e também, um eminente homem de luz e
conhecimento na Índia de seu tempo.
Seu trabalho, intitulado Sri Ramakrishna Leelaprasanga, originalmente escrito em
bengali teve o nome em inglês de Sri Ramakrishna, the Great Master, a maior fonte de
informação sobre a vida e ensinamentos do Mestre. Devido às suas qualificações literárias,
aos seus dotes espirituais, aos seus contatos pessoais íntimos com o Mestre, com pessoas
ligadas a ele e à sua paciente e árdua busca sobre o assunto, era eminentemente capacitado
para revelar ao mundo a vida e ensinamentos do Grande Mestre. Podem aparecer alguns
elementos com indícios de milagre no trabalho, mas Swami Saradananda afirma que foram
relatados como informação obtida de autoridades confiáveis depois de submetê-los à análise
crítica.
O livro é ímpar na literatura biográfica pois oferece um registro cronológico
exaustivo da vida do Grande Mestre, um estudo de seus estados mentais, de suas
experiências espirituais e do fundo psicológico e filosófico sobre o qual esses acontecimentos
de sua vida interior devem ser visualizados e compreendidos. É um relato muito rico e
valioso dos acontecimentos do espírito como ocorreram na vida de um ser humilde em seu
status social e no seu lugar na sociedade, mas que se elevou à vanguarda dos grandes
homens do mundo moderno, simplesmente por suas conquistas no campo espiritual.

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