Você está na página 1de 546

ftd-pnld2018-his-sc-2 (2017-09-15 07:44:00) - MD5:538B2A89EB09E731CA1F2FD5E95A2B7F

Sistema Atlas - conversor DOCX linearizado PNLD2018 - Copyright © 2017 Editorial 5

História sociedade & cidadania, 2º ano


Alfredo Boulos Jú nior
FTD

Pá gina 1

História
Sociedade & Cidadania

2
ENSINO MÉ DIO

COMPONENTE CURRICULAR

HISTÓRIA

Alfredo Boulos Júnior


Doutor em Educaçã o (á rea de concentraçã o: Histó ria da Educaçã o) pela Pontifícia Universidade
Cató lica de Sã o Paulo. Mestre em Ciências (á rea de concentraçã o: Histó ria Social) pela Universidade
de Sã o Paulo. Lecionou na rede pú blica e particular e em cursinhos pré-vestibulares. É autor de
coleçõ es paradidá ticas. Assessorou a Diretoria Técnica da Fundaçã o para o Desenvolvimento da
Educaçã o – Sã o Paulo.

2ª ediçã o
Sã o Paulo – 2016

FTD

MANUAL DO PROFESSOR

Pá gina 2
FTD

Copyright © Alfredo Boulos Jú nior, 2016

Diretor editorial Lauri Cericato

Gerente editorial Flá via Renata P. A. Fugita

Editores assistentes Joã o Carlos Ribeiro Jr., Maiza Garcia Barrientos Agunzi

Assistente editorial Carolina Bussolaro

Assessoria Juliana Marques Morais, Leslie Sandes, Sué len Rocha M. Marques

Gerente de produção editorial Mariana Milani

Coordenadora de arte Daniela Maximo

Projeto gráfico Juliana Carvalho

Projeto de capa Bruno Attili

Foto de capa Gerson Gerloff/Pulsar

Editor de arte Felipe Borba

Diagramação Anderson Sunakozawa, Carolina Ferreira, Dayane Martins, Dé bora Jó ia, Claritas Comunicaçã o, Helena Mariko,
Ponto Inicial

Tratamento de imagens Eziquiel Racheti

Ilustrações e cartografia
Ilustradores: Alex Argozino, Getulio Delphim, Ilustra Cartoon, Luis Moura, Manzi, Má rio Pita, Mozart Couto, Rmatias, Roberto
Melo
Cartografia: Alexandre Bueno, Carlos Vespucio, Renato Bassani

Coordenadora de preparação e revisão Lilian Semenichin

Supervisora de preparação e revisão Viviam Moreira

Revisão Aline Araú jo, Carina de Luca, Claudia Anazawa, Felipe Bio, Fernando Cardoso, Lívia Perran, Lucila Segó via, Marcella
Arruda, Pedro Fandi, Sô nia Cervantes, Veridiana Maenaka

Coordenador de iconografia e licenciamento de textos Expedito Arantes

Supervisora de licenciamento de textos Elaine Bueno

Iconografia Daniel Cymbalista, Graciela Naliati

Diretor de operações e produção gráfica Reginaldo Soares Damasceno

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Boulos Jú nior, Alfredo
Histó ria sociedade & cidadania, 2º ano / Alfredo Boulos Jú nior. — 2. ed. — Sã o Paulo : FTD, 2016. — (Coleçã o histó ria
sociedade & cidadania)
Componente curricular: Histó ria
ISBN 978-85-96-00354-4 (aluno)
ISBN 978-85-96-00355-1 (professor)
1. Histó ria (Ensino mé dio) I. Título. II. Sé rie.
16-03477
CDD-907
Índices para catálogo sistemático: 1. Histó ria : Ensino mé dio 907
Aspecto de uma apresentaçã o do grupo Jongo de Piquete (SP), em 2007. O Jongo é uma manifestaçã o cultural de raiz banto que se
desenvolveu durante a expansã o da cafeicultura pelo Vale do Paraíba, no interior paulista. Ele inclui canto, dança e percussã o de
tambores. Em 2005, foi registrado pelo Instituto do Patrimô nio Histó rico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimô nio Imaterial do
Brasil.

Reproduçã o proibida: Art. 184 do Có digo Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Todos os direitos reservados à


EDITORA FTD S.A.
Rua Rui Barbosa, 156 – Bela Vista – Sã o Paulo-SP
CEP 01326-010 – Tel. (0-XX-11) 3598-6000
Caixa Postal 65149 – CEP da Caixa Postal 01390-970
www.ftd.com.br
E-mail: central.atendimento@ftd.com.br

Em respeito ao meio ambiente, as folhas deste livro foram produzidas com fibras obtidas de á rvores de florestas plantadas, com origem certificada.

Impresso no Parque Grá fico da Editora FTD S.A.


CNPJ 61.186.490/0016-33
Avenida Antonio Bardella, 300
Guarulhos-SP – CEP 07220-020
Tel. (11) 3545-8600 e Fax (11) 2412-5375

Pá gina 3

APRESENTAÇÃO
Caro(a) aluno(a),

Um dia desses coloquei-me no seu lugar e fiquei pensando em como você iria se sentir
no primeiro contato com este livro de Histó ria.

Imaginei, entã o, algumas perguntas que você faria: “Será que esse livro é chato?”; “Será
que é bacana?”; “Será que vou começar a gostar de Histó ria?”; “Será que vou continuar
gostando de Histó ria?”; “Será que tem o que eu preciso aprender para passar no Enem
e/ou Vestibular?” Isto sem contar aquelas perguntas de sempre, que alguns
certamente farã o: “mas para que serve a Histó ria?”; “Pra que eu tenho de saber ‘o que
já passou’?”.

Olha, vamos imaginar que você esteja debatendo com os seus colegas sobre um
assunto do seu gosto, seja qual for: amor, saú de, esporte, viagem, festa, um show que
vai estrear, ou outro assunto qualquer. Pois bem, se você quiser compreender melhor
qualquer um desses assuntos (e argumentar com mais segurança) é só lembrar que
todos eles possuem uma histó ria, que faz parte de outras tantas histó rias, passadas e
presentes. Ou seja, a Histó ria lhe dá o privilégio de debater qualquer assunto em uma
perspectiva temporal; e isto a distingue das demais disciplinas.

Aprender a pensar historicamente vai ajudá -lo(a) a se compreender melhor, a


entender o seu meio social e o mundo em que você vive. Vai ajudá -lo(a) também a
perceber as mudanças em um mundo em que elas ocorrem numa velocidade jamais
imaginada; e, ao mesmo tempo, a captar aquilo que continua parecido ao que era no
tempo em que nossos avó s eram crianças. Assim, aos poucos, você vai ganhar
condiçõ es de enfrentar esse mundo ligado em rede, no qual, e por isso mesmo, temos
de estar o tempo todo “conectados”.

Em resumo: a Histó ria vai ajudá -lo a compreender em vez (ou antes) de julgar.

Mas, entã o, eu devo estudar Histó ria somente porque ela é ú til?

Também; mas nã o só . O estudo da Histó ria nos permite ainda conhecer a aventura
humana sobre a Terra. E isto é uma fonte de prazer.

Bem, já falei demais para uma apresentaçã o (nó s, professores, geralmente nos
entusiasmamos quando temos a palavra).

Agora eu quero convidá -lo a folhear e, depois, a ler o livro que fizemos com carinho e
para você!

O Autor

Pá gina 4

COMO ESTÁ ORGANIZADO SEU LIVRO?


ABERTURA DE UNIDADE

Cada unidade é iniciada com uma abertura em pá gina dupla. Nessas aberturas sã o apresentados, por meio de
imagens e textos, os temas que serã o trabalhados.

ABERTURA DE CAPÍTULO

As aberturas dos capítulos propõ em a discussã o dos temas que serã o trabalhados nas pá ginas seguintes.
GLOSSÁRIO

Explicaçã o de um termo-chave ou conceito.

DIALOGANDO

Desafios propostos ao longo do texto para discutir imagens, grá ficos, tabelas e textos.

PARA REFLETIR

Uma seçã o que traz textos estimulantes sobre os conteú dos estudados e propõ e a discussã o sobre esses temas.

PARA SABER MAIS

Um quadro que apresenta informaçõ es extras sobre os conteú dos dos capítulos trabalhados.

Pá gina 5
ATIVIDADES
Retomando

Questõ es variadas sobre os conteú dos dos capítulos para serem realizadas individualmente ou em grupo. Uma forma
de rever aquilo que foi estudado.

Leitura e escrita em História

» Leitura de imagem

Seçã o que permite o estudo de imagens relacionadas aos temas dos capítulos.

»Leitura e escrita de textos

Interpretaçã o de diferentes gêneros textuais. Para completar o estudo dos temas, sã o propostas atividades de
pesquisa ou escrita de um texto.

Integrando com...

Nesta seçã o, a Histó ria e outras á reas do conhecimento se encontram, o que permite ampliar ou complementar o que
foi visto no capítulo.

» Cruzando fontes

Uma seçã o que permitirá a você se aproximar do trabalho de um historiador, por meio da aná lise e da comparaçã o de
diferentes fontes.
Você cidadão!

Reflexã o sobre temas como meio ambiente, ética e solidariedade. As atividades visam estimular o exercício da
cidadania. Esta seçã o encerra o estudo da unidade.

Pá gina 6

SUMÁRIO
UNIDADE 1 NÓ S E OS OUTROS: A QUESTÃ O DO
ETNOCENTRISMO 10
Capítulo 1 – América indígena 12
Povos americanos 13
Os astecas 13
A sociedade asteca 14
Os maias 15
As cidades-Estado maias 16
Sociedade, economia e arte 17
Os incas 18
Economia inca 19
O ayllu e a mita 20
A sociedade incaica 20
Indígenas nas terras onde hoje é o Brasil 22
Diferenças entre os indígenas 22
As línguas indígenas 23
As artes indígenas 24
Semelhanças entre os indígenas 24
Encontro e desencontro: os portugueses e os tupiniquins 25
Demografia e terra 26
Problemas dos indígenas hoje 27
As lutas dos povos indígenas 27
Atividades 29
I. Retomando 29
II. Leitura e escrita em Histó ria 31

Capítulo 2 – Colonizações: espanhóis e ingleses na América 32


A Conquista 33
A conquista das terras astecas 33
A conquista das terras incas 34
As razõ es da conquista: um novo olhar 36
A economia colonial 38
O trabalho forçado dos ameríndios 38
A mineraçã o 39
A agropecuá ria 40
Manufatura, artesanato e mercado interno 41
O controle sobre o comércio colonial 41
A administraçã o colonial 42
A sociedade colonial 43
A ocupaçã o da América inglesa 43
Os primeiros colonos 44
As Treze Colô nias 46
As colô nias do Centro-Norte 47
As colô nias do Sul 48
A organizaçã o política das Treze Colô nias 48
Atividades 49
I. Retomando 49
II. Leitura e escrita em Histó ria 51

Capítulo 3 – A América portuguesa e a presença holandesa 52


Do escambo à colonizaçã o 53
Administraçã o colonial 54
As capitanias hereditá rias 54
O Governo-Geral 55
Câ maras Municipais 58
A economia colonial 59
O produto 59
O capital 59
A mã o de obra 60
Diversificaçã o agrícola: fumo, aguardente, pecuá ria, algodã o e cacau 61
Sociedades coloniais 63
A sociedade colonial açucareira 63
Os trabalhadores assalariados 65
Holandeses no Nordeste 66
Os holandeses conquistam a independência 66
A guerra pelo açú car e pelo trá fico atlâ ntico 67
Invasã o da Bahia 67
Invasã o de Pernambuco 68
O governo de Nassau 68
A Restauraçã o em Portugal 70
A luta contra os holandeses 70
Os holandeses nas Antilhas 71
A Guerra dos Mascates 71
Atividades 72
I. Retomando 72
II. Leitura e escrita em Histó ria 74
III. Você cidadã o! 75
Renato Soares/Pulsar Imagens

Palê Zuppani/Pulsar

Renato Soares/ Pulsar Imagens

Pá gina 7

UNIDADE 2 DIVERSIDADE E PLURALISMO CULTURAL 76

Capítulo 4 – Africanos no Brasil: dominação e resistência 78


O início da roedura 80
Guerra e escravidã o 80
A travessia 82
A dança dos nú meros 82
O trabalho escravo 84
A violência 85
A resistência 85
Os quilombos 86
Atividades 90
I. Retomando 90
II. Leitura e escrita em Histó ria 92
III. Integrando com Língua Portuguesa 93

Capítulo 5 – Expansão e ouro na América portuguesa 94


Os soldados 95
Os jesuítas 96
A Revolta de Beckman 97
Os bandeirantes 98
Sã o Paulo, capital bandeirante 98
As bandeiras 99
A caça ao indígena 99
O sertanismo de contrato 101
A busca de ouro e de diamantes 101
Diamantes: descoberta e controle 104
Os caminhos do ouro e dos diamantes 106
Mudanças no territó rio colonial 107
A sociedade do ouro 108
Os potentados 108
As camadas médias 108
Os escravizados 109
Os homens livres pobres 109
A pecuá ria colonial 110
O gado no Sul 111
As novas fronteiras 112
Atividades 114
I. Retomando 114
II. Leitura e escrita em Histó ria 116

Capítulo 6 – A Revolução Inglesa e a Industrial 117


O processo revolucioná rio inglês 118
Mudanças na sociedade inglesa 118
O absolutismo dos Stuart 119
Revoluçã o Puritana 120
A Repú blica de Cromwell 122
A restauraçã o da monarquia 123
A Revoluçã o Gloriosa 123
A Revoluçã o Industrial 125
Por que a Inglaterra foi a primeira a se industrializar? 125
Má quinas industriais e sistema fabril 125
A vida dos trabalhadores no interior das fábricas 128
A vida dos trabalhadores fora das fá bricas 129
Os trabalhadores vã o à luta 129
Atividades 131
I. Retomando 131
II. Leitura e escrita em Histó ria 133
III. Integrando com Biologia 134
IV. Você cidadã o! 135

Bertrand Gardel/Hemis/ Alamy/Glow Images

Pá gina 8

UNIDADE 3 CIDADANIA: PASSADO E PRESENTE 136


Capítulo 7 – O Iluminismo e a formação dos Estados Unidos 138
A Ilustraçã o 139
Progresso, otimismo e ciência 139
Pensadores iluministas 140
Voltaire e a liberdade de pensamento 140
Montesquieu e a teoria dos três poderes 141
Rousseau e a vontade geral 141
A Enciclopédia 142
Iluminismo e economia 143
Adam Smith e o liberalismo econô mico 144
O despotismo esclarecido 144
As relaçõ es entre a Inglaterra e as Treze Colô nias da América do Norte 146
O movimento de independência 148
A guerra pela independência 150
Os primeiros anos dos Estados Unidos 150
Repercussõ es da independência 151
Atividades 153
I. Retomando 153
II. Leitura e escrita em Histó ria 155

Capítulo 8 – A Revolução Francesa e a Era Napoleônica 156


O Antigo Regime na França 157
A sociedade 157
A economia e a política 158
A Revoluçã o em marcha 160
A Assembleia Nacional Constituinte 160
A monarquia constitucional 162
A Convençã o Nacional 162
O governo jacobino 163
O Diretó rio 164
O significado da Revoluçã o Francesa 165
O governo de Napoleã o 165
O expansionismo bonapartista 167
A resistência ao militarismo bonapartista 169
O Congresso de Viena e o princípio da legitimidade 171
Atividades 173
I. Retomando 173
II. Leitura e escrita em Histó ria 175

Capítulo 9 – Independências: Haiti e América espanhola 176


As sociedades hispano-americanas 177
As lutas sociais na América 178
A Revolta de Tú pac Amaru 178
A Revolta dos Comuneros 179
O caso do Haiti: América francesa 180
A crise nos domínios espanhó is da América...181
As tropas de Napoleã o invadem a Espanha 183
As guerras da independência na América 184
San Martín e Bolívar 184
O caso do México 187
Independências e fragmentaçã o 188
Atividades 190
I. Retomando 190
II. Leitura e escrita em Histó ria 192

Capítulo 10 – Emancipação política do Brasil 194


A administraçã o de Pombal 195
Revoltas na Colô nia 196
A Conjuraçã o Mineira 196
A Conjuraçã o Baiana 198
A família real no Brasil e a interiorizaçã o da metró pole 200
A abertura dos portos brasileiros e seus desdobramentos 201
Administraçã o joanina 201
O Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarve 202
A Insurreiçã o Pernambucana 203
A Revoluçã o do Porto e o Brasil 204
A regência de Dom Pedro 206
A ruptura com Portugal 207
Atividades 208
I. Retomando 208
II. Leitura e escrita em Histó ria 210

Capítulo 11 – O reinado de Dom Pedro I: uma cidadania limitada 211


As lutas pela independência 212
O reconhecimento da independência 214
A formaçã o do Estado brasileiro 215
A Constituiçã o do Império 216
A Confederaçã o do Equador 218
Dom Pedro perde apoio e popularidade 220
Oposiçã o na Câ mara e na imprensa 221
Atividades 223
I. Retomando 223
II. Leitura e escrita em Histó ria 224
III. Você cidadã o! 225

Marco Ugarte/AP Photo/Glow Images

Pá gina 9

UNIDADE 4 TERRA E LIBERDADE 226

Capítulo 12 – Regências: a unidade ameaçada 228


O avanço liberal 229
O Ato Adicional de 1834 230
As rebeliõ es nas províncias 233
A Cabanagem 233
A Guerra dos Farrapos 234
A Revolta dos Malês 238
A Sabinada 239
A Balaiada 240
Atividades 242
I. Retomando 242
II. Integrando com Língua Portuguesa 243

Capítulo 13 – Modernização, mão de obra e guerra no Segundo Reinado 245


O golpe da maioridade 246
Eleiçõ es: violência e fraude 246
As revoltas liberais de 1842 247
A Rebeliã o Praieira 247
O poder do monarca no Império Brasileiro 248
Os partidos do Império: diferenças e semelhanças 249
Economia do Segundo Reinado 249
O café assume a liderança 249
Açú car, algodã o e borracha 252
Modernizaçã o no Império 252
Café e ferrovias 253
A Tarifa Alves Branco e a Lei Eusébio de Queiró s 254
A questã o da mã o de obra no Império 255
A Lei Eusébio de Queiró s e a Lei de Terras 255
O trá fico interno e o debate sobre o trabalhador nacional 256
Imigrantes no Brasil 257
O sistema de parceria idealizado pelo Senador Vergueiro 258
Colonos nas fazendas de café 259
Alemã es, italianos e poloneses no Sul 259
Um começo difícil 260
Guerras entre os sul-americanos 260
Atividades 264
I. Retomando 264
II. Leitura e escrita em Histó ria 266

Capítulo 14 – Abolição e República 267


O processo de aboliçã o 268
A resistência negra 268
O abolicionismo 269
A vida dos recém-libertos 273
O processo que conduziu à Repú blica 274
O republicanismo 274
A Questã o Religiosa 275
A Questã o Militar 275
A proclamaçã o da Repú blica 277
O governo de Deodoro da Fonseca 279
Constituiçã o e cidadania na jovem Repú blica 280
O governo de Floriano Peixoto 281
A Revoluçã o Federalista 281
Atividades 282
I. Retomando 282
II. Leitura e escrita em Histó ria 283
III. Você cidadã o! 285

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 287


Pedro Ladeira/SambaPhoto

Pá gina 10

UNIDADE 1 Nós e os outros: a


questão do etnocentrismo
Professor: nesta abertura de unidade buscamos pensar as relaçõ es entre “nó s” e os “outros”, extraindo exemplos do
presente. Imagens de curiosidade, estranhamento e de violê ncia física (em um está dio de futebol do Brasil) podem despertar
os estudantes para a reflexã o sobre o outro; a alteridade é um tema complexo, escorregadio, mas indispensá vel quando o
que se quer é a construçã o de uma sociedade cidadã e pacífica. Ao longo da unidade, o aluno terá a oportunidade de estudar
essas relaçõ es no passado, com destaque para os encontros/desencontros entre europeus e ameríndios no sé culo XVI.
Lembrar que a conquista europeia da Amé rica foi recheada de violê ncia e desdobrou-se em um dos maiores genocídios
ocorridos na histó ria da humanidade.

Os grupos humanos sempre reagiram (e reagem) das formas mais variadas à s


diferenças que percebiam (e percebem) entre eles e os outros; desde a curiosidade
e a admiraçã o (fonte 1), o estranhamento e o riso diante do diferente (fonte 2), até
a rivalidade e a violência física e psicoló gica (fonte 3). A reaçã o mais frequente de
cada grupo humano em sociedade tem sido a de valorizar ao má ximo suas formas
de pensar e agir coletivamente e, ao mesmo tempo, desvalorizar as do outro. A esse
comportamento damos o nome de etnocentrismo.

››Fonte 1
DavidEnglish Photos/Alamy/Latinstock

O Pensador, escultura de Auguste Rodin; note que a menina olha para ela com admiraçã o e
encantamento. Museu de Belas Artes Legion of Honor, Califó rnia, Estados Unidos, 2007.

››Fonte 2

Gonzalo Azumendi/Easypix

Visão infantil, escultura de John Davies; note que a está tua provoca o estranhamento e o riso nos
garotos. Museu de Belas Artes de Bilbao, Espanha, 2010.

››Fonte 3

Acervo Folhapress
A fotografia retrata uma briga entre torcidas organizadas, fato cada vez mais comum nos está dios
de todo o país. Essas brigas, combinadas, por vezes, pela internet, têm resultado em mutilaçõ es e
mortes de jovens torcedores. Apesar das penalidades impostas aos agressores, a intolerâ ncia, a
hostilidade e a violência continuam fazendo vítimas, disseminando o medo e inibindo a ida aos
está dios. Sã o Paulo (SP), 2014.

Pá gina 11

Leia o texto a seguir em que especialistas escrevem sobre o etnocentrismo.

›› Fonte 4

Além da fome, [...] das doenças, da desigualdade, um dos graves problemas que o mundo
contemporâ neo enfrenta é a intolerâ ncia entre os povos. A dificuldade em encarar a
diversidade humana conduz à negaçã o dos valores culturais alheios e supervalorizaçã o do
“grupo do eu”, visã o e atitude que chamamos de etnocentrismo [...].

Uma visã o do mundo onde o nosso pró prio grupo é tomado como centro de tudo e todos os
outros sã o pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definiçõ es
do que é existência. [...]

De um lado, conhecemos um grupo do “eu”, o “nosso” grupo, que come igual, veste igual, gosta
de coisas parecidas, conhece problemas do mesmo tipo, acredita nos mesmos deuses, casa
igual, mora no mesmo estilo, distribui o poder da mesma forma, empresta à vida significados
em comum e procede, por muitas maneiras, semelhantemente. Aí, entã o, de repente, nos
deparamos com um “outro”, o grupo do “diferente” que, à s vezes, nem sequer faz as coisas
como as nossas ou quando as faz é de forma tal que nã o reconhecemos como possíveis. E, mais
grave ainda, este “outro” também sobrevive à sua maneira, gosta dela, também está no mundo
e, ainda que diferente, também existe. [...]

O grupo do “eu” faz, entã o, da sua visã o a ú nica possível ou, mais discretamente se for o caso, a
melhor, a natural, a superior, a certa. O grupo do “outro”, o grupo do diferente fica, nessa
ló gica, como sendo engraçado, absurdo, anormal ou ininteligível. (ROCHA, Everardo. O que é
etnocentrismo. Sã o Paulo: Brasiliense, 1994. p. 7-9.)

Essa visã o do outro produz distorçõ es, preconceitos, agressividades, equívocos, hostilidades,
intolerâ ncia e, inclusive, xenofobia. A histó ria contemporâ nea nos revela inú meros
acontecimentos cruéis que foram motivados por esta impossibilidade de respeito à diferença.

ASSIS, Cássia Lobã o; NEPOMUCENO, Cristiane Maria. Estudos contemporâneos de cultura. Campina Grande:
UEPB/UFRN, 2008. Disponível em: <http://www.ead.uepb.edu.br/arquivos/cursos/Geografia_PAR_UAB/Fasciculos
%20-%20Material/Estudos_Contemporaneos_Cultura/Est_C_C_A15_J_GR_260508.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2016.

Xenofobia: é o medo do “outro” levado ao extremo. O que veio de fora, o estranho ou o estrangeiro é alguém
capaz de contaminar, destruir o lugar em que se vive. Esta fobia produz um medo que induz à intolerâ ncia, ao
crime, à agressã o e inclusive à s guerras.

»» Você já ouviu expressões etnocêntricas como, por exemplo,


“programa de índio” ou “o brasileiro é um bicho preguiçoso”, e
outras do gênero? Já viu alguém fazendo “cara de nojo” ao ver
uma pessoa comer algo que ele jamais comeria? Já presenciou um
gesto de desprezo diante de um determinado gênero de música?
Você já foi vítima de uma atitude etnocêntrica? Já praticou o
etnocentrismo ao se referir a uma pessoa ou povo?

Pá gina 12

Professor: a intençã o, aqui, é evidenciar e valorizar as permanê ncias de indivíduos e culturas indígenas nas sociedades
latino-americanas atuais, a fim de motivar o aluno ao estudo do passado e do presente dos povos indígenas da Amé rica.

Capítulo 1 América indígena


Os povos ameríndios possuem culturas pró prias e diferentes umas das outras. Essa
diversidade pode ser melhor aprendida observando-se o mapa.

América – séc. XVI

Allmaps
Patrick Frilet/Hemis/Corbis/Latinstock

Bill Schildge/Age Fotostock/Easypix

Justin Setterfield/Getty Images

Fabio Colombini

Luis Salvatore/Pulsar Imagens

» As imagens são recentes e retratam indivíduos pertencentes a


diferentes povos ameríndios; quais as diferenças entre eles?

» O que esses povos têm em comum? Que línguas falam?

» Como viviam antes da chegada de Colombo na América (1492)?

» Que problemas têm enfrentado no relacionamento com a


sociedade envolvente?

Pá gina 13

Povos americanos
Sabe-se que os povos ameríndios eram numerosos. Mas, sobre o total da populaçã o
na época do contato com o europeu em 1492, temos apenas uma estimativa.
Observe a tabela.

POPULAÇÃO AMERÍNDIA (EM MILHÕES)

Região População estimada Percentualda população


América do Norte 4 400 000 7,7
México 21 400 000 37,3
América Central 5 650 000 9,9
Caribe 5 850 000 10,2
Andes 11 500 000 20,1
Planícies da América do 8 500 000 14,8
Sul
Total 57 300 000 100,0

Fonte de pesquisa: LOCKHART, James; STUART, B. Schwartz. A América Latina na época colonial. Rio de Janeiro:
Civilizaçã o Brasileira, 2002. p. 57.

Entre todos os povos que viviam na América antes de Colombo, daremos especial
atençã o aos astecas, maias, incas e tupis.

Os astecas
Os astecas viveram em Aztlá n (daí o seu nome), no norte da América, até por volta
do século XII, quando deixaram sua regiã o de origem em busca de terras férteis. No
início do século seguinte, depois de muito caminhar, chegaram ao Vale do México, à
beira do lago Texcoco, e, em 1325, fundaram a cidade de Tenochtitlá n.

Aos poucos, por meio da guerra e de alianças políticas, os astecas subjugaram


diversos povos da regiã o. Assim, a cidade de Tenochtitlá n passou a ser a cabeça do
que se convencionou chamar de Império Asteca.

Império Asteca: nunca foi uma unidade política; era, na verdade, um conjunto de povos com diferentes
graus de subordinação aos astecas. Alguns pagavam tributos, mas tinham uma relativa autonomia; outros
eram apenas governados e, outros, ainda, só pagavam tributos à força, quando eram vítimas de expediçõ es
punitivas promovidas pelos astecas.

Dica! Tour virtual tridimensional por Tenochtitlán. [Duração: 2 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/fwvhqa>.

Diego Rivera. 1945-1952. Afresco. Palá cio Nacional, Cidade do Mé xico. Foto: Art Archive/Otherimages

Detalhe de A grande cidade de Tenochtitlán, afresco do muralista mexicano Diego Rivera (1886-
1957). Rivera inovou ao valorizar a matriz indígena na histó ria do México, numa época em que os
livros de Histó ria daquele país mostravam os espanhó is como “os ú nicos construtores” da naçã o. O
movimento das pessoas, o tipo de trabalho e a existência de mercadorias expostas à venda
mostradas em primeiro plano indicam tratar-se de um mercado. O detalhe mostra os canteiros
flutuantes, as chinampas, ilhas artificiais feitas sobre estacas fixas no fundo do lago. A fertilidade
dessas terras pantanosas garantia a produçã o de alimentos para os habitantes da cidade lacustre.
Cortada por canais e aquedutos, ruas largas e retas, Tenochtitlá n provocou enorme admiraçã o nos
conquistadores espanhó is nascidos em cidades relativamente menores, de ruas tortas e estreitas.

Pá gina 14
A dominaçã o e os tributos exigidos pelos astecas geravam revolta. Além disso, no coraçã o do
Império Asteca havia a cidade de Tlaxcala, inimiga ferrenha dos astecas.

Império Asteca (início do século XVI)

Allmaps

Fonte: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina colonial. Sã o Paulo: Edusp, 2004. v. 1. p. 56.

Os povos submetidos aos astecas tinham de cultuar o deus Huitzilopochtli – deus


da guerra, das tempestades e do Sol. E eram obrigados também a pagar tributos
tais como: penas raras (do pá ssaro Quetzal, por exemplo), pedras preciosas (como
o jade), tecidos de algodã o, madeira, mantos, esteiras, colares e cacau, com o qual
faziam o tã o apreciado xocoatl (chocolate).

Caso se recusassem a pagar os tributos eram castigados com expediçõ es punitivas


– que incluíam saques e rapto de pessoas para oferecer em sacrifício aos deuses.
Isto explica por que os povos sob o domínio asteca se rebelavam com frequência. O
povo de Cuctlaxtlan, por exemplo, chegou a aprisionar os coletores de impostos
astecas em uma casa à qual atearam fogo.
Menoza Code. Sé c. XVI. Universidade de Oxford. Foto: De Agostini/Getty Images

Lista de tributos pagos pelos povos submetidos aos astecas, século XVI.

A sociedade asteca
O Império Asteca apresentava uma sociedade complexa e estratificada. O
imperador, considerado um ser semidivino, concentrava enorme poder e riqueza.
Essa riqueza provinha, sobretudo, dos impostos (na forma de pedras preciosas,
tecidos, cereais e outros), que se acumulavam no palá cio imperial, onde eram
registrados pelos escribas. Em tempo de escassez, os celeiros imperiais eram
abertos para que se distribuíssem alimentos e roupas ao povo. Pelo fato de o
imperador ser o comandante do exército e, ao mesmo tempo, o mais alto
sacerdote, alguns historiadores afirmam que o Império Asteca era uma monarquia
militar teocrá tica.

Dica! Documentário sobre a formação do império asteca e as invenções desse povo. [Duração: 44
minutos]. Acesse: <http://tub.im/uiuagf>.

Os nobres ocupavam as funçõ es administrativas, militares e religiosas e,


geralmente, levavam uma vida regrada e sem vícios. A bebida, bem como o luxo e a
ostentaçã o, eram reprovados socialmente e punidos com rigor. Os nobres com
funçõ es administrativas no governo eram isentos de impostos e seus filhos

Pá gina 15

tinham direito a uma educaçã o diferenciada. Suas residências eram construídas e


mantidas pelo governo. Parte da nobreza se dedicava à guerra; os guerreiros que
conseguiam se destacar ingressavam em prestigiadas ordens militares, como a dos
á guias e a dos jaguar, que serviam ao deus Sol. Parte dos sacerdotes também saía
da nobreza. Sua principal funçã o era organizar e conduzir o culto aos deuses e
interpretar suas vontades. Tal como os sacerdotes do Egito antigo, os astecas
acumulavam riquezas em terras e joias doadas pelo imperador ou por particulares.

Outra camada social era a dos comerciantes, chamados de pochtecas; eles


enriqueciam por meio de trabalho mas procuravam dissimular a riqueza, pois se
demonstrassem ser ricos eram perseguidos pela nobreza. Eles transmitiam sua
profissã o de pai para filho.

Havia ainda os artesã os que desempenhavam atividades como a ourivesaria, a


joalheria e o trabalho com plumas. Eles estavam agrupados em corporaçõ es e cada
uma delas tinha um conjunto de tradiçõ es e um deus pró prio. Eles trabalhavam
tanto em suas casas quanto nos palá cios e residências da nobreza. E, assim como
os comerciantes, transmitiam seu ofício aos filhos.

Já os camponeses eram o grupo mais numeroso da sociedade asteca. Ao se


casarem, recebiam um lote de terra onde construíam uma casa e passavam a
cultivar milho, feijã o, pimenta, abó bora, cacau, tomate, entre outros. No entanto,
eram obrigados a pagar pesados impostos, prestar o serviço militar e trabalhar
gratuitamente na conservaçã o de estradas e canais e na construçã o de diques e
monumentos. Com poucas chances de ascensã o social, os camponeses podiam
passar a vida no mesmo pedaço de terra, saindo apenas quando chamados ao
serviço das armas. Na base da pirâ mide social estavam os escravos, que eram
geralmente prisioneiros de guerra.

Bernardino de Sahagun. Sé c. XVI. Codex/The Field Museum Library

Códice Florentino, Bernardino de Sahagun, c. 1540- 1585. O primeiro e o terceiro guerreiros


pertenciam à ordem dos á guias e o do meio integrava a ordem do jaguar; todos eles serviam ao
deus Sol.

Dica! Documentário analisando o encontro de culturas entre os astecas e os espanhóis. [Duração:


44 minutos]. Acesse: <http://tub.im/n2ktnv>.

Os maias
Os maias estã o entre as civilizaçõ es mais antigas da América. Seus ancestrais
viviam nas montanhas da atual Guatemala desde 2500 a.C.

A civilizaçã o maia se desenvolveu na confluência entre a América do Norte e a


América Central, mais precisamente na Península de Yucatá n, numa á rea em que se
encontram cinco estados do México atual, quase toda a Guatemala, parte de El
Salvador, parte de Honduras e Belize. Observe o mapa abaixo.

Principais cidades maias


Allmaps

Fonte: DUBY, Georges. Atlas historique mondial. Paris: Larousse, 2011. p. 236.

Pá gina 16

Habitando um meio inó spito, esses povos se deslocavam pela selva em busca de
alimentos (caça, pesca e colheita). Posteriormente, domesticaram plantas como o
milho, a pimenta e o feijã o, e se estabeleceram na Península de Yucatá n, local em
que os arqueó logos descobriram, em meio à floresta tropical, as cidades de Tikal e
Copá n. Depois, os maias ocuparam também cidades já existentes, como Uxmal e
Chichén-Itzá , situadas ao norte.

The Granger Collection/Glow Images

Estela maia de cerca de 732 a.C. encontrada na cidade de Copá n, atual Honduras. A estela é uma
coluna com inscriçõ es e figuras de deuses ou personagens histó ricos usada para adornar urnas
mortuá rias.

As cidades-Estado maias
Assim como os antigos gregos, os maias viviam em cidades-Estado, ou seja, cidades
com governo, leis e costumes pró prios. Em caso de guerra contra um inimigo
comum, as cidades maias se organizavam em confederaçõ es, mas nunca chegaram
a constituir um império, a exemplo das astecas e das incas.

As grandes e sofisticadas construçõ es maias e o deslocamento de enormes blocos


de pedra revelam seus conhecimentos de engenharia e cá lculo. As pirâ mides
serviam de esteio para os templos religiosos aos quais se chegava por meio de uma
escadaria íngreme. Algumas pirâ mides, como a de Tikal, tinham mais de 60 m de
altura. Muitas cidades maias surgiram em torno dos centros cerimoniais. 1

1. Dica! Documentário sobre a civilização maia. [Duração: 43 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/kd382p>.

Marcelo Lambert

Vista geral do centro cerimonial da cidade maia de Palenque, 2011. Note que o conjunto
arquitetô nico emerge da exuberante floresta tropical. O centro cerimonial era destinado ao culto
dos deuses, à prá tica do comércio (troca de bens agrícolas, artesanais e sagrados) e também à
celebraçã o das festas maias. Fotografia de Marcelo Lambert, estudioso da histó ria e da cultura dos
povos astecas, incas e maias. 2

2. Dica! Documentário sobre a construção da cidade maia de Palenque. [Duração: 43 minutos].


Acesse: <http://tub.im/vtw2yj>.

Pá gina 17

Sociedade, economia e arte


A sociedade maia era hierarquizada. Os grupos sociais mais favorecidos
(governantes, sacerdotes e comerciantes) viviam em palá cios e templos suntuosos
situados em torno dos centros cerimoniais e eram sustentados pelas famílias de
agricultores e artesã os espalhadas pelas aldeias existentes na floresta. Esses
habitantes das florestas só se dirigiam aos centros cerimoniais para a prá tica da
religiã o, do comércio, ou em dias de festa.

A agricultura tinha grande importâ ncia na vida dos maias. A maioria da populaçã o
trabalhava no cultivo de feijã o, abó bora, algodã o, cacau, abacate e milho. Este
ú ltimo era a base de sua alimentaçã o.

Por volta do século IX, os maias abandonaram suas cidades subitamente. Para
alguns, as razõ es do abandono foram flagelos naturais, como epidemias, secas
prolongadas, inundaçõ es, terremotos, furacõ es. Para outros, as causas do
abandono das cidades maias foram tragédias provocadas pelo pró prio ser humano,
tais como invasõ es violentas, pressã o de grupos periféricos, insurreiçõ es
populares.

Os conhecimentos e prá ticas dos maias foram incorporados pelos astecas e outros
povos do Vale do México, que conquistaram as cidades maias por volta de 1400.

Dica! Documentário sobre as profecias dos maias. [Duração: 46 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/7ri9ma>.

Para saber mais


Os povos da Mesoamérica, particularmente os maias, conseguiram atingir uma
precisã o extraordiná ria em seus cá lculos astronô micos. Veja o que diz um
especialista.

A astronomia e o calendário

Todos os grandes povos da Mesoamérica sentiram-se poderosamente fascinados pelo mistério


do cosmo: a recorrência [...] dos fenô menos celestes, o ritmo infatigá vel das estaçõ es e a
influência destas nas diversas fases da cultura do milho; o pró prio ciclo da vida e da morte, do
dia e da noite em sua alternâ ncia [...] necessá ria. [...] Desde os primeiros séculos de nossa era
(talvez mesmo a partir do grande desenvolvimento olmeca) esses povos possuíram [...] dois
calendá rios dos quais se serviam simultaneamente; um calendá rio ritual de 260 dias divididos
em 13 grupos de 20 dias; e um calendá rio solar, [...] civil, de 365 dias mais uma fraçã o [...]
comportando 18 grupos de 20 dias mais cinco dias adicionais, geralmente considerados
nefastos. Os dias de cada um desses calendá rios, permutando-se de forma cíclica segundo uma
ordem determinada, terminavam por fazer os dois calendá rios se reencontrarem no mesmo
ponto de partida a cada 52 anos, quando recomeçava o ciclo. [...].

Pá gina 18

Para administrar esses cá lculos, foi concebido um sistema simples e engenhoso – tendo por
base o nú mero 20 – reduzindo-se ao emprego de dois símbolos: o ponto para a unidade, a
barra para o cinco, mais um signo em forma de concha alongada equivalente a “zero”, ou
melhor, significando ausência de valor. Esses signos prestavam-se facilmente à composiçã o de
nú meros inteiros, podendo ultrapassar o milhar. Segundo esse sistema mesoamericano, o valor
de posiçã o crescia progressivamente, nas colunas verticais, de baixo para cima. [...]

GENDROP, Paul. A civilização maia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 36-37.

Paul Steeger/age fotostock/Easypix

O observató rio El Caracol, em Chichén Itzá , no México, foi construído por volta de 1050. Esse só lido
edifício de pedra com argamassa e plataformas nos quatro lados era usado como observató rio de
astronomia. Fotografia de 2013.

Os incas
Acredita-se que, enquanto caminhavam à procura de terras férteis, os incas
chegaram ao interior da Cordilheira dos Andes por volta do século XIII. Naquelas
terras altas, começaram suas vidas como camponeses e pastores e ergueram a
cidade de Cuzco. Aos poucos, no entanto, ampliaram seus domínios aliando-se aos
povos da regiã o ou submetendo-os. Em 1438, fundaram um império, que teve
Pachakuti como primeiro imperador. No processo de formaçã o do seu império, os
incas assimilaram elementos de outras culturas, inclusive o quéchua, a língua que
mais tarde espalhariam pelos Andes.

O Império Inca expandiu-se consideravelmente graças à s sucessivas conquistas.


Ele era dividido em vá rias regiõ es administrativas, cujos governadores deviam
prestar contas de seus atos ao imperador. A interligaçã o entre as regiõ es do
império era feita por uma eficiente rede de estradas construídas nas encostas das
montanhas. Jovens eram treinados desde a infâ ncia para correr por elas, levando e
trazendo informaçõ es e produtos por longas distâ ncias. As principais estradas
incas ligavam o interior a Cuzco, uma cidade planejada que servia como capital do
império incaico. Veja o que disse sobre ela um cronista espanhol do século XVI:

DIALOGANDO

Os incas justificavam a dominação sobre outros povos dizendo que o objetivo era tirá-los da
barbárie e levar-lhes a “civilização”. Você conhece outros povos que usaram esse mesmo
argumento, antes ou depois, para justificar suas conquistas?

Os romanos na Antiguidade e os europeus no sé culo XIX.

Pá gina 19

Era grande e majestosa e deve ter sido fundada por gente capaz e inteligente. Tem ruas muito
boas, embora estreitas, e as casas estã o construídas de maciças pedras, belamente unidas [...]
Cuzco era a cidade mais rica das Índias, pelo grande acú mulo de riquezas que chegavam a ela
com frequência, para incrementar a grandeza dos nobres.

LEÓ N, Pedro Cieza de, 1553 apud NEVES, Ana Maria Bergamin; HUMBERG, Flá via R. Os povos da América: dos
primeiros habitantes às primeiras civilizaçõ es urbanas. Sã o Paulo: Atual, 1996. p. 77-80. (Histó ria geral em
documentos).

Antes de começar uma construçã o, os incas produziam uma maquete de argila e


pedra que os ajudava a formar uma ideia da obra depois de pronta. Na construçã o,
usavam grandes blocos de pedra, que eram cortados e encaixados uns nos outros
sem a necessidade de uma substâ ncia colante.

Restam, ainda hoje, construçõ es incas intactas e um nú mero grande de vestígios


delas em cidades como Cuzco, Lima e Quito. Em Machu Picchu existem edificaçõ es
em que se pode ver o modo de organizaçã o dos bairros de uma cidade inca. 1 e 2

Índias ocidentais: nome dado à parte americana do Império espanhol.

Maquete: representaçã o em escala reduzida de uma obra de arquitetura ou engenharia a ser executada.

1. Dica! Documentário sobre a cidade de Machu Picchu. [Duração: 52 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/qtc5sy>.

2. Dica! Documentário analisando a arquitetura da cidade de Machu Picchu no Peru. [Duração: 46


minutos]. Acesse: <http://tub.im/kjz2rs>.

Economia inca
Habitando regiõ es montanhosas, os incas adotavam a irrigaçã o sistemá tica e
construíam terraços na forma de uma imensa escada para a prá tica da agricultura.
Nos degraus mais altos, cultivavam espécies vegetais resistentes ao frio, como a
batata; nos do meio, milho, abó bora e feijã o; nos mais baixos, semeavam as á rvores
frutíferas. Com isso, conseguiam colheitas variadas e fartas o ano inteiro. Os incas
se dedicavam também ao pastoreio: criavam a lhama, animal de carga com grande
resistência, além da alpaca e do guanaco, dos quais obtinham a lã e o leite.

Abaixo, vista dos terraços e construçõ es de Machu Picchu, 2012. À esquerda, uma lhama, no mesmo
local, em 2013.

HEMIS.FR/Image Forum

Uma lhama, nas ruinas de Machu Pichu, em 2013.

Alex Robinson/JAI/Corbis/Latinstock

Acima, vista dos terraços e construçõ es de Machu Picchu, 2012.


Pá gina 20

O ayllu e a mita
A maioria da populaçã o inca era composta de famílias camponesas que
trabalhavam na agricultura ou no pastoreio. Um conjunto de famílias unidas por
laços de parentesco ou aliança formava o ayllu, unidade social bá sica, cujo chefe
chamava-se kuraka. As terras de cada ayllu eram divididas em três partes: uma
pertencia ao imperador, outra aos deuses (isto é, aos sacerdotes) e uma terceira
parte, aos camponeses que ali viviam.

Além de trabalhar na agropecuá ria, as famílias do ayllu eram obrigadas à mita –


prestaçã o de serviços gratuitos para o governo, como semear, plantar e beneficiar
frutos, construir e consertar estradas e templos, entre outros. Além da mita, os
camponeses pagavam um tributo em espécie e tinham de fazer vestimentas,
calçados e armas para serem usados em tempos de guerra. Os produtos iam para
os armazéns do Estado e eram distribuídos quando invernos rigorosos, epidemias
ou inundaçõ es provocavam a falta de alimentos.

Apogeu do Império Inca – 1532

Allmaps

Fonte: KINDER, Hermann; HERGT, Manfred; HILGEMANN, Werner. Atlas histórico mundial: de los orígenes a nuestros
días. 22. ed. Madrid: Akal, 2007. p. 234.

Situado ao longo da Cordilheira dos Andes, o Império Inca abrangia terras hoje pertencentes ao
Equador, ao Peru, à Bolívia, ao Chile e ao norte da Argentina.
A sociedade incaica
No topo da sociedade incaica estava o imperador, intitulado Inca, o “filho do Sol”,
reverenciado e respeitado por todos. Abaixo dele, a nobreza, da qual saíam os
governantes, os sacerdotes e os chefes militares.

Entre os grupos intermediá rios estavam os médicos, os contabilistas, os


projetistas, os guerreiros, os artesã os (tecelõ es, tapeceiros, ceramistas, ourives).
Esses grupos profissionais – além do imperador e dos nobres – viviam em cidades
e eram ajudados pelo governo. Já os camponeses, que constituíam a maioria da
populaçã o, moravam em aldeias rodeadas por campos de cultivo e de pastoreio e
viviam oprimidos por diferentes tributos. No Império Inca, a religiã o – que tinha
como principal cerimô nia o culto ao deus Sol – e a língua oficial, o quíchua, eram
obrigató rias.

Dica! Vídeo sobre os astecas, os maias e os incas. [Duração: 49 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/sk24na>.

Pá gina 21

Para refletir
Leia o texto a seguir com atençã o.

As línguas da América Latina

Muita gente pensa que nos países da América Latina são faladas apenas duas línguas, espanhol e
português. Mas na realidade há centenas, ainda que um grande número delas esteja em risco de
extinção.

[...]

Há dois países onde não só o castelhano, mas também certas línguas indígenas têm estatuto
oficial: Peru e Paraguai. No Peru, o quéchua e o aimara sã o reconhecidos como oficiais pela
Constituiçã o, mas num papel secundá rio: na prá tica, sã o reconhecidas apenas para serem
usadas e ensinadas dentro das respectivas comunidades indígenas e nã o há nenhuma tentativa
séria de tratá -las como línguas nacionais. Já no Paraguai, o guarani é realmente a segunda
língua nacional, ensinada em todas as escolas. [...]

Existe um curioso preconceito segundo o qual as línguas indígenas sã o “afetivas”,


“sentimentais”, ao passo que as línguas europeias sã o “ló gicas”, “racionais”. Isso nada tem a ver
com as línguas em si, mas com a forma como sã o aprendidas e usadas pelos bilíngues. O índio
“ladino” (isto é, que fala uma língua latina) e o mestiço latino-americano geralmente aprendem
a língua indígena com a mã e e com seus companheiros de infâ ncia e a usam em contextos
íntimos, familiares ou de amizade [...]. Pelo contrá rio, uma língua como o castelhano (ou outra
europeia qualquer) é aprendida na escola [...] e o [indivíduo] bilíngue o continua usando em
esferas relacionadas com a racionalidade e a impessoalidade: as repartiçõ es pú blicas, a relaçã o
com os superiores, o comércio nas grandes cidades [...]. Sã o raras as [...] tentativas de traduzir
textos científicos modernos para essas línguas [...].

COSTA, Antonio Luiz Monteiro Coelho da. As línguas da América Latina. Como é a América Latina, 24 maio 2012.
Blogue. Disponível em: <http://www.comoaamericalatina.blogspot.com.br/2012/05/as-linguas-da-america-
latina.html>. Acesso em: 6 abr. 2016.

Keith Levit/Age Fotostock/Easypix

Mulher inca falante do idioma quíchua, Peru, 2010.

a) O texto acima pode ser classificado como jornalístico, literá rio, historiográ fico
ou filosó fico? a) O texto é jornalístico. Professor: comentar que ele possui um lead (abertura por meio da qual se
apresenta o assunto de modo resumido) e um corpo no qual o autor desenvolve o conteú do veiculado na abertura.

b) O autor se dirige a um pú blico especializado ou a um pú blico em geral?


Justifique. b) O autor se dirige ao pú blico em geral; por isso seu texto é fluente e utiliza uma linguagem simples e
objetiva.

c) Em dupla. De acordo com o texto, podemos afirmar que no Peru a língua


indígena reconhecida como oficial possui o mesmo prestígio que o espanhol?
Justifique.c) Nã o; como informa o autor, a língua indígena é reconhecida para ser ensinada apenas nas comunidades
indígenas e nã o há empenho por parte das autoridades para que ela seja considerada língua nacional.

d) Segundo o autor, as línguas indígenas sã o “naturalmente” afetivas?d) Nã o; isto deriva


do modo como as línguas indígenas sã o aprendidas e usadas pelos falantes bilíngues. Eles geralmente aprendem a falar a
língua indígena com a mã e e a utilizam em ambientes íntimos. Já a língua europeia é aprendida na escola e usada em
ambientes que exigem certa formalidade, a exemplo das repartiçõ es pú blicas.

Pá gina 22

Indígenas nas terras onde hoje é o Brasil


O conhecimento acumulado sobre os indígenas do Brasil é pouco disseminado
entre nó s, o que leva muitas pessoas a reproduzir juízos extraídos do senso
comum. Um equívoco, por exemplo, é ver os povos indígenas como parados no
tempo, como muitas vezes vemos em noticiá rios, jornais e revistas. As sociedades
indígenas passaram por mudanças significativas. Sã o histó rias de milhares de anos,
marcadas por confrontos e alianças, deslocamentos, conquistas e perdas; enfim
uma histó ria tã o movimentada e interessante quanto a de outros povos.

Dica! Documentário produzido pelo Museu do Índio sobre os indígenas brasileiros. [Duração: 24
minutos]. Acesse: <http://tub.im/rge3nm>.

Os dados sobre a populaçã o indígena em 1500, quando os portugueses aqui


chegaram, sã o divergentes. Alguns dizem que havia de 2 a 4 milhõ es de indígenas.
Outros afirmam que poderia variar de 6 a 10 milhõ es. Outros, ainda, mais
ponderados, acham que seria de 3,5 a 6 milhõ es. De uma forma ou de outra, eram
milhõ es de índios, agrupados em centenas de povos falantes de cerca de 1 300
línguas.

Diferenças entre os indígenas


Os povos indígenas sã o diferentes entre si, como se pode notar comparando a
aparência física de cada grupo, as línguas que falam, as artes que praticam, seus
modos de construir casas e seus rituais.

Francis Castelnau. 1850-1859. Gravura. Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Sã o Paulo, Sã o Paulo
Hé rcules Florence. 1828. Aquarela. Academia de Ciê ncias da Rú ssia, Moscou

Repare nas diferenças físicas entre os indígenas representados nesta pá gina. As representaçõ es que
os pintores europeus fizeram desses povos sã o quase sempre idealizadas, mas suficientes para
marcar as diferenças entre eles. Cortes de cabelo, adornos, pintura corporal e arte plumá ria
expressam uma grande diversidade sociocultural. As pinturas sã o do século XIX e foram feitas por
Francis Castelnau (primeira imagem, superior) e Hércules Florence (segunda imagem).

Pá gina 23

As línguas indígenas
Um elemento importante da cultura de um povo é a língua; as línguas sã o
agrupadas em famílias e estas, em troncos. As línguas latinas, celtas, germâ nicas e
eslavas, por exemplo, originaram-se todas de um mesmo tronco, o indo-europeu. O
quadro a seguir é uma representaçã o de línguas e famílias pertencentes ao tronco
indo-europeu.

Cultura: modo de um povo viver e interagir com o seu meio. Cada povo possui uma cultura pró pria, e
nenhuma é superior a outra.

TRONCO INDO-EUROPEU
Latim Celta Germânico Eslávico
espanhol bretã o inglês russo
português irlandês holandês polonês
francês etc. gaulês etc. alemã o tcheco etc.
sueco
norueguês etc.

Fonte de pesquisa: TEIXEIRA, Raquel F. A. As línguas indígenas no Brasil. In: GRUPIONI, Luís Donisete Benzi; SILVA,
Aracy Lopes da. A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília:
MEC/Unesco, 1998. p. 300.

DIALOGANDO

Você sabe por que a língua portuguesa é chamada de neolatina?

Porque deriva do latim, que era falado pelo povo da Roma antiga.

Usando esse mesmo tipo de classificaçã o para as línguas indígenas, a estudiosa


Raquel F. Teixeira afirma que no Brasil há dois troncos linguísticos principais: o
Tupi (o mais conhecido) e o Macro-jê. O tronco Tupi tem cerca de 10 famílias, e o
Macro-jê, aproximadamente 12. Observe o esquema relativo ao tronco Tupi.

TRONCO TUPI
Tupi-guarani Arikém Juruna Mondé
akwá wa karitiana juruna aruá
amanayé xipá ya cinta-larga
anambé gaviã o
Fonte de pesquisa: TEIXEIRA, Raquel F. A. As línguas indígenas no Brasil. In: GRUPIONI, Luís Donisete Benzi; SILVA,
Aracy Lopes da. A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília:
MEC/Unesco, 1998. p. 300.

Ao chegar à s terras onde hoje é o Brasil, os portugueses encontraram povos


falantes de línguas do tronco Tupi. Veja no quadro abaixo a semelhança de algumas
palavras faladas ainda hoje e pertencentes a essas línguas.

LÍNGUA LÍNGUA LÍNGUA LÍNGUA


TUPINAMBÁ PARINTINTIN TAPIRAPÉ GUARANI
Pedra Itá Itá Itã Itá
Fogo Tatá Tatá Tã tã Tatá
Onça Já guareté Djá gwá ra Txã wã rã Já gwareté
Jacar Jacaré Djakaré Txã kã ré Djakaré
é

Fonte de pesquisa: TEIXEIRA, Raquel F. A. As línguas indígenas no Brasil. In: GRUPIONI, Luís Donisete Benzi; SILVA,
Aracy Lopes da. A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília:
MEC/Unesco, 1998. p. 299.

DIALOGANDO

No nosso dia a dia, usamos, sem perceber, muitas palavras de origem Tupi. Jacaré, por
exemplo, é uma delas. Diga quais das palavras a seguir são de origem indígena: abacaxi, açaí,
amendoim, arara, babaçu, bacurau, beiju, caju e curumim.

Todas elas. As espé cies frutíferas citadas (abacaxi, açaí e caju) foram domesticadas por indígenas.

Pá gina 24

As artes indígenas
Além da língua, outro elemento de diferenciaçã o entre os povos indígenas sã o as
artes praticadas por eles. Segundo um estudo sobre o assunto:

[...] As formas de manipular pigmentos, plumas, fibras vegetais, argila, madeira, pedra e outros
materiais conferem singularidade à produçã o ameríndia, diferenciando-a da arte ocidental,
assim como da produçã o africana ou asiá tica. Entretanto, não se trata de uma “arte indígena”, e
sim de “artes indígenas”, já que cada povo possui particularidades na sua maneira de se
expressar e de conferir sentido à s suas produçõ es. [...]

INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/modos-


de-vida/artes>. Acesso em: 7 fev. 2016.
Renato Soares/Pulsar Imagens

Arte plumá ria Kayapó em fotografia de 2008.

Renato Soares/Pulsar Imagens

Pintura corporal no rosto de uma menina Kayapó da aldeia Moykarakô , Sã o Felix do Xingu (PA),
2015.

Semelhanças entre os indígenas


Entre os povos indígenas há também semelhanças acentuadas:

» Cada grupo indígena se identifica como uma sociedade específica (kaiapó ,


guarani, ianomâ mi, botocudo, kalapalo e outras);

» A posse da terra e dos recursos nela existentes é coletiva. Nas sociedades


indígenas a terra é de quem trabalha nela. Enquanto um grupo estiver plantando,
colhendo, caçando e pescando numa determinada á rea, seus recursos e frutos lhe
pertencem. Depois, outro grupo pode vir a ocupar essa mesma á rea e se beneficiar
dela;
» A divisã o do trabalho é feita por sexo e idade. Isto é, há tarefas que sã o
masculinas, como derrubar a mata e preparar a terra para o plantio, cuidar da
segurança do grupo, caçar, pescar, construir moradias; e outras que sã o femininas,
como plantar, colher, transportar, fazer farinha, cestos, redes, cozinhar e cuidar das
crianças. As crianças ajudam os adultos em tarefas compatíveis com sua idade;

» Todos os indivíduos de um povo têm acesso à s condiçõ es e aos conhecimentos


necessá rios à sua realizaçã o pessoal e sobrevivência, ou seja, nas sociedades
indígenas, o conhecimento é socializado.

Pá gina 25

Ricardo Teles/Pulsar Imagens

Fig. 1: construçã o de oca, Aldeia Kamayurá , Parque do Xingu, Mato Grosso, 2014.

Fabio Colombini

Fig. 2: colheita da mandioca, povo indígena barasano, Manaus (AM), 2014.


3

Fabio Colombini

Fig. 3: mulher Kalapalo preparando beiju, Aldeia Aiha, também no Parque do Xingu, 2011.

Encontro e desencontro: os portugueses e os


tupiniquins
Os primeiros contatos entre os tupiniquins e os portugueses nas terras onde hoje é
Porto Seguro, na Bahia, em 1500, foram mediados pelo estranhamento. Segundo o
escrivã o da armada de Cabral, Pero Vaz de Caminha, esses habitantes eram pardos,
nã o usavam qualquer vestimenta e traziam consigo arcos e setas.

Os tupiniquins, certamente, também estranharam o modo de se vestir e de falar


dos portugueses.

Nas primeiras décadas do século XVI, os contatos entre os tupis e os portugueses


foram sobretudo amistosos; os indígenas foram parceiros comerciais dos lusos
trocando com eles pau-brasil, uma madeira abundante no litoral brasileiro, por
objetos ú teis a eles, como machados, pá s, foices, facas, espelhos. Outra forma de
relacionamento amigá vel foram os casamentos de portugueses com mulheres
tupis. Ocorreu, ainda, a aliança dos europeus com alguns grupos indígenas para
guerrear contra outros; os portugueses, por exemplo, aliaram-se aos tupiniquins
para guerrear contra os tupinambá s, fazê-los prisioneiros e escravizá -los.

A partir de 1532, e sobretudo apó s a instalaçã o do Governo Geral, em 1549, porém,


os portugueses passaram a capturar os índios para empregá -los como escravos nos
engenhos de produçã o de açú car e nos afazeres domésticos. Daí a violência passou
a predominar nas relaçõ es entre os colonizadores e os povos indígenas.

Esses povos, por sua vez, reagiram à escravizaçã o por meio de revoltas coletivas,
da violência individual, do saque e da fuga para o Sertã o. Mas os colonizadores
acabaram vencendo pela força e conquistando para si as terras indígenas. As
guerras de apresamento, as grandes fomes que geralmente acompanhavam essas
guerras, a escravizaçã o e, sobretudo, doenças, como gripe, sarampo, tuberculose e
varíola, causaram a morte de dezenas de milhares de indígenas.

Pau-brasil: espécie de madeira nativa da Mata Atlâ ntica: tem o tronco recoberto de espinhos, o interior
avermelhado, e pode atingir até 30 m de altura e 1,5 m de diâ metro.
Tuberculose: infecçã o que se manifesta nos pulmõ es, sistema nervoso, intestino e rins. É transmitida por
leite contaminado, pela saliva e pela manipulaçã o de objetos. Os sintomas são emagrecimento e tosse.

Varíola: doença infecciosa caracterizada por febre alta e erupçõ es na pele, com formaçã o de bolhas com pus.
Costuma deixar marcas.

DIALOGANDO

Você sabe por que, no caso dos indígenas, as doenças mataram mais do que as armas de
fogo?

Os indígenas nã o tinham defesas naturais (imunidade) contra as doenças. Além disso, elas se manifestavam como epidemias,
atingindo muitas pessoas de uma só vez. Nã o havendo quem cuidasse dos doentes, muitos morriam por inaniçã o, como
explicou a antropó loga Manuela Carneiro da Cunha.

Pá gina 26

Demografia e terra
Contrariando previsõ es fatalistas segundo as quais os povos indígenas estariam em
extinçã o, a populaçã o indígena vem crescendo em um ritmo acelerado. Observe a
tabela.

CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO INDÍGENA (1991-2010)


Ano População % sobre o total
1991 294 000 0,2
2000 734 000 0,4
2010 817 000 ± 0,42

Fonte: CIMI. Brasília, 2011.

O nú mero de pessoas que se declararam indígenas em 2010 foi 11% maior que o registrado no
Censo de 2000.

Dica! Documentário baseado na obra do sociólogo Darcy Ribeiro sobre o povo brasileiro, com
foco nos indígenas. [Duração: 26 minutos]. Acesse: <http://tub.im/fois4r>.

Em 2010, os cerca de 817 mil índios contabilizados pelo censo do IBGE no país
estavam distribuídos em mais de 305 etnias, que falam 274 línguas, das quais
apenas metade foi estudada e é, de fato, conhecida. Com relaçã o à s terras
indígenas, mais de 80% delas encontram-se na regiã o Norte. Segundo o Instituto
Socioambiental havia no Brasil, em 2016, 700 terras indígenas (TIs), a maior parte
dela na Amazô nia Legal. Conheça a situaçã o dessas terras observando a tabela:

SITUAÇÃO JURÍDICA DAS TIS NO BRASIL (2016)


SITUAÇÃO NÚMERO DE TIS EXTENSÃO (HECTARES)
Em Identificação/Com 121 1 088 744
restrição de uso a não
índios*
Identificada 36 5 506 314
Declarada 67 3 831 830
Homologada 476 106 800 598
Total geral 700 117 227 486

*A extensã o neste grupo refere-se à s TIs em revisã o ou às com restriçã o de uso. Fonte de pesquisa: INSTITUTO
SOCIOAMBIENTAL (ISA). Povos indígenas no Brasil. Disponível em:
<http://pib.socioambiental.org/pt/c/0/1/2/situacao-juridica-das-tis-hoje>. Acesso em: 2 maio 2016.

DIALOGANDO

As terras indígenas correspondem hoje a cerca de 14% do território nacional. Para alguns
grupos, no Brasil “há terra demais para pouco índio”. Para outros, os índios devem possuir
as terras que tradicionalmente ocupam. E você, o que pensa sobre o assunto?

Resposta pessoal.

Em identificação: é quando a Funai, que é o ó rgã o indigenista federal, inicia estudos para definir se
a terra é, de fato, tradicionalmente ocupada por um ou mais povos indígenas. Identificada: é
aquela terra sobre a qual já se possui estudo realizado pela Funai e publicado no Diá rio Oficial da
Uniã o. Declarada: sã o as terras aprovadas pelo Ministro da Justiça, que autoriza a sua demarcaçã o
por meio de uma Portaria. Homologada: terras cuja demarcaçã o foi homologada por meio de um
decreto assinado pelo presidente da Repú blica.

Pá gina 27

Problemas dos indígenas hoje


Um dos principais problemas dos povos indígenas na atualidade é conseguir o
reconhecimento do seu direito à s terras em que habitam. O reconhecimento dessas
terras pelo Estado tem ocasionado disputas acirradas, o que contribui para
aumentar violência e as mortes no campo. De um lado, estã o os indígenas e seus
aliados; de outro, os fazendeiros, grileiros, madeireiros, posseiros e garimpeiros
que nã o reconhecem os territó rios de ocupaçã o tradicional como terra indígena. 1

1. Dica! Documentário sobre a aldeia indígena Ribeirão Silveira, em Bertioga (SP). [Duração: 27
minutos]. Acesse: <http://tub.im/gjq2e4>.

Outro problema é a invasã o das á reas indígenas (já delimitadas) por fazendeiros,
posseiros, madeireiros e garimpeiros desejosos de explorar as riquezas nelas
existentes. Mais um problema, ainda, é que os povos indígenas sã o numerosos,
falam línguas diferentes e estã o espalhados por á reas distantes umas das outras, o
que dificulta a luta deles por direitos. 2

2. Dica! Vídeo produzido pela ONU abordando os suicídios e o desespero de indígenas Tupi
-Guarani no Brasil. [Duração: 9 minutos]. Acesse: <http://tub.im/pta6nc>.
Palê Zuppani/Pulsar

Cacique Tafukumã , da naçã o Kalapalo, na Aldeia Aiha, em Querência (MT), 2009.

As lutas dos povos indígenas


As organizaçõ es em defesa da causa indígena têm crescido em importâ ncia e
representatividade.

Parte delas sã o organizações indigenistas, como o Conselho Indigenista


Missioná rio (Cimi), ó rgã o oficial da Igreja cató lica, e o Instituto Socioambiental
(ISA), uma organizaçã o da sociedade civil de interesse pú blico. Outra parte é
formada por organizaçõ es lideradas pelos pró prios indígenas.

Organizações indigenistas: organizaçõ es voltadas à causa indígena.

Algumas dessas organizaçõ es estã o ligadas a uma só aldeia, como a Associaçã o


Xavante de Pimentel Barbosa, no estado do Mato Grosso; outras reú nem vá rios
povos localizados ao longo de determinado rio ou regiã o, como a Federaçã o das
Organizaçõ es Indígenas do Rio Negro (Foirn); outras ainda possuem uma
representaçã o maior e mais variada, como a Coordenaçã o das Organizaçõ es
Indígenas da Amazô nia Brasileira (Coiab), formada por mais de uma centena de
povos. Em nível nacional, foi constituída a Articulaçã o dos Povos Indígenas do
Brasil (Apib), que reú ne representantes de organizaçõ es indígenas de todo o país e
que, nos ú ltimos anos, vem liderando manifestaçõ es em defesa dos direitos
indígenas.

Pá gina 28
As lutas dos povos indígenas têm rendido frutos. Sua participaçã o ativa nos
trabalhos que deram origem à Constituiçã o de 5 de outubro de 1988 foi importante
para a aprovaçã o de vá rias leis de seu interesse.

Uma das principais conquistas dessa Constituiçã o foi o reconhecimento de seu


direito à diferença, ou seja, o direito de ser índio e de permanecer como tal. Outra
conquista foi o reconhecimento de seu direito à terra.

Dica! Documentário sobre a luta dos povos indígenas do rio Xingu contra a construção da usina
de Belo Monte. [Duração: 10 minutos]. Acesse: <http://tub.im/zdkxnk>.

O caput do artigo 231 da Constituiçã o de 1988 afirma que “sã o reconhecidos aos
índios sua organizaçã o social, costumes, línguas, crenças e tradiçõ es [...]”. Diz ainda
o mesmo artigo: “Sã o reconhecidos aos índios [...] os direitos originá rios sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, competindo à Uniã o demarcá -las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens”.

Além disso, o pará grafo 2º do artigo 210, dessa mesma Constituiçã o, assegura aos
povos indígenas um Ensino Fundamental regular em língua portuguesa,
respeitando a utilizaçã o de suas línguas maternas e processos pró prios de
aprendizagem, incentivando, assim, a educaçã o escolar indígena.

A Constituiçã o de 1988 estimulou também a capacitaçã o de professores indígenas


para atuar junto à s suas populaçõ es. Em 1991, a responsabilidade pela educaçã o
escolar indígena passou para as secretarias estaduais e municipais de educaçã o.
Em 1999, o MEC estabeleceu normas de funcionamento das escolas indígenas e as
diretrizes curriculares destinadas ao ensino bilíngue da histó ria e da ciência desses
povos.

Enfim, mobilizados e atuantes, os povos indígenas têm conquistado espaços


importantes no cená rio político local e nacional. Por meio de suas pró prias
organizaçõ es, e do apoio de seus aliados, avançam na conquista de sua cidadania.
Uma cidadania da qual estiveram excluídos por séculos.

Como observado em um texto do Ministério da Educaçã o:

Já se foi o tempo de missioná rios, juristas e políticos decidirem o destino dos índios. Isso cabe a
eles. A eles cabe o direito de decidir seu futuro, resolver o que querem mudar e o que
pretendem manter. A nó s, cabe lutar por uma sociedade que saiba respeitar a diferença e
conviver com ela, possibilitando a todos o acesso à plena cidadania.

MEC/Seed/SEF. Cadernos da TV Escola: Índios no Brasil 3. Brasília, 2001. p. 40.


Fabio Colombini

Escola indígena com estudantes do povo saterê-maué, em Manaus (AM), 2014. Atualmente vêm
sendo desenvolvidos métodos de ensino e aprendizagem, conteú dos e materiais didá ticos
adequados à educaçã o escolar indígena. A educaçã o oferecida por estas escolas quer ajudar o aluno
a consolidar sua identidade étnica, valorizar o conhecimento tradicional, sua língua e a histó ria do
grupo ao qual pertence. Note que a professora mostrada na imagem também é indígena.

Pá gina 29

ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. (Unemat-MT – 2015)

Tenochtitlán, uma cidade de canais, praças e mercados, pirâ mides, templos, palá cios, lojas e
residências, que começou numa ilha no lago Texcoco e estendeu-se para as praias mais
pró ximas com as quais se comunicava por estradas. Na época da conquista espanhola, ela era
uma orgulhosa metró pole de 200 mil habitantes, tã o soberba que o conquistador Bernal Diaz
del Castillo registrou que mesmo “aqueles que estiveram em Roma ou Constantinopla dizem
que em termo de conforto, regularidade e populaçã o nunca viram algo semelhante”.

PINSKY, Jaime et al. História da América através de textos. 3. ed. Sã o Paulo: Contexto, 1991. Adaptado.

A cidade de Tenochtitlá n era o centro de qual Império?

a) Inca.

b) Asteca.

c) Maia.
d) Tolteca.

e) Tupinambá .

1. Resposta: b.

2. (UEL-PR – 2014) As cidades antigas, construídas por diversas sociedades, expressaram através
do tempo sua cultura, arquitetura, ciência e modo de vida. Muitas se tornaram monumentos ao ar
livre, nos quais se desenvolveram pesquisas arqueoló gicas que abasteceram de objetos histó ricos
as maiores coleçõ es museográ ficas europeias. Relacione as cidades, na coluna da esquerda, com as
suas respectivas sociedades, na coluna da direita.

(I) Biblos (a) Suméria


(II) Chichén-Itza (b) Persa
(III) Lagash (c) Maia
(IV) Machu-Picchu (d) Inca
(V) Pasá rgada (e) Fenícia

Assinale a alternativa que contém a associaçã o correta.

a) I-b, II-d, III-e, IV-a, V-c.

b) I-c, II-a, III-d, IV-e, V-b.

c) I-c, II-d, III-e, IV-b, V-a.

d) I-e, II-a, III-d, IV-b, V-c.

e) I-e, II-c, III-a, IV-d, V-b.

2. Resposta: e.

3. (UFSM-RS) A populaçã o inca vivia em pequenas coletividades agropastoris, as aldeias. Essas


aldeias eram de vá rios tamanhos e habitadas por famílias unidas por laços de parentesco ou
aliança, formando um conjunto denominado:

a) Curaca.

b) Ayllu.

c) Calpulli.

d) Halach Uinic.

e) Batab.

3. Resposta: b.

4. (UFRGS-RS – 2012) O decréscimo populacional dos povos indígenas instalados no litoral da


América portuguesa durante o século XVI resultou, entre outros fatores, de surtos epidêmicos.

Considere as afirmaçõ es a seguir, relativas a essa catá strofe demográ fica.

I. A dizimaçã o da populaçã o indígena gerou uma crise demográ fica e ocasionou o desaparecimento
de grupos ameríndios.
II. Houve inú meros movimentos migrató rios indígenas, forçados ou voluntá rios, para o interior do
Brasil; para fugirem das epidemias e da escravizaçã o.

III. O despovoamento do litoral brasileiro durante o primeiro século de ocupaçã o conferiu uma
dimensã o trá gica à colonizaçã o.

Quais estã o corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas II.

c) Apenas I e III.

d) Apenas II e III.

e) I, II e III.

4. Resposta: e.

Pá gina 30

5. (Enem/MEC – 2015)

A língua de que usam, por toda a costa, carece de três letras; convém a saber, nã o se acha nela
F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim nã o têm Fé, nem Lei, nem Rei, e dessa
maneira vivem desordenadamente, sem terem além disto conta, nem peso, nem medida.

GÂ NDAVO, P. M. A primeira história do Brasil: histó ria da província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos
Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2004 (adaptado).

A observaçã o do cronista português Pero de Magalhã es de Gâ ndavo, em 1576, sobre a ausência das
letras F, L e R na língua mencionada, demonstra a

a) simplicidade da organizaçã o social das tribos brasileiras.

b) dominaçã o portuguesa imposta aos índios no início da colonizaçã o.

c) superioridade da sociedade europeia em relaçã o à sociedade indígena.

d) incompreensã o dos valores socioculturais indígenas pelos portugueses.

e) dificuldade experimentada pelos portugueses no aprendizado da língua nativa.

5. Resposta: d.

6. (Enem/MEC)

Em geral, os nossos tupinambá ficam bem admirados ao ver os franceses e os outros dos países
longínquos terem tanto trabalho para buscar o seu arabotã , isto é, pau-brasil. Houve uma vez
um anciã o da tribo que me fez esta pergunta: “Por que vindes vó s outros, mairs e peró s
(franceses e portugueses), buscar lenha de tã o longe para vos aquecer? Nã o tendes madeira em
vossa terra?”

(LÉ RY, J. Viagem à Terra do Brasil. In: FERNANDES, F. Mudanças Sociais no Brasil. Sã o Paulo: Difel, 1974)

O viajante francês Jean de Léry (1534-1611) reproduz um diá logo travado, em 1557, com um
anciã o tupinambá , o qual demonstra uma diferença entre a sociedade europeia e a indígena no
sentido

a) do destino dado ao produto do trabalho nos seus sistemas culturais.

b) da preocupaçã o com a preservaçã o dos recursos ambientais.

c) do interesse de ambas em uma exploraçã o comercial mais lucrativa do pau-brasil.

d) da curiosidade, reverência e abertura cultural recíprocas.

e) da preocupaçã o com o armazenamento de madeira para os períodos de inverno.

6. Resposta: a.

7. (Vunesp-SP) Leia os textos seguintes.

››Texto 1

Etnocentrismo: tendência para considerar a cultura de seu pró prio povo como a medida para
todas as outras.

(Novo Dicioná rio Aurélio.)

››Texto 2

[Os índios] nã o têm fé, nem lei, nem rei (...). sã o mui desumanos e cruéis, (...) sã o mui
desonestos e dados à sensualidade (...). Todos comem carne humana e têm-na pela melhor
iguaria de quantas pode haver (...). Vivem mui descansados, nã o têm cuidado de cousa alguma
se nã o de comer e beber e matar gente.

(Pero de Magalhã es Gandavo. Tratado da Terra do Brasil, século XVI.)

a) O texto nº 2 pode ser considerado etnocêntrico? Justifique sua resposta.

7. a) Sim, porque o autor expressa a visã o de mundo dominante no Ocidente cristã o daquela é poca e julga o “outro”, no caso
os indígenas, tomando por bases suas pró prias crenças e valores. Seu etnocentrismo fica evidente quando ele os acusa de
desonestos, preguiçosos (“mui descansados”), relapsos (“nã o têm cuidado de cousa alguma”) e de só se dedicarem a comer,
beber e matar gente.

b) Comente algumas das consequências, para as populaçõ es indígenas, da chegada dos portugueses
à América.

7. b) Os indígenas foram vítimas das guerras de conquista e apresamento; das grandes fomes que geralmente acompanham
as guerras; da desestruturaçã o social; da escravizaçã o, e, sobretudo, das doenças, como gripe, sarampo, tuberculose, varíola
e malá ria, que provocaram a morte de dezenas de milhares de pessoas.

Pá gina 31
II. Leitura e escrita em História
PROFESSOR, VER MANUAL.

Leitura e escrita de textos


VOZES DO PRESENTE

O texto a seguir é de um historiador especializado no tema; leia-o com atençã o.

O império do Sol

Muito longe [...] na Cordilheira e nas costas do Pacífico, estendia-se um outro mundo, o
Tahuantinsuyu [...]. Era um império repleto de cidades imponentes – enormes cidadelas, onde
circulava um exército de funcioná rios –, cortado por estradas que passavam por cristas e
abismos graças a inú meras pontes de cipó s e milhares de escadarias de pedra. Por todo lado
havia postos de parada, que eram ao mesmo tempo albergues e depó sitos, à beira desses
itinerá rios trilhados pelos correios oficiais ou chasqui, enviados pelos representantes do Inca.
Todas as estradas terminavam na capital do império, Cuzco.

Cristas: elevaçõ es.

Albergues: lugares de hospedagem.

Esse outro mundo era o dos incas e dos povos a eles submetidos. [...]

[...] O império inca era composto por um mosaico de povos e de paisagens naturais, dispersos
num quadro montanhoso que dificultava a comunicaçã o. Sua expansã o encontrava obstá culos.
“Enquanto no norte e no sul o império dominava imensas regiõ es, era detido a oeste e a leste
por duas fronteiras: uma, oceâ nica [...], outra, geopolítica, onde elementos naturais e pessoas
resistiam melhor que em outro lugar à política expansionista imperial. [...]

A força dos incas é primeiramente o império de uma língua, o quéchua, imposta à s populaçõ es
tributá rias e ensinada aos chefes dos grupos derrotados. É também o resultado de um
centralismo estatal e de uma política de deportaçã o que fixava nas regiõ es controladas pelo
Império Inca as etnias oriundas das regiõ es insubmissas. É a eficá cia de uma rede viá ria de
vinte mil quilô metros que cobria a maior parte do país. Por fim, é um laço ideoló gico e
religioso, o culto ao Sol Inti, que nã o parava de reafirmar a superioridade do Inca.

GRUZINSKI, Serge. A passagem do século: 1480-1520: as origens da globalizaçã o. Sã o Paulo: Companhia das Letras,
1999. p. 76-78. (Virando séculos).
JTB Photo/UIG via Getty Images

Vista de Machu Picchu, em Cuzco, 2013. Situadas no Peru, a 2 560 m de altitude, as ruínas sã o hoje
um dos mais instigantes sítios arqueoló gicos do mundo.

a) O texto é literá rio, filosó fico, jornalístico ou historiográ fico?

b) Como o autor descreve o Império Inca?

c) Como o autor do texto explica o poder dos incas?

d) Em dupla. Na visã o de vocês, quais dessas razõ es têm maior potencial explicativo?

Pá gina 32

Colonizações: espanhóis e
Capítulo 2

ingleses na América
A fonte 1 é texto da historiadora Janice Theodoro; já a fonte 2 é uma imagem atual
da Igreja e Convento de Santo Domingo, localizados em Cuzco, cidade que um dia
foi capital dos incas.

››Fonte 1

O colonizador, como se fosse um escultor, talhou a América na forma em que havia imaginado.
Destruía pirâ mide para construir igrejas, derrubava habitaçõ es para obter o desenho da praça
ou o traçado desejado para as ruas, jogava pedras nos canais para que os cavalos pudessem
circular melhor na cidade. Reconstituía-se tudo o que era possível para que o nú cleo urbano
lembrasse a Europa.

THEODORO, Janice. Descobrimentos e renascimento. Sã o Paulo: Contexto, 1991. p. 63.

››Fonte 2
Professor: o texto confirma a imagem e ambos se complementam. Como disse o historiador Cleber Cristiano Prodanov: “Os
espanhó is pouco se importaram com a arte e as formas dos incas; destruíram tudo que nã o fosse a imagem da Europa.
Portanto, alé m de obterem riquezas, os europeus consideravam importante destruir as formas de representaçã o dos
americanos, mostrar sua fragilidade, humilhar seu imperador e seus deuses, liquidá -los també m moralmente [...].”
(THEODORO, Janice. Descobrimentos e renascimento. Sã o Paulo: Contexto, 1991. p. 46)

Hemis/Alamy/Glow Images

Igreja e Convento de Santo Domingo del Cuzco, Cuzco, Peru, 2014.

Observando a imagem percebe-se que os espanhó is construíram a Igreja e


Convento de Santo Domingo sobre os três primeiros e resistentes degraus de um
monumento inca: o Templo do Sol, que tinha a forma de uma pirâ mide e era
dedicado ao deus Sol.

»» Com que intenção os espanhóis teriam feito isso?

»» Que relação se pode estabelecer entre o texto e a imagem?

»» O que essas fontes informam sobre a conquista espanhola da


América?

Pá gina 33

A Conquista
Os espanhó is iniciaram a ocupaçã o das terras da América pelas ilhas chamadas de
Guanaani pelos nativos e renomeadas pelos espanhó is como Sã o Salvador. Mas os
metais preciosos encontrados nesses locais eram insuficientes para saciar a “sede
de ouro e prata” que moveu aqueles europeus a virem para a América.
A conquista das terras astecas
Em 1519, o oficial espanhol Herná n Cortez desembarcou no litoral do México com
508 soldados, 16 cavalos e 14 canhõ es. Logo que estabeleceram contatos com os
ameríndios, Cortez e seus homens descobriram que o Império Asteca oprimia e
explorava os povos submetidos ao seu domínio. E que, por conta disso, os astecas
tinham muitos inimigos, entre os quais estavam os tlaxcaltecas, aguerridos
habitantes da cidade-Estado de Tlaxcala. De sua parte, os espanhó is buscaram
aliar-se aos povos insatisfeitos com os astecas. Os tlaxcaltecas, por sua vez,
também viram na aliança com os espanhó is uma possibilidade de destruir o
Império Asteca. Foi assim que espanhó is, tlaxcaltecas e muitos outros adversá rios
dos astecas marcharam sobre Tenochtitlá n, a capital do Império Asteca, a fim de
conquistá -la.

Movidos pela crença de que tinham direito à s terras americanas e contando com a
ajuda de milhares de aliados indígenas, Cortez e suas forças venceram os homens
de Montezuma (governante asteca) e conquistaram Tenochtitlá n (1521). Nã o se
sabe ao certo o nú mero de indígenas que auxiliou Cortez a tomar a capital asteca;
historiadores especializados acreditam que na primeira investida espanhola esse
nú mero tenha sido de 6 mil homens; e que na investida final contra a capital asteca
tenha chegado a 200 mil aliados indígenas, que nada receberam em troca.

SPL/Latinstock /Coleçã o particular

Batalha de Tepexic. Esta imagem é uma có pia de um dos 80 desenhos que constam do Lienzo de
Tlaxcala, obra extraordiná ria feita por artistas indígenas da cidade de Tlaxcala no século XVI. Note
que Herná n Cortez é desenhado a cavalo enquanto seus aliados batalham a pé.
Escola espanhola. Sé c. XVII. Ó leo sobre painel. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Esta pintura do século XVII representa a conquista de Tenochtitlán pelos espanhó is. Como a
imagem sugere, a aliança dos espanhó is com dezenas de milhares de nativos foi importante fator da
Conquista. Note que o autor da obra destaca os espanhó is mostrando-os em primeiro plano e numa
posiçã o superior a de seus aliados indígenas.

Pá gina 34

A conquista das terras incas


Animado pela descoberta de ouro e prata nas terras astecas, Francisco Pizarro
partiu do Panamá e chegou à cidade inca de Tumbez, em 1532. Dali, ele e seus
homens se deslocaram para Cajamarca, onde aprisionaram o imperador inca
Atahualpa. A seguir, Pizarro prometeu libertar o imperador inca em troca de todo o
ouro que coubesse no quarto onde ele estava preso. Os incas pagaram o resgate,
mas Pizarro nã o cumpriu o prometido e ordenou a morte de Atahualpa na fogueira.

DIALOGANDO

Qual terá sido a reação dos incas diante da atitude de Pizarro?

Resposta pessoal. Professor: comentar que os incas estranharam que um líder pudesse mentir. Entre eles o líder era visto
como um ser semidivino e que, portanto, só falava a verdade.

Pizarro e seus homens se aproveitaram também da desuniã o entre os pró prios


incas motivada pela disputa do trono inca entre os irmã os Atahualpa e Huá scar,
cujo pai havia morrido acometido por varíola. Além disso, Pizarro, à semelhança de
Cortez, também se aliou a povos nativos insatisfeitos com a dominaçã o exercida
sobre eles. Os wankas, um povo guerreiro do sul do atual Peru, e vá rios outros
povos indígenas ajudaram na conquista espanhola de Cuzco, a capital inca, em
1533. Dois anos depois, Pizarro fundou a Ciudad de los Reyes, atual Lima, que veio a
ser capital do novo domínio espanhol.
Os auxiliares de Pizarro projetaram Lima seguindo o modelo das cidades
espanholas. Na praça central ergueram a igreja, os prédios pú blicos e, a partir dela,
construíram ruas retas e casas que lembravam as da Espanha. Quanto mais
pró ximo da praça residia uma família, maior era o seu prestígio. Ou seja, a
localizaçã o da residência em relaçã o à praça simbolizava o status social de cada
família. Pró xima à costa do oceano Pacífico e distante de Cuzco, Lima contava
inclusive com uma instituiçã o de ensino superior, a Universidade de Sã o Marcos,
fundada em 1551, e existente até hoje. 1 e 2

1. Dica! Documentário sobre a conquista do México liderada por Cortez. [Duração: 46 minutos].
Acesse: <http://tub.im/x5i7g5>.

2. Dica! Documentário sobre a conquista do Império Inca pelos espanhóis. [Duração: 46 minutos].
Acesse: <http://tub.im/bdx59u>.

Christian Vinces/Shutterstock

Igreja e Convento de Sã o Francisco na principal praça do Centro Histó rico de Lima, cuja construçã o
se iniciou no século XVI. Fotografia de 2012.

Pá gina 35

Para refletir
A resistência indígena

Ao contrá rio do que se disse durante muito tempo, os ameríndios reagiram ao


domínio espanhol de diversas formas: praticando o suicídio, revoltando-se,
fugindo para a mata sozinhos ou em grandes grupos, e também por meio das
armas.
A resistência inca no sul do Peru, por exemplo, durou quase 40 anos. Protegidos
pela muralha de neve da Cordilheira dos Andes, eles resistiram aos espanhó is de
1532 a 1572. Só com muito esforço e com a ajuda de efetivos vindos da Espanha foi
que os espanhó is conseguiram vencer os incas. Na ocasiã o, o lendá rio Tú pac
Amaru, considerado o ú ltimo líder da resistência inca, foi aprisionado e decapitado
pelos espanhó is.

Lynn Johnson/National Geographic/Getty Images

Homens, mulheres e crianças indígenas se reú nem para homenagear seus ancestrais em Cuzco, no
Peru, 1989. As pedras nas quais eles se apoiam sã o restos de uma muralha erguida pela resistência
inca aos espanhó is.

a) Escolha a alternativa correta e responda oralmente. O texto apresenta uma


crítica à ideia presente no mito:

1. da democracia racial;

2. da cordialidade espanhola;

3. do indígena receptivo;

4. do pacifismo indígena diante do europeu;

5. da miscigenaçã o entre espanhó is e indígenas.

a) Alternativa 4.

b) A imagem nega, reforça ou relativiza o afirmado pelo texto?

b) A imagem reforça e documenta o afirmado no texto, pois descendentes de indígenas assistem a uma celebraçã o
acomodados ou apoiados em pedras que faziam parte de uma muralha erguida pelos incas para lutar contra os
conquistadores espanhó is.

c) Tente responder: por que, durante muito tempo, a resistência indígena durante
a conquista europeia da América esteve ausente dos livros escolares?

c) Essa atitude de negaçã o do indígena como sujeito de sua histó ria deveu-se a uma multiplicidade de fatores, entre os quais
cabe destacar:
•durante muito tempo a histó ria de vié s positivista apoiou-se em documentos escritos; os povos á grafos eram considerados
povos parados no tempo, sem histó ria;
• a historiografia de filiaçã o positivista produziu uma histó ria eurocê ntrica, apresentando os indígenas sempre como
coadjuvantes; além disso, postulou que, mais cedo ou mais tarde, o processo civilizató rio levaria à completa integraçã o dos
indígenas a nossa sociedade, ou ao seu desaparecimento.

Pá gina 36

Para saber mais


O texto a seguir é do historiador Matthew Restall, leia-o com atençã o.

Editora Civilizaçã o Brasileira

Fac-símile da capa do livro Sete mitos da conquista espanhola, de Matthew Restall. O livro desfaz
mitos e lança luz sobre uma questã o que sempre preocupou historiadores: o que explica a
conquista espanhola da América?

Uma declaraçã o clá ssica é a de [...] que “a histó ria da Conquista do México foi concluída com a
rendiçã o da capital”. Embora a frase esteja de acordo com a vasta maioria do que foi escrito
sobre a Conquista, desde o século XVI até o presente, apó s a destruiçã o de Tenochtitlá n os
espanhó is nã o haviam conquistado o México; haviam tã o somente desmembrado o Império
Asteca. [...]

[...] Enquanto isso, a presença hispâ nica no restante da regiã o coberta pelo Império Asteca era
mínima – e seu controle sobre a á rea mais ampla que viria a ser o México moderno,
praticamente nulo. Na verdade, os espanhó is sequer haviam posto os pés na maioria dos
territó rios do que seria a Nova Espanha colonial [...]. No início da década de 1520, Cortés
aparentemente acreditava [...] que Michoacá n fora subjugada e encontrava-se sob o domínio
hispâ nico – muito embora [...] a populaçã o nativa considerasse seu impé rio a potência
dominante da regiã o. [...] Portanto, ao mesmo tempo em que 1521 representou o fim da guerra
[...] contra o Império Asteca, assinalou também o princípio das guerras de conquista na maior
parte do México e Mesoamérica [...].

[...] De par com o tênue domínio do México central pelos espanhó is em 1521, o controle do
Peru era quase inexistente em 1532 (nã o obstante a captura e execuçã o de Atahuallpa) [...]. O
Estado inca independente subsistiu até seu governante, Tú pac Amaru, ser executado pelos
hispâ nicos em 1572 – e, mesmo depois disso, porçõ es significativas dos Andes continuaram
fora do controle colonial direto.
RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. Rio de Janeiro: Civilizaçã o Brasileira, 2006. p. 136-137.

As razões da conquista: um novo olhar


Como se viu, a conquista de Tenochtitlá n, em 1521, e de Cuzco, em 1533, nã o
significou a conquista dos impérios asteca e inca como um todo. A ideia de que a
tomada das capitais asteca e inca significou a queda desses impérios nã o condiz
com a realidade; é o que o historiador Matthew Restall chama de “mito da
completude”. A conquista espanhola da América indígena foi lenta e parcial,
prolongando-se por dezenas de anos e até mesmo séculos. Em vá rias regiõ es da
América, os espanhó is enfrentaram uma dura resistência indígena; a conquista
espanhola do Chile, por exemplo, só se consolidou no século XIX.

Mito da completude: para o historiador Matthew Restall, a ideia de que a conquista foi imediata e total é
um mito ao qual ele dá o nome de mito da completude.

Pá gina 37

A Conquista espanhola da América pode ser explicada por um conjunto de fatores


interdependentes, entre os quais cabe citar:

»» as doenças trazidas pelos europeus. Os vírus e as bactérias trazidos pelos


espanhó is mataram mais indígenas do que as armas de fogo. Os corpos dos
ameríndios nã o possuíam defesas contra doenças como varíola, sarampo, gripe,
entre outras. O imperador inca Huayna Capac e, em seguida, seu sucessor,
morreram por terem contraído varíola antes da chegada de Pizarro a Cuzco.
Lembre-se também de que essas doenças se manifestavam na forma de pandemia,
acometendo milhares de pessoas ao mesmo tempo, o que provocava muitos ó bitos
por inaniçã o. As pandemias de varíola e de sarampo foram responsá veis pela
morte de milhõ es de indígenas ainda nas primeiras décadas do século XVI.

»» o proveito que os espanhóis tiraram da desunião entre os diferentes


grupos de ameríndios. Lembre-se aqui de que os indígenas nã o se viam como
“índios” ou “nativos” e sim como membros de um grupo específico, seja ele asteca,
inca, tlaxcalteca ou wanka. E que também travavam guerras uns com os outros.
Essa desuniã o entre os nativos foi incentivada e manipulada pelos invasores. Dois
exemplos de como a desuniã o dos nativos favorecia os espanhó is foram a atuaçã o
dos intérpretes nativos e a colaboraçã o de alguns governantes indígenas que, com
isso, esperavam beneficiar suas pró prias linhagens e comunidades, em prejuízo
das demais.

»» a tecnologia bélica dos espanhóis. As armaduras de ferro dos espanhó is


protegiam o corpo inteiro e contra elas as flechas indígenas se mostravam inú teis.
As espadas de aço eram mais eficientes do que as armas de obsidiana dos
guerreiros nativos. Com elas os espanhó is lutavam por horas e matavam muitos
nativos. Os espanhó is chegados com Cortez dominavam também o uso da pó lvora
para fins militares e combatiam com arcabuzes e canhõ es. Lembre-se, no entanto,
de que a superioridade bélica proporcionada pelas armas dos espanhó is foi
decrescendo ao longo da Conquista, à medida que os indígenas se apossavam da
mesma tecnologia. O cavalo, por exemplo, era desconhecido dos nativos da
América, mas em pouco tempo seu uso foi assimilado por grupos indígenas entre
os quais se destacaram os araucanos, que logo se tornaram conhecidos como
exímios cavaleiros.

»» as visões de mundo dos astecas e incas eram muito diferentes das dos
espanhóis. A guerra para os astecas incluía a realizaçã o de cerimô nias que
antecediam as batalhas – que eliminavam a possibilidade de ataques de surpresa –
e a captura de inimigos para posterior execuçã o ritual, em vez de matá -los no ato.

Pedro Subercaseaux. Sem data. Coleçã o particular

Detalhe de O jovem Lautaro, obra do século XIX. O líder araucano Lautaro continua presente no
imaginá rio popular chileno. Nas terras onde hoje é o Chile, os indígenas araucanos ofereceram dura
e longa resistência aos espanhó is. Os araucanos aprenderam com os espanhó is a usar o cavalo como
arma de guerra e ficaram conhecidos pela maestria com que utilizavam esse animal em diversas
situaçõ es.

Pá gina 38

Os conquistadores ficavam indignados com o aparente desprezo dos indígenas


pela vida humana, contido nos rituais de “sacrifício” humano; para os astecas,
porém, o desrespeito era dos espanhó is, que assassinavam nativos em massa e
abatiam nã o combatentes. Além disso, o mundo indígena era cheio de regras, como
a de um líder nã o poder mentir. Atahualpa estranhou ter continuado prisioneiro de
Pizarro apó s ter pago o ouro que resgataria a sua liberdade.

»» os espanhóis sabiam muito mais sobre os nativos da América do que estes


sobre eles. Os espanhó is procuraram se informar a respeito das desavenças e
disputas entre os indígenas e estimularam a guerra entre eles, aliando-se a um dos
grupos. Vencida a guerra, se apossavam de tudo e subjugavam, inclusive, seus
aliados.

A economia colonial
A colonizaçã o da América espanhola foi impulsionada por nobres sem fortuna,
comerciantes, aventureiros e pelos reis da Espanha, ou seja, por interesses
pú blicos e privados, e se insere no contexto do mercantilismo. A crença no
metalismo, por exemplo, ajuda a explicar por que os espanhó is daquele tempo
manifestavam tanta sede de ouro.

A mineraçã o – sobretudo a da prata e a do ouro – foi a principal atividade


econô mica em boa parte da América espanhola. Concorreu para isso a forte
capacidade da mineraçã o de provocar efeitos multiplicadores sobre os outros
setores da economia, como a agricultura, a pecuá ria, a manufatura e o comércio.

O trabalho forçado dos ameríndios


Na América espanhola, predominou o trabalho forçado dos indígenas sob duas
formas: a mita e a encomienda.

A mita, há bito inca adaptado pelos espanhó is, era a obrigaçã o que os indígenas
tinham de trabalhar durante 4 meses por ano em troca de baixos salá rios. Esses
trabalhadores (os mitayos) recebiam por seu trabalho cerca de um terço do salá rio
de um trabalhador livre daquela época. Parte do salá rio era paga em moeda (ou
metal) e parte, em alimentos, tecidos e bebidas. Muitos deles se viciavam no
consumo de á lcool e acabavam morrendo.

Já a encomienda era o direito dado a um colono espanhol de exigir do indígena


trabalho forçado ou tributos em gênero por certo período. Com o correr do tempo,
esse privilégio passou a ser hereditá rio. Em troca do direito sobre a mã o de obra
indígena, o encomendero devia pagar tributos à metró pole e dar aos índios
assistência material e religiosa, isto é, cristianizá -los. Mas, na prá tica, milhares de
índios morriam de fome e sem ter aprendido uma ú nica oraçã o cristã . Originá ria
da Espanha, a encomienda foi nervo e vida na América de colonizaçã o espanhola.

Pá gina 39

A mineração
Na América, os espanhó is iniciaram a extraçã o de metais preciosos pela ilha de
Hispaniola (atuais Haiti e Repú blica Dominicana). O ouro ali encontrado, no
entanto, era ouro de aluvião e se esgotou rapidamente. Foi somente em 1545,
com a descoberta das minas de prata de Potosí (atual Bolívia) e, no ano seguinte,
das de Zacatecas (atual México), que a mineraçã o veio a ser o setor mais dinâ mico
da economia colonial.

Ouro de aluvião: ouro depositado nas margens ou no leito dos rios e de fácil extraçã o.

Na exploraçã o e no transporte da prata, os espanhó is utilizavam os mitayos (índios


obrigados ao cumprimento da mita). O trabalho consistia na extraçã o e também na
fundiçã o do minério, em fornos de elevadíssima temperatura. Para a tarefa de
refinar a prata, se recorria à mã o de obra de africanos escravizados, que utilizavam
técnicas de fundiçã o trazidas de suas terras de origem. Embora em menor
proporçã o, o uso de africanos escravizados subsistiu no Peru já independente até
meados do século XIX. As riquezas minerais de Potosí fizeram das elites da regiã o,
por algum tempo, as pessoas mais ricas das Américas, com renda anual de milhares
de pesos.

O subsolo da América espanhola era considerado propriedade da Espanha: os


mineradores obtinham apenas concessõ es de exploraçã o. As obras de perfuraçã o e
beneficiamento do minério e o elevado custo do mercú rio exigiam elevados
capitais, o que acabou restringindo o nú mero de mineradores e facilitando o
controle sobre essa atividade.

Theodor de Bry. Sec. XVI. Coleçã o particular. Foto: Akg-Images/Latinstock

Esta gravura de Théodore de Bry (1590) mostra pessoas conduzindo lhamas carregadas de prata.
Elas deixavam as terras altas da cordilheira andina depois de um longo percurso e chegavam ao
litoral da América banhado pelo Atlâ ntico. De lá a prata era embarcada para o porto de Sevilha, na
Espanha.

Pá gina 40
A agropecuária
A agropecuá ria foi praticada em extensas á reas do territó rio americano. A unidade
produtora bá sica nos campos coloniais foi a fazenda (hacienda), grande
propriedade rural voltada para a policultura. Entre as plantas mais cultivadas
estavam o milho, a batata, o cacau, e o tabaco (nativas da América) e a cana-de-
açú car (introduzida na América pelos europeus); além disso, criava-se gado de
corte e de transporte (como mulas e cavalos).

Sua produçã o destinava-se ao mercado local, intercolonial ou à exportaçã o para a


Espanha. Os trabalhadores dessas fazendas eram obrigados a comprar no
armazém da propriedade (tienda de raya) aquilo de que necessitavam (roupas,
calçados, alimentos), e, assim, se tornavam prisioneiros por dívida. A fazenda
exigia pouco capital para seu funcionamento, e se inseria em circuitos mercantis
que abrangiam extensas á reas do territó rio colonial. Era a fazenda hispano-
americana, por exemplo, que abastecia as minas situadas no México e em Potosí.

Com o declínio da mineraçã o, no século XVIII, a agropecuá ria se desenvolveu ainda


mais e as regiõ es dedicadas a essas atividades tornaram-se mais dependentes das
vendas para a Europa.

Na América colonial espanhola, desenvolveu-se também a plantation, grande


propriedade rural monocultora voltada para o mercado externo. Existiu um grande
nú mero de plantations em á reas como Santo Domingo e Cuba (açú car, tabaco), e
Venezuela (cacau). A mã o de obra das plantationsera formada basicamente por
africanos escravizados. Sua produçã o era quase toda destinada a comércio
atlâ ntico. Estudos recentes indicam que a produçã o de alimentos pelos
escravizados e o comércio desses alimentos foram importantes no conjunto da
economia colonial da América hispâ nica.

Sé c. XVIII. Gravura. Coleçã o particular. Foto: The Granger Collection/Glow Images

Engenho de produçã o de açú car na regiã o das Antilhas em uma gravura do século XVIII. No canto
superior direito, vê-se a casa do fazendeiro; no canto inferior direito, as habitaçõ es dos escravos; ao
centro, as plantaçõ es de cana e, no canto inferior esquerdo, a casa onde se fabricava o açú car.
Pá gina 41

Manufatura, artesanato e mercado interno


O elevado preço dos fretes marítimos e a lentidã o dos transportes terrestres
acabaram estimulando o florescimento do artesanato e da manufatura chamada na
América espanhola de obraje. As principais obrajes produziam tecidos de lã
(cobertores, ponchos, xales) e eram instaladas pró ximas a mercados
consumidores, como Quito, que vendia à s minas de Nova Granada (Colô mbia), e
Tucumá n (no noroeste da atual Argentina), que destinava seus tecidos a Potosí.
Assim, se desenvolveu desde cedo na América colonial espanhola um mercado
interno pró spero.

Obraje: oficina que utiliza o trabalho manual para produzir tecidos, artigos de couro, cigarros, charutos, entre
outros.

Já o artesanato era praticado por trabalhadores reunidos em corporaçõ es de ofício


e por artesã os independentes. As corporaçõ es com maior prestígio, como a dos
tecelõ es e ferreiros, só admitiam brancos ou mestiços; outros ramos menos
valorizados socialmente, como o dos pedreiros ou carpinteiros, admitiam índios e
negros.

O controle sobre o comércio colonial


O comércio e a navegaçã o entre a Espanha e suas colô nias americanas eram
controlados pela Casa de Contratação, com sede em Sevilha, na Espanha, desde
1503. Esse ó rgã o administrava o comércio com a América pelo sistema de portos
únicos. Os navios que faziam a rota Espanha-América só podiam entrar ou sair do
territó rio espanhol por um ú nico porto, o de Sevilha. Na América, os ú nicos portos
autorizados a fazer comércio com a Espanha eram os de Havana (Cuba), Vera Cruz
(México), Cartagena (Colô mbia) e Porto Belo (Panamá ).

O controle do comércio colonial era feito também pelo sistema de frotas e


galeões. Os navios que iam da América para a Espanha ou que vinham de lá para
cá tinham de viajar juntos (frotas), protegidos por outros navios fortemente
armados (galeõ es). As frotas e os galeõ es vinham e voltavam carregados de
mercadorias duas vezes por ano. Assim, a Espanha mercantilista conseguia
controlar tanto o que entrava nas suas colô nias quanto o que saía delas, auferindo
lucro sextraordiná rios.
Alonso Sanchez Coello. Sé c. XVI. Ó leo sobre tela (detalhe). Museo de America, Madrid. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

O porto de Sevilha, c. 1580, detalhe da obra de Sanchez Coello (1531- 1589). A imagem desse porto
ajuda a imaginar o que pode ter sido o movimentado comércio entre a Espanha e suas colô nias na
América.

Pá gina 42

Esse monopó lio do comércio colonial acabou provocando uma reaçã o esperada: o
contrabando, muito praticado em toda a América espanhola.

A administração colonial
O principal ó rgã o da administraçã o espanhola na América foi o Conselho Real e
Supremo das Índias, criado por Carlos V, em 1524. Com sede na Espanha, esse
ó rgã o era encarregado de todas as questõ es coloniais de ordem legislativa,
eclesiá stica, militar ou jurídica.

Inicialmente, com o objetivo de economizar recursos, a Coroa espanhola transferiu


a particulares o direito de administraçã o dos territó rios conquistados. O indivíduo
que recebia o benefício era chamado de adelantado (adiantado) e tinha amplos
poderes civis e militares. Cortez e Pizarro, por exemplo, eram adelantados. Com a
adoçã o desse sistema, a Coroa transferiu para particulares o ô nus da colonizaçã o e
estimulou a conquista de terras e povos. Eles tinham de enviar para a Espanha um
quinto de toda a riqueza das terras conquistadas por eles.
Com o avanço da colonizaçã o, as riquezas americanas foram sendo reveladas. A
metró pole decidiu, entã o, anular as concessõ es feitas aos adelantados e ampliar
seu poder de controle sobre o territó rio americano. Isso ajuda a explicar por que
no decorrer do tempo a Espanha criou quatro vice-reinos: o de Nova Espanha, o
do Peru, o de Nova Granada e o do Rio da Prata. E criou também as Capitanias
Gerais. As principais foram: Cuba, Guatemala, Venezuela e Chile, todas situadas em
á reas militarmente estratégicas. Observe o mapa ao lado.

Nas principais cidades havia ainda as Câ maras Municipais. Essas câ maras –


chamadas de cabildos ou ayuntamientos – eram responsá veis pela segurança
interna e pela administraçã o local. Os vereadores eram quase sempre os filhos de
espanhó is nascidos na América, que no final do período colonial passaram a ser
chamados de criollos.

América Espanhola (séculos XVI a XVIII)

Allmaps

Fonte: THE TIMES Atlas of the World History. Londres: Times Books, 1990. p. 161.

Pá gina 43

A sociedade colonial
A sociedade colonial hispano-americana era formada basicamente por:
chapetones ou peninsulares (colonos nascidos na Espanha), criollos (filhos de
espanhó is nascidos na América), mestiços (filhos de peninsulares ou de criollos
com indígenas ou africanas), indígenas (maioria da populaçã o) e negros
escravizados. Essa sociedade possuía hierarquia rígida e pouca mobilidade social
(a dificuldade de ascensã o social era grande).

Os brancos, nascidos na Espanha ou na América, eram minoria e concentravam em


suas mã os poder, riqueza e privilégios. Possuíam os melhores cargos na
administraçã o pú blica, na Igreja, nas forças militares e na Justiça. Eram também os
donos das fazendas, minas e manufaturas.

Os índios, negros e mestiços eram maioria e sobreviviam do trabalho forçado, mal


remunerado ou escravo. Na hierarquia social, um indivíduo era visto segundo seu
maior ou menor grau de semelhança física com o espanhol, e a discriminaçã o
contra índios e negros era acentuada.

Martinez. Sé c. XVIII. Aquarela. Biblioteca Real, Madri. Foto: Album/Oronoz/Latinstock

Espanhol a cavalo na América, século XVIII. Códice Trujillo del Perú.

A ocupação da América inglesa


Durante quase todo o século XVI, os ingleses demonstraram pouco interesse pela
América do Norte. A primeira experiência de colonizaçã o se deu no reinado de
Elizabeth I, da dinastia Tudor. Ele concedeu permissã o a sir Walter Raleigh para
que iniciasse a colonizaçã o da América. A primeira expediçã o foi liderada por ele e
aportou em 1584 na costa leste da América, em uma terra que batizou de Virgínia,
em homenagem a Elizabeth, a rainha virgem. À semelhança do que ocorreu na
América espanhola, a Coroa delegou a particulares os encargos da colonizaçã o,
reservando para si uma parte de eventuais descobertas de ouro e prata.

O início da vida desses primeiros colonos que vieram para a América inglesa nã o
foi fá cil, pois tiveram de enfrentar a fome, o frio, as doenças e a resistência dos
indígenas à ocupaçã o de suas terras. Esses fatores levaram ao fracasso a primeira
experiência de colonizaçã o inglesa em terras americanas.
No século XVII, porém, a Inglaterra e sua crescente burguesia decidiram ativar os
negó cios coloniais. Assim, para ocupar efetivamente a costa atlâ ntica da América, o
rei inglês Jaime I criou, em 1601, duas Companhias de Comércio: a Companhia de
Londres, que ocuparia a regiã o Sul, e a Companhia de Plymouth, que ficaria com o
Norte. Essas companhias eram formadas por capitalistas interessados em lucrar
com o transporte de pessoas e mercadorias.

Companhia de Comércio: empresa capitalista voltada ao transporte de pessoas e mercadorias, composta,


majoritariamente, de membros da burguesia inglesa.

Pá gina 44

E, por isso, lançaram uma propaganda prometendo terras férteis e uma nova vida
à queles que embarcassem para a América.

O primeiro povoado permanente na América do Norte foi Jamestown (1607), na


Virgínia. Posteriormente foram criadas outras colô nias, formando as Treze
Colô nias, que deram origem aos Estados Unidos da América.

Dica! Documentário sobre os primeiros ingleses que chegaram à América do Norte. [Duração: 43
minutos]. Acesse: <http://tub.im/i9nsvj>.

Os primeiros colonos
As pessoas atraídas pela propaganda das Companhias de Comércio eram de
diversas origens e condiçõ es sociais: aventureiros, degredados, mulheres para
serem leiloadas como esposas, ó rfã os e crianças raptadas... Havia também:

»» Camponeses sem terra – trabalhadores pobres seduzidos pelas promessas


feitas pelas Companhias de Comércio de terras férteis e abundantes à queles que
embarcassem para a América. Sem ter como pagar a passagem, os camponeses
aceitavam embarcar como servos temporários. A servidã o temporá ria
(indenturent servant) consistia em trabalhar gratuitamente por quatro ou cinco
anos na propriedade americana de quem havia pago a passagem do imigrante.

»» Grupos religiosos protestantes – puritanos, batistas, quakers, fugidos da


perseguiçã o que a monarquia inglesa movia a todos os que contrariavam sua
religiã o (o anglicanismo) e sua política absolutista. Em 1620, um grupo de
puritanos ingleses deixou a Inglaterra a bordo do Mayflower e desembarcou no
litoral de Massachusetts, onde fundou um nú cleo pró spero de colonizaçã o: New
Plymouth. Eram pouco mais de 100 pessoas com alto grau de instruçã o. Os “pais
peregrinos” (Pilgrim Fathers) viam a si pró prios como um grupo eleito por Deus
para colonizar a América. A crença religiosa colaborou para manter a identidade e
a coesã o do grupo, ajudando-o a superar os obstá culos iniciais de adaptaçã o à nova
terra. Ao contrá rio dos colonos portugueses da América, que viam o trabalho como
uma atividade a ser exercida por etnias consideradas inferiores (indígenas e
negros), grande parte dos colonos ingleses encarava o trabalho como algo
edificante. Entre os puritanos, por exemplo, predominou a visã o do reformador
Joã o Calvino, para quem o ó cio é pecado e enriquecer trabalhando é indício de que
o indivíduo será salvo. Outra característica do grupo dos puritanos foi seu
interesse pela educaçã o. Foram eles que criaram, em 1636, a Universidade de

Robert Walter. 1857. Ó leo sobre tela. Brooklyn Museum of Art. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Peregrinos deixando a Inglaterra rumo à América. Nessa obra de 1857, o pintor Robert Walter Weir
os representa portando a Bíblia e orando.

DIALOGANDO

Por que os “pais peregrinos” do Mayflower foram considerados os únicos fundadores da


nação norte-americana?

Professor: comentar que ocorreu uma apropriaçã o da memó ria da colonizaçã o: só a parte wasp (em inglê s, branco, anglo-
saxã o e protestante) da populaçã o foi valorizada, enquanto os indígenas, os africanos e os vá rios grupos europeus foram
mantidos no esquecimento.

Pá gina 45

Harvard, em Cambridge, Massachusetts, para formar futuros dirigentes de suas


igrejas nas colô nias.

»» Outras populações – além dos ingleses, milhares de outros europeus –


alemã es, escoceses, irlandeses e franceses – também se mudaram para a América
do Norte na esperança de uma vida melhor. Além desses grupos europeus vindos
por vontade pró pria, foram trazidos da Á frica Ocidental milhares de africanos
escravizados. Isso ajuda a explicar por que, entre 1620 e 1720, a populaçã o das
Treze Colô nias passou de 2500 pessoas para cerca de 3 milhõ es, sem contar a
populaçã o indígena.

Para saber mais


Indígenas na vida real e no cinema
A América inglesa, do Atlâ ntico até o Pacífico era habitada por centenas de grupos
indígenas, como os Cherokees, iroqueses, algonquinos, comanches e apaches. A
histó ria desses povos foi profundamente afetada pela chegada dos europeus.
Dentre os grupos indígenas com os quais os colonos tiveram mais contato
inicialmente, podemos destacar os iroqueses e os algonquinos. Ambos viviam nas
florestas temperadas das Colô nias do Norte e também onde é hoje o Canadá . Esses
e outros grupos indígenas nunca foram integrados à colonizaçã o inglesa.

Na América portuguesa, a escassez de mulheres brancas estimulou a uniã o entre


colonos e mulheres indígenas. Já no caso da América do Norte essa uniã o nã o era
estimulada. Houve miscigenaçã o, mas em muito menor grau do que na América
portuguesa. Por isso, os historiadores atuais apontam a falta de um projeto de
integraçã o dos indígenas norte-americanos no processo de colonizaçã o da América
inglesa.

Os indígenas resistiram ao avanço dos colonos europeus sobre suas terras por
meio de violentos ataques a eles. Durante a colonizaçã o, esses conflitos se
intensificaram e alguns deles culminaram em acordos de demarcaçã o de terras. Em
decorrência desses acordos surgiram, também, as reservas indígenas, á reas
destinadas exclusivamente a indígenas. No entanto, muitos desses acordos foram
violados, e as á reas das reservas indígenas, desrespeitadas.

Edward S. Curtis/Corbis/Latinstock

Indígena da naçã o Apache, 1904.


Hulton Archive/Getty Images

Quanah Parker, indígena da naçã o Comanche, em fotografia do fim do século XIX.

Pá gina 46

As Treze Colônias
COLÔNIAS ORIGINAIS
Nome Fundada por Ano
Virgínia Companhia de Londres 1607
New Hampshire Companhia de Londres 1623
Massachusetts John Mason e outros separatistas 1620- 1630
(Plymouth) puritanos
Maryland Lord Baltimore 1634
Connecticut Emigrantes de Mass 1635
Rhode lsland Roger Williams 1636
Carolina do Norte Emigrantes da Virgínia 1653
Nova York Holanda 1613
Nova Jersey Barkeley Carteret 1664
Carolina do Sul Nobres ingleses 1670
Pensilvâ nia William Penn 1681
Delaware Suécia 1638
Geó rgia George Oglethorpe 1733

Fonte: KARNAL, Leandro et al. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. Sã o Paulo: Contexto, 2007. p.
44.

Apesar de estarem submetidas à s leis inglesas e pagarem impostos à metró pole, as


Treze Colô nias da América do Norte viveram, durante o século XVII, uma relativa
autonomia; isso possibilitou, por exemplo, desenvolverem a prá tica de se reunir
em assembleias para tomarem decisõ es que envolviam seus interesses.

Mas, apesar das semelhanças, as Treze Colô nias apresentavam acentuadas


diferenças socioeconô micas entre si, o que permite aos historiadores dividi-las em
três grupos: colô nias do Norte (ou Nova Inglaterra), colô nias do Centro e colô nias
do Sul.

As Treze Colônias (século XVIII)


Allmaps

Fonte: ALBUQUERQUE, Manoel Maurício et al. Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro: FAE, 1991. p. 62.

O mapa mostra as Treze Colô nias que deram origem aos Estados Unidos da América. Dez delas
foram fundadas por britâ nicos. Nova York, cujo primeiro nome foi Nova Amsterdã , era
originalmente holandesa. Delaware foi colonizada por suecos. Todas elas passaram depois ao
domínio britâ nico.

Pá gina 47

As colônias do Centro-Norte
As colô nias do Centro-Norte da costa Atlâ ntica, á rea de clima temperado,
semelhante ao europeu, desenvolveram-se com base na policultura (trigo, maçã ,
batata, milho), na pequena propriedade e na mã o de obra familiar ou servil. Além
disso, produziram também manufaturas feitas de lã , couro, ferro e madeira. Esses
produtos eram exportados para diferentes lugares; era o chamado comércio
triangular. Veja como esse lucrativo comércio funcionava:

» Passo 1 – usando navios pró prios, os colonos do Norte compravam melaço das
Antilhas e o transformavam em rum.

» Passo 2 – essa bebida era levada para a costa ocidental da Á frica e trocada,
usualmente, por africanos escravizados.

» Passo 3 – os escravizados eram vendidos para o Sul da América do Norte e para


as Antilhas, de onde os navios voltavam carregados com mais melaço.
Donas de uma economia diversificada e de um comércio exterior lucrativo, as
colô nias do Norte (também chamadas de Nova Inglaterra) mantinham certa
autonomia em relaçã o à metró pole. Observe o mapa.

Dica! Vídeo sobre o comércio triangular na colonização inglesa. [Duração: 3 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/ka2nmk>.

O comércio triangular (século XVIII)

Allmaps

Fonte: NARO, Nancy P. S. A formação dos Estados Unidos. 3. ed. Sã o Paulo/Campinas: Atual/Editora da Unicamp,
1987. p. 15. (Discutindo a Histó ria).

O comércio triangular enriqueceu as colô nias do Centro-Norte e fortaleceu-as diante da metró pole
inglesa; além disso, contribuiu também para que ganhassem capacidade de decidir com autonomia.

Pá gina 48

As colônias do Sul
O Sul – regiã o de clima quente e planícies extensas – produziu, desde cedo, gêneros
agrícolas de larga aceitaçã o na Europa, como o fumo, o algodã o e o anil. Desde cedo
também os fazendeiros sulistas trouxeram escravizados da Á frica Ocidental para
trabalharem nas suas plantaçõ es. Assim, o Sul foi sendo ocupado por plantations
(grandes propriedades escravistas que cultivavam um ú nico produto, como o
algodã o, por exemplo). Com isso, formou-se na regiã o uma sociedade aristocrá tica
e caracterizada por grande desigualdade social. Os sulistas vendiam fumo, algodã o
e anil para a Inglaterra e compravam dela quase tudo de que necessitavam: desde
ferramentas e livros até garfos, facas, entre outros. Essa dependência econô mica
em relaçã o à metró pole inibia o afloramento de ideias de independência política.
Currier and Ives. 1884. Coleçã o particular. Foto: PhotoQuest/Getty Images

Litogravura de 1884 representando uma plantaçã o de algodã o no Mississippi. A imagem mostra os


dois principais grupos sociais do sul das Treze Colô nias: os fazendeiros e os negros escravizados
trabalhando em diversas ocupaçõ es.

A organização política das Treze Colônias


Se no plano socioeconô mico as Treze Colô nias possuíam diferenças acentuadas
entre si, no aspecto político-administrativo tinham mais semelhanças do que
diferenças. Cada colô nia tinha uma assembleia encarregada de fixar os impostos
locais, votar o orçamento do governo colonial e elaborar leis, que eram submetidas
ao governador. Participando intensamente da vida política, os colonos foram
desenvolvendo sentimentos de autonomia em relaçã o à metró pole e há bitos de
autogoverno, decisivos nas lutas pela Independência.

Assembleia: ó rgã o eleito pelos homens livres, os ú nicos com direito de votar e de ser votados.

Governador: em algumas colô nias os governadores eram nomeados pela monarquia inglesa e tinham o
poder de anular (vetar) as leis contrá rias aos interesses metropolitanos; em outras eram eleitos pelos pró prios
colonos e nã o tinham direito de veto.

Pá gina 49

ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. Interprete a seguinte afirmaçã o:

Os espanhó is pouco se importaram com a arte e as formas dos incas; destruíram tudo que nã o
fosse a imagem da Europa. Portanto, além de obterem riqueza, os europeus consideravam
importante destruir as formas de representaçã o dos americanos, mostrar sua fragilidade,
humilhar seu imperador e seus deuses, liquidá -los também moralmente [...]

PRODANOV, Cleber Cristiano. O mercantilismo e a América. Sã o Paulo: Contexto, 2001. p. 46. (Repensando a Histó ria
Geral).

1. Com essa afirmaçã o o historiador Prodanov quer chamar a atençã o para outro mó vel da Conquista, alé m da busca
obsessiva por ouro e prata: o desejo europeu de impor aos ameríndios seu modo de vida, valores e crenças. Um exemplo
disso é que as está tuas de deuses indígenas levadas para a Europa eram rapidamente derretidas e transformadas em
moedas de ouro ou prata, com a efígie do rei da Espanha.

2. (UFPel-RS)

Naquele tempo, não havia doenças, nem febres, nem doenças dos ossos ou de cabeça [...].
Naquele tempo, tudo estava em ordem. Os estrangeiros mudaram tudo quando chegaram. De
fato, por mais saudosismo que possa expressar esse lamento, parece mesmo que as doenças do
Velho Mundo foram mais frequentemente mortais nas Américas do que na Europa. O
missioná rio alemã o chegou inclusive a escrever no finalzinho do século XVIII que os índios
morrem tã o facilmente que só a visã o ou o cheiro de um espanhol os fazem passar deste para
outro mundo. Umas quinze epidemias dizimaram a populaçã o do México e do Peru.

FERRO, Marc. História das colonizações - das conquistas às independências - séculos XIII a XIX. Sã o Paulo: Cia. das
Letras, 1996.

Codex Florentino. C. 1540. Litogravura. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Os documentos denunciam as doenças provocadas pelos agentes do

a) Colonialismo espanhol que dizimaram populaçõ es nativas na América, na Idade Moderna.

b) Colonialismo português em suas possessõ es, entre os séculos XVI e XVIII.

c) Imperialismo ibérico e dos Países Baixos exterminando as populaçõ es incas, maias e astecas, na
Idade Contemporâ nea.

d) Mercantilismo europeu nas colô nias anglo-saxô nicas, desde o final da Idade Média.

e) Colonialismo lusitano no México e no Peru, a partir do século XVI.

2. Resposta: a.
3. (Unesp-SP)

[...] como puder, direi algumas coisas das que vi, que, ainda que mal ditas, bem sei que serã o de
tanta admiraçã o que não se poderã o crer, porque os que cá com nossos pró prios olhos as
vemos nã o as podemos com o entendimento compreender.

Herná n Cortés. Cartas de Relació n de la Conquista de Mexico, escrituras de 1519 a 1526.

O processo de conquista do México por Cortés estendeu-se de 1519 a 1521. A passagem acima
manifesta a reaçã o de Herná n Cortés diante das maravilhas de Tenochtitlá n, capital da
Confederaçã o Mexica. A reaçã o dos europeus face ao novo mundo teve, no entanto, muitos aspectos,
compondo admiraçã o com estranhamento e repú dio. Tal fato decorre:

Pá gina 50

a) do desinteresse dos conquistadores pelas riquezas dos Astecas.

b) do desconhecimento pelos europeus das línguas dos índios.

c) do encontro de padrõ es culturais diferentes.

d) das semelhanças culturais existentes entre os povos do mundo.

e) do espírito guerreiro e aventureiro das naçõ es europeias.

3. Resposta: c.

4. (Unesp-SP) A mineraçã o foi a atividade econô mica mais importante da América Espanhola
durante o período colonial. Mú ltiplos fatores condicionaram a formaçã o e a decadência dos
complexos mineradores do altiplano andino e do planalto mexicano. Assinale a modalidade de mã o
de obra que predominou nas minas de prata dos referidos complexos, durante os séculos XVI e XVII.

a) Indígena, submetida ao trabalho compulsó rio.

b) Negra, submetida ao trabalho escravo.

c) Europeia, no regime de trabalho assalariado.

d) Indígena, adaptada ao trabalho livre.

e) Indígena, no regime de trabalho voluntá rio.

4. Resposta: a.

5. (UFMG) Leia estes trechos em que se trata das relaçõ es de trabalho nas colô nias espanholas da
América:

I. As aldeias eram distribuídas entre os conquistadores, “que passavam a explorar-lhes o


sobretrabalho sem, contudo, escravizar os índios. [...] podiam exigir tributos em gêneros[...] ou
prestaçõ es de trabalho...” Os colonizadores deveriam, em contrapartida, defender as aldeias e
evangelizar os índios.
II. “Cada comunidade deveria fornecer, periodicamente, uma quantidade de trabalhadores para as
atividades coloniais [principalmente nas minas]. [...] Pelo trabalho[...], os índios deveriam receber
um salá rio, parte do qual obrigatoriamente em moeda (ou metal), a fim que pudessem pagar o
tributo régio.”

III. “Na hacienda praticou-se, largamente, o sistema de endividamento de trabalhadores, a fim de


retê-los na propriedade. [...] o trabalhador recebia como salá rio um crédito na tienda de raya (onde
retirava alimentos, roupas, etc.), além de um lote mínimo de subsistência.”

VAINFAS, Ronaldo. Economia e sociedade na América Espanhola. Rio de Janeiro: Graal, 1984. p. 61-4.

Considerando-se as formas de exploraçã o do trabalho indígena neles descritas, os trechos I, II e III


referem-se, respectivamente,

a) peonaje, ejidos e plantation;

b) ayllu, plantation e obrajes;

c) encomienda, mita e peonaje;

d) obrajes, ayllu e ejidos.

5. Resposta: c.

6. (FGV-SP) A conquista colonial inglesa resultou no estabelecimento de três á reas com


características diversas na América do Norte. Com relaçã o à s chamadas “colô nias do sul” é correto
afirmar:

a) Baseava-se, sobretudo, na economia familiar e desenvolveu uma ampla rede de relaçõ es


comerciais com as colô nias do Norte e com o Caribe.

b) Baseava-se numa forma de servidã o temporá ria que submetia os colonos pobres a um conjunto
de obrigaçõ es em relaçã o aos grandes proprietá rios de terras.

c) Baseava-se numa economia escravista voltada principalmente para o mercado externo de


produtos, como o tabaco e o algodã o.

d) Consolidou-se como o primeiro grande polo industrial da América com a transferência de


diversos produtores de tecidos vindos da regiã o de Manchester.

e) Caracterizou-se pelo emprego de mã o de obra assalariada e pela presença da grande


propriedade agrícola monocultora.

6. Resposta: c.

Pá gina 51

II. Leitura e escrita em História


a. Leitura de imagem
A imagem abaixo é uma pintura em tecido que integra um conjunto formado de 80 cenas, chamado
Lienzo de Tlaxcala. Esse trabalho foi elaborado por artistas da cidade de Tlaxcala, no século XVI,
em comemoraçã o à vitó ria dos tlaxcaltecas e espanhó is sobre os astecas.

Lienzo of Tlascala. Coleçã o particular. Foto: Akg-Images/Latinstock

a) Observe o vestuá rio, a postura e os acompanhantes dos líderes mostrados na pintura. Quem sã o
eles?

a) À esquerda, vê -se o chefe asteca, Montezuma; em sua frente, à direita, está o líder espanhol Herná n Cortez. Repare que o
líder indígena e seus acompanhantes vestem-se com trajes tradicionais dos astecas: tangas, mantos sobre os ombros e
sandá lias; Cortez, por sua vez, aparece vestido à moda da nobreza espanhola do sé culo XVI. Tanto Montezuma quanto Cortez
aparecem sentados em cadeiras bem trabalhadas, mas o ú ltimo encontra-se sobre um tablado.

b) A índia que se vê ao lado de Cortez é Malinche, uma jovem que tinha sido aprisionada pelos
astecas e presenteada aos espanhó is logo que eles chegaram à América. Por isso, Malinche
guardava um forte ressentimento dos astecas. No decorrer do tempo, ela decidiu trocar o nome
para Marina, adotou o cristianismo e tornou-se mulher de Cortez, seu braço direito, intérprete, guia
e conselheira. O que Malinche parece estar fazendo?

b) Na cena ela tem o dedo indicador apontado para os indígenas e, ao que parece, está traduzindo o que eles dizem para
Cortez. Ela sabia falar o nahuatl, língua oficial do Impé rio Asteca e logo aprendeu a falar també m o espanhol. Para muitos
mexicanos, Malinche foi uma traidora, pois passou para o lado dos espanhó is. Até hoje, no México, quando se quer dizer que
algué m é antimexicano, diz-se que é “malinchista”.

c) Com base nessa pintura é possível concluir se o primeiro encontro formal entre astecas e
espanhó is foi violento ou amistoso? Explique.

c) A pintura informa que o primeiro encontro formal entre espanhó is e ameríndios foi amistoso, como se pode ver pelos
presentes que os astecas estã o oferecendo aos espanhó is. O cocar, ao centro e no alto, destinado a Cortez, juntamente com
outros presentes que se encontram no chã o: pedras preciosas, aves típicas daquela regiã o da Amé rica, gaiolas com pá ssaros
(provavelmente desconhecidos dos espanhó is) e uma outra gaiola, no canto inferior esquerdo, com um animal de maior
estatura.

d) Qual a importâ ncia para a Histó ria dessa e de outras pinturas do Lienzo de Tlaxcala?

d) Essas pinturas expressam sensibilidades e té cnicas de artistas indígenas, bem como as rivalidades entre os pró prios
ameríndios no interior do Impé rio Asteca à é poca da Conquista.

b. Leitura e escrita de textos


VOZES DO PRESENTE
O texto a seguir é historiográ fico e foi escrito pelo professor Leandro Karnal. Leia-o com atençã o.

[...] Mais de uma vez os autores empregaram a expressã o “genocídio” para caracterizar o
massacre que as populaçõ es indígenas sofreram na América do Norte. Isto nã o é incorreto nem
diferente do que ocorria em todo o resto da América. A ideia europeia de colonizaçã o significou
uma mortandade imensa por todo o territó rio da América.

KARNAL, Leandro. Estados Unidos: da colô nia à independência, 5. ed. Sã o Paulo: Contexto, 1999. p. 44. (Repensando a
Histó ria geral).

a) Dê o significado de “genocídio”.

b) Construa um período aplicando esse termo ao contexto da colonizaçã o da América.

PROFESSOR, VER MANUAL.

Pá gina 52

A América portuguesa e a
Capítulo 3

presença holandesa
Professor: o Brasil é hoje o produtor de açú car mais competitivo do mundo, responsá vel por cerca de 40% do produto
comercializado no mercado internacional. Além disso, está entre os maiores produtores mundiais de cana-de-açú car,
maté ria-prima usada também para fazer rapadura, cachaça, á lcool combustível e, mais recentemente, biodiesel.
Diferentemente do que ocorria no Nordeste colonial, em que a produçã o de açú car contava apenas com a força humana,
animal ou da á gua, boa parte da produçã o atual é mecanizada. Em Sã o Paulo, por exemplo, cerca de 85% da produçã o de
cana-de-açú car já é feita por colheitadeiras. Isso significa menos empregos para boias-frias, trabalhadores agrícolas
contratados apenas na é poca da safra e cujo trabalho é considerado extenuante. Fontes para os dados:
<https://www.fao.org.br/download/PA20142015CB.pdf> e <http://www.iea.sp.gov.br/out/LerTexto.php?
codTexto=13601>. Acessos em: 17 mar. 2016.

Paula Simas/Olhar Imagem

Colheita de cana na Usina Serra Grande, em Alagoas, 1993.


Paulo Fridman/Pulsar Imagens

Aspecto de uma usina situada em Piracicaba (SP), 2006.

As imagens mostram a colheita e o transporte de açú car da cana em usinas; a


imagem superior é de uma usina de Alagoas e a outra de uma usina paulista.

»» Você já viu uma usina de açúcar e de álcool em funcionamento?

»» Como é chamado o trabalhador mostrado na figura menor?

»» No Brasil, o açúcar é um cultivo recente ou antigo?

»» Como se obtinha o açúcar antes de sua produção em usinas?

»» Quais derivados de cana o Brasil produz atualmente? Quem


trabalha na sua produção?

Pá gina 53

No primeiro contato com as terras americanas, os portugueses nã o encontraram os


metais preciosos que tanto cobiçavam, conforme informou Pero Vaz de Caminha
em carta ao rei de Portugal, e tampouco especiarias com grande aceitaçã o na
Europa, como as africanas e as orientais.
Do escambo à colonização
Para melhor conhecer a Nova Terra, a Coroa portuguesa enviou para cá expediçõ es
exploradoras e de reconhecimento que confirmaram a existência de pau-brasil,
á rvore típica da Mata Atlâ ntica. E, ao perceber seu valor comercial, a Coroa logo
arrendou a exploraçã o da valiosa madeira a um grupo de mercadores que, em
troca, se comprometiam a erguer no litoral do Brasil uma feitoria – armazém
fortificado no qual era guardada a madeira até que as naus chegassem para buscá -
la.

Dica! Vídeo apresentando o pau-brasil e o local onde foi fundada a primeira feitoria. [Duração: 28
minutos]. Acesse: <http://tub.im/hkjmrg>.

Inicialmente, os mercadores portugueses obtinham o pau-brasil mediante o


escambo (comércio feito sem o uso de dinheiro) com os Tupiniquim. Estes
forneciam a madeira, que eles pró prios haviam cortado e transportado por vá rios
quilô metros até o litoral e, em troca, recebiam dos portugueses machados, facas,
canivetes, espelhos e outros produtos ú teis a eles.

Giovani Battista Ramusio. 1556. Xilogravura. Coleçã o particular

Representaçã o de 1556 do escambo entre portugueses e indígenas. Um português vestido de azul


oferece uma espécie de cá lice a um indígena que traz no ombro uma tora de pau-brasil. Ao centro,
outros indígenas trabalham no corte e transporte da madeira, usando machados que obtinham no
escambo. Note que há navios a vela chegando para buscar o pau-brasil. O desenho é raro, mas a
cena é típica das primeiras décadas da presença portuguesa no Brasil.

Os franceses também praticavam o escambo do pau-brasil no litoral do Brasil; seus


aliados eram os Tupinambá (rivais dos Tupiniquim). Reagindo à concorrência
francesa, o governo português enviou duas expediçõ es policiadoras (em 1516 e em
1526), comandadas por Cristó vã o Jacques, que combateram os franceses em vá rios
pontos do litoral do Brasil. Mas logo percebeu que era quase impossível policiar
um litoral com a extensã o do brasileiro.
Pá gina 54

Além do perigo representado pela ameaça francesa, havia também o interesse dos
portugueses nas riquezas desta parte da América. Por isso, a monarquia
portuguesa encabeçada por D. Joã o III enviou para cá , em 1530, a expediçã o de
Martim Afonso de Souza, que combateu os franceses, explorou o litoral do Brasil
até o Rio da Prata, fundou Sã o Vicente, em 1532 (a primeira vila), e ergueu o
primeiro engenho destinado à produçã o de açú car. Teve início, assim, a
colonizaçã o portuguesa na América. 1

Engenho: unidade de produçã o colonial especializada na elaboraçã o de derivados da cana-de-açú car, como o
pró prio açú car, o melado e a aguardente.

1. Dica! Vídeo abordando as relações entre portugueses e indígenas em 1530. [Duração: 24


minutos]. Acesse: <http://tub.im/i9gq5z>.

Administração colonial
Durante sua longa histó ria, o Império Português – que abrangia terras como
Macau, na China; Goa, na Índia; Angola, na Á frica; e Brasil, na América – adotou
diferentes formas de administraçã o nas suas colô nias. A primeira delas foi o
sistema de capitanias hereditá rias, utilizado inicialmente nas ilhas portuguesas do
oceano Atlâ ntico e, depois, no Brasil e em Angola. 2

2. Dica! Documentário sobre os primeiros tempos da colonização portuguesa. [Duração: 27


minutos]. Acesse: <http://tub.im/8ksvyz>.

As capitanias hereditárias
Esse sistema consistia na doaçã o a particulares (os capitã es donatá rios) do direito
de administrar e tirar proveito econô mico de imensos lotes de terra na costa
brasileira. Eram 15 capitanias e 12 donatá rios, isso porque alguns deles, como
Martim Afonso de Souza e seu irmã o, Pero Lopes de Souza, receberam mais de uma
capitania. As primeiras foram doadas por Dom Joã o III, em 1534, a homens que
tinham prestado serviços ao Império Português na Á frica, no Oriente ou em
Portugal.

Dois documentos bá sicos organizavam juridicamente o sistema de capitanias: a


carta de doação e o foral. A carta regulamentava a doaçã o do cargo de donatá rio
e o foral fixava seus direitos e deveres.

Os deveres do donatá rio eram:

»» promover a economia e a ocupaçã o da terra;

»» organizar a defesa militar;


»» divulgar a fé cristã em sua capitania.

E os direitos do donatá rio eram:

»» administrar todas as marinhas de sal, moendas d’á gua e quaisquer outros


engenhos, que se levantassem na capitania, nã o podendo pessoa alguma fazê-lo
sem licença sua, e sem lhe pagar imposto;

»» utilizar escravos em nú mero indeterminado, podendo enviar cada ano 39 para


Lisboa e dispor deles livremente, sem pagar imposto algum;

»» retirar para si a vintena (5%) de que render o pau-brasil, assim como toda
espécie de drogas e especiarias;

»» cobrar impostos sobre os engenhos de açú car;

»» julgar os habitantes da capitania, podendo, inclusive, condenar à morte


indígenas, negros e homens livres pobres, e impor degredo de até 10 anos aos
“homens de cabedal”;

Pá gina 55

»doar sesmarias (terras do tamanho de uma fazenda) a quem tivesse recursos


para produzir. A sesmaria era propriedade privada do sesmeiro e local onde o
engenho era erguido. O donatá rio (administrador) também tinha direito a uma
sesmaria. Apesar de conceder direitos aos donatá rios, o rei procurava manter o
controle sobre eles.

Em pouco tempo, porém, o sistema de capitanias deu sinais de crise. Excetuando-


se Pernambuco (Nova Lusitâ nia), Bahia e Sã o Vicente, que progrediram embaladas
pela produçã o de açú car, as demais fracassaram por razõ es como: falta de dinheiro
para o progresso e a defesa da capitania; grande extensã o das terras; falta de
comunicaçã o entre as capitanias; resistência indígena à escravizaçã o e à ocupaçã o
de seu territó rio; ataques de corsá rios.

Diante desse malogro (sistema descentralizado), a Coroa decidiu implantar, em


1548, um sistema centralizado: o Governo-geral. As capitanias continuaram
existindo, mas passaram a ser subordinadas ao Governo-Geral, principal
representante do rei de Portugal no Brasil. Para cargos de governador-geral eram
escolhidos homens que tinham servido o Império Português na Á frica ou no
Oriente, parentes de poderosos ou os que mantinham negó cios com eles. Assim,
foram se formando no interior do império redes de poder baseadas no favor, no
parentesco e em interesses privados.

Capitanias hereditárias (1534-1536)


Allmaps

Fonte: REVISTA DE HISTÓ RIA DA BIBLIOTECA NACIONAL. ano 10, n. 108, set. 2014, p. 12.

Uma pesquisa recente feita pelo engenheiro Jorge Cintra, professor de Informaçõ es Espaciais na
USP, descobriu que as capitanias do norte foram divididas de forma vertical e nã o horizontal, como
até pouco tempo se pensava. Essa pesquisa muda a maneira de se ver a configuraçã o do Brasil nas
primeiras décadas.

O Governo-Geral
Por sua posiçã o geográ fica estratégica, o rei Dom Joã o III escolheu a Bahia para
sede do Governo-Geral. Para o cargo de primeiro governador do Brasil nomeou
Tomé de Souza, que recebeu do rei parte dos poderes pertencentes aos
donatá rios; era ele agora o chefe da administraçã o e o comandante militar da
Colô nia. Tomé de Souza chegou à Bahia, em 1549, acompanhado de três auxiliares:
o capitã o-mor, que cuidava da defesa, o ouvidor-mor, encarregado da justiça, e o
provedor-mor, responsá vel pelas finanças. Com ele vieram também cerca de mil
pessoas: um arquiteto, vá rios pedreiros, carpinteiros, degredados, funcioná rios,
soldados e jesuítas chefiados por Manuel da Nó brega.

Degredado: pessoa expulsa de Portugal sob a acusaçã o de pequenos furtos, promessas de casamento nã o
cumpridas, adultério, feitiçaria. Conforme afirmou o historiador Ronaldo Vainfas: “[...] A imagem dos
degredados como grandes assassinos ou perigosos ladrõ es nã o resiste, assim, à s evidências da documentaçã o”.
(VAINFAS, 2000, p. 181)

Pá gina 56
Tã o logo chegaram, Tomé de Souza e seus homens iniciaram a disputa da terra
com os indígenas, destruindo vá rias de suas aldeias e escravizando-os. Nas terras
tomadas dos indígenas deram início à construçã o da cidade de Sã o Salvador,
primeira capital do Brasil, fundada em 1549. O primeiro governador e seus
auxiliares incentivaram a construçã o de engenhos e introduziram o gado bovino
trazido de Cabo Verde e distribuído aos colonos como retribuiçã o por serviços
prestados.

Ubirajara Machado/Olhar Imagem

Autor desconhecido. Biblioteca Municipal Mario de Andrade, Sã o Paulo

Igreja de Nossa Senhora d’ Ajuda, Porto Seguro (BA). A imagem de Nossa Senhora d’ Ajuda foi
trazida pelos jesuítas que acompanharam Tomé de Souza. Para acomodar a imagem foi erguida, em
1550, uma construçã o simples feita de madeira e coberta com folhas de palma. Em 1772, a capela
foi reconstruída com pedra e cal. Depois disso, passou por diversas reformas até assumir o desenho
atual, como se vê nesta fotografia de 2015.
DIALOGANDO

a) Como o indígena que está de frente para Tomé de Souza foi representado

a) O indígena foi representado com barba, roupa e traços europeus.

b) Qual o significado de seu gesto?

b) Seu gesto é de quem está rendendo homenagem ao governador portuguê s. Na vida real, os indígenas disputaram Salvador
palmo a palmo com Tomé de Souza e seus soldados.

c) Há indícios na imagem da religião dos portugueses?

c) Sim, à direita, vê-se um bispo da Igreja Cató lica com uma cruz alta nas mã os.

d) O que a imagem sugere sobre o encontro entre indígenas e portugueses?

d) A imagem sugere que os indígenas se renderam aos portugueses e, com isto, constró i uma representaçã o enviesada do
encontro entre eles.

Duarte da Costa (1553-1558), o segundo governador do Brasil, veio com a missã o


de solidificar o domínio português sobre a Nova Terra, combater os franceses e
catequizar os indígenas e/ou esmagar sua resistência. Para o trabalho de
catequese, trouxe com ele outro grupo de jesuítas, entre os quais estava José de
Anchieta. Com a ajuda de indígenas, cujos filhos estudavam no colégio jesuíta de
Sã o Vicente, José de Anchieta e Manuel da Nó brega ergueram no planalto de
Piratininga uma construçã o rú stica para abrigar uma escola. Essa escola, o Colégio
de Sã o Paulo, deu origem à vila e, depois, à cidade de Sã o Paulo.

Pá gina 57

Planta de Piratininga (1560)


Vespú cio Cartografia

Delfim Martins/Pulsar Imagens

Fonte: ROSS, Jurandyr. Geografia do Brasil. Sã o Paulo: Edusp, 1995. p. 441.

Acima, na primeira imagem, vê-se a planta de Piratininga, embriã o da vila e, depois, cidade de Sã o
Paulo. Abaixo, fotografia de 2014 do Pá tio e da Igreja do Colégio, reconstruídos no século XX com
base em documentos iconográ ficos do século XVII. Em frente à Igreja do Colégio vê-se um
monumento chamado “Gló ria Imortal aos Fundadores de Sã o Paulo”, obra de Amadeo Zani. Ele é
composto de um pedestal e uma coluna em granito, encimada por uma figura feminina em bronze,
que representa a cidade de Sã o Paulo coroando seus fundadores.

O governo de Duarte da Costa foi bastante tumultuado por conflitos entre colonos
e jesuítas (estes se opunham à escravidã o indígena) e pela invasã o da baía da
Guanabara. Ali, em 1555, um grupo de huguenotes (calvinistas franceses), que
tinham o apoio do rei da França, fundou uma colô nia comercial, de nome França
Antártica. Aliando-se aos Tupinambá , os franceses ganharam força para enfrentar
os portugueses, que, por sua vez, eram aliados dos tupiniquins. Com a ajuda dos
Tupinambá , os franceses permaneceram no local por 12 anos. O incentivo à s
rivalidades e disputas entre os povos indígenas foi uma estratégia muito usada
pelos europeus com o objetivo de dominaçã o e ocupaçã o do territó rio americano.

O terceiro governador, Mem de Sá (1558-1572), também usou dessa estratégia e,


aliando-se a grupos como os Guainá e os Temiminó , venceu a Confederaçã o dos
Tamoios, organizaçã o dos nativos revoltados com a dominaçã o portuguesa.

Mem de Sá empenhou-se também em apoiar os jesuítas nas tarefas de aldear e


converter os indígenas e pediu à metró pole reforços para combater a colô nia
francesa instalada no Rio de Janeiro. No transcorrer da luta contra os franceses,
Está cio de Sá , comandante das tropas enviadas de Portugal e sobrinho do
governador, fundou um forte, pró ximo ao Pã o de Açú car, embriã o da cidade de Sã o
Sebastiã o do Rio de Janeiro (1565).

Pá gina 58

Dois anos depois da fundaçã o do Rio de Janeiro, a França Antá rtica foi vencida e os
franceses foram expulsos. Mem de Sá conseguiu, assim, equacionar os problemas
herdados do governo anterior e, quando morreu, em 1572, na Bahia, era um
homem rico e prestigiado. Naquele mesmo ano, visando facilitar o controle e a
defesa do Brasil, o rei de Portugal dividiu o territó rio colonial em dois governos:
Governo do Norte, com capital em Salvador, e Governo do Sul, com capital no Rio
de Janeiro. Em 1578, nã o atingindo o objetivo desejado, o rei voltou atrá s,
reunificando a Colô nia e mantendo Salvador como capital.

Mais tarde, em 1621, a Coroa voltou a dividir o territó rio colonial em duas á reas
administrativas: Estado do Maranhão, com capital em Sã o Luís (que, em 1751,
passaria a se chamar Estado do Grã o-Pará e Maranhã o, com capital em Belém), e
Estado do Brasil, com capital em Salvador.

Luís do Santos Vilhena. 1775. Biblioteca Nacional do Brasil Autor desconhecido. Sé c. XIX. Coleçã o particular
Este mapa é uma representaçã o da cidade de Sã o Sebastiã o do Rio de Janeiro e foi feito por Luís dos
Santos Vilhena (1744- 1814), que morava em Salvador, onde trabalhava como professor de grego e
latim.

Câmaras Municipais
A monarquia portuguesa criou também ó rgã os locais de administraçã o nas
principais vilas e cidades brasileiras: as Câmaras Municipais, sendo a primeira a
da cidade de Salvador. Geralmente, as câ maras eram compostas de três ou quatro
vereadores: um procurador, um escrivã o e um tesoureiro, além de funcioná rios
nomeados conforme a necessidade. Estudando as câ maras municipais de Salvador,
Sã o Paulo e Rio de Janeiro, descobriu-se que essas câ maras eram formadas nã o só
por proprietá rios de terras, mas também por comerciantes.

Descobriu-se também que, para um indivíduo ser vereador era preciso ter “pureza
de sangue”, ou seja, nã o podia descender de negros, judeus ou mouros. As câ maras
tinham poder de decisã o sobre diversos setores da vida pú blica: administravam o
espaço urbano e a á rea rural; realizavam obras pú blicas (estradas, pontes,
calçadas); cuidavam da conservaçã o das ruas, da limpeza e da arborizaçã o da
cidade; cobravam impostos; e eram responsá veis pelo abastecimento de gêneros e
cultivos da terra.

A partir de 1711, assistiu-se ao declínio da autonomia das Câ maras, pois a Coroa


começou a enviar funcioná rios para gerir os assuntos fiscais das cidades.

Jorge Araú jo/Folhapress

Nessa fotografia de 2000, vemos o edifício da Câ mara de Salvador, que foi restaurado e conservou
suas características coloniais. Observe no detalhe o mesmo edifício em fotografia do século XIX.

Pá gina 59

A economia colonial
Ao se decidir pela colonizaçã o do Brasil, iniciada por volta de 1530, a Coroa
portuguesa tinha pela frente três desafios: escolher o produto que seria usado
para impulsionar o aproveitamento econô mico da terra; buscar capital para
financiar a produçã o; e conseguir mão de obra adequada ao trabalho.

Frans Post e G. Marcgraf. C. 1643. Coleçã o particular

Detalhe do mapa de Georg Marcgraf e Johanes Blaeus, de 1643, que representa um engenho de
açú car e a divisã o do territó rio brasileiro em capitanias hereditá rias. O trabalho de arte é do pintor
e gravurista Frans Post.

O produto
O produto escolhido para dar início à colonizaçã o foi o açú car de cana, especiaria
de elevado valor na Europa. Os portugueses tinham experiência anterior com o
açú car nas suas possessõ es atlâ nticas: Ilha da Madeira, de Cabo Verde e ilhas de
Sã o Tomé e Príncipe. Os engenhos dessas regiõ es já empregavam a mã o de obra
africana escravizada. Da Ilha da Madeira vieram as mudas e os profissionais
capacitados para trabalhar no Engenho do Governador, de Martim Afonso de
Souza, em Sã o Vicente (SP). A partir daí construíram-se vá rios engenhos,
especialmente no Nordeste, onde a cana encontrou solo e clima favorá veis ao seu
cultivo.

Dica! Documentário sobre as condições atuais de trabalho nas plantações de cana-de-açúcar do


interior paulista. [Duração: 30 minutos]. Acesse: <http://tub.im/z7xaog>.

O capital
O custo de instalaçã o de um engenho era elevado, pois implicava a aquisiçã o de
moenda, bois e trabalhadores. O dinheiro aplicado nos primeiros engenhos do
Brasil foi emprestado por comerciantes portugueses, holandeses e/ou italianos. Já
a partir do século XVII, os capitais investidos na economia canavieira foram
obtidos na pró pria Colô nia.
Pá gina 60

No caso da Bahia, os empréstimos para a montagem de engenhos foram


concedidos, em sua maior parte, pela Santa Casa de Misericó rdia local, formada
pela elite da regiã o. Em busca de prestígio social, os membros dessa elite faziam
doaçõ es à Santa Casa, que acumulava, assim, uma volumosa poupança. De posse
desse dinheiro, a Santa Casa concedia empréstimos a quem pretendesse montar
um engenho. Os favorecidos eram sempre os amigos ou parentes dos senhores de
terras ou dos grandes comerciantes da localidade. 1

1. Dica! Documentário sobre a produção de açúcar e a presença holandesa no Nordeste.


[Duração: 26 minutos]. Acesse: <http://tub.im/o7wvh5>.

A mão de obra
Durante a maior parte do século XVI, os engenhos usaram como escravos os
indígenas capturados por meio das chamadas guerras justas. Em fins do século
XVI e início do XVII, no entanto, os indígenas foram sendo substituídos por
africanos escravizados.

Guerra justa: nome que os colonos davam à guerra que faziam aos indígenas com o objetivo de escravizá -
los.

Entre as principais razõ es da substituiçã o da mã o de obra indígena pela africana


estã o:

»» a escassez de mã o de obra devido à alta mortalidade da populaçã o indígena e a


dificuldade crescente em obter novos cativos;

»» a habilidade dos africanos em funçõ es como mestre de açú car, purgador,


ferreiro, caldeireiro etc. Os portugueses já tinham se utilizado dos seus serviços
nos engenhos da Ilha da Madeira e de Cabo Verde.

Alguns historiadores apontam também a alta lucratividade do trá fico de africanos.


O trá fico atlâ ntico dava lucros aos envolvidos no negó cio, fossem eles traficantes
europeus, chefes africanos, mercadores do Brasil ou reis de Portugal (que
cobravam impostos sobre esse comércio). 2

2. Dica! Documentário sobre a produção e a cultura do açúcar em Pernambuco. [Duração: 26


minutos]. Acesse: <http://tub.im/j2kfsq>.
Hercule Florence. Sé c. XIX. Aquarela. Coleçã o particular

Imagem de um líder indígena Munduruku feita por Hercule Florence durante a Expediçã o
Langsdorff, no século XIX.

Debret. Sé c. XIX. Litogravura. Coleçã o particular

Detalhe de uma obra de Jean Baptiste Debret, século XIX.

Pá gina 61

Para refletir
A economia colonial não era só plantation

Durante muito tempo se disse que a economia colonial baseava-se exclusivamente


na plantation, isto é, na grande propriedade escravista e monocultora, cuja
produçã o se destinava ao mercado externo. Estudos recentes, no entanto, trazem
novas contribuiçõ es. Se, por um lado, a lavoura canavieira foi o principal setor da
economia colonial brasileira, o tamanho dos engenhos e o nú mero de escravos por
engenho variaram muito. Houve pequenas, médias e grandes unidades de
produçã o de açú car, e a maioria delas possuía menos de 20 escravos. Esses novos
estudos chamam também a atençã o para a importâ ncia da produçã o de alimentos
e do mercado interno na economia colonial brasileira.

Leia o que dizem sobre o assunto os pesquisadores Joã o Fragoso, Manolo


Florentino e Sheila de Castro Faria.

[...] Apesar da ênfase dada à agroexportaçã o, a economia colonial nã o se esgotava nas


plantaçõ es de açú car voltadas para o mercado europeu. [...] Assim, por exemplo, no Recô ncavo
Baiano, ao lado da atividade açucareira, havia os pequenos e médios produtores de alimentos
que, utilizando o trabalho familiar e/ou escravo, abasteciam os engenhos e as cidades. Algo
semelhante ocorria no Rio de Janeiro do século XVII. Além da produçã o de mantimentos nas
pró prias á reas açucareiras, ao longo do século XVII e no seguinte, [...] os agricultores de Sã o
Paulo, do sul da Bahia, do Espírito Santo e, posteriormente, os do Maranhã o passariam a
orientar as suas atividades para um comércio intercapitanias, esboço de um incipiente
mercado interno colonial.

FRAGOSO, Joã o et al. A economia colonial brasileira (séculos XVI-XIX). Sã o Paulo: Atual, 1998. p. 49. (Discutindo a
Histó ria do Brasil).

a) O texto acima pode ser classificado como jornalístico, historiográ fico, filosó fico
ou literá rio?

a) O texto é historiográ fico e foi escrito por dois especialistas em histó ria econô mica (Joã o Fragoso e Manolo Florentino) e
uma especialista em histó ria da família, a professora Sheila de Castro Faria.

b) Quais sã o as principais ideias contidas no texto?

b) O texto é uma contribuiçã o de trê s historiadores à aná lise da economia colonial. Eles afirmam que o tamanho dos
engenhos e o nú mero de escravos por engenho variaram muito. De fato, houve pequenas, mé dias e grandes unidades de
produçã o de açú car, e a maioria delas possuía menos de 20 escravos. Esses novos estudos chamam também a atençã o para a
importâ ncia da produçã o de alimentos e do mercado interno na economia colonial brasileira.

c) Em dupla. Como os autores do texto podem ter feito essas descobertas?


Expliquem.

c) Com base em pesquisas em arquivos pú blicos, museus e em um farto material bibliográ fico, que abrange desde
dissertaçõ es e teses até monografias e obras nacionais e estrangeiras sobre o assunto.

d) Você já deve ter descoberto algo importante por meio de pesquisa. Conte de
modo resumido como foi essa sua experiência.

d) Resposta pessoal. Professor: a intençã o aqui é estimular o gosto pela pesquisa e enfatizar a importâ ncia dela na vida
profissional.

Diversificação agrícola: fumo, aguardente, pecuária,


algodão e cacau
A lavoura canavieira foi, como se sabe, o principal setor da economia colonial. Mas
no Brasil se produziam também outros gêneros, como fumo, aguardente, carne,
couro, farinha, algodã o, além de cacau, castanha-do-pará e salsa, que serviam tanto
à exportaçã o quanto ao mercado interno colonial.
Pá gina 62

Fabio Colombini

Algodã o

Inacio Teixeira/Pulsar Imagens

Cacau

Fabio Colombini

Mandioca
Fernando Bueno/Pulsar Imagens

Milho.

O tabaco (ou fumo), planta domesticada pelos indígenas da América e usada por
eles em determinados rituais, logo se tornou um produto de grande aceitaçã o no
territó rio colonial. No século XVII, era o segundo colocado na pauta das
exportaçõ es brasileiras, sobretudo por sua estreita vinculaçã o com o trá fico de
africanos. Enquanto o fumo de primeira e de segunda qualidade era consumido
internamente ou vendido para a Europa, o fumo de terceira era a moeda que os
traficantes usavam para conseguir escravos na Á frica. Por ser mais simples e
menos onerosa do que a lavoura de cana-de-açú car, a lavoura fumageira se
difundiu rapidamente pela Bahia e por Sergipe (entã o comarca baiana), Espírito
Santo, Rio de Janeiro, Sã o Paulo e Minas Gerais.

Tal como o fumo, a cachaça produzida em engenhos ou engenhocas também era


um produto muito consumido na colô nia. O algodã o, o cacau e o anil, por sua vez,
ganharam importâ ncia como produtos de exportaçã o na segunda metade do século
XVIII. Na época, com a Revoluçã o Industrial, as indú strias inglesas de tecidos
passaram a comprar grandes quantidades de algodã o das á reas correspondentes
hoje aos estados do Maranhã o, Pernambuco, Ceará e Pará .

No Brasil colonial, a falta de alimentos e o seu elevado preço incentivou pequenos


lavradores a se dedicarem à s plantaçõ es de mandioca, milho e feijã o, entre outros.
Por vezes, propriedades que utilizavam escravos como mã o de obra também
produziam alimentos destinados à venda. Esses eram vendidos tanto para a
populaçã o dos engenhos quanto para a das cidades brasileiras; seu destino,
portanto, era o mercado interno.

A pecuá ria colonial, por sua vez, foi responsá vel pela ocupaçã o de boa parte do
sertã o do Brasil e se constituiu num setor decisivo da economia colonial.

Pá gina 63

Para saber mais


Durante muito tempo se acreditou na vigência do Pacto Colonial, ou seja, que o
Brasil colonial só vendia para sua metró pole Portugal e comprava somente dela
aquilo de que necessitava. O texto a seguir, da professora Sheila de Castro Faria,
traz novidades sobre o assunto. Leia-o com atençã o.

Colônia sem pacto colonial

[...] No lugar da imagem de colonos engessados pela metró pole, vem à tona um grande
dinamismo nas relaçõ es comerciais dos principais portos do Brasil com o rio da Prata, no sul
da América, com Costa da Mina, Angola e Moçambique, na Á frica e com Índia, Goa e Macau na
Á sia. [...] Colonos do Brasil, portanto, comercializavam diretamente com outras regiõ es,
furando a ideia de “pacto colonial”.

Por outro lado, os comerciantes que forneciam escravos para o Brasil no século XVIII
negociavam diretamente com traficantes e chefes locais da Á frica. Eram esses comerciantes,
residentes no Brasil, que [...] detinham o monopólio do lucrativo trá fico negreiro — e não a
metró pole.

FARIA, Sheila de Castro. Colô nia sem pacto. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 3, n. 34, p.
71, jul. 2008.

Monopólio: exclusividade.

Sociedades coloniais
No Brasil colonial existiram vá rias regiõ es econô micas, em torno das quais se
formaram mú ltiplas sociedades com características pró prias: a paulista do século
XVII (com seus bandeirantes e indígenas) era, por exemplo, muito diferente da
açucareira nordestina. Embora diferentes e espalhadas por todo o territó rio, elas
tinham pelo menos duas características comuns: a escravidã o, presente em quase
todo o territó rio colonial, e uma hierarquia excludente que garantia direitos, poder
e prestígio a poucos.

A sociedade colonial açucareira


Mesmo sendo essencialmente escravista, a sociedade colonial açucareira possuía
certa complexidade: os senhores de engenho eram livres e brancos e os
trabalhadores das plantaçõ es eram, geralmente, negros escravizados, quase
sempre africanos. Mas, entre os administradores, técnicos e artesã os, havia
indivíduos escravos, libertos, livres, brancos, mestiços e negros.

Dica! Vídeo baseado na obra Casa-grande e Senzala, de Gilberto Freyre. [Duração: 9 minutos].
Acesse: <http://tub.im/3kjnir>.

Os senhores de engenho

Donos da cana e das terras, os senhores de engenho faziam parte do grupo


dominante da sociedade açucareira e se consideravam a “nobreza da terra”,
conforme palavras do historiador pernambucano Evaldo Cabral de Mello.
Pá gina 64

No início do século XVII, eles já constituíam um grupo social razoavelmente


estruturado e unido por casamentos entre seus membros. Esses proprietá rios
exerciam o poder localmente, tanto na esfera pú blica (ocupando alguns cargos nas
Câ maras Municipais) quanto na esfera privada, na qual buscavam impor sua
vontade a todos os habitantes do engenho. Daí dizer-se que a família senhorial no
Brasil daqueles tempos era patriarcal.

Havia ainda homens livres que arrendavam terras do senhor de engenho para
cultivar a cana; mas, por falta de recursos, eram obrigados a moê-la no engenho do
proprietá rio, por isso, eram chamados de “lavradores obrigados”. Em troca, eles
entregavam ao senhor parte do açú car obtido e ainda pagavam a ele o aluguel pelo
uso da terra.

Os comerciantes

Se a propriedade da terra dava poder e prestígio ao seu possuidor, o comércio


possibilitava riqueza. Grandes comerciantes enriqueciam ao vender produtos
locais, como açú car, tabaco e algodã o, para a Europa e revender produtos chegados
de Portugal, como vinho, queijos e doces. Outros comercializavam a produçã o
colonial destinada ao mercado interno, como bois, mulas, cachaças, farinha, milho,
marmelada, entre outros.

Mas muitas fortunas foram feitas com o comércio de africanos. Enriquecidos por
meio do trá fico atlâ ntico, comerciantes estabelecidos em cidades como Rio de
Janeiro, Salvador e Recife usavam navios pró prios e forneciam empréstimos aos
senhores de engenho para a compra de escravos e/ou equipamentos. Dessa forma,
alguns conseguiam comprar terras e montar engenhos; outros casavam com filhas
de senhores de engenho e, com isso, passavam a pertencer à nobreza da terra.

Os escravizados

Na célebre frase do padre Antonil, os africanos escravizados eram “as mã os e os


pés dos senhores de engenho”. Apesar disso, na sociedade colonial açucareira, seus
direitos eram praticamente inexistentes, como afirma um historiador:

[...] Incapazes de firmar contratos, dispor de suas vidas e possuir bens, defender-se e à sua
família dos maus-tratos do proprietá rio, testemunhar contra homens livres, escolher seu
trabalho e empregador, e limitados pela lei e pelos costumes de inú meros outros modos, os
cativos permaneceram [...] em situaçã o mais desvantajosa na sociedade.

SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial – 1550-1835. Sã o Paulo:
Companhia das Letras, 1988. p. 214.
Editora Nova Fronteira

O mercador de escravos Francisco Félix de Souza era filho de português com uma indígena. Ainda
jovem, viajou para a Á frica onde construiu uma fortuna com a venda de escravizados para o Brasil.

Pá gina 65

Com base no estudo de um grande engenho colonial, Stuart B. Schwartz concluiu


que a populaçã o escravizada estava assim distribuída: escravos do campo
(agricultores, criadores e condutores de boiadas, pescadores, caçadores,
carroceiros etc.) constituíam 80% do total; trabalhadores dedicados à fabricaçã o e
ao beneficiamento do açú car correspondiam a 10%; os domésticos (cozinheiras,
faxineiras, camareiras etc.) e artesã os (oleiros, pedreiros, ferreiros), juntos,
compunham os outros 10%. É importante lembrar, porém, que os escravos de
campo e os domésticos também trabalhavam na fabricaçã o do açú car. De dia, eles
faziam as tarefas costumeiras. À noite carregavam cana e lenha, transportavam
formas, purificavam, trituravam e encaixotavam o açú car.

Dica! Documentário abordando a riqueza e a complexidade da sociedade açucareira nordestina.


[Duração: 26 minutos]. Acesse: <http://tub.im/93oaaw>.

Editora Cia. das Letras

Fac-símile da capa do livro Segredos internos, de Stuart B. Schwartz.


Debret. Sé c. XIX. Litogravura. Coleçã o particular

Debret. Sé c. XIX. Litogravura. Coleçã o particular

Os negros escravizados trabalhavam também construindo casas e chafarizes, transportando


mercadorias e/ou pessoas, comerciando pelas estradas e vilas.

Os trabalhadores assalariados
Desde o início, os senhores de engenho contrataram assalariados para dividir com
os escravos a tarefa no engenho, para trabalhar em funçõ es especializadas, como a
de mestre de açú car (responsá vel pela qualidade do açú car) ou a de carpinteiro,
pedreiro, ferreiro, entre outros. Ou ainda para realizar tarefas que os donos de
engenho nã o confiavam a escravos, como o de feitor (encarregado de vigiar e punir
os escravos). Por isso se diz que o conhecimento e o serviço dos trabalhadores
assalariados eram decisivos para o funcionamento dos engenhos.
Pá gina 66

Dentre eles, os feitores e os especialistas no fabrico do açú car eram os mais bem
remunerados e respeitados. O salá rio desses trabalhadores era anual e, quando
pago em dinheiro, chamava-se soldada seca. Geralmente, o alojamento e a
alimentaçã o eram descontados do salá rio dos trabalhadores livres, o que limitava
significativamente seus ganhos.

Georg Marcgraf. 1648. Gravura. Coleçã o particular

Nesta obra de 1648, vê-se o mestre de açú car trabalhando enquanto é observado por um feitor.

Holandeses no Nordeste
No século XVII, os holandeses invadiram o Nordeste açucareiro por duas vezes.
Para compreendermos as razõ es dessas invasõ es, precisamos relacioná -las ao
contexto europeu do século anterior.

No início do século XVI, a regiã o onde é hoje a Holanda pertencia ao Império


Espanhol e fazia parte dos chamados Países Baixos espanhóis; a regiã o era
pró spera e se destacava por suas manufaturas, sua indú stria naval e sua marinha
mercante.

Países Baixos espanhóis: nome que se dava ao territó rio ocupado hoje por Holanda e Bélgica.

O Império Espanhol, que, à época, era imenso, ficou ainda maior em 1580; naquele
ano, o rei português D. Henrique morreu sem deixar herdeiros. Abriu-se, entã o,
uma disputa pelo trono português; o vencedor foi um parente do rei morto de
nome Felipe II, rei da Espanha que, com isso, tornou-se também rei de Portugal. O
controle da Espanha sobre Portugal e suas colô nias ficou conhecido como União
das Coroas Ibéricas e durou até 1640. Os domínios de Felipe II eram tã o vastos
que na época se dizia que neles “o sol nunca se punha”.

Durante esse período, os adversá rios da Espanha tornaram-se também adversá rios
de Portugal; foi este o caso, por exemplo, dos Países Baixos espanhó is.
Dica! Vídeo sobre a União Ibérica e a conquista do Nordeste brasileiro pelos holandeses.
[Duração: 14 minutos]. Acesse: <http://tub.im/emhgf5>.

Os holandeses conquistam a independência


Para custear suas guerras na Europa, Felipe II da Espanha aumentou os impostos
cobrados nos Países Baixos espanhó is e lançou violenta campanha de perseguiçã o
aos protestantes ali residentes. Os habitantes de sete províncias do norte dos
Países Baixos – protestantes em sua imensa maioria – reagiram entrando em
guerra contra a Espanha. Em 1581, proclamaram a independência, constituindo a
Repú blica das Províncias Unidas – ou simplesmente Holanda.

Pá gina 67

A guerra pelo açúcar e pelo tráfico atlântico


Apó s a independência, os mercadores holandeses continuaram minando o poderio
espanhol e, em 1602, criaram a Companhia das Índias Orientais, que visava à
conquista dos domínios luso-espanhó is na Á sia. Diante disso, Felipe II reagiu
proibindo os holandeses de comerciar com Portugal e suas colô nias.

Os holandeses, entã o, decidiram invadir as colô nias portuguesas na Á frica e na


América. Para isso criaram, em 1621, a Companhia das Índias Ocidentais, que
tinha como principais alvos o controle sobre o açú car do Nordeste do Brasil –
maior produtor mundial de açú car, na época – e os postos de fornecimento de
escravos no territó rio africano.

Invasão da Bahia
A primeira invasã o dos holandeses ocorreu na Bahia, que, além de possuir muitos
engenhos em pleno funcionamento, era o centro político do Brasil. Eles chegaram a
Salvador em maio de 1624 com 3 300 homens, uma frota de 26 navios e 450
canhõ es. Prenderam o governador português e o substituíram pelo holandês Van
Dorth. A populaçã o luso-brasileira, por sua vez, retirou-se para o interior e lá
organizou a resistência.

O líder dessa resistência, o bispo Dom Marcos Teixeira, apresentava a luta contra
os holandeses como uma cruzada contra os hereges, uma vez que, como vimos, os
invasores eram protestantes. Uma das tá ticas da resistência foi a guerra de
emboscadas: divididos em pequenos grupos, os combatentes saíam das matas e se
lançavam sobre o inimigo de surpresa, impedindo assim seu avanço rumo à regiã o
dos engenhos.

A Espanha, por sua vez, enviou ao Nordeste do Brasil uma esquadra com 52 navios
e 12 mil homens, comandados por Dom Fradique de Toledo Osó rio, que forçou os
holandeses a bater em retirada, em 1625. Dois anos depois, no entanto, eles
voltaram a atacar: liderados por Pieter Heyn, saquearam o porto de Salvador
levando consigo açú car, fumo, algodã o e pau-brasil. E, na volta para a Holanda,
capturaram a frota de prata espanhola, que transportava a produçã o anual desse
metal do vice-reinado do Peru para a Espanha.

Sergio Pedreira/Pulsar Imagens

Imagem de 2014 do Forte de Santo Antô nio da Barra, construído no século XVII e conhecido hoje
como Farol da Barra. O forte foi erguido para defender a cidade de Salvador da invasã o holandesa
em 1624.

Pá gina 68
Frans Post (detalhe). 1661. Ó leo sobre madeira. Coleçã o particular

Engenho de açúcar, ó leo sobre madeira do artista holandês Frans Post, mostra escravizados
trabalhando no transporte e na moagem da cana em um engenho real. Na época, as capitanias do
Nordeste possuíam, juntas, cerca de 150 engenhos, que produziam por volta de 700 mil arrobas de
açú car ao ano.

Invasão de Pernambuco
Com os saques realizados, os holandeses reuniram recursos e invadiram
novamente o Nordeste açucareiro, mas dessa vez o alvo foi Pernambuco.

Em fevereiro de 1630, desembarcaram no litoral pernambucano e conquistaram


Olinda e Recife com relativa facilidade. Sob a liderança de Matias de Albuquerque, a
populaçã o local destruiu tudo o que pudesse ser ú til aos invasores (armazéns,
navios, construçõ es) e se retirou para o interior. Lá , ergueu o Arraial do Bom Jesus,
quartel-general de onde deviam partir os ataques aos holandeses.

A tá tica da resistência luso-brasileira foi, uma vez mais, a guerra de emboscadas;


composta de um grande nú mero de indígenas, negros e brancos pobres, essa
resistência empenhou-se em controlar o interior, onde estavam os engenhos, e
isolar os invasores no litoral. De acordo com os documentos portugueses, os
invasores foram ajudados por moradores locais, entre os quais Domingos
Fernandes Calabar. Exímio conhecedor da regiã o, como tantos outros mamelucos,
negros e ameríndios, Calabar colaborou com os holandeses como guia.

Nos combates que se seguiram os holandeses foram conseguindo vitó rias:


conquistaram o Forte dos Reis Magos, no Rio Grande do Norte; a cidade de Filipeia
(hoje Joã o Pessoa), na Paraíba; e, em 1635, o Arraial do Bom Jesus, no interior
pernambucano. Diante disso, Matias de Albuquerque ordenou a queima dos
canaviais e retirou-se com suas tropas para Alagoas. Antes, porém, conseguiu
prender Calabar e mandou executá -lo. Segundo o historiador pernambucano
Evaldo Cabral de Mello, um especialista no assunto, o motivo da execuçã o de
Calabar foi “queima de arquivo”, pois ele “sabia demais”.

Os holandeses passaram a ser os novos donos do Nordeste. Na regiã o onde se deu


a guerra do açú car, a situaçã o era desoladora: plantaçõ es queimadas, gado morto,
engenhos destruídos e escravos em fuga; muitos deles haviam se refugiado no
Quilombo dos Palmares, em terras do atual estado de Alagoas. Para voltar a lucrar
com o açú car do Brasil, os holandeses precisavam reativar a produçã o e organizar
a administraçã o nas á reas conquistadas. Para isso, em 1637, o conde Joã o Maurício
de Nassau-Siegen foi nomeado governador dos domínios da Holanda na regiã o.

DIALOGANDO

a) Você conhece a expressão “queima de arquivo”?

a) Resposta pessoal.

b) Já ouviu falar de algum crime mais recente que tenha ocorrido por esse motivo?
b) Suspeita-se que o assassinato do empresá rio Paulo Cesar Farias, homem forte do governo de Fernando Collor de Mello,
tenha sido “queima de arquivo”.

O governo de Nassau
Adotando uma política de conciliaçã o de interesses, Maurício de Nassau tomou três
medidas decisivas para a sua administraçã o: forneceu aos senhores

Pá gina 69

de engenho empréstimos e crédito para a compra de equipamentos e de escravos,


conseguindo assim o apoio de boa parte desses senhores; defendeu a tolerâ ncia
religiosa: Nassau era protestante, mas permitiu que cató licos e judeus praticassem
suas religiõ es livremente, animando-os a colaborar com os holandeses; ordenou a
tomada de importantes entrepostos de escravos do litoral africano.

Em 1641, os domínios holandeses abrangiam territó rios que iam de Sergipe ao


Maranhã o e incluíam os mais importantes entrepostos de escravos africanos no
século XVII. Negociando escravos e açú car, os holandeses ampliaram enormemente
seus lucros. 1 e 2

1. Dica! Documentário sobre o domínio holandês no Nordeste. Acesse: <http://tub.im/x52d6p>.

2. Dica! Vídeo sobre Maurício de Nassau e as transformações artísticas e culturais do Brasil


holandês. Acesse: <http://tub.im/wrhkgf>.

Artistas e cientistas do Brasil holandês

Nassau empenhou-se também em incentivar a produçã o cultural, trazendo para o


país pintores, como os paisagistas Albert Eckhout e Frans Post, que retrataram
plantas, animais, pessoas e edificaçõ es do Nordeste do Brasil.

Além de pintores, ele trouxe cientistas que se dedicaram ao estudo da regiã o, como
Georg Marcgraf, que documentou a flora e a fauna, e o médico Willem Piso, que
pesquisou doenças características da regiã o. Trouxe também letrados, como Elias
Herckman, que escreveu um precioso relato sobre a Capitania da Paraíba.

O governo de Nassau instalou sua capital em Recife e ali realizou uma série de
importantes obras: calçou ruas; abriu canais por onde transitavam barcas,
mercadorias e pessoas; drenou á reas alagadiças; construiu pontes que ligavam o
antigo porto à Ilha de Antô nio Vaz e esta ao continente. Nessa ilha, criou um jardim
botâ nico, um zooló gico e construiu o Palá cio das Torres (Palá cio de Friburgo),
residência oficial e sede do governo. A esse conjunto de obras deu-se o nome de
Cidade Maurícia (atualmente bairro de Santo Antô nio).
Albert Eckhout. Sé c. XIX. Ó leo sobre tela. Coleçã o particular

Retrato de mestiço, do artista holandês Albert Eckhout.

Hans Von Manteuffel/Opçã o Brasil Imagens

Vista aérea do bairro de SantoAntô nio em Recife (PE). Nela vemos, em primeiro plano, o Palá cio do
Governo rodeado por grandes á rvores e, atrá s dele, o prédio do Teatro Santa Isabel. Fotografia de
2013.

Pá gina 70

A Restauração em Portugal
Enquanto os holandeses lucravam com o açú car do Brasil, Portugal encontrava-se
exaurido economicamente e responsabilizava a Uniã o Ibérica por essa situaçã o.
Diante disso, os portugueses promoveram uma revolta separatista, em 1640, e se
libertaram da Espanha no episó dio conhecido como Restauração. Dom Joã o IV, da
dinastia de Bragança, ocupou o trono de Portugal e, no ano seguinte, firmou com a
Holanda um acordo de paz por 10 anos.

No Brasil, em busca de lucros, a Companhia das Índias Ocidentais retirou Nassau


do governo em 1644 e enviou novos governantes para cá com a missã o de cobrar o
dinheiro emprestado aos senhores de engenho e restringir o crédito dado a eles.

A luta contra os holandeses


Os novos governantes do Brasil holandês mostraram-se intolerantes. Confiscaram
terras dos senhores de engenho endividados e proibiram a livre prá tica da religiã o
cató lica. Reagindo a isso, os senhores luso-brasileiros engajaram-se, em 1645,
numa guerra contra os holandeses: a Insurreição Pernambucana.

Nos confrontos que se seguiram, os luso-brasileiros conseguiram vitó rias


surpreendentes, entre elas a Primeira Batalha de Guararapes, em 1648. No
mesmo ano, a esquadra de Salvador Correia de Sá , organizada com recursos de
mercadores cariocas, partiu do Rio de Janeiro e conseguiu retomar os entrepostos
de escravos da Ilha de Sã o Tomé e de Luanda e Benguela, em Angola. No ano
seguinte, uma nova vitó ria: a Segunda Batalha de Guararapes, que foi decisiva no
curso da luta. A guerra se prolongou até 1654, quando os luso-brasileiros
venceram os holandeses na Campina da Taborda (Pernambuco), forçando-os a
deixar o país.

Vitor Meirelles. 1879. Ó leo sobre tela. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

O negro liberto Henrique Dias, líder de um batalhã o de negros, o índio de etnia potiguar Felipe
Camarã o, líder dos índios potiguares, e André Vidal de Negreiros, filho de um senhor de engenho
nascido na Paraíba, lutaram lado a lado na guerra contra os holandeses. Esse fato foi usado para a
construçã o da falsa ideia de que o Brasil é o resultado da “uniã o das três raças”. Essa ideia foi
veiculada ao longo do tempo em livros, revistas, jornais e pinturas, como A Batalha de Guararapes,
feita por Vitor Meirelles (1832-1903) em 1879, em que os três personagens citados aparecem
combatendo juntos. Tudo isso ajudou a forjar a ideia de que a convivência entre brancos, negros e
índios foi pacífica, o que nã o corresponde aos fatos. Apesar de ter havido momentos de colaboraçã o,
a convivência entre esses grupos humanos em territó rio colonial foi tensa e pontilhada de conflitos.
Pá gina 71

Os holandeses nas Antilhas


Em 1661, Holanda e Portugal assinaram a Paz de Haia. Por esse acordo, Portugal
teria de pagar à Holanda a vultosa indenizaçã o de 4 milhõ es de cruzados. No ano
seguinte, a Inglaterra cobrou a ajuda militar e diplomá tica dada a Portugal, que foi
obrigado a lhe ceder duas de suas possessõ es: Tâ nger, no norte da Á frica, e
Bombaim, na Índia. A Holanda perdeu o Brasil, mas nã o desistiu do negó cio do
açú car: os holandeses levaram seus capitais e suas técnicas de produçã o para as
Antilhas (Suriname e Curaçao), onde montaram engenhos bem-sucedidos e
passaram a concorrer com os produtores do Brasil.

A Guerra dos Mascates


Em razã o da queda nos preços do açú car do Brasil no exterior e dos prolongados
anos de guerra contra os holandeses, os senhores de engenho de Olinda
contraíram dívidas com os grandes comerciantes portugueses. Estes, por sua vez,
cobravam juros extorsivos e tomavam terras dos devedores e, assim, faziam
fortuna. Com o passar do tempo, as tensõ es entre os devedores, de um lado, e os
credores, de outro, transformaram-se em rivalidade declarada. Com a intençã o de
ridicularizar os comerciantes de Recife, os senhores de engenho de Olinda os
apelidaram de mascates.

Mascate: vendedor ambulante que comercializa mercadorias de baixo valor.

Embora viessem enriquecendo, esses comerciantes tinham pouco poder político,


pois, em Pernambuco, havia uma só Câ mara Municipal, a de Olinda, que era
controlada pelos senhores de engenho locais. Em busca de poder e prestígio,
pediram ao rei de Portugal que seu povoado fosse elevado à vila, ganhando assim
uma Câ mara Municipal pró pria. Com sua solicitaçã o atendida em 1710, ergueram
durante a noite um pelourinho no centro de Recife.

Pelourinho: uma coluna de pedra ou madeira erguida em praça pú blica; era símbolo de autonomia
administrativa e, ao mesmo tempo, lembrava a escravidã o (os escravos eram amarrados a ele para serem
castigados publicamente).

Os senhores de engenho olindenses reagiram invadindo Recife e destruindo o


pelourinho. Alguns deles, como Bernardo Vieira de Melo, clamavam por um
governo autô nomo para Pernambuco. Mas a maioria dos senhores de engenho
queria apenas garantir sua participaçã o no governo da Capitania.

Como resposta a isso, os comerciantes de Recife partiram para a guerra – a Guerra


dos Mascates –, que se desenrolou entre 1710 e 1711. A metró pole interveio no
conflito enviando um novo governador a Pernambuco, Felix José Machado, que
anunciou o perdã o geral aos envolvidos. Quando os proprietá rios olindenses se
desarmaram, o novo governador perseguiu seus líderes, a começar por Bernardo
Vieira de Melo, que foi preso e condenado pelo crime de lesa-majestade. Foi a
primeira vez que a Coroa portuguesa contrariou de forma explícita os interesses
dos senhores de engenho, conhecidos como “nobreza da terra”.

Frans Post. c. 1650-1655. Ó leo sobre tela. Coleçã o particular

Vista panorâmica de Olinda, de Frans Post, c. 1650-1655.

Pá gina 72

ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. (Enem/MEC – 2013)

De ponta a ponta, é tudo praia-palma, muito chã e muito formosa. Pelo sertã o nos pareceu,
vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, nã o podíamos ver senã o terra com
arvoredos, que nos parecia muito longa. Nela, até agora, nã o pudemos saber que haja ouro,
nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito
bons ares [...]. Porém o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta
gente.

Carta de Pero Vaz de Caminha. In: MARQUES, A.; BERUTTI, F.; FARIA, R. História moderna através de textos. Sã o
Paulo: Contexto, 2001.

A carta de Pero Vaz de Caminha permite entender o projeto colonizador para a nova terra. Nesse
trecho, o relato enfatiza o seguinte objetivo:

a) Valorizar a catequese a ser realizada sobre os povos nativos.

b) Descrever a cultura local para enaltecer a prosperidade portuguesa.


c) Transmitir o conhecimento dos indígenas sobre o potencial econô mico existente.

d) Realçar a pobreza dos habitantes nativos para demarcar a superioridade europeia.

e) Criticar o modo de vida dos povos autó ctones para evidenciar a ausência de trabalho.

1. Resposta: a.

2. (Uespi-PI – 2014)

A armada de Martim Afonso de Sousa, que deveria deixar Lisboa a 3 de dezembro de 1531,
vinha com poderes extensíssimos, se comparados aos das expediçõ es anteriores, mas tinha
como finalidade principal desenvolver a exploraçã o e limpeza da costa, infestada, ainda e cada
vez mais, pela atividade dos comerciantes intrusos.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. As Primeiras Expediçõ es. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. (org). História Geral da
Civilização Brasileira. Tomo I, Volume 1. Sã o Paulo: DIFEL, 1960. p. 93.

Com base nesta citaçã o, assinale a opçã o que indica corretamente os principais objetivos das
primeiras expediçõ es portuguesas à s novas terras descobertas na América:

a) expulsar os contrabandistas de pau-brasil e combater os holandeses instalados em Pernambuco.

b) garantir as terras brasileiras para Portugal, nos termos do Tratado de Tordesilhas, e expulsar os
invasores estrangeiros.

c) instalar nú cleos de colonizaçã o está vel, baseados na pequena propriedade familiar, e escravizar
os indígenas.

d) estabelecer contatos com as civilizaçõ es indígenas locais e combater os invasores franceses na


Bahia.

e) nenhuma das opçõ es está correta.

2. Resposta: b.

3. (UFF-RJ)

Os escravos sã o as mã os e os pés do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil não é


possível fazer, conservar e aumentar fazenda.

Antonil, Cultura e Opulência do Brasil, 1711, livro 1, Capítulo IX.

Assinale a opçã o que, baseada na citaçã o do jesuíta Antonil, justifica corretamente os fundamentos
da sociedade colonial.

a) A sociedade colonial se resumia ao mundo da casa-grande e da senzala, espaços fundamentais de


um mundo rural mediado pelos engenhos açucareiros.

b) O ideal de sociedade colonial, segundo os inacianos, era o de uma sociedade de missõ es, o que
explica a crítica do jesuíta Antonil à escravidã o.

Pá gina 73
c) A estrutura social do Brasil Colô nia era fundamentalmente escravista, uma vez que os setores
essenciais da economia colonial, a exemplo da agro-manufatura do açú car, dependiam do trabalho
escravo, sobretudo dos africanos.

d) A sociedade escravista erigida na Colô nia sempre foi condenada pelos jesuítas que, a exemplo de
Antonil, desejavam ardorosamente que índios e africanos se dedicassem ao mundo de Deus.

e) A sociedade colonial possuía duas classes, senhores e escravos, polos antagô nicos do latifú ndio
ou da “fazenda” mencionada por Antonil.

3. Resposta: c.

4. (Enem/MEC)

Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado porque padeceis em um modo muito


semelhante o que o mesmo Salvador padeceu na sua cruz e em toda a sua paixã o. A sua cruz foi
composta de dois madeiros, e a vossa em um engenho é de três. També m ali nã o faltaram as
canas, porque duas vezes entraram na Paixã o: uma vez, servindo para o cetro de escá rnio, e
outra vez para a esponja em que lhe deram o fel. A Paixã o de Cristo parte foi de noite sem
dormir, parte foi de dia sem descansar, e tais sã o as vossas noites e os vossos dias. Cristo
despido, e vó s despidos; Cristo sem comer, e vó s famintos; Cristo em tudo maltratado, e vó s
maltratados em tudo. Os ferros, as prisõ es, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo
isto se compõ e a vossa imitaçã o, que, se for acompanhada de paciência, também terá
merecimento de martírio.

VIEIRA, A. Sermões. Tomo XI. Porto: Lello & irmã o. 1951 – Adaptado.

O trecho do sermã o do Padre Antô nio Vieira estabelece uma relaçã o entre a Paixã o de Cristo e

a) a atividade dos comerciantes de açú car nos portos brasileiros.

b) a funçã o dos mestres de açú car durante a safra de cana.

c) o sofrimento dos jesuítas na conversã o dos ameríndios.

d) o papel dos senhores na administraçã o dos engenhos.

e) o trabalho dos escravos na produçã o de açú car.

5. (Fuvest-SP – 2015)

4. Resposta: e.

Se o açú car do Brasil o tem dado a conhecer a todos os reinos e províncias da Europa, o tabaco
o tem feito muito afamado em todas as quatro partes do mundo, em as quais hoje tanto se
deseja e com tantas diligências e por qualquer via se procura. Há pouco mais de cem anos que
esta folha se começou a plantar e beneficiar na Bahia [...] e, desta sorte, uma folha antes
desprezada e quase desconhecida tem dado e dá atualmente grandes cabedais aos moradores
do Brasil e incríveis emolumentos aos Erá rios dos príncipes.

André Joã o Antonil. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Sã o Paulo: EDUSP, 2007. Adaptado.

O texto acima, escrito por um padre italiano em 1711, revela que


a) o ciclo econô mico do tabaco, que foi anterior ao do ouro, sucedeu o da cana-de-açú car.

b) todo o rendimento do tabaco, a exemplo do que ocorria com outros produtos, era direcionado à
metró pole.

c) nã o se pode exagerar quanto à lucratividade propiciada pela cana-de-açú car, já que a do tabaco,
desde seu início, era maior.

d) os europeus, naquele ano, já conheciam plenamente o potencial econô mico de suas colô nias
americanas.

e) a economia colonial foi marcada pela simultaneidade de produtos, cuja lucratividade se


relacionava com sua inserçã o em mercados internacionais.

5. Resposta: e.

Pá gina 74

6. (UPE – 2015) A primeira metade do século XVII em Pernambuco foi marcada pela invasã o
holandesa à capitania. A presença holandesa em Pernambuco durou 24 anos, de 1630 a 1654. A
invasã o foi motivada por vá rios fatores, dos quais podemos destacar

a) o sucesso da colonizaçã o holandesa no sul da América, especialmente nas possessõ es


espanholas, e a vontade da Holanda em expandir seus domínios no Novo Mundo.

b) a necessidade do algodã o, produto amplamente produzido na capitania de Pernambuco, desde o


século XVI, por parte das indú strias têxteis holandesas.

c) o bloqueio do acesso holandês pela Coroa Espanhola ao comércio do açú car produzido em
Pernambuco, durante a Uniã o Ibérica.

d) a presença maciça de tropas holandesas na Bahia, desde 1625.

e) os interesses dos comerciantes e senhores de engenho locais em comercializar com os


holandeses, em detrimento dos portugueses.

6. Resposta: c.

II. Leitura e escrita em História


Leitura e escrita de textos
PROFESSOR, VER MANUAL.

VOZES DO PRESENTE

A escravidã o dificultou o amor entre os escravos, mas nã o foi forte o suficiente para impedir os
sentimentos que brotavam no coraçã o deles. Muitas vezes, depois de um dia de trabalho exaustivo,
eles fugiam e andavam horas para visitar a namorada ou outras pessoas queridas sem se importar
se seriam ou nã o castigados por isso. Além disso, geralmente, os escravizados constituíam família.
Veja o que uma historiadora diz sobre esse assunto.

Amor e família

Durante muitos anos, os historiadores acharam que o sistema escravista havia massacrado de
tal forma homens e mulheres escravos que eles se tornaram um grupo absolutamente
dominado e sem vontade pró pria. Para esses historiadores, nã o havia sido dada ao escravo
nem mesmo a oportunidade de constituir família, organizaçã o bá sica de apoio e de identidade
social para todos os seres humanos. Os senhores nã o teriam permitido que escravos casassem.
Em suma, os historiadores acreditavam que eles eram tratados como “coisa” ou, no má ximo,
como animais para quem só valia a vontade do dono.

Diversos estudos atuais, entretanto, vêm demonstrando que a situaçã o nã o era bem assim. Boa
parte dos escravos constituía família, sendo essa importantíssima para suas vidas. Concluíram
ainda que aos senhores interessava que eles se unissem em família para melhor se adequar à
vida no cativeiro. Revelaram também que separar filhos pequenos de seus pais era atitude
rara. Crianças de até doze anos de idade, na quase totalidade dos casos, viviam com seus pais
ou, pelo menos, com suas mã es.

FARIA, Sheila de Castro. Viver e morrer no Brasil Colônia. 1. ed. Sã o Paulo: Moderna, 1999. p. 16. (Desafios).

a) Explique as diferenças entre as duas visõ es sobre os escravizados citadas no texto.

b) O que se descobriu recentemente sobre a vida pessoal dos escravizados?

c) Em dupla. Segundo a autora, a família é uma organizaçã o bá sica de apoio e identidade social
para todos os seres humanos. Vocês concordam com essa afirmaçã o? O que a família é para vocês?

Pá gina 75

III. Você cidadão!


O conhecimento e a contribuição indígena à cultura brasileira

As principais plantas de que se alimenta, ou que utiliza industrialmente a humanidade, foram


descobertas e domesticadas pelos ameríndios. Tais sã o, entre as alimentícias:

a batata [...], originá ria do Peru, erroneamente chamada inglesa; a mandioca [...]; o milho [...]; a
batata-doce [...]; o tomate [...]; feijõ es e favas, como o amendoim [...]; fruteiras como o cacau [...],
o abacaxi [...], o caju [...], o mamã o [...]; amêndoas como a castanha-do-pará [...].

Inú meras espécies vegetais, objeto de coleta por parte dos índios, foram adotadas pelos
colonizadores europeus, passando a ser cultivadas, algumas em larga escala, desempenhando
hoje relevante papel na economia mundial. [...]

A borracha [...], dentre todas, inicia o ciclo industrial moderno. Conhecida pelos índios, que a
utilizavam para fazer bolas, seringas e impermeabilizar objetos, a borracha só foi realmente
“descoberta” pela civilizaçã o ocidental na segunda metade do século XIX.
RIBEIRO, Berta G. A contribuiçã o dos povos indígenas à cultura brasileira. In: GRUPIONI, Luís Donizete Benzi. A
temática indígena na escola. 2. ed. Brasília: MEC/Unesco, 1998. p. 199-203.

Edson Sato/Pulsar Imagens

Criança ianomâ mi carregando cacho de pupunha madura na Aldeia do Kona, Santa Isabel do Rio
Negro (AM), 2011.

a) Em sua opiniã o, a autora do texto conseguiu comprovar o que afirma?

b) Em que trecho do texto fica evidente a existência de trocas culturais entre indígenas e europeus?

c) Na segunda metade do século XIX surgiram na Europa novos tipos de indú strias, que tinham a
borracha como matéria-prima essencial. Que indú strias eram essas?

d) Reflita e elabore um comentá rio sintético sobre a ideia defendida pela autora no texto.

e) Em grupo. A demarcaçã o das terras indígenas tem ocasionado conflitos violentos: de um lado
estã o os povos indígenas e seus aliados; eles argumentam ter direito à terra que tradicionalmente
ocupam e que esse direito é garantido por lei. De outro lado estã o indivíduos e grupos interessados
nas terras reivindicadas pelos indígenas; eles argumentam que “tem terra demais para pouco
índio”. Debatam, reflitam e opinem sobre essa disputa e justifiquem a posiçã o tomada por vocês.
Postem o resultado do debate no blog da turma.

Pá gina 76
UNIDADE 2 Diversidade e
pluralismo cultural

Delfim Martins/Pulsar Imagens

O Boi Garantido no Festival de Parintins (AM), 2010.

Rogé rio Reis/Olhar Imagem

Maracatu Rural de Nazaré da Mata (PE), 2013.


Delfim Martins/Pulsar Imagens

Cavalhada em Pirenó polis (GO), 1999.

Pá gina 77

Gabriel Santos/Tyba

Desfile da Escola de SambaBeija-Flor de Niló polis. O desfile abordou a histó ria contada por um
griot. Rio de Janeiro (RJ), 2015.
G. Evangelista/Opçã o Brasil/Imagens

Dança típica alemã , Gramado (RS), 2012.

Professor: segundo um historiador: “Cultura nã o é apenas o conjunto de manifestaçõ es artísticas. Envolve as formas de
organizaçã o do trabalho, da casa, da família, do cotidiano das pessoas, dos ritos, das religiõ es, das festas etc.”. (BEZERRA,
Holien Gonçalves. Ensino de Histó ria: conteú dos e conceitos bá sicos. In: KARNAL, Leandro. Histó ria na sala de aula:
conceitos, prá ticas e propostas. Sã o Paulo: Contexto, 2005. p. 46)

»» As fotografias destas páginas são de festas tradicionais. Cada


uma delas é típica de uma região do Brasil; você sabe qual?

»» Ora, sabendo que festas são formas de expressão de um


determinado povo/ lugar e, portanto, pertencem ao campo da
cultura, é possível concluir que o Brasil possui enorme
diversidade cultural?

»» O que é cultura para você? E diversidade cultural, o que é?

»» Em grupo. Pesquisem sobre uma festa importante do seu


estado e elaborem um pequeno vídeo acompanhado de um texto
explicativo sobre ela. Postem o trabalho no blog da turma.

Pá gina 78

Africanos no Brasil:
Capítulo 4

dominação e resistência
Observe estas fotografias.
Professor: Fig. 1: Milton Santos (1926-2001), geó grafo, cientista e professor universitá rio com uma enorme contribuiçã o no
campo da Geografia e da reflexã o sobre cidadania. Fig. 2: Ludmilla, cantora e compositora de funk melody, durante
apresentaçã o na ediçã o 2014 da festa junina beneficente no Retiro dos Artistas no Rio de Janeiro (RJ), cujo objetivo é
arrecadar fundos para a manutençã o da casa que hoje abriga 62 artistas em idade avançada. Fig. 3: Hugo Pessanha, judoca
representante do Brasil numa final com Kirill Denisov, da Rú ssia, durante Grand Slam de Judô realizado no Giná sio do
Maracanã zinho, 2010, no Rio de Janeiro (RJ). Fig. 4: Emicida, rapper e compositor, em um show no Hard Rock Café , em
Curitiba (PR), 2015.

Flá vio Florido/Folhapress

Glaucon Fernandes/AE

3
Celso Pupo/Fotoarena

Hamilton Zambiancki/Futura Press

Dois elementos sã o comuns a todas essas pessoas: sã o afrodescendentes e


alcançaram reconhecimento social e prestígio nas suas respectivas á reas de
atuaçã o profissional.

»» Você conhece essas personalidades?

»» Sabe em que áreas elas atuam?

»» O que você sabe sobre os ancestrais desses brasileiros?

Pá gina 79

Hoje, os estudiosos da história da África e dos afro-brasileiros concordam que


a escravidã o era praticada na Á frica antes da chegada dos europeus ao litoral do
continente, no século XV.

Estudiosos da história da África e dos afro-brasileiros: Alberto da Costa e Silva, José Rivair Macedo,
Marina de Mello e Souza, Leila Leite Hernandez, Nei Lopes, entre outros.

Segundo a historiadora Leila Leite Hernandez, na Á frica o indivíduo podia ser


escravizado por quatro motivos principais:

»» guerra: essas guerras se davam entre diferentes povos envolvidos em disputas


por terra, poder e/ou prestígio. Os vencidos eram escravizados ou vendidos pelos
vencedores.

»» fome: quando a fome se abatia sobre um grupo, ocorria de famílias inteiras


oferecerem a si mesmas como escravas em troca de alimentos e moradia.
»» punição judicial: em algumas sociedades tradicionais africanas, os criminosos
eram condenados à escravidã o.

»» penhora humana: o indivíduo era escravizado como uma espécie de garantia


para o pagamento de débito.

Mas é consenso também entre os estudiosos da Á frica que a escravidã o africana


possuía características pró prias.

Observa o historiador José Rivair Macedo que, diferentemente do que ocorria na


Grécia e na Roma Antiga, nas sociedades tradicionais africanas, os escravizados
eram minoria; além disso, a escravidã o africana tinha características pró prias: a
perda da liberdade pessoal nã o era completa, e os cativos eram integrados ao
grupo dos vencedores em posiçõ es subalternas. Em muitos casos podiam casar-se
com pessoas livres e, com o tempo, ascender socialmente tornando-se
comerciantes, ministros ou funcioná rios da Corte de um poderoso. Nas sociedades
tradicionais africanas, os descendentes de escravizados tinham os mesmos direitos
das pessoas livres, podendo, inclusive, comprar e herdar bens.

Editora Contexto

Fac-símile da capa do livro História da África, de José Rivair Macedo.

Para refletir
O texto a seguir foi escrito pelo africanista Alberto da Costa e Silva. Leia-o com
atençã o.

Os africanos escravizavam africanos?

Os africanos nã o escravizavam africanos, nem se reconheciam entã o como africanos. Eles se


viam como membros de uma aldeia, de um conjunto de aldeias, de um reino e de um grupo que
falava a mesma língua, tinha os mesmos costumes e adorava os mesmos deuses. Eram, ainda
que pudessem ignorar estes nomes – que muitas vezes lhes eram dados por vizinhos ou
adversá rios –, mandingas, fulas, bijagó s, axantes, daomeanos, vilis, iacas, caçanjes, lundas,
Pá gina 80

niamuézis, macuas, xonas – e escravizavam os inimigos e os estranhos. Quando um chefe


efique de Velho Calabar vendia a um navio europeu um grupo de cativos ibos, nã o estava
vendendo africanos nem negros, mas ibos, uma gente que, por ser considerada por ele inimiga
e bá rbara, podia ser escravizada. E quando negociava um efique condenado por crime, vendia
quem, por força da sentença, deixara de pertencer ao grupo.

O comércio transatlâ ntico de escravos era controlado pelos grandes da terra, pelos poderosos
da Europa, da Á frica e das Américas. Fazia parte de um processo de integraçã o econô mica do
Atlâ ntico, que envolvia a produçã o e a comercializaçã o, em grande escala, de açú car, algodã o,
tabaco, café e outros bens tropicais, um processo no qual a Europa entrava com o capital, as
Américas com a terra e a Á frica com o trabalho, isto é, com a mã o de obra cativa.

SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2012. p. 88-89.

Editora AGIR

Fac-símile da capa do livro A África explicada aos meus filhos, de Alberto da Costa e Silva.

a) Com base no texto é correto afirmar que “africanos” escravizavam “africanos”


para vendê-los como escravos? Justifique.

a) Nã o; os africanos nã o se reconheciam como africanos. Eles se viam como membros de um determinado povo (iorubá , ibo,
daomeano ou congo), uma determinada comunidade, linhagem, grupo linguístico ou reino; e assim sendo eles escravizavam
seus adversá rios ou os estranhos. Professor: os africanos passaram a adquirir consciê ncia de sua africanidade durante as
lutas pela independê ncia de seus países, ou seja, durante o processo de sua emancipaçã o política frente aos Estados
europeus.

b) Em que contexto o autor insere o trá fico atlâ ntico?

b) Ele o insere no processo de integraçã o econô mica do Atlâ ntico Sul, que envolvia a produçã o e a venda de gê neros
tropicais, como açú car, algodã o e café , alé m de crianças, homens e mulheres escravizados.

c) Interprete: o comércio transatlâ ntico era controlado pelos “grandes da terra”.

c) O autor está se referindo aos grupos com riqueza e poder, a exemplo dos comerciantes de escravos da Europa, do Rio de
Janeiro e de Salvador ou os chefes de linhagens africanas, que se envolviam em guerras para obter e vender os adversá rios.

O início da roedura
Na Á frica, a dinâ mica e a intensidade da escravidã o mudaram radicalmente depois
da chegada dos europeus ao litoral africano. Em 1443, os portugueses ergueram
uma feitoria em Arguim, na costa ocidental, que funcionou como um ponto de
comércio de africanos escravizados. Posteriormente, foram erguidos outros
entrepostos de escravizados perto dos rios Senegal e Gâ mbia (1456), e em Sã o
Jorge da Mina (1482), no Golfo da Guiné.

Dica! Vídeo sobre a história dos africanos e seus descendentes. [Duração: 12 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/j54vfn>.

Guerra e escravidão
Inicialmente, europeus armados obtinham escravos no litoral da Á frica por meio
do sequestro. Mas logo a captura e a venda de africanos passaram a ser um negó cio
grande e rentá vel, envolvendo europeus, americanos e africanos e as duas margens
do oceano Atlâ ntico. Entenda o seu funcionamento acompanhando o roteiro:

Pá gina 81

»» Passo 1: traficantes europeus ou americanos forneciam manufaturados


europeus (armas de fogo, pó lvora) ou americanos (tabaco e aguardente) a chefes
africanos. Em troca, exigiam prisioneiros de guerra.

»» Passo 2: de posse de armas/pó lvora, os chefes africanos provocavam guerras a


fim de ampliar seu poder e obter mais prisioneiros.

»» Passo 3: os novos prisioneiros eram trocados por mais armas/pó lvora trazidas
pelos traficantes, as quais alimentavam novas guerras. Os prisioneiros de guerra
serviam como moeda de troca para os chefes africanos e como mercadoria para os
traficantes.

Por vá rias vezes, a Coroa portuguesa interveio militarmente em disputas e


conflitos entre africanos para manter no governo autoridades africanas coniventes
com o trá fico e a escravidã o; tanto no Reino do Ndongo (Angola) quanto no Reino
do Congo, os portugueses auxiliaram na imposiçã o de monarcas dó ceis ligados aos
interesses do tráfico atlântico.

Conforme os europeus foram dominando a América, a partir do século XVI, a


demanda por escravos cresceu muito. Diante disso, europeus, americanos
(inclusive brasileiros) e africanos organizaram dos dois lados do oceano um
enorme e lucrativo empreendimento envolvendo a obtençã o, o transporte e o
comércio de africanos pelo Atlâ ntico. Com o trá fico atlâ ntico teve início o processo
de roedura do continente africano.

Tráfico atlântico: nome dado ao comércio de homens e mulheres pelo Atlâ ntico entre os séculos XVI e XIX.
Processo de roedura: expressã o de Joseph Ki-Zerbo, professor de metodologia da Histó ria da Á frica, para
caracterizar a penetraçã o e a exploraçã o colonialista na Á frica.

Portos de embarque de africanos (séculos XVI a XIX)

Allmaps

Fonte: SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. Sã o Paulo: Á tica, 2007. p. 86.

Boa parte dos povos africanos entrados no Brasil saiu dos portos de Benguela, Luanda e Cabinda, no
Centro-Oeste da Á frica. Outra parte saiu da Á frica ocidental, pelos portos de Lagos, Ajudá e Sã o
Jorge da Mina. E um nú mero menor, pelo porto de Moçambique, no sudeste africano. Os africanos
trazidos do Congo, do Ndongo (Angola) e de Moçambique eram de origem banto e desembarcaram
principalmente em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Da Á frica ocidental, entre a Nigéria e o Senegal
atuais, saíram os sudaneses, entre os quais se destacam os iorubá s, entrados no Brasil por Salvador
e conhecidos como “nagô s”, na Bahia, e os jejes, que desembarcaram nas costas do Maranhã o.

Pá gina 82

A travessia
Aglomerados nas feitorias em barracõ es de madeira ou pedra, os escravizados
aguardavam a chegada dos navios negreiros, que só partiam depois de completada
a carga, para garantir a lucratividade da viagem. Amontoados em seus porõ es,
eram mal alimentados e tinham de respirar um ar viciado que favorecia a
ocorrência de doenças e o contá gio. A sede também era comum nesses navios, que
carregavam poucas pipas de á gua para nã o ocupar espaço e evitar excesso de peso.
Robert Walsh e T. Kelly. 1830. Litogravura. Coleçã o particular

Ilustraçã o mostrando como os escravizados viajavam: amontoados em porõ es e com poucas


condiçõ es de sobrevivência. Até o Rio de Janeiro, as viagens duravam cerca de 45 dias a partir da
Costa da Mina; de 33 a 40 dias a partir da regiã o congo-angolana; cerca de 75 dias a partir de
Moçambique.

Essas péssimas condiçõ es de viagem ocasionavam mortes por inaniçã o e


desidrataçã o. Mesmo assim, os lucros dos traficantes eram altos. Chegando à s
costas brasileiras, os escravos eram examinados, avaliados e negociados. Um
adulto do sexo masculino valia o dobro de um do sexo feminino e três vezes mais
que uma criança ou um idoso.

A dança dos números


Com base em pesquisa rigorosa, os historiadores estadunidenses Hebert Klein, da
Universidade de Columbia, e David Eltis, da Universidade Emory, afirmam que
cerca de 12,5 milhõ es de africanos deixaram a costa da Á frica rumo à América
entre 1500 e 1867. Destes, 4,9 milhõ es desembarcaram no Brasil. Segundo esses
especialistas, as regiõ es de origem dos quase 5 milhõ es de africanos
desembarcados no Brasil eram três:

»» A Á frica ocidental – regiã o que vai do Senegal à Nigéria atuais que forneceu
10% do total de africanos entrados no Brasil.

»» O Centro-Oeste africano – onde estava situada a colô nia portuguesa de Angola,


73% desse total.

»» O Sudeste africano – onde estava situada a colô nia portuguesa de Moçambique,


17% restantes.

Mas com o auxílio de geneticistas, esses historiadores estã o revendo seus dados.
Analisando o material genético compartilhado por brasileiros e africanos, os
geneticistas Sérgio Danilo Pena (UFMG) e
Pá gina 83

Maria Cá tira Bortolini (UFRGS) descobriram que a proporçã o de africanos


oriundos da Á frica ocidental pode ter sido de duas a quatro vezes maior que o
contabilizado até o momento. Pena e sua equipe analisaram amostras de sangue de
120 paulistas que se autoclassificaram como negros e descobriram que, quatro de
cada dez deles, apresentavam material genético típico da Á frica ocidental.

Maria Cá tira e Tá bita Hü nemeier (UFRGS), por sua vez, analisaram 94 negros
cariocas; desses, 31% eram originá rios da Á frica ocidental, sendo que a maioria,
como já se sabia, veio mesmo do Centro-Oeste, regiã o congo-angolana. Essa é
também a regiã o de origem da maioria dos 107 negros gaú chos analisados por
elas; apenas 18% deles eram da Á frica ocidental.

Independentemente da sua regiã o de origem, esses milhõ es de africanos que aqui


chegaram trouxeram, além de sua força de trabalho, suas ricas culturas e seus
modos de viver e de expressar sentimentos.

Dica! Vídeo que aborda a história do comércio de seres humanos sendo contada através das vozes
de escravizados. [Duração: 34 minutos]. Acesse: <http://tub.im/95qvmz>.

Marco Antô nio Sá /Pulsar Imagens

Manifestaçã o da cultura banto: Grupo Jongo de Piquete – dança de roda de origem africana com
acompanhamento de tambores e solista. Piquete (SP), 2007.

Christian Knepper/Opçã o Brasil Imagens


Tambor de Crioula, manifestaçã o da cultura jeje no Maranhã o, 2008.

Antonio Queiros/A Tarde/Futura Press

Manifestaçã o da cultura de origem iorubá , em 2003: dançarinas do Ilê Aiyê, bloco afro que nasceu
no Curuzu, no bairro da Liberdade, em Salvador (BA). O Ilê Aiyê preserva e recria importantes
elementos da cultura iorubá e desenvolve um trabalho social reconhecido nacionalmente.

Pá gina 84

O trabalho escravo
A escravidã o existiu em todo o territó rio colonial e os escravizados trabalhavam
nas mais diferentes ocupaçõ es. No engenho eram eles que realizavam a maioria
das tarefas, desde semear a cana até controlar a qualidade do açú car. Na época do
plantio, os escravos trabalhavam geralmente das 5 da manhã à s 6 da tarde; na
época da safra (corte e beneficiamento da cana) chegavam a trabalhar 18 horas por
dia.

A mulher ajudava o homem no cultivo da terra, na colheita e no transporte da cana;


além disso, fazia serviços domésticos, cuidava dos doentes, realizava partos e
servia como ama de leite. Nas cidades, homens e mulheres vendiam os mais
diversos tipos de mercadoria: quitutes, cestos, lenha. Muitas delas eram originá rias
de regiõ es da Á frica com grande nú mero de comerciantes do sexo feminino.

Obtido mediante coaçã o, o trabalho escravo incluía, por vezes, as manhã s dos
domingos e feriados, usadas para serviços gerais, como reparo de edificaçõ es e
conserto de cercas e estradas. No Brasil, a intensa utilizaçã o de escravos levou a
uma inversã o de valores: o trabalho passou a ser visto pelas pessoas livres como
desonroso; como coisa de escravo.
J. C. Guillobel. 1812-1816. Aquarela. Acervo Coleçã o Geyer, Museu Imperial

Vendedoras ambulantes, aquarela de J. C. Guillobel, c. 1814.

Para saber mais


Alimentação

A comida servida aos escravos era, geralmente, escassa e pobre em proteínas.


Recebiam diariamente uma cuia de feijã o com gordura ou toucinho e uma porçã o
de farinha de mandioca ou de milho; e só raramente rapadura e charque. Quase
nã o tinham acesso a frutas, apesar de ser um alimento abundante em boa parte do
territó rio colonial. Havia propriedades, no entanto, em que os escravizados
cultivavam seus pró prios alimentos e, até mesmo, negociavam as sobras. Dessa
maneira, o proprietá rio economizava na alimentaçã o e diminuía as tensõ es entre
ele e seus cativos. O excesso de trabalho, somado a uma alimentaçã o precá ria e aos
maus-tratos, acarretava sérios problemas de saú de como anemias, diabetes,
hipertensã o e envelhecimento precoce.

Pá gina 85

A violência
Onde houve escravidã o, houve violência. Os castigos aplicados eram muitos e
variados; incluíam os rotineiros, como a palmató ria, até os mais especializados,
como a má scara de flandres.

Outros tipos de violência impostos ao escravo, como os xingamentos e a repressã o


à s suas manifestaçõ es religiosas e à s suas festas, certamente contribuíram para o
alto índice de mortalidade e a baixa expectativa de vida verificados entre os
cativos.
Dica! Documentário sobre a memória dos descendentes de escravos no Brasil. [Duração: 8
minutos]. Acesse: <http://tub.im/2g8kac>.

A resistência
O trabalho estafante, a violência física e psicoló gica, a liberdade negada quando os
escravizados conseguiam juntar dinheiro para comprá -la, tudo isso provocou
respostas. Eles reagiam fisicamente fazendo “corpo mole” no trabalho, quebrando
ferramentas, incendiando plantaçõ es, agredindo feitores e senhores. Chegaram,
inclusive, a praticar o suicídio. Os escravizados resistiram também, culturalmente,
fundando irmandades, praticando religiõ es de matriz afro e a capoeira ou
promovendo festejos como o congado.

Irmandades: associaçõ es organizadas por leigos e sediadas em igrejas cató licas; para que uma irmandade
funcionasse, era necessá rio que fosse acolhida por uma igreja e tivesse seus estatutos aprovados por uma
autoridade eclesiástica.

Bertrand Gardel/Hemis/Alamy/Glow Images

Demonstraçã o de capoeira em praia de Salvador (BA), 2005. A capoeira, uma manifestaçã o cultural
em que os jogadores dançam e lutam ao mesmo tempo, foi um meio de resistência dos negros
escravizados. Nela, a malícia é mais importante do que a força física. Na capoeira, mandingueiro é
aquele que tem maior capacidade de enganar o adversá rio.

Pá gina 86

Entre as irmandades criadas pelos negros no tempo da escravidã o estã o a de Sã o


Benedito, a do Rosá rio dos Pretos e a de Nossa Senhora da Boa Morte, que continua
em atividade até hoje. Essa irmandade recebe gente de todo lugar no mês de
agosto, quando homenageia Nossa Senhora da Boa Morte, com festejos e rituais
que se prolongam por vá rios dias. No passado, ao mesmo tempo em que cultuavam
orixá s e santos cató licos, as irmandades se empenhavam em arrecadar dinheiro
para a compra de alforrias.

Ricardo Teles/Pulsar Imagens

Festejo da Assunçã o de Nossa Senhora, promovido pela Irmandade da Boa Morte, na Bahia, 2010.
Essa irmandade é formada exclusivamente por mulheres negras com mais de 40 anos e está
estabelecida na cidade de Cachoeira. Estima-se que tenha sido fundada por volta de 1820.

Os escravizados reagiam também coletivamente, fugindo e formando quilombos. 1

1. Dica! Trailer do filme Besouro, de João Daniel Tikhomiroff. [Duração: 2 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/tsi26c>.

Os quilombos
Os quilombos nã o foram um fenô meno isolado; proliferaram por toda a América
escravista. Na América espanhola, receberam o nome de palenques; na inglesa,
maroons; na francesa, grand marronage; na América portuguesa, quilombos ou
mocambos.

Situados, geralmente, em lugares de difícil acesso, os mocambos mantinham


relaçõ es ambíguas com a sociedade: à s vezes faziam comércio com ela; outras
vezes, negavam-se a realizar qualquer tipo de contato. Existiram muitos quilombos
pelo Brasil todo. A maioria deles é ainda pouco conhecida. O historiador Carlos
Magno definiu quilombo como “negaçã o da ordem escravista”. Daí o enorme
empenho das autoridades coloniais em combatê-lo permanentemente. 2

2. Dica! Vídeo sobre a dominação e a resistência dos escravizados. [Duração: 14 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/wz3qkp>.

O Quilombo dos Palmares

Palmares é considerado o maior, mais importante e mais duradouro quilombo da


América colonial: durou cerca de 100 anos (1597-1694).
Ele nasceu de escravizados fugidos de engenhos nordestinos que se estabeleceram
na Zona da Mata, cerca de 70 quilô metros do litoral, entre o fim do século XVI e
início do XVII; a regiã o pertence atualmente ao estado de Alagoas. 3

3. Dica! Vídeo sobre a história do Quilombo dos Palmares. [Duração: 7 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/6vffod>.

Pá gina 87

Principais sítios palmarinos (século XVII)

Allmaps

Fonte: REIS, Joã o José; SANTOS, Flá vio. Liberdade por um fio. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 30.

No mapa, vê-se representado o mocambo de Macaco, capital do Quilombo dos Palmares.

Uma pesquisa importante sobre Palmares é a da professora Yeda Pessoa de Castro,


para quem a maioria dos negros palmarinos era de origem banto. Leia o que ela
diz:

[...] os empréstimos léxicos africanos no português do Brasil, associados ao regime de


escravatura, sã o em geral étimos bantos (quilombo, senzala, mucama, por exemplo); depois
Zumbi, Ganga-Zumba, nomes dos líderes de Palmares, sã o títulos tradicionalmente atribuídos a
chefes locais no domínio banto.

CASTRO, Yeda Pessoa de. In: MOURA, Cló vis. Quilombos: resistência ao escravismo. 2. ed. Sã o Paulo: Á tica, 1989. p.
45. (Série Princípios).

A populaçã o palmarina aumentou consideravelmente com as invasõ es holandesas


no Nordeste (1624-1654), durante as quais muitos aproveitaram para fugir da
escravidã o. Segundo Joã o José Reis, nesse período Palmares chegou a ter 15 mil
habitantes. Lá havia casas, ruas, capelas, paliçadas e grandes construçõ es
reservadas à s autoridades. Os palmarinos praticavam a policultura, possuíam
oficinas e fundiçõ es e, além de ferramentas, produziam também peças de cerâ mica
e de madeira. Geralmente, a produçã o de cada povoaçã o era distribuída entre seus
membros. As sobras eram guardadas para épocas de guerra, má colheita, ou para
serem comercializadas nos lugares mais pró ximos, como Porto Calvo, Serinhaém e
Alagoas.

Maira Vilela/Futura Press

Casa de quilombo no Parque Memorial Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas,
2010. Arqueó logos que trabalham na Serra da Barriga descobriram um grande vaso cerâ mico, que,
segundo o professor Pedro Paulo Funari, pode ter sido feito pelos palmarinos para armazenar
comida, conforme costume banto, ou pelos indígenas que habitavam o quilombo.

Pá gina 88

A guerra

Os senhores de engenho e as autoridades locais consideravam Palmares um “sério


perigo” e enviaram diversas expediçõ es contra o quilombo. A maioria dessas
expediçõ es foi rechaçada pelos palmarinos. Em uma delas, a de 1675, o sobrinho
do rei de Palmares Ganga-Zumba – um jovem guerreiro chamado Zumbi –
demonstrou pela primeira vez sua capacidade de liderança e disposiçã o de luta, e
pouco tempo depois foi proclamado rei de Palmares.

Zumbi: nome derivado de Nzumbi, título banto concedido a um chefe militar e religioso.

Dica! Zumbi, canção de Jorge Ben Jor. Acesse: <http://tub.im/hpig3y>.


Diante do fracasso repetido das expediçõ es enviadas contra Palmares, as
autoridades contrataram o bandeirante Domingos Jorge Velho, conhecido caçador
de indígenas, para comandar a destruiçã o do grande quilombo. Em troca, Jorge
Velho exigiu prisioneiros de guerra, tecidos, dinheiro e o perdã o pelos crimes que
havia cometido. Esse tipo de negó cio entre bandeirantes e poderosos era chamado
de sertanismo de contrato.

Em fevereiro de 1694, depois de 42 dias de cerco, os mercená rios conseguiram


romper com balas de canhã o a muralha de madeira que protegia a capital. Macaco
foi incendiada, muitos quilombolas morreram sob o fogo cerrado do inimigo,
alguns se lançaram de precipícios e 500 foram capturados e vendidos. Zumbi
conseguiu escapar com outros quilombolas e resistiu por vá rios meses. Mas, no dia
20 de novembro de 1695, traído por um homem de sua confiança, foi capturado e
executado; sua cabeça foi exposta em local pú blico para lembrar a puniçã o
reservada aos que ousassem desafiar o poder escravista e moná rquico.

Cesar Diniz/Pulsar Imagens

Festa em homenagem ao Dia da Consciência Negra na Escola Municipal Pastor Alcebíades Ferreira
de Mendonça, no Quilombo de Sobara, município de Araruama (RJ), 2015. Em primeiro plano,
veem-se crianças vestidas com trajes que lembram os de alguns povos africanos e um cartaz com a
figura de Zumbi. Em 1978, os diversos movimentos negros do país proclamaram o 20 de novembro
– dia da morte de Zumbi – como o Dia Nacional da Consciência Negra. A data serve como reflexã o a
respeito do racismo à brasileira e das possíveis soluçõ es para esse problema nacional.

Pá gina 89

Remanescentes de quilombos
Para muitos, os quilombos só existem nos livros de Histó ria. Mas a realidade é
outra. Atualmente, por todo o territó rio nacional, existem comunidades formadas
predominantemente por descendentes de escravos, conhecidas como
remanescentes de quilombos.

As terras dessas comunidades foram obtidas como herança de quilombolas, por


meio da compra efetuada por ex-escravos, da doaçã o de um senhor (em vida ou
por testamento), ou como prêmio por serviços prestados em lutas oficiais (como a
Guerra do Paraguai). Essas terras, chamadas tradicionalmente de “terras de
pretos”, sã o denominadas hoje de remanescentes de quilombos. Estima-se que a
populaçã o total dessas comunidades seja de 80 mil pessoas; em algumas delas, a
língua falada conserva termos africanos.

Em 1988, diante da pressã o dos movimentos negros brasileiros e das


comemoraçõ es pelo centená rio da Aboliçã o, o artigo 68 da Constituiçã o brasileira
reconheceu a propriedade definitiva das terras ocupadas por comunidades
quilombolas afirmando:

Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas
terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos
respectivos.

BRASIL. Constituiçã o (1988). Constituiçã o da Repú blica Federativa do Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 11 mar. 2016.

No entanto, apesar da existência da lei, poucos remanescentes de quilombos


receberam títulos de propriedade do Estado brasileiro. E hoje lutam para
conseguir documentos que comprovem sua ascendência escrava e seu direito
hereditá rio à terra. Em sua luta, porém, têm enfrentado vá rios obstá culos, como a
cobiça de fazendeiros e grileiros por suas propriedades, a lentidã o da Justiça
brasileira e a carência de recursos e de acesso a profissionais competentes para
representá -los juridicamente. 1 e 2

1. Dica! Reportagem abordando os ecos da escravidão no Brasil. [Duração: 54 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/28b5zt>.

2. Dica! Documentário sobre os cinco quilombos remanescentes no Brasil. [Duração: 19 minutos].


Acesse: <http://tub.im/92ek7s>.
Joã o Prudente/Pulsar Imagens

Acima, loja de artesanato do Povoado Engenho II, na comunidade quilombola Kalunga, em


Cavalcante (GO), 2015.

Cesar Diniz/Pulsar Imagens

Crianças brincam com bola de pano no Quilombo Soledade, em Caxias (MA), 2014.

Pá gina 90

ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. (Fuvest-SP – 2014) O trá fico de escravos africanos para o Brasil

a) teve início no final do século XVII, quando as primeiras jazidas de ouro foram descobertas nas
Minas Gerais.

b) foi pouco expressivo no século XVII, ao contrá rio do que ocorreu nos séculos XVI e XVIII, e foi
extinto, de vez, no início do século XIX.

c) teve início na metade do século XVI, e foi praticado, de forma regular, até a metade do século XIX.

d) foi extinto, quando da Independência do Brasil, a despeito da pressã o contrá ria das regiõ es
auríferas.

e) dependeu, desde o seu início, diretamente do bom sucesso das capitanias hereditá rias, e, por
isso, esteve concentrado nas capitanias de Pernambuco e de Sã o Vicente, até o século XVIII.

1. Resposta: c.
2. (Olimpíadas da Unicamp-SP) A revista Ciência Hoje publicou a seguinte notícia:

O Brasil no Atlântico Sul

O historiador Luis Felipe de Alencastro defende que, nos séculos XVI e XVII, o Brasil foi um
polo de produçã o escravista dependente e organicamente ligado a Angola, um outro polo
produtor de mã o de obra escrava para a agricultura brasileira. A formaçã o do Brasil, portanto,
seria um resultado da relaçã o entre esses dois países.

“A nossa Histó ria nã o está restrita ao nosso territó rio”, afirma o autor. Tendo o Atlâ ntico Sul
como ligaçã o, a trajetó ria do Brasil dos séculos XVI e XVII está intimamente ligada à de Angola.
Com uma ocupaçã o portuguesa efetiva, esse país teve seus reinos independentes dizimados e
limitou-se a desenvolver uma economia complementar à brasileira. A prioridade era o
fornecimento de escravos para o mercado brasileiro, e atividades que pudessem concorrer
com a agroindú stria exportadora do Brasil nã o eram incentivadas. Sob esse aspecto, Alencastro
sustenta que o Brasil, tradicionalmente visto como um país explorado, também explorou.
“Angola foi pilhada pelos brasileiros, ou pelos colonos deste enclave lusitano”, afirma o
historiador. Isso ocorreu por meio de guerras com o intuito de aumentar o trá fico de escravos.

Baseado nesta reportagem, pode-se pensar sobre o Brasil colô nia:

a) o Atlâ ntico sul relacionava a América e a Á frica, logo a formaçã o do Brasil nã o se restringiu
apenas ao binô mio Brasil-Portugal.

b) o trá fico de escravos foi um negó cio formador do territó rio brasileiro.

c) Angola foi explorada e colonizada por brasileiros.

d) o trabalho compulsó rio no Brasil colô nia foi formado pelo trá fico de escravos africanos e
também por “negros da terra”.

2. Resposta: a.

3. (Fuvest-SP – 2015) Uma observaçã o comparada dos regimes de trabalho adotados nas
Américas de colonizaçã o ibérica permite afirmar corretamente que, entre os séculos XVI e XVIII,

a) a servidã o foi dominante em todo o mundo português, enquanto, no espanhol, a mã o de obra


principal foi assalariada.

b) a liberdade foi conseguida plenamente pelas populaçõ es indígenas da América espanhola e da


América portuguesa, enquanto a dos escravos africanos jamais o foi.

c) a escravidã o de origem africana, embora presente em vá rias regiõ es da América espanhola,


esteve mais generalizada na América portuguesa.

Pá gina 91

d) nã o houve escravidã o africana nos territó rios espanhó is, pois estes dispunham de farta oferta de
mã o de obra indígena.
e) o Brasil forneceu escravos africanos aos territó rios espanhó is, que, em contrapartida, traficavam
escravos indígenas para o Brasil.

3. Resposta: c.

4. (Enem/MEC – 2013)

A recuperaçã o da herança cultural africana deve levar em conta o que é pró prio do processo
cultural: seu movimento, pluralidade e complexidade. Nã o se trata, portanto, do resgate
ingênuo do passado nem do seu cultivo nostá lgico, mas de procurar perceber o pró prio rosto
cultural brasileiro. O que se quer é captar seu movimento para melhor compreendê-lo
historicamente.

MINAS GERAIS. Cadernos do Arquivo 1: Escravidã o em Minas Gerais. Belo Horizonte: Arquivo Pú blico Mineiro, 1988.

Com base no texto, a aná lise de manifestaçõ es culturais de origem africana, como a capoeira ou o
candomblé, deve considerar que elas

a) permanecem como reproduçã o dos valores e costumes africanos.

b) perderam a relaçã o com o seu passado histó rico.

c) derivam da interaçã o entre valores africanos

e a experiência histó rica brasileira.

d) contribuem para o distanciamento cultural entre negros e brancos no Brasil atual.

e) demonstram a maior complexidade cultural dos africanos em relaçã o aos europeus.

4. Resposta: c.

5. (Enem/MEC)

Torna-se claro que quem descobriu a Á frica no Brasil, muito antes dos europeus, foram os
pró prios africanos trazidos como escravos. E esta descoberta nã o se restringia apenas ao reino
linguístico, estendia-se também a outras á reas culturais, inclusive à da religiã o. Há razõ es para
pensar que os africanos, quando misturados e transportados ao Brasil, não demoraram em
perceber a existência entre si de elos culturais mais profundos.

(SLENES, R. Malungu, ngoma vem! Á frica coberta e descoberta do Brasil. Revista USP, n. 12, dez./jan./fev. 1991-92 –
Adaptado).

Com base no texto, ao favorecer o contato de indivíduos de diferentes partes da Á frica, a


experiência da escravidã o no Brasil tornou possível a

a) formaçã o de uma identidade cultural afro-brasileira.

b) superaçã o de aspectos culturais africanos por antigas tradiçõ es europeias.

c) reproduçã o de conflitos entre grupos étnicos africanos.

d) manutençã o das características culturais específicas de cada etnia.

e) resistência à incorporaçã o de elementos culturais indígenas.


5. Resposta: a.

6. (Fuvest-SP) No Brasil, os escravos:

1. trabalhavam tanto no campo quanto na cidade, em atividades econô micas variadas;

2. sofriam castigos físicos, em praça pú blica, determinados por seus senhores;

3. resistiam de diversas formas, seja praticando o suicídio, seja organizando rebeliõ es;

4. tinham a mesma cultura e religiã o, já que eram todos provenientes de Angola;

5. estavam proibidos pela legislaçã o de efetuar pagamento por sua alforria.

Das afirmaçõ es acima, sã o verdadeiras apenas:

a) 1, 2 e 4;

b) 3, 4 e 5;

c) 1, 3 e 5;

d) 1, 2 e 3;

e) 2, 3 e 5.

6. Resposta: d.

Pá gina 92

II. Leitura e escrita em História


Leitura e escrita de textos
PROFESSOR, VER MANUAL.

VOZES DO PASSADO

Observe as fontes 1 e 2 e responda.

›› Fonte 1
Mahommah Gardo Baquaqua. Sé c. XIX. Coleçã o particular

Livro escrito por Mahommah Gardo Baquaqua.

O trecho a seguir foi escrito por Mahommah Gardo Baquaqua, um africano nascido onde hoje é o
Benin e trazido para Pernambuco como escravo, em 1847. Depois de conseguir a liberdade, ele
escreveu um livro do qual retiramos o trecho a seguir:

Fomos arremessados, nus, porã o adentro, os homens apinhados de um lado, e as mulheres de


outro. O porã o era tã o baixo que nã o podíamos ficar de pé, éramos obrigados a nos agachar ou
nos sentar no chã o. Noite e dia eram iguais para nó s, o sono nos sendo negado devido ao
confinamento de nossos corpos.

Comida e bebida eram escassos na viagem, havendo dias em que os escravos nã o ingeriam
absolutamente nada. Houve um pobre companheiro que ficou tã o desesperado pela sede que
tentou apanhar a faca do homem que nos trazia á gua. Foi levado ao convés, e eu nunca mais
soube o que lhe aconteceu. Suponho que tenha sido jogado ao mar.

VIEIRA, Leonardo. Historiadores traduzem ú nica autobiografia escrita por ex-excravo que viveu no Brasil. O Globo,
Rio de Janeiro, 27 nov. 2014. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/historia/historiadores-traduzem-
unica-autobiografia-escrita-por-ex-escravo-que-viveu-no-brasil-14671795#ixzz3Kja8UxlC>. Acesso em: 11 mar.
2016.

››Fonte 2

Observe com atençã o o desenho de um navio de 1830 especializado no trá fico de escravos
reproduzido na pá gina 82.

a) Qual é o assunto do texto?

b) Segundo o autor, como era o tratamento dispensado aos escravizados no navio negreiro?

c) Reflita e opine: o fato de o autor ter viajado em um navio negreiro como escravo torna o seu
relato mais confiá vel? Justifique.

d) Agora observe a imagem (fonte 2) com atençã o; ela reforça ou nega a descriçã o feita por
Baquaqua na fonte 1? Justifique.
Pá gina 93

III. Integrando com Língua Portuguesa


Os provérbios a seguir sã o africanos (regiã o do Golfo da Guiné) e foram recolhidos pelo escritor,
pesquisador e compositor Nei Lopes, um dos maiores conhecedores das culturas e das histó rias da
Á frica e dos afro-brasileiros. Leia-os com atençã o.

1. A chuva lava a pele do leopardo, mas nã o remove as pintas. [...]

2. Uma mentira [...] estraga mil verdades. [...]

3. Se a floresta te abriga, não a chame de “selva”.

4. A fome tanto dá no escravo quanto no rei. [...]

5. A ruína de uma naçã o começa nas casas do seu povo. [...]

6. O ó dio é uma doença sem remédio. [...]

7. O rio de á guas tranquilas, esse é que é mais perigoso. [...]

8. O dinheiro é traiçoeiro feito espada de dois gumes. [...]

9. Quem fala sem parar fala besteira. [...]

10. Chuva fina, mas constante, faz o rio transbordar. [...]

11. Quem vai nos ombros dos outros nã o sente a longa distâ ncia. [...]

12. Nã o saber é ruim; não querer saber é pior. [...]

13. Tentar e falhar nã o é preguiça.

LOPES, Nei. Kitábu: O livro do saber e do espírito negro-africanos. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2005. p. 187-
190.

a) Encontre no dicioná rio o significado do termo provérbio e verifique em que sentido ele se aplica
ao provérbio nú mero 9.

b) Os provérbios sã o transmitidos, geralmente, de boca a boca e integram o conjunto de saberes de


um povo. Reflita e opine sobre o provérbio de nú mero 6.

c) Em dupla. O provérbio de nú mero 5 relaciona a situaçã o de uma naçã o às condiçõ es do povo que
nela vive. Vocês consideram essa relaçã o pertinente? Justifique sua resposta com base nos seus
conhecimentos de Histó ria.

d) Interprete o provérbio de nú mero 11 e justifique a sua interpretaçã o.


e) Em grupo. Parte do que sabemos deve-se ao que aprendemos com os mais velhos. Registrem
por escrito os contos, adivinhas, receitas e provérbios que vocês aprenderam com eles; postem o
resultado do trabalho no blog da turma.

f) Em dupla. A mú sica do compositor e cantor cearense Antonio Belchior, Como os nossos pais, se
tornou famosa na voz de Elis Regina. Pesquisem a letra dessa cançã o e respondam: até que ponto
vocês agem de modo diferente do de seus pais, e até que ponto agem como eles?

Pá gina 94

Expansão e ouro na
Capítulo 5

América portuguesa
Professor: o autor das cartas chama de “louco chefe” o governador das Minas, Luís da Cunha Menezes, o “Fanfarrã o
Miné sio”. Nesta sua obra, Gonzaga critica a exploraçã o e o sofrimento dos presos utilizados na construçã o da cadeia (hoje
abrigando o Museu da Inconfidê ncia de Ouro Preto) vista na fotografia à esquerda. Note que o autor considera a construçã o
inteiramente dispensá vel em sua magnitude, com mã o de obra constituída por prisioneiros sem culpa formada e forçados a
trabalhar a mando do despó tico governador. Por terem sido feitos com base na vivê ncia do autor e conjurado Tomá s
Antô nio Gonzaga, esses versos podem ajudar o alunado a formar uma ideia do viver mineiro no sé culo XVIII.

O trecho a seguir foi extraído de Cartas chilenas, obra que apresenta três
personagens principais: Critilo, pseudô nimo de Tomá s Antô nio Gonzaga, o autor
da obra; Doroteu, pseudô nimo do escritor Clá udio Manuel da Costa, o destinatá rio
da carta; e o fictício governador chileno Fanfarrão Minésio, pseudô nimo de Luís
da Cunha Menezes, que governou Minas Gerais de 1783 a 1788. Leia-o com
atençã o.

Ora pois, louco chefe, vai seguindo


a tua pretensã o, trabalha embora
por fazer imortal a tua fama:
levanta um edifício em tudo grande,
um soberbo edifício, que desperte
a dura emulação na pró pria Roma.
Em cima das janelas e das portas
põ e sá bias inscriçõ es, põ e grandes bustos,
que eu lhe porei, por baixo, os tristes nomes
dos pobres inocentes que gemeram
ao peso dos grilhões, porei os ossos
daqueles que os seus dias acabaram,
sem Cristo e sem remédios, no trabalho. [...]

RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais: as Minas setecentistas. Belo
Horizonte: Autêntica/Companhia do Tempo, 2007. v. 2, p. 331.

Emulação: competiçã o, disputa, concorrência.

Grilhões: argolas de ferro ligadas entre si e usadas para prender a vítima.


Rubens Chaves/Pulsar Imagens

Museu da Inconfidência, no alto da fotografia, inaugurado em 1944 na antiga Casa de Câ mara e


Cadeia de Vila Rica. Ouro Preto (MG), 2007.

»» Interprete: a quem o autor das Cartas chilenas se refere quando


diz: “louco chefe”? O que ele critica nesse trecho?

»» A obra diz respeito à vida em Ouro Preto colonial; o que ela


desvela sobre a sociedade do ouro no século XVIII? O que você
sabe sobre aqueles tempos?

Pá gina 95

Até o fim do século XVI, a colonizaçã o portuguesa da América restringiu-se ao


litoral, seja pela dificuldade de se avançar pelo interior (febres, animais
peçonhentos, mata fechada), seja pela resistência que os povos indígenas
ofereciam à ocupaçã o de suas terras. Nos séculos seguintes, porém, a colonizaçã o
portuguesa ganhou o sertã o e outros pontos do litoral. Esse grande movimento
colonizador está associado à açã o dos soldados, dos jesuítas, dos bandeirantes e
dos criadores de gado.

Os soldados
Desde o início do século XVI, piratas e corsá rios europeus assaltavam a costa da
América, em busca de riquezas. Com a Uniã o das Coroas Ibéricas, a partir de 1580,
a pirataria no litoral brasileiro se intensificou, pois, estando sob domínio espanhol,
o Brasil passou a atrair também os inimigos da Espanha. O governo luso-espanhol,
por sua vez, reagia enviando expediçõ es e erguendo fortes em pontos estratégicos
do territó rio colonial.

Conheça os principais fortes:

»» Forte de Filipeia de Nossa Senhora das Neves (agosto de 1585), em torno do


qual se formou um povoado que deu origem à atual cidade de Joã o Pessoa, capital
da Paraíba.

»» Forte dos Reis Magos (1598), localizado em uma posiçã o que possibilitava
observar o mar, o rio Potengi e as matas vizinhas. Erguido sobre arrecifes para
firmar a construçã o, o forte está na origem da cidade de Natal, fundada dois anos
depois.

Rubens Chaves/Pulsar Imagens

Vista aérea do Forte dos Reis Magos, em Natal (RN), 2014.

Pá gina 96

»» Forte de São Luís (1612), que está na origem da cidade de Sã o Luís, capital do
Maranhã o. O forte foi fundado por calvinistas franceses que, interessados no
açú car nordestino, tentavam estabelecer aqui uma colô nia comercial (a França
Equinocial). Para essa empreitada, eles tiveram o apoio do rei da França e
contaram com o auxílio dos Tupinambá , inimigos dos portugueses. A França
Equinocial, no entanto, durou pouco tempo; três anos depois, forças luso-
espanholas já tinham conseguido expulsar os franceses do Maranhã o.

David Ferreira/ Futura Press

Em primeiro plano vemos os muros do forte em torno do qual se formou a cidade de Sã o Luís; ao
fundo, o Palá cio dos Leõ es, sede do governo do Estado do Maranhã o, 2014.

»» A origem da cidade de Fortaleza, capital do Ceará , é alvo de debate entre os


historiadores. Para uns, ela teria nascido em torno do Forte de Sã o Tiago, fundado
em 1604, na Barra do Ceará . Para outros, sua origem é o Forte de Schoonenborch,
fundado pelos holandeses em 1649. Quando os holandeses foram expulsos do
Nordeste, os luso-brasileiros mudaram o nome do forte para Fortaleza de Nossa
Senhora de Assunção. Daí o nome de Fortaleza.

»» Forte do Presépio de Santa Maria de Belém (1616), localizado na Baía do


Guajará . Ele deveria proteger o pequeno povoado português, a Feliz Lusitâ nia, que
deu origem à cidade de Belém, capital do Pará . Desde cedo, Belém comandou uma
ampla rede que deveria se estender para o interior, controlando todo o movimento
de entrada e saída de produtos da regiã o.

»» Outro marco decisivo da conquista portuguesa da Amazô nia foi o Forte de São
José do Rio Negro, que começou a ser construído em 1669 e deu origem à cidade
de Manaus, capital do Amazonas. O nome Manaus é uma referência aos indígenas
Manaó , habitantes do local.

Os jesuítas
Os jesuítas vieram dispostos a difundir o cristianismo nas terras americanas,
converter indígenas e integrá -los à civilizaçã o ocidental; para isso atravessaram o
oceano Atlâ ntico.

Inicialmente, concentraram-se no litoral, onde fundaram colégios nas principais


vilas e cidades brasileiras. Mas, conforme os indígenas foram sendo vencidos no
litoral e se refugiaram no sertã o, os jesuítas também se deslocaram para lá com
suas missõ es. As principais se localizavam no interior da Amazô nia e da regiã o sul,
á reas densamente povoadas por populaçõ es indígenas.

Pá gina 97

As missões jesuíticas no território colonial

Allmaps

Fonte: ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de et al. Atlas histórico escolar. 8. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1991. p. 24.

Nas missõ es, os jesuítas e os indígenas se comunicavam pela língua geral baseada
no tupi. Os indígenas realizavam trabalhos na agricultura, no artesanato e na
pecuá ria. Cultivavam cereais, frutas, erva-mate; extraíam drogas do sertã o como
cacau, baunilha, guaraná , plantas medicinais, madeiras e ó leos; e produziam
mobílias, objetos de couro e esculturas em madeira. Muitos desses produtos eram
exportados para a Europa com grande lucro, o que permitiu aos jesuítas
acumularem grande patrimô nio.

Por serem contrá rios à escravidã o do indígena, os soldados de Cristo entraram


em atrito com os colonos em vá rios pontos do territó rio; no Maranhã o esse atrito
foi a principal razã o da Revolta de Beckman.

Soldados de Cristo: denominaçã o dada aos jesuítas pelo fato de se pautarem por hierarquia e disciplina
rígida que lembra a dos militares.
Gerson Sobreira/Terrastock

Escultura em madeira policromada representando Jesus Cristo, trabalho feito por indígenas de Sã o
Miguel das Missõ es (RS). Fotografia de 2010.

A Revolta de Beckman
Constituído em 1621, o estado do Grã o-Pará e Maranhã o compreendia, na época,
todas as terras situadas entre o Rio Grande do Norte e o Pará .

No estado do Grã o-Pará e Maranhã o, o indígena era a principal força de trabalho na


agricultura, no pastoreio, no transporte e na coleta das drogas do sertã o: cacau,
baunilha, salsaparrilha, castanha-do-pará , guaraná , além de plantas aromá ticas e
medicinais.

O trabalho de extraçã o e transporte dessas riquezas era feito principalmente por


indígenas. Em 1680, os jesuítas, liderados pelo padre Antô nio Vieira, conseguiram
a aprovaçã o, pela Coroa portuguesa, de uma lei proibindo a escravizaçã o de
indígenas. Contrariados, os colonos reagiram exigindo da Coroa uma soluçã o para
o problema da mã o de obra.

Pá gina 98
Johannes Vingboons. Sé c. XVII. Ó leo sobre tela. Arquivo Nacional, Holanda

Maranhão, obra do pintor holandês Johannes Vingboons (1616-1670); a obra mostra uma vista de
Sã o Luís e foi produzida em 1665.

O governo português, entã o, concedeu o monopó lio do comércio regional à


Companhia de Comércio do Maranhã o (1682), que, em troca, assumia o
compromisso de trazer 10 mil escravos africanos para a regiã o, à razã o de 500 por
ano, e de vendê-los a preços reduzidos. A Companhia, porém, além de nã o trazer os
africanos para o Maranhã o, vendia mercadorias de má qualidade a preços
exorbitantes, usava medidas e pesos falsificados e pagava preços baixos pelos
produtos que comprava.

Em fevereiro de 1684, os colonos maranhenses, liderados por um rico senhor de


engenho, Manuel Beckman, destituíram o governador e invadiram o Colégio dos
Jesuítas e os armazéns da Companhia de Comércio, ambos localizados em Sã o Luís;
o episó dio deu início à Revolta de Beckman.

Dica! Vídeo sobre a Revolta de Beckman. [Duração: 5 minutos]. Acesse: <http://tub.im/n8ggpk>.

Portugal reagiu enviando soldados que sufocaram o movimento e executaram


Manuel Beckman. Mas, ao mesmo tempo, atendeu aos interesses dos colonos:
extinguiu a Companhia de Comércio do Maranhã o e suspendeu a proibiçã o de se
escravizar indígenas. Sabendo, no entanto, que essas medidas desagradariam aos
jesuítas, o governo português concedeu-lhes garantias legais para continuarem
atuando na regiã o.

Os bandeirantes
Enquanto na capitania de Pernambuco os engenhos de produçã o de açú car
progrediam a olhos vistos, na capitania de Sã o Vicente eles vinham declinando. Por
isso, boa parte da populaçã o vicentina subiu a Serra do Mar e se estabeleceu no
planalto paulista. Lá , liderados pelo padre José de Anchieta, inauguraram um
colégio e deram início a um povoado, Sã o Paulo do Campo de Piratininga.

São Paulo, capital bandeirante


Na passagem do século XVI para o XVII, Sã o Paulo era uma vila relativamente
pobre, que produzia para a subsistência e nã o tinha como importar aquilo de que
necessitava. A populaçã o era, em sua maioria, formada de mamelucos (mestiço de
branco com índio) e assimilara muito da cultura tupi. Os paulistas deslocavam-se a
pé ou de canoa (até por volta de 1630, o cavalo ainda nã o tinha sido introduzido no
planalto paulista); andavam descalços; dormiam em redes e falavam o tupi,

Pá gina 99

língua predominante na regiã o até o século XVIII. Além disso, cultivavam seus
alimentos, costuravam suas roupas e fabricavam seus artefatos de caça e de pesca.
Muito do que sabiam aprenderam em contato com os indígenas.

Sendo homens rudes, resolveram à sua maneira o problema da falta de mã o de


obra: desde muito cedo organizaram bandeiras para buscar no sertã o um “remédio
para seus males”, como se dizia na época.

As bandeiras
As bandeiras eram expediçõ es com organizaçã o e disciplina militar, que partiam
geralmente de Sã o Paulo, a fim de capturar indígenas e encontrar metais preciosos.
Essas expediçõ es eram lideradas por jovens paulistas. Eram os pais ou sogros
desses jovens que custeavam as bandeiras e forneciam o chumbo e a pó lvora,
esperando receber, em troca, metade dos indígenas aprisionados.

A caça ao indígena
Desde o século XVI, os paulistas aprisionavam indígenas para utilizá -los em suas
lavouras. A partir de 1620, porém, com o crescimento das plantaçõ es de trigo na
regiã o, intensificou-se a procura por mã o de obra. Os paulistas organizaram, entã o,
grandes bandeiras em direçã o ao Sul, onde estavam localizadas as missões –
amplos aldeamentos indígenas, relativamente isolados dos nú cleos urbanos,
administrados pelos padres jesuítas. Nesses aldeamentos, era grande o nú mero de
indígenas da naçã o Guarani – exímios agricultores, e, por isso, muito cobiçados
desde o início da colonizaçã o.

As principais bandeiras de caça ao índio, chefiadas por Manuel Preto e Antô nio
Raposo Tavares, destruíram em apenas 10 anos (1628-1638) as missõ es de
Guairá (Paraná ), Itatim (Mato Grosso do Sul) e Tape (Rio Grande do Sul).
Milhares de guaranis foram aprisionados, e o gado se dispersou pelas campinas do
Sul. Guairá era uma regiã o de acesso relativamente fá cil – distante de Sã o Paulo
por volta de 50 dias de viagem.

Dica! Vídeo sobre Raposo Tavares, um dos bandeirantes famosos de nossa história. [Duração: 7
minutos]. Acesse: <http://tub.im/u7j4mp>.
Com a expulsã o dos holandeses do Nordeste brasileiro e da Á frica, regularizou-se a
importaçã o de trigo português, o que abalou a produçã o paulista desse cereal.
Além disso, os indígenas, munidos de armas de fogo cedidas pelos jesuítas,
venceram duas batalhas importantes contra os paulistas: a de Caasapaguaçu
(1638) e a Mbororé (1641). Outros povos indígenas como os guaianazes e os
guarulhos, habitantes do planalto paulista, também ofereceram dura resistência
aos bandeirantes; a força dessas resistências contribuiu para o declínio do
bandeirismo de caça ao índio.

J. Washt Rodrigues. Sé c. XIX. Aquarela. Coleçã o particular

Acampamento bandeirante para plantio de roças, aquarela de Ivan Washt Rodrigues. As alianças
entre paulistas e índios ajudam a explicar a formaçã o econô mica e social do interior da Colô nia.

Pá gina 100

Para refletir

Renato Soares/Pulsar Imagens

Criança Pataxó da aldeia Velha, Caraíva (BA), 2014.


As bandeiras que desbravaram os sertõ es mineiros estavam interessadas em ouro,
pedras preciosas e terra para cultivo de alimentos, como feijã o, milho e mandioca.
Os povos indígenas da regiã o foram vistos pelos colonos como invasores
violentos. Na verdade, Coroado, Puri, Botocudo, Kamakã , Pataxó , Panhame,
Maxakali, entre outros, reagiam à escravizaçã o e à ocupaçã o de suas terras. Veja o
que a historiadora Maria Leô nia Chaves de Rezende diz sobre o assunto.

O ouro vermelho de Minas Gerais

Primeiro nome das terras de MinasGerais, no início do século XVIII, foi Minas dos Cataguases,
uma referência ao grupo indígena de procedência Jê que habitava vastas regiõ es dos sertõ es.

[...] Se a histó ria de Minas é relacionada à busca de riquezas minerais e à Inconfidência Mineira,
ela também esteve essencialmente associada aos índios – o “ouro vermelho”, como a eles se
referiam os colonizadores. Afinal, a histó ria de Minas é também uma crô nica de uma guerra
silenciosa e de incontá veis embates entre colonos e índios nos sertõ es e nas vilas.

[...] Durante a segunda metade do século XVIII, dezenas de bandeiras devassaram todo o
territó rio, em uma guerra nã o declarada que afugentou, exterminou, aprisionou e escravizou
populaçõ es indígenas de diversas procedências étnicas. Criavam-se, assim, condiçõ es para a
apropriaçã o e a exploraçã o das terras que se tornaram uma das maiores benesses para
participantes dessas campanhas. A violência contra os índios não ocorreu apenas no início da
corrida do ouro, como imaginaram alguns, mas persistiu ao longo de todo o século XVIII.

É verdade que os diversos povos nativos da regiã o – incluindo Coroado, Puri, Botocudo,
Kamakã , Pataxó , Maxakali, Caiapó , entre outros – encontraram-se, no fim, em minoria de armas
e homens, atacados por doenças e obrigados a se deslocarem continuamente, em face da
diminuiçã o da terra e dos recursos naturais. Mesmo assim, eles lutaram tenazmente,
sobretudo no caso dos caiapó s no oeste e dos botocudos no leste da capitania, em territó rios
de grande interesse do poder colonial.

RESENDE, Maria L. Chaves de; LANFER, Hal. O ouro vermelho de Minas Gerais. Revista de História da Biblioteca
Nacional, Rio de Janeiro, ano 1, n. 10, p. 58-60, maio/jun. 2006.

Pá gina 101

a) O que movia as expediçõ es militares aos sertõ es de Minas?

a) Ouro e pedras preciosas; terra e índios.

b) Como os grupos indígenas foram vistos pelos bandeirantes que lideravam essas
expediçõ es?

b) Os indígenas foram vistos como “invasores”, quando, na verdade, eles reagiam à ocupaçã o de suas terras.

c) De que formas essas expediçõ es aos sertõ es de Minas afetaram os indígenas que
lá viviam?

c) Muitos deles foram mortos em razã o das armas de fogo e das doenças contraídas no contato com os integrantes dessas
expediçõ es; alé m disso, esses grupos perderam a maior parte de seu territó rio.
d) Reflita e opine: a contribuiçã o dos povos indígenas foi decisiva para a a
formaçã o da sociedade colonial das regiõ es auríferas?

d) Sim. Professor: perseguidos em uma guerra nã o declarada nos sertõ es e arraiais, os índios resistiram e contribuíram
para a formaçã o das sociedades coloniais do Centro-Oeste brasileiro.

O sertanismo de contrato
Nos séculos XVII e XVIII, os bandeirantes também foram contratados por
fazendeiros e autoridades para combater índios ou negros rebelados contra a
escravidã o. Esse tipo de bandeirismo voltado à repressã o de revoltas indígenas e
quilombos é chamado de sertanismo de contrato. Uma conhecida bandeira de
sertanismo de contrato foi a que destruiu o Quilombo dos Palmares, em 1694.

A busca de ouro e de diamantes


A notícia de que os espanhó is haviam achado prata e ouro em Potosí (atual Bolívia)
e Zacatecas (atual México) animou os habitantes do Brasil colonial, que reviraram
terras e rios em busca de metais preciosos. O governo português, por sua vez,
também incentivou essa busca financiandoentradas – expediçõ es que partiam do
litoral brasileiro em busca de riquezas no sertã o. Mas foi somente no fim do século
XVII, depois de vá rias incursõ es sertã o adentro, que os paulistas encontraram ouro
em grandes quantidades. 1

1. Dica! Vídeo sobre as entradas e bandeiras. [Duração: 26 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/hknocc>.

As principais bandeiras mineradoras foram três: a de Antô nio Arzã o, que


encontrou ouro em Sabará (Minas Gerais), em 1693; a de Pascoal Moreira Cabral,
em Cuiabá (Mato Grosso), em 1719; e a de Bartolomeu Bueno da Silva, em Vila
Boa, no atual estado de Goiá s, por volta de 1725. 2

2. Dica! Vídeo sobre os bandeirantes e a busca pelo ouro. [Duração: 28 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/e3w74f>.

Principais bandeiras
Allmaps

Fonte: ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de et al. Atlas histórico escolar. 8. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1991. p. 24.

Pá gina 102

A populaçã o das regiõ es auríferas passou a demandar produtos para sua


sobrevivência. Para suprir essa demanda, os paulistas organizaram as monções –
expediçõ es comerciais que seguiam de canoa pelos leitos dos rios, para vender
alimentos, roupas e instrumentos de trabalho nas regiõ es mineradoras.

Ouro e fome

Assim que a notícia da descoberta do ouro se espalhou, afluíram para os sertõ es


mineiros pessoas das mais diversas origens e condiçõ es sociais; vinham de vá rias
partes da colô nia (de Sã o Paulo, do Rio de Janeiro e da Bahia), e também de
Portugal, onde as autoridades chegaram a fazer leis restringindo a emigraçã o para
o Brasil. Contra sua vontade, milhares de africanos escravizados foram trazidos
para trabalhar nas minas de ouro.

Segundo a historiadora Laura de Mello e Souza, nos primeiros anos da mineraçã o


ninguém se preocupava em plantar ou criar animais. Todos se ocupavam apenas
com o ouro e, por isso, nos primeiros anos do século XVIII, a regiã o passou por três
crises de fome; alimentos como a carne, o milho, a farinha, o sal ou bebidas eram
raros e alcançavam preços exorbitantes. A partir de 1720, no entanto, graças à
prá tica da agricultura (milho, feijã o, mandioca etc.), da pecuá ria (porcos, galinhas)
e à compra de alimentos de outras regiõ es brasileiras, a situaçã o começou a
melhorar.
Oscar Pereira da Silva. c. 1920. Ó leo sobre tela. Museu Paulista da USP, Sã o Paulo

A tela representa pessoas se dirigindo para a regiã o das minas. Repare que algumas delas estã o
calçadas, outras nã o, o que mostra que eram de diferentes estratos sociais, pois, na época, estar
calçado era um sinal de distinçã o.

A disputa pelas minas

A desorganizaçã o, o autoritarismo e a cobiça por ouro geraram inú meros conflitos


nas Minas Gerais. Um deles opô s os paulistas (que, por terem descoberto esse
metal, se consideravam com direitos exclusivos sobre a regiã o) aos forasteiros
(portugueses e pessoas de outras partes da colô nia), os dois lados á vidos pelo
controle do comércio local e do ouro.

Emboaba: para alguns, o termo significa “forasteiro”; para outros, é uma palavra de origem indígena que
significa “ave de pés cobertos”, apelido dado pelos paulistas aos portugueses pelo fato de eles calçarem botas.

Os forasteiros, chamados de emboabas e liderados pelo comerciante e pecuarista


português Manuel Nunes Viana, foram proibidos de entrar na regiã o e reagiram
pegando em armas; o conflito se estendeu por dois anos (1707-1709) e ficou
conhecido como Guerra dos Emboabas. Durante os conflitos, os emboabas
aclamaram Manuel Nunes governador de todas as Minas, até que a Coroa

Pá gina 103

enviasse um outro mandante com essas atribuiçõ es. Durante as lutas que se
seguiram, um destacamento paulista foi traído e massacrado pelos inimigos no Rio
das Mortes, episó dio conhecido como Capã o da Traiçã o.

Ao final do conflito, vencido pelos emboabas, a Coroa portuguesa enviou ao Rio de


Janeiro um novo governador e, para melhor controlar a Colô nia, criou a Capitania
de Sã o Paulo e das Minas de Ouro (1710) que até entã o faziam parte da Capitania
do Rio de Janeiro. Além disso, determinou que os povoados mais populosos da
nova capitania fossem elevados a vila, a primeira das quais foi a de Ribeirã o de
Nossa Senhora do Carmo, em 1711, atual Mariana; depois surgiram Vila Rica (atual
Ouro Preto), Sabará , Sã o Joã o del Rei, Vila Nova da Rainha (Caeté) e Vila do
Príncipe (Serro). 1

1. Dica! Vídeo que discute e desvenda os mitos da Guerra dos Emboabas. [Duração: 26 minutos].
Acesse: <http://tub.im/w7qak8>.

Áreas de mineração no Brasil (século XVIII)

Allmaps

Fonte: ATLAS geográ fico do Brasil. Rio de Janeiro: FAE, 1986. p. 25.

Regulamentação, impostos e cobranças

Para regulamentar a posse e extraçã o do ouro, Portugal criou, em 1702, o


Regimento das Minas de Ouro. Esse documento reservava para o governo
português um quinto de todo o metal extraído na regiã o e criava a Intendência
das Minas, ó rgã o subordinado a Lisboa e encarregado de fiscalizar as exploraçõ es,
cobrar tributos e julgar os habitantes das á reas mineradoras.

Por lei, as á reas de mineraçã o pertenciam ao rei; por isso, se alguém descobrisse
uma jazida, deveria comunicar ao intendente. Este mandava dividir a á rea em lotes
auríferos (as datas) e promovia a sua distribuiçã o. O descobridor tinha direito a
duas datas e, a Coroa, a uma, que, depois, ia a leilã o. As datas restantes eram
distribuídas conforme o nú mero de escravos; aquele que possuísse 12 escravos, ou
mais, recebia uma data inteira; os demais recebiam lotes menores.

Os principais impostos cobrados pela Intendência eram o quinto real (20% de


todo o ouro extraído); o imposto de passagem (sobre homens e animais em
trâ nsito para as minas); o de entrada (sobre mercadorias que entravam para as
minas); e os donativos (quantia exigida por Portugal para pagar despesas com
eventos especiais, como o casamento de uma princesa ou o terremoto ocorrido em
Lisboa, em 1755). 2

2. Dica! Vídeo sobre a cobiça do ouro. [Duração: 26 minutos]. Acesse: <http://tub.im/jin7yc>.

Pá gina 104

A população reage: desvios e revoltas

Os habitantes das minas reagiam à opressã o fiscal de vá rias formas: escondiam


ouro em pó ou em pepitas nos cabelos, nos dedos dos pés, nos saltos e solas das
botas, nas está tuas ocas de santos feitas de madeira. Daí a expressã o “santinho do
pau oco”: pessoa que tem aparência de santo, mas nã o é confiá vel. Escondiam
também entre os doces e salgados que carregavam em seus tabuleiros.

Com o aumento do contrabando, o governo português apertou o cerco: em 1719,


criou as Casas de Fundiçã o, locais onde todo o ouro (em pó ou pepita) da regiã o
deveria ser transformado em barras, selado e “quintado”, isto é, retiravam-se dele
os 20% correspondentes ao quinto real.

A tributaçã o excessiva somada ao alto preço dos alimentos ocasionou vá rias


revoltas nas capitanias do ouro. Uma delas foi a conhecida Revolta de Felipe dos
Santos, ocorrida em Vila Rica, em 1720. Seus principais líderes, o tropeiro Felipe
dos Santos e o minerador Pascoal da Silva, exigiam a reduçã o dos preços dos
alimentos e a anulaçã o do decreto que criara as Casas de Fundição. 1

1. Dica! Vídeo sobre a Revolta ocorrida em Vila Rica. [Duração: 2 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/5yx78t>.

A revolta foi duramente reprimida, e seus líderes, presos. Felipe dos Santos foi
morto e teve seu corpo esquartejado e exposto na margem de uma estrada. O
morro onde ficava a mina de ouro de Pascoal da Silva, e que levava o seu nome, foi
queimado em noite de vento por ordem do governador da regiã o.

Esmagado o movimento, Portugal separou Minas da Capitania de Sã o Paulo; nascia,


assim, em 1720, a Capitania de Minas Gerais. 2

2. Dica! Vídeo sobre a história de Vila Rica, atual Ouro Preto. [Duração: 26 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/p8jqhy>.
Carlos Juliã o. c. 1776. Aquarela. Acervo Biblioteca José e Guita Mindlin

Detalhe da obra Negras vendedoras, de Carlos Juliã o, c. 1776. Escravas de ganho a serviço de seus
donos ou mulheres alforriadas que sustentavam a família com a venda de seus quitutes, as negras
do tabuleiro eram conhecidas também por proteger escravos fugidos e por esconder ouro e
diamantes entre os alimentos que vendiam, a fim de ajudar a comprar a carta de alforria. Em 1729,
o entã o governador da capitania, D. Lourenço de Almeida, chegou a baixar uma lei proibindo-as de
vender comestíveis ou bebidas com tabuleiros.

Diamantes: descoberta e controle


No início do século XVIII, acharam-se grandes quantidades de diamantes no Arraial
do Tijuco, na bacia do rio Jequitinhonha, nordeste da Capitania de Minas Gerais.
Logo que soube da existência dessas pedras preciosas, em 1729, a Coroa
portuguesa declarou-as propriedade real e expulsou os antigos moradores do local.

Nos cinco anos seguintes liberou a exploraçã o dos diamantes a todos os homens
brancos que tivessem escravos e recursos para investir, estabelecendo uma taxa
sobre cada escravo empregado na extraçã o. Exigiu, também, que sua exportaçã o
fosse feita apenas em navios portugueses.

Em 1734, a Coroa demarcou extensa á rea do Arraial do Tijuco criando, assim, o


Distrito Diamantino, onde era proibido entrar sem autorizaçã o especial. A
administraçã o e o policiamento da á rea foram confiados à Intendência dos
Diamantes, ó rgã o com grande poder sobre os habitantes locais. Naquele ano
ainda, como o preço do diamante mineiro no exterior havia caído muito, por causa
do excesso de oferta, a exploraçã o das lavras foi suspensa por cinco anos.

Pá gina 105

Em 1739, a mineraçã o de diamantes foi reaberta, mas sob novas regras:


estabeleceu-se o sistema de contratos, pelo qual um contratador adquiria o
direito de minerar e de cobrar certos impostos por quatro anos. Muitos deles
enriqueceram com essa atividade; o contratador Joã o Fernandes de Oliveira
tornou-se famoso pela riqueza que conseguiu para Portugal e para si e, sobretudo,
por ter se unido maritalmente com uma negra: Francisca da Silva, a famosa Chica
da Silva, com quem teve 13 filhos.

Anô nimo, escola portuguesa. Sé c. XVIII. Gravura. Arquivo Histó rico Ultramarino, Lisboa

Modo de lavar os diamantes, século XVIII. Nessa gravura, vemos escravizados trabalhando na
lavagem de diamantes, vigiados por uma autoridade local. No trabalho da mineraçã o, os
escravizados entoavam vissungos, palavra que vem do umbundo (língua banta) e que quer dizer
“cantiga”, “canto”.

Diante do enriquecimento ilícito dos contratadores e do contrabando, em 1771, a


Coroa portuguesa extinguiu o sistema de contratos e passou a monopolizar a
exploraçã o das preciosas pedras por meio da Real Extração dos Diamantes.
Naquele mesmo ano também editou o Livro da capa verde, um conjunto de leis
específicas para a regiã o.

Durante muito tempo se disse que este livro foi um caso atípico, que de tã o severo
transformou-se no terror da populaçã o local. Atualmente, no entanto, a
historiografia relativiza essa afirmaçã o. A historiadora Jú nia Ferreira Furtado, por
exemplo, afirma que:

[...] o Regimento veio ampliar ou completar, mas acima de tudo consolidar as leis anteriores
[...]. Aproveitando muito da legislaçã o que estava em vigor para toda a Capitania, dela pouco se
afastou ou trouxe de novo. Em todos os lugares, a aplicaçã o da lei nã o se fazia de forma
homogênea, sendo que negros, [...] pobres e vadios acabavam sofrendo mais a violência da
repressã o e as penas mais duras, chegando até à pena de morte. As cadeias viviam
superlotadas e em condiçõ es subumanas.

As classes mais altas conseguiam se proteger melhor da repressã o, muitas vezes se


aproveitando do pró prio aparelho administrativo. O acú mulo de poderes nas mã os de algumas
autoridades [...] as prisõ es, e a grande autonomia de que dispunham provocavam o aumento
das arbitrariedades, abusos e redes de proteçã o.

FURTADO, Jú nia Ferreira. O livro da capa verde: o regimento diamantino de 1771 e a vida no distrito diamantino no
período da Real Extraçã o. Sã o Paulo: Annablume; Belo Horizonte: PPGH/UFMG, 2008. p. 69. (Coleçã o olhares).
Editora Annablume

Fac-símile da capa do livro de Jú nia Ferreira Furtado.

Do Arraial do Tijuco, os diamantes eram enviados anualmente para o Reino, sendo


escoltados pelo regimento dos dragõ es até o porto do Rio de Janeiro. Além de
praticarem a mineraçã o, as á reas vizinhas ao Tijuco dedicavam-se também à
pecuá ria e ao cultivo de gêneros agrícolas, como mandioca, milho, feijã o, arroz,
algodã o e tabaco, que garantiam boa parte do seu abastecimento, bem como um
movimentado comércio que tinha como centro geográ fico o pró prio Arraial.

Pá gina 106

Os caminhos do ouro e dos diamantes


A produçã o do ouro cresceu significativamente durante os 40 primeiros anos do
século XVIII, tendo atingido o auge entre 1736 e 1740. Observe o grá fico.

Produção de ouro de Minas Gerais no século XVIII (por quinquênios)

Editoria de arte

Fonte de pesquisa: MAURO, Féderic (Coord.). O império luso-brasileiro – 1720- 1750. In: SERRÃ O, J.;MARQUES, A. H.
de Oliveira (Org.). Nova história da expansão portuguesa. Lisboa: Estampa, 1991. v. 8.
Segundo estudos recentes sobre a economia de Portugal, verificou-se que, entre
1700 e 1715, conforme a produçã o brasileira de ouro crescia, o comércio entre
Portugal e a Inglaterra também crescia expressivamente. Pouco tempo depois, o
economista escocês Adam Smith (1723-1790) observou que o comércio luso-
britâ nico crescia em razã o do ouro vindo do Brasil, e que quase todo o ouro
fundido existente na Inglaterra era de origem brasileira.

Dica! Reportagem sobre a rota do ouro e dos diamantes. [Duração total: 50 minutos]. Dividido em
três partes. Para a primeira parte, acesse: <http://tub.im/uaiaju>.

Para saber mais


Ouro brasileiro em banco inglês

Uma parte pequena do ouro produzido no centro-sul do Brasil foi usada na


construçã o de obras monumentais portuguesas, como o Palá cio-Convento de
Mafra, que levou cerca de 30 anos para ser concluído. A maior parte do metal
brasileiro, porém, foi usada para saldar a dívida crescente que Portugal contraiu
com a Inglaterra. Para compreender a origem dessa dívida, vamos recuar um
pouco no tempo...

Ao se libertar do domínio espanhol, em 1640, Portugal temia um novo ataque da


Espanha e, por isso, aliou-se à Inglaterra, assinando com ela uma série de acordos
que acabaram por subordinar a economia portuguesa aos interesses ingleses. Um
deles foi o Tratado de Methuen (1703), pelo qual a Inglaterra facilitava a entrada
do vinho português nos seus mercados e Portugal, em troca, permitia a livre
entrada dos artigos de lã inglesa. Assim, o Tratado de Methuen inibiu as
manufaturas de tecidos portugueses e, além disso, colaborou para que a dívida
com a Inglaterra aumentasse. Boa parte dessa dívida foi paga com o ouro

Pá gina 107

e os diamantes extraídos do Brasil, o que acabou favorecendo o desenvolvimento


industrial da Inglaterra.

Acompanhe agora o que um estudioso disse sobre o impacto do ouro nas Gerais.

Se o ouro nã o ajudou Portugal a se desenvolver, qual o seu papel em Minas Gerais? Ali,
produziu uma civilizaçã o singular nos quadros da Colô nia. O ouro [...] vai possibilitar o
desenvolvimento de uma realidade marcada pela urbanizaçã o, mais significativa que em
qualquer outro local da Colô nia [...]. A Capitania de Minas Gerais foi a mais populosa da
América Portuguesa, tendo o maior contingente de populaçã o escrava e o maior contingente de
populaçã o livre.

Sociedade dotada de diversidade econô mica e cultural, Minas Gerais, no século XVIII, deveu
muito de seu dinamismo à produçã o mineral, ao ouro e aos diamantes, que, se não trouxeram
efetivo desenvolvimento econô mico e social, contribuíram para mostrar uma significativa
capacidade criativa, no campo artístico e cultural, que sã o referências decisivas para a
construçã o de nossa plena emancipaçã o.

PAULA, Joã o Antô nio de. A mineraçã o de ouro em Minas Gerais no século XVIII. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de;
VILLALTA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais: as minas setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. v. 1. p. 299-
300.

Acervo do Museu de Arte Sacra de Sã o Paulo. Foto: Romulo Fialdini/Tempo Composto

Santa Mestra, está tua de madeira dourada do século XVIII, atribuída a Antô nio Francisco Lisboa, o
Aleijadinho.

Mudanças no território colonial


No Brasil, a mineraçã o estimulou uma série de mudanças, entre as quais cabe
destacar:

» a ocupação e o povoamento de vastas áreas do território;

» o desenvolvimento da vida urbana, contribuindo para o nascimento de vá rias


vilas e cidades;

» a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro (1763), ú nico porto por
onde o governo português permitia que se embarcasse o ouro;

» a consolidação do mercado interno, já que a mineraçã o atraiu para si a


pecuá ria gaú cha, por meio de Sã o Paulo, e a nordestina, por meio do rio Sã o
Francisco, integrando diferentes polos da economia colonial. A populaçã o dos
atuais estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiá s comprou com ouro em pó
aquilo de que necessitava: do Nordeste vinham o gado, o couro e a farinha de
mandioca; do Sul, cavalos, bois, mulas e charque; de Sã o Paulo, milho, trigo e
marmelada; e do Rio de Janeiro, africanos escravizados e artigos europeus (tecidos,
ferramentas, entre outros). Em Minas Gerais e em Goiá s, ao lado da mineraçã o se
desenvolveram a pecuá ria e a produçã o de alimentos destinados ao mercado
interno.

Pá gina 108

A sociedade do ouro
Além de ser mais complexa do que a do açú car, a sociedade do ouro era
marcadamente urbana; nas cidades – locais de residência, de serviços, de comércio,
de oraçã o e de festa – desenvolveu-se a vida social na regiã o mineradora. Nela, a
discriminaçã o contra negros, indígenas e seus descendentes era intensa e o medo e
o valor dado à s aparências eram enormes.

Em 1776, a populaçã o da Capitania do Ouro era formada por cerca de 320 mil
habitantes, distribuídos conforme o grá fico ao lado.

No século XVIII, 78% da populaçã o das Minas Gerais era formada de negros e
pardos, muitos dos quais, escravizados.

População da Capitania do Ouro

Editoria de arte

Fonte: MELLO E SOUZA, Laura. Desclassificados do Ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Ediçõ es
Graal, 1986. p. 141.

Os potentados
Estudos recentes sugerem que as maiores fortunas nas Minas Gerais pertenciam a
grandes comerciantes (potentados), muitos dos quais praticavam também a
agiotagem. Manuel Nunes Viana, por exemplo, enriqueceu vendendo gado e carne
das suas fazendas nos sertõ es do Sã o Francisco para os açougues mineiros. Os
contratadores de diamantes e alguns funcioná rios do governo português também
conseguiram fazer fortuna.

Entre os donos de minas, foram poucos os que conseguiram enriquecer, pois boa
parte do que ganhavam servia para o pagamento de impostos. Outra era gasta com
a compra de mercadorias caras, como escravos, ferramentas, bebidas (vinho e
aguardente) e alimentos importados.

As camadas médias
As possibilidades de negó cio com o ouro em pó , a demanda de serviços urbanos e a
ampliaçã o do mercado consumidor favoreceram o crescimento das camadas
médias: taberneiros, sitiantes, militares, artesã os, advogados, padres, garimpeiros,
cirurgiõ es-barbeiros e roceiros. Estes plantavam milho, arroz, feijã o, mandioca;
cultivavam plantas frutíferas e hortaliças e criavam galinhas e porcos. Nos ú ltimos
anos do século XVIII, desenvolveu-se também a criaçã o de vacas leiteiras e a
fabricaçã o de queijo.

Alguns artistas mineiros como Antô nio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (escultor e
arquiteto), Padre José Maurício (compositor e mú sico) e Mestre Ataíde (pintor)
tiveram reconhecimento em vida e podem ser considerados também integrantes
das camadas médias da populaçã o.

Pá gina 109

Os escravizados
Na base da sociedade colonial mineira estavam os escravizados. Eles trabalhavam
na extraçã o do ouro em rios ou galerias subterrâ neas, onde comumente ocorriam
desabamentos e mortes. Na mineraçã o de diamantes, nã o era muito diferente:
erguiam-se barreiras para represar as á guas da bacia do rio Jequitinhonha; como
essas se rompiam frequentemente, muitos também acabavam morrendo. Os
escravizados trabalhavam na produçã o de alimentos, na construçã o de casas,
praças e chafarizes, na abertura de estradas, no transporte de pessoas e
mercadorias pelas ladeiras acidentadas dos arraiais mineiros e no comércio pelas
ruas e lavras.

A alimentaçã o dos escravizados era pobre em proteínas. Sua dieta era


complementada com sal, fumo e aguardente. O fumo era considerado energizante e
a cachaça um incentivo para suportar o trabalho com as pernas mergulhadas na
á gua. Como era de se esperar, a mortalidade entre os negros mineiros era alta. A
reposiçã o de mã o de obra se fazia por meio de contínua importaçã o de africanos.

Mas nessa regiã o os cativos também ofereceram forte resistência à escravidã o: foi
lá que surgiu o maior nú mero de quilombos. Segundo o historiador Carlos Magno
Guimarã es, nos anos entre 1710 e 1798 foram descobertos e combatidos 160
desses nú cleos.

Mestre Ataíde. c. 1809. Igreja da Ordem Terceira de Sã o Francisco de Assis, Ouro Preto. Foto: Manoel Novaes

Glorificação da Virgem, pintada pelo Mestre Ataíde no teto da igreja de Sã o Francisco, em Ouro
Preto, é um ícone do barroco mineiro. Artista original, Mestre Ataíde pintou, com cores vivas e
alegres, virgens e anjos com traços afro -brasileiros, à semelhança dos de sua companheira e de
seus filhos. Nem sempre os pintores mineiros tinham recursos para importar suas tintas; entã o
criavam as suas pró prias, misturando terra queimada, leite, clara de ovo e extratos de plantas e
flores. Por isso se diz que nã o existe nas artes plá sticas do século XVIII um colorido como o que
vemos nas pinturas mineiras.

Os homens livres pobres


Nos arraiais mineiros havia um grande nú mero de homens livres e pobres, que
sobreviviam de serviços temporá rios ou de pequenos furtos e passavam boa parte
do seu tempo nas vendas conversando, praticando jogos de azar ou brigando. Por
nã o terem ocupaçã o nem posiçã o social definida, foram chamados pela
historiadora Laura de Mello e Souza de “desclassificados”. Perseguidos e chamados
de vadios pelas autoridades, eles eram convocados por essas mesmas autoridades
para realizar serviços considerados inadequados aos escravos, como construir
presídios ou estradas, fazer segurança pessoal dos comerciantes ricos, combater
revoltas negras e/ou indígenas e participar de bandeiras que saíam em busca de
ouro.
Dica! Palestra da historiadora Laura de Mello e Souza a respeito da sociedade mineradora no
Brasil colonial. [Duração: 29 minutos]. Acesse: <http://tub.im/efsr98>.

Pá gina 110

Para saber mais

Sé c. XVIII. Tê mpera sobre madeira. Museu da Inconfidê ncia, Ouro Preto.Foto: Romulo Fialdini/Tempo C

Ex-voto de invocaçã o a Sã o Benedito, século XVIII.

Doença, promessa e arte

Trabalhando em condiçõ es adversas, e mal alimentadas, as pessoas pobres das


regiõ es mineiras adoeciam com frequência. Nos sertõ es mineiros era comum as
pessoas contraírem reumatismo, malá ria e infecçõ es pulmonares.

Os doentes se tratavam, geralmente, com remédios caseiros. Por vezes, as pessoas


encomendavam aos pintores pequenos quadros em que o enfermo aparece deitado
numa cama recoberta por uma colcha vermelha, tendo acima a santa ou santo a
quem agradeciam a cura de sua doença.

A pecuária colonial
Como disseram os historiadores Joã o Fragoso, Manolo Florentino e Sheila de
Castro Faria, a criaçã o de gado foi uma das principais atividades econô micas da
Colô nia e um setor bá sico para o funcionamento da economia colonial como um
todo. A pecuá ria ligava-se necessariamente ao mercado interno, nã o sendo os
animais destinados somente à alimentaçã o, mas também ao trabalho. Daí haverem
na Colô nia amplas á reas especializadas nessa atividade, como o sertã o do rio Sã o
Francisco até os rios Tocantins e Araguaia, boa parte do Piauí, do Maranhã o, o
sertã o da Bahia, os campos de Curitiba, o litoral do norte fluminense, o sul de
Minas e as campinas do sul do Brasil.

GADO NA COLÔNIA (1700-1710)


Rio de Janeiro 60 mil cabeças
Bahia 500 mil cabeças
Pernambuco 800 mil cabeças
São Paulo + Sul 1,5 milhã o de cabeças
Fonte de pesquisa: LINHARES, Maria Yedda. História Geral do Brasil. 9. ed. Sã o Paulo: Campus, 1990. p. 84.

Caminhos do gado

Allmaps

Fonte: ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de et al. Atlas histórico escolar. 8. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1991. p. 38.

Ernesto Reghran/Pulsar Imagens

Gado de corte em propriedade rural de Alta Floresta d’Oeste (RO), 2011.

Pá gina 111

No Nordeste, o gado servia para puxar os carros de boi, moer a cana, alimentar a
populaçã o local e fornecer matérias-primas, principalmente o couro. Nessa época,
o curral do gado era o quintal do engenho. Com a expansã o da economia
açucareira, no entanto, o gado criado nos engenhos passou a ser considerado um
problema, pois, além de destruir as plantaçõ es, ocupava terras que poderiam ser
mais rentá veis se aproveitadas para o plantio da cana. Em 1701, o pró prio governo
português, interessado nos lucros do açú car brasileiro, proibiu a criaçã o de gado a
menos de 10 léguas do litoral. Assim, aos poucos, o gado foi ganhando o sertã o.

A pecuá ria apresentava vantagens econô micas: o gado nã o precisava de um meio


de transporte para conduzi-lo, sobrevivia em regiõ es á ridas e exigia mã o de obra
reduzida (10 ou 12 vaqueiros eram suficientes para cuidar de um grande rebanho).
A expansã o da pecuá ria para o sertã o acompanhou geralmente o curso dos rios,
com destaque para dois deles: o rio Sã o Francisco (Velho Chico ou rio dos Currais)
e o rio Parnaíba (decisivo na ocupaçã o do Piauí).

A expansã o do gado pelo sertã o foi um processo conflituoso, marcado por lutas
sangrentas entre os criadores luso-brasileiros e os indígenas. Com o auxílio dos
bandeirantes paulistas, os criadores venceram a resistência indígena e o sertã o foi
ocupado pelas fazendas de gado.

Dica! Vídeo sobre o desenvolvimento da pecuária colonial. [Duração: 7 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/bk3gbd>.

Joã o Prudente/Pulsar Imagens

Vaqueiro cavalgando em Serrita (PE), 2010.

O gado no Sul
Com a destruiçã o das missõ es jesuíticas no Sul, o gado se dispersou e reproduziu-
se nas extensas planícies da regiã o. Atraídos por esses rebanhos sem dono, os
paulistas fundaram no litoral do atual estado de Santa Catarina os povoados de Sã o
Francisco, em 1642; Desterro (atual Florianó polis), em 1673; e Laguna, em 1684,
dando início à ocupaçã o do Sul.

Portugal também tinha interesse em garantir e ampliar seus domínios nessa


regiã o. Por isso, em 1680, mandou erguer um povoado, a Colônia do Sacramento,
na margem do Rio da Prata, em frente à cidade de Buenos Aires. A imensa á rea
compreendida entre Laguna, no litoral catarinense, e a Colô nia do Sacramento, no
extremo sul (muito além da Linha de Tordesilhas), era considerada “terra de
ninguém”, onde o gado solto se reproduzia livremente.

Debret. Sé c. XIX. Litogravura. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

Província de Rio Grande, litogravura de Jean-Baptiste Debret. Para produzir o charque, os


trabalhadores abatiam o animal, cortavam a carne em pedaços e a salgavam e secavam para que se
conservasse por mais tempo. Pesquisas recentes comprovam a existência de mã o de obra escrava
tanto nas fazendas de gado do sertã o nordestino quanto nas do Sul. Ao lado dos escravizados
trabalhavam também nessas fazendas libertos, livres e brancos pobres.

Pá gina 112

Com o advento da mineraçã o no Centro-Sul, os habitantes das minas passaram a


comprar animais de carga (cavalos, mulas, jumentos) do Sul. As pastagens da
regiã o foram, entã o, alvo de violentas disputas. Inicialmente, os rebanhos eram
reunidos em invernadas, pastagens rodeadas de obstá culos naturais onde o gado
engordava, aguardando o momento de seguir viagem. Com o tempo, as terras
foram cercadas e formaram-se as estâncias.

Posteriormente, os estancieiros aprenderam a produzir o charque. Isso permitiu a


venda da carne para vá rias partes da Colô nia, bem como para o exterior. A maior
parte da produçã o, contudo, era voltada para o mercado interno.

A metró pole também se empenhou em ocupar e proteger a “terra de ninguém”


situada entre a Colô nia do Sacramento e Laguna: em 1737, nas proximidades da
Lagoa dos Patos, mandou fundar o Forte do Rio Grande de São Pedro. Três anos
depois, para reforçar a presença portuguesa na regiã o, enviou 4 mil açorianos e
concedeu a cada família um pequeno lote de terra, instrumentos agrícolas,
sementes e animais. Os açorianos ergueram diversas vilas, entre elas Porto dos
Casais, atual cidade de Porto Alegre. Isso contribuiu para a ocupaçã o e
incorporaçã o do atual estado do Rio Grande do Sul.

Açoriano: habitante da ilha dos Açores, pertencente a Portugal e localizada no oceano Atlâ ntico.
Fernando Bueno/Pulsar Imagens

Vista do Monumento aos Açorianos, no Largo dos Açorianos. Porto Alegre (RS), 2014.

As novas fronteiras
Como vimos, os habitantes da América portuguesa ocuparam terras que, pelo
Tratado de Tordesilhas, pertenciam à Espanha. Os espanhó is, por sua vez, também
invadiram á reas do Oriente, pertencentes a Portugal. Considerando ter direito à s
terras conquistadas na América, Portugal fez vá rios acordos internacionais para
oficializar essa conquista. Os mais importantes foram:

»» Tratado de Utrecht (1713), assinado entre Portugal e França. Estabelecia que


o rio Oiapoque, no norte do atual territó rio brasileiro, limitaria a fronteira entre
Brasil e Guiana Francesa.

»» Tratado de Madri (1750), assinado entre Portugal e Espanha. Estabelecia que


a Colô nia do Sacramento pertencia à Espanha. Em troca, Portugal recebia os Sete
Povos das Missõ es, á rea situada em terras do atual estado do Rio Grande do Sul.
Sete Povos das Missõ es eram sete grandes aldeamentos organizados pelos jesuítas
espanhó is, onde viviam cerca de 30 mil indígenas da naçã o Guarani. Os Guarani
nã o aceitaram a ideia de ter de se mudar das terras em que viviam, conforme
determinava o Tratado de Madri. Por isso, pegaram em armas contra soldados
portugueses e espanhó is, dando início à Guerra Guaranítica. Os indígenas
resistiram por 17 anos – período em que ganhou fama a atuaçã o do cacique Sepé
Tiaraju –, o que obrigou Portugal e Espanha a fazer novos acordos.

Pá gina 113

»» Tratado de Santo Ildefonso (1777), assinado entre Portugal e Espanha. Os


espanhó is obtinham o territó rio de Sete Povos das Missõ es e a Colô nia do
Sacramento, e devolviam a Portugal algumas terras que haviam ocupado no atual
Rio Grande do Sul. Considerando-se prejudicados, os portugueses exigiram da
Espanha um novo acordo.

»» Tratado de Badajós (1801), assinado entre Portugal e Espanha. Os


portugueses ficavam com o territó rio de Sete Povos das Missõ es e a Espanha
garantia para si a Colô nia do Sacramento.

Dica! Reportagem sobre a Colônia do Sacramento. [Duração: 4 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/rwopak>.

Prefeitura Municipal de Sã o Luiz Gonzaga/RS

Alexandre Campbell/Tyba

Fig. 1: ruínas da Igreja de Sã o Miguel das Missõ es, sítio arqueoló gico de Sã o Miguel Arcanjo, no atual
estado do Rio Grande do Sul, 2011. Em 1983, a Unesco declarou essas ruínas patrimô nio histó rico
da humanidade. Fig. 2: A cruz acima da lança, em concreto armado, em frente à Prefeitura
Municipal de Sã o Luiz Gonzaga (RS), 2013.

Principais tratados de limites

Allmaps

ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de et al. Atlas histórico escolar. 8. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1991. p. 30.

Como se pode ver no mapa, as fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Badajó s eram bem
parecidas com as fixadas pelo Tratado de Madri. Definia-se, assim, o novo territó rio da América
portuguesa.

Pá gina 114

ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. (Enem/MEC – 2014)

O índio era o ú nico elemento entã o disponível para ajudar o colonizador como agricultor,
pescador, guia, conhecedor da natureza tropical e, para tudo isso, deveria ser tratado como
gente, ter reconhecidas sua inocência e alma na medida do possível. A discussã o religiosa e
jurídica em torno dos limites da liberdade dos índios se confundiu com uma disputa entre
jesuítas e colonos. Os padres se apresentavam como defensores da liberdade, enfrentando a
cobiça desenfreada dos colonos.

CALDEIRA, J. A nação mercantilista. Sã o Paulo: Editora 34, 1999 (adaptado).


Entre os séculos XVI e XVIII, os jesuítas buscaram a conversã o dos indígenas ao catolicismo. Essa
aproximaçã o dos jesuítas em relaçã o ao mundo indígena foi mediada pela

a) demarcaçã o do territó rio indígena.

b) manutençã o da organizaçã o familiar.

c) valorizaçã o dos líderes religiosos indígenas.

d) preservaçã o do costume das moradias coletivas.

e) comunicaçã o pela língua geral baseada no tupi.

1. Resposta: e.

2. (Unicamp-SP – 2014)

A histó ria de Sã o Paulo no século XVII se confunde com a histó ria dos povos indígenas. Os
índios não se limitaram ao papel de tá bula rasa dos missioná rios ou vítimas passivas dos
colonizadores. Foram participantes ativos e conscientes de uma histó ria que foi pouco
generosa com eles.

(Adaptado de John M. Monteiro, “Sangue Nativo”, em http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/ sangue-


nativo. Acessado em 14/07/2013.)

Sobre a atuaçã o dos indígenas no período colonial, pode-se afirmar que:

a) A escravidã o foi por eles aceita, na expectativa de sua proibiçã o pela Coroa portuguesa, por
pressã o dos jesuítas.

b) Sua participaçã o nos aldeamentos fez parte da integraçã o entre os projetos religioso e bélico de
domínio português, executados por jesuítas e bandeirantes.

c) A existência de alianças entre indígenas e portugueses nã o exclui as rivalidades entre grupos


indígenas e entre os nativos e os europeus.

d) A adoçã o do trabalho remunerado dos indígenas nos engenhos de Sã o Vicente contrasta com as
práticas de trabalho escravo na Bahia e Pernambuco.

2. Resposta: c.

3. (UECE) A corrida do ouro em Minas Gerais no final do século XVII trouxe uma riqueza muito
grande para a Coroa portuguesa mas também exigiu muitos esforços no sentido de fiscalizar a
produçã o e punir o contrabando. Assinale a expressã o correta a respeito das medidas fiscais
empreendidas por Portugal na á rea das minas:

a) apesar dos protestos dos fidalgos encarregados da arrecadaçã o, a Coroa portuguesa evitava
pressionar os produtores através das derramas, limitando-se a aumentar os impostos.

b) sem conseguir se impor aos proprietá rios das minas, a administraçã o colonial passou a permitir
a livre comercializaçã o do ouro, arrecadando impostos nos portos e nas estradas.

c) a administraçã o colonial instalou as casas de fundiçã o para regulamentar a produçã o do ouro e


arrecadar mais impostos, obtendo total apoio dos proprietá rios das minas.
Pá gina 115

d) ao aumentar a carga fiscal e as casas de fundiçã o, a Coroa logrou aumentar a arrecadaçã o de


impostos, mas provocou a revolta dos proprietá rios das minas.

3. Resposta: d.

4. (UFRGS-RS – 2013) Leia o enunciado abaixo.

A sede insaciá vel do ouro estimulou a tantos a deixarem suas terras e a meterem-se por
caminhos tã o á speros como sã o os das minas, que dificultosamente se poderá dar conta do
nú mero de pessoas que atualmente lá estã o [...]. Cada ano, vêm nas frotas quantidades de
portugueses e de estrangeiros para passarem à s minas. Das cidades, vilas e recô ncavos e
sertõ es do Brasil, vã o brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se servem.

ANTONIL, André Joã o. Cultura e opulência do Brasil. Sã o Paulo: Melhoramentos; Brasília: INL,1976. p. 167. [1ª ediçã o:
1711].

A descriçã o acima refere-se à sociedade formada na regiã o das Minas Gerais, no século XVIII. A
respeito dessa sociedade, considere as seguintes afirmaçõ es.

I. A possibilidade de ascensã o social era mais facilitada do que na atividade açucareira empreendida
no Nordeste.

II. A riqueza gerada promoveu o desenvolvimento de uma agricultura em grande escala, voltada
para a exportaçã o.

III. O desenvolvimento acarretou uma sociedade urbana, heterogênea, composta por comerciantes,
funcioná rios reais, profissionais liberais e escravos.

Quais estã o corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas II.

c) Apenas I e II.

d) Apenas I e III.

e) Apenas II e III.

4. Resposta: d.

5. (UFRGS-RS – 2014) Sobre o Tratado de Madri, assinado em 1750 por Portugal e Espanha,
considere as seguintes afirmaçõ es.

I. A Colô nia de Sacramento passou para a Espanha, e os Setes Povos das Missõ es passaram para
Portugal, consagrando o princípio do uti possidetis.

II. A expulsã o dos jesuítas foi fator importante para a eclosã o da chamada guerra guaranítica (1752-
1756), reduzindo os efeitos do Tratado.

III. As Missõ es retornaram para a Província do Paraguai.


Quais estã o corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas II.

c) Apenas III.

d) Apenas I e II.

e) Apenas I e III.

5. Resposta: d.

6. As populaçõ es indígenas foram praticamente exterminadas com a chegada dos europeus no


continente americano a partir do final do século XV. Mas, apesar da violência da conquista
territorial, a resistência indígena nas regiõ es brasileiras sempre existiu. Como essa resistência pode
ser identificada?

6. A resistê ncia indígena pode ser identificada em lutas e enfrentamentos diversos, como na Guerra Guaranítica e em fugas
para á reas do interior da Amazô nia.

7. Em dupla. Escrevam um pequeno texto sobre o gado no Sul seguindo o roteiro:

a) a destruiçã o das missõ es jesuíticas no Sul e os rebanhos sem dono;

b) as “terras de ninguém” entre Laguna (SC) e a Colô nia do Sacramento;

c) a ocorrência da mineraçã o no Centro-Sul;

d) invernadas e estâ ncias;

e) a produçã o do charque.

7. O texto fornece elementos para a resposta. A intençã o aqui é dar continuidade ao trabalho de estímulo à competê ncia
escritora do aluno e ajudá -lo a fixar conhecimentos sobre a ocupaçã o e o povoamento do sul do Brasil.

Pá gina 116

II. Leitura e escrita em História


Leitura e escrita de textos
PROFESSOR, VER MANUAL.

VOZES DO PRESENTE

O texto a seguir é de Paulo Cavalcante, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Eu quero é ouro!
[...] Nas Minas Gerais do final do século XVII e das primeiras décadas do XVIII, todos queriam
ouro. A qualquer preço. Os pró prios representantes do Estado português – governadores,
ouvidores, provedores [...] contribuíam para desviar as riquezas da Fazenda Real (a Receita
Federal da época). [...]

Como a sociedade colonial era escravista, os trabalhadores negros encarregados da mineraçã o


eram vistos como os principais “passadores” [...] de ouro e diamantes. Ouro em pó salpicado no
cabelo de mulheres negras, pepitas e diamantes desviados no pequeno comércio dos povoados
e das lavras – especialmente pelas chamadas “negras de tabuleiro”, que vendiam comidas e
bebidas – também foram modos de descaminhar a riqueza extraída da terra. [...]

A maneira mais espetacular de desviar ouro era a falsificaçã o de moedas. Encontravam-se


moedas falsificadas de diversos tipos: vazadas [...] com peso reduzido ou fundida com metais
considerados baixos (como cobre, níquel e estanho).

[...] Mas a fá brica de moeda falsa de que realmente se tem notícia [...] foi obra de [...] Iná cio de
Souza Ferreira, [...] sob a proteçã o [...] do pró prio governador das Minas Gerais, D. Lourenço de
Almeida (1721-1732) [...]. D. Lourenço, a propó sito, retornou riquíssimo a Portugal, com
bagagem reluzente, no fim do seu governo. Estes sim, e não os escravos, foram os grandes
descaminhadores.

CAVALCANTE, Paulo. Eu quero é ouro! Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 4, n. 38, p. 28-
30, nov. 2008.

Descaminhar: extraviar.

Museu Paulista da Universidade de Sã o Paulo. Foto: Romulo Fialdini/Tempo Composto

Barras de ouro do início do século XIX, quintadas na regiã o das Minas.

a) O extravio de ouro e diamantes nas Minas Gerais do início do século XVIII era uma prá tica
exclusiva dos escravizados? Justifique.

b) Sobre os extravios de riqueza gerada nas Minas do século XVIII, responda:

b1) Quem praticava esses extravios? De que forma isto era feito?

b2) No texto, o autor afirma que os representantes do governo, e nã o os escravos, foram os


grandes extraviadores. Explique essa afirmaçã o de acordo com o contexto da época.
Pá gina 117

A Revolução Inglesa e a
Capítulo 6

Industrial
Professor: partimos de uma imagem e um mapa atuais para verificar o que o aluno sabe sobre o tipo de monarquia adotado
no Reino Unido, dar início ao trabalho com o conceito de monarquia parlamentar e o processo que levou ao advento desse
regime político na Inglaterra. Na cerimô nia registrada na foto, a rainha Elizabeth II apresentou um programa com os
seguintes pontos: cortes no orçamento, geraçã o de empregos, construçã o de casas populares, creches gratuitas e controle da
imigraçã o; este programa ajuda-nos a pensar sobre a capacidade de renovaçã o da monarquia parlamentar britâ nica e de
adequaçã o de suas propostas à s demandas do mundo atual.

Ben Stansall /WPA Pool/Getty Images

Reino Unido atualmente


Vespú cio Cartografia

Fonte: WORLD Atlas Reference. London: Dorling Kindersley, 2010. p. 96-97.

A imagem da esquerda mostra Elizabeth II, a rainha do Reino Unido (representado


em um mapa atual à direita). Ela aparece discursando na sessã o de abertura do
Parlamento de seu país, em maio de 2015.

» Você sabe qual é o tipo de monarquia adotado no Reino Unido


atualmente? Sabe como ele funciona?

» Como e quando o país passou a adotar esse tipo de monarquia?

» Você conhece outros países que adotam a monarquia na


atualidade?

Pá gina 118

O processo revolucionário inglês


O processo revolucioná rio que se desenrolou na Inglaterra do século XVII tem suas
raízes nas mudanças socioeconô micas que vinham ocorrendo anteriormente.

Durante a dinastia Tudor (1485-1603), a política mercantilista de monarcas


poderosos, como Henrique VIII e Elizabeth I, ajudou a Inglaterra a se transformar
em uma grande potência econô mica. Na época, ela liderava o ramo da indú stria
têxtil e o da produçã o de carvã o; e, no comércio marítimo, perdia apenas para a
Holanda. No início do século XVII, os comerciantes, industriais e armadores
constituíam uma burguesia pró spera e atuante. À época, Londres tinha se
transformado na maior cidade da Europa.
Dica! Reportagem sobre aspectos da história da Grã-Bretanha nos séculos XVI e XVII. [Duração:
27 minutos]. Acesse: <http://tub.im/3jt2n5>.

Mudanças na sociedade inglesa


O capitalismo nã o se restringia à s cidades inglesas; chegava também ao campo,
onde a pequena nobreza rural – chamada na Inglaterra de gentry – enriquecia
praticando a agricultura comercial. Apesar de atuar no meio rural, a gentry se
ligava à burguesia das cidades por meio de negó cios e casamentos.

Capitalismo: sistema socioeconô mico caracterizado pela propriedade privada dos meios de produçã o
(terras, fá bricas, equipamentos etc.), relaçõ es assalariadas de trabalho e produçã o visando o lucro.

Os yeomen (pequenos e médios proprietá rios rurais) também vinham


prosperando. A gentry e os yeomen produziam e vendiam tecidos de lã e alimentos
que a marinha mercante inglesa comercializava nos quatro cantos do mundo.

Para continuar produzindo alimentos e criando ovelhas em quantidades


crescentes, eles começaram a cercar os seus domínios, expulsando os camponeses
que lá viviam. Essa prá tica recebeu o nome de cercamento. A ela se referiu
Thomas Morus no seu livro A Utopia, ao falar de um estranho país onde as ovelhas
devoravam os seres humanos.

Cercamento: consistia em cercar as terras de uso comum, de onde os camponeses retiravam sua
subsistência, para transformá -las em pastos para a criação de ovelhas (produtoras de lã ) ou em á reas de
produçã o de cereais, frutas e vegetais destinados à venda. A prá tica dos cercamentos se estendeu por um longo
período, mas teve momentos de maior intensidade.
Publicado por Jan Blaeu. Sé c. XVII. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Frontispício de A Utopia, de Thomas Morus, 1643.

Pá gina 119

Era comum também a compra de terras por parte da gentry e dos yeomen. Assim,
por meio dos cercamentos e/ou da compra, essas camadas sociais foram
acumulando terras. E, pouco a pouco, a agricultura de subsistência foi cedendo
lugar à agricultura comercial com características capitalistas.

No campo, enquanto os yeomen prosperavam, os camponeses empobreciam.


Expulsos das terras em que trabalhavam, os camponeses se transformavam em
andarilhos, mendigos ou migravam para as cidades, onde se ofereciam para
trabalhar por baixíssimos salá rios nas manufaturas, oficinas ou nos estaleiros.
Cornwall Lamorna Cove. Sé c. XIX. Ó leo sobre tela. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Camponeses ingleses de um vilarejo. Esta obra do século XIX ajuda-nos a imaginar um fenô meno
típico do século XVII, na Inglaterra: a migraçã o de famílias camponesas do campo para as cidades
inglesas.

Assim, nas cidades inglesas, especialmente em Londres, se formou, de um lado,


uma rica burguesia mercantil e manufatureira e, de outro, uma massa de
trabalhadores urbanos e de desempregados. A maior parte da burguesia inglesa
era favorá vel à liberdade de produçã o e de comércio e considerava a política
regulamentadora e monopolista da monarquia inglesa como prejudicial aos seus
negó cios.

O absolutismo dos Stuart


Com a morte de Elizabeth I, em 1603, seu primo, o rei da Escó cia, assumiu o trono
da Inglaterra como Jaime I (1603-1625), o primeiro da dinastia Stuart. Apoiado na
teoria do direito divino dos reis, Jaime ordenou, logo no início do seu reinado, que
todos os seus sú ditos seguissem o anglicanismo, a religiã o oficial da monarquia
inglesa. Essa imposiçã o, aliada à adoçã o de uma política tributá ria extorsiva,
provocou forte oposiçã o no Parlamento, onde os puritanos tinham muitos
representantes. O rei reagiu mandando fechar o Parlamento, pondo em prá tica seu
absolutismo.

Parlamento: era composto da Câ mara dos Comuns e da Câ mara dos Lordes. Na Câ mara dos Comuns
predominavam os representantes da burguesia e da gentry; na Câ mara dos Lordes, o alto clero e a alta
nobreza.

As violentas disputas entre a Monarquia e o Parlamento, iniciadas no governo de


Jaime I, prosseguiram no reinado de seu filho e sucessor Carlos I (1625-1649).

Pá gina 120
Em 1628, reagindo à política fiscal opressiva do rei Carlos I, o Parlamento
conseguiu aprovar a Petição de Direitos, que declarava ilegal qualquer tributaçã o
sem o seu consentimento e condenava as prisõ es arbitrá rias efetuadas a mando do
rei. Em represá lia, nos 11 anos seguintes, Carlos I governou sem convocar o
Parlamento e tomou uma série de medidas arbitrá rias: restaurou taxas e tributos
que haviam sido extintos, concedeu monopó lios, vendeu cargos pú blicos, impô s
multas e criou novos impostos. Um deles, o ship money, pago apenas pelas
cidades portuá rias, passou a ser de â mbito nacional. A reaçã o ao ship money
desencadeou uma onda de protestos em todo o país; muitos líderes da oposiçã o
foram encarcerados e mortos a mando do rei.

Em 1640, Carlos I convocou o Parlamento para pedir aumento de impostos a fim


de sustentar uma guerra contra os escoceses calvinistas, que reagiram à imposiçã o
do anglicanismo na Escó cia invadindo o norte da Inglaterra. O Parlamento, por sua
vez, aproveitando-se da situaçã o de urgência, anulou os impostos solicitados pelo
rei e aprovou um ato que impedia a dissoluçã o do Parlamento sem a aprovaçã o dos
parlamentares.

Sentindo sua autoridade ameaçada, Carlos I passou à ofensiva: invadiu com sua
guarda pessoal a Câ mara dos Comuns, ó rgã o de maioria puritana, para prender os
líderes da oposiçã o. A oposiçã o, no entanto, já havia se retirado do recinto para se
unir à s forças puritanas armadas na luta contra o absolutismo; tinha início, assim,
na Inglaterra, uma guerra civil que se estendeu de 1642 a 1649.

Lir Anthony van Dyck. 1635. Ó leo sobre tela. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

A pintura intitulada Carlos I em três posições é um dos vá rios retratos que o pintor Anthony van
Dyck fez desse rei, seu protetor e mecenas. Repare que Carlos I foi retratado de três â ngulos
diferentes, de modo a impressionar o observador e evocar a ideia de força e poder de rei
absolutista.

Revolução Puritana
Do ponto de vista social, a alta nobreza, burgueses favorecidos por monopó lios
reais e os membros do clero anglicano e cató lico lutaram ao lado do rei; a
burguesia manufatureira e mercantil, a gentry e os yeomen, de religiã o puritana,
lutaram ao lado do Parlamento.

Durante a guerra, os integrantes do exército parlamentar, chamados de “cabeças


redondas”, por usarem cabelo curto, obtiveram diversas vitó rias contra os
membros do exército do rei, denominados “cavaleiros”, por causa da sua origem
nobre. O exército parlamentar venceu em virtude de sua superioridade numérica

Pá gina 121

e estratégica (marinha e portos) e da remodelaçã o promovida pelo militar Oliver


Cromwell. No regimento sob seu comando, Cromwell substituiu o nascimento
(origem) pelo merecimento (eficiência militar) como critério de promoçã o na
carreira militar. Aos poucos, todo o exército adotou esse critério, constituindo,
entã o, o New Model Army (Exército de Novo Tipo).

Esse exército remodelado venceu as tropas leais ao rei, definitivamente, na batalha


de Naseby (1645). A monarquia foi declarada “desnecessá ria”, opressiva e
perigosa; a Câ mara dos Lordes foi abolida; a Repú blica foi proclamada; e Cromwell
assumiu o governo do país. Carlos I foi julgado pelo Parlamento por crime de
traiçã o, mas nã o reconheceu a autoridade dos parlamentares justificando que tinha
recebido seu poder das mã os de Deus. O Parlamento o condenou à morte e ele foi
decapitado no início de 1649.

C. 1640. Gravura. Coleçã o particular. Foto: Hulton Archive/Getty Images


Integrante do exército dos “cabeças redondas”, c. 1640. Os puritanos, nome dado aos calvinistas na
Inglaterra, acreditavam na predestinaçã o. Muitos desses soldados, como esse representado na
imagem ao lado, acreditavam que tinham sido eleitos por Deus para combater no exército de
Cromwell.

Para saber mais


Puritanismo e Revolução

Sem ideias nã o há Revoluçã o.

Segundo o historiador Modesto Florenzano, uma das principais bases intelectuais


da Revoluçã o Inglesa foi o puritanismo. Puritanos eram os calvinistas ingleses que
lutavam pela purificaçã o da Igreja e se consideravam “eleitos de Deus”.

O puritanismo se desenvolveu, sobretudo, entre a burguesia e a pequena nobreza


rural, ou seja, entre o empresariado inglês do campo e das cidades.

Os puritanos defendiam a independência de juízo baseada na consciência de cada


um e na leitura da Bíblia; e estavam convencidos da necessidade de lutar contra a
corrupçã o na Corte e na Igreja. E foi justamente essa “certeza da retidã o da causa”
um dos principais combustíveis da Revoluçã o contra o absolutismo moná rquico na
Inglaterra.

C. 1600. Xilogravura. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Família puritana reunida à mesa. Xilogravura de c. 1600.

Pá gina 122

A República de Cromwell
Apoiado no exército, Oliver Cromwell (1649-1658), um republicano moderado, foi
um dos governantes mais autoritá rios da histó ria inglesa. Externamente, sufocou o
levante dos cató licos da Irlanda e o dos separatistas da Escó cia; internamente,
combateu os movimentos populares puritanos que exigiam reformas radicais. As
terras dos partidá rios do rei e da Igreja anglicana foram confiscadas e vendidas
para a burguesia manufatureira, para os gentry e para os yeomen, os vencedores da
Revoluçã o Puritana.

Para fortalecer o comércio exterior da Inglaterra, Cromwell promulgou, em 1651,


os famosos Atos de Navegação.

[...] as mercadorias europeias nã o podiam ser transportadas para a Inglaterra, a nã o ser em


navios ingleses ou em navios do país de origem; do mesmo modo os produtos da Á sia, da
América ou da Á frica não podiam ser importados senã o pela marinha britâ nica ou colonial.

DEYON, Pierre. O mercantilismo. Sã o Paulo: Perspectiva, 1973. p. 22.

Os Atos de Navegaçã o favoreceram a acumulaçã o de capitais por parte da


burguesia britâ nica e excluíram a Holanda do lucrativo transporte de mercadorias
para a (ou da) Inglaterra, precipitando uma guerra entre os dois países (1651-
1654). A Inglaterra venceu a Holanda, assumindo a liderança marítimo-comercial
no mundo daquela época; a burguesia inglesa ligada ao comércio exterior
prosperou.

DIALOGANDO

Com que intenção Oliver Cromwell teria promulgado os Atos de Navegação?

A intençã o de Cromwell era fortalecer a marinha inglesa, enriquecer comerciantes e armadores de seu país e atingir a
Holanda, que na é poca era sua principal concorrente nos mares.

A partir daí, Cromwell aproveitou-se da guerra para tornar seu cargo vitalício e
hereditá rio (1653), impondo seu poder pessoal à naçã o, com o título de Lorde
Protetor da Inglaterra, Irlanda e Escó cia. Por isso, cinco anos depois, quando
Cromwell morreu, o poder passou à s mã os de seu filho Ricardo.

Dica! O vídeo aborda a crise do absolutismo inglês e as revoluções inglesas. [Duração: 32


minutos]. Acesse: <http://tub.im/hwxczv>.

Escola francesa. c. 1700. Xilogravura colorizada. London Metropolitan Archives. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone
Vista de Londres, c. 1700. A indú stria têxtil, a produçã o de carvã o e a política mercantilista dos
governantes ingleses contribuíram para a prosperidade de Londres, a maior cidade da Europa no
século XVII.

Pá gina 123

A restauração da monarquia
Ricardo nã o tinha o apoio do exército e, além disso, mostrava-se incapaz de fazer
alianças e de controlar as oposiçõ es. Ao mesmo tempo, os movimentos populares
liderados por grupos político-religiosos puritanos, como os levellers (niveladores)
e os diggers (cavadores), pressionavam por mudanças.

Os niveladores surgiram nos quadros do exército parlamentar e, liderados por


homens como John Lilburne, o Nivelador, defendiam:

»» o direito de voto a todos os homens, o fim da Câ mara dos Lordes e todo o poder
para a Câ mara dos Comuns;

»» a separaçã o entre a Igreja e o Estado;

»» o fim dos dízimos cobrados pela Igreja anglicana e a proteçã o à pequena


propriedade.

Os cavadores pleiteavam uma reforma agrá ria radical. Esse grupo inspirava-se
nas ideias do escritor Gerrard Winstanley, defensor dos ideais de igualdade e
fraternidade dos primeiros cristã os. Veja o que um historiador diz sobre esse
grupo político:

Os diggers exigiam que todas as terras e florestas da Coroa, os terrenos comunais e ociosos
fossem cultivados pelos pobres, através da posse comunitá ria, e que a compra e venda da terra
deveria ser proibida por lei.

HILL, Christopher. O eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revoluçã o Inglesa. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.
18.

Temendo a força desses movimentos populares radicais, o Parlamento aprovou a


volta à monarquia, convidando o filho de Carlos I (executado pela Revoluçã o
Puritana) a ocupar o poder.

Com Carlos II (1660-1685), as tensõ es entre a monarquia e o Parlamento voltaram


a dominar a cena política. Embora se declarasse rei por direito divino, Carlos II
sabia que era rei por vontade do Parlamento. Mas, uma vez entronado, buscou se
impor ao Parlamento: externou seu ó dio ao puritano Oliver Cromwell (mandou
desenterrar o corpo e decepou a cabeça dele publicamente) e nã o escondeu sua
simpatia pelo catolicismo.
Jaime II (1685-1689), seu irmã o e sucessor, foi mais longe: tentou impor o
catolicismo aos ingleses desafiando o Parlamento, de maioria protestante. E
também aliou-se a Luís XIV, da França, o monarca absolutista mais poderoso da
Europa.

Editora Cia. das Letras

Fac-símile da capa de O eleito de Deus, de Christopher Hill.

A Revolução Gloriosa
O Parlamento reagiu à s imposiçõ es de Jaime II reunindo tropas para destroná -lo. O
rei, por sua vez, preferiu deixar o trono a resistir. Os líderes do Parlamento, entã o,
convidaram o príncipe holandês Guilherme de Orange, casado com a filha
protestante de Jaime II, a ocupar o trono inglês. Em 1688, Guilherme de Orange
entrou na Inglaterra com o seu exército e, por ato do Parlamento, foi declarado rei.
Era a Revolução Gloriosa (1688), assim denominada por ter ocorrido sem
derramamento de sangue.

Pá gina 124

A seguir, o Parlamento aprovou a escolha do soberano. Assim, Guilherme de


Orange jurou obedecer à Declaraçã o de Direitos (Bill of Rights, 1689), vigente na
Inglaterra até hoje. A Declaraçã o de Direitos limitou o poder do rei, conferiu
autoridade e garantias ao Parlamento e assegurou os direitos civis e a liberdade
individual a todo cidadã o inglês.

O processo revolucioná rio inglês foi inspirado nas ideias do importante pensador
político John Locke.

Dica! Vídeo sobre John Locke. [Duração: 3 minutos]. Acesse: <http://tub.im/bdeveg>.


Escola inglesa. Sé c. XIX. Ilustraçã o. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Na imagem vemos um membro do Parlamento entregando aos reis Guilherme de Orange e sua
esposa, Maria, a Declaração de Direitos, documento que limitava o poder real.

Para saber mais


John Locke e o liberalismo

John Locke (1632-1704) ajudou a derrubar o absolutismo na Inglaterra. Locke


dizia que todos os homens, ao nascer, tinham os mesmos direitos: direito à vida, à
liberdade e à propriedade. Para garantir esses direitos naturais, os homens
haviam criado governos. Mas, se o governo tentasse impor o absolutismo, as
pessoas poderiam rebelar-se e retirá -lo do poder pela força das armas.

Locke defendia o direito de cada pessoa escolher sua religiã o, apoiar um grupo
político, defender suas ideias em pú blico ou por meio da imprensa. Esses direitos
individuais deveriam ser respeitados e protegidos pelos governantes. Por essas
suas ideias, Locke foi considerado um dos “criadores” do liberalismo na política.

Sé c. XIX. Gravura. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

John Locke, filó sofo inglês, pregou a ideia de que os governos foram criados para defender os
“direitos naturais” dos homens.
O significado da Revolução Gloriosa

A partir da Revoluçã o Gloriosa, tornou-se comum dizer: “o rei reina, mas quem
governa é o Parlamento”. Embora a afirmaçã o nã o deva ser tomada ao pé da letra,
o fato é que a Inglaterra deixava de ser uma monarquia absolutista e passava a ser
uma monarquia parlamentar. Os ingleses deixavam de ser sú ditos para
tornarem-se cidadã os, com direitos e deveres. Além disso, a Revoluçã o favoreceu o
desenvolvimento do capitalismo e, consequentemente, a expansã o dos negó cios da
gentry e da burguesia manufatureira e mercantil, o que ajuda a compreender o
pioneirismo inglês na Revolução Industrial.

Pá gina 125

A Revolução Industrial
A Revoluçã o Industrial pode ser definida como uma transformaçã o sem
precedentes no modo de produzir mercadorias, de viver e de pensar, que
impressionou muito os homens e as mulheres que a vivenciaram. Essa Revoluçã o
teve início na Inglaterra na década de 1760 e se propagou pela Europa nas décadas
seguintes.

Foi na Inglaterra que se desenvolveram as primeiras má quinas movidas a vapor.


Foi lá também que se viram pela primeira vez fá bricas enormes que reuniam
muitos trabalhadores ocupados na produçã o sob o olhar vigilante de seus chefes.

Por que a Inglaterra foi a primeira a se industrializar?


O pioneirismo inglês deveu-se a um conjunto de fatores inter-relacionados, a
saber:

»» Acúmulo de capitais – A partir do governo de Elizabeth I (1558-1603), a


economia inglesa ganhou forte impulso. A Inglaterra acumulou capitais por meio
do comércio, da pirataria, da guerra e da exploraçã o colonial. E, na segunda metade
do século XVII, assumiu a liderança marítimo-comercial que até entã o cabia à
Holanda.

»» Modernização da agricultura – O empresariado rural inglês introduziu a


rotaçã o continuada de culturas e novas técnicas de drenagem e adubaçã o, que
aumentavam a produtividade do solo. Além disso, por meio dos cercamentos,
apropriou-se de terras antes utilizadas por camponeses e, com isso, aumentou a
oferta de alimentos e de matérias-primas para as cidades.

»» Mão de obra farta e barata – Sem terra e sem trabalho, os camponeses


mendigavam pelas estradas ou iam para as cidades, onde se ofereciam para
trabalhar por baixos salá rios nas fá bricas que entã o começavam a surgir. O
desespero levava os desempregados a aceitarem qualquer serviço, pois a
Legislaçã o dos Pobres, vigente na Grã -Bretanha à época, determinava que todo
indivíduo sem trabalho ou ocupaçã o poderia ser preso e chicoteado.

»» Abundância de carvão mineral e de ferro no subsolo inglês – O ferro era a


matéria-prima bá sica para construir má quinas, e o carvã o mineral era a fonte de
energia que garantia seu funcionamento. 1

1. Dica! Vídeo sobre os usos e a importância do carvão mineral. [Duração: 26 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/5c5tp6>.

»» O puritanismo – Nã o condenava o lucro e pregava uma vida voltada para o


trabalho e a oraçã o.

»» A Revolução Gloriosa, que deu estabilidade política e favoreceu o


desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra. A monarquia parlamentar inglesa
tomou vá rias medidas favorá veis ao crescimento das manufaturas, das empresas
rurais e da indú stria naval, estimulando, portanto, os negó cios da burguesia. 2

2. Dica! Vídeo sobre o começo da Revolução Industrial na Inglaterra. [Duração: 25 minutos].


Acesse: <http://tub.im/mjeton>.

Máquinas industriais e sistema fabril


A industrializaçã o inglesa começou pela indú stria de tecidos de algodã o. A
crescente procura mundial por esses tecidos e o baixo preço da matéria-prima
usada na sua confecçã o estimularam a invençã o de má quinas de fiar e de tecer em
um curto espaço de tempo.

Por volta de 1760, foi disseminado o uso da lançadeira volante inventada por John
Kay. Essa má quina permitia tecer peças largas, com menos trabalhadores e

Pá gina 126

maior velocidade, o que gerou descompasso entre tecelagem e fiaçã o: a quantidade


de fios já nã o atendia à necessidade da tecelagem. A situaçã o se modificou, em
1767, quando o tecelã o e carpinteiro James Hargreaves inventou a spinning
jenny, uma roda de fiar que permitia a uma só pessoa fiar oito fios por vez. Com a
spinning jenny, uma só pessoa realizava o trabalho de 12 fiandeiras. Por ser
pequena, ela podia ser instalada em casa; movida manualmente, essa má quina
exigia apenas a força do ser humano.

DIALOGANDO

Você já ouviu o ditado “a necessidade é a mãe de todas as invenções”? Você concorda com
isso?
Resposta pessoal. Professor: o assunto dá oportunidade a esse debate e para iniciá -lo é interessante perguntar: qual é a
origem de uma invençã o? Um invento atende, principalmente, à necessidade social de determinado momento histó rico.

William Ibbitt. Sé c. XVIII. Litogravura. Coleçã o particular. Foto: SSPL via Getty Images

Cidade inglesa de Sheffield no século XVIII. Naquele tempo, as chaminés das fá bricas eram um
elemento novo na paisagem. Os grossos rolos de fumaça que saíam dessas chaminés poluíam o ar,
dando início ao que hoje chamamos de “questã o ambiental”. Industrializaçã o e urbanizaçã o
caminharam de mã os dadas. Muitas cidades surgiram ou cresceram em torno das fá bricas,
desordenada e rapidamente, sob o impacto das famílias que vinham do campo, ansiosas por
trabalho e uma vida melhor.

Os fios produzidos na jenny eram, no entanto, finos e quebradiços. Para suprir os


tecelõ es com fios resistentes inventou-se em 1769 a water-frame, uma má quina de
fiar movida com á gua, atribuída a Richard Arkwright. Tendo a á gua como força
motriz, nã o podia ser instalada nas casas e necessitava de um espaço maior: a
fá brica. A water-frame contribuiu, assim, para a consolidaçã o do sistema fabril.
Nesse sistema, os trabalhadores labutavam juntos, no mesmo espaço, sob o rígido
controle de seus chefes, que ditavam o nú mero de horas diá rias e a velocidade da
produçã o.

Os fios da water-frame eram resistentes, porém grossos. A soluçã o para isso foi
dada pela mule, inventada por Samuel Crompton, em 1779. A mule – uma má quina
híbrida (combinaçã o das duas anteriores) – produzia fios finos e resistentes, com
os quais se podiam fabricar tecidos de uma leveza que superava
Arterra Picture Library/Alamy/Latinstock

Representaçã o de um menino trabalhando para limpar resíduos da mule. Museu da Indú stria,
Trabalho e Têxtil da Bélgica. 2014.

Pá gina 127

a dos importados da Índia, a maior produtora de tecidos do Oriente. Com a mule, a


fiaçã o tornou-se efetivamente uma atividade predominantemente industrial.

Se o problema antes era a carência, agora passa a ser o excesso de fios. A soluçã o
para esse problema foi o tear mecânico, inventado pelo reverendo Edmund
Cartwright, em 1785, cuja capacidade de produçã o era muitas vezes maior que a
do tear manual.

Todas essas má quinas tornaram-se muito mais produtivas ao serem acopladas à


máquina a vapor, aperfeiçoada por James Watt em 1765. Nessa má quina, a força
de expansã o do vapor substituía a força do ser humano, do vento ou da á gua.
Sem data. Coleçã o particular. Foto: Bettmann/Corbis/Latinstock

As primeiras fábricas de tecidos foram construídas à s margens dos rios para aproveitar a energia
da á gua. Com a descoberta da má quina a vapor, isso deixou de ser necessá rio, e as fá bricas
passaram entã o a ser erguidas no centro das cidades. A imagem ao lado representa a experiência de
James Watt com a força da expansã o do vapor de á gua.

O uso do vapor exigia má quinas mais resistentes que as de madeira. Essa


necessidade foi atendida em 1784, quando Henry Coit conseguiu produzir um ferro
resistente, fá cil de ser fabricado e barato, que passou a ser utilizado em má quinas,
navios e na construçã o civil. A má quina a vapor e a metalurgia do ferro, por sua
vez, impulsionaram a descoberta de dois outros inventos que revolucionaram os
meios de transporte em princípios do século XIX: o barco a vapor, desenvolvido
por Robert Fulton em 1807, e a locomotiva, idealizada por George Stephenson em
1814. O nome da locomotiva construída por Stephenson era “foguete” (rocket em
inglês) porque atingia até 45 quilô metros por hora, velocidade considerada alta na
época! Viagens que duravam 12 dias passaram a ser feitas em menos de quatro.
Em 1830, era inaugurada a primeira ferrovia, que ligava Liverpool a Manchester.

Dica! Documentário abordando as principais transformações históricas ocorridas no século XVIII.


[Duração: 46 minutos]. Acesse: <http://tub.im/m8kux3>.

Pá gina 128
Sé c. XIX. Gravura. National Museum Of Science And Industry, Londres. Foto: De Agostini/Getty Images

Inauguraçã o da ferrovia Canterbury-Whitstable, em maio de 1830, uma das primeiras da Inglaterra.

O trem e a ferrovia inauguravam uma nova era marcada pela velocidade. O


transporte de pessoas e de mercadorias tornou-se mais rá pido, mais barato e mais
seguro, o que contribuiu para que, no século XIX, a Inglaterra passasse a abastecer
com seus produtos boa parte do mercado mundial. Ela tornou-se, como se disse
mais tarde, a “oficina do mundo”.

Dica! Vídeo sobre as máquinas que tornaram possível a Revolução Industrial. [Duração: 29
minutos]. Acesse: <http://tub.im/77yjcb>.

A vida dos trabalhadores no interior das fábricas


As primeiras fá bricas eram sujas, mal iluminadas e insalubres. O vapor e o calor
das má quinas tornavam o ar quase irrespirá vel, causando inú meras doenças
respirató rias. O trabalho fabril era disciplinado, repetitivo e exaustivo: as jornadas
duravam de 14 a 18 horas por dia e o trabalhador parava apenas para fazer as
refeiçõ es rapidamente. O sistema de fá bricas aumentou assim a sujeiçã o do
trabalho e do trabalhador ao capital e ao capitalista.

Insalubre: que origina doença; prejudicial à saú de.

As primeiras fá bricas fizeram uso intenso do trabalho feminino e infantil, pois


mulheres e crianças ganhavam cerca de um terço do que era pago a um homem. Os
industriais justificavam o emprego de crianças (a partir dos 6 anos de idade)
dizendo que sua intençã o era livrá -las da fome e da mendicâ ncia. Essas crianças,
além das tarefas de rotina, realizavam, por vezes, serviços arriscados, como se
enfiar por entre as má quinas para limpá -las ou transportar pesadas peças.
Escola inglesa. C. 1835. Ilustraçã o. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Fiandeiras trabalhando com máquinas, c. 1835. A máquina podia ser alimentada por roda d’á gua ou
a vapor. No canto inferior esquerdo, vê-se uma mulher limpando a parte de baixo da máquina,
trabalho arriscado e que era feito, geralmente, por crianças.

Pá gina 129

A vida dos trabalhadores fora das fábricas


Nos primó rdios da Revoluçã o Industrial, o contraste entre as moradias dos
operá rios e a de seus patrõ es era gritante, a começar pela localizaçã o. As
residências dos industriais ficavam no subú rbio, afastadas dos centros fabris; eram
imponentes, ajardinadas, e possuíam vá rias divisõ es internas, elementos que
documentam a riqueza de seus donos, os maiores beneficiá rios da
industrializaçã o/urbanizaçã o que vinha se processando.

Os operá rios moravam pró ximos das fá bricas, no centro, sendo, portanto, as
principais vítimas da poluiçã o do ar. As famílias operá rias, geralmente numerosas,
amontoavam-se em cortiços, com um ou dois cô modos, que eram usados para
tudo: dormir, cozinhar, lavar roupas, se alimentar, brincar. As famílias geralmente
dividiam entre si um banheiro e uma ú nica torneira, localizados no corredor que
dava acesso à rua. As ruas dos bairros operá rios eram de chã o batido, sujas e com
esgotos a céu aberto, o que facilitava a ocorrência de epidemias como a cólera, que
fez muitas vítimas na época.

Cólera: doença infecciosa gastrointestinal produzida pelo vibriã o colérico, uma bactéria em forma de vírgula.

Dica! Vídeo sobre o combate às doenças da Inglaterra do século XIX. [Duração: 29 minutos].
Acesse: <http://tub.im/uhqwuv>.
Como os aluguéis eram caros, quase nã o sobravam recursos para a alimentaçã o; a
principal refeiçã o dos operá rios reduzia-se, na maioria das vezes, a uma torta de
batata. Os bares (pubs) serviam como ponto de encontro para diversõ es e debates
políticos entre os operá rios. Lá eles conversavam sobre o seu dia a dia, distraíam-
se com jogos e também discutiam assuntos de interesse coletivo, como, por
exemplo, as condiçõ es de trabalho no interior das fá bricas.

Os trabalhadores vão à luta


Os trabalhadores reagiram à s suas condiçõ es de vida e de trabalho de diversas
formas; uma das primeiras reaçõ es dos operá rios ingleses foi sabotar e destruir
má quinas, consideradas responsá veis por tirar deles o emprego. Na Inglaterra,
essa destruiçã o foi atribuída a grupos liderados pelo “general Ludd”
(provavelmente o pseudô nimo do operá rio Ned Ludd), daí o nome de ludismo
dado ao movimento de trabalhadores que quebravam má quinas, quando suas
exigências de melhores salá rios e condiçõ es de trabalho nã o eram atendidas. Os
luditas agiam, geralmente, à noite e em pequenos grupos: armados de martelos,
machados e lanças, punham abaixo o portã o das fá bricas e demoliam as má quinas.

Sabotar: a palavra “sabotagem”, derivada do francês sabot (tamanco), está ligada às lutas operá rias.
Revoltado, o operá rio sabotava o trabalho enfiando seu tamanco entre as engrenagens das má quinas e
parando a produção.

O movimento teve início em 1811, na cidade inglesa de Nottingham, e se espalhou


rapidamente pelas regiõ es vizinhas. A repressã o aos luditas foi dura: em 1812, o
Parlamento aprovou a pena de morte para quem destruísse má quinas, e, no ano
seguinte, o governo inglês condenou à forca o também líder George Mellor e mais
de uma dezena de seus companheiros.

Os trabalhadores passaram a reagir por meio de greves e marchas de protesto e a


exigir reduçã o da jornada de trabalho, aboliçã o dos castigos nas fá bricas e aumento
de salá rio. A polícia reprimia as manifestaçõ es operá rias com violência, prendendo
e executando seus líderes.

DIALOGANDO

Em sua opinião, o que teria levado os luditas a quebrarem máquinas?

Segundo o historiador Eric Hobsbawm, a quebra de máquinas era uma tá tica dos luditas para conseguir melhores condiçõ es
de trabalho e impedir a queda dos salá rios.

Pá gina 130

O Parlamento, por sua vez, aprovou leis que proibiam a greve, as associaçõ es
operá rias (trade unions) e as marchas de protesto. Em 1819, na cidade inglesa de
Manchester, uma manifestaçã o de protesto com cerca de 80 mil trabalhadores
terminou em tragédia: 11 deles foram mortos. O episó dio ficou conhecido como
Massacre de Peterloo. Pressionado pelo movimento operá rio, em 1824 o
Parlamento britâ nico reconheceu as trade unions, organizaçõ es de trabalhadores
que promoviam auxílio mú tuo entre os seus associados e que, no fim do século XIX,
passaram a atuar como sindicatos (ó rgã os de defesa da classe trabalhadora).

Nos anos 1830, o operariado continuou promovendo marchas de protesto por


melhores condiçõ es de trabalho, mas passou a lutar também por direitos políticos.
Em 1838, os trabalhadores entregaram ao Parlamento a Carta do Povo, um
manifesto com mais de 1 milhã o de assinaturas no qual exigiam:

» voto secreto e extensivo a todos os homens;

» aboliçã o do voto censitá rio para o Parlamento (do qual até entã o só podiam fazer
parte os ricos);

» pagamento de salá rios aos deputados para que os trabalhadores também


pudessem se candidatar.

A luta pela aprovaçã o da Carta do Povo deu origem a um movimento popular com
grande força em toda a Inglaterra: o cartismo. As exigências dos cartistas foram
recusadas pelo Parlamento, desencadeando ondas de greves, prisõ es e mortes de
líderes operá rios.

Cartismo: os cartistas recolhiam milhares de assinaturas nas oficinas, fá bricas e associaçõ es operá rias e
organizavam numerosas marchas que cortavam as principais cidades do país, entoando cançõ es de protesto.
As petiçõ es cartistas foram enviadas ao Parlamento por diversas vezes, mas, apesar de virem acompanhadas
de milhares de assinaturas, eram rejeitadas.

As lutas operá rias, no entanto, nã o foram em vã o; eis algumas conquistas, parte


das quais se devem aos cartistas:

» 1833 – limitaçã o do trabalho das crianças entre 10 e 13 anos a 48 horas


semanais; entre 13 e 18 anos, a 69 horas semanais.

» 1842 – proibiçã o do trabalho infantil e feminino nas minas.

» 1846 – supressã o dos impostos sobre os cereais importados, como o trigo, que
encareciam o preço do pã o.

» 1847 – estabelecimento da jornada de trabalho de 10 horas diá rias.

» 1878 – limitaçã o do trabalho das mulheres a 60 horas semanais.

» 1919 – estabelecimento da jornada de 8 horas diá rias.


1842. Gravura. Coleçã o particular. Foto: HultonArchive/Illustrated London News/Getty Images

Manifestaçã o na porta de uma fá brica em Salford, Inglaterra, em agosto de 1842. Repare que os
policiais se valem de cassetetes para reprimir os operá rios.

Pá gina 131

ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. (UEL-PR – 2016) Thomas Morus, em sua obra Utopia, criou uma analogia para a sociedade de
sua época. Nessa representaçã o da sociedade, caracterizada pelo caos, ovelhas se alimentavam de
seres humanos, explicitando, dessa forma, um rompimento do equilíbrio social, no século XVIII.
Com base nos conhecimentos sobre as transformaçõ es histó ricas ocorridas nesse período, assinale
a alternativa que apresenta, corretamente, a denominaçã o da fase do sistema produtivo e a naçã o
correspondente nesse processo.

a) Plantations – Alemanha.

b) Dominium – Itá lia.

c) Servidã o – Portugal.

d) Corveia – França.

e) Cercamentos – Inglaterra.

1. Resposta: e.

2. (UFRGS-RS – 2015) Durante o século XVII, a Inglaterra experimentou um período de profundas


e violentas transformaçõ es políticas, desde a eclosã o da Guerra Civil Inglesa (1642-1651) até a
Revoluçã o Gloriosa (1688).
Entre as principais consequências desse processo, podem ser enumeradas

a) a transiçã o do absolutismo para uma monarquia constitucional, e a limitaçã o dos poderes


políticos do monarca.

b) a aboliçã o da propriedade privada e a adoçã o de um sistema de terras comunais em todo o país.

c) a independência das treze colô nias inglesas da América do Norte e a abertura dos portos ingleses
aos navios estrangeiros.

d) a derrota militar das forças reformistas e a consolidaçã o do absolutismo moná rquico nas mã os
de Oliver Cromwell.

e) a aboliçã o do anglicanismo e a afirmaçã o do calvinismo como religiã o oficial da Inglaterra.

2. Resposta: a.

3. (UFMG) Durante a Revoluçã o Inglesa, no século XVII, foi formado o Exército de Novo Tipo,
liderado por Oliver Cromwell, de que participavam, além da classe mercantil, da gentry, dos
pequenos proprietá rios camponeses e de trabalhadores urbanos, segmentos mais radicais, que
defendiam reformas profundas no Estado inglês. É correto afirmar que esses segmentos eram
constituídos:

a) pelos tories, que visavam ao fechamento do Parlamento e à instituiçã o de um governo popular, e


pelos whigs, defensores da aboliçã o da propriedade privada;

b) pelos levellers, que reivindicavam a democratizaçã o, a extensã o do sufrá gio e uma maior
igualdade perante a lei, e pelos diggers, defensores da posse comum das terras;

c) pelos landlords, que buscavam a implantaçã o do sufrá gio universal e a extensã o do voto à s
mulheres, e pelos warlordists, que pregavam a luta armada do povo contra o Parlamento;

d) pelos saint-simonistas, que defendiam o fim do sistema moná rquico, e pelos owenistas,
defensores da aboliçã o da Câ mara dos Lordes.

3. Resposta: b.

4. (UEL-PR) Um fator que contribuiu decisivamente para o processo de industrializaçã o na


Inglaterra do século XVIII foi

a) a acumulaçã o de capital resultante da exploraçã o colonial praticada pela Inglaterra através do


comércio.

b) a concorrência tecnoló gica entre ingleses e americanos, que estimulou o desenvolvimento


econô mico.

c) a expulsã o das tropas napoleô nicas do territó rio inglês, que uniu os interesses nacionais em
torno de um esforço de desenvolvimento.

d) o movimento ludista na Inglaterra com a destruiçã o das má quinas consideradas obsoletas, ao


incentivar a invençã o de novas má quinas.

4. Resposta: a.
Pá gina 132

e) a abertura de mercados na Alemanha e na França para a Inglaterra, por meio de um acordo


comercial conhecido por Pacto de Berlim.

5. (Enem/MEC – 2015)

Dominar a luz implica tanto um avanço tecnoló gico quanto uma certa liberaçã o dos ritmos
cíclicos da natureza, com a passagem das estaçõ es e as alternâ ncias de dia e noite. Com a
iluminaçã o noturna, a escuridã o vai cedendo lugar à claridade, e a percepçã o temporal começa
a se pautar pela marcaçã o do reló gio.

Se a luz invade a noite, perde sentido a separaçã o tradicional entre trabalho e descanso —
todas as partes do dia podem ser aproveitadas produtivamente.

SILVA FILHO, A. L. M. Fortaleza: imagens da cidade. Fortaleza: Museu do Ceará ; Secult-CE, 2001 (adaptado).

Em relaçã o ao mundo do trabalho, a transformaçã o apontada no texto teve como consequência a

a) melhoria da qualidade da produçã o industrial.

b) reduçã o da oferta de emprego nas zonas rurais.

c) permissã o ao trabalhador para controlar seus pró prios horá rios.

d) diminuiçã o das exigências de esforço no trabalho com má quinas.

e) ampliaçã o do período disponível para a jornada de trabalho.

5. Resposta: e.

6. (Enem/MEC) A Revoluçã o Industrial ocorrida no final do século XVIII transformou as relaçõ es


do homem com o trabalho. As má quinas mudaram as formas de trabalhar, e as fá bricas
concentraram-se em regiõ es pró ximas à s matérias-primas e grandes portos, originando vastas
concentraçõ es humanas. Muitos dos operá rios vinham da á rea rural e cumpriam jornadas de
trabalho de 12 a 14 horas, na maioria das vezes em condiçõ es adversas. A legislaçã o trabalhista
surgiu muito lentamente ao longo do século XIX e a diminuiçã o da jornada de trabalho para oito
horas diá rias concretizou-se no início do século XX.

Pode-se afirmar que as conquistas no início do século XX, decorrentes da legislaçã o trabalhista,
estã o relacionadas com

a) a expansã o do capitalismo e a consolidaçã o dos regimes moná rquicos constitucionais.

b) a expressiva diminuiçã o da oferta de mã o de obra, devido à demanda por trabalhadores


especializados.

c) a capacidade de mobilizaçã o dos trabalhadores em defesa dos seus interesses.

d) o crescimento do Estado ao mesmo tempo que diminuía a representaçã o operá ria nos
parlamentos.

e) a vitó ria dos partidos comunistas nas eleiçõ es das principais capitais europeias.
6. Resposta: c.

7. (UECE – 2016) Atente ao seguinte excerto:

De 1815 a 1847, F. Gaillot arrola uma quinzena de casos ocorridos e outros tantos de tentativas
abortadas. O ludismo é mais importante em 1848, quando assume feiçõ es particularmente
graves, à imagem da duraçã o da crise e da esperança despertada pela nova Repú blica.

PERROT, M. Os excluídos da História. Operá rios, mulheres, prisioneiros. Trad. Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988. p. 37.

Sobre o ludismo, é correto afirmar que

a) é um ramo da psicologia voltado para casos extremos de crise política.

b) constituiu um partido político na Inglaterra.

c) foi um movimento operá rio de protesto contra a produçã o industrial.

d) foi uma manifestaçã o de rebeldes franceses a favor da produçã o fabril.

7. Resposta: c.

Pá gina 133

II. Leitura e escrita em História


Leitura e escrita de textos
VOZES DO PASSADO

O texto a seguir foi retirado de um site educacional inglês, contendo depoimentos de pessoas que
trabalharam nas fá bricas inglesas do século XIX desde a infâ ncia. O depoimento a seguir é de John
Birley, nascido em Londres em 1805 e que começou a trabalhar com 6 anos de idade. Leia o que ele
conta.

Matthias Dunn. 1848. Ilustraçã o. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Mulher e menino trabalhando em uma mina de carvã o, em desenho inglês de 1848.


Nosso horá rio normal era das cinco da manhã até as nove ou dez da noite; e aos sá bados, até as
onze, e à s vezes meia-noite, e entã o éramos enviados para limpar o maquiná rio aos domingos.
Nã o havia tempo para o café da manhã , não podíamos sentar para o jantar e nã o tinha tempo
para tomar chá .

Nó s íamos para a mina à s cinco da manhã e trabalhá vamos até quase oito ou nove horas,
quando eles traziam nosso café da manhã, que consistia em mingau com bolo de aveia e
cebolas pra temperar.

O jantar consistia em panqueca cortada em 4 pedaços, separadas em duas pilhas. Uma tinha
manteiga e a outra tinha melado. Ao lado das panquecas havia leite. Nó s tomá vamos o leite e,
com um pedaço de panqueca na mã o, voltá vamos a trabalhar sem sentar.

Nó s entã o trabalhá vamos até nove ou dez da noite, quando a roda d’á gua parava. Quando nó s
pará vamos de trabalhar, éramos levados para a casa dos aprendizes, situada a
aproximadamente 300 metros da mina. Era uma casa grande de alvenaria, cercada por um
muro de dois ou três metros de altura, com uma porta que era mantida trancada. Era capaz de
abrigar cerca de cento e cinquenta aprendizes.

SIMKIN, John. John Birley. Spartacus Educational, set. 1997. Traduçã o do autor. Disponível em: <http://spartacus-
educational.com/IRbirley.htm>. Acesso em: 26 fev. 2016.

a) Qual o assunto principal do texto?

b) O que se pode concluir sobre o trabalho infantil nas fá bricas inglesas do início do século XIX e
está explícito no texto?

c) Por que os empregadores preferiam crianças e mulheres no trabalho fabril?

d) Por que, na Inglaterra do século XIX, os empregadores podiam exigir dos aprendizes longas
jornadas de trabalho?

e) Elabore uma pesquisa sobre o trabalho infantil no Brasil de hoje.

PROFESSOR, VER MANUAL.

Sugestõ es de sites para trabalhar o assunto:

1. <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/06/brasil-e-o-pais-que-mais-reduziu-o-
trabalho-infantil>

2. <http://www.unicef.org/brazil/pt/media_25610.htm>

Pá gina 134

III. Integrando com Biologia


››Fonte 1

A primeira vacina
A primeira vacina foi descoberta pelo médico inglês Edward Jenner, em 1796. Era uma vacina
contra varíola (doença que provoca erupçõ es na pele e deixa cicatrizes). Jenner observou que
as pessoas infectadas com a varíola bovina (cowpox) nã o contraíam a varíola comum
(smallpox) e estudou o assunto por vá rios anos. Em 1796, inoculou com varíola bovina um
menino saudá vel de 8 anos. Algum tempo depois, Jenner expô s o garoto ao contá gio com
varíola comum e ele nã o contraiu a doença: seu organismo havia desenvolvido defesas contra a
varíola. Estava descoberta a primeira vacina. A reaçã o inicial da comunidade médica foi de
indiferença. Dois anos depois, contudo, Jenner divulgou os resultados de sua pesquisa em um
livro e conseguiu reconhecimento no meio científico. A vacina criada por Jenner difundiu-se
rapidamente na Europa e depois no resto do mundo.

››Fonte 2

Médicos alertam para a vacinação de adolescentes

A Sociedade Brasileira de Imunizaçõ es (Sbim) lançou ontem um alerta sobre a importâ ncia da
vacinaçã o de adolescentes [...].

Entre as preocupaçõ es está a hepatite B, transmissível por beijos, relaçõ es sexuais e sangue,
que pode se tornar crô nica, levando a complicaçõ es como a cirrose. A vacina contra a hepatite
B é a primeira a ser dada ao bebê, mas só entrou no Programa Nacional de Imunizaçã o a partir
de 1998. Quem tem mais de 15 anos pode nã o ter recebido as doses necessá rias. “[...]. É preciso
se certificar de que o adolescente tomou as três doses, que garantem a imunidade”, disse o
médico Renato Kfouri, presidente nacional da Sbim.

Kfouri lembra que “[...] é difícil levar o adolescente à sala de vacina. Ele nã o se sente vulnerá vel
à s doenças.” [...] “A preocupaçã o com o adolescente é que ele enfrenta riscos, nã o só pela idade,
mas pelo comportamento. Ele se expõ e mais socialmente, beija mais, tem uma atitude social
que aumenta o contato com vá rias pessoas diferentes e fica mais suscetível”, afirmou Isabella
Ballalai, presidente da regional Rio da Sbim. [...]

THOMÉ , Clarissa. Médicos alertam para a vacinaçã o de adolescentes. O Estado de S. Paulo, Sã o Paulo, 27 jun. 2012.
Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,medicos-alertam-para-a-vacinacao-de-
adolescentes-,892039,0.htm>. Acesso em: 8 mar. 2016.

a) Pesquise e apresente uma definiçã o de varíola.

b) Responda com base na fonte 2: o que explica a preocupaçã o dos médicos com a incidência da
hepatite B entre os adolescentes?

c) Em grupo. Segundo Isabella Ballalai, o adolescente “se expõ e mais socialmente, beija mais [...] e
fica mais suscetível”. Vocês concordam com ela?

d) Em grupo. Apresentem sugestõ es para estimular os adolescentes a se vacinarem.

Pá gina 135

IV. Você cidadão!


O texto a seguir aborda um assunto importante para todos nó s. Leia-o com atençã o.
Um seminá rio realizado em Foz do Iguaçu (PR), nesta semana, reuniu autoridades e
especialistas da América Latina para discutir, entre outras questõ es, como evitar [...] mortes
consideradas crime contra a humanidade.

[...] O crime é justamente esse: o glotocídio. A cada quinze dias morre o ú ltimo falante de uma
das 6 700 línguas faladas atualmente em 193 países. Com ele desaparece para sempre mais
uma língua.

Com o objetivo de criar estratégias para fortalecer as línguas ameaçadas na América Latina, o
Instituto do Patrimô nio Histó rico e Artístico Nacional (Iphan) e o Ministério da Cultura
organizaram [...] um encontro [...] no Seminá rio Ibero-americano da Diversidade Linguística,
que reuniu mais de 400 pessoas comprometidas com a luta pelos direitos linguísticos das
minorias. [...]

Das línguas indígenas apenas 11 têm acima de cinco mil falantes, o que significa que a maioria
corre sério risco de extinçã o. [...]

No seminá rio foi lembrado o drama recente de dois índios. Um deles – Tikuein – ú nico falante
da língua Xetá, vivia na aldeia Sã o Jerô nimo, norte do Paraná , com índios Kaingang e Guarani.
Como estratégia para manter a língua viva, ele falava com o espelho e algumas vezes,
caminhando pela aldeia, com um interlocutor fictício [...].

O outro caso foi registrado em 1978 por Zelito Viana no filme Terra de Índio. Ele gravou dona
Maria Rosa, que vivia no Posto Indígena Icatu (SP) e era ali a ú nica falante da língua Ofaié
Xavante. Quando a fez escutar o que ela mesma havia dito, dona Maria Rosa estabeleceu um
diá logo com o gravador, a quem perguntou por seu pai, por sua mã e e no final se despediu do
aparelho dizendo: “Até logo, agora nã o falo mais porque estou rouca, viu?”.

A extinçã o é um risco permanente para as línguas minoritá rias, principalmente as indígenas,


devido ao reduzido nú mero de falantes e ao uso social restrito. Nã o existe literatura escrita
nessas línguas, nem espaço na mídia. Em cinco séculos, nessas condiçõ es, mais de 1 100
línguas indígenas desapareceram do mapa do Brasil e outras tantas do continente americano,
levando com elas conhecimentos, cantos, rezas, narrativas, poesia, mitos, afetos.

BRASIL perdeu mais de 1100 línguas indígenas em 500 anos. Circuito Mato Grosso. Disponível em:
<http://circuitomt.com.br/editorias/brasil/53754-brasil-perdeu-mais-de-1-100-linguas-indigenas-em-500-
anos.html>. Acesso em: 25 abr. 2016.

Acervo Memorial da Amé rica Latina. Foto: Renato Soares/Pulsar Imagens

Arte plumá ria Karajá , Sã o Paulo (SP), 2008.


a) Em que consiste o glotocídio e como ele é definido no texto?

b) O texto informa que, das línguas indígenas faladas no Brasil, apenas 11 têm acima de 5 mil
falantes; o que isso significa?

c) Quais foram as estratégias usadas por Tikuein e Maria Rosa para manterem suas línguas vivas?
Que avaliaçã o você faz dessas estratégias?

d) E você, considera importante manter vivas as línguas indígenas do Brasil? Por quê?

e) Em dupla. Façam uma pesquisa e tentem descobrir de que forma a tecnologia auxilia na
sobrevivência das línguas indígenas. Postem o resultado da pesquisa no blog da turma.

Pá gina 136

UNIDADE 3 Cidadania: passado


e presente
››Fonte 1

Professor: para o autor da fonte 1 a cidadania envolve direitos civis, políticos e sociais. A intençã o nesta abertura de
unidade é estimular o debate sobre cidadania a fim de preparar o alunado para exercê -la e, ao mesmo tempo, perceber a
historicidade desse conceito. Esse debate inicial pode, por exemplo, ajudar os estudantes a compreenderem o processo que
conduziu a passagem do sú dito a cidadã o durante a Revoluçã o Francesa, tema vertebral dessa unidade.

O texto a seguir foi escrito pelo historiador José Murilo de Carvalho; leia-o com
atençã o.

Direitos garantidos pela lei hoje

Tornou-se costume desdobrar a cidadania em direitos civis, políticos e sociais. O cidadã o pleno
seria aquele que fosse titular dos três direitos. Cidadã os incompletos seriam os que
possuíssem apenas alguns dos direitos. Os que nã o se beneficiassem de nenhum dos direitos
seriam nã o cidadã os. Esclareço os conceitos. Direitos civis sã o os direitos fundamentais à vida,
à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Eles se desdobram na garantia de ir e vir,
de escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, [...] de nã o ser preso a
não ser pela autoridade competente e de acordo com as leis, de nã o ser condenado sem
processo legal regular. [...] Sua pedra de toque é a liberdade individual.

É possível haver direitos civis sem direitos políticos. Estes se referem à participaçã o do
cidadã o no governo da sociedade. Seu exercício é limitado a parcela da populaçã o e con-siste
na capacidade de fazer demonstraçõ es políticas, de organizar partidos, de votar, de ser votado.
Em geral, quando se fala de direitos políticos, é do direito do voto que se está falando. [...] Sem
os direitos civis, sobretudo a liberdade de opiniã o e organizaçã o, os direitos políticos,
sobretudo o voto, podem existir formalmente mas ficam esvaziados de conteú do e servem
antes para justificar governos do que para representar cidadã os. [...]

Finalmente, há os direitos sociais. [...]. Eles incluem o direito à educaçã o, ao trabalho, ao salá rio
justo, à saú de, à aposentadoria. [...] Os direitos sociais permitem à s sociedades politicamente
organizadas reduzir os excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo e garantir um
mínimo de bem-estar para todos. A ideia central em que se baseiam é a da justiça social.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilizaçã o Brasileira, 2008. p. 9-10.

Tasso Marcelo/AE

José Murilo de Carvalho é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, membro da


Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras. Fotografia de 2012.

Pá gina 137

››Fonte 2
Joã o Prudente/Pulsar Imagens

Fonte 2: pessoa com deficiência visual caminhando sobre piso tá til. O piso tá til é diferenciado por
cor e textura e tem a funçã o de orientar pessoas com deficiência visual ou com baixa visã o.
Fotografia de 2015.

››Fonte 3

Adilson B. Liporage/Opçã o Brasil Imagens

Fonte 3: balanço para pessoas com deficiência física, em Petró polis (RJ), 2015.

››Fonte 4
Martin Benrnetti/AFP Photo/Image Forum

Fonte 4: manifestaçã o de professores em frente ao Palá cio Presidencial La Moneda. Santiago, Chile,
2014.

»» Como o autor da fonte 1 define cidadania?

»» A fonte 2 registra o respeito ao direito de acessibilidade. A


fonte 3 documenta o respeito a um direito contido no Estatuto da
Criança e do Adolescente : o direito de brincar, praticar esporte,
divertir-se. A manifestante da fonte 4 está lutando por um direito
social, o direito à educação.

»» Você já viu um cidadão sendo desrespeitado?

»» Alguém já desrespeitou um direito seu?

»» Você já desrespeitou o direito de outra pessoa (xingando


alguém porque torce pelo time adversário, por exemplo)?

Pá gina 138

O Iluminismo e a formação
Capítulo 7

dos Estados Unidos


Professor: a ideia aqui é estimular o aluno a comparar a Wikipé dia, uma invençã o recente, com a enciclopé dia inventada
pelos franceses no sé culo XVIII, acentuando as diferenças entre uma e outra. Consideramos importante destacar que a
Encyclopé die, modelo para quase todas as enciclopé dias posteriores, foi feita por especialistas franceses de diferentes á reas,
buscava organizar e sistematizar conhecimento e, além disso, rendeu um lucro fabuloso aos seus produtores. Já a Wikipé dia
é um empreendimento sem fins lucrativos, tem sido escrita a muitas mã os e vem sendo permanentemente atualizada. Esse
paralelo pode alavancar uma aula dialogada sobre o Iluminismo.
Leia o texto a seguir com atençã o.

Jonny White/Alamy/Latinstock

Robert Schlesinger/dpa/Corbis/Latinstock

Wikipédia

A Wikipédia é uma enciclopédia multilíngue, on-line, livre, colaborativa, ou seja, escrita


internacionalmente por vá rias pessoas comuns de diversas regiõ es do mundo, todas elas
voluntá rias.

[...] Este é o fator que distingue a Wikipédia de todas as outras enciclopédias: qualquer pessoa
com acesso à internet pode modificar qualquer artigo, e cada leitor é potencial colaborador do
projeto. A enciclopédia, sem fins lucrativos, é gerida e operada pela Wikimedia Foundation. Ela
está disponível em 272 idiomas [...].

[...] Desde seu início, a Wikipédia tem aumentado sua popularidade e seu sucesso tem feito
surgir outros projetos irmã os. [...]

WIKIPÉ DIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia>. Acesso em: 22 fev. 2016.

Dica! Vídeo sobre a criação da Wikipédia. [Duração: 7 minutos]. Acesse: <http://tub.im/w6uzb6>.

»» Você já consultou a Wikipédia?

»» Acha interessante que cada leitor seja um colaborador em


potencial?
»» O que você pensa de a Wikipédia não ter fins lucrativos?

»» Reparou que ela é uma enciclopédia com características


singulares?

»» Sabia que o primeiro modelo de enciclopédia (a Encyclopédie)


foi criado pelos franceses do século XVIII?

»» Sabia que as ideias contidas na Encyclopédie inspiraram lutas


pela independência na América?

»» Que diferenças há entre a enciclopédia criada pelos franceses e


a Wikipédia?

Pá gina 139

A Ilustração
O Iluminismo ou Ilustração (palavra mais apropriada segundo os especialistas)
foi um movimento de ideias desenvolvidas nos séculos XVII e XVIII, na Europa
Ocidental, sendo a França o seu principal centro de produçã o e divulgaçã o.

A principal característica do Iluminismo era a crença na razã o humana e no seu


potencial. Para os iluministas, os homens só podiam alcançar o esclarecimento e a
luz por meio da razã o, que deveria ser aplicada a todas as atividades humanas,
destruindo a ignorâ ncia, combatendo os preconceitos e o fanatismo religioso.
Como disse um historiador:

Princípio de toda verdade, autô noma por definiçã o, a razão iluminista se opõ e a tudo que [...]
se oculta sob as denominaçõ es vagas de “autoridade”, “tradiçã o” e “revelaçã o”.

FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. 4. ed. Sã o Paulo: Á tica, 1994. p. 36. (Princípios).
Chassoneris. 1793. Coleçã o particular

Para os iluministas, a gestã o da sociedade também deveria ser submetida ao império da razã o. Note
que nesse baralho comemorativo da Revoluçã o Francesa, em vez do rei de paus, vemos a figura do
filó sofo Rousseau, opositor convicto da monarquia absolutista que ajudou a derrubar.

Progresso, otimismo e ciência


Os iluministas acreditavam que pela razã o a humanidade chegaria ao
conhecimento que, por sua vez, levaria inevitavelmente ao progresso. Essa crença
no progresso constante da humanidade é uma ideia -chave do Iluminismo: com o
tempo, a ignorâ ncia, o obscurantismo e a superstiçã o – frutos da irracionalidade –
iriam ceder lugar ao esclarecimento, à s luzes. Para os iluministas, o triunfo da
humanidade era uma certeza, daí o otimismo que caracteriza o movimento.

Leia as palavras de um historiador sobre o conceito de Iluminismo.

O conceito remonta ao pró prio século XVIII, quando uma série de expressõ es relacionadas à
ideia de luz – em oposiçã o às trevas da ignorâ ncia e da intolerâ ncia – entrou em circulaçã o. [...]
Em 1784, [...], I. Kant (1724-1804) respondeu à indagaçã o de um perió dico berlinense sobre o
significado do termo [...]“ilustraçã o”. Esta consistiria num processo de esclarecimento,
representado pela “saída do homem de sua menoridade”, graças ao uso de seu pró prio
entendimento. Em sintonia com a crença otimista da época, Kant entendia, assim, as Luzes
como um movimento da humanidade em direçã o a um futuro melhor que buscava uma
liberdade de pensamento que viabilizasse, pelo “uso pú blico da razã o”, o aprimoramento dos
negó cios pú blicos, até entã o conduzidos no círculo fechado das Cortes.

NEVES, Guilherme Pereira. Iluminismo. In: VAINFAS, Ronaldo (Org.). Dicionário do Brasil Colonial. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2000. p. 296.
Escola alemã . Sé c. XIX. Ó leo sobre tela. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Retrato de Immanuel Kant (1724-1804).

Pá gina 140

Os iluministas acreditavam também que o mundo era regido por leis naturais.
Conhecer essas leis era sinal de progresso; daí o ardor com que se dedicaram à
ciência, o que resultou em importantes descobertas científicas como as realizadas à
época por Lavoisier. Por fim, é importante lembrar que o Iluminismo foi também
uma reaçã o ao Antigo Regime: monarquias absolutistas em que o rei, a nobreza e
o clero acumulavam poder e privilégio. Os iluministas opunham-se ao
absolutismo, aos privilégios da nobreza e do clero, à intolerâ ncia religiosa e à falta
de liberdade de expressã o.

Lavoisier: Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), cientista francês, personagem mais importante no
desenvolvimento da química enquanto ciência e autor do livro Elementos de química, publicado em 1789.

Privilégio: no Antigo Regime, a palavra privilégio nã o possuía o sentido que tem hoje, de vantagem
conseguida sem esforço ou ilegalmente. No Antigo Regime, privilégio era o direito legítimo – concedido ou
comprado – de usufruir de um territó rio, um cargo pú blico ou uma pensã o, que conferia ao seu possuidor
poder, prestígio e riqueza.

Pensadores iluministas
Os iluministas ocuparam-se de vá rias á reas do conhecimento: ciência, técnica,
filosofia, literatura, entre outras.

Voltaire e a liberdade de pensamento


Um representante de peso da primeira geraçã o iluminista foi o francês François
Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire (1694-1778), e considerado por
muitos como o maior propagandista do novo ideá rio. Esse filó sofo engajou-se nos
debates políticos do seu tempo, esgrimindo contra a Igreja Cató lica e o Antigo
Regime. Conhecido por seu anticlericalismo, Voltaire condenava por meio de
sá tiras, anedotas e ensaios o fanatismo, o preconceito religioso e a infalibilidade do
papa. Ele encerrava seus ataques à Igreja com a frase: “Esmagai a infame”. Mas,
apesar de tecer duras críticas a essa instituiçã o, ele, assim como a maioria dos
iluministas, acreditava na existência de Deus, visto como Ser Supremo, arquiteto
ou relojoeiro do Universo.

Por seus escritos, Voltaire chegou a ser preso duas vezes. Para evitar uma nova
prisã o, refugiou-se na Inglaterra. Durante seu exílio escreveu a obra Cartas
inglesas, na qual fazia apologia da monarquia constitucional inglesa e do
liberalismo político defendido por John Locke. Voltaire também foi um defensor
incansá vel da liberdade de pensamento e de expressã o. É atribuída a ele a frase:
“Posso nã o concordar com nenhuma palavra que você disse, mas defenderei até a
morte o seu direito de dizê-las”.

Dica! Vídeo com crítica de Voltaire ao fanatismo religioso. [Duração: 3 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/vvkm4x>.

François Bouchot. Sé c. XIX. Gravura colorida. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Gravura de François Bouchot (1800-1842) representando Voltaire preso na Bastilha (prisã o usada
pelos monarcas absolutistas franceses para castigar quem, de alguma forma, opunha-se ao Antigo
Regime).

Pá gina 141

Montesquieu e a teoria dos três poderes


Outro importante pensador do século XVIII foi o jurista Charles Louis de Secondat,
Barã o de Montesquieu (1689-1755), autor de O espírito das leis, obra monumental
composta de muitos livros e publicada pela primeira vez em 1748.

Escola inglesa. Sé c. XIX. Gravura. Coleçã o particular

Perfil de Montesquieu em gravura do século XIX.

Uma ideia importante dessa obra é a de que as leis mantêm estreitas relaçõ es com
a histó ria e a realidade do povo submetido a elas. Assim, para Montesquieu, nã o há
leis justas ou injustas, mas leis adequadas ou nã o a um determinado povo, tempo e
lugar.

Montesquieu dizia que todo indivíduo que detém o poder tende a abusar dele;
portanto, tudo estaria perdido se o mesmo indivíduo exercesse o poder de fazer
leis, executar e julgar. Por isso, eram necessá rias a separaçã o e a distinçã o dos
poderes. Leia o que o pró prio Montesquieu diz sobre o assunto.

A liberdade política [...] é esta tranquilidade de espírito que provém da opiniã o que cada um
tem sobre a sua segurança; e para que se tenha esta liberdade é preciso que o governo seja tal
que um cidadã o nã o possa temer outro cidadã o.

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está


reunido ao poder executivo, nã o existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca
ou o mesmo senado crie leis tirâ nicas para executá -las tiranicamente. Tampouco existe
liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se
estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadã os seria
arbitrá rio, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter
a força de um opressor.

Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou
do povo exercesse os três poderes [...].

MONTESQUIEU. O espírito das leis. Sã o Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 168.

Inspirados em suas ideias, os estadunidenses Alexander Hamilton (1755-1804) e


James Madison (1751-1836) formularam a teoria da divisã o dos poderes em três:
Executivo (para administrar o país e executar as leis), Legislativo (para elaborar
e aprovar as leis) e Judiciário (para fiscalizar o cumprimento das leis e julgar os
conflitos).

Segundo essa teoria, os três poderes só funcionariam adequadamente se fossem


autô nomos (nã o interferissem na esfera um do outro) e harmô nicos (agissem em
comum acordo). Só mediante esse compromisso de respeito mú tuo se alcançaria o
ideal da moderaçã o.

Rousseau e a vontade geral


Por sua originalidade e atualidade, o pensamento do suíço Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778), filó sofo, escritor e compositor musical, continua a ser muito
estudado e a despertar debates acalorados em todo o mundo. Em sua obra Emílio
ou Da Educação, ele reflete sobre diversos temas a partir da educaçã o de um garoto
por seu tutor.

Pá gina 142

Nessa obra, Rousseau inova ao ver a criança como um ser singular e nã o como um
adulto em miniatura, como até entã o ela era vista. Sua premissa filosó fica é a de
que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe. Essa ideia está resumida em
uma frase do personagem Emílio: “Tudo é certo em saindo das mã os do Autor das
coisas, tudo degenera nas mã os do homem”. Com base nessa premissa Rousseau se
coloca contra as rotinas tradicionais destinadas as crianças de sua época, e em prol
da felicidade e das necessidades delas. Emílio é uma obra ao mesmo tempo
filosó fica e pedagó gica que, ao ser lida ao longo do tempo, influenciou fortemente
prá ticas e reflexõ es no campo da pedagogia.

Escola francesa. Sé c. XVIII. Ilustraçã o. Bibliotheque Nationale, Paris. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Ilustraçõ es da obra Emílio, uma novela pedagó gica de Jean-Jacques Rousseau.

Em seu livro Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os


homens, Rousseau afirma que a infelicidade humana tem sua origem na
propriedade privada, que teria arrancado o indivíduo de sua condiçã o natural (a
vida em harmonia com a natureza) e destruído a igualdade entre os homens.
Em seu clá ssico O contrato social, Rousseau diz que, ao se verem ameaçados, os
homens concordaram em se organizar politicamente, estabelecendo um contrato
social entre eles, que uniu cada um aos demais. Por esse contrato, ficava
estabelecido que a vontade geral é soberana, ou seja, só o povo é soberano; o
governo é apenas delegado, comissá rio do povo. Sendo o ú nico detentor da
soberania, o povo pode estabelecer e destituir o governo quando julgar necessá rio;
pode limitar, modificar ou retomar o poder quando lhe aprouver.

Vontade geral: para Rousseau, a vontade geral era a integraçã o, e nã o a simples soma das vontades
individuais.

As ideias de Rousseau influenciaram movimentos revolucioná rios, tanto na Europa


como em outros continentes. No continente americano, seu pensamento insuflou,
entre outros, o movimento de independência das Treze Colô nias, na América do
Norte, e a Conjuraçã o Baiana, no Brasil. 1 e 2

1. Dica! Vídeo sobre a vida e a obra de Rousseau. [Duração: 9 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/6be2hu>.

2. Dica! Vídeo sobre as ideias de Rousseau e sua influência na história do Brasil. [Duração: 11
minutos]. Acesse: <http://tub.im/3bg6go>.

A Enciclopédia
Quando se fala em Iluminismo, nos vem à cabeça imediatamente a Enciclopédia,
obra composta de 35 volumes e 2 885 ilustraçõ es, organizada pelo filó sofo Denis
Diderot (1713-1784) e pelo matemá tico Jean D’Alembert (1717-1783).

Pá gina 143

Em 1751, quando essa obra começou a ser publicada na França, foi considerada
perigosa e chegou a ser proibida e retirada de circulaçã o.

A Enciclopédia – cujos verbetes foram escritos por filó sofos (como Voltaire e
Rousseau), cientistas, artistas, médicos, teó logos e, também, por técnicos – foi
concebida e elaborada para ser uma síntese do saber acumulado e, ao mesmo
tempo, um poderoso instrumento de sua divulgaçã o. Embora na época o nú mero
de leitores fosse proporcionalmente muito menor do que o de hoje, a obra foi um
sucesso de vendas. Conforme pesquisa de um historiador atual:

[...] os editores conseguiram uma fortuna. Com um investimento inicial de 70 mil libras, o lucro
pode ter chegado a 2,5 milhõ es de libras.

DARNTON, Robert. O Iluminismo como negócio: histó ria da publicaçã o da “Enciclopédia”, 1775-1800. Trad. Laura
Teixeira e Má rcia Lucia Machado. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 25.

Dica! Animação sobre o século das luzes na Europa dos séculos XVIII e XIX. [Duração: 25
minutos]. Acesse: <http://tub.im/dgkhcz>.
Escola inglesa. Sé c. XVIII. Desenho. Cabinet Des Arts Graphiques, Paris. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Desenho do século XVIII representando o interior do Café Procope em Paris, ponto de encontro de
intelectuais e artistas. As ideias iluministas foram divulgadas também entre os populares, nas ruas,
nas praças e nos cafés, e nã o apenas nos salõ es dos nobres ou nas residências de burgueses
enriquecidos.

Iluminismo e economia
A revoluçã o intelectual iluminista nã o se restringiu a criticar o absolutismo
moná rquico: atacou também sua política econô mica, o mercantilismo. Seus ataques
se voltaram, sobretudo, para a principal característica do mercantilismo: a
intervençã o do Estado na economia.

Os primeiros a criticarem o mercantilismo foram os fisiocratas franceses. A palavra


“fisiocracia” – de origem grega, composta de duas outras: physis (natureza) e
kratos (riqueza/poder) – pode ser traduzida por “poder da natureza”. Para os
fisiocratas, a ú nica fonte de toda riqueza era a terra e a agricultura era a principal
atividade econô mica. Já a manufatura e o comércio nã o faziam mais que
transformar e trocar as riquezas oriundas da terra; eram, portanto, atividades
secundá rias.

O principal representante da fisiocracia, o economista François Quesnay (1694-


1774), compara o organismo econô mico ao corpo humano, afirmando que ambos
sã o regidos por leis naturais e que a agricultura é o coraçã o da economia. Para esse
autor, a lei mais importante do organismo econô mico é a “lei da oferta e da
procura”: quando a oferta é maior que a procura, o preço tende a baixar; quando
ocorre o oposto, tende a subir. Assim, para ele, se o Estado interviesse na
economia, estaria contrariando as “leis naturais”. Para Quesnay, o Estado deveria
restringir-se a incentivar o progresso e eliminar as regulamentaçõ es
mercantilistas.
Os fisiocratas criaram uma frase que resume seu pensamento: “laissez-faire,
laissez-passer, le monde va de lui-même” (deixai fazer, deixai passar, que o mundo
caminha por si mesmo).

Pá gina 144

Adam Smith e o liberalismo econômico


Os fundamentos do liberalismo na economia foram lançados pelo escocês Adam
Smith (1723-1790), considerado por muitos como o fundador da ciência
econô mica.

Em sua obra A riqueza das nações (1776), A. Smith fez uma descoberta científica,
uma espécie de ovo de Colombo, qual seja, a de que somente o trabalho cria
riqueza (e nã o o comércio, como acreditavam erroneamente os mercantilistas; ou a
agricultura, como pensavam os fisiocratas).

Para Smith, o valor do trabalho seria determinado pela lei da oferta e da procura.
Essa e outras leis do mercado garantiriam a evoluçã o “natural” e saudá vel da
economia, ou seja, a “mã o invisível” do mercado conduziria ao progresso
econô mico sem que fosse necessá ria a “mã o pesada” do Estado. Adam Smith
opunha-se, portanto, à intervençã o do Estado e de grupos monopolistas na
economia e defendia a livre concorrência e o livre-comércio entre as naçõ es. Se
todas as naçõ es comerciassem entre si, dizia ele, todas elas sairiam lucrando, pois
cada uma produziria somente aquilo que conseguisse fazer melhor. As naçõ es com
perfil mais agrícola se dedicariam à agricultura, e as mais industrializadas se
especializariam na indú stria.

A nã o intervençã o do Estado e a livre concorrência entre indivíduos, empresas e


naçõ es constituem os dois postulados bá sicos do liberalismo econô mico. Seus
principais defensores – além do pró prio Adam Smith – foram Thomas Robert
Malthus (1766-1834), David Ricardo (1772-1823) e Stuart Mill (1806-1873),
representantes da chamada escola clá ssica da economia. 1 e 2

1. Dica! Vídeo sobre a vida e a obra de Adam Smith. [Duração: 6 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/2h6gzy>.

2. Dica! Vídeo sobre o liberalismo de Adam Smith e o socialismo de Karl Marx. [Duração: 20
minutos]. Acesse: <http://tub.im/7fufsq>.
Escola inglesa. Sé c. XVIII. Gravura. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Gravura de Adam Smith no livro Os maiores benfeitores da humanidade, de Samuel Adams Drake,
século XIX.

O despotismo esclarecido
As ideias iluministas foram aplicadas por alguns monarcas absolutistas como
estratégia de governo. Esses monarcas “esclarecidos” pretendiam
modernizar/reformar e enriquecer seus domínios e ampliar seu poder, prestígio e
fama. O tipo de governo adotado por eles foi chamado pelos historiadores do
século XIX de despotismo esclarecido. Em todos os lugares da Europa onde a
experiência foi bem sucedida, isso foi possível porque tais reformas nã o puseram
em risco a sobrevivência do Antigo Regime. É de se notar que, na Europa, só nã o
houve despotismo esclarecido na Inglaterra e na França. Na Inglaterra, porque lá já
nã o existia o absolutismo; e, na França, porque se as reformas tivessem sido
efetivadas, elas teriam correspondido, pela situaçã o do país, a uma revoluçã o, a
uma superaçã o do Antigo Regime.

Pá gina 145

Frederico II, da Prú ssia (1712-1786), foi o déspota esclarecido de maior prestígio
na época. Conhecido como Frederico, o Grande, ele era chamado de rei-filó sofo,
pois deixou escritos filosó ficos respeitados pelos intelectuais de seu tempo, a
exemplo de Voltaire e outros. Além disso, Frederico II aboliu as torturas aplicadas
aos presos em seu país, criou escolas de ensino fundamental, incentivou as letras,
as artes e as ciências, empreendeu a modernizaçã o de vá rias regiõ es da Prú ssia e
dirigiu pessoalmente a reforma de Berlim, capital do país na época.
C. Roechling. 1731. Ilustraçã o. Foto: ullstein bild via Getty Images

A imagem de 1731 representa o Rei Frederico II da Prú ssia inspecionando, com seu secretá rio, os
domínios reais, no interior da Prú ssia.

José II, da Á ustria (1741-1790), sensível à s ideias iluministas, adotou a tolerâ ncia
religiosa e implementou reformas visando à modernizaçã o de seu país. As
reformas empreendidas por ele mantiveram intocados, no entanto, o militarismo e
a servidã o.

Catarina II, da Rú ssia (1729-1796), leitora voraz dos enciclopedistas, também


atuou como agente modernizador de seu país: mandou construir escolas, fundou
hospitais, dirigiu a reforma da capital (Sã o Petersburgo) e combateu a corrupçã o
nos meios civis e religiosos. Além disso, incentivou a construçã o de um gigantesco
parque industrial metalú rgico que beneficiava ferro e cobre, extraídos das minas
situadas nos montes Urais.

Marquês de Pombal (1699-1782), ministro do rei Dom José I (1714-1777), foi o


representante do despotismo esclarecido em Portugal. Valendo-se de seu enorme
poder, decretou a emancipaçã o dos indígenas na América portuguesa; em Portugal,
decretou a aboliçã o da escravidã o africana e a fundaçã o da Imprensa Régia.
Alegando razõ es de Estado, o marquês ordenou a expulsã o dos jesuítas de Portugal
e de suas colô nias, em 1759, e confiscou seu vasto patrimô nio. Com a expulsã o dos
jesuítas, a frá gil organizaçã o do ensino no Império Português ficou seriamente
prejudicada, e, nos 11 anos seguintes, a educaçã o ressentiu-se da falta de recursos
e de profissionais especializados.

Diante disso, em 1770, Pombal propô s um novo estatuto para a Universidade de


Coimbra. Afinado com as ideias iluministas, promoveu a valorizaçã o das ciências
naturais, a adoçã o do método experimental no curso de medicina e a criaçã o das
faculdades de filosofia e matemá tica. O governo pombalino abriu também 837
vagas para o cargo de mestre-régio em Portugal e seus domínios, cabendo ao Brasil
apenas 44 delas. Esses professores eram pagos pelo Estado com os recursos
oriundos de um novo imposto criado especialmente para este fim: o subsídio
literá rio.

Dica! Documentário português sobre a vida do Marquês de Pombal. [Duração: 59 minutos].


Acesse: <http://tub.im/3j2794>.
A obra modernizadora de Marquês de Pombal imprimiu novos rumos à cultura no
Império Português, mas manteve praticamente intocados a política tributá ria e os
privilégios vigentes em Portugal sob o Antigo Regime.

Os ideais iluministas foram aplicados efetivamente, pela primeira vez, nas Treze
Colô nias da América do Norte.

Pá gina 146

As relações entre a Inglaterra e as Treze


Colônias da América do Norte
Como vimos anteriormente, desde o início da colonizaçã o, os habitantes das Treze
Colô nias da América do Norte desenvolveram sentimentos de autonomia em
relaçã o à metró pole e há bitos de autogoverno. A Inglaterra, por sua vez, adotou
durante muito tempo a política de negligência salutar, isto é, de nã o interferência
nos assuntos internos das Treze Colô nias. A partir da segunda metade do século
XVIII, no entanto, o governo inglês mudou sua política colonial, passando a oprimir
suas colô nias. Entre os fatores que contribuíram para essa mudança de atitude,
cabe destacar:

» a concorrência que os produtos norte-americanos faziam aos ingleses no


mercado externo;

» as guerras em que a Inglaterra se envolveu. Uma delas foi a Guerra Franco-


Índia, iniciada em 1754, quando os colonos norte-americanos invadiram as terras
indígenas situadas além dos Montes Apalaches provocando a reaçã o dos franceses
que lá viviam e dos indígenas aliados a eles. Outra foi a Guerra dos Sete Anos
(1756-1763), a mais importante do século XVIII, um conflito armado entre a
França e a Inglaterra e seus respectivos aliados na Europa e na América. A
Inglaterra venceu essas duas guerras travadas na Europa e na América, mas saiu
delas abalada financeiramente. A França, por sua vez, foi derrotada e teve de
entregar para a Inglaterra uma parte de suas possessõ es no Canadá , nas Antilhas e
na Índia. Observe o mapa a seguir.

A América do Norte após a Guerra dos Sete Anos (século XVIII)


Allmaps

Fonte: VIDAL-NAQUET, Pierre; BERTIN, Jacques. Atlas histórico. Lisboa: Círculo do Livro, 1990. p. 208.

Na Guerra Franco-Índia e na Guerra dos Sete Anos, os habitantes das Treze Colô nias ganharam
experiência na formaçã o de unidades militares e no combate armado, elementos importantes nas
lutas travadas contra a metró pole inglesa.

Para recuperar-se das enormes despesas com as guerras em que havia se


envolvido, a Inglaterra baixou uma série de novas leis desfavorá veis aos colonos:

Pá gina 147

»» Lei do Açúcar (1764) – Elevava os impostos sobre o açú car e derivados da


cana, artigos de luxo, vinho e café importados pelos colonos; além disso,
estabelecia que os colonos só poderiam comprar o melaço das Antilhas inglesas e
nã o de quem tivesse o preço mais atraente. Os colonos protestaram, mas nã o
foram ouvidos.

»» Lei do Selo (1765) – Determinava que todos os contratos, jornais, cartas e


documentos pú blicos deviam receber um selo real; o dinheiro arrecadado com a
venda dos selos destinava-se à Coroa inglesa. Os colonos reagiram a essa lei
invadindo agências postais, queimando selos e boicotando produtos ingleses.
Inspirados nas ideias iluministas, iniciaram um movimento com o lema “No
taxation without representation” (Sem representaçã o nã o pode haver tributaçã o).
Os colonos negavam-se a pagar os impostos votados por um Parlamento (no caso,
o britâ nico) no qual nã o tinham representantes. A Inglaterra recuou, mas no ano
seguinte aumentou os impostos sobre o vidro, o papel, os corantes e o chá que os
colonos importavam.
»» Lei do Chá (1773) – O governo inglês adotou outra medida mercantilista:
concedeu à Companhia das Índias Orientais o monopó lio da venda do chá para as
Treze Colô nias. A reaçã o foi imediata: 150 colonos disfarçados de indíos invadiram
três navios ingleses no porto de Boston e atiraram o chá ao mar. Esse episó dio
importante no processo de lutas pela independência ficou conhecido como Festa
do Chá em Boston (Boston Tea Party). Os colonos justificaram sua açã o dizendo
que os impostos sobre o chá e o monopó lio violavam o direito que tinham de
serem taxados apenas por representantes eleitos por eles.

Currier e Ives. C. 1846. Ilustraçã o. Yale University Art Gallery. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

A Festa do Chá em Boston, de N. Currier e J. M. Ives, 1846. Essa é uma das versõ es da ilustraçã o
produzida na epó ca por Sarony and Major. O porto de Boston estava situado em Massachusetts e
era o mais movimentado das Treze Colô nias.

Pá gina 148

» Leis Intoleráveis (1774) – O governo inglês respondeu com vá rias leis que os
norte-americanos chamaram de “intolerá veis”. Uma delas interditava o porto de
Boston até que fosse pago o prejuízo causado pelo derramamento do chá ; outra
determinava a ocupaçã o de Massachusetts pelo exército inglês e restringia o
direito de reuniã o; outra, ainda, determinava que todo ato de rebeldia contra a
Inglaterra seria julgado por tribunais ingleses.

Revoltados contra a política fiscal inglesa, alguns colonos lançaram bolas de neve
contra um quartel inglês. Assustados, os soldados reagiram matando quatro
manifestantes. Esse episó dio, conhecido como Massacre de Boston, foi
amplamente utilizado pela propaganda a favor da independência. 1

1. Dica! Vídeo sobre o processo de independência das Treze Colônias. [Duração: 43 minutos].
Acesse: <http://tub.im/g4qr6a>.
O movimento de independência

Litogravura. Escola inglesa. Sé c. XVIII. Coleçã o particular. The Bridgeman Art Library/Keystone

Observando a imagem, percebe-se que a coroa, símbolo da monarquia, está no chã o. E se nota
também que o pé esquerdo de Paine está prestes a pisá -la, numa clara afronta à monarquia inglesa
que, à época, oprimia as Treze Colô nias.

As “leis intolerá veis” estimularam nos colonos um forte sentimento antimetró pole.
Foram criadas vá rias sociedades secretas, com destaque para a “Filhos da
Liberdade”, que uniu os colonos em torno da ideia de independência. Intelectuais e
ativistas, adeptos das ideias liberais e iluministas, como Thomas Jefferson, Samuel
Adams e Benjamin Franklin, assumiram a liderança do movimento.

Nesse contexto, os colonos organizaram o Primeiro Congresso Continental da


Filadélfia (1774). Repre sentantes de quase todas as colô nias (exceto a da
Geó rgia) elaboraram uma petiçã o dirigida ao rei protestando contra as medidas
adotadas pela Inglaterra nas Treze Colô nias. Naquele momento ainda nã o havia
consenso quanto à separaçã o. A resposta da Inglaterra foi ordenar a destruiçã o de
um depó sito de armas dos colonos. Os colonos reagiram à metró pole e teve início,
assim, a Batalha de Lexington e a de Concord (1775), as primeiras da guerra pela
independência. Nesse clima de hostilidades crescentes, representantes de todas as
colô nias se reuniram no Segundo Congresso Continental da Filadélfia (1775 a
1781).

No meio-tempo um folheto denominado Senso comum, de autoria de Thomas


Paine, espalhou-se rapidamente pelas Treze Colô nias e foi um poderoso
instrumento de propaganda da ideia de independência. 2 e 3

2. Dica! Vídeo em espanhol sobre a Declaração de Independência. [Duração: 4 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/fbvv6w>.
3. Dica! Documentário sobre a revolução americana e suas influências. [Duração: 46 minutos].
Acesse: <http://tub.im/ydd8a6>.

Pá gina 149

Para refletir
O trecho a seguir foi retirado do panfleto de Paine. Curiosamente ele era inglês de
nascimento; e, apesar de ter chegado aos Estados Unidos somente aos 37 anos de
idade, resumiu com muita propriedade o sentimento de revolta crescente dos
colonos norte-americanos contra a Inglaterra. Com 50 pá ginas de texto, seu
panfleto chegou à s livrarias em 10 de janeiro de 1776 e logo fez um enorme
sucesso. Leia o trecho a seguir com atençã o.

A Inglaterra é, apesar de tudo, a pá tria-mã e, dizem alguns. Sendo assim, mais vergonhosa
resulta sua conduta, porque nem sequer os animais devoram suas crias nem fazem os
selvagens guerra a suas famílias; de modo que esse fato volta-se ainda mais para a condenaçã o
da Inglaterra.

[...]

A Europa está separada em muitos reinos para que possa viver muito tempo em paz, e onde
quer que estoure uma guerra entre a Inglaterra e qualquer potência estrangeira, o comércio da
colô nia sofre ruínas, por causa de sua conexã o com a Grã -Bretanha... Tudo o que é justo ou
razoá vel advoga em favor da separaçã o. O sangue dos que caíram e a voz chorosa da natureza
exclamam: Já é hora de separar-nos! Inclusive a distâ ncia que o Todo-Poderoso colocou entre a
Inglaterra e as colô nias constitui uma prova firme e natural de que a autoridade daquela sobre
estas nunca entrou nos desígnios do Céu...

PAINE, Thomas. In: KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. Sã o Paulo: Contexto,
1999. p. 85.

a) Como Paine descreve a Inglaterra em seu texto?

a) Diz que apesar de ser a pá tria-mã e adota uma conduta vergonhosa com relaçã o a seus filhos.

b) Interprete. A quem Thomas Paine está se referindo quando diz “Nem fazem os
selvagens, guerra a suas famílias”?

b) Ele se refere aos povos indígenas da Amé rica do Norte. Professor: comentar que o uso do termo selvagens desvela a
visã o que os europeus daquela é poca tinham dos ameríndios.

c) Que argumentos Thomas Paine utiliza em defesa da separaçã o entre as Treze


Colô nias e a Inglaterra?

c) Argumento 1: o fato de que qualquer guerra em que a Inglaterra se envolvesse prejudicava as Treze Colô nias. Argumento
2: a distâ ncia geográ fica que o Todo-Poderoso colocou entre a Inglaterra e as Treze Colô nias. [Note que o panfleto de
Thomas Paine mistura elementos de racionalismo iluminista com argumentos de vié s religioso.]
d) Reflitam e opinem: qual foi o peso do argumento religioso no sucesso do
panfleto de Paine? Justifique.

d) O argumento religioso foi decisivo para o sucesso do panfleto, pois os habitantes das Treze Colô nias eram em sua maioria
puritanos e tinham grande apego à Bíblia e à ideia de que todo cristã o deve obediê ncia aos “desígnios do cé u”; à vontade do
Senhor.

O Segundo Congresso acabou optando pela separaçã o. O comando das tropas foi
entregue a George Washington, um rico fazendeiro do Sul. Uma comissã o redigiu
a Declaração de Independência, publicada em 4 de julho de 1776; seu principal
autor foi Thomas Jefferson. O texto da Declaraçã o defendia a resistência à tirania,
o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade.

Pá gina 150

Voronina Svetlana/Shutterstock/Glow Images

Andy Dean Photography/Shutterstock/Glow Images

A tradiçã o política estadunidense elegeu alguns homens como “pais da pátria”, fundadores da
Naçã o, os grandes responsá veis pelo que os Estados Unidos sã o hoje. Eles foram representados das
mais diversas formas em está tuas, pinturas, ilustraçõ es, gibis, e figuram, inclusive, nas notas de
dó lar, a exemplo das que trazem a imagem de Thomas Jefferson, à esquerda, e de Benjamin
Franklin, à direita.

A guerra pela independência


Legalmente, a independência estava proclamada, mas, para conquistá -la, os
“patriotas” tiveram de travar uma guerra difícil (1775-1781) contra os “casacas
vermelhas” – como eram chamados os soldados ingleses.

A vitó ria dos colonos na Batalha de Saratoga (1777) atraiu o apoio da França e da
Espanha, rivais da Inglaterra, que passaram a auxiliá -los com dinheiro, soldados e
navios. Animados pela ajuda externa, os colonos redobraram os esforços e
venceram a Batalha de Yorktown (1781), decisiva para o desfecho da guerra.

Em 1783, pelo Tratado de Paris (ou de Versalhes), a Inglaterra reconheceu a


independência das Treze Colô nias, a primeira ocorrida no continente americano.
Nascia assim um novo país: os Estados Unidos da América.
Dica! Documentário sobre os principais eventos e personagens das guerras da independência
norte-americana. [Duração: 25 minutos]. Acesse: <http://tub.im/z858q6>.

Os primeiros anos dos Estados Unidos


Os primeiros tempos dos Estados Unidos foram difíceis. Os constituintes
encontravam-se divididos: alguns, como Thomas Jefferson, defendiam maior
autonomia para os estados; outros, como George Washington, eram favorá veis a
um governo central forte.

A Constituição – em vigor até hoje – foi concluída em 1787 e declarou o país uma
Repú blica presidencialista e federalista. O federalismo é um conceito-chave dessa
Constituiçã o: cada estado passou a ter autonomia para criar leis pró prias,
organizar forças militares e até mesmo pedir empréstimos no exterior. Ao governo
federal, cabia a responsabilidade pela política externa, pela defesa e pelo comércio
exterior.

Seguindo o modelo proposto por Alexander Hamilton e James Madison, os


estadunidenses adotaram a divisã o dos poderes em Executivo, Legislativo e
Judiciá rio, que deveriam ser autô nomos e harmô nicos. Madison e Hamilton

Pá gina 151

pensavam a divisã o entre os três poderes tendo por base uma sociedade
constituída por cidadã os juridicamente iguais.

»» Poder Executivo – exercido pelo presidente da Repú blica, eleito


indiretamente; os eleitores de cada estado escolhem seus delegados, que, por sua
vez, elegem o presidente da Repú blica.

»» Poder Legislativo – exercido pelo Congresso, composto da Câ mara dos


Representantes e do Senado. Para que os atos do Legislativo se transformem em
lei, é necessá ria a assinatura do presidente, que possui poder de veto. Este, por sua
vez, precisa da aprovaçã o do Congresso para o direcionamento da verba federal e
também para a nomeaçã o de altos funcioná rios, como secretá rios de Estado e
embaixadores.

»» Poder Judiciário – no â mbito federal é exercido pela Suprema Corte,


encarregada de garantir o cumprimento das leis.

Com o apoio da maioria dos estados, George Washington foi eleito presidente, o
primeiro dos Estados Unidos da América.

DIALOGANDO

Observe a imagem com atenção:


Howard Chandler. Poster. Coleçã o particular. Foto: wim Ink 2, LLC/Corbis/Latinstock

Cartaz de 1926 alusivo à independência das Treze Colô nias da América do Norte.

a) Quem ou o quê essa mulher representa?

a) Essa mulher representa a constituiçã o dos Estados Unidos.

b) O personagem sentado e com a pena na mã o é o principal autor da constituiçã o dos Estados


Unidos. Quem é ele?

b) Ele é Thomas Jefferson.

c) O que está escrito na fita que envolve a figura feminina?

c) “Nó s, o povo”.

d) Logo no início da Constituiçã o estadunidense lê-se: “Nó s, o povo dos Estados Unidos”. A palavra
“povo” refere-se a todos os estadunidenses daquela época?

d) Nã o; na prá tica, a expressã o “Nó s, o povo dos Estados Unidos...” refere-se apenas aos homens adultos e brancos, que
possuíssem certa renda (da terra ou de investimentos). A maioria do povo teria de lutar muito tempo ainda para conquistar
a cidadania plena.

Repercussões da independência
A independência estadunidense abalou o prestígio do rei na Inglaterra e provou
ser possível fazer valer a soberania popular. Provou também ser possível romper o
elo entre governantes e governados quando os primeiros nã o garantissem aos
segundos seus direitos fundamentais. Para as colô nias da América espanhola e
portuguesa, os Estados Unidos serviriam de inspiraçã o e exemplo de sucesso de
luta pela independência. Essa conquista também repercutiu na França

Pá gina 152
absolutista. Os soldados franceses que haviam lutado na América contra a opressã o
moná rquica voltaram para seu país com ideias republicanas de liberdade e
ajudaram a fazer a Revoluçã o Francesa.

No entanto, a independência, seguida da Constituiçã o, nã o permitiu o acesso à


cidadania a todos os estadunidenses.

Inicialmente, o grupo efetivamente beneficiado com a cidadania foi aquele que


possuía certa renda (da terra ou de investimentos) e que dirigiu o movimento pela
independência. Esse grupo, conhecido como wasp (abreviatura de branco, anglo-
saxã o, protestante) era constituído de fazendeiros e comerciantes e passou a ter o
controle político do país.

Para os povos indígenas, a independência traria prejuízos, pois suas terras,


localizadas em sua maior parte a oeste do Mississípi, passaram a ser atacadas pelos
proprietá rios de terra e comerciantes de peles de origem europeia. Os afro-
americanos escravizados continuaram na mesma situaçã o: a escravidã o persistiria
ainda por quase 90 anos. As mulheres, por sua vez, permaneceram excluídas do
direito ao voto, só conquistado em 1920, apó s intensas lutas do movimento
feminista.

É importante considerar o cará ter revolucioná rio da expressã o “todos os homens


foram criados iguais”, pois foi a defesa desse princípio que moveu os movimentos
pela conquista da cidadania que ocorreram em solo estadunidense daí em diante.

The Bridgeman Art Library/Keystone


Ball & Thomas/Buyenlarge/Getty Images

Kean Collection/Getty Images

Primeira imagem: Urso em Pé, chefe Sioux, trajado com a roupa cerimonial de seu povo c. 1885.
Segunda imagem: jovem marinheiro negro em uma fotografia de corpo inteiro, Ohio, 1863. Terceira
imagem: atriz estadunidense Fanny Davenport, c. 1880. Esses personagens representam grupos
que foram excluídos da cidadania na Constituiçã o feita para reger os Estados Unidos.

Pá gina 153

ATIVIDADES
I. Retomando
ESCREVA NO CADERNO.

1. (Unimat-MT – 2013) O movimento filosó fico denominado Iluminismo surgiu na Europa do


século XVIII, baseando-se na crença absoluta da razã o como forma ú nica de o homem alcançar a tã o
sonhada autonomia intelectual, o progresso material, o desenvolvimento das virtudes morais, bem
como o aprofundamento do conhecimento científico. Ademais, os pensadores iluministas
compartilhavam a ideia de que a razã o humana alçaria o homem à sublime condiçã o de dominador
absoluto da natureza.

A partir das informaçõ es contidas no texto, é possível considerar que:

a) Os pensadores iluministas acreditavam no conhecimento religioso como forma de libertar o


homem do pensamento má gico-mítico, ascendendo, assim, ao conhecimento científico.

b) Os pensadores iluministas depositavam total confiança na capacidade da razã o como forma de


contraposiçã o ao conhecimento advindo das concepçõ es teocêntricas e do obscurantismo
característico do senso comum.

c) A confiança depositada pelos iluministas no papel absoluto dos desejos e das vontades humanas
surgia como um contraponto à ditadura imposta pela razã o humana.

d) Como figura proeminente do Iluminismo, o pensador francês Immanuel Kant destacou-se como
combatente do pensamento filosó fico-científico.

e) Os Iluministas desacreditavam por completo no poder da razã o para conduzir o homem à


liberdade e à felicidade.

1. Resposta: b.

2. (Unesp-SP – 2015)

O pensamento iluminista, baseado no racionalismo, individualismo e liberdade absoluta do


homem, ao criticar todos os fundamentos em que se assentava o Antigo Regime, revelava as
suas contradiçõ es e as tornava transparentes aos olhos de um nú mero cada vez maior de
pessoas.

Modesto Florenzano. As revoluções burguesas, 1982. Adaptado.

Entre as críticas ao Antigo Regime mencionadas no texto, podemos citar a rejeiçã o iluminista do:

a) princípio da igualdade jurídica.

b) livre comércio.

c) liberalismo econô mico.

d) republicanismo.

e) absolutismo moná rquico.

2. Resposta: e.

3. (Enem/MEC)

Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele pró prio é culpado. A
menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direçã o de outro
indivíduo. O homem é o pró prio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na
falta de entendimento, mas na falta de decisã o e coragem de servir-se de si mesmo sem a
direçã o de outrem. Tem coragem de fazer uso de teu pró prio entendimento, tal é o lema do
esclarecimento. A preguiça e a covardia sã o as causas pelas quais uma tã o grande parte dos
homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma condiçã o estranha, continuem,
no entanto, de bom grado menores durante toda a vida.

KANT, I. Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? Petró polis: Vozes, 1985 (adaptado).

Kant destaca no texto o conceito de Esclarecimento, fundamental para a compreensã o do contexto


filosó fico da Modernidade. Esclarecimento, no sentido empregado por Kant, representa

a) a reivindicaçã o de autonomia da capacidade racional como expressã o da maioridade.

b) o exercício da racionalidade como pressuposto menor diante das verdades eternas.

c) a imposiçã o de verdades matemá ticas, com cará ter objetivo, de forma heterô noma.

3. Resposta: a.

Pá gina 154

d) a compreensã o de verdades religiosas que libertam o homem da falta de entendimento.

e) a emancipaçã o da subjetividade humana de ideologias produzidas pela pró pria razã o.

4. (UFF-RJ) O escritor e filó sofo francês Voltaire, que viveu no século XVIII, é considerado um dos
grandes pensadores do Iluminismo ou Século das Luzes. Ele afirma o seguinte sobre a importâ ncia
de manter acesa a chama da razã o:

Vejo que hoje, neste século que é a aurora da razã o, ainda renascem algumas cabeças da hidra
do fanatismo. Parece que seu veneno é menos mortífero e que suas goelas sã o menos
devoradoras. Mas o monstro ainda subsiste e todo aquele que buscar a verdade arriscar-se-á a
ser perseguido. Deve-se permanecer ocioso nas trevas? Ou deve-se acender um archote onde a
inveja e a calú nia reacenderã o suas tochas? No que me tange, acredito que a verdade nã o deve
mais se esconder diante dos monstros e que nã o devemos abster-nos do alimento com medo
de sermos envenenados.

Identifique a opçã o que melhor expressa esse pensamento de Voltaire.

a) Aquele que se pauta pela razã o e pela verdade nã o é um sá bio, pois corre um risco
desnecessá rio.

b) A razã o é impotente diante do fanatismo, pois esse sempre se impõ e sobre os seres humanos.

c) Aquele que se orienta pela razã o e pela verdade deve munir-se da coragem para enfrentar o
obscurantismo e o fanatismo.

d) O fanatismo e o obscurantismo sã o coisas do passado e por isso a razã o nã o precisa mais estar
alerta.
e) A razã o envenena o espírito humano com o fanatismo.

4. Resposta: c.

5. (Enem/MEC – 2013)

Para que nã o haja abuso, é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido
pelo poder. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos
nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluçõ es
pú blicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos. Assim, criam-se os poderes
Legislativo, Executivo e Judiciá rio, atuando de forma independente para a efetivaçã o da
liberdade, sendo que esta nã o existe se uma mesma pessoa ou grupo exercer os referidos
poderes concomitantemente.

MONTESQUIEU, B. Do espírito das leis. Sã o Paulo: Abril Cultural, 1979 (adaptado).

A divisã o e a independência entre os poderes sã o condiçõ es necessá rias para que possa haver
liberdade em um Estado. Isso pode ocorrer apenas sob um modelo político em que haja

a) exercício de tutela sobre atividades jurídicas e políticas.

b) consagraçã o do poder político pela autoridade religiosa.

c) concentraçã o do poder nas mã os de elites técnico-cientificas.

d) estabelecimento de limites aos atores pú blicos e à s instituiçõ es do governo.

e) reuniã o das funçõ es de legislar, julgar e executar nas mã os de um governante eleito.

5. Resposta: d.

6. (UFES) A Declaraçã o de Independência das 13 Colô nias Inglesas da América do Norte, em 4 de


julho de 1776, da qual Thomas Jefferson foi relator, consagrou, em seu texto, o princípio do (a)

a) direito de reaçã o à tirania, inspirado em Locke.

b) negaçã o do contrato social, nos termos expostos por Rousseau.

c) separaçã o da Igreja do Estado, conforme o pensamento de Mably.

d) ilustraçã o moná rquica, defendido por Diderot.

e) utilitarismo, preconizado por Benthan, Mill e William James.

6. Resposta: a.

Pá gina 155

II. Leitura e escrita em História


Leitura e escrita de textos
PROFESSOR, VER MANUAL.

VOZES DO PRESENTE

O texto a seguir é um trecho do livro O Iluminismo como negó cio, do historiador estadunidense
Robert Darnton. Leia-o com atençã o e responda às questõ es.

NOTIMEX

O historiador Robert Darnton estudou o Iluminismo, desde a sua concepçã o e materializaçã o até a
sua difusã o. Fotografia de 2014.

[...] É difícil acreditar que os leitores setecentistas nã o buscavam informaçã o na Enciclopédia,


mas seria um anacronismo supor que eles a usavam da mesma maneira que os leitores de hoje
em dia consultam as enciclopédias atuais. Diderot e D’Alembert tencionavam informar e ao
mesmo tempo iluminar o espírito. [...] Embora seja impossível penetrar-lhes na mente,
podemos entrar em suas bibliotecas e, ocasionalmente, vislumbrá -los debruçados sobre as
pá ginas da Enciclopédia. Eis, por exemplo, uma cena extraída da autobiografia de Stendhal:

“Meu pai nã o me via folhear a Enciclopédia senã o com desgosto. Eu tinha a mais inteira
confiança nesse livro em razã o do afastamento de meu pai e do ó dio decidido que ele inspirava
aos p[adres] que frequentavam a casa. O vigá riogeral e cô nego Rey, grande figura
amarfanhada, com cinco p[és] e dez polegadas de altura, fazia uma singular careta ao
pronunciar atravessadamente os nomes de Diderot e de D’Alembert. Essa careta dava -me um
gozo íntimo e profundo.”

Eram essas as sensaçõ es de um jovem leitor da Enciclopédia pertencente a uma abastada


família burguesa de Grenoble durante a década de 1790. Outros leitores, em cená rios
diferentes, provavelmente viveram experiências diversas, que jamais poderã o ser
reconstituídas e catalogadas. Mas seja o que for que sentiram, devem ter sabido que tinham
nas mã os uma das obras mais contestadoras de sua época, que prometia reordenar o universo
cognitivo e com isso fazer rangerem os dentes dos padres locais – se eles também nã o fossem
assinantes.

DARNTON, Robert. O Iluminismo como negócio: histó ria da publicaçã o da “Enciclopédia”, 1775-1800. Sã o Paulo:
Companhia das Letras, 1996. p. 253-254.

a) Qual o significado da palavra anacronismo na primeira frase do texto? Justifique.


b) No texto, Stendhal diz que passou a confiar mais na Enciclopédia quando percebeu que ela
inspirava ó dio nos padres. O que explica essa posiçã o dele?

c) Os organizadores da Enciclopédia pretendiam informar e também iluminar o espírito. O que eles


entendiam por “iluminar o espírito”?

d) Em dupla. Comparem a Enciclopédia dos franceses à s atuais, apontando as diferenças:

»» quanto ao conteú do;

»» quanto ao meio usado para acessá -las.

Pá gina 156

A Revolução Francesa e a
Capítulo 8

Era Napoleônica
Professor: tanto a imagem quanto o texto sã o de julho de 2009, e tratam dos desdobramentos da Revoluçã o Francesa na
atualidade. A intençã o foi usar duas fontes atuais sobre esse importante episó dio histó rico para iniciar uma aula dialogada
sobre o assunto. Pode-se lembrar aos alunos que a Revoluçã o Francesa repercutiu fortemente na histó ria do Ocidente.
Animou, por exemplo, os conjurados baianos, em 1799, no Brasil, e a independê ncia das terras do atual Haiti, na Amé rica
Central, e, entre tantos outros desdobramentos, influenciou profundamente a Constituiçã o que nos rege, conforme informa o
texto.

Leia o texto a seguir com atençã o.

Comemoram-se, hoje (14), 220 anos da Revoluçã o Francesa. Este movimento exerceu grande
influência sobre a liberdade e o respeito dos direitos humanos em todo o mundo. Seus
princípios fundamentais estã o, hoje, inscritos nas Constituiçõ es de todos os países
democrá ticos, inclusive na Constituiçã o Federal (CF) brasileira de 1988 [...].

Sob o mote “liberté, égalité, fraternité”! (liberdade, igualdade, fraternidade!), populares


tomaram, em 14 de julho de 1789 [...] a Bastilha [...].

Esses ideais foram absorvidos pelos constituintes brasileiros, que inseriram, na atual
Constituiçã o Federal, um extenso rol de direitos e garantias individuais e coletivas, limitando a
interferência do poder estatal na vida e dignidade do cidadã o [...].

Desde os princípios fundamentais – que consagram a separaçã o dos poderes (art. 1º. ao 4º.) –
passando pelos direitos e garantias dos cidadã os no â mbito social, político e econô mico (arts.
5º. ao 17), até chegarmos à proteçã o do meio ambiente e de nossas crianças e adolescentes,
que sã o o futuro do país (arts. 225 a 230), sente-se a presença da centelha revolucioná ria.

Supremo Tribunal Federal. A Revolução Francesa de 1789 e seus efeitos no Brasil. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=110843>. Acesso em: 4 mar. 2016.

Bastilha: prisã o onde eram encarcerados os adversá rios do rei.


Loic Venance/AFP Photo/Image Forum

Fotografia da comemoraçã o dos 220 anos da Revoluçã o Francesa, em Paris, França, 2009.

»» O que você sabe sobre a Revolução Francesa?

»» O que a imagem sugere sobre o significado da Revolução para


os franceses?

»» E o texto, o que informa sobre essa Revolução?

»» Você considerou o texto relevante? Por quê?

»» Que importância essa Revolução continua tendo para os


brasileiros e demais latino-americanos?
Pá gina 157

O Antigo Regime na França


No fim do século XVIII, o Reino da França possuía cerca de 28 milhõ es de
habitantes e os franceses viviam sob o Antigo Regime, conceito-chave para se
compreender as sociedades ocidentais entre os séculos XVI e XVIII.
No aspecto econô mico, essas sociedades sobreviviam basicamente da agricultura e
do comércio. Como os instrumentos de trabalho eram rudimentares, a produçã o
agrícola mantinha enorme dependência das condiçõ es naturais; assim, chuvas ou
secas prolongadas induziam a má s colheitas e facilitavam a ocorrência de fomes e
epidemias.

Socialmente, o clero e a nobreza detinham enormes privilégios e a distinçã o era tã o


ou mais importante que a riqueza. As sociedades se caracterizavam por contrastes.
Contraste entre o pacato ambiente rural e o dinâ mico ambiente urbano; contraste
também entre a riqueza dos clérigos e nobres e a pobreza dos camponeses;
contraste, por fim, entre a multidã o de analfabetos do meio rural e os acanhados
nú cleos letrados citadinos. E mais, estes contrastes todos eram vistos como
naturais, decorrentes da vontade divina. O Antigo Regime desconhecia a ideia de
direitos iguais entre os indivíduos; em vez da noçã o de direito, baseava-se na de
privilégio. Um deles era o de nascimento, que distinguia pelo sangue a nobreza; o
outro era o de ocupaçã o, que desvalorizava os serviços manuais e elevava aquele
que vivia de rendas.

Politicamente, as sociedades do Antigo Regime eram governadas por reis


absolutistas, que viam a si pró prios e eram vistos como representantes de Deus na
Terra (absolutismo de direito divino).

Claude-Guy Halle. Sé c. XVII. Ó leo sobre tela. Coleçã o particular. Foto: DEA / G. DAGLI ORTI / Getty

Luís XIV (no canto superior direito) recebendo submissã o de um nobre; repare na pose, nos gestos
e na posiçã o dos pés do rei.

A sociedade
A sociedade francesa estava dividida em três ordens ou estados: o Primeiro Estado
(o clero); o Segundo Estado (a nobreza); e o Terceiro Estado (camponeses,
burguesia e trabalhadores das cidades).

O Primeiro Estado – o clero – era composto de cerca de 280 mil pessoas. A


riqueza vinha, sobretudo, das terras que o clero possuía, cobrava dízimo, imposto
nacional e taxas sobre batismo, casamento e sepultamento. Os cardeais, bispos,
arcebispos e abades compunham o alto clero e tinham, geralmente, origem nobre.
O baixo clero – padres, frades e monges – era de origem pobre e vivia insatisfeito
com os privilégios e os desmandos do alto clero e da nobreza.

Dízimo: imposto destinado à prá tica da caridade, mas usado para sustentar o luxo e a ociosidade do alto
clero. O dízimo – pago com parte da colheita e do rebanho – era um imposto odiado pelos camponeses.

Pá gina 158

O Segundo Estado – a nobreza – era composto de cerca de 840 mil indivíduos,


cuja funçã o principal era “defender a naçã o”; por isso só os nobres portavam
espada. A nobreza era composta de três grupos principais: nobreza cortesã
(sustentada pela realeza, vivia em torno do Palá cio de Versalhes, a residência do
rei), nobreza provincial (estabelecida no interior da França, vivia das rendas da
terra onde os camponeses trabalhavam) e nobreza de toga (burgueses que tinham
comprado títulos e cargos pú blicos vendidos pela realeza). A nobreza como um
todo vivia à sombra da Corte e/ou do trabalho dos camponeses.

O Terceiro Estado – camponeses, trabalhadores urbanos e burguesia – era


composto de 26 milhõ es e 880 mil pessoas. Os camponeses constituíam cerca de
80% da populaçã o francesa e pagavam impostos à Monarquia e a seus senhores
diretos. Entre os trabalhadores urbanos havia artesã os, operá rios, cocheiros,
carregadores de lenha, entre outros; muitos viviam em Paris e eram conhecidos
como sans-culottes.

Sans-culottes: “sem culote”. Culote era uma calça justa que terminava um pouco abaixo do joelho, usada
pelos nobres. Como os pobres nã o usavam esse tipo de calça (e nem tinham os privilégios da nobreza),
tornaram-se conhecidos como sans-culottes.

A burguesia francesa era formada pela alta e média burguesias (fabricantes,


grandes comerciantes, banqueiros, agiotas e armadores) e pela pequena burguesia
(profissionais liberais – advogados, médicos, escritores –, funcioná rios pú blicos e
lojistas); a pequena burguesia era mais influente politicamente.

Os membros do Terceiro Estado produziam riquezas e eram obrigados a pagar


quase todos os impostos; nã o possuíam qualquer privilégio. O Primeiro e o
Segundo Estado nã o produziam riquezas, eram isentos de quase todos os impostos,
ocupavam altos cargos e recebiam ricas pensõ es.
Sé c. XVIII. Ó leo sobre tela. Museu Carnavalet, Paris

Representaçã o de um sans-culotte produzida no século XVIII.

A economia e a política
Na França, desde o século XV, o capitalismo vinha se desenvolvendo a passos
largos. A burguesia ganhava importâ ncia social e prosperava por meio da
indú stria, do empréstimo de dinheiro a juros e do comércio com o Oriente, a
América e a Á frica. Mas o Estado absolutista francês representava um obstá culo
aos negó cios da burguesia, pois a carga de impostos encarecia os preços das
mercadorias; as prá ticas mercantilistas impediam a livre concorrência (a produçã o
de seda, por exemplo, era monopó lio de um pequeno grupo); os diferentes
sistemas de pesos e medidas dificultavam o comércio interno. Com o tempo, essa
situaçã o se agravou e muitas empresas faliram gerando desemprego e fome nas
cidades.
Lesueur Brothers. Sé c. XVIII. Gravura. Museu Carnavalet, Paris. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Nesta gravura de 1793, ano IV da Revoluçã o Francesa, uma senhora distribui pratos de comida a
populares famintos. A imagem sugere a situaçã o de penú ria em que vivia o povo francês antes da
Revoluçã o.

Pá gina 159

No campo, o desemprego também atingia os mais pobres; os grandes proprietá rios


vinham introduzindo a agricultura capitalista: cercavam as terras de uso comum
(campos, matas e pastos) para produzir cereais em larga escala e,
consequentemente, os camponeses que delas sobreviviam ficavam sem terra e sem
trabalho. Em virtude da concentraçã o das terras e dos pesados impostos cobrados
no campo, a oferta de alimentos era pequena e seus preços, elevados. Com as
inundaçõ es e secas, frequentes na década de 1780, os preços dos alimentos
disparavam, e, como “estô magos famintos nã o têm ouvidos” – ditado popular da
época da Revoluçã o Francesa –, explodiram as famosas jacqueries (revoltas
camponesas).

Enquanto isso, a dívida do governo do rei Luís XVI aumentava sob o peso dos
gastos com a Corte e com as guerras movidas ou apoiadas pela monarquia
francesa. Callone, ministro de Luís XVI, chegou a propor que o clero e a nobreza
passassem a pagar impostos, mas sua proposta foi rejeitada.

Diante da gravidade da situaçã o, Luís XVI convocou os Estados Gerais –


assembleia que reunia os três estados: o clero, a nobreza e o Terceiro Estado e que
nã o era consultada há 175 anos. Nessa assembleia, o voto era “por estado”, ou seja,
cada estado tinha direito a um voto. Assim, a nobreza e o clero, que eram os grupos
dos privilegiados, somavam dois votos contra apenas um do Terceiro Estado.

Nessa Assembleia dos Estados Gerais, o Terceiro Estado conseguiu eleger mais
deputados do que o clero e a nobreza juntos (578 x 561) e lançou entã o uma
campanha em defesa do voto por cabeça.
Isidore Helman. Sé c. XVIII. Gravura. Biblioteca Nacional, Paris. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Representaçã o da sessã o de abertura da Assembleia dos Estados Gerais. Repare que o pintor
preocupou-se em demonstrar a rígida hierarquia do Antigo Regime: sobre o estrado, em frente da
assembleia, o rei, a família real, os marechais e os duques da França; ao pé do estrado, à mesa, o
conselho do rei; no plená rio, à direita da mesa, o clero; diante dele, no mesmo plano, a nobreza; no
lado oposto ao do rei, os deputados do Terceiro Estado; o povo fica atrá s e entre as colunas, nas
galerias.

Pá gina 160

A Revolução em marcha
FASES DA REVOLUÇÃO FRANCESA

Linha do tempo

De 1789 a 1791: ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

De 1791 a 1792: MONARQUIA CONSTITUCIONAL

De 1792 a 1794: CONVENÇÃO NACIONAL

De 1794 a 1799: DIRETÓRIO

Editoria de arte

Em 5 de maio de 1789, na sessã o de abertura da Assembleia dos Estados Gerais, o


rei, com o apoio do clero e da nobreza, declarou que a reuniã o deveria ser restrita
ao exame dos problemas financeiros, omitindo, assim, o debate se o voto seria “por
cabeça” ou “por estado”. Assim, a votaçã o continuaria sendo por estado.

Os deputados do Terceiro Estado reagiram a esta decisã o do rei declarando-se em


Assembleia Nacional com o objetivo de escrever e aprovar uma constituiçã o. Luís
XVI, por sua vez, mandou fechar a sala em que os deputados se reuniam. Eles,
entã o, invadiram a sala do Jogo da Pela e lá juraram nã o se separar enquanto nã o
tivessem elaborado uma Constituiçã o para a França.

Jogo da Pela: jogo semelhante ao tênis em quadra coberta.

A Assembleia Nacional Constituinte


A tensã o entre a Assembleia e o rei aumentou; em 14 de julho de 1789, o povo de
Paris invadiu e tomou a Bastilha, a prisã o símbolo do absolutismo francês.

Claude Cholat. Sé c. XIX. Guache sobre cartã o. Museu Carnavalet, Paris. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

A tomada da Bastilha vista por um de seus participantes, Claude Cholat, dono de uma taberna. A
queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, representou uma vitó ria popular e marcou o início da
Revoluçã o propriamente dita. O fato mereceu uma infinidade de representaçõ es, o que desvela sua
enorme importâ ncia.

De Paris, a revoluçã o se alastrou para o interior, e, nos meses de julho e agosto de


1789, os camponeses invadiram castelos, saquearam celeiros e atearam fogo nos
livros de registros de suas dívidas e dos impostos pagos por eles.

Pá gina 161
Sob intensa pressã o popular, a Assembleia Nacional Constituinte aboliu a servidã o,
os dízimos, o direito de mão-morta e a justiça senhorial (todos passavam a
obedecer à s mesmas leis). Em 26 de agosto de 1789 a Assembleia Nacional
aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esse documento
estabelecia o direito à liberdade, à propriedade privada, à segurança, resistência à
opressã o e o direito à livre comunicaçã o dos pensamentos e das opiniõ es.

Mão-morta: pagamento feito pelo servo quando seu pai morria, para manter o direito de utilizar a terra.

Além disso, a Assembleia confiscou os bens da Igreja, colocou-os à venda, e


aprovou a Constituição Civil do Clero, que transformou os membros do clero em
funcioná rios pú blicos, obrigando-os a jurar fidelidade à Naçã o. Os que aceitaram
essa decisã o foram chamados de clero juramentado; os que discordaram dela
foram denominados clero refratário. O clero refratá rio se uniu aos milhares de
nobres que haviam fugido da França com dinheiro e joias e, no exterior, aliaram-se
a monarcas absolutistas para combater a Revoluçã o Francesa.

Para refletir
No dia 5 de outubro de 1789, diante da falta de pã o, milhares de mulheres armadas
decidem ir a Versalhes trazer o rei para Paris e garantir com isso o abastecimento
da cidade. Veja o que um observador da época escreveu sobre essa marcha das
mulheres.

As primeiras mulheres chegaram aos portõ es do castelo à s cinco horas [...]. Quiseram obrigar
as sentinelas a arrebentar os portõ es e abri-los. Estas se recusaram: nã o se abre a porta a
desordeiros, a furiosos, muito menos a furiosas [...].

OSTERMANN, Nilse Wink; KUNZE, Iole Carretta. Às armas, cidadãos! A França revolucioná ria (1789-1799). Sã o
Paulo: Atual, 1995. p. 51.

Escola francesa. Sé c. XVIII. Gravura. Museu Carnavalet, Paris. Foto: Roger-Viollet/Glow Images

Gravura mostrando mulheres indo a Versalhes em outubro de 1789. O movimento das mulheres foi
vitorioso. O rei e os cortesã os foram obrigados a retornar a Paris e residir no Palá cio das Tulherias.

a) Com base no texto é possível afirmar que as mulheres tiveram participaçã o


importante na Revoluçã o Francesa?
a) Sim, as mulheres ajudaram a acelerar o processo revolucioná rio fazendo uma marcha vitoriosa ao Palá cio de Versalhes a
fim de trazer o rei de volta para a capital francesa.

b) No texto há um indício sobre o modo como as mulheres eram vistas na França


do século XVIII. Explique.

b) As mulheres eram vistas como inferiores aos homens. No texto, as sentinelas do castelo estabeleceram uma hierarquia ao
dizer “nã o se abre a porta a desordeiros, a furiosos, muito menos a furiosas” (grifo nosso).

Pá gina 162

A monarquia constitucional
Em setembro de 1791 foi aprovada a primeira Constituiçã o francesa, que:

» limitou o poder do rei, transformando a França em uma monarquia


constitucional;

» liquidou o absolutismo francês, dando à Assembleia o poder de fazer e aprovar


leis;

» confirmou a perda dos privilégios do clero e da nobreza e criou privilégios de


outro tipo, como o voto censitá rio: os franceses foram divididos em cidadã os
“ativos” (os que possuíam a renda exigida para votar e ser votado) e “passivos”, ou
nã o votantes (quase 85% da populaçã o; pobres, mulheres e nã o brancos foram
excluídos do direito ao voto);

» proibiu os sindicatos e as greves.

A Constituiçã o desagradou profundamente ao rei da França e aos seus aliados


internos (a alta nobreza e o alto clero) e externos (os governos da Á ustria e da
Prú ssia); unificadas, essas forças montaram um exército e invadiram a França. A
Assembleia Nacional francesa reagiu declarando “a pá tria em perigo”; o povo de
Paris, por sua vez, marchou sobre o Palá cio das Tulherias e prendeu o rei e sua
família. Com a ajuda de milhares de voluntá rios, o exército francês revolucioná rio
venceu o exército estrangeiro na Batalha de Valmy, em 20 de setembro de 1792.

A Convenção Nacional
Vencido o exército invasor, elegeu-se uma nova Assembleia Nacional, denominada
Convenção, que imediatamente extinguiu a Monarquia e proclamou a Repú blica.

Abriu-se, entã o, intensa disputa entre os 750 deputados que compunham a


Convençã o e que se encontravam divididos em quatro grandes grupos políticos.
Os girondinos, que representavam a burguesia industrial e comercial, defendiam
o voto censitá rio, o direito à propriedade privada e eram contrá rios à participaçã o
política de populares na Convençã o.

Os jacobinos, a exemplo de Robespierre, defendiam um governo central forte, o


voto universal e a participaçã o popular na direçã o do processo revolucioná rio.

Dica! Documentário sobre Robespierre e seu papel na Revolução. [Duração de 90 minutos].


Acesse: <http://tub.im/k7fpb9>.

Os cordeliers, liderados por Marat e Danton, abraçavam propostas radicais como


o fim da propriedade privada e a reforma agrá ria. Cordeliers e jacobinos sentavam-
se nos bancos mais altos do plená rio; por isso, esses dois grupos políticos eram
conhecidos como montanheses.

DIALOGANDO

Qual dos grupos do Terceiro Estado foi mais beneficiado por essa Constituição?

A burguesia: o voto passou a ser censitá rio; os sindicatos e as greves foram proibidos. A burguesia passava a conduzir, entã o,
o processo revolucioná rio.

Escola francesa. Sé c. XVIII. Gravura. Museu Carnavalet. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

A proclamaçã o da Repú blica na França, em 1792, deu início a novos tempos que passaram a ser
contados por um novo calendá rio: 1792 passou a ser o Ano I da Repú blica Francesa. Na imagem, vê-
se escrito: “Unidade Indivisível da Repú blica: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Ou a morte”.

Pá gina 163

A planície, que era composta de deputados que agiam conforme seus interesses
imediatos, ora apoiava os jacobinos, ora os girondinos. Sentavam-se ao centro, nos
lugares mais baixos do plená rio; daí o nome de “planície”.

O rei foi levado a julgamento pela Convençã o, fato que dividiu os deputados: os
girondinos propunham uma soluçã o conciliató ria; já os jacobinos desejavam a
execuçã o do rei. A descoberta, no cofre real, do acordo que o rei fizera com
monarcas estrangeiros em favor da invasã o da França precipitou os
acontecimentos; apó s intensos debates, 683 dos 721 deputados presentes (cerca
de 95%) declararam Luís XVI culpado. Em janeiro de 1793, diante de uma multidã o
de cerca de 20 mil pessoas, o rei foi guilhotinado e sua cabeça exibida ao povo.

A execuçã o do rei desencadeou uma série de reaçõ es internas e externas.

Externamente, vá rias monarquias europeias, como Á ustria, Prú ssia, Holanda,


Espanha e Inglaterra, uniram-se e formaram a Primeira Coligação contra a
França revolucioná ria. Internamente, em meio à grave crise econô mica, grupos de
sans-culottesarmados cercaram a Assembleia Nacional, depuseram os deputados
girondinos e colocaram os jacobinos no poder (junho de 1793).

O governo jacobino
Os jacobinos organizaram um governo fortemente centralizado, dirigido por
Robespierre, e composto de uma série de ó rgã os especiais; o principal deles, o
Comitê de Salvação Pública, concentrava enorme poder. Subordinado a esse
ó rgã o, havia o Tribunal Revolucioná rio, que julgava sumariamente os indivíduos
considerados contrarrevolucioná rios.

Para enfrentar a situaçã o caó tica em que a França se encontrava e a ameaça


externa, o Comitê de Salvaçã o Pú blica adotou as seguintes medidas:

» decretou o alistamento em massa; todos os jovens de 18 a 25 anos, solteiros ou


viú vos, foram recrutados para a luta contra os inimigos externos (Segunda
Coligaçã o);

» tabelou os gêneros de primeira necessidade e elevou os salá rios;

» dividiu as terras dos nobres emigrados em pequenos lotes e as vendeu ou doou


aos camponeses;

» aboliu a escravidã o nas colô nias francesas;

» instituiu a escola primá ria pú blica e obrigató ria, como um direito fundamental de
todos os franceses, o que permitiu o acesso dos pobres à educaçã o formal.

Na esfera política, as lutas entre os jacobinos e girondinos se acirraram e, nesse


contexto, Jean-Paul Marat, ídolo dos sans-culottes, foi assassinado pela girondina
Charlotte Corday.
Lesueur Brothers. c. 1792. Guache sobre cartã o. Museu Carnavalet, Paris

Marat era médico e cientista, mas ficou mais conhecido por sua atuaçã o à frente do jornal O Amigo
do Povo, no qual defendia ardentemente as causas populares.

Pá gina 164

O governo jacobino reagiu aumentando a repressã o e baixando a Lei dos Suspeitos,


que suspendia os direitos individuais dos cidadã os, inclusive o direito de defesa, e
intensificando o uso da guilhotina. Até Danton, um líder popular da Revoluçã o, foi
executado a mando de Robespierre. Iniciava-se assim o Período do Terror (de
setembro de 1793 a julho de 1794): milhares de pes soas acusadas de serem
inimigas da revoluçã o foram condenadas e guilhotinadas em praça pú blica.

Enquanto isso, o exército francês, liderado por Napoleã o Bonaparte e fortalecido


pelo ingresso de jovens e de sans-culottes, libertou o porto de Toulon das mã os
inglesas e retomou a regiã o da Vendeia, vencendo os contrarrevolucioná rios.
Piloty. Sé c. XVIII. Gravura. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

A cena mostra um girondino condenado à guilhotina sendo conduzido para o patíbulo; uma
multidã o raivosa parece estar acusando o condenado.

Conforme os jacobinos intensificavam o uso da violência, foram perdendo o apoio


popular e dos deputados aliados ao seu governo. Aproveitando-se do
enfraquecimento dos jacobinos, os deputados da planície e os girondinos
desfecharam um golpe em julho de 1794 (9 Termidor pelo novo calendá rio) e
retomaram o poder. Robespierre, Saint-Just e outros líderes jacobinos foram
presos e guilhotinados sem julgamento.

Encerrava-se, assim, a fase mais popular e radical da revoluçã o, e a burguesia


retomava o poder.

Dica! Animação sobre a Revolução Francesa, enfocando o regime do terror. [Duração de 4


minutos]. Acesse: <http://tub.im/d7tprr>.

O Diretório
Ao assumir o poder, em 1794, o novo governo liberou os preços dos alimentos e
dos aluguéis e restabeleceu a escravidã o nas colô nias francesas. Além disso,
estimulou o crescimento da indú stria do algodã o, da metalurgia e da mineraçã o,
intensificando o desenvolvimento do capitalismo francês. Em 1795, aprovou uma
nova Constituiçã o que restabeleceu o voto censitá rio (que excluía a maioria da
populaçã o do direito ao voto) e confiou o poder Executivo a um Diretório,
formado por cinco deputados escolhidos por sorteio.

Pá gina 165
O Diretó rio combateu duramente seus dois principais adversá rios: os realistas,
empenhados na volta à monarquia, e os novos jacobinos, apoiados pelos sans-
culottes. Os monarquistas, ajudados pela Inglaterra, promoviam levantes para
levar ao poder o conde de Artois, irmã o de Luís XVI; os novos jacobinos faziam
oposiçã o ao governo por meio de seus clubes e jornais. Nesse contexto, um
jornalista de nome Graco Babeuf encabeçou um movimento popular – a
Conspiração dos iguais – que propunha o fim da propriedade privada e a
distribuiçã o equitativa da riqueza.

O Diretó rio reagiu decretando uma lei que condenava à morte todos os que eram
favorá veis à reforma agrá ria ou à volta da monarquia (Babeuf e seu grupo foram
presos e executados). A seguir, ordenou a ocupaçã o militar de Paris, anulou as
eleiçõ es e fechou a imprensa oposicionista.

Apesar desse esforço para manter a ordem, o Diretó rio encontrava-se


desmoralizado, pois vá rios de seus membros estavam envolvidos em atos de
corrupçã o. Nesse cená rio de violência, instabilidade política e falta de ética os
militares ganharam proeminência. Napoleã o Bonaparte, conhecido pelo excelente
desempenho no combate aos exércitos estrangeiros, passou a ser visto por muitos
franceses como o “salvador da pá tria”, ou seja, o homem que poria fim ao
descalabro em que a França vivia. Em 10 de novembro de 1799 (18 Brumá rio pelo
calendá rio republicano), Napoleã o Bonaparte, desfechou um golpe de Estado, e,
apoiado por um grupo político-militar, tomou o poder. 1

1. Dica! Documentário abordando as conquistas militares de Napoleão no Egito e seus ataques ao


Oriente Médio. [Duração de 46 minutos]. Acesse: <http://tub.im/36rvph>.

Sé c. XIX. Xilogravura. Coleçã o particular. Foto: Sammlung Rauch/Interfoto/Latinstock

Xilogravura que retrata Graco Babeuf, século XIX.

O significado da Revolução Francesa


Com o 18 Brumário – golpe de Estado desfechado por Bonaparte – a Revoluçã o
Francesa chegou ao fim. Entre suas principais conquistas cabe citar:
»» o Antigo Regime foi substituído pela Repú blica, e, juridicamente, os sú ditos
passaram à condiçã o de cidadã os;

»» a sociedade de ordens cedeu lugar à sociedade de classes;

»» as leis que estabeleciam distinçõ es baseadas no nascimento foram eliminadas;

»» o poder da Igreja diminuiu;

»» o nú mero de camponeses proprietá rios aumentou;

»» as regulamentaçõ es mercantilistas e as relaçõ es servis foram suprimidas.


Consolidava-se, assim, o capitalismo na França. 2

2. Dica! Uma revisão para melhor compreender o significado da Revolução Francesa. [Duração: 7
minutos]. Acesse: <http://tub.im/yz5g9p>.

O governo de Napoleão
Uma nova Constituiçã o criou o consulado, ó rgã o do Poder Executivo formado por
três cô nsules. O poder de fato, porém, cabia ao primeiro-cô nsul, Napoleã o
Bonaparte, cujo mandato era de 10 anos.

Pá gina 166

The Bridgeman Art Library/Keystone

Observando essa imagem, publicada em 1902, percebe-se que o olhar determinado e soberano do
primeiro-cô nsul, Napoleã o Bonaparte, contrasta com a inexpressividade dos dois outros cô nsules. A
imagem contribui para reforçar o mito criado em torno de sua figura.
O governo de Bonaparte usou de violência para reprimir seus adversá rios, fossem
eles monarquistas ou republicanos: efetuou execuçõ es e instituiu uma severa
censura à imprensa. Visando à estabilidade política, confirmou a aboliçã o dos
privilégios da nobreza e do clero, concedeu a 3 milhõ es de camponeses o título de
propriedade das terras que haviam obtido por doaçã o ou compra na época da
Revoluçã o.

Para reorganizar a economia, em 1800 o governo de Bonaparte criou uma nova


moeda, o franco, e fundou o Banco da França, por meio do qual controlava a
inflaçã o e fazia empréstimos à indú stria e ao comércio. Além disso, construiu
estradas e pontes para facilitar o transporte de mercadorias no país. Essas medidas
contribuíram para fortalecer o capitalismo francês. Na á rea da educaçã o,
incentivou a escola primá ria gratuita e obrigató ria, criou ginásios e liceus nas
grandes cidades e um centro de formaçã o de professores em Paris. Além disso,
promoveu a criaçã o de uma universidade, subordinada ao Estado, que coordenava
as faculdades destinadas a formar quadros técnicos e políticos.

Ginásio: equivalente ao que hoje chamamos de Ensino Fundamental II.

Liceu: internato que, na época, era destinado a formar ocupantes de altos cargos civis ou militares.

Em 1804, o governo promulgou o Código Civil Napoleônico, que serviu de base


para vá rios outros có digos ocidentais, inclusive o brasileiro. Inspirado no Direito
Romano, esse có digo estabelecia:

»» a igualdade de todos perante a lei;

»» o direito à propriedade privada;

»» a separaçã o entre Estado e Igreja (a partir daí, o casamento só seria legítimo se


realizado por um juiz de paz);

»» a proibiçã o dos sindicatos e das greves;

»» a formaçã o das sociedades por açõ es.

Para alguns historiadores, o Có digo Napoleô nico era um instrumento que


favorecia, sobretudo, a burguesia.

Refletindo o imaginá rio da época, o có digo atribuía à mulher uma condiçã o inferior
à do marido no tocante à propriedade, ao divó rcio e ao adultério. O pai era tutor da
esposa e do filho; para se casar, o filho precisava da licença paterna, ainda que
tivesse mais de 25 anos.

As sucessivas vitó rias militares e os progressos na economia e na diplomacia


conferiram grande popularidade a Bonaparte. Valendo-se disso e da intensa
propaganda dos seus feitos patrocinada por seu governo, em 1802, Bonaparte
promoveu um plebiscito por meio do qual se tornou cônsul vitalício. Dois anos
depois, em nova consulta ao povo, foi aclamado imperador por 60% dos eleitores,
e, posteriormente, entronizado com o título de Napoleã o I.

Dica! Documentário sobre a ascensão e a história político-militar de Napoleão Bonaparte.


[Duração: 53 minutos]. Acesse: <http://tub.im/mu9cns>.

Pá gina 167

Para saber mais


Napoleã o Bonaparte foi coroado no fim de 1804. Durante a cerimô nia, Bonaparte
surpreendeu a todos: retirou a coroa das mã os do papa, deu as costas a ele e se
autocoroou “imperador dos franceses”. A seguir, o pró prio coroou Josefina, sua
esposa.

Jacques-Louis David (detalhe). 1806-07. Ó leo sobre tela. Museu do Louvre, Paris

Na imagem acima vemos uma tela pintada por Jacques-Louis David por volta de
1806 e intitulada Coroaçã o de Napoleã o e Josefina. O pintor procurou destacar o
exato momento em que Napoleã o está prestes a coroar a si mesmo. Enquanto isso,
a futura imperatriz aguarda ajoelhada. Com tal gesto, Bonaparte provavelmente
quis dizer que nem mesmo o chefe da Igreja estava acima dele. Na imagem abaixo
(esboço feito em 1804), percebemos melhor a expressã o arrogante de Napoleã o
durante o evento.
Jacques-Louis David (detalhe). c. 1804. Estudo. Museu do Louvre, Paris

O expansionismo bonapartista
O período do Império foi marcado pelo expansionismo bonapartista que se fez por
meio de guerras consecutivas. No mais das vezes, essas guerras tinham, de um
lado, a França de Napoleã o e, de outro, a Grã -Bretanha e três importantes países
absolutistas (a Prú ssia, a Á ustria e a Rú ssia). Os Estados absolutistas europeus
temiam a propagaçã o das ideias revolucioná rias francesas em seus territó rios; já a
Grã-Bretanha, maior potência naval e industrial daquela época, temia a
concorrência da França no mercado europeu. As duas naçõ es capitalistas
buscavam ampliar territó rios e mercados na Europa e em outros continentes. Isso
ajuda a explicar a participaçã o da Grã -Bretanha em quase todas as coligaçõ es
contra a França.

Grã-Bretanha: até 1801, a Grã -Bretanha era constituída por Inglaterra, País de Gales e Escó cia. Em 1801
formou-se o Reino Unido da Grã -Bretanha e Irlanda, um reino constituído por Inglaterra, País de Gales, Escó cia
e Irlanda. Hoje, o Reino Unido é formado por Inglaterra, País de Gales, Escó cia e Irlanda do Norte.

Em 1805, na Batalha de Trafalgar ocorrida no mar, a marinha francesa foi


derrotada pela Inglaterra. Mas, por terra, as tropas de Napoleã o venceram batalhas
importantes, como a de Austerlitz (1805), contra a Á ustria e a Prú ssia e a seguir,
reuniu á reas conquistadas na Europa e, com elas, formou a Confederação do
Reno.

Para impor sua hegemonia à Europa, a França de Napoleã o teria de vencer a


Inglaterra, que, por ficar em uma ilha, só podia ser atacada por mar. Mas como
vencer por mar a “Rainha dos Mares”?

Pá gina 168

A estratégia adotada por Napoleã o foi proibir – por decreto – a Europa continental
de comerciar com a Inglaterra. O objetivo desse decreto – conhecido como
Bloqueio Continental – era enfraquecer a economia da Inglaterra para, depois,
conquistá -la. Muitos países europeus aderiram ao bloqueio; alguns, no entanto,
continuaram permitindo a entrada de produtos ingleses em seus territó rios e
portos. Um desses países foi Portugal, tradicional aliado da Inglaterra.

Ao saber da continuidade do comércio anglo-português, Napoleã o ordenou a


invasã o de Portugal, fato que motivou a transferência da família real portuguesa
para o Brasil, em 1808. E, nesse mesmo ano, mandou invadir também a Espanha,
depô s o rei espanhol Fernando VII e coroou como rei seu irmã o José Bonaparte.
Adotando a tá tica de guerrilhas, o povo espanhol ofereceu dura resistência à s
forças invasoras. As colô nias hispano-americanas aproveitaram-se da ocupaçã o
francesa na Espanha para iniciar a luta armada pela independência. Napoleã o, por
sua vez, continuou acumulando vitó rias, ao vencer outra coligaçã o contra a França.

Escola inglesa. Sé c. XIX. Litogravura. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Nesta charge inglesa de 1803, Napoleã o é mostrado sobre o Globo e em tamanho muito maior que
seu adversá rio. A imagem ironiza o comportamento megalomaníaco de Napoleã o, sua ânsia
desenfreada de conquistar terras e povos.

No exército sob seu comando, Napoleã o adotou o recrutamento obrigató rio e a


premiaçã o por mérito e disseminou a confiança na retidã o da causa (os
comandantes franceses induziam seus soldados a pensar que cumpriam uma
missã o, a de divulgar os ideais da Revoluçã o Francesa). Isso tudo colaborou para
que Napoleã o acumulasse conquistas e se tornasse senhor de um grande império.
Por volta de 1812, o Império Napoleô nico atingiu sua má xima extensã o. Observe o
mapa.

Dica! Documentário abordando a construção do império napoleônico. [Duração: 43 minutos].


Acesse: <http://tub.im/854rg3>.

A Europa Napoleônica e o Bloqueio Continental (1812)


Allmaps

Fontes: ATLAS histó rico. Barcelona: Editorial Marin, 1995. p. 139; DUBY, Georges. Atlas Historique Mondial. Paris:
Larousse, 2011, p. 85.

Pá gina 169

A resistência ao militarismo bonapartista


O militarismo bonapartista provocou forte oposiçã o dentro da França e intensa
resistência armada no exterior. Na França, o governo era criticado pela morte de
milhares de soldados franceses, pela censura prévia à imprensa e pelo uso da
educaçã o para a autopromoçã o do imperador (em cada sala de aula de toda a
França havia um grande retrato de Napoleã o, e os alunos eram doutrinados para
enaltecer seus feitos).

No exterior, os povos reagiam à dominaçã o francesa pegando em armas e


erguendo a bandeira do liberalismo e do nacionalismo contra o “estrangeiro”, o
“invasor”. Os Estados Nacionais do centro e do leste europeu, predominantemente
agrá rios, sofriam prejuízos por nã o poderem trocar seus gêneros primá rios por
produtos industrializados ingleses, como faziam antes. A Rú ssia era um desses
países e, por isso, no fim de 1810, voltou a comerciar regularmente com a
Inglaterra.

Liberalismo: o ideá rio liberal na época incluía a defesa da liberdade de pensamento, de expressã o e de
comércio.

A resposta de Bonaparte foi invadir a Rú ssia em 1812, com um exército composto


de mais de 600 mil soldados, 180 mil cavalos e centenas de canhõ es.
Diante do avanço dos franceses, os russos adotaram a tá tica da “terra arrasada”:
evitavam o confronto, recuando cada vez mais, e, ao mesmo tempo, destruíam as
lavouras e tudo o que pudesse ser ú til ao inimigo. Visando conseguir suprimentos,
Napoleã o rumou com seus homens para Moscou, onde esperava se reabastecer.
Mas, para sua surpresa, encontrou as casas vazias e a cidade em chamas. Os
pró prios moscovitas a haviam incendiado. Um mês depois, o rigorosíssimo inverno
russo chegou, obrigando o exército francês a bater em retirada, com seus efetivos
drasticamente reduzidos por fadiga, doença, fome e deserçã o.

J.A. Klein. Sé c. XIX. Gravura. Academia de Belas Artes, França. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Em dezembro de 1812, o que restava do grande exército francês atravessou a fronteira com a
Prú ssia de volta para casa. A imagem é uma representaçã o da batalha de Berezina, durante sua
retirada da Rú ssia, e as dificuldades enfrentadas diante do rigoroso inverno russo. As carroças,
como a que você vê na imagem, atolavam na neve.

A derrota na Rú ssia quebrou o mito da invencibilidade napoleô nica e estimulou a


organizaçã o de uma nova coligaçã o, formada por Inglaterra, Prú ssia, Rú ssia e
Á ustria. O gigantesco exército dessa coligaçã o venceu as forças de Napoleã o na
Batalha das Nações, em Leipzig, em outubro de 1813 e, no ano seguinte, invadiu e
ocupou Paris, o coraçã o do Império Francês.

Pá gina 170

Jonathan Weiss/Alamy/Latinstock

A flor-de-lis era símbolo do rei da França e estava presente nas bandeiras do antigo regime.
STILLFX/Shutterstock/Glow Images

Bandeira nacional da França criada durante a Revoluçã o Francesa.

Napoleã o teve de abrir mã o do trono, mas ganhou plenos poderes sobre a pequena
ilha de Elba, na costa da Península Itá lica, para onde foi exilado. O trono da França
foi entregue a Luís XVIII, irmã o do rei guilhotinado durante a Revoluçã o Francesa.
Quando a populaçã o francesa viu que Luís XVIII (e toda a Corte) voltava(m) ao país
e ao trono, desfraldando nã o a bandeira tricolor da Revoluçã o, mas a bandeira com
a flor-de-lis, do Antigo Regime, deu-se conta que precisava retomar a luta para
reenterrá -lo.

Napoleã o, por sua vez, surpreendeu novamente seus adversá rios: no início de
1815 fugiu da ilha de Elba, acompanhado de 800 soldados, e desembarcou no
litoral da França. A imprensa governista quando soube que Napoleã o havia
desembarcado no país começou por tratá -lo como monstro e tirano, mas à medida
que ele se aproximava de Paris, ia mudando o tratamento até por fim afirmar que
“Sua majestade estava sendo esperada a qualquer momento na capital”. As forças
enviadas por Luís XVIII para combatê-lo juntaram-se a ele. Napoleã o entrou em
Paris como heró i e reassumiu o trono, obrigando o rei a fugir. Isto ajuda a explicar
a facilidade com que Napoleã o, fugindo da ilha de Elba, recuperou o poder.

Mas, dessa vez, seu governo durou pouco mais de 100 dias.

Uma nova coligaçã o (a sétima), liderada uma vez mais pela Inglaterra, venceu o
exército napoleô nico na Batalha de Waterloo (1815). Dessa vez, Bonaparte foi
preso e exilado em Santa Helena, uma ilha minú scula e longínqua sob o domínio
inglês, situada no Atlâ ntico Sul, a mil milhas da costa africana, onde passou os
ú ltimos anos de sua vida.
Escola francesa. Sé c. XIX. Gravura. Coleçã o Particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Nesta charge de c. 1814, Napoleã o é mostrado como um artista que se equilibra entre Madri (a
oeste) e Moscou (a leste); a vareta que liga seus pés a essas duas cidades localizadas em posiçõ es
opostas sugere que seu poder sobre a Europa estava se esfacelando, que o seu imenso império
estava desmoronando. Repare que seu cetro – símbolo de poder – e a sua coroa, encimada por uma
cruz, estã o caindo, sinal de que seus tempos de gló ria haviam chegado ao fim.

Pá gina 171

O Congresso de Viena e o princípio da


legitimidade
Os principais vencedores das guerras napoleô nicas – Inglaterra, Á ustria, Prú ssia e
Rú ssia – eram agora os novos senhores da Europa. Essas potências, junto com a
França moná rquica, reuniram-se no Congresso de Viena, entre 1814 e 1815, com
o objetivo de restaurar a velha ordem (que privilegiava a nobreza e o clero).

Uma das decisõ es do Congresso de Viena foi a adoçã o do princípio da


legitimidade, que defendia ser legítima a volta ao poder das famílias que
governavam os Estados europeus antes da expansã o napoleô nica. Assim, as
famílias reais destituídas foram recolocadas no trono na França, na Espanha, em
Portugal e em vá rios Estados da Confederaçã o Germâ nica.

Uma figura de destaque no Congresso foi o diplomata francês Charles Talleyrand,


que, com sua habilidade, conseguiu restringir as perdas impostas ao seu país pelos
vencedores. Apesar disso, a França teve de pagar 700 milhõ es de francos à s
grandes potências e teve suas fronteiras drasticamente reduzidas, voltando a ser
como antes da expansã o napoleô nica.
Outra figura central no Congresso de Viena foi o príncipe Metternich, da Á ustria,
que defendia a necessidade de se manter o equilíbrio europeu, a fim de que
nenhum Estado sobrepujasse o outro, como ocorrera durante a expansã o
napoleô nica.

Para manter o equilíbrio de forças entre as grandes potências, o príncipe propunha


compensar de forma equitativa as grandes potências pelos prejuízos sofridos nas
guerras napoleô nicas (princípio das compensações).

As potências vencedoras – Inglaterra, Á utria, Prú ssia e Rú ssia – dividiram entre si


territó rios situados na Europa e nas antigas colô nias europeias.

Escola francesa. Sé c. XIX. Gravura. Museu Carnavalet, Paris. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Charge exposta na Biblioteca Nacional de Viena que mostra os representantes das grandes
potências dividindo entre si o continente europeu. No balã o de fala, junto à balança sustentada pelo
estadista austríaco Metternich, está escrito: “le prix de sang”, isto é, “o preço do sangue”. Ou seja, o
ganho de territó rios que as potências estavam tendo era o pagamento pelo sangue derramado em
razã o das guerras napoleô nicas.

Pá gina 172

Ao redefinir o mapa da Europa, apossando-se de territó rios europeus, as principais


potências obtiveram expressivos ganhos territoriais, mas nã o respeitaram os
interesses nem a autodeterminaçã o dos povos das á reas divididas. Os territó rios
dos povos alemã es que formavam a Confederaçã o Germâ nica, por exemplo, foram
repartidos entre o Império Austríaco e o Reino da Prú ssia.

A Europa após o Congresso de Viena (1815)


Allmaps

Fonte: DUBY, Georges. Atlas historique mondial. Paris: Larousse, 2001. p. 86.

Na divisã o dos territó rios coloniais, a principal beneficiada foi a Inglaterra, que
obteve possessõ es em vá rios continentes, como a regiã o do Cabo, no sul da Á frica,
o Ceilã o (atual Sri Lanka), pró ximo à Índia, e a Guiana, na América do Sul.

Visando restaurar a antiga ordem, o czar Alexandre I, da Rú ssia, propô s a criaçã o


da Santa Aliança, uma organizaçã o militarizada de defesa mú tua. Os países que a
lideravam (Rú ssia, Á ustria e Prú ssia) julgavam-se com o direito de intervir e
reprimir todo e qualquer movimento liberal, nacionalista ou que objetivasse a
independência.

Apesar de seu empenho, a Santa Aliança nã o conseguiu impedir a explosã o de


movimentos liberais e nacionalistas na Europa e os movimentos de independência
na América de colonizaçã o espanhola.

Dica! Vídeo-aula sobre o Congresso de Viena, a Restauração e a Santa Aliança. [Duração: 7


minutos]. Acesse: <http://tub.im/kzpudo>.

Pá gina 173
ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. (UEG-GO – 2016) Leia o texto a seguir.

Socialmente, os sans-culottes representam os citadinos que vivem de seu trabalho, seja como
artesã os, seja como profissionais de ofício; alguns, depois de uma vida laboriosa, se tornam
pequenos proprietá rios na cidade, e usufruem as rendas de um imó vel.

PÉ RONNET, Michel. Revolução Francesa em 50 palavras-chaves. Sã o Paulo: Brasiliense, 1988. p. 248.

A aná lise do texto demonstra que os interesses sociais dos sans-culottes, importantes personagens
da Revoluçã o Francesa, se confundiam com os

a) da pequena burguesia que, apesar das conquistas econô micas, via-se pressionada pelo aumento
no custo de vida.

b) dos camponeses, já que ambos lutavam pela aboliçã o dos privilégios feudais no campo e posse
de terras coletivas.

c) dos membros do baixo clero, uma vez que lutavam por reformas sociais, mas nã o eram contra a
liberdade religiosa.

d) da classe dos girondinos, pois apesar das diferenças de classe, ambos os grupos eram
politicamente moderados.

1. Resposta: a.

2. (UERJ – 2015)

Carta de Convocação dos Estados Gerais

Por ordem do Rei.

Temos necessidade de nossos fiéis sú ditos para nos ajudarem a superar todas as dificuldades
em que nos achamos e para estabelecer uma ordem constante e invariá vel em todas as partes
do governo que interessam à felicidade dos nossos sú ditos e à prosperidade de nosso reino.
Esses grandes motivos nos determinaram convocar a assembleia dos Estados de todas as pro-
víncias sob nossa obediência, para que seja achado, o mais rapidamente possível, um remédio
eficaz para os males do Estado e para que os abusos de toda espécie sejam reformados e
prevenidos.

Versalhes, 24 de janeiro de 1789.

Adaptado de MATTOSO, K. de Q. Textos e documentos para o estudo de história contemporânea. Sã o Paulo: Edusp,
1976.

A convocaçã o dos Estados Gerais deu início à Revoluçã o Francesa, ocasionando um conjunto de
mudanças que abalaram nã o só a França, mas também o mundo ocidental em finais do século XVIII.

a) Cite um motivo para a convocaçã o dos Estados Gerais na França, em 1789.


2. a) O endividamento do Estado francê s e a aguda crise econô mica e financeira envolvendo o aumento do desemprego, a
carestia e a fome.

b) Apresente duas consequências da Revoluçã o Francesa para as sociedades europeias e


americanas.

2. b) A Declaraçã o Universal dos Direitos do Homem e do Cidadã o, que estabelecia o direito de resistê ncia à opressã o, e a
livre comunicaçã o dos pensamentos. O rompimento com o Antigo Regime, vigente ainda em vá rias partes da Europa, mostra
que é possível a emergê ncia de uma sociedade formada de cidadã os.

3. (Unicamp-SP – 2015)

A igualdade, a universalidade e o cará ter natural dos direitos humanos ganharam uma
expressã o política direta pela primeira vez na Declaraçã o da Independência americana de
1776 e na Declaraçã o dos Direitos do Homem e do Cidadã o de 1789. Embora se referisse aos
“antigos direitos e liberdades” estabelecidos pela lei inglesa e derivados da histó ria inglesa, a
Bill of Rights inglesa de 1689 não declarava a igualdade, a universalidade ou o cará ter natural
dos direitos. Os direitos sã o humanos não apenas por se oporem a direitos divinos ou de
animais, mas por serem os direitos de humanos em relaçã o uns aos outros.

Adaptado de Lynn Hunt, A invenção dos direitos humanos: uma histó ria. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.
19.

Assinale a alternativa correta.

a) A prá tica jurídica da igualdade foi expressa na Declaraçã o de Independência dos EUA e
assegurada nos países independentes do continente americano apó s 1776.

Pá gina 174

b) A lei inglesa, ao referir-se aos antigos direitos, preservava a hierarquia, os privilégios exclusivos
da nobreza sobre a propriedade e os castigos corporais como procedimento jurídico.

c) No contexto da Revoluçã o Francesa, a Declaraçã o dos Direitos do Homem e do Cidadã o significou


o fim do Antigo Regime, ainda que tenham sido mantidos os direitos tradicionais da nobreza.

d) Os direitos do homem, por serem direitos dos humanos em relaçã o uns aos outros, significam
que nã o pode haver privilégios, nem direitos divinos, mas devem prevalecer os princípios da
igualdade e universalidade dos direitos entre os humanos.

3. Resposta: d.

4. (Enem/MEC)

Em 4 de julho de 1776, as Treze Colô nias que vieram inicialmente a constituir os Estados
Unidos da América (EUA) declaravam sua independência e justificavam a ruptura do Pacto
Colonial. Em palavras profundamente subversivas para a época, afirmavam a igualdade dos
homens e apregoavam como seus direitos inaliená veis: o direito à vida, à liberdade e à busca
da felicidade. Afirmavam que o poder dos governantes, aos quais cabia a defesa daqueles
direitos, derivava dos governados. Esses conceitos revolucioná rios que ecoavam o Iluminismo
foram retomados com maior vigor e amplitude treze anos mais tarde, em 1789, na França.
COSTA, Emília Viotti da. Apresentaçã o da coleçã o. In: Wladimir Pomar. Revolução Chinesa. Sã o Paulo: Unesp, 2003
(com adaptaçõ es).

Considerando o texto, acerca da independência dos Estados Unidos e da Revoluçã o Francesa,


assinale a opçã o correta.

a) A Independência dos Estados Unidos e a Revoluçã o Francesa integravam o mesmo contexto


histó rico, mas se baseavam em princípios e ideais opostos.

b) O processo revolucioná rio francês identificou-se com o movimento de independência norte-


americana no apoio ao absolutismo esclarecido.

c) Tanto nos Estados Unidos quanto na França, as teses iluministas sustentavam a luta pelo
reconhecimento dos direitos considerados essenciais à dignidade humana.

d) Por ter sido pioneira, a Revoluçã o Francesa exerceu forte influência no desencadeamento da
independência norte-americana.

e) Ao romper o Pacto Colonial, a Revoluçã o Francesa abriu o caminho para as independências das
colô nias ibéricas situadas na América.

4. Resposta: c.

5. (UFRGS – 2014) O texto abaixo refere-se à Revoluçã o Francesa.

O Terror é doravante um sistema de governo, ou melhor, uma parte essencial do governo


revolucioná rio. Seu braço. (...) Ele é também um meio de governo omnipresente, através do
qual a ditadura revolucioná ria de Paris deve fazer sentir sua mã o de ferro em todos os lugares,
tanto nas províncias quanto nas forças armadas.

FURET, François ; OZOUF, Mona. Diccionnaire critique de la Révolution française. Événements. Paris: Flammarion,
1992. p. 298-299.

Considere as seguintes afirmaçõ es sobre o denominado Terror.

I. O governo jacobino, dirigido por Robespierre, e o Comitê de Salvaçã o Pú blica foram responsá veis
pelo período do Terror.

II. O Terror foi uma política de extermínio liderada pelos girondinos de origem burguesa.

III. O objetivo dessa política centrava-se na defesa da Revoluçã o contra os inimigos internos e
externos.

Quais estã o corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas II.

c) Apenas III.

d) Apenas I e II.

e) Apenas I e III.

5. Resposta: e.
Pá gina 175

II. Leitura e escrita em História


Leitura e escrita de textos
PROFESSOR, VER MANUAL.

Vozes do Presente

›› Fonte 1
O texto foi escrito pela historiadora Raquel Stoiani, doutora em Histó ria pela Universidade de Sã o
Paulo (USP).

Uma preocupaçã o constante de Napoleã o Bonaparte foi a construçã o de sua imagem pú blica.
Enquanto esteve no poder (1799-1815), ele estruturou uma complexa má quina de
propaganda. Do homem da paz ao deus da guerra, [...] modificava sua figura pú blica de acordo
com as necessidades do momento. Seus opositores, por sua vez, buscaram desfigurá -lo com o
mesmo empenho. [...]

Apó s a morte de Napoleã o, o livro Mémorial de Sainte-Helène (1823), de Emmanuel de Las


Cases (1766-1842), teve imensa influência na França. [...]. Começava a surgir a chamada
“Lenda Napoleô nica”, [...] Ali ele aparece como o filho da Revoluçã o Francesa, o homem que
consolidou a posse da igualdade de direitos, que tornou possível a saída da França do
feudalismo, glorificando-a com suas vitó rias [...].

No início do século XX, Napoleã o começa a ser apreciado de forma mais contida, [...] Georges
Lefèbvre (1874-1959), em seu Napoléon (1935), enfatiza as realizaçõ es positivas do
imperador e aprecia a grandeza de sua figura, mas nã o toma partido e evita julgamentos
morais. [...]

Tudo indica que o confronto entre as vá rias interpretaçõ es continuará indefinidamente.


Diversos Napoleõ es permanecem flutuando entre a “antiga ordem” e a “nova ordem” – ou entre
os valores de antes e depois da Revoluçã o Francesa. [...]

STOIANI, Raquel. Mitos de além-tú mulo. Revista de Histó ria da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 4 abr. 2010.
Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/mitos-de-alem-tumulo>. Acesso em: 4 mar. 2016.

››Fonte 2
David Jacques Louis. C.1797-98. Ó leo sobre tela. Museu do Louvre. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Retrato nã o finalizado de Bonaparte, obra de Jacques Louis David, 1797-1798.

a) Apó s a morte de Napoleã o, teve início a sua transformaçã o em uma lenda. Que argumentos
foram usados para isto?

b) Levando em conta o contexto do processo revolucioná rio francês iniciado em 1789, interprete a
afirmaçã o: “Diversos Napoleõ es permanecem flutuando entre a antiga ordem e a nova ordem – ou
entre os valores de antes e depois da Revoluçã o Francesa.”

c) O que se vê na fonte 2?

d) Relacione o debate histó rico em torno da figura de Napoleã o (fonte 1) ao modo como ele foi
retratado na fonte 2.

Pá gina 176

Independências: Haiti e
Capítulo 9

América espanhola
Professor: com base em elementos materiais, a taça Libertadores da Amé rica e a moeda com a efígie de Bolívar, buscou-se
estimular o interesse pelas lutas de independê ncia na Amé rica espanhola. O nome da taça e da competiçã o é , como se sabe,
uma homenagem aos “Libertadores da Amé rica”, a exemplo de Simó n Bolívar, representado na moeda abaixo. A Copa
Libertadores da Amé rica começou a ser disputada em 1960 e é a principal competiçã o de futebol da Amé rica do Sul. Em
2009, foi anunciada a criaçã o da Copa Libertadores Feminina, e a primeira delas foi disputada no Brasil.
DeAgostini/Getty Images

Luis Vera/LatinContent/Getty Images


» Você conhece a taça mostrada na imagem?

» E do personagem representado na moeda, você já tinha ouvido


falar?

» Qual é a relação entre a taça e o personagem representado na


moeda?

» Você sabia que, em 2009, foi criado um torneio equivalente


disputado por atletas femininas?

Pá gina 177

No final do século XVIII, a populaçã o hispano-americana era de cerca de 16


milhõ es de habitantes, que compunham cinco grupos sociais: chapetones (ou
peninsulares), criollos, mestiços, indígenas e negros escravizados.

As sociedades hispano-americanas
Os chapetones, colonos nascidos na Espanha, desfrutavam de poder e privilégio,
ocupando todos os principais cargos administrativos, militares e religiosos. Os
criollos, filhos de espanhó is nascidos na América, eram ricos fazendeiros, donos
de minas e grandes comerciantes. Alguns possuíam formaçã o universitá ria. Apesar
de terem projeçã o econô mica e social, eram impedidos de ocupar altos cargos no
governo, no Exército e na Igreja.

Os mestiços eram filhos de espanhó is ou de criollos com indígenas ou africanas.


Nascidos quase sempre de relaçõ es extraconjugais, eram vistos como ilegítimos e
proibidos de usar armas, ouro e roupas de seda. Eles trabalhavam, geralmente, em
ocupaçõ es de pouco prestígio naquela sociedade: eram pedreiros, carpinteiros,
ferreiros, capatazes de fazenda, soldados e padres.

Os indígenas constituíam a maioria da populaçã o e eram duramente explorados


nas minas, fazendas e cidades.

Os africanos escravizados eram em nú mero muito menor e viviam no litoral da


Colô mbia, do Equador e da Venezuela, onde trabalhavam principalmente nas
grandes plantaçõ es de cacau, e nas Antilhas – ilhas espanholas, francesas, inglesas
e holandesas da América Central –, onde trabalhavam, sobretudo, nas plantaçõ es
de cana-de-açú car. Indígenas, negros e mestiços sofriam discriminaçã o social e
étnica, o que aumentava as tensõ es no interior das sociedades coloniais hispano-
americanas.
Diego Rivera. 1931. Mural. Philadelphia Museum of Art. Foto: Corbis/Latinstock

Cana-de-açúcar, do mexicano Diego Rivera. Na América colonial espanhola havia estreita relaçã o
entre origem e ocupaçã o social: os brancos detinham riqueza, poder e o privilégio de ocupar os
melhores cargos; já os mestiços, indígenas e negros faziam geralmente vá rios tipos de trabalho
forçado e/ou serviços mais mal remunerados. A obra explora esse aspecto da realidade.

Pá gina 178

As lutas sociais na América


Ao longo de todo o período colonial ocorreram na América uma série de levantes e
rebeliõ es sociais contra o trabalho forçado (a mita e a encomienda) e mal
remunerado, os impostos abusivos cobrados pela Espanha e pela Igreja e a
discriminaçã o vigentes nas sociedades coloniais. Vamos apresentar de forma breve
duas dessas lutas: a Revolta de Tú pac Amaru, no atual Peru, e a Revolta dos
Comuneros, na atual Colô mbia.

A Revolta de Túpac Amaru


Como parte de sua política colonial, a Coroa espanhola delegava a curacas a
responsabilidade de governar, em nome dela, as populaçõ es indígenas do Vice-
Reino do Peru. Esses curacas eram batizados com nomes cristã os e estudavam em
colégios cató licos, onde aprendiam valores e conhecimentos presentes na cultura
espanhola.

Curacas: líderes de povoados indígenas, que descendiam de indígenas.


Um desses curacas, José Gabriel Condorcanqui, descendia da nobreza inca e tinha
sido finamente educado, tendo frequentado inclusive a Universidade de Sã o
Marcos, cujo currículo era semelhante ao da universidade espanhola de Salamanca.
Por seu carisma e preparo, Condorcanqui assumiu a liderança de diversos pueblos
(povoados) localizados na província de Tinta, no Vice-Reino do Peru. Cada pueblo
tinha o dever de pagar à Coroa espanhola um imposto e de enviar um certo
nú mero de indígenas para o cumprimento da mita, trabalho forçado realizado
durante uma parte do ano.

Na segunda metade do século XVIII, as autoridades espanholas aumentaram os


impostos cobrados dos pueblos e endureceram o controle sobre esses povoados,
diminuindo, com isso, o poder dos curacas.

Vendo que a opressã o sobre os mitayos (trabalhadores obrigados ao cumprimento


da mita) aumentava e que o poder dos curacas tinha diminuído, Condorcanqui
tentou negociar com as autoridades. Solicitou que os índios de seus pueblos nã o
tivessem mais de cumprir com a mita nas minas de Sã o Luís do Potosí, regiã o alta e
muito fria, na atual Bolívia. Ele justificou seu pedido, argumentando que os mitayos
tinham de caminhar meses para chegar à s minas, que adoeciam no caminho e que
abandonavam suas plantaçõ es sem cuidados por longo tempo. E acrescentou que,
nas minas, as mortes por soterramento eram frequentes.

Nada disto comoveu os representantes da Espanha; Gabriel Condorcanqui adotou


o nome de Tú pac Amaru, nome do ú ltimo líder da resistência inca aos espanhó is, e
optou entã o pela revolta. O levante teve início em novembro de

Daniel Lainé /Corbis/Latinstock

Homem peruano segurando o retrato de Tú pac Amaru, c. 1997. A cidade de Cuzco, que um dia foi
capital do Império Inca, é hoje considerada Patrimô nio Mundial da Humanidade pela Unesco.
Pá gina 179

1780, com a prisã o, seguida de enforcamento, do corregedor Antô nio Arriaga,


autoridade colonial responsá vel pela cobrança de impostos e pela distribuiçã o dos
indígenas nos locais de trabalho.

À frente das forças rebeldes, compostas de dezenas de milhares de indivíduos,


indígenas em sua maioria, Tú pac Amaru marchou em direçã o a Cuzco, antiga
capital inca. Os realistas, no entanto, com reforços chegados de Lima, conseguiram
refrear os rebeldes. Tú pac Amaru recuou com sua gente para Tinta, onde chegou a
assinar um documento abolindo a mita e todas as formas de trabalho forçado nas
minas e manufaturas.

Realistas: forças leais à Coroa espanhola.

Em abril, os realistas ajudados por criollos e alguns curacas cercaram os rebeldes


provocando muitas baixas entre eles. A seguir, Tú pac Amaru e seus principais
colaboradores sofreram uma emboscada e foram capturados. Em 18 de maio de
1781, Tú pac Amaru foi enforcado na praça central de Cuzco, teve sua língua
cortada e seu corpo esquartejado; sua cabeça foi exposta em diferentes pontos da
cidade. A Revolta de Tú pac Amaru teve importantes desdobramentos no Vice-
Reino do Peru: os curacas perderam as prerrogativas que tinham e o medo de um
levante da maioria indígena contra uma minoria branca assombrou as elites locais
durante muito tempo ainda. 1

1. Dica! Animação sobre a revolta liderada por Túpac Amaru. [Duração: 2 minutos.] Acesse:
<http://tub.im/bdm2yp>.

A Revolta dos Comuneros


O vice-reinado de Nova Granada também foi palco de uma importante rebeliã o
social: a Revolta dos Comuneros. Essa revolta está estreitamente ligada à política
fiscal opressiva adotada pela Espanha na América durante o século XVIII. O
estopim da revolta foi um aumento, autorizado pela Espanha em 1780, na lista de
impostos pagos pelos colonos.

Nova Granada: vice-reinado que abrangia os atuais Equador, Colô mbia, Venezuela e Panamá .

Agricultores e comerciantes da cidade de Socorro, centro têxtil e fumageiro ao


norte de Bogotá (Colô mbia), deram início ao movimento rebelde. Coletores de
impostos foram agredidos, e vá rias propriedades pertencentes a espanhó is foram
invadidas e saqueadas. A liderança criolla formou uma junta denominada El
Común; daí o nome da revolta. O movimento ganhou corpo quando o líder José
Antonio Galá n marchou em direçã o a Bogotá , centro do poder espanhol, à frente de
15 mil pessoas, indígenas em sua maioria.

Diante da radicalizaçã o do movimento, as lideranças criollas negociaram a


rendiçã o com as autoridades espanholas, em junho de 1781. Fortalecidas pela paz
firmada com os criollos e valendo-se da sua superioridade bélica, as forças da
repressã o esmagaram a revolta. José Antonio Galá n foi enforcado e esquartejado.
Partes do seu corpo foram exibidas nas cidades que participaram desse
movimento. 2 e 3

2. Dica! Documentário sobre a Revolta dos Comuneros. Em espanhol. [Duração: 24 minutos.]


Acesse: <http://tub.im/s6b4rg>.

3. Dica! Documentário sobre o processo de independência da Colômbia. Em espanhol. [Duração:


44 minutos.] Acesse: <http://tub.im/m4k2gj>.

Brasã o da cidade de Charalá , Colô mbia

O brasã o da cidade de Charalá (Colô mbia) é uma homenagem ao líder José Antonio Galán e ao
movimento comunero.

Pá gina 180

O caso do Haiti: América francesa


Localização do Haiti e da República Dominicana
Allmaps

Fonte: ATLAS geográ fico escolar. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. p. 39.

A ilha de Sã o Domingos está situada no mar do Caribe e foi encontrada por Colombo na sua
primeira viagem à América. Inicialmente ele a denominou Hispaniola; posteriormente, foi
rebatizada com o nome de Sã o Domingos. A porçã o ocidental da ilha de Sã o Domingos (hoje Haiti)
foi ocupada pelos franceses, e a porçã o oriental (atual Repú blica Dominicana) continuou sob
domínio dos espanhó is.

Os franceses ocuparam a porçã o ocidental da ilha de Sã o Domingos no século XVII


e lá , utilizando o trabalho de africanos escravizados, montaram grandes fazendas
produtoras de artigos tropicais, como café, algodã o, índigo e, especialmente, açú car
e rum. No fim do século XVIII, a populaçã o de Sã o Domingos era formada por mais
de 85% de negros e uma minoria de mestiços e de brancos.

A dominaçã o da minoria de senhores de origem europeia sobre os milhares de


trabalhadores negros se fazia por meio da violência cotidiana e de doses elevadas
de perversidade. A resistência negra na ilha, por sua vez, manifestava-se de
diversas formas, inclusive por meio de fugas coletivas e a formaçã o de quilombos,
chamados na América francesa de gran marronage. Nesse ambiente tenso, em
que os quilombos se multiplicavam, explodiu, em 1791, nas fazendas açucareiras
do norte da ilha, um grande levante escravo liderado por Toussaint L’Ouverture
(“abertura” em francês). Os rebeldes exigiam melhores condiçõ es de trabalho nas
plantaçõ es e mais tempo para cultivar gêneros agrícolas necessá rios à
sobrevivência.

Gran marronage: quilombo; comunidade de escravos fugidos. Existiram quilombos por toda a América; na
inglesa recebiam o nome de maroons; na espanhola, palenques; e na francesa, grand marronage (para
diferenciar da petit marronage, nome dado à fuga individual).

Pá gina 181
No início de 1794, um fato novo ocorrido na França acelerou o curso dos
acontecimentos: os jacobinos decretaram o fim da escravidã o nas colô nias
francesas; essa importante decisã o da França revolucioná ria atingiu em cheio a
escravidã o centro-americana. Potencializando a lei abolicionista, os libertos de Sã o
Domingos se mobilizaram para apoiar a ascensã o de L’Ouverture ao poder na parte
ocidental da ilha. A seguir, ele e seus homens conquistaram a parte oriental
(pertencente à Espanha), onde também aboliram a escravidã o.

No cargo de governador-geral da ilha entre 1794 e 1802, L’Ouverture tentou


reorganizar a economia; mas a oposiçã o, liderada por brancos e mestiços ricos, e a
recusa dos ex-escravos de trabalharem para seus antigos senhores frustraram sua
tentativa.

O processo revolucioná rio sofreu nova reviravolta com a ascensã o de Napoleã o


Bonaparte ao poder na França, em 1799. Ele anulou a lei abolicionista e autorizou a
invasã o da ilha de Sã o Domingos por um Exército de 25 mil homens. L’Ouverture
foi preso e enviado para a França, permanecendo ali até sua morte, em 1803. Mas,
nos embates que se seguiram, as tropas francesas foram derrotadas e expulsas da
ilha; é que muitos africanos traziam consigo da Á frica a experiência do combate em
pequenos grupos e surpreendiam o adversá rio graças à grande agilidade no
deslocamento.

A resistência popular na ilha continuou, agora, sob o comando de Jean-Jacques


Dessalines – um ex-escravo que se fez general nas tropas de L’Ouverture. À frente
das tropas de libertaçã o, Dessalines e seus soldados proclamaram a independência
de São Domingos, em 1804, e mudaram o nome da ilha para Haiti, a segunda
naçã o a conseguir a independência na América e a primeira a combinar
independência e aboliçã o.

Haiti: derivado de ahiti, que, na língua aruaque, significa “terra montanhosa”.

A notícia da vitó ria dos negros no Haiti logo se espalhou por toda a América,
disseminando o medo entre as elites; no Brasil, esse medo, chamado à época de
haitianismo, foi particularmente intenso, já que cerca de 2/3 da populaçã o do país
era composta de negros escravizados.
Manuel Cohen/Image Forum

Busto de Toussaint L’Ouverture (1743-1803), inaugurado em 2005, em Bordeaux (França), obra do


artista Ludovic Booz. L’Ouverture, líder da independência e da luta pela liberdade no Haiti,
destacou-se como estrategista e principal comandante das forças que venceram aqueles que
desejavam restabelecer a ordem étnica e social na ilha de Sã o Domingos.

Dica! Vídeo sobre a revolução escrava que deu origem à atual República do Haiti. [Duração: 6
minutos.] Acesse: <http://tub.im/tu72s5>.

A crise nos domínios espanhóis da América


No início do século XIX, em um curto espaço de tempo, 1808-1826, ocorreram
mudanças significativas na histó ria da América espanhola; o Império Espanhol se
desagregou dando origem a um conjunto de países independentes, com leis e
governos pró prios. De um Império imenso originou-se quase duas dezenas de
repú blicas.

Para melhor compreender esse processo de emancipaçã o política das colô nias
espanholas na América é preciso recuar à segunda metade do século XVIII e
conhecer as reformas implementadas pelo rei espanhol Carlos III (1759-1788), da
dinastia Bourbon.

Pá gina 182

Anton Raphael Mengs. Museu do Prado. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Carlos III da Espanha, ó leo sobre tela, c. 1761.

Disposto a modernizar a Espanha e suas relaçõ es com a América espanhola, o


déspota esclarecido Carlos III:
»» impô s monopó lios sobre um nú mero crescente de produtos, entre eles o fumo,
as bebidas alcoó licas, a pó lvora e o sal; proibiu as plantaçõ es de vinhedos e olivais
e ordenou a destruiçã o das manufaturas têxteis (as obrajes) na América;

»» pô s em prá tica um modelo mais eficiente de taxaçã o e arrecadaçã o de impostos.


Assim, nos ú ltimos 25 anos do século XVIII, as colô nias espanholas na América
enviaram para a Espanha, a cada ano, cerca de 10 milhõ es de pesos em impostos;

»» extinguiu o sistema de portos ú nicos vigente desde o início da colonizaçã o e


autorizou 20 outros portos americanos a comerciarem com a Espanha;
intensificando a circulaçã o de mercadorias, a Monarquia espanhola aumentava o
montante de impostos arrecadados na América;

»» em 1778, visando evitar o contrabando e aumentar ainda mais a arrecadaçã o de


impostos, liberou o livre -comércio entre as colô nias espanholas na América, o que,
embora fosse prá tica corrente, nã o era permitido pela metró pole. Os comerciantes
espanhó is e seus representantes nas colô nias se consideraram prejudicados pela
decisã o do monarca, pois iriam perder os lucros que o exclusivo comercial
metropolitano lhes proporcionava. Os criollos, por sua vez, consideraram a medida
insuficiente pois almejavam o livre-comércio com todos os países do mundo.

Ao mesmo tempo em que a Monarquia espanhola aumentava o controle sobre suas


colô nias americanas, dificultava a ascensã o social dos criollos. Nas sociedades
hispano-americanas, os principais cargos no governo, no Exército e na Igreja eram
reservados aos chapetones. No México de 1808, por exemplo, havia apenas um
bispo criollo. Os criollos, mesmo sendo ricos, eram impedidos de ocupar tais
cargos.

Desde o início da colonizaçã o, as sociedades coloniais hispâ nico-americanas


apresentavam uma hierarquia rígida; o lugar de cada pessoa era dado basicamente
pelo nascimento. Os indígenas pagavam um tributo específico ao rei e estavam
submetidos a diversas formas de trabalho forçado. Embora nã o fossem a mã o de
obra predominante, os negros escravizados estavam distribuídos por toda a
América espanhola; em maior nú mero nas plantaçõ es do Caribe, nas costas da
Venezuela e nas minas de ouro da Colô mbia. Índios, negros e mestiços faziam os
trabalhos mais pesados e eram discriminados por sua origem e cor. Os
peninsulares e os criollos detinham riqueza, poder e privilégio.
Escola espanhola. C. 1750. Painel. Nuestra Senora de Copacabana, Lima. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

Casamento duplo entre dois colonos nascidos na Espanha (chapetones) e duas mulheres incas, c.
1750. No canto superior esquerdo, o artista representou familiares das noivas e, no canto superior
direito, familiares dos noivos.

Pá gina 183

As tropas de Napoleão invadem a Espanha


As sociedades hispano-americanas estavam assim organizadas quando, em 1808,
um fato novo contribuiu para mudar o curso de suas histó rias: as forças de
Bonaparte invadiram a Espanha, prenderam o rei Fernando VII e impuseram ao
país um novo governo, liderado por José Bonaparte, irmã o de Napoleã o.

Em Madri, os espanhó is pegaram em armas para resistir aos franceses, mas foram
reprimidos com muita violência.

Francisco Goya. Sé c. XIX. Á gua-forte. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

“E eles sã o como bestas selvagens”, prancha 5 da série Os desastres da guerra, de Francisco Goya
(1746-1828). Esse artista espanhol, que viveu na época das guerras napoleô nicas, representou a
luta das mulheres espanholas na resistência aos invasores franceses. Em primeiro plano, vemos
uma mulher carregando e protegendo uma criança com a mã o esquerda, enquanto combate o
invasor com a mã o direita, munida de uma lança apenas.

Diante da repressã o, a resistência espanhola deslocou-se para Cá diz, no sul da


Espanha. E lá convocou as Cortes Constituintes para elaborar uma Constituiçã o
para a Espanha. As Cortes incluíam deputados da Espanha e da América espanhola
e tomaram decisõ es importantes para todos os sú ditos da realeza. Merece mençã o
a fala do deputado mexicano Mejia Lequerica na abertura dos trabalhos; ele pediu:
“que a assembleia nã o se dissolvesse e seus membros nã o se separassem antes de
elaborar uma Constituiçã o”. E assim foi feito. A Constituiçã o aprovada em Cá diz,
em 1812:

»» reconheceu Fernando VII como o legítimo rei da Espanha;


»» substituiu a Monarquia Absolutista pela Monarquia Constitucional; limitou,
assim, a autoridade do rei determinando que, a partir de entã o, toda lei precisava
da aprovaçã o das Cortes;

»» extinguiu o Tribunal da Santa Inquisiçã o, instrumento usado pela Igreja Cató lica
para exercer sua dominaçã o e punir aqueles que contrariavam seus dogmas;

»» estabeleceu a liberdade de imprensa e a inviolabilidade de domicílio;

»» aboliu o tributo pago pelas comunidades indígenas da América e o trabalho


forçado, a exemplo da mita;

»» conferiu o direito de voto a todos os homens independentemente de serem


ricos, pobres ou analfabetos.

A Constituiçã o de Cá diz representou um avanço com relaçã o aos direitos da pessoa


e influenciou as constituiçõ es feitas posteriormente na América independente.
Com relaçã o à s colô nias americanas, no entanto, manteve a desigualdade de
direitos na representaçã o política.

Cortes Constituintes: nome dado ao Parlamento, isto é, ao conjunto de deputados encarregados de fazer
leis que regeriam a sociedade e limitariam o poder do rei.

DIALOGANDO

Goya definiu a guerra como uma derrota da humanidade. E para você, o que é a guerra?

Resposta pessoal. Professor: a intençã o aqui é chamar a atençã o para o lado absurdo e trá gico presente em todas as
guerras, contribuindo com isso para a disseminaçã o de uma cultura da paz, tal como pretendido pela ONU.

Pá gina 184

As guerras da independência na América


Assim que chegou à América a notícia de que o trono espanhol estava sem seu
legítimo rei por causa da invasã o napoleô nica, os criollos reagiram formando
Juntas Governativas e exércitos para lutar pela independência.

Juntas Governativas: governos locais autô nomos formados a partir dos cabildos (câ maras municipais
amplamente dominadas pelos criollos).

As guerras de independência entre os insurgentes e os realistas podem ser


divididas em duas fases:

»» Na primeira fase, de 1810 a 1815, os habitantes das colô nias, liderados pelos
criollos em cidades como Caracas, Buenos Aires, Bogotá e Santiago, formaram
exércitos e obtiveram importantes vitó rias contra os realistas. Naqueles anos, as
forças de Bonaparte controlavam a maior parte do territó rio espanhol e as
lideranças espanholas estavam concentradas na expulsã o dos franceses de seu
territó rio;

»» Já a segunda fase, de 1815 a 1824, começou quando o rei Fernando VII – que
reassumira o trono espanhol com a queda de Napoleã o – anulou a Constituiçã o de
Cá diz, reestabeleceu o absolutismo e enviou para a América uma grande expediçã o
com 10 mil homens e 18 navios de guerra para reprimir os movimentos pela
independência.

San Martín e Bolívar


José de San Martín liderou o chamado Exército dos Andes, formado por mais de 5
mil homens. Esse Exército foi responsá vel pela libertaçã o da Argentina (1816) e,
em seguida, apó s vencer as batalhas de Chacabuco e Maipu, libertou também o
Chile (1818), que passou a ser presidido por Bernardo O’Higgins, cabeça do
movimento de independência chileno.

Anos depois, o Exército dos Andes desembarcou no Peru, protegido pelos navios
ingleses sob o comando de Thomas Cochrane, e colaborou para a independência
daquele país (1821).

Thomas Cochrane: almirante inglês que também participou das lutas para garantir a emancipaçã o política
do Brasil.

Dica! Vídeo didático abordando as ações do Exército dos Andes. Em espanhol. [Duração: 4
minutos.] Acesse: <http://tub.im/urnrkk>.

Outra importante figura das guerras de independência na América foi a do general


venezuelano Simó n Bolívar. Veja o que duas historiadoras dizem sobre ele:

Para saber mais


Simón Bolívar

[…] Simó n Bolívar também teve uma vida repleta de peripécias. Nasceu em Caracas, em 24 de
julho de 1783, filho de uma rica e tradicional família de fazendeiros de cacau. Ó rfã o desde
muito cedo, foi criado pelo avô , que lhe proporcionou uma esmerada educaçã o de inspiraçã o
liberal […]. Como era comum entre os criollos mais ricos, viajou vá rias vezes à

Pá gina 185

Europa, tendo passado por França, Itá lia e Espanha. Neste ú ltimo país, casou-se com Maria
Tereza del Toro que, apó s oito meses de casada, faleceu em terras venezuelanas, de febre
amarela, para grande desgosto do marido.
Entre idas e vindas da Europa, instalou-se definitivamente na Venezuela, em 1807,
envolvendo-se, desde o início, nos movimentos pela independência.

[...]

As vitó rias e derrotas das forças rebeldes lideradas por Simó n Bolívar, no norte da América do
Sul, demonstravam a dificuldade da Espanha em vencer os rebeldes e os obstá culos que estes
enfrentavam para manter as conquistas. Depois da restauraçã o de Fernando VII, como já foi
indicado, chegou a Nova Granada a grande expediçã o do general Pablo Morillo para
reconquistar os territó rios perdidos. A repressã o foi muito violenta, indicando num primeiro
momento que esta era a estratégia correta. [...] Bolívar e seus generais reorganizaram os
exércitos e iniciaram a virada no tabuleiro da guerra, prometendo a alforria aos escravos que
se alistassem e terra aos soldados do exército. [...]

Diferentemente de San Martín, Bolívar envolveu-se fortemente com as questõ es do poder


político. Exerceu cargos executivos, trabalhou na elaboraçã o de textos constitucionais e deixou
muitas cartas e outros escritos versando sobre temas políticos diversos, carregados de ideias e
propostas. [...] Bolívar sofreu atentados à sua vida, mas saiu ileso. Em uma das vezes, foi salvo
por Manuela Sá enz, sua ú ltima companheira. Nascida em Quito, Manuela deixou o marido para
seguir Bolívar. Já em vida era conhecida por sua iniciativa, coragem e lealdade ao general.

PRADO, Maria Lígia C.; SOARES, Gabriela P. História da América Latina. Sã o Paulo: Contexto, 2014. p. 31-33.

Autor desconhecido. Retrato de Simó n Bolívar. Sé c. XIX. Ilustraçã o. Coleçã o particular. Foto: Bettmann/Corbis/Latinstock

Simó n Bolívar liderando suas tropas, século XIX.


Autor desconhecido. Retrato de Manuela Sá enz. C. 1820. Ó leo sobre tela. Coleçã o particular. Foto: José Caruci/AP Photo

Pintura de Manuela Sá enz, c. 1820. Ela lutou ao lado de Bolívar pela independência na América
espanhola. Hoje é vista por muitos latino-americanos como uma das heroínas dos movimentos
independentistas na América.

Pá gina 186

A exemplo do que fizera San Martín, Simó n Bolívar atravessou a Cordilheira dos
Andes à frente de um exército regular e conquistou Bogotá , em 1819. Dois anos
depois, proclamou a Repú blica da Grã -Colô mbia (Colô mbia, Venezuela e Equador),
da qual se tornou presidente. Mas ao contrá rio do que desejou Bolívar, essa
unidade política se fragmentou e se formaram entã o as repú blicas da Colô mbia, da
Venezuela e do Equador.

Em 1822, as forças de Simó n Bolívar e de José de San Martín se encontraram em


Guayaquil, no Equador, para discutir a estratégia de combate e a liderança nas
lutas contra as tropas espanholas alojadas no Vice-Reino do Peru. O teor da
conversa entre eles ainda hoje é um mistério; mas sabe-se que Simó n Bolívar
assumiu a liderança das guerras de independência na regiã o. Acompanhado do
general Antô nio Sucre colaborou para a consolidaçã o da independência do Peru,
em 1824, e a conquista da independência da Bolívia, em 1825. 1 e 2

1. Dica! Narrativa da vida de Simón Bolívar. [Duração: 10 minutos.] Acesse:


<http://tub.im/kg2yhj>.

2. Dica! Vídeo sobre a vida de José de San Martín. [Duração: 10 minutos.] Acesse:
<http://tub.im/5vov7s>.

Para refletir
O projeto de Bolívar era ver formar-se na América uma confederação
republicana, isto é, uma associaçã o de Estados independentes unidos por
objetivos de cooperaçã o e defesa. Na célebre Carta da Jamaica, em 1815, Bolívar
escreveu:

É uma ideia grandiosa pretender formar de todo o Novo Mundo uma ú nica naçã o com um
ú nico vínculo que ligue as partes entre si com o todo. Já que tem uma só origem, uma só língua,
mesmos costumes e uma só religiã o, deveria, por conseguinte, ter um só governo que
confederasse os diferentes Estados que haverã o de se formar.

BOLÍVAR, Simó n. In: WASSERMAN, Clá udia (Coord.). História da América Latina: cinco séculos. Porto Alegre: UFRGS,
2000. p. 165.

Ariana Cubillos/AP Photo/Glow Images

Pedestres à frente de um mural representando Simó n Bolívar, visto como heró i no imaginá rio
popular venezuelano. Caracas, Venezuela, 2008.

a) O que Bolívar defende nesse trecho da carta?

a) Bolívar defende a formaçã o de uma só naçã o em toda a Amé rica (Novo Mundo); uma grande Repú blica federativa
obediente a um só governo.

b) Que argumentos Bolívar utiliza em defesa de sua ideia?

b) O fato de os hispano-americanos terem origem, língua, costumes e religiã o comuns.

c) Em tempos recentes, governantes da Venezuela, como Hugo Chá vez e Nicolá s


Maduro, utilizaram o legado de Bolívar na sua política externa. Por que eles teriam
agido assim?

c) Hugo Chá vez e Nicolá s Maduro utilizavam a força do mito bolivariano para legitimar suas políticas externas de crescente
oposiçã o aos Estados Unidos. Evocando ideais bolivarianos, defendiam a integraçã o econô mica e militar entre os países
latino-americanos. O mito bolivariano tem uma penetraçã o enorme entre as camadas populares da Venezuela.

Pá gina 187

O caso do México
A primeira tentativa de emancipaçã o política na América espanhola ocorreu no
Vice-Reino da Nova Espanha, em 1810, e foi liderada por Miguel Hidalgo, padre
do pequeno povoado de Dolores, pró ximo à s minas de Guanajuato. À frente de
milhares de camponeses, o padre iniciou uma rebeliã o contra o domínio espanhol
que clamava por independência e terra para os pobres (inclusive as da Igreja). Nas
suas marchas reivindicató rias em direçã o à Cidade do México, os rebeldes
ostentavam estandartes de Nossa Senhora de Guadalupe, uma virgem mestiça,
morena como milhõ es de nativos do México.

Vice-Reino da Nova Espanha: unidade administrativa fundada em 1535; era a parte mais rica do Império
Espanhol na América.

Os rebeldes venceram os realistas por diversas vezes e libertaram algumas cidades


nas quais o padre Hidalgo determinou o fim da escravidã o negra e dos tributos
indígenas, a exemplo da mita.

Dica! Vídeo sobre a vida de Miguel Hidalgo. [Duração: 8 minutos.] Acesse:


<http://tub.im/udscxv>.

Na repressã o ao movimento, parte da elite criolla uniu-se uma vez mais aos
realistas e ajudou a esmagar a revolta. O padre Hidalgo foi preso e fuzilado em
julho de 1811. A luta pela independência prosseguiu, entã o, sob a liderança de um
outro padre, José Maria Morellos. Ele propunha que se dividissem a terra e o
dinheiro dos mais ricos entre os vizinhos pobres do mesmo povoado. A adesã o de
grande quantidade de indígenas e camponeses (cerca de 80 mil) à s forças de
Hidalgo e Morellos se explica pela pobreza extrema em que vivia a maioria da
populaçã o. Esse movimento popular também foi vencido, e o padre Morellos,
fuzilado em 1815.

Esmagada a revolta indígena e popular, a luta por independência continuou, mas


sob a liderança da elite criolla. Depois de anos de lutas, nas quais morreram cerca
de 1 milhã o de pessoas, a independência foi obtida (1821). A conquista resultou de
um acordo entre as elites locais, sob o comando do coronel Agustín de Iturbide,
que nã o por acaso havia liderado a repressã o aos seguidores de Hidalgo e Morellos.
Aproveitando-se da situaçã o, Iturbide deu um golpe de Estado e proclamou-se
imperador, com o título de Agustín I. Pouco tempo depois, no entanto, os criollos o
depuseram e proclamaram a Repú blica mexicana.

O projeto de independência vitorioso era favorá vel aos criollos locais. No México
independente, a concentraçã o da riqueza e da terra manteve-se inalterada; a
maioria da populaçã o continuou excluída do direito à cidadania.

A América Central esteve unida ao México até 1824, quando proclamou sua
independência com o nome de Províncias Unidas da América Central.
Posteriormente, sob forte pressã o inglesa e estadunidense, a regiã o se fragmentou
em pequenas repú blicas: Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicará gua e Costa
Rica.
Juan O’Gorman. Sé c. XIX. Mural. Coleçã o particular. Foto: The Granger Collection/Glow Images

Detalhe da pintura mural de Juan O’Gorman, contando em linguagem pictó rica a luta dos indígenas
e camponeses mexicanos liderados pelo padre Hidalgo. Repare que eles carregam um estandarte
com a imagem da Virgem de Guadalupe, que hoje é um dos símbolos do México.

Pá gina 188

De acordo com a maioria dos analistas, a independência política beneficiou,


sobretudo, os criollos, que lideraram o processo de lutas e, ao mesmo tempo,
definiram os limites dessa “independência”. Enquanto as elites dos novos países se
ocupavam da grande política, a maioria, formada de pessoas pobres, mantinha a
esperança de que os tempos que se abriram com a independência lhes trouxessem
melhores condiçõ es de vida, acesso à terra e participaçã o política. Os povos
indígenas e de origem africana e seus descendentes integram essa maioria, que
continua lutando por melhores condiçõ es de vida, direitos sociais e cidadania
plena.
Earl Leaf/Michael Ochs Archive/Getty Images

Descendentes de quilombolas tocando banjo e flauta (ao centro) em um remanescente quilombo


localizado na Jamaica, em uma fotografia de 1946. A Jamaica, assim como o Haiti, recebeu uma
grande quantidade de africanos escravizados que foram trazidos para trabalhar nas plantaçõ es e
nos engenhos de cana-de-açú car de seus donos.

Danny Lehman/Corbis/Latinstock

Indivíduos quíchua, povo que já habitava o Vice-Reino do Peru nos tempos de Tú pac Amaru. O
quíchua, falado nos Andes desde a época do Império Inca, é hoje uma das línguas oficiais do Peru.
Fotografia de 2001.

Independências e fragmentação
No Congresso do Panamá , em 1826, Simó n Bolívar continuou lutando pela unidade
latino-americana. No entanto, ela nã o se concretizou; o que se viu foi a formaçã o de
uma América fragmentada, dividida em 19 Estados nacionais (1830), cada qual
com um governo pró prio. A fragmentaçã o da América em diversas repú blicas tem
sido tema de debates entre os historiadores; as razõ es mais citadas para explicar
essa fragmentaçã o sã o três:

Pá gina 189

»» os conflitos de interesses entre as elites criollas;

»» a força dos caudilhos, chefes políticos ou militares locais, com grande poder
em sua localidade ou província;

»» e as pressõ es da Inglaterra pela fragmentaçã o da América em vá rias repú blicas.

Independências na América Latina


Allmaps

Fonte: DUBY, Georges. Atlas Historique Mondial. Paris: Larousse, 2011. p. 243.

A América espanhola se fragmentou em diversas repú blicas, enquanto na América portuguesa, o


Brasil independente manteve a Monarquia e a unidade territorial.

Nos novos Estados latino-americanos, a instabilidade política, a pobreza e a


exclusã o social e a força das elites locais facilitaram a emergência da figura do
caudilho.

Caudilhos: a historiografia recente entende que o poder do caudilho se constró i por meio de relaçõ es nos
níveis local, nacional e internacional e se fortalece em contextos histó ricos específicos nos quais as instituiçõ es
políticas sã o frá geis. Uma das características importantes do caudilhismo é o clientelismo – relaçõ es pessoais
que indivíduos com riqueza, poder e prestígio elevados mantêm com outros relativamente pobres e sem
prestígio social. O cliente, um peão, por exemplo, busca conseguir de seu patrã o proteçã o política e econô mica
e oferece, em troca, sua força de trabalho e lealdade.

Por vezes, os caudilhos conseguiram reunir sob seu comando as forças de uma
regiã o e, até mesmo, de toda uma repú blica. Foi esse o caso da Argentina, onde
apó s a independência, a disputa pelo poder político opô s os unitá rios (favorá veis a
centralizaçã o) aos federalistas (que defendiam a autonomia das províncias). As
divergências entre eles se desdobraram em guerras civis intermitentes. Lá , a
presença de caudilhos à frente de grupos armados impediu a organizaçã o de um
Estado nacional centralizado até 1862, quando Bartolomeu Mitre assumiu a
Presidência do país como um todo.

Dica! Documentário sobre os 200 anos da independência dos países latino-americanos. [Duração:
202 minutos.] Dividido em duas partes. Para a primeira parte, acesse: <http://tub.im/7n6wwh>.

Pá gina 190
ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. Leia as fontes 1 e 2 com atençã o.

››Fonte 1

Na porçã o ocidental da ilha de Sã o Domingos, os franceses montaram grandes fazendas


(plantations) com mã o de obra de africanos escravizados. Os produtos café, algodã o, açú car e rum,
entre outros, eram vendidos ao exterior com grande lucro.

››Fonte 2

POPULAÇÃO DE SÃO DOMINGOS FINAL DO SÉCULO XVIII


Etnia População Em %
Negros 500 mil 87,75%
Mestiços 30 mil 5,25%
Brancos 40 mil 7,00%
Total 570 mil 100%

DONGHI, Halperin. Fonte: GUAZZELLI, César A. B. In: WASSERMAN, Clá udia (Coord.). História da América Latina:
cinco séculos. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 134.

a) O que se pode concluir pela leitura da fonte 2?

1. a) Que, no final do sé culo XVIII, a imensa maioria da populaçã o da ilha de Sã o Domingos era formada por negros
escravizados (87,75%). Mestiços e brancos juntos somavam apenas 12,25%.

b) Que conclusã o se pode tirar comparando a fonte 1 à fonte 2?

1. b) Que a maioria negra era oprimida pela minoria branca, o que tornava a vida social tensa. Professor: entre os franceses
e os africanos escravizados havia fortes divergê ncias por motivos é tnicos e também socioeconô micos.

2. (Unemat-MT – 2014)

A Revoluçã o Francesa foi, de fato, um conjunto de acontecimentos suficientemente poderoso e


universal em seu impacto para ter transformado o mundo permanentemente [...] Metade dos
sistemas legais do mundo está baseado na codificaçã o legal que a Revoluçã o implantou [...] A
Revoluçã o Francesa deu aos povos a noçã o de que a histó ria pode ser mudada por sua açã o.
Deu-lhes o que até hoje permanece como a mais poderosa divisa jamais formulada para
política da democracia e das pessoas comuns que ela inaugurou: “liberdade, igualdade,
fraternidade”.

HOBSBAWM, Eric. Ecos de Marselhesa. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 124-125.

Qual país latino-americano teve sua independência influenciada pela Revoluçã o Francesa?

a) Espanha
b) Brasil

c) Estados Unidos

d) Austrá lia

e) Haiti

2. Resposta: e.

3. (UFPI)

[...] todos os brasileiros, e sobretudo os brancos, não percebem suficientemente que é tempo
de se fechar a porta aos debates políticos [...]. Se se continua a falar dos direitos dos homens, da
igualdade, terminar-se-á por pronunciar a palavra fatal: liberdade, palavra terrível e que tem
muito mais força num País de escravos que em qualquer outra parte [...]

In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). 1822: dimensõ es. Sã o Paulo: Perspectiva, 1972. p. 482.

O texto acima, escrito provavelmente por volta de 1823/1824, é parte de uma carta sobre a
independência do Brasil, enviada por um observador europeu a D. Joã o VI.

Leia com atençã o o texto e, a seguir, assinale a alternativa que expressa a configuraçã o social do
processo brasileiro de independência.

a) A democracia racial, decorrente de uma intensa miscigenaçã o durante o período colonial,


contribuiu para conciliar, logo nos primeiros anos do Império, os interesses dos distintos grupos
sociais.

b) A “soluçã o moná rquica”, através da qual a jovem naçã o optava por afastar-se de seus vizinhos
americanos e adotar modelos políticos europeus, foi historicamente necessá ria como instrumento
de conciliaçã o das raças no Brasil.

Pá gina 191

c) O “haitianismo”, temor da elite branca brasileira de que se repetisse no Brasil uma revoluçã o
negra, tal qual ocorrera no Haiti, limitou as bases sociais da independência e justificou
manifestaçõ es como essa da carta transcrita.

d) Em razã o de temores como aquele expresso na carta citada, a independência fez-se acompanhar
de um processo crescente de enfraquecimento da escravidã o. Os mesmos grupos que lideraram o
processo de independência liderariam, anos depois, a aboliçã o da escravatura.

e) O temor expresso na carta é infundado, pois além de contar com um nú mero pequeno de
escravos à época da independência, as relaçõ es entre os escravos e seus senhores, no Brasil, sempre
foram cordiais, decorrendo justamente disso a noçã o de “democracia racial”.

3. Resposta: c.

4. (Unicamp-SP – 2016)
As revoluçõ es de independência na América hispâ nica foram, ao mesmo tempo, um conflito
militar, um processo de mudança política e uma rebeliã o popular.

Rafael Rojas. Las repúblicas de aire. Buenos Aires: Taurus, 2010. p. 11.

Sã o características dos processos de independência nas ex-colô nias espanholas na América:

a) o descontentamento com o domínio colonial e a agregaçã o de grupos que expressavam a


heterogeneidade étnica, regional, econô mica e cultural do continente.

b) o caudilhismo, sob a liderança política criolla, e o discurso revolucioná rio de uma nova ordem
política, que assegurou profundas transformaçõ es econô micas na América.

c) o uso dos princípios liberais de organizaçã o política republicana e a criaçã o imediata de


exércitos nacionais que lutaram contra as forças espanholas.

d) a participaçã o de indígenas e camponeses, determinante para a consolidaçã o do processo de


independência em regiõ es como o México, e sua ausência nas açõ es comandadas por Bolívar.

4. Resposta: a.

5. (Unesp-SP – 2015)

Era o fim. O general Simó n José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios ia embora
para sempre. Tinha arrebatado ao domínio espanhol um império cinco vezes mais vasto que as
Europas, tinha comandado vinte anos de guerras para mantê-lo livre e unido, e o tinha
governado com pulso firme até a semana anterior, mas na hora da partida nã o levava sequer o
consolo de acreditarem nele. O ú nico que teve bastante lucidez para saber que na realidade ia
embora, e para onde ia, foi o diplomata inglês, que escreveu num relató rio oficial a seu
governo: “O tempo que lhe resta mal dá para chegar ao tú mulo.”

Gabriel García Má rquez. O general em seu labirinto, 1989.

O perfil de Simó n Bolívar, apresentado no texto, acentua alguns de seus principais feitos, mas deve
ser relativizado, uma vez que Bolívar

a) foi um importante líder político, mas jamais desempenhou atividades militares no processo de
independência da América Hispâ nica.

b) obteve sucesso na luta contra a presença britâ nica e norte-americana na América Hispâ nica, mas
jamais conseguiu derrotar os colonizadores espanhó is.

c) defendeu a total unidade das Américas, mas jamais obteve sucesso como comandante militar nas
lutas de independência das antigas colô nias espanholas.

d) teve papel político e militar decisivo na luta de independência da América Hispâ nica, mas jamais
governou a totalidade das antigas colô nias espanholas.

e) atuou no processo de emancipaçã o da América Hispâ nica, mas jamais exerceu qualquer cargo
político nos novos Estados nacionais.

5. Resposta: d.

Pá gina 192
II. Leitura e escrita em História
a. Leitura de imagem
A imagem é um detalhe da pintura mural de Diego Rivera intitulada Guerra de independência do
México. Observe-a com atençã o.

Diego Rivera. La guerra de la independencia de Mé xico. 1810. Mural. Palá cio Nacional, Mé xico, DF.

a) Quem sã o os padres que ocupam o centro da cena e quem é o imperador retratado no canto
esquerdo?

a) Os padres representados ao centro sã o Miguel Hidalgo e José Maria Morellos, que, na visã o do pintor, foram importantes
vultos da independê ncia no Mé xico; no canto esquerdo, vemos o imperador Iturbide.

b) Como esses personagens estã o representados?

b) Padre Hidalgo, o personagem central, traz na mã o direita uma corrente partida (que representa a liberdade obtida com o
fim do domínio colonial espanhol), e, na mã o esquerda, um estandarte com a imagem da Virgem de Guadalupe. À direita de
Hidalgo está o padre Morellos, com o braço direito estendido como quem aponta o caminho a seguir: o da libertaçã o, o da
independê ncia; gesto idê ntico faz a personagem-soldado que está um pouco abaixo, vestindo armadura e portando uma
espada na mã o direita e uma espingarda na esquerda; alé m disso, ele aponta para os camponeses armados à sua frente (e de
costas para o observador) o caminho a seguir. Finalmente, o imperador Iturbide, no canto esquerdo do mural e com uma
coroa na cabeça, é mostrado com o olhar parado, como um simples coadjuvante; algué m sem importâ ncia no rumo dos
acontecimentos.

c) Há ainda na parte inferior do mural uma cena que merece destaque. Qual é ela?

c) Na parte inferior do mural e ao centro está uma á guia com uma cobra presa ao bico. Essa figura era, segundo a crença dos
sacerdotes astecas, um sinal dos deuses de que ali onde estava a á guia era o local onde os astecas tinham de fundar a cidade
de Tenochtitlá n (atual Cidade do Mé xico). Hoje, a figura da á guia com a serpente em seu bico é um símbolo da naçã o
mexicana e está , inclusive, em sua bandeira.

d) Pesquise e escreva um pequeno texto sobre esse mural e seu autor.

d) A pintura intitulada Guerra de independê ncia do Mé xico faz parte de um conjunto de murais em que o artista se propô s a
contar a histó ria mexicana, desde antes da chegada dos espanhó is até o presente; e incluiu na sua narrativa imagens do
futuro mexicano. Diego Rivera (1886-1957) iniciou essas obras murais no Palá cio Nacional da Cidade do Mé xico, centro do
poder político mexicano, em 1929, e as retomou diversas vezes entre 1935 e 1945, e no início dos anos de 1950. Já se disse
que uma obra de arte revela mais sobre o momento histó rico em que foi feita do que sobre a histó ria que pretendeu narrar.
Nesse sentido, esse mural de Diego Rivera é exemplar. De um lado, expressa a visã o do Partido Comunista do Mé xico em
1929, que defendia a aliança operá rio-camponesa para fazer a revoluçã o; de outro, a ideia do artista de que o movimento
pela independê ncia, iniciado com Hidalgo e Morellos, em 1810, tinha finalmente chegado ao poder; daí vermos, no alto (à
esquerda), dois presidentes mexicanos (Obregó n e Calles), e, à direita deles, trê s líderes populares.

b. Leitura e escrita de textos


Vozes do Presente

O texto a seguir é da historiadora Maria Lígia Prado.

Em busca da participação das mulheres nas lutas pela independência política da América
Latina

[...]

Algumas conclusõ es preliminares podem ser apresentadas; em primeiro lugar, a participaçã o


política das mulheres durante as lutas pela independência precisa ser levada em consideraçã o,
pois sua presença e comportamento estã o muito além do que a historiografia até hoje apontou.
[...]

Em segundo lugar, ressalte-se que a despeito dessa atuaçã o bastante visível, em nenhum dos
países latino-americanos operou-se a transformaçã o de uma dessas mulheres em heroína
nacional [...]. As homenagens e o reconhecimento oficial da participaçã o das mulheres como
“fundadoras da pá tria” sã o extremamente restritos. A mais destacada, neste particular, parece
ser a boliviana, Juana Azurduy de Padilla; no aeroporto de Sucre que também leva seu nome –
ganhou uma está tua que a representa montada a cavalo, ameaçando os realistas com ar
desafiador. [...]

Pá gina 193

Finalmente, uma observaçã o sobre a questã o de seu comportamento político. O que mais me
chamou a atençã o foi a transformaçã o de mulheres rebeldes, que desafiaram as instituiçõ es
mais poderosas – as metró poles e a Igreja – em modelos exemplares de “bom” comportamento.
Josefa Dominguez, “La Corregidora”, por exemplo, “desobedeceu” o marido [...]. Leona Vicá rio
fugiu do convento onde estava presa, auxiliada por três oficiais rebeldes [...]. Maria Quitéria
escapou de sua família para se vestir de homem e lutar como soldado, numa decisã o
premeditada e consciente. Em uma palavra, foram mulheres rebeldes, insubordinadas, agindo
fora das regras e das normas, que ganharam respeitabilidade, transformadas em modelos de
esposas e mã es, glorificadas por todas as virtudes cristã s intimamente trançadas com as
virtudes patrió ticas. [...]
Marco Ugarte/AP Photo/Glow Images

A fotografia é do detalhe de um mural que se encontrava no Palá cio Nacional do México, em 2010.
Os três homens, da esquerda para a direita, sã o Ignacio Jesus Allende, Miguel Hidalgo e José Maria
Morellos, e todos eles lutaram pela independência do México. Entre eles há uma ú nica mulher:
Leona Vicá rio, pessoa de posses que auxiliou os rebeldes com dinheiro e informaçõ es, tendo sido
presa por sua participaçã o nas lutas pela independência.

Em uma palavra, foi esquecido ou ocultado que as mulheres participantes dos movimentos
pela independência atuaram num circuito claramente identificado como o da política,
motivadas por ideias, sentimentos e crenças que as levaram a romper com os padrõ es sociais e
religiosos vigentes. Sua notá vel coragem – especialmente nos momentos trá gicos da prisã o e
condenaçã o – indica que estavam preparadas para aceitar as consequências das escolhas
efetuadas.

PRADO, Maria Lígia C. Em busca da participaçã o das mulheres nas lutas pela independência política da América
Latina. Revista Brasileira de Histó ria, Sã o Paulo, v. 12, n. 23/24, p. 77-90, set. 1991-ago. 1992. Disponível em:
<www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=3713>. Acesso em: 11 abr. 2016.

a) Quanto ao gênero, o texto é informativo, argumentativo ou de ficçã o?

b) A que conclusõ es a leitura do texto permite chegar considerando o que está explícito?

c) A que conclusã o a leitura permite chegar considerando o que está implícito (subentendido)?
Lembrar que os silêncios de um texto podem ser tã o ou mais importantes do que aquilo que é dito.

PROFESSOR, VER MANUAL.

Pá gina 194

Capítulo 10 Emancipação política do


Brasil
Professor: a questã o de saber se a obra Independê ncia ou Morte!, do brasileiro Pedro Amé rico, é um plá gio do quadro A
Batalha de Friedland, do francê s Ernest Meissonier, divide os estudiosos. A historiadora Clá udia Valladã o de Mattos, por
exemplo, acentua a semelhança da composiçã o de Independê ncia ou Morte! com a versã o de A Batalha de Friedland e lembra
que Pedro Amé rico representa Dom Pedro como um estadista que, assim como Napoleã o, nã o mede esforços para realizar
seu ideal. Já para a historiadora Myoko Makino, do Museu Paulista, a acusaçã o de plá gio é exagerada. As semelhanças entre
as duas obras teriam ocorrido porque ambas seguiram o padrã o da é poca para pinturas histó ricas. Makino lembra que o
pró prio Meissonier chegou a ver o quadro de Pedro Amé rico e a elogiar a sua té cnica. De uma forma ou de outra, na obra de
Pedro Amé rico há elementos fictícios: em vez de mulas, usadas na é poca para viagens longas, Pedro Amé rico pintou cavalos
imponentes; no lugar de roupas amarrotadas, uniformes impecá veis; e introduziu o agrupamento de soldados (de uniforme
branco) da Guarda Imperial, que, na é poca, ainda nã o tinha sido criada. Esses elementos todos contribuíram para construir a
imagem de heroísmo de Dom Pedro, fixar uma memó ria da fundaçã o da pá tria e, ainda, amenizar a crise real vivida por um
Impé rio que se aproximava do fim.

Observe com atençã o estas duas imagens. Compare o gesto da personagem central,
a posiçã o do cavalo, o agrupamento de soldados em círculo com suas espadas
erguidas, entre outros aspectos.

Jean-Louis Ernest Meissonier. c. 1875. Ó leo sobre tela. Metropolitan Museum of Art, Nova Yorque

A Batalha de Friedland, tela pintada pelo artista francês Ernest Meissonier em 1875.

Pedro Amé rico. 1888. Ó leo sobre tela. Museu Paulista da USP, Sã o Paulo

Independência ou Morte!, tela pintada pelo artista brasileiro Pedro Américo em 1888.

Agora responda:

»» O quadro do brasileiro, feito 13 anos depois do quadro do


artista francês, pode ser considerado um plágio?
»» Ou será que ambos seguiram o padrão da época para pinturas
históricas?

»» Como você chegou à sua conclusão?

Pá gina 195

Nos capítulos anteriores, acompanhamos a crise do Antigo Regime e do sistema


colonial na América espanhola. Neste, vamos ver como se desenrolou essa crise em
Portugal e na América portuguesa.

Vimos que, ao se libertar do domínio espanhol, em 1640, Portugal aliou-se à


Inglaterra, assinando com ela uma série de acordos que acabaram por subordinar a
economia portuguesa aos interesses ingleses. Um deles foi o Tratado de Methuen
(1703), pelo qual a Inglaterra facilitava a entrada do vinho português nos seus
mercados e Portugal, em troca, permitia a livre entrada dos artigos de lã inglesa.
Assim, o Tratado de Methuen inibiu as manufaturas de tecidos portugueses e, além
disso, colaborou para que a dívida portuguesa com a Inglaterra fosse crescendo.
Boa parte dessa dívida foi paga com o ouro e os diamantes extraídos do Brasil. Se,
por um lado, isto favoreceu o desenvolvimento industrial da Inglaterra, por outro,
aumentou o déficit da balança comercial portuguesa.

A administração de Pombal
No reinado de D. José I (1750-1777), o ministro e homem forte do governo foi
Sebastiã o José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal, cuja política à frente do
Estado português ficou conhecida como Reformismo Ilustrado. Pombal empenhou-
se em fortalecer a economia e o Estado e tirar Portugal da posiçã o de inferioridade
em que se encontrava em relaçã o a outros países europeus. Para isso, tomou uma
série de medidas que afetaram fortemente Portugal e sua colô nia na América, o
Brasil. Eis algumas dessas medidas:

»» incentivou o comércio ultramarino português com o objetivo de acumular e


reter capital em seu país;

»» criou empresas manufatureiras geridas diretamente pelo Estado português;

»» protegeu os mercadores portugueses da concorrência, constituindo


companhias privilegiadas de comércio, a exemplo da Companhia Geral do Grã o-
Pará e Maranhã o (1755) e da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1759);

»» aumentou o controle sobre a economia brasileira, instituindo o Real Erá rio,


1761, ó rgã o incumbido de cobrar impostos sobre o ouro brasileiro e combater o
contrabando e a sonegaçã o fiscal.
Louis-Michel van Loo. Sé c. XVIII. Ó leo sobre tela. Museu Nacional Soares Dos Reis, Porto. Foto: DeAg

Retrato do Marquês de Pombal. Pintura de Louis-Michel van Loo (1707-1771) e Claude-Joseph


Vernet (1714-1789).

Pá gina 196

A sucessora de D. José I, a rainha D. Maria I (1777-1792), preservou a orientaçã o


absolutista e, até certo ponto, deu continuidade à política do Marquês de Pombal.
No campo da economia, extinguiu as companhias privilegiadas de comércio, mas
continuou combatendo o contrabando e defendendo fortemente o exclusivo
comercial metropolitano. Continuou também a perseguir o desenvolvimento
manufatureiro de Portugal, motivo por que proibiu as manufaturas de tecidos no
Brasil em 1785.

Exclusivo comercial metropolitano: obrigatoriedade de a colô nia só vender e comprar da metró pole;
valendo-se disso, a metró pole impunha preços de venda e de compra, auferindo lucros extraordiná rios, o que
acabava gerando insatisfação e revoltas sociais.

Revoltas na Colônia
A opressã o da metró pole portuguesa no reinado de D. Maria I e de seu filho Dom
Joã o (1792-1816) contribuiu para a ocorrência de vá rios movimentos de rebeldia
no Brasil, entre os quais cabe citar: a Conjuraçã o Mineira (1789), a Conjuraçã o
Baiana (1798) e a Insurreiçã o Pernambucana (1817).

A Conjuração Mineira
A partir de 1760, o governo português reagiu ao declínio da produçã o de ouro no
Centro-Sul brasileiro aumentando a vigilâ ncia sobre os impostos cobrados na
regiã o. Some-se a isso os abusos e desmandos do governador da capitania de
Minas Gerais, Luís da Cunha Menezes (1783-1788), e se compreenderá o clima de
revolta ali existente na época.

Museu Histó rico Nacional, Rio de Janeiro. Foto: Rô mulo Fialdini

Barras de ouro da Casa de Fundiçã o de Vila Rica.

Em julho de 1788, chegou a Minas Gerais um novo governador, o Visconde de


Barbacena, que tinha sido encarregado de lançar a derrama do quinto do ouro e
investigar a vida dos devedores da Fazenda Real. Na época, Minas Gerais devia a
Portugal mais de 500 quilos de ouro e nã o tinha como pagar. A derrama afetava o
conjunto da sociedade mineira, pois a metró pole considerava que a dívida era de
todos.

Derrama: cobrança forçada da dívida em atraso. Em 1751, ficou estabelecido que o Brasil deveria pagar a
Portugal 100 arrobas anuais de ouro; caso a cota nã o fosse completada, seria lançada a derrama.

Dica! Vídeo sobre Tiradentes e a Conjuração Mineira. [Duração: 7 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/7ypvcx>.

O clima de revolta tomou conta da populaçã o. Em Vila Rica, um grupo de homens


ricos e influentes, inspirados nos princípios iluministas, planejou uma conjuraçã o
contra a metró pole.

Entre os principais articuladores da revolta estavam: Iná cio José de Alvarenga


Peixoto (dono de jazidas e fazendas); Francisco Paula Freire de Andrade
(comandante do Regimento dos Dragõ es); o padre Oliveira Rolim (chefe político de
onde é hoje Diamantina, negociante de pedras e agiota); Tomá s Antô nio Gonzaga
(ouvidor de Vila Rica, o principal posto da magistratura nas Minas); Clá udio
Manuel da Costa (o mais rico e prestigiado advogado de Vila Rica, dono de
Pá gina 197

lavras de ouro e de vá rias lavouras); e Joaquim Silvério dos Reis (conhecido


contratador de impostos). Entre os conjurados, estava também o alferes Joaquim
José da Silva Xavier (o Tiradentes, maior propagandista da revolta pela
Independência).

Contratador: indivíduo contratado pela metró pole para arrecadar impostos.

Alferes: posto equivalente ao de segundo-tenente.

Candido Portinari. 1948-49. Tê mpera sobre tela. Memorial da Amé rica Latina, Sã o Paulo. Reproduçã o autorizada por Joã o Candido Portinari

Detalhe da obra Tiradentes, do pintor paulista Candido Portinari.

Os conjurados planejavam proclamar uma repú blica em Minas Gerais, com capital
na pró spera Sã o Joã o del Rei, que produzia alimento e gado comercializados com
outras capitanias; instalar em Vila Rica uma universidade e uma casa da moeda;
introduzir o serviço militar obrigató rio e incentivar as manufaturas locais.

Segundo o historiador Joã o Pinto Furtado, havia discordâ ncia entre os conjurados:
alguns deles eram movidos por ideias iluministas e de mudança política; outros
tinham como ú nico objetivo a suspensã o da derrama (cobrança forçada dos
impostos em atraso devidos a Portugal). Os conjurados divergiam também quanto
à escravidã o: a maioria deles – senhores de terras, mineradores e grandes
comerciantes – era favorá vel à continuidade da escravidã o; dois deles apenas,
Alvarenga Peixoto e o padre Carlos Correia de Toledo, se disseram favorá veis à
aboliçã o. 1 e 2

1. Dica! Vídeo com foco na personagem Joaquim Silvério dos Reis. [Duração: 4 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/sscmq7>.
2. Dica! Vídeo sobre a Conjuração Mineira. [Duração: 14 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/xa7777>.

Suspensão da derrama, prisão e sentença

A revolta nã o chegou a ocorrer. Segundo estudiosos do assunto, o Visconde de


Barbacena suspendeu a derrama antes de o movimento ter sido denunciado por
Joaquim Silvério dos Reis e outros. Com as denú ncias, iniciaram-se a perseguiçã o e
a prisã o dos principais envolvidos. Por ordem de D. Maria I, foram abertos dois
processos: um no Rio de Janeiro e outro em Minas Gerais. O julgamento se
estendeu até o início de 1791, quando entã o saiu o veredito.

Pá gina 198

Acusados de cometer crime de lesa-majestade, a maioria dos rebeldes foi


condenada ao degredo (exílio) nas colô nias portuguesas na Á frica. Segundo a
versã o oficial, Clá udio Manuel da Costa cometeu suicídio na cadeia; no entanto, há
indícios de que ele foi morto por seus interrogadores. Tiradentes pagou com a
vida. Enforcado em 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro, foi esquartejado e teve
as partes do seu corpo distribuídas pelos lugares por onde pregou a libertaçã o das
Minas Gerais.

Crime de lesa-majestade: crime cometido contra a autoridade suprema de um Estado.

Para saber mais


A obra Tiradentes esquartejado, pintura a ó leo de Pedro Américo, foi produzida na
Itá lia, em 1893, quatro anos apó s a proclamaçã o da Repú blica no Brasil. Nesse
contexto, havia uma preocupaçã o dos republicanos em revisitar o passado colonial,
eleger um heró i nacional e criar ou recriar mitos de origem e de fundaçã o. O
artista, com seu pincel, ajudou na transformaçã o da figura de Tiradentes em heró i
republicano.

Observe que as partes do corpo do má rtir da Independência estã o dispostas de


modo que lembram o mapa do Brasil. O artista quis, provavelmente, sugerir um elo
indissolú vel entre o heró i-má rtir e a Pá tria.

Note também que Pedro Américo pintou a cabeça de Tiradentes ao lado do corpo
crucificado de Jesus Cristo. Com isso, ele pretendia assemelhá -lo ao maior má rtir
do Cristianismo. Além disso, sabe-se hoje que, na época de Tiradentes, os
condenados eram executados sem cabelo e sem barba, mas, mesmo assim, o pintor
representou o inconfidente com barba e cabelos longos, usando mais esse recurso
para cristianizá -lo.
Como observou o historiador José Murilo de Carvalho na obra A formaçã o das
almas, o apelo à tradiçã o cristã do povo brasileiro contribuiu para o êxito de
Tiradentes como heró i republicano.

Pedro Amé rico. 1893. Ó leo sobre tela. Museu Mariano Procó pio, Juiz de Fora

A Conjuração Baiana
Enquanto os principais envolvidos na Conjuraçã o Mineira eram homens de negó cio
e intelectuais de origem europeia, os rebeldes baianos eram em sua maior parte
mestiços e/ou negros e pobres. Como muitos deles exerciam o ofício de alfaiate, a
Conjuraçã o Baiana (1798) ficou conhecida também como Revolta dos Alfaiates.

Pá gina 199

Na época, a cidade de Salvador e suas cercanias possuíam um comércio


movimentado e cerca de 500 engenhos e lavouras em plena atividade. Mas a
riqueza achava-se concentrada e contrastava com a enorme pobreza da maioria
dos seus cerca de 60 mil habitantes. Alimentos como carne, sal e azeite subiam de
preço constantemente. Roupas, calçados e ferramentas eram produtos caros e,
além disso, raros, pois a rainha de Portugal tinha proibido a instalaçã o de
manufaturas no Brasil. Os impostos abusivos também contribuíam para aumentar
a insatisfaçã o social.

Nesse contexto opressivo, em 12 de agosto de 1798 um grupo de rebeldes baianos


afixou em locais pú blicos “avisos”, ou seja, manuscritos anô nimos conclamando o
“magnífico povo baiano” a participar de uma revoluçã o contra a metró pole. Em
seus manuscritos, os rebeldes defendiam:
»» a proclamaçã o, na Bahia, de uma repú blica semelhante à da França em que
todos – brancos, negros ou mestiços – tivessem liberdade e igualdade de
tratamento;

»» a abertura do porto de Salvador para o livre-comércio;

»» medidas para dinamizar o comércio de pau-brasil, tabaco e açú car;

»» a diminuiçã o dos impostos e o aumento dos soldos para 200 réis diá rios;

»» aumento da oferta de alimentos (a falta de carne e farinha de mandioca afetava


duramente os mais pobres);

»» isonomia no tocante à ascensã o na hierarquia militar;

»» o fim do preconceito contra negros.

Isonomia: princípio geral do direito segundo o qual todos sã o iguais perante a lei.

Assim que os cartazes dos rebeldes ganharam as ruas, o governador da Bahia, Dom
Fernando José de Portugal, ordenou o início das investigaçõ es e a prisã o de
dezenas de rebeldes: alfaiates, soldados, escravos de ganho, além de indivíduos de
estratos sociais mais elevados, como o cirurgiã o Cipriano Barata e o farmacêutico
Joã o Ladislau de Figueiredo, em cuja casa funcionava a loja maçô nica Cavaleiros da
Luz. Estes dois ú ltimos, chamados nos inquéritos de “pessoas de consideraçã o”,
foram inocentados; os soldados Lucas Dantas e Luís Gonzaga das Virgens e os
alfaiates Joã o de Deus e Manuel Faustino foram enforcados e esquartejados na
Praça da Piedade, em Salvador. 1 e 2

1. Dica! Documentário sobre a história da Bahia. [Duração: 48 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/cgqe46>.

2. Dica! Reportagem sobre a Revolta dos Alfaiates. [Duração: 33 minutos]. Dividido em duas
partes. Para a primeira parte, acesse: <http://tub.im/fbbdma>.
Autoria desconhecida. 1802. Gravura. Fundaçã o Biblioteca Nacional

Uniforme do Regimento dos Henriques Milicianos, 1802. Luís Gonzaga das Virgens era um dos
integrantes desse regimento. Ao examinar a caligrafia dos manuscritos apreendidos na cidade de
Salvador, as autoridades descobriram que ele era o autor de alguns dos mais importantes desses
manuscritos.

Pá gina 200

A família real no Brasil e a interiorização da


metrópole
Vimos que o governo português nã o aderiu ao Bloqueio Continental e continuou
comerciando com a Inglaterra. Em represá lia, as tropas napoleô nicas invadiram
Portugal, e a família real portuguesa teve de se transferir para o Rio de Janeiro. A
transferência da Corte nã o foi uma decisã o repentina: há tempos, intelectuais e
políticos portugueses propunham a formaçã o de um Império Luso-Brasileiro, com
sede no Rio de Janeiro, a fim de proteger os domínios lusos e defendê-los das
agressõ es de potências europeias.

Bloqueio Continental: decreto imposto pelo imperador francês Napoleã o Bonaparte proibindo os demais
países europeus de comerciar com a Inglaterra ou receber navios ingleses em seus portos.

Por esses motivos, no final de 1807, o príncipe Dom João, que assumira a regência
em razã o da doença de sua mã e, D. Maria I, a Louca, sua família e cerca de 10 a 15
mil pessoas embarcaram para o Brasil. Escoltada pela marinha inglesa, a comitiva
de Dom Joã o desembarcou em Salvador em 22 de janeiro de 1808 e, um mês e
meio depois, chegou ao Rio de Janeiro, que passou a ser entã o a sede do Império
Português, cujo territó rio abrangia terras na Europa, Á frica e Á sia.

Durante sua permanência, Dom Joã o e sua corte estabeleceram uma aliança com a
elite de Sã o Paulo e do Rio de Janeiro, por meio de negó cios entre eles envolvendo
terras e comércio de abastecimento, de casamentos com famílias locais e de
empregos concedidos por Dom Joã o aos membros dessa elite. Essas relaçõ es
sociais e mercantis com a elite do Centro-Sul levaram ao enraizamento da Corte
portuguesa e à sua intençã o de permanecer no Brasil, fenô meno que a historiadora
Maria Odila Dias chamou de interiorização da metrópole. 1, 2 e 3

1. Dica! Reportagem sobre a viagem de fuga da família real portuguesa para o Brasil. [Duração:
19 minutos]. Acesse: <http://tub.im/mey7jz>.

2. Dica! Vídeo sobre a fuga da Corte portuguesa para o Brasil. [Duração: 22 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/czrabc>.

3. Dica! Documentário sobre a vinda da família real portuguesa. Narrativa baseada nas obras do
escritor Laurentino Gomes. [Duração: 36 minutos]. Acesse: <http://tub.im/98e3yb>.

Candido Portinari. 1952. Ó leo sobre painel. Banco da Bahia, Salvador. Reproduçã o autorizada por Joã o Candido Portinari

Quadro de Portinari que representa a chegada da família real portuguesa ao Brasil. Note que nessa
versã o triunfal o autor valoriza sobretudo o príncipe, que ocupa o centro da tela, com seus trajes
elegantes e gestos cuidadosamente pensados.

Pá gina 201

A abertura dos portos brasileiros e seus desdobramentos


Seis dias depois de sua chegada ao Brasil, Dom Joã o decretou a abertura dos portos
brasileiros à s naçõ es amigas e estipulou o imposto de 24% para as mercadorias
estrangeiras. Essa medida inevitá vel, já que os portos portugueses estavam
ocupados pelos franceses, trouxe benefícios para o Brasil, pois, a partir daí, as
exportaçõ es brasileiras nã o tinham mais de passar por Portugal, o mesmo
acontecendo com os produtos que viessem de outros países para cá .

Para a Inglaterra, a abertura dos portos brasileiros foi extremamente vantajosa,


pois o governo inglês havia negociado com Portugal certos privilégios no comércio
com o Brasil, em troca da proteçã o dada à família real.

Naquele mesmo ano chegaram ao Brasil dezenas de navios estrangeiros, ingleses


em sua maioria. Traziam produtos variados: tecidos, caixõ es, mostruá rios,
ferragens, cristais, perfumes, cachimbos e também artigos de utilidade duvidosa,
como patins para gelo, carteiras para notas (no Brasil só havia moedas) e...
calçados para neve!

Em abril de 1808, já instalado na cidade do Rio de Janeiro, Dom Joã o liberou a


indú stria no Brasil, isentou do pagamento de impostos as matérias-primas
destinadas a ela (como o ferro) e prometeu subsídios à s fá bricas de tecidos, lã e
algodã o. Porém, os resultados dessas medidas foram inexpressivos, por causa da
falta de investimentos na indú stria e da dificuldade de competir com os produtos
estrangeiros.

Em troca da ajuda e da proteçã o dada à família real portuguesa, o governo de Dom


Joã o assinou com a Inglaterra, em 1810, os tratados de Aliança e Amizade e
Comércio e Navegação, que asseguravam um conjunto de vantagens e privilégios
aos ingleses. O principal deles era que, para entrar no Brasil, as mercadorias
inglesas deveriam pagar um imposto de 15% (menor inclusive que os 16% pagos
pelas portuguesas), enquanto as outras naçõ es continuariam pagando 24%.

Dica! Reportagem sobre a economia brasileira nos tempos de Dom João VI. [Duração: 21
minutos]. Acesse: <http://tub.im/mx2c4z>.

Museu da Casa Brasileira, Sã o Paulo. Foto: Romulo Fialdini/Tempo Composto


Com a abertura dos portos e o Tratado de 1810, dezenas de navios entraram trazendo mercadorias
nos portos brasileiros inglesas de luxo, como cigarreiras, portas-charuto, candelabros e louças
refinadas, a exemplo das que vemos na fotografia cima.

Administração joanina
Uma vez instalado, o governo de Dom Joã o empenhou-se em modernizar a cidade
do Rio de Janeiro, assemelhando-a a Lisboa. Multiplicaram-se as obras em solo
carioca: abriram-se vias para facilitar a circulaçã o de pessoas e mercadorias,
construíram-se novas habitaçõ es com amplos jardins e janelas envidraçadas, que
permitiam a entrada de luz, e instalaram-se importantes ó rgã os político-
administrativos, como o Ministério e o Conselho de Estado, a Intendência da
Polícia, o Erá rio Régio, o Banco do Brasil e a Casa da Moeda. Além disso, foram
criadas importantes instituiçõ es científico-culturais, como a Imprensa Régia, que
publicou livros, folhetos e o primeiro jornal feito no Brasil, a Gazeta do Rio de

Pá gina 202

Janeiro; a Academia Médico-Cirú rgica; o Teatro Real; o Museu Nacional; o


Observató rio Astronô mico; o Horto Real; a Biblioteca Real (atual Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro); e a Academia de Belas Artes, fundada por sugestã o dos
membros da Missã o Artística e Cultural Francesa, que também vieram para o Brasil
no governo de Dom Joã o, em 1816. 1

1. Dica! Animação sobre a vinda da família real portuguesa e as transformações por ela
provocadas. [Duração: 57 minutos]. Acesse: <http://tub.im/qjansc>.

Para saber mais


Junto com a comitiva de D. Joã o desembarcaram cerca de 60 mil peças, entre livros,
manuscritos, mapas, moedas e medalhas. O acervo foi acomodado nas salas do
Hospital da Ordem Terceira do Carmo, na Rua Direita, hoje Rua Primeiro de Março.
Em 29 de outubro de 1810, foi fundada a Real Biblioteca. Ela deu origem à
Biblioteca Nacional, que é considerada hoje pela Unesco a maior biblioteca
nacional, da América Latina.
Adilson B. Liporage/Opçã o Brasil Imagens

Vista externa da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 2013.

O Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarve


A transferência da Corte para o Rio de Janeiro havia criado uma fratura no Império
Português: a metró pole, privada de seu soberano, perdera suas antigas funçõ es; a
colô nia, por sua vez, exercia agora a funçã o de metró pole. Essa situaçã o acirrou os
conflitos de interesses entre as forças políticas que disputavam benefícios e poder
no Império Português, independentemente de seus membros serem brasileiros ou
portugueses, e estarem lá ou aqui.

Nesse contexto, Dom Joã o elevou o Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e
Algarve, em 1815, e justificou, assim, sua permanência no Rio de Janeiro, onde seu
governo tinha fincado raízes e obtido vantagens para si e seus protegidos. Veja o
que uma historiadora diz sobre essa decisã o de Dom Joã o:

Com essa decisã o [...] foi reconhecida a autonomia do Brasil perante o Reino de Portugal. A
partir daquele momento, o Reino Unido, como foi chamado, transformava-se, juntamente com
os domínios portugueses na Á frica e na Á sia, na expressã o política do Império, passando as
capitanias a ser designadas províncias do Império. E essa situaçã o inédita foi sacramentada em
1816, quando, com a morte de D. Maria I, o entã o regente passou a ser o novo rei, D. Joã o VI. 2

OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A Independência e a construção do Império: 1750-1824. Sã o Paulo: Atual, 1995. p.
70. (Discutindo a Histó ria do Brasil).

2. Dica! Reportagem sobre a corrupção no Brasil em 1808. [Duração: 20 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/cs2u2c>.

Pá gina 203
A Insurreição Pernambucana
O governo de D. João VI beneficiou, sobretudo, a elite do Rio, Sã o Paulo e Minas,
particularmente os produtores e comerciantes dedicados ao abastecimento da
Corte. Esses grupos ascendiam sobretudo através de privilégios (como o de cobrar
impostos) e da obtençã o de títulos de nobreza e de empregos concedidos pelo
governo joanino.

Debret. Sé c. XIX. Litogravura. Coleçã o particular

O beija-mão na Corte do Rio de Janeiro é uma das 20 pranchas que integram um livro editado em
Londres, em 1825, e intitulado Aspectos da vida, modos e costumes portugueses. Nã o se sabe até hoje
quem é o autor do texto e das imagens do livro; sabe-se apenas que ele assina A.P.D.G. No trono
maior vê-se sentado D. Joã o VI, representado de maneira caricaturizada. Enquanto um dos sú ditos
beija a mã o do rei, os outros aguardam em uma fila enorme. Nessas ocasiõ es, os sú ditos
aproveitavam para fazer elogios e pedidos ao rei.

Já os habitantes das outras regiõ es do Brasil tinham de sustentar com impostos o


luxo da Corte e os altos salá rios pagos por D. Joã o VI ao funcionalismo. Essa política
causou uma insatisfaçã o generalizada: o Rio de Janeiro passou a ser visto como
uma “nova Lisboa”, sede da metró pole, centro do poder que oprimia e explorava as
outras partes do territó rio.

Essa insatisfaçã o era mais forte no Nordeste, onde os preços do açú car e do
algodã o – os dois principais produtos da regiã o na época – vinham caindo, e a
escassez de alimentos e a fome, agravadas pela seca de 1816, atingiam a muitos. No
Recife, um dos principais portos do Nordeste, as reclamaçõ es giravam em torno
dos impostos abusivos, do controle do comércio varejista pelos portugueses e da
preferência dada a portugueses sempre que havia promoçã o de militares. Esse
contexto favoreceu a disseminaçã o das ideias liberais vindas da França entre os
pernambucanos, que, reunidos nas lojas maçô nicas, preparavam a resistência à
dominaçã o portuguesa.

Em março de 1817, os rebeldes pernambucanos tomaram o poder e proclamaram


uma repú blica separada de Portugal e do Rio de Janeiro; a seguir instituíram um
governo provisó rio composto de pessoas de diferentes grupos sociais: o
comerciante Domingos José Martins, o padre Joã o Ribeiro Pessoa, o capitã o
Domingos Teotô nio Jorge, o fazendeiro Manuel Corrêa de Araú jo e o magistrado
José Luiz Mendonça.

Pá gina 204

A rebeliã o se alastrou pelas províncias da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e


pela comarca das Alagoas, que, na época, pertencia a Pernambuco. Em todas elas os
governos locais nomeados pela Coroa foram derrubados e substituídos por
governos compostos de patriotas; pela primeira vez na histó ria do Império
Português uma á rea colonial rompia com o governo imperial e passava a se
autogovernar. Os pernambucanos tentaram conseguir também o apoio da Grã -
Bretanha e dos Estados Unidos, mas nã o tiveram sucesso.

Patriotas: nome que os rebeldes nordestinos de 1817 davam a si pró prios.

O Governo Provisó rio pernambucano de 1817 suspendeu vá rios impostos abusivos


(como o imposto do Banco do Brasil e o subsídio militar sobre a carne); aumentou
os soldos; concedeu a liberdade de imprensa e de religiã o e, visando legitimar a
rebeliã o, criou uma bandeira pró pria.

A repú blica liderada por Pernambuco, no entanto, durou apenas 74 dias. As tropas
e os recursos mobilizados por D. Joã o VI conseguiram sufocá -la rapidamente.
Vá rios rebeldes, entre eles Domingos José Martins, receberam a pena de morte e
foram enforcados. Comerciantes portugueses e proprietá rios de terra ajudaram na
repressã o ao movimento, pois temiam o haitianismo, isto é, o medo de levantes
escravos bem-sucedidos como os que moveram a luta por liberdade e
independência no Haiti.

A repressã o à Revoluçã o de 1817 visou restabelecer a ordem étnica e social em


Pernambuco, o que ajuda a explicar a sua extrema violência; adotando um estilo
pró prio do Antigo Regime, a repressã o condenou os cabeças da rebeliã o à pena de
morte por crime de lesa-majestade; os que tiveram alguma participaçã o
considerada política foram condenados à prisã o, e para a gente humilde da
província (especialmente os negros, mestiços e brancos pobres) foram reservadas
penas humilhantes, como açoites e palmatoadas.

Palmatoada: pancada na palma da mã o aplicada com palmató ria, régua.


Daniel Cymbalista

Grupo escultó rico representando líderes da Revoluçã o Pernambucana de 1817. A obra está
localizada no Museu Paulista da Universidade de Sã o Paulo, em Sã o Paulo (SP). Fotografia de 2015.

A Revolução do Porto e o Brasil


Enquanto, no Brasil, D. Joã o VI e seus aliados desfrutavam de poder e privilégio, em
Portugal a maioria da populaçã o vivia pobremente e enfrentava um misto de crise
econô mica e caos político por causa: dos prejuízos causados pela ocupaçã o
francesa e a transferência da Corte para o Brasil, em 1808; da perda dos lucros do
comércio com o Brasil decorrente da abertura dos portos brasileiros; da presença
militar inglesa em Portugal, a partir de 1815. É que, com a queda de Napoleã o,
forças militares inglesas se instalaram no Reino sob o comando do Marechal
Beresford, a quem foi dado o título de Lorde Protetor de Portugal.

Pá gina 205

Os liberais portugueses acusavam o governo absolutista de D. Joã o VI pelo


descontentamento e pela pobreza do povo; e, reagindo a essa situaçã o opressiva,
promoveram a Revolução Liberal do Porto (1820), um movimento armado
inspirado no ideá rio iluminista e com amplo apoio popular, empenhado em pô r fim
ao Antigo Regime em Portugal. Iniciada na cidade do Porto, espalhou-se
rapidamente pelo restante do país, inclusive Lisboa, e modificou inteiramente o
quadro político dos dois lados do Atlâ ntico, levando a política para as ruas, as
praças e o parlamento.

Vitoriosos, os revolucioná rios organizaram uma Junta governativa e convocaram


eleiçõ es para compor uma assembleia de deputados, denominada Cortes
Constituintes. Em janeiro de 1821, os deputados constituintes começaram a
trabalhar na Constituiçã o destinada a limitar o poder absoluto de D. Joã o VI.

Assim que a notícia da Revoluçã o do Porto chegou ao Brasil, ocorreram


manifestaçõ es nas ruas de Belém, Salvador e Rio de Janeiro, exigindo que Dom Joã o
aderisse imediatamente à Revoluçã o e à Constituiçã o que estava sendo elaborada
pelas Cortes de Lisboa.

A elite do Centro-Sul também se posicionou em relaçã o à s mudanças ocorridas em


Portugal. No Rio de Janeiro, membros de importantes famílias fluminenses e
mineiras, como José da Silva Lisboa e Nogueira da Gama, sugeriam que o rei D.
Joã o VI voltasse para Lisboa, possibilitando a organizaçã o de um império
constitucional no Brasil, separado de Portugal e sob a regência do príncipe Dom
Pedro. Já um outro grupo político, liderado pelo comerciante fluminense Joaquim
Gonçalves Ledo e pelo imigrante José Clemente Pereira, defendia a maior
autonomia para o Brasil dentro do Império Português, sem que fosse preciso a
separaçã o; para esse grupo a vitó ria das Cortes de Lisboa sobre o absolutismo era
o ú nico meio de efetuar as mudanças políticas necessá rias.

Debret. Sé c. XIX. Litogravura. Coleçã o particular

Em 26 de fevereiro de 1821, no centro do Rio de Janeiro, uma multidã o de manifestantes exigiu a


realizaçã o de eleiçõ es para a escolha dos deputados fluminenses que deviam representar o Rio de
Janeiro nas Cortes e o juramento antecipado do rei à Constituiçã o que estava sendo elaborada em
Portugal. Entre os líderes do movimento estava Joaquim Gonçalves Ledo. O artista Jean-Baptiste
Debret, no século XIX, representou o evento na litogravura da imagem acima.

Pá gina 206

Diante das pressõ es externas, representadas pelo poder das Cortes, e internas (dos
grupos de políticos favorá veis e contrá rios à separaçã o de Portugal), em 26 de
abril de 1821, D. Joã o VI partiu com sua família para Lisboa deixando no Brasil seu
filho e herdeiro Dom Pedro na condiçã o de príncipe regente. 1
1. Dica! Reportagem sobre a revolução do Porto e o retorno da família real para Portugal.
[Duração: 22 minutos]. Acesse: <http://tub.im/78ogyy>.

DIALOGANDO

Reflita: qual era a intenção de D. João VI ao deixar no Brasil Dom Pedro como príncipe
regente?

Professor: ressaltar que a intençã o de D. Joã o VI era garantir o poder para sua família e ter no Brasil uma autoridade central
capaz de reprimir as manifestaçõ es pela independê ncia nas províncias brasileiras, evitando, assim, a fragmentaçã o do
territó rio.

A regência de Dom Pedro


Dom Pedro assumiu em meio à crise econô mica e financeira, agravada pelo fato de
D. Joã o VI ter levado consigo as reservas do Banco do Brasil, da recusa das
províncias, sobretudo do Norte e do Nordeste, em aceitar a sua autoridade e da
insegurança reinante no país. Essa situaçã o levou ao encarecimento do custo de
vida; à diminuiçã o das moedas em circulaçã o (resultante do entesouramento de
dinheiro) e ao atraso nos pagamentos de soldados e funcioná rios pú blicos. No caso
do Rio de Janeiro, as condiçõ es financeiras eram ainda mais graves, devido à
suspensã o das remessas de impostos por parte das províncias.

Oscar Pereira da Silva. S.d. Ó leo sobre tela. Museu Paulista da USP, Sã o Paulo

Sessão das Cortes de Lisboa, de Oscar Pereira da Silva. Com a expectativa de participar dos trabalhos
de elaboraçã o de uma Constituiçã o comum a Portugal e ao Brasil, 45 deputados de diferentes
regiõ es brasileiras seguiram para Lisboa; mas, lá chegando, foram vaiados e impedidos de falar.
Descobriram, entã o, que o desejo dos deputados portugueses era de que a sede do Império
Português, instalada no Rio de Janeiro, voltasse a ser Lisboa.

Nesse ambiente de incertezas, deputados brasileiros foram a Lisboa, com a


expectativa de participar da elaboraçã o da Constituiçã o. 2

2. Dica! Reportagem sobre a personalidade de D. Pedro I. [Duração: 14 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/tqrzcz>.
O conflito de interesses se acirrou e, em primeiro de outubro de 1821, chegaram ao
Rio de Janeiro decretos das Cortes contendo as decisõ es tomadas pelos deputados
reunidos em Lisboa. Eis algumas delas:

»» as províncias brasileiras, inclusive o Rio de Janeiro, deveriam ser administradas


por Juntas de governo eleitas localmente;

»» as tropas, a polícia e as milícias ficariam sob a ordem de um comandante de


armas nomeado pela Junta;

»» tanto a Junta de governo quanto o comandante de armas deveriam obediência


à s Cortes de Lisboa;

»» a regência de Dom Pedro foi dada como extinta, devendo o príncipe regente
voltar para Portugal imediatamente.

Tais decretos atingiram em cheio as pretensõ es do grupo liderado por Nogueira da


Gama, que propunha a criaçã o de um império no Brasil separado de Portugal, e as
ambiçõ es de Dom Pedro de governar esse império. Foi entã o que, com o apoio de
importantes políticos fluminenses e mineiros, Nogueira da Gama e José Bonifá cio,
uma figura de destaque na política paulista, iniciaram uma campanha visando à
permanência de Dom Pedro e ao rompimento com Portugal.

Assim, no dia 9 de janeiro de 1822, depois de receber um manifesto pela sua


permanência com mais de 8 mil assinaturas, Dom Pedro anunciou sua decisã o de
permanecer no Brasil, o que pode ser interpretado como uma vitó ria do grupo de
Nogueira da Gama e José Bonifá cio. Apó s o Dia do Fico, como ficou conhecido

Pá gina 207

o fato, os jornais ligados a esse grupo político passaram a apresentar as lutas


políticas como se fossem disputas entre brasileiros, partidá rios da Independência,
e portugueses, defensores da recolonizaçã o, quando na verdade havia brasileiros e
portugueses tanto de um lado quanto do outro.

Em 13 de maio de 1822, Dom Pedro foi agraciado com o título de Defensor


Perpétuo do Brasil, inclinando-se cada vez mais para a ruptura. Naquela data, os
grupos da elite fluminense, mineira e paulista tinham chegado a um consenso
quanto à Independência com Dom Pedro no cargo de imperador, mas tinham
divergências entre si. Observe suas propostas:

Nogueira da Gama e José Bonifácio defendiam:

»» centralizaçã o das decisõ es nas mã os do príncipe e seu ministério no Rio de


Janeiro;
»» subordinaçã o das províncias ao poder central;

»» ampliaçã o do comércio com as demais naçõ es.

Gonçalves Ledo defendia:

»» maior poder ao Legislativo e, portanto, limitaçã o do poder do príncipe regente;

»» eleiçã o direta para deputado;

»» estreitamento das relaçõ es políticas e mercantis com Portugal.

Sé c. XVIII. Litogravura. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

José Bonifácio, a fundação da pátria, tela de Eduardo de Sá .

A ruptura com Portugal


Ainda em agosto, Dom Pedro viajou a Sã o Paulo visando pacificar as disputas
políticas locais e fortalecer a posiçã o de José Bonifá cio. Voltava da cidade paulista
de Santos quando recebeu as cartas das Cortes portuguesas acompanhadas de
outras, escritas por sua esposa, Dona Leopoldina, e pelo seu ministro, José
Bonifá cio. Nas cartas vindas de Portugal, os deputados das Cortes ameaçavam
iniciar uma guerra enviando tropas ao Rio de Janeiro, caso o príncipe nã o voltasse
para Lisboa. Já a carta de José Bonifá cio dizia que só existiam dois caminhos: ou
voltar para Portugal como prisioneiro das Cortes portuguesas ou proclamar a
Independência, tornando-se imperador do Brasil. Dom Pedro optou por romper
com Portugal e, em 7 de setembro de 1822, à s margens do riacho Ipiranga, retirou
do chapéu as fitas com as cores vermelha e azul das Cortes portuguesas. O ato de
Dom Pedro ficou conhecido como o Grito do Ipiranga. 1 e 2

1. Dica! Vídeo sobre a vida de José Bonifácio. [Duração: 5 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/oy6ujc>.

2. Dica! Documentário português sobre o Grito do Ipiranga. [Duração: 28 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/pfxedx>.

Pá gina 208

ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. Leia o texto a seguir com atençã o:

Nã o acreditamos ser possível [...] fechar questã o quanto ao movimento de 1789, como se ele
fosse uno [...], íntegro em seus propó sitos [...] e estratégias.[...] Um dos temas centrais de
dissenso entre os inconfidentes era precisamente o fato de que, enquanto alguns eram mesmo
movidos por elevadas aspiraçõ es políticas reformadoras, para outros, [...] o objetivo da
Inconfidência era apenas a suspensã o da derrama, efetivamente obtida em 14 de março de
1789. A partir dessa premissa, é possível entender e explicar o arrefecimento dos â nimos e
relativo enfraquecimento do levante antes mesmo da repressã o que se abateu sobre os
revoltosos [...] a partir de maio de 1789.

FURTADO, Joã o Pinto. A Inconfidência Mineira: um novo tempo ou reediçã o dos motins do Antigo Regime? In:
RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos (Org.). História de Minas Gerais: as minas setecentistas.
Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo, 2007. v. 2. p. 636.

Dissenso: discordâ ncia.

Arrefecimento: perda do entusiasmo, do â nimo.

a) De que forma o autor do texto caracteriza o movimento de 1789?

1. a) Como um movimento contraditó rio sem unidade quanto aos seus propó sitos e estraté gias. Professor: comentar que o
mesmo autor afirma que entre os protagonistas da Conjuraçã o de 1789 estavam também pessoas de diferentes camadas
sociais.

b) Que distinçã o ele faz entre os inconfidentes quanto aos seus objetivos?
b) Ele os divide em dois grupos: um movido por ideais políticos reformadores; outro que tinha como ú nico objetivo a
suspensã o da derrama.

c) Para o autor do texto, o que explica a perda de entusiasmo por parte dos conjurados a partir de
março de 1789?

c) A suspensã o da derrama, cobrança que certamente exaltaria os â nimos da populaçã o de Minas Gerais.

d) Com base no que você estudou, qual era outro ponto de divergência entre os inconfidentes?

1. d) Divergiam quanto ao fim da escravidã o; a maioria deles era favorá vel à continuidade da escravidã o em Minas Gerais.

e) Em dupla. Debatam, reflitam e opinem: qual era a motivaçã o dos conjurados: as ideias de
reforma inspirados no Iluminismo ou a suspensã o da derrama? Justifique.

e) Resposta pessoal. Professor: a intençã o é estimular o alunado a reunir e organizar argumentos e expressá -los por escrito
em defesa de um ponto de vista.

2. (Unicamp-SP – 2016) A aquarela do artista Joã o Teó filo, aqui reproduzida, dialoga com a
pintura de Pedro Américo, “Tiradentes esquartejado” (1893). Sobre a obra de Joã o Teó filo,
publicada na capa de uma revista em 2015, é possível afirmar que:

Joã o Teó filo. Aquarela. Coleçã o particular

(http://www.revistadehistoria.com.br/revista/edicao/118.)

a) Trata-se de uma obra baseada em um quadro do gênero da pintura histó rica, sendo que no
trabalho de Pedro Américo o corpo de Tiradentes no patíbulo afasta-se da figura do Cristo, exemplo
maior de má rtir.

b) Utilizando-se das mesmas formas do corpo esquartejado de Tiradentes pintado por Pedro
Américo, o autor limita o nú mero de sujeitos esquartejados e acentua o tom conservador da
aquarela.
c) A imagem fala sobre seu contexto de produçã o na atualidade, utilizando-se do simbolismo de
Tiradentes, e procura ampliar a presença de negros como sujeitos sociais nas lutas coloniais e
antiescravistas.

d) Tiradentes consolidou-se como um má rtir nacional no quadro de Pedro Américo, daí a


necessidade do pintor de retratar seu corpo esquartejado. A obra de Joã o Teó filo mostra que os
má rtires, embora negros, sã o um tema do passado.

2. Resposta: c.

Pá gina 209

3. (Fuvest-SP) A invasã o da Península Ibérica pelas forças de Napoleã o Bonaparte levou a Coroa
portuguesa, apoiada pela Inglaterra, a deixar Lisboa e instalar-se no Rio de Janeiro. Tal decisã o teve
desdobramentos notá veis para o Brasil. Entre eles:

a) a chegada ao Brasil do futuro líder da Independência, a extinçã o do trá fico negreiro e a criaçã o
das primeiras escolas primá rias.

b) o surgimento das primeiras indú strias, muitas transformaçõ es arquitetô nicas no Rio de Janeiro e
a primeira Constituiçã o do Brasil.

c) o fim dos privilégios mercantilistas portugueses, o nascimento das universidades e algumas


mudanças nas relaçõ es entre senhores e escravos.

d) a abertura dos portos brasileiros a outras naçõ es, a assinatura de acordos comerciais favorá veis
aos ingleses e a instalaçã o da Imprensa Régia.

e) a elevaçã o do Brasil à categoria de Reino Unido, a abertura de estradas de ferro ligando o litoral
fluminense ao porto do Rio e a introduçã o do plantio do café.

3. Resposta: d.

4. (Enem/MEC – 2014)

A transferência da corte trouxe para a América portuguesa a família real e o governo da


Metró pole. Trouxe também, e sobretudo, boa parte do aparato administrativo português.
Personalidades diversas e funcioná rios régios continuaram embarcando para o Brasil atrá s da
corte, dos seus empregos e dos seus parentes apó s o ano de 1808.

NOVAIS, F. A.; ALENCASTRO, L. F. (Org.). História da vida privada no Brasil. Sã o Paulo: Cia. das Letras, 1997.

Os fatos apresentados se relacionam ao processo de independência da América portuguesa por


terem

a) incentivado o clamor popular por liberdade.

b) enfraquecido o pacto de dominaçã o metropolitana.

c) motivado as revoltas escravas contra a elite colonial.

d) obtido o apoio do grupo constitucionalista português.


e) provocado os movimentos separatistas das províncias.

4. Resposta: b.

5. (UFMT) A emancipaçã o política do Brasil deu-se no contexto de insatisfaçõ es portuguesas diante


da atitude protelató ria de D. Joã o VI. A elevaçã o do Brasil à condiçã o de Reino Unido a Portugal e a
Algarves, em 1815, provocou descontentamentos posteriores, até que a soluçã o encontrada
envolveu o retorno da Corte para Portugal em 1821. Sobre a temá tica, assinale a afirmativa correta:

a) D. Pedro I, na condiçã o de Príncipe Regente, atendeu aos clamores populares e decidiu


desobedecer à convocaçã o das Cortes de Lisboa em manifestaçã o pú blica, no Rio de Janeiro, no dia
9 de janeiro de 1822.

b) Os partidá rios da manutençã o da Corte Portuguesa no Brasil eram favorá veis à aboliçã o da
escravidã o, à reforma agrá ria e ao rompimento definitivo com a antiga metró pole.

c) A revoluçã o do Porto, movimento de cunho liberal que eclodiu em 24 de agosto de 1820, tinha
intençã o de emancipar o Brasil, desmembrando o que ainda estava no império ultramarino
português.

d) D. Joã o VI retornou a Portugal em 1821, apó s ter se recusado a atender as manifestaçõ es


populares que o pressionavam a jurar obediência à nova constituiçã o portuguesa.

e) D. Pedro I, profundamente marcado por concepçõ es liberais e democrá ticas, acatou as


deliberaçõ es da Assembleia Constituinte de 1822.

5. Resposta: a.

Pá gina 210

II. Leitura e escrita em História


Leitura e escrita de textos
PROFESSOR, VER MANUAL.

VOZES DO PRESENTE

O texto 1 é de Boris Fausto e o texto 2 é uma entrevista com Cecília Helena de Salles Oliveira, ambos
professores da Universidade de Sã o Paulo.

››Texto 1

[...] a emancipaçã o do Brasil nã o resultou em maiores alteraçõ es da ordem social e econô mica,
ou da forma de governo [...]

Uma das principais razõ es dessa continuidade se encontra na vinda da família real para o
Brasil e na forma como se deu o processo de Independência. A abertura dos portos por parte
de Dom Joã o VI estabeleceu, como vimos, uma ponte entre a Coroa portuguesa e os setores
dominantes da colô nia, especialmente os que se concentravam no Rio de Janeiro, Sã o Paulo e
Minas Gerais. Os benefícios trazidos para a regiã o fluminense, com a presença do rei no Brasil,
vinham incentivar a expansã o econô mica daquela á rea, ligada aos negó cios do açú car, do café e
do trá fico de escravos [...] A elite política promotora da Independência nã o tinha interesse em
favorecer rupturas que pudessem pô r em risco a estabilidade da antiga colô nia. É significativo
que os esforços pela autonomia, que desembocaram na Independência, concentraram-se na
figura do rei e depois na do príncipe regente. [...]

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6. ed. Sã o Paulo: Edusp/Fundaçã o do Desenvolvimento da Educaçã o, 1998. p. 146-
147.

››Texto 2

[...] Em primeiro lugar, é preciso desmistificar a ideia de que a Independência foi feita sob o
signo da continuidade e a organizaçã o do Império carregava as marcas da monarquia
portuguesa e das tradiçõ es coloniais. O estudo das lutas sociais entre 1820 e 1824 [...] permite
compreender a ruptura que a Independência assinalou em relaçã o ao Antigo Regime e à
monarquia absolutista portuguesa. Em segundo lugar, quando se leva em conta o intenso
debate político da época e o envolvimento de diferenciados setores sociais nessas discussõ es, é
possível perceber, com clareza, que o momento da Independência representou, pela primeira
vez no Brasil, a elaboraçã o prá tica de princípios do liberalismo, definidores de relaçõ es de
dominaçã o social burguesa, e que a escravidã o não era incompatível com a nova ordem social
que entã o se configurava. O que procuro apontar [...] é que a época da Independência teve
enorme importâ ncia enquanto marco decisivo da formaçã o do Estado liberal no Brasil [...]

OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A Independência e a construção do Império: 1750-1824. Sã o Paulo: Atual, 1995. p.
2-3. (Discutindo a Histó ria do Brasil).

a) Qual é o significado de Independência para o autor do texto 1?

b) Ainda para o autor do texto 1, quais foram os grupos sociais beneficiados pela instalaçã o da
Corte de Dom Joã o no Rio de Janeiro?

c) Qual é o significado da Independência para a autora do texto 2?

d) Boris Fausto e Cecília Helena discordam quanto à participaçã o do povo na Independência.


Justifique.

e) Em grupo: debatam, reflitam e respondam: qual das duas versõ es sobre o significado da
Independência vocês consideram mais convincente?

Pá gina 211

Professor: a intençã o aqui foi contribuir para estimular a reflexã o sobre a participaçã o popular no processo de
independê ncia, bem como sobre a memó ria construída em torno das lutas que ocorreram para sua concretizaçã o. É
interessante notar que, na visã o dos autores do hino, foi o Senhor do Bonfim que conduziu os baianos à vitó ria.

O reinado de Dom Pedro I:


Capítulo 11

uma cidadania limitada


A letra e a mú sica foram compostas em 1923 para a comemoraçã o do centená rio da independê ncia da Bahia do jugo
portuguê s. Os festejos ocorreram em Salvador e rememoraram de diversas formas a vitó ria do povo baiano nas lutas que
culminaram no Dois de Julho de 1823. Esse hino cívico-religioso ganhou popularidade nacional quando foi gravado por
Caetano Veloso e Gilberto Gil, em 1968, no á lbum Tropicalia ou Panis et Circencis.

O texto a seguir é um trecho do “Hino do Senhor do Bonfim”, feito para comemorar


o centená rio da independência da Bahia.

Hino do Senhor do Bonfim

Joã o Antonio Wanderlei (mú sica) e Arthur de Sales (letra).

Gló ria a ti neste dia de gló ria


Gló ria a ti, redentor que há cem
anos
Nossos pais conduziste à vitó ria
Pelos mares e campos baianos.
[...]
Gló ria a ti nessa altura sagrada
É s o eterno farol, és o guia
É s, Senhor, sentinela avançada
É s a guarda imortal da Bahia.
[...]

SALES, Arthur. Hino do Senhor do Bonfim. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/caetano-


veloso/1087267/hino-do-senhor-dobonfim-print.html>. Acesso em: 5 mar. 2016.

Romildo de Jesus/Futura Press


Festejos pelos 192 anos da Independência da Bahia, em Salvador (BA), em 2015. O desfile de 2 de
julho teve início no Largo da Lapinha, seguindo até o Centro Histó rico. Uma multidã o participou
dessa festa que atrai pessoas de diferentes condiçõ es sociais.

»» Você sabia que a Bahia comemora sua independência em 2 de


julho?

»» Sabia que, na Bahia e em várias outras partes do Brasil, as lutas


pela independência foram intensas e prolongadas?

»» Você sabe se no seu estado ocorreram lutas pela


independência?

»» Como os autores do hino interpretam a independência baiana?

»» O que a palavra “independência” significa para você?

Pá gina 212

Na época, o Sete de Setembro nã o teve a importâ ncia que lhe foi atribuída mais
tarde. A data usada para marcar a emancipaçã o política do Brasil era o Doze de
Outubro, dia da aclamaçã o de Dom Pedro I. Sua coroaçã o como imperador do
Brasil ocorreria em 1º de dezembro de 1822. Como parte dos preparativos desse
evento, o Império encomendou ao francês Jean-Baptiste Debret uma pintura, que
faria sua estreia em uma apresentaçã o extraordiná ria no Teatro da Corte. A
pintura foi feita por Debret em um Pano de Boca (cortina que fecha o palco nos
entreatos de um espetá culo teatral). Observe-a com atençã o:

Debret. Sé c. XIX. Litogravura. Coleçã o particular

No alto, e ao centro, vê-se um grupo de anjinhos sustentando uma esfera coroada em que se lê a
letra “P”, de Pedro. O centro da imagem é ocupado pelo trono imperial feito de má rmore branco. No
braço esquerdo do trono se vê o emblema do comércio e, no direito, o da justiça. Uma mulher
sentada, coroada e com a tá bua da Constituiçã o apoiada na mã o direita representa a Monarquia
(note-se que geralmente a Monarquia é representada por um homem).

Nessa representaçã o, Debret, um artista a serviço da família imperial, apresenta a


Monarquia tropical estendendo seu manto protetor aos vá rios grupos que formam
a sociedade brasileira. Em contrapartida, tais grupos demonstram sua total
fidelidade ao governo imperial. A imagem veicula, portanto, a ideia de “uniã o de
todos” em torno do Império.

É nítida a idealizaçã o que Debret faz do Estado nascente como uma uniã o
harmô nica de negros, índios e descendentes de europeus unidos e dispostos a
contribuir para a construçã o do Império. Assim, a pintura forja uma realidade que
interessava ao poder estabelecido.

As lutas pela independência


O Império fundado por Dom Pedro I, porém, nã o teve aceitaçã o pacífica em todas
as províncias brasileiras. Na Bahia, no Grã o-Pará , no Maranhã o, no Piauí e no Ceará
houve conflitos armados.

Na Bahia, as forças portuguesas, comandadas pelo coronel Madeira de Melo,


recusaram-se a aceitar a emancipaçã o política do Brasil e ocuparam Salvador, onde
prenderam o líder da resistência baiana, Freitas Guimarã es. A resistência baiana se
deslocou, entã o, para a regiã o do Recô ncavo.

Pá gina 213

Domenico Failutti. Sé c. XIX. Ó leo sobre tela. Coleçã o particular


A baiana Maria Quitéria de Jesus Medeiros, representada nesse quadro, foi um personagem
importante das lutas populares pela independência da Bahia. Quitéria, “a baiana que ardia de amor
pela Pá tria”, pediu à irmã as roupas do cunhado, cortou os cabelos, e alistou-se para lutar contra os
portugueses do general Madeira de Melo, numa época em que a mulher nã o podia atuar como
soldado. Por seu empenho nos campos de batalha, ela foi condecorada com a Ordem Imperial do
Cruzeiro do Sul (repare a medalha que ela traz no peito). A participaçã o das mulheres nessas lutas
nem sempre é lembrada, porque muitas vezes a histó ria é mostrada apenas na ó tica masculina.

Lá , em junho de 1822, líderes das cidades de Cachoeira e de Santo Amaro


romperam com os portugueses e rumaram para Salvador, onde sitiaram a cidade,
impedindo as tropas portuguesas de se abastecer de alimentos. Em outubro, a
resistência baiana recebeu reforços vindos do Rio de Janeiro e venceu as tropas de
Madeira de Melo, na Batalha de Pirajá, em novembro de 1822. Mas os conflitos só
chegaram ao fim em 2 de julho do ano seguinte, quando os portugueses foram
expulsos da cidade de Salvador e fugiram para Portugal, pressionados por forças
de terra e da esquadra inglesa do almirante Cochrane, oficial inglês contratado por
Dom Pedro I. 1

1. Dica! Vídeo sobre a Batalha de Pirajá. [Duração: 6 minutos]. Acesse: <http://tub.im/bxqjxd>.

Hoje, o Dois de Julho é, ao mesmo tempo, um evento oficial e popular, das


autoridades e das gentes baianas. Inicialmente era uma festa popular por
excelência; com o tempo foi ganhando ares oficiais e sendo apropriada e
“disciplinada” pelos governantes, embora continue sendo uma festa do povo
baiano e o principal mito de origem da Bahia.

No Piauí, a emancipaçã o também foi conquistada nos campos de batalha. Em 19 de


outubro de 1822, a Câ mara de Parnaíba, no norte da província, declarou-se
favorá vel à independência. Com o objetivo de reprimir essa manifestaçã o dos
piauienses, tropas portuguesas, sob o comando do general Joã o da Cunha Fidié,
partiram de Oeiras, capital do Piauí na época, e se dirigiram para o norte da
província. Enquanto isso, no Ceará, forças populares comandadas pelo sertanejo
José Pereira Filgueiras tomaram Fortaleza e formaram um governo
emancipacionista. Tropas enviadas do Ceará , do Maranhã o e da Bahia juntaram-se
aos piauienses e se posicionaram nas cercanias da cidade de Campo Maior,
dispostas a impedir a passagem das tropas portuguesas de Cunha Fidié, que se
dirigiam à capital da província. Lá , cerca de 2 mil nordestinos portando facas,
foices, machados, espadas e espingardas velhas enfrentaram os portugueses,
armados de canhõ es e fuzis, na Batalha de Jenipapo. Foram mais de 5 horas de
luta, que ocasionaram baixas significativas de lado a lado. Sem treinamento militar
e portando armas brancas, ou armas de fogo tomadas dos adversá rios, os
piauienses enfrentaram forças mais numerosas e mais bem equipadas. A
determinaçã o durante a luta pode ser explicada pelo fato de que eles lutavam por
um ideal: libertar o Piauí do domínio português. 2

2. Dica! Vídeo sobre a Batalha de Jenipapo. [Duração: 7 minutos]. Acesse: <http://tub.im/863jjp>.

Pá gina 214
(2014) Câ ndido Neto/Opçã o Brasil Imagens

Vista externa do Monumento da Batalha de Jenipapo, em Campo Maior (PI), 2014.

(2009) Zig Koch/Olhar Imagem

Vsta interna desse mesmo monumento, 2009.

Apesar de nã o terem conseguido vencer essa batalha, os piauienses enfraqueceram


as tropas de Fidié e continuaram a combatê-las em Caxias, no Maranhã o, onde elas
foram forçadas a se render. Em Sã o Luís, a independência foi aclamada pela
populaçã o local, que teve o apoio da esquadra do almirante Cochrane para
legitimá -la.

No Pará, líderes populares locais, como o cô nego Batista Campos, invadiram o


palá cio do governador e assumiram a liderança do movimento. No entanto, as
autoridades nomeadas por Dom Pedro I, auxiliadas pelas forças do mercená rio
John Grenfell, opuseram-se à iniciativa dos paraenses, prendendo e fuzilando a
maioria deles. Além dessas atrocidades, lançaram 256 paraenses no porã o de um
navio, fecharam as escotilhas e atiraram cal virgem sobre eles. Somente quatro
sobreviveram.

O reconhecimento da independência
Conseguir o reconhecimento da independência também nã o foi tarefa fá cil. As
naçõ es absolutistas, que formavam a Santa Aliança, opunham-se ao liberalismo na
Europa e ameaçavam frustrar a emancipaçã o política latino-americana.

Os Estados Unidos, por sua vez, tinham interesse em proteger a América contra a
política intervencionista da Santa Aliança e a influência europeia. Isso ajuda a
explicar por que, com base na Doutrina Monroe, os Estados Unidos foram o
primeiro país a reconhecer a independência política do Brasil, fato ocorrido em
1824.

Doutrina Monroe: a Doutrina Monroe pode ser sintetizada na frase “A América para os americanos”, ou
seja, cada país da América deveria se autogerir e nã o aceitar a interferência europeia. Ao longo do século XIX,
ajudou a justificar e legitimar o imperialismo estadunidense na América Latina.

Pá gina 215

Pressionado pela Inglaterra, Portugal reconheceu a emancipaçã o do Brasil em


1825, exigindo para isso:

»» o pagamento de 2 milhõ es de libras;

»» o título honorá rio de imperador do Brasil para Dom Joã o VI;

»» o compromisso de nã o aceitar a adesã o ao Brasil de nenhuma colô nia


portuguesa na Á frica.

Para pagar a dívida assumida com Portugal, o Brasil de Dom Pedro I pediu um
empréstimo aos banqueiros ingleses. Estes concordaram em emprestar o dinheiro,
mas, como Portugal tinha uma dívida com a Inglaterra, o dinheiro nã o chegou a
sair dos cofres ingleses.

A Inglaterra, por sua vez, reconheceu a emancipaçã o política do Brasil em 1827,


exigindo em troca:

»» a renovaçã o por mais 15 anos da clá usula do Tratado de 1810, que fixava em
15% o imposto a ser pago pelos produtos ingleses nos portos brasileiros;

»» a extinçã o do trá fico de africanos no prazo de três anos.


Esses acordos, que ampliaram a influência britâ nica no Brasil do século XIX, foram
mal recebidos por políticos brasileiros, colaborando para o enfraquecimento do
poder de Dom Pedro I.

Dica! Reportagem sobre a emancipação política do Brasil. [Duração: 52 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/wsztzw>.

A formação do Estado brasileiro


Uma Assembleia Constituinte formada de deputados das vá rias províncias
brasileiras começou a se reunir no Rio de Janeiro em maio de 1823, a fim de
elaborar uma Constituiçã o. Nã o tardaram a surgir divergências entre Dom Pedro I
e os deputados. No discurso de abertura da Assembleia, ele jurou que só
defenderia a futura Constituiçã o “se fosse digna do Brasil e dele pró prio”. E, assim,
foi revelando seu autoritarismo.

O projeto de Constituiçã o, de autoria de Antô nio Carlos de Andrada e Silva, irmã o


de José Bonifá cio, dizia que:

»» o imperador nã o podia dissolver a Assembleia (Câ mara dos Deputados e


Senado);

»» os senadores seriam indicados pelo imperador, a partir de uma lista tríplice


eleita em cada província;

»» para ser eleitor, era preciso ter uma renda mínima equivalente a 150 alqueires
de farinha de mandioca (com isso, excluía-se da vida política a imensa maioria da
populaçã o);

»» os estrangeiros nã o podiam se candidatar aos cargos de deputado ou senador; o


artigo visava afastar do poder os portugueses aliados do imperador.

A partir daí aumentaram as divergências entre o imperador e os deputados, com


acusaçõ es de lado a lado. Os deputados passaram a noite acordados

Pá gina 216

debatendo a situaçã o, por isso aquela noite foi apelidada de Noite da Agonia. Na
manhã seguinte, Dom Pedro I tomou uma medida extrema: dissolveu a Assembleia
Constituinte e mandou prender vá rios deputados, entre os quais estavam os
irmã os Andrada. A seguir prometeu um novo projeto de Constituiçã o duas vezes
mais liberal do que o anterior:

[...] o projeto de Constituiçã o que eu lhe hei de breve apresentar; que será duplicadamente
mais Liberal, do que o que a extinta Assembleia acabou de fazer
COLEÇÃ O das leis do Império do Brasil de 1823, p. 85. Disponível em: <www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao2.html>. Acesso em: 11 abr. 2016.

N. Whilock. c. 1823. Gravura. Coleçã o particular

Prédio onde se reuniu a Primeira Assembleia Constituinte brasileira, no centro da cidade do Rio de
Janeiro.

A Constituição do Império
D. Pedro I, no entanto, nã o convocou uma nova Assembleia, mas nomeou um
Conselho de Estado composto por 10 homens de sua confiança para escrever uma
Constituiçã o em 40 dias.

A primeira Constituiçã o brasileira, e ú nica do Império, foi outorgada em 25 de


março de 1824 e definia o governo como uma monarquia constitucional
hereditá ria. O país foi dividido em províncias, cujos presidentes seriam nomeados
pelo imperador.

Outorgada: constituição que parte da autoridade de governo; já a Constituiçã o promulgada é a que foi
discutida e aprovada por uma Assembleia.

Presidente de província: no Império, o cargo de presidente de província era equivalente ao de um


governador de Estado dos dias atuais.

Os poderes instituídos nessa Constituiçã o eram quatro:

»Poder Executivo: imperador e ministros de Estado. Sua funçã o era administrar o


país.

»Poder Legislativo: Câ mara dos Deputados e Senado. Sua funçã o era elaborar,
discutir e aprovar leis. O cargo de deputado era temporá rio (durava quatro anos);
já o de senador era vitalício. Cada província elegia três candidatos, e o imperador
nomeava um deles para o cargo de senador.

»Poder Judiciário: juízes e tribunais, encarregados da aplicaçã o das leis e do


julgamento dos infratores. Os magistrados do Supremo Tribunal eram nomeados
pelo imperador.

»Poder Moderador: exclusivo do imperador, que podia dissolver a Câ mara e


convocar eleiçõ es para renová -la; nomear presidentes de província; convocar as
Forças Armadas; aprovar ou vetar as decisõ es da Câ mara e do Senado. Enfim, o
Poder Moderador permitia ao imperador colocar-se acima dos demais poderes.

O Conselho de Estado era formado por conselheiros vitalícios nomeados pelo


imperador e opinava sobre questõ es políticas internas e externas do país.

O voto era indireto e censitário. Indireto, porque primeiramente os votantes


escolhiam os eleitores, que, por sua vez, escolhiam os deputados e os senadores.

Pá gina 217

Censitá rio, porque dependia de rendimentos. Para ser eleitor era preciso ter uma
renda anual de no mínimo 100 mil-réis; para ser candidato a deputado, uma renda
de 400 mil-réis; e para senador, 800 mil-réis. Nã o podiam ser eleitores os criados
de servir, os menores de 25 anos e os libertos, mesmo tendo renda suficiente.

Na Constituiçã o nã o havia referência à s mulheres: elas estavam excluídas dos


direitos políticos pelas normas sociais.

A religiã o oficial do Império continuou sendo a cató lica romana. Qualquer outra
religiã o era proibida, sendo permitido apenas seu culto doméstico, sem forma
alguma exterior de templo. Veja a seguir o organograma da Constituiçã o do
Império. 1 e 2

Rmatias

O Poder Moderador permitia ao imperador interferir em todos os outros poderes, desempenhando,


assim, importante papel na vida política do Império.
1. Dica! Comentário sobre a primeira Constituição brasileira. [Duração: 2 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/ovnwc4>.

2. Dica! Vídeo educativo abordando a história das sete constituições brasileiras. [Duração: 8
minutos]. Acesse: <http://tub.im/aum38w>.

DIALOGANDO

O que você pensa da proibição de um determinado culto ou religião?

Resposta pessoal. Professor: a ideia aqui é refletir sobre o respeito à liberdade religiosa num mundo em que o fanatismo
religioso tem provocado uma sé rie de conflitos.

Para refletir
Constituição e cidadania

A Constituiçã o Imperial de 1824 [...] reconheceu os direitos civis de todos os cidadã os


brasileiros, diferenciando-os, apenas, do ponto de vista dos direitos políticos, em funçã o de
suas posses. [...] além das exigências de renda, impunha-se ao eleitor que tivesse nascido
“ingênuo”, isto é, não tivesse nascido escravo. [...]

Pá gina 218

A manutençã o da escravidã o e a restriçã o legal do gozo pleno dos direitos civis e políticos aos
libertos tornavam o que hoje identificamos como “discriminaçã o racial” uma questã o crucial na
vida de amplas camadas das populaçõ es urbanas e rurais do período. Apesar da igualdade de
direitos civis entre os cidadã os brasileiros reconhecida pela Constituiçã o, os brasileiros não
brancos continuavam a ter até mesmo o seu direito de ir e vir dramaticamente dependente do
reconhecimento costumeiro de sua condiçã o de liberdade. Se confundidos com cativos ou
libertos, estariam automaticamente sob suspeita de serem escravos fugidos — sujeitos, entã o,
a todo tipo de arbitrariedade, se nã o pudessem apresentar sua carta de alforria.

MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 20-21.
(Descobrindo o Brasil).
Debret. Sé c. XIX. Litogravura. Coleçã o particular

Ao circularem pelas ruas, as pessoas negras podiam ser abordadas a qualquer momento por
policiais e, se nã o tivessem como comprovar sua condiçã o de liberdade, acabavam, quase sempre,
sendo vítimas de violência física, verbal e/ou psicoló gica.

a) Segundo a autora, a Constituiçã o de 1824 reconheceu os direitos civis de todos


os cidadã os brasileiros. Quais sã o esses direitos?

a) Direitos civis sã o os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, consequentemente, o cidadã o
que possui tais direitos tem garantido o seu direito de ir e vir.

b) Com base no que você estudou e no texto, quais eram as exigências para que um
cidadã o pudesse exercer o direito de ser eleitor?

b) Para ser eleitor era preciso ter uma renda anual de no mínimo 200 mil-ré is e ter nascido “ingênuo” (isto é , livre).
Professor: comentar que, alé m do crité rio censitá rio, havia també m o de nascimento.

c) Qual a principal ideia veiculada pelo texto?

c) É a ideia de que, embora os libertos tivessem seus direitos civis reconhecidos pela Constituiçã o, na prá tica eram
impedidos de exercê -los. Para circular pelas ruas precisavam trazer consigo a “carta de alforria”.

A Confederação do Equador
Ao dissolver a Assembleia e impor a Constituiçã o de 1824 ao país, o governo de
Dom Pedro I foi alvo de protestos em vá rias províncias brasileiras. Em
Pernambuco, essas críticas eram estampadas em jornais como Sentinela da
Liberdade, de Cipriano Barata, e Tiphys Pernambucano, do carmelita Frei Joaquim
do Amor Divino Caneca, ambos com sede na cidade do Recife.

Cipriano Barata (1762-1838): foi deputado pela Bahia nas Cortes Constituintes e, ao voltar de Portugal,
decidiu se estabelecer no Recife. Lá usou a imprensa escrita para fazer oposiçã o declarada a Dom Pedro I e, por
isso, foi preso.

Pela imprensa, Frei Caneca incitava os pernambucanos a lutar contra o poder


imperial afirmando: “o poder moderador de invençã o maquiavélica é a chave
mestra da opressã o da naçã o brasileira e o maior obstá culo à liberdade dos povos”.
Mulheres pernambucanas também participaram dessa importante luta,
escrevendo um documento importante e pouco conhecido, o Manifesto das
Mulheres de Goiana, do qual extraímos o trecho a seguir:

Goiana: município pertencente à província de Pernambuco.

Pá gina 219

Queridas Compatriotas.

O imperador que soube de tal arte iludir-nos, que chegamos a adoralo como Fundador, e
Defensor da Liberdade, e Independência do Brazil, trahindo nossa confiansa [...] tirou
finalmente a mascara hypocrita com que se disfarçava, e fez ver em toda a claridade, que se nos
embalava com a Independência, hera para mais facilmente nos adormecer sobre as suas
verdadeiras intençõ es de nos escravizar [...].

Goyana 10 de fevereiro de 1824 Ao Patriota Goyanense Na Typographia particular do Gabinete


Patriotico de Gaoyana

BERNARDES, Denis A. de Mendonça. “A gente ínfima do povo e outras gentes na Confederaçã o do Equador”. In:
Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX. DANTAS, Monica Duarte (Org.).
Sã o Paulo: Alameda, 2011. p. 153-154.

Some-se a isso o fato de que uma crise econô mico-financeira atingia todo o
Nordeste devido à queda nos preços externos do açú car, do fumo e do algodã o.
Além disso, havia os altos impostos cobrados pelo governo de D. Pedro I; ao
mesmo tempo, as altas constantes nos preços dos alimentos e dos aluguéis, e o
privilégio dado aos portugueses castigavam a populaçã o pobre. Assim, quando
Dom Pedro I nomeou um presidente para a província de Pernambuco, que
desagradou aos pernambucanos, estes romperam com o Império e, em 2 de julho
de 1824, proclamaram a Confederação do Equador – uma Repú blica sob o
comando de Manuel Paes de Andrade.

Os rebeldes nutriam um forte sentimento antilusitano e receberam o apoio de


rebeldes de Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará ; além dessas províncias
eles esperavam reunir também, sob um governo federativo e republicano, o Piauí e
o Grã o-Pará . A Confederaçã o do Equador contou com a participaçã o de diversas
camadas sociais, incluindo proprietá rios rurais do norte da província,
comerciantes, homens e mulheres livres pobres e escravizados.

Confederação do Equador (1824)

Allmaps
Fonte: ATLAS histó rico IstoÉ – Brasil 500 anos. Sã o Paulo: Ed. Três, 1998. p. 50.

Pá gina 220

O movimento rebelde foi esmagado por forças terrestres, comandadas pelo


brigadeiro Francisco de Lima e Silva, e por forças navais, lideradas pelo almirante
Cochrane. A superioridade bélica e o apoio dos senhores de engenho e dos
comerciantes, assustados com a ideia de ter de libertar seus escravos, ajudam a
explicar a vitó ria do Império sobre a Confederaçã o do Equador. Um tribunal fiel ao
imperador condenou à morte, entre outros, o carmelita Frei Caneca, o liberal Joã o
Guilherme Ratcliff e o major Agostinho Bezerra. Condenado à forca, Frei Caneca foi
fuzilado, pois as autoridades nã o encontraram quem aceitasse fazer o papel de
carrasco. 1 e 2

1. Dica! Vídeo sobre Frei Caneca. [Duração: 8 minutos]. Acesse: <http://tub.im/774x7s>.

2. Dica! Documentário sobre a proclamação da Confederação do Equador. [Duração: 15 minutos].


Dividido em duas partes. Para a primeira parte, acesse: <http://tub.im/6nojgt>.

Analisando o desfecho desse importante movimento revolucioná rio


pernambucano, um historiador afirmou:

A derrota da Confederaçã o do Equador impô s durante alguns anos a ordem imperial


centralizadora e conteve os que desejaram uma naçã o fundada nos princípios da Declaraçã o
dos Direitos do Homem e do Cidadã o, de 1789. É significativo que em Pernambuco, entre 1824
e 1829 apenas um jornal tenha sido criado, o Diá rio de Pernambuco [...]. Somente a partir de
1826, com a volta de funcionamento da Assembleia Geral do Império, a sociedade foi
retomando sua capacidade de mobilizaçã o política. Desta resultará a abdicaçã o de D. Pedro I,
em 1831. [...]

BERNARDES, Denis A. de Mendonça. “A gente ínfima do povo e outras gentes na Confederaçã o do Equador”. In:
Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX. Monica Duarte Dantas (Org). Sã o
Paulo: Alameda, 2011. p. 155-156.

Editora Alameda

Fac-símile da capa da obra Revoltas, motins, revoluções.


Dom Pedro perde apoio e popularidade
Ao longo de seu reinado, Dom Pedro I foi perdendo apoio e popularidade, o que
pode ser explicado por uma série de fatores:

a) A dissoluçã o da Constituinte, a imposiçã o da Constituiçã o de 1824 e o


fuzilamento de Frei Caneca. De vá rios pontos do Império ergueram-se vozes para
protestar contra a política centralizadora, autoritá ria e intervencionista do
imperador e de seus aliados portugueses.

b) A grave crise econô mico-financeira que atingiu o país por um conjunto de


razõ es, como:

»» o déficit na balança comercial, ao longo dos anos 1820, quando os gastos com as
importaçõ es foram superiores aos ganhos com as exportaçõ es;

»» a queda nos preços de alguns produtos primá rios brasileiros, como algodã o,
couro, cacau e fumo, em razã o da concorrência externa e da retraçã o da economia
mundial;

»» a insuficiência das rendas obtidas pelo Império por causa da taxa de apenas
15% cobrada dos produtos importados ingleses desde 1810;

»» a emissã o desenfreada de moedas de cobre, ocasionando aumento generalizado


nos preços dos alimentos e dos aluguéis;

Pá gina 221

»» os pedidos de empréstimos aos banqueiros ingleses. Em 1829, como reflexo


dessa crise econô mico-financeira, o Banco do Brasil, que havia sido fundado na
época de Dom Joã o VI, decretou falência.

c) A influência do gabinete secreto, grupo de amigos íntimos do imperador, todos


portugueses. Entre eles se encontrava o secretá rio do Gabinete Imperial, Francisco
Gomes da Silva, vulgo Chalaça.

d) A questã o da Cisplatina. Em 1821, Dom Joã o VI anexou a Banda Oriental ao


Brasil com o nome de Província Cisplatina. Em 1825, os cisplatinos – descendentes
de índios e espanhó is em sua maioria – separaram-se do Brasil e uniram-se à s
Províncias Unidas do Rio da Prata – futura Argentina. Esse fato provocou a Guerra
da Cisplatina na qual os cisplatinos e argentinos guerrearam contra o Império
brasileiro. Nesse conflito, que consumiu muitas vidas e muito dinheiro, o Império
foi derrotado, e a Província Cisplatina tornou-se independente com o nome de
Repú blica Oriental do Uruguai (1828).
e) A sucessã o do trono português. Com a morte de Dom Joã o VI, em 1826, Dom
Pedro I herdou o trono português, mas logo renunciou a ele em favor de sua filha,
Maria da Gló ria. No entanto, Dom Miguel, o irmã o de Dom Pedro I, desfechou um
golpe de Estado e ocupou o trono que caberia à sobrinha, proclamando-se rei. Dom
Pedro I reagiu enviando dinheiro brasileiro para ajudar os constitucionalistas na
luta contra seu irmã o, em Portugal. Diante disso, no Brasil a oposiçã o liberal
passou a acusá -lo de estar mais interessado no trono português do que nos
problemas brasileiros.

Oposição na Câmara e na imprensa


As críticas mais contundentes ao imperador partiam da Câ mara dos Deputados e
da imprensa. Na Câ mara dos Deputados, as principais vozes da oposiçã o eram de
políticos das províncias do Rio de Janeiro, Sã o Paulo e Minas Gerais, que tinham
obtido riqueza e prestígio, mas nã o conseguiam ocupar espaço no governo
imperial. Na imprensa, destacavam-se dois importantes jornais da oposiçã o:
Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga, e A Malagueta, de Luís Augusto May,
ambos da cidade do Rio de Janeiro.

A onda revolucioná ria de 1830, que derrubou o imperador absolutista Carlos X, na


França, repercutiu entre políticos e jornalistas liberais brasileiros, que passaram a
comparar Dom Pedro ao imperador francês deposto. A situaçã o piorou com o
assassinato do jornalista paulista Líbero Badaró , um dos principais críticos do
imperador. Para tentar refrear a oposiçã o, Dom Pedro resolveu visitar algumas
províncias.

Domingos Antó nio de Sequeira. 1826. Desenho. Museu Nacional de Arte Antiga

Alegoria à s Constituiçõ es do Brasil (1824) e de Portugal (1826). Litografia de Domingo Antonio de


Sequeira representando D. Pedro como um constitucionalista; note que ele é mostrado com a
espada apoiada nas constituiçõ es. Ao seu lado, sua primogênita, D. Maria da Gló ria, que, com a
abdicaçã o do pai, em 1826, tornou-se rainha de Portugal.
Pá gina 222

Em Minas Gerais foi recebido com extrema frieza. De volta ao Rio de Janeiro, foi
recepcionado pelos comerciantes portugueses, que organizaram uma grande festa
pú blica, no centro da cidade, para homenageá -lo. Foi o que bastou para o início de
brigas de rua entre “brasileiros” e “portugueses”, todos armados de paus, pedras e
garrafas. Os conflitos ocorreram entre 12 a 15 de março de 1831 e ficaram
conhecidos como Noite das Garrafadas.

Numa tentativa derradeira de contornar a situaçã o, Dom Pedro I compô s um


ministério formado somente de brasileiros. A medida, no entanto, nã o foi
suficiente para serenar os â nimos. Entã o, Dom Pedro I decidiu endurecer: em 5 de
abril de 1831 demitiu o ministério dos brasileiros e formou outro, com elementos
de seu círculo íntimo de relaçõ es.

A resistência nã o se fez esperar: reunidos no Campo de Santana (atual Praça da


Repú blica), populares, deputados, jornalistas e militares manifestaram seu
descontentamento exigindo a reintegraçã o do ministério deposto. D. Pedro I negou
o pedido. Ao receber a notícia, a multidã o voltou-se contra o imperador aos gritos
de “Morra o traidor! À s armas cidadã os”. Isolado politicamente, e sob forte pressã o
popular, Dom Pedro I abdicou, em 7 de abril de 1831, em favor de seu filho Pedro
de Alcâ ntara, que tinha apenas 5 anos de idade. O Brasil, entã o, passou a ser
governado por regentes.

Dica! Animação sobre a abdicação de Pedro I. [Duração: 2 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/aqhm5v>.

Auré lio Figueiredo. 1890. Ó leo sobre tela. Coleçã o particular

Nesta pintura de Aurélio Figueiredo, de cerca de 1890, o artista sugere que Dom Pedro I era uma
figura soberba. Repare que ele é mostrado com a cabeça erguida e estendendo a mã o para entregar
o documento de sua abdicaçã o. À esquerda vemos um menino loiro, recostado no ombro de sua
mã e. Ele é Dom Pedro de Alcâ ntara, aquele que, anos depois, viria a ser Dom Pedro II.
Veja o que duas estudiosas da Histó ria disseram sobre o modo como o povo
recebeu o 7 de abril.

No Brasil, a euforia tomou conta do ambiente, e de tal modo, que a abdicaçã o foi entendida
como um marco inaugural e fundador. Muitos a consideraram uma revoluçã o exemplar, pois
fora pacífica e nã o levara a derramamento de sangue. Outros a chamaram “regeneraçã o
brasileira”, tal seu cará ter popular. Toda uma memó ria foi criada em torno do evento, como se
ele representasse um tempo novo: a verdadeira independência. O importante é que o Sete de
Abril, muito mais do que o Sete de Setembro, consagrou o espaço pú blico como uma arena
política [...].

SCHWARCZ, Lilian M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 242.

Editora Cia. das Letras

Fac-símile da capa do livro Brasil: uma biografia.

Pá gina 223

ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. (UFF-RJ) Como “mito de origem nacional” para a Bahia, a Guerra de Independência, de 2 de julho
de 1823, é sempre relembrada em festas e comemoraçõ es oficiais. Assinale a alternativa que
melhor identifica o papel dos baianos no contexto da independência brasileira.

a) A articulaçã o revolucioná ria das camadas populares da capital baiana esteve restrita aos
interesses dos libertos e dos homens livres e pobres, sem o apoio de parte dos intelectuais da
cidade de Salvador.

b) As independências do Brasil e da Bahia ocorreram no mesmo contexto político, sem


particularismos locais. Nesse sentido, nã o é possível considerar a existência de duas datas que
marcam a independência do país.
c) A sediçã o de 1798 na Bahia sepultou os desejos separatistas dos baianos e os afastou da política
brasileira de 1822. Por essa razã o, a populaçã o baiana esteve alijada do contexto político da
independência.

d) A comemoraçã o da independência da Bahia justifica-se, pois, nessa data, as tropas do Exército e


da Marinha expulsaram definitivamente os portugueses da cidade do Salvador.

e) A independência do Brasil esteve estritamente associada aos interesses ingleses e holandeses,


instalados no Brasil e beneficiá rios da Abertura dos Portos.

1. Resposta: d.

2. (Unesp-SP) O Brasil assistiu, nos ú ltimos meses de 1822 e na primeira metade de 1823,

a) ao reconhecimento da Independência brasileira pelos Estados Unidos, pela Inglaterra e por


Portugal.

b) ao esforço do imperador para impor seu poder à s províncias que nã o haviam aderido à
Independência.

c) à libertaçã o da Província Cisplatina, que se tornou independente e recebeu o nome de Uruguai.

d) à pacífica unificaçã o de todas as partes do territó rio nacional, sob a liderança do governo central,
no Rio de Janeiro.

e) à confirmaçã o, pelas Cortes portuguesas e pela Assembleia Constituinte, do poder constitucional


do imperador.

2. Resposta: b.

3. (UFRGS-RS – 2013) Em 1824, é outorgada a Constituiçã o do Império do Brasil. Entre suas


características, podemos afirmar que

a) dividia os poderes do Estado exclusivamente em Executivo, Legislativo e Magistratura.

b) separava a Igreja Cató lica do Estado Laico.

c) previa a eleiçã o direta do Primeiro Ministro.

d) estabelecia o voto universal e secreto para a populaçã o masculina.

e) dividia os poderes do Estado em Executivo, Legislativo, Judiciá rio e Moderador.

3. Resposta: e.

4. (UECE – 2016) No que concerne à Confederaçã o do Equador de 1824, analise as afirmaçõ es a


seguir, e assinale com V o que for verdadeiro e com F o que for falso.

( ) A Confederaçã o costuma ser considerada um prolongamento da Revoluçã o Pernambucana de


1817.

( ) As propostas liberais, republicanas e federativas serviram de bandeira política para os


insurretos.

( ) Os revoltosos propunham a organizaçã o de uma repú blica nos moldes dos Estados Unidos da
América.
( ) A adesã o dos segmentos populares foi fundamental para unir todos os revoltosos.

( ) A imprensa, infelizmente, atuou contra o movimento e nenhum jornal nas províncias envolvidas
quis apoiar a causa. A sequência correta, de cima para baixo, é:

a) F, V, V, V, F.

c) V, F, F, V, F.

b) V, F, F, V, V.

d) V, V, V, F, F.

4. Resposta: d.

5. (Enem/MEC)

Apó s o retorno de uma viagem a Minas Gerais, onde Pedro I fora recebido com grande frieza,
seus partidá rios prepararam uma série de manifestaçõ es a favor do imperador no Rio de
Janeiro, armando fogueiras e luminá rias na cidade.

Pá gina 224

Contudo, na noite de 11 de março, tiveram início os conflitos que ficaram conhecidos como a
Noite das Garrafadas, durante os quais os “brasileiros” apagavam as fogueiras “portuguesas” e
atacavam as casas iluminadas, sendo respondidos com cacos de garrafas jogadas das janelas.

VAINFAS, R. (Org.). Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008 – Adaptado.

Os anos finais do I Reinado (1822-1831) se caracterizaram pelo aumento da tensã o política. Nesse
sentido, a aná lise dos episó dios descritos em Minas Gerais e no Rio de Janeiro revela:

a) estímulos ao racismo.

b) apoio ao xenofobismo.

c) críticas ao federalismo.

d) repú dio ao republicanismo.

e) questionamentos ao autoritarismo.

5. Resposta: e.

6. Redija um texto argumentativo sobre as razõ es da abdicaçã o de D. Pedro I. Leve em conta os


seguintes pontos:

a) A dissoluçã o da Constituinte.

b) A crise econô mico-financeira.


c) O sucesso do trono português.

d) A oposiçã o na Câ mara e na Imprensa.

6. Resposta pessoal. O objetivo da questã o é estimular o desenvolvimento da competê ncia escritora a partir de um episó dio
importante da histó ria brasileira: a abdicaçã o de Pedro I.

II. Leitura e escrita em História


Leitura e escrita de textos
PROFESSOR, VER MANUAL.

VOZES DO PRESENTE

Leia o texto a seguir com atençã o.

O primeiro terço do século XIX marcou profundamente a histó ria econô mica do Brasil pela
combinaçã o de dois movimentos fundamentais. Um era universal: a implantaçã o mundial do
capitalismo como modo de produçã o. Outro, local: a construçã o de um Estado nacional em
meio a esse processo. Em trinta anos, tudo mudou. [...]

[...] A ligaçã o entre grandes centros e o mercado interno [...] tinha base no trá fico de escravos.
Começando pelo Rio de Janeiro, nas décadas de 1790 e 1800, desembarcaram na cidade cerca
de 10 mil escravos por ano, nú mero que dobrou a partir da vinda da corte portuguesa; [...]. Mas
essa era uma atividade para poucos. Embora haja registros de 279 traficantes operando entre
1811 e 1830, apenas as 13 maiores empresas [...] eram responsá veis por 42,1% do total de
viagens. A mesma concentraçã o acontecia em Salvador. [...] No rol das grandes fortunas, em
que estavam os traficantes, havia apenas 37 nomes.

[...] Vista estritamente do ponto de vista do porte, a economia metropolitana parecia um


simples apêndice da parte colonial. Entre 1796 e 1807, as exportaçõ es brasileiras
corresponderam a 83,7% do total das exportaçõ es de todas as colô nias portuguesas para a
metró pole: no mesmo período, as reexportaçõ es dessas mercadorias foram responsá veis por
56,6% do total das receitas portuguesas no comércio exterior. Na via inversa, o Brasil
consumia 78,4% dos produtos enviados por Portugal a todas suas colô nias e 59,1% do total
dos produtos importados pelo Reino. Mas essa alta participaçã o nos negó cios metropolitanos

Pá gina 225

era obtida com uma fraçã o relativamente reduzida da produçã o local. Estudos recentes
indicam que algo em torno de 85% da produçã o total brasileira era consumida no mercado
interno, e apenas 15% da produçã o eram destinados à exportaçã o.

Foi nesse cená rio econô mico que, em rá pidos movimentos, ocorreram as grandes
transformaçõ es do capitalismo e a criaçã o do Estado nacional brasileiro. [...]

CALDEIRA, Jorge. O processo econô mico. In: Crise colonial e independê ncia 1808-1830. SILVA, Alberto da Costa
(coord.) Rio de Janeiro: Mafre e Editora Objetiva, 2011; p. 161; 167-169.
a) Que processos histó ricos foram detectados pelo autor nos trinta primeiros anos do século XIX?

b) Que relaçã o o autor estabelece entre trá fico de escravos e riqueza no Brasil colonial?

c) O que se pode concluir sobre o destino da produçã o colonial brasileira com base no texto?

III. Você cidadão!


A Constituiçã o do Império Brasileiro (1824) estendeu a todos os cidadã os o direito à igualdade
perante a lei e, consequentemente, o direito de ir e vir livremente. Os negros e mestiços, no entanto,
ao circular nas ruas, eram vistos pela polícia como suspeitos de serem escravos fugidos e tinham de
mostrar sua carta de alforria para provar que eram livres. Além disso, a abordagem policial era,
quase sempre, violenta. O texto a seguir trata da relaçã o da polícia com os cidadã os negros e
mestiços nos dias de hoje. Leia-o com atençã o.

O Brasil é um país pluriétnico e multicultural; todavia [...] extremamente desigual [...].


Instituiçõ es e seus representantes, a exemplo da polícia, encarregada de cuidar da segurança
das pessoas, costumam dispensar tratamento diferenciado para com os cidadã os e cidadã s
conforme a sua cor/raça e classe social. No que se refere à instituiçã o policial [...] “quanto mais
escura a pele da pessoa, mais suscetível ela está de ser vítima de uma violência fatal por parte
da polícia”. O referido autor acrescenta ainda que “pode-se dizer que a violência policial é
discricioná ria, pois atinge em maior nú mero e com maior violência os negros” [...]

ARAÚ JO, Jurandir de Almeida. Racismo, violência e direitos humanos: pontos para o debate. Disponível em:
<http://www2.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/articje/download/177/93>. Acesso em: 17 maio 2016.

a) Como era o tratamento dado a negros e mestiços no Império brasileiro?

b) Explique a afirmaçã o: o Brasil é um país pluriétnico e multicultural.

c) Segundo o autor, de que forma a polícia brasileira se relaciona com os cidadã os e cidadã s?

d) Em dupla. Reflitam e opinem: vocês concordam com o autor quando ele diz que “quanto mais
escura a pele da pessoa, mais suscetível ela está de ser vítima de violência por parte da polícia”?
Justifiquem e postem a conclusã o de vocês no blog da turma.

Pá gina 226

UNIDADE 4 Terra e liberdade


No Brasil, a luta por terra e liberdade é secular; mobilizou, e continua mobilizando,
pessoas e grupos de vá rias partes do país. Entre esses grupos estã o os
remanescentes de quilombos ou “terra de pretos”: comunidades organizadas
politicamente para garantir seu direito à terra e a viver segundo suas tradiçõ es e
costumes.

Professor: o texto desta pá gina dupla de abertura chama a atençã o para o fato de que essas comunidades viviam na
invisibilidade: nã o tinham a atençã o do Estado e nem existia nenhum tipo de lei que as protegessem de agressõ es externas
(a cobiça de grileiros, por exemplo). A Constituiçã o Federal reconheceu a propriedade definitiva aos quilombolas, além de
compelir o Estado à emissã o dos títulos. Pode-se comentar també m que a Lei de Terras (1850), assunto desta unidade, foi
em grande parte alterada em favor dos ocupantes das á reas remanescentes dos quilombos; com o Art. 68 e o Art. 216
iniciou-se o processo de recuperaçã o de espaços usurpados, por meios quase sempre violentos, ao longo de sé culos de
histó ria.

››Fonte 1

Remanescentes de quilombos: a luta pela terra

As comunidades quilombolas viveram na invisibilidade desde os tempos de sua formaçã o. Nã o


eram contempladas por políticas pú blicas específicas e sequer eram citadas pela legislaçã o em
vigor. A situaçã o foi alterada com a promulgaçã o da Constituiçã o Federal, em 1988, que
concedeu a esses grupos sociais o direito sobre suas terras e sobre seu patrimô nio. O primeiro
item está definido no Art. 68, [...] Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que
estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhes os títulos respectivos”.

COMUNIDADES quilombolas de Minas Gerais no século XXI. História e resistência. Organizado por Centro de
Documentaçã o Eloy Ferreira da Silva. Belo Horizonte: Autêntica/CEDEFES, 2008. p. 51.

››Fonte 2

Ricardo Funari/Olhar Imagem

›› Fonte 3
Lineu Kohatsu/Olhar Imagem

Na fonte 2, casa no quilombo Itamatatiua em Alcâ ntara (MA), 2009. A fonte 3 registra a Festa
Marujada no Quilombo Mangal e Barro Vermelho, município Sítio do Mato (BA), 2015.

Pá gina 227

››Fonte 4

Pedro Ladeira/SambaPhoto

››Fonte 5
Sergio Amaral/Olhar Imagem

Fonte 4: comunidade quilombola dos Kalunga, durante festa religiosa no Vã o do Moleque, pró ximo
a Cavalcante (GO), 2006. Fonte 5: agricultura com arado em comunidade quilombola, Pelotas (RS),
2008.

»» Conforme sugerem as imagens, existem remanescentes de


quilombos em diversos pontos do território brasileiro; você já
visitou alguma dessas comunidades?

»» Que relação há entre o texto e as imagens dessas duas páginas?

»» Hoje, além dessas comunidades, povos indígenas e


trabalhadores rurais de diversos pontos do Brasil lutam por
terra. Como terão sido essas lutas em solo americano em séculos
passados?

»»Nesta unidade vamos estudar uma parte importante dessas


histórias.

Pá gina 228

Professor: a ideia é partir da comemoraçã o da Semana Farroupilha para estimular o aluno a conhecer as lutas que os
sulistas travaram contra o Impé rio entre 1835 e 1845 e o contexto em que isso ocorreu. Sugerimos trabalhar també m a
memó ria construída em torno da Farroupilha e, ao mesmo tempo, evidenciar os laços que unem o passado ao presente.
Comentar a presença dos Centros de Tradiçõ es Gaú chas (CTGs) em muitos estados brasileiros, chamando a atençã o para a
força da cultura tradicional gaú cha no Brasil como um todo. Lembrar que no fechamento da Semana Farroupilha ocorrem
desfiles, a cavalo ou em charretes, que reú nem em todo o Rio Grande do Sul milhares de pessoas trajando as vestimentas
típicas – os homens usam bombachas, botas, lenços e chapé us de aba larga; e as mulheres usam vestidos de prenda, rodados
e coloridos, e flores nos cabelos.

Regências: a unidade
Capítulo 12

ameaçada
Leia com atençã o esta notícia.

Desfile Farroupilha comemora os 180 anos da Revolução

Joel Vargas/PMPA

Desfile da Semana Farroupilha em Porto Alegre (RS), 2015.

Milhares de pessoas passaram na manhã deste domingo, 20, pela avenida Edvaldo Pereira
Paiva (Beira-Rio) para prestigiar o tradicional desfile cívico do 20 de Setembro. Neste ano, o
festejo trouxe como tema O Campeirismo e os 180 anos da Revoluçã o Farroupilha. […]

Na abertura do desfile, centenas de lideranças comunitá rias [...] entraram na avenida


cultuando as tradiçõ es gaú chas e saudando os participantes da cerimô nia. […] Fortunati
destacou a importâ ncia de cultivar, preservar e fortalecer as tradiçõ es gaú chas. “É uma
demonstraçã o do quanto nos orgulhamos de ser gaú chos […] afirmou.

A Fundaçã o Cultural Gaú cha e o Movimento Tradicionalista Gaú cho, responsá veis pela
iniciativa, levaram para a avenida mais de mil voluntá rios, artistas amadores, [...] que
apresentaram a teatralizaçã o do tema desta ediçã o. Os voluntá rios integram Centros e
Departamentos de Tradiçã o Gaú cha (CTGs e DTGs), além de piquetes e grupos ligados ao
tradicionalismo.

[...] coreó grafos [...] coordenaram o espetá culo de teatro a céu aberto. […] cerca de 800
cavalarias e 55 entidades tradicionalistas participaram do desfile cívico.

[…]

BARROS, Bibiana. Desfile Farroupilha comemora os 180 anos da Revolução. Porto Alegre: Prefeitura de Porto Alegre,
2015. Disponível em: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/acampamentofarroupilha/default.php?p_noticia=
180946&DESFILE+FARROUPILHA+COMEMORA+OS+180+ANOS+DA+REVOLUCAO>. Acesso em: 11 abr. 2016.

Campeiro: relativo ao campo; que vive nos campos gaú chos.

Fortunati: sobrenome do entã o prefeito de Porto Alegre.

Cavalaria: grupo de pessoas a cavalo.


»» Você sabe por que a data de 20 de setembro é importante para
os rio-grandenses?

»» O que são CTGs? Qual a sua finalidade?

»» Para você, preservar uma tradição é importante? Por quê?

Pá gina 229

Vimos que, ao se ver isolado politicamente e sob forte pressã o popular, D. Pedro I
abdicou, em 1831, em favor de seu filho Pedro de Alcâ ntara, que tinha apenas 5
anos de idade.

Arnaud J. Palliè re. C. 1830. Tê mpera. Museu Imperial de Petró polis

O menino Pedro de Alcâ ntara em pintura de 1830.

Segundo o historiador José Murilo de Carvalho, a importâ ncia da abdicaçã o de D.


Pedro I reside no fato de que, a partir daquela data, o governo do Brasil ficou
totalmente nas mã os dos brasileiros. Ao ser anunciada a abdicaçã o em praça
pú blica, a multidã o lá reunida aclamou de imediato o imperador-criança,
confirmando sua opçã o por manter a Monarquia, apesar da pressã o de grupos
republicanos ali presentes.

O avanço liberal
No dia da abdicaçã o, a Assembleia estava em recesso, por isso os poucos deputados
e senadores que estavam no Rio de Janeiro só puderam escolher regentes
provisó rios. Em junho de 1831, a Assembleia elegeu o brigadeiro Francisco de
Lima e Silva, além dos deputados Joã o Brá ulio Muniz e José da Costa Carvalho, para
compor a Regência Trina Permanente. O Ministério da Justiça foi entregue ao
padre paulista Diogo Antô nio Feijó .

As lutas políticas contra o autoritarismo de Dom Pedro I uniram grupos de


diferentes tendências e interesses e mascararam as divergências entre eles. Depois
da abdicaçã o, no entanto, essas divergências voltaram a aparecer e se formaram
três grupos políticos. Eles disputavam o poder nas ruas, nos jornais e no
Parlamento e tinham interesses, objetivos e líderes pró prios. Observe a
composiçã o desses grupos políticos.

»» Restauradores ou caramurus – comerciantes portugueses, altos funcioná rios


pú blicos e alguns oficiais do Exército. Defendiam a volta de Dom Pedro I ao poder.
Eram liderados por Vicente Ferreira de Paula.

»» Moderados ou chimangos – proprietá rios rurais, profissionais liberais, padres


e militares. Defendiam a manutençã o da ordem social e dos privilégios das elites
do Nordeste, do Rio de Janeiro, de Sã o Paulo e de Minas Gerais e também a
Monarquia Constitucional. Eram liderados pelo padre Antô nio Feijó e por
Bernardo Pereira de Vasconcelos.

»» Exaltados ou farroupilhas – proprietá rios rurais, profissionais liberais,


militares, funcioná rios pú blicos modestos e padres. Defendiam a autonomia para
as províncias, a nacionalizaçã o do comércio, e parte deles era favorá vel à
Repú blica. Entre seus líderes estavam Cipriano Barata e Borges da Ferreira.

Enquanto os moderados, como Antô nio Feijó , defendiam a Monarquia e as


hierarquias sociais vigentes, ou seja, a ordem estabelecida, os exaltados tinham
propostas que, uma vez vitoriosas, alterariam a ordem vigente.

Estando no poder durante a Regência Trina Permanente, os moderados tiveram de


enfrentar dois graves problemas: a manutenção da ordem pública e as pressões
por maior autonomia das províncias. Para manter a ordem, o governo dos
moderados criou, em agosto de 1831, a Guarda Nacional, que imitava a instituiçã o
francesa de mesmo nome e, assim como esta, era formada por homens que tinham
algo a defender, isto é, os proprietá rios de terras.

Pá gina 230

Só podiam fazer parte da Guarda Nacional cidadã os proprietá rios; brasileiros com
idade entre 21 e 60 anos e renda mínima de 200 mil réis nas quatro maiores
cidades e de 100 mil réis no resto do país.
Romulo Fialdini/Tempo Composto

Uniformes da Guarda Nacional, século XIX.

DIALOGANDO...

a) O que se pode dizer sobre o critério de formação da Guarda Nacional?

b) No tempo das Regências, eram comuns o mandonismo local e o uso privado de cargo
público. No Brasil de hoje isso ainda acontece?

Professor:

a) a intençã o do governo era armar cidadã os considerados confiá veis (leia-se: dispostos a reprimir as revoltas populares).

b) A intençã o é levar os alunos a refletir sobre o presente e a se posicionar, aprendendo a argumentar e a contestar
argumentaçõ es.

Aos fazendeiros mais ricos foi concedida a patente de coronel da Guarda Nacional,
a mais alta de todas elas. Cada um deles organizava um destacamento com homens
de sua confiança e com recursos pró prios, conseguindo com isso um grande poder
local.

Coronel: nome dado aos ricos fazendeiros que chefiavam a Guarda Nacional e tinham grande poder político
nas suas localidades.

Em novembro de 1832, o governo dos moderados criou também o Código do


Processo Criminal, que instituiu o tribunal do jú ri e ampliou os poderes dos
juízes de paz. Eles podiam julgar algumas açõ es: prender criminosos, preparar as
listas de votantes, presidir mesas eleitorais e ajudar a compor a lista dos jurados.
Interessados em ascender socialmente, os juízes de paz geralmente se rendiam aos
poderosos que, com isso, evitavam a condenaçã o de seus capangas e clientes.
Muitos homens livres pobres, em troca de favores, transformavam-se em clientes e
votavam nos candidatos indicados pelos potentados locais.

Juiz de paz: magistrado nã o remunerado e sem formaçã o profissional específica, eleito localmente em cada
distrito.

Dica! Vídeo didático explicando as regências provisória e permanente. [Duração: 6 minutos.]


Acesse: <http://tub.im/hmta6c>.
O Ato Adicional de 1834
Um dos debates que mais empolgou os parlamentares nos anos iniciais da
Regência foi a necessidade de reforma na Constituiçã o do Império, considerada
tanto pelos moderados quanto pelos exaltados como exageradamente
centralizadora. Depois de intensa discussã o entre eles, chegou-se a um consenso
no Parlamento: aprovou-se o Ato Adicional de 1834, o qual:

»» criou as Assembleias Legislativas Provinciais, concedendo, assim, maior


autonomia à s províncias;

»» aboliu o Conselho de Estado, ó rgã o bastante impopular que tinha sido criado
por D. Pedro I, mas conservou a vitaliciedade do Senado;

»» cedeu ao presidente da província o direito de nomear e transferir funcioná rios


pú blicos;

»» retirou dos regentes o direito de dissolver a Câ mara, uma das principais


atribuiçõ es do poder Moderador;

Pá gina 231

»» substituiu a Regência Trina por uma Regência Una;

»» transformou o Rio de Janeiro em município neutro, capital do Império.

Com o Ato Adicional de 1834 e a permissã o para que as províncias legislassem


sobre gastos e impostos locais, os liberais moderados buscavam diminuir a
oposiçã o ao seu governo. 1

1. Dica! Vídeo didático explicando o que foi e como foi aplicado o Ato Adicional de 1834.
[Duração: 7 minutos.] Acesse: <http://tub.im/7j6z8m>.

Regência Una Feijó

Com a morte de D. Pedro I, em 1834, os restauradores perderam a razã o de existir;


parte deles deixou a política; outra parte se uniu aos moderados que, com isso,
fortaleceram-se. Nesse contexto, ocorreram pela primeira vez eleiçõ es para chefe
do governo. A eleiçã o levou ao poder o padre Diogo Antô nio Feijó , que venceu seu
opositor por uma margem estreita de votos.
Sebastiã o Sisson. Sé c. XIX. Coleçã o particular

Diogo Antô nio Feijó (1784-1843) foi padre, deputado, senador e ministro da Justiça. Foi o primeiro
chefe do poder Executivo brasileiro a ser escolhido em eleiçã o nacional. Era líder da ala
progressista do grupo moderado, favorá vel à descentralizaçã o política (maior autonomia para as
províncias). Outra de suas bandeiras foi a luta contra o celibato clerical.

Durante seu governo, Feijó teve de enfrentar vá rios desafios, entre os quais a
eclosã o de duas das maiores rebeliõ es regenciais: a Cabanagem, no Norte, e a
Farroupilha, no Sul. Para reprimir essas rebeliõ es nas províncias, Feijó precisava
de recursos que deveriam ser aprovados pela Câ mara dos Deputados, porém a
maioria dessa Câ mara movia uma pesada oposiçã o contra ele, que nada podia fazer
pois o Ato Adicional de 1834 nã o o autorizava a dissolvê-la.

Além de se oporem a Feijó , os deputados da oposiçã o o acusavam de nã o reprimir


com firmeza as revoltas provinciais e de ser anticelibatário. Em 1837, o deputado
e jornalista Evaristo da Veiga, principal aliado de Feijó , faleceu, aumentando ainda
mais seu isolamento político.

Anticelibatário: contrá rio a que os padres se mantivessem solteiros. Feijó era de fato favorá vel ao
casamento dos padres, tema que gerou grande polêmica na época e lhe rendeu vá rios adversá rios.

Sem o apoio da maioria da Câ mara e de Evaristo da Veiga, e temendo a


desintegraçã o do Império, Feijó renunciou em setembro de 1837. 2

2. Dica! Vídeo sobre o governo do padre Feijó e as forças políticas atuantes no Brasil da época.
[Duração: 9 minutos.] Acesse: <http://tub.im/nendqk>.

Regência Una Araújo Lima

Seu sucessor legal, Pedro de Araú jo Lima, era, além de um político experiente e
formado em Coimbra, senhor de engenho em Pernambuco e politicamente
conservador. Ele, que no ano seguinte foi eleito regente com mais de 4 mil votos,
também era radicalmente contrá rio à descentralizaçã o política; por isso deu início
ao Regresso, uma política de fortalecimento do poder central que tinha o apoio de
representantes da cafeicultura e dos grandes comerciantes do Sudeste.
Pá gina 232

Os regressistas queriam fortalecer a autoridade central e garantir a unidade do


Império e a ordem escravista, pondo fim ao que eles chamavam de “anarquia”. O
principal líder dos regressistas, o deputado por Minas Gerais Bernardo Pereira de
Vasconcelos, dizia ser preciso deter o “carro da Revoluçã o” e restabelecer a
integridade do Império por meio da submissã o dos grupos rebeldes, pela força ou
por acordos. Para alcançar seu objetivo, adotaram duas açõ es: de um lado,
promoveram o carisma da Monarquia e, de outro, enviaram forças militares para
conter as rebeliõ es que ocorriam nas províncias.

Em 1840, os regressistas obtiveram importante vitó ria ao aprovar a Lei


Interpretativa do Ato Adicional, que:

»» retirava a autonomia das províncias, permitindo a anulaçã o das leis provinciais;

»» aumentava o poder de repressã o do governo central.

Por quererem conservar a ordem imperial, os regressistas passaram a ser


chamados de conservadores, dando origem à primeira organizaçã o brasileira a que
se pode dar o nome de partido político, o Partido Conservador; seus opositores,
entã o chamados de progressistas, formaram o Partido Liberal.

Dica! Vídeo sobre o regresso conservador. [Duração: 9 minutos.] Acesse:


<http://tub.im/kpmggq>.

Para saber mais


Na regência de Araú jo Lima foi criado o Instituto Histó rico e Geográ fico Brasileiro
(IHGB), instituiçã o político-cultural criada com o objetivo de produzir uma histó ria
nacional – até entã o só existia a portuguesa – que desse aos brasileiros um
sentimento de pertencimento colaborando para acelerar o processo de formaçã o
do Estado Nacional. O IHGB deveria ser o guardiã o da nossa memó ria e das fontes
para a escrita da histó ria e da geografia nacionais.
Anô nimo. 1860. Desenho aquarelado. Coleçã o particular

Desenho aquarelado, de 1860, que mostra o figurino do uniforme dos membros efetivos do
Instituto Histó rico e Geográ fico do Brasil. O modelo era o do Instituto Histó rico de Paris, que serviu
de inspiraçã o para o brasileiro.

Pá gina 233

As rebeliões nas províncias


Durante as Regências, explodiram nas províncias brasileiras, de norte a sul,
rebeliõ es de grande impacto na histó ria social do país. Pobres e ricos, peõ es e
fazendeiros, indígenas, mestiços, negros e brancos chegaram a se unir contra o
governo central, sediado no Rio de Janeiro. Mas seus objetivos nã o eram os
mesmos: enquanto as elites das províncias exigiam maior autonomia, os indígenas,
mestiços, negros e brancos pobres lutavam por liberdade e uma vida melhor.

As principais rebeliõ es iniciadas no período regencial foram:

» a Cabanagem (1835-1840);

» a Guerra dos Farrapos (1835-1845);

» a Revolta dos Malês (1835);


» a Sabinada (1837-1838);

» a Balaiada (1838-1841).

A Cabanagem
Insurreição de escravos e rebeliões sociais nas Regências

Allmaps

Fonte: ATLAS histó rico IstoÉ : Brasil 500 anos. Sã o Paulo: Editora Três, 1998. p. 57.

A província do Grã o-Pará , na época da Cabanagem, abrangia terras dos atuais


estados do Pará , Amapá , Roraima, Rondô nia e Amazonas e tinha uma populaçã o
estimada em 120 mil habitantes, distribuídos como mostra o grá fico abaixo.

POPULAÇÃO DO GRÃO-PARÁ (1835)


Indígenas 33000
Negros 30000
Mestiços 42000
Brancos 15000
Total 120000

Editoria de arte

Fonte de pesquisa: FAZOLI FILHO, Arnaldo. O período regencial. 2. ed. Sã o Paulo: Á tica, 1994. p. 55.
A economia do Grã o-Pará baseava-se na exploraçã o das drogas do Sertã o
(castanha-do-pará , cacau, baunilha), de madeiras e de ervas medicinais e na pesca.
Os trabalhadores da regiã o eram, em sua maioria, muito pobres, viviam em
cabanas e trabalhavam para os fazendeiros ou para os comerciantes portugueses e
ingleses, que controlavam o comércio na regiã o. Boa parte desses comerciantes
residia em Belém, onde era forte o antilusitanismo e o sentimento de revolta
contra as condiçõ es de trabalho e o alto custo de vida.

Os fazendeiros também estavam insatisfeitos por dois motivos: o presidente da


província, nomeado pelo governo central, era quase sempre favorá vel aos
portugueses e, além disso, nã o se importava com os problemas da populaçã o.

Presidente da província: cargo equivalente hoje ao de governador do estado.

Pá gina 234

Ricardo Oliveira/Tyba

Dos tempos da Cabanagem para cá, a á rea correspondente ao Grã o-Pará mudou muito, como se
pode ver na fotografia acima, que capta uma vista noturna do bairro Nossa Senhora das Graças, em
Manaus (AM), em junho de 2015.
Lula Sampaio/Opçã o Brasil Imagens

Mas ao longo do rio Negro continuam existindo palafitas (veja imagem acima, em uma fotografia
também atual), construçõ es semelhantes à quelas em que os cabanos viviam.

Reagindo a essa situaçã o, em 1835, homens ricos e influentes, aliados aos cabanos,
invadiram o Palá cio do Governo, em Belém, e entregaram a chefia do primeiro
governo cabano ao fazendeiro Félix Melcher. Iniciava-se assim a Cabanagem.
Melcher, porém, traiu o movimento e prometeu fidelidade ao futuro imperador.
Diante disso, outro líder da revolta, Francisco Vinagre, venceu Melcher pelas armas
e assumiu o segundo governo cabano.

Dica! Vídeo sobre a Cabanagem. [Duração: 9 minutos.] Acesse: <http://tub.im/yxr5ij>.

Vinagre, no entanto, acabou fazendo o mesmo que Melcher e entregou o governo


da província à autoridade enviada pelo governo regencial sediado no Rio de
Janeiro. Mas os cabanos continuaram resistindo no interior. Sob a liderança de
Eduardo Angelim, penetraram a regiã o pelos rios, aliciaram ribeirinhos e,
fortalecidos, retomaram Belém.

O governo do padre Feijó , por sua vez, enviou ao Grã o-Pará , em 1836, uma
esquadra comandada pelo brigadeiro Soares d’Andrea, que retomou a cidade de
Belém. A repressã o à Cabanagem foi brutal. Soares d’Andrea mandou prender e
fuzilar cabanos sem julgamento prévio.

DIALOGANDO

O que você pensa sobre condenação sem julgamento prévio?

Resposta pessoal. Professor: a questã o visa estimular a reflexã o sobre a noçã o de justiça.

Cerca de 30 mil pessoas (40% da populaçã o da província) foram mortas. Os


ú ltimos grupos se renderam somente em 1840. Os cabanos chegaram ao poder,
mas nã o conseguiram conservá -lo: as divergências entre seus líderes, a falta de um
programa de governo, a inferioridade bélica e uma epidemia de varíola que se
alastrou por Belém naquela época contribuíram para o fim da rebeliã o.

A Guerra dos Farrapos


O mais duradouro movimento rebelde do Império foi a Guerra dos Farrapos,
ocorrida no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina entre 1835 e 1845.

Pá gina 235
Pedro Weingä rtner. Sé c XIX. Ó leo sobre tela. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

Chegou tarde, do artista porto-alegrense de origem alemã Pedro Weingä rtner. A obra mostra o
interior de uma casa do Rio Grande do Sul, no século XIX. Repare nas roupas dos personagens.

A populaçã o da província de Sã o Pedro do Rio Grande era de cerca de 150 mil


pessoas, das quais somente 10% viviam em Porto Alegre, sua capital.

No interior, a base da economia era a criaçã o de gado e a produçã o de charque


(carne salgada). Estancieiros e charqueadores lideravam aquela sociedade
militarizada que se formou durante os constantes conflitos com os castelhanos nas
terras ou nas fronteiras do Rio Grande do Sul. O charque, o gado, bem como outros
produtos gaú chos, como couro, sebo e graxa, eram vendidos a outras províncias
brasileiras do Centro-Sul e do Nordeste. Ou seja, a produçã o gaú cha destinava-se
sobretudo ao mercado interno.

Ocorre que o governo brasileiro cobrava altas taxas do charque rio-grandense e


baixas taxas do charque platino importado. Além disso, sobretaxava o sal que os
rio-grandenses importavam para fazer seu charque, levando-os a se sentirem
duplamente prejudicados. Os rio-grandenses reclamavam também que os
presidentes de província nomeados pelo governo eram quase sempre alheios aos
seus interesses e que o Rio Grande do Sul servia apenas como fornecedor de
cavalos e homens à s tropas do governo nos constantes conflitos por terra e gado
na regiã o platina.

Em 20 de setembro de 1835, os farroupilhas, liderados pelo estancieiro Bento


Gonçalves, romperam com o presidente da província e invadiram Porto Alegre,
dando início à Guerra dos Farrapos. 1 e 2

1. Dica! Vídeo sobre a Guerra dos Farrapos com contribuição de vários historiadores. [Duração:
25 minutos.] Acesse: <http://tub.im/okw3wf>.

2. Dica! Cenas de minissérie que tem como pano de fundo a Guerra dos Farrapos. [Duração: 4
minutos.] Acesse: <http://tub.im/oxfwoz>.
Em 1836, apó s importantes vitó rias sobre as tropas legalistas, os farroupilhas
proclamaram a República Rio-Grandense.

Em outubro daquele ano, no entanto, vá rios chefes farroupilhas foram presos,


entre eles Bento Gonçalves, que foi levado para a Bahia. Mesmo preso, ele foi eleito
presidente dessa Repú blica, cuja capital era a cidade de Piratini. No ano seguinte,
com o auxílio da maçonaria, Bento Gonçalves fugiu da cadeia e reassumiu o
comando das forças farroupilhas, que, à época, já contavam com o apoio do
revolucioná rio italiano Giuseppe Garibaldi. Os farroupilhas invadiram, entã o, Santa
Catarina, e, em 24 de julho de 1839, em Laguna, Garibaldi e Davi Canabarro
fundaram a República Juliana. Pesquisas recentes indicam que a populaçã o de
Laguna, em Santa Catarina, colaborou com os rebeldes fornecendo-lhes suporte e
participando efetivamente da luta. 3

3. Dica! Reportagem abordando a participação dos estrangeiros na Guerra do Farrapos.


[Duração: 13 minutos.] Acesse: <http://tub.im/3xphs5>.

Pá gina 236

G. Evangelista/Opçã o Brasil Imagens

Painel Epopeia Rio-Grandense, Missioneira e Farroupilha, em Porto Alegre (RS), 2012. Esta obra de
Danú bio Gonçalves é uma homenagem à cavalaria e ao líder farroupilha Bento Gonçalves, figuras
decisivas do movimento que agitou o sul do Brasil no século XIX. A cavalaria foi a principal arma
dessa luta prolongada.

Em 1842, o Império enviou ao Sul milhares de soldados sob o comando de Luís


Alves de Lima e Silva, o Barã o de Caxias, para pressionar os chefes daquele
movimento que reunia, sob uma mesma bandeira, desde fazendeiros até peõ es e
ex-escravizados. Os farroupilhas nã o se renderam.

Entã o, para pô r fim à guerra, Caxias, que representava o braço armado do Império,
propô s a chamada “paz honrosa”. Por meio deste acordo de paz assinado em 1845:
»» os rio-grandenses ganharam o direito de escolher seus presidentes de
província;

»» os comandantes farroupilhas poderiam passar ao Exército brasileiro com os


mesmos postos que ocupavam nas tropas rebeldes;

»» o charque platino pagaria 25% a mais de impostos para entrar no mercado


brasileiro;

»» o governo imperial reconheceria a liberdade dos escravos que lutaram nas


forças farroupilhas como soldados. 1 e 2

1. Dica! Vídeo pedagógico em que uma avó ensina a sua neta sobre a Guerra dos Farrapos.
[Duração: 11 minutos.] Acesse: <http://tub.im/i3fnxz>.

2. Dica! Reportagem sobre o Museu de Piratini (RS) apresentando importantes fontes escritas e
materiais para o estudo da Guerra dos Farrapos [Duração: 9 minutos.] Acesse:
<http://tub.im/cv2dpk>.

DIALOGANDO

A “paz honrosa” pode ser considerada uma vitória farroupilha? Justifique.

Resposta pessoal. Professor: lembrar que o governo imperial atendeu a vá rias exigê ncias dos farroupilhas.

Para refletir
A participação negra na Guerra dos Farrapos

[...]

Para arregimentar soldados, os farroupilhas incorporaram escravos à s suas fileiras,


prometendo em troca a liberdade apó s o fim do conflito. De olho na alforria, alguns negros
fugiram das propriedades onde eram mantidos escravos para aderir à luta. Outros foram
cedidos por senhores de terra que apoiavam a revoluçã o. [...]

Pá gina 237

Estima-se que em alguns momentos os lanceiros negros, como ficaram conhecidos estes
soldados, tenham representado metade do exército rio-grandense. O africano José, de naçã o
angola, foi um desses homens que sonharam em conquistar a liberdade pegando em armas. [...]

[...]

Somente nos ú ltimos anos a importâ ncia e a dimensã o da participaçã o negra neste conflito têm
recebido maior atençã o. Hoje é possível afirmar com segurança que negros, índios e mestiços
desempenharam papel fundamental na Guerra dos Farrapos nã o somente como soldados, mas
também trabalhando em diversos outros setores importantes da economia de guerra, como
nas estâncias de gado, na fabricaçã o de pó lvora e nas plantaçõ es de fumo e erva-mate
cultivadas pelos rebeldes.

Apesar das promessas, em nenhum momento a Repú blica Rio-Grandense libertou seus
escravos. A questã o da aboliçã o era controversa entre seus líderes. Ao mesmo tempo em que o
governo rebelde prometia liberdade aos escravos engajados e condenava a continuidade do
trá fico de escravos, seu jornal oficial, O Povo, estampava anú ncios de fugas de cativos. Houve
uma tentativa de aboliçã o por meio de projeto apresentado na Assembleia Constituinte de
1842 por José Mariano de Mattos (1801-1866), que foi recusado. Anos apó s o fim do conflito,
vá rios líderes farroupilhas ainda tinham escravos, como Bento Gonçalves (1788-1847), que
morreu deixando 53 cativos para seus herdeiros.

[...]

OLIVEIRA, Vinicius Pereira de; SALAINI, Cristian Jobi. Escravos farrapos. Revista de História, Rio de Janeiro, 19 nov.
2010. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/escravos-farrapos>. Acesso em:
7 maio 2016.

Juan Manuel Blanes. Sé c. XIX. Ó leo sobre tela. Coleçã o particular

Retrato de um Lanceiro Negro, de Juan Manuel Blanes (1830-1901). Pesquisas recentes apontam
para uma intensa participaçã o de negros na Guerra dos Farrapos.

a) O engajamento dos escravizados nas fileiras farroupilhas pode ser considerado


uma forma de resistência negra na histó ria do Brasil?

a) Sim, pois os escravizados aderiram à causa farroupilha mediante a promessa de que, ao final do conflito, eles obteriam a
liberdade.

b) Transcreva o trecho do texto em que fica evidente a divergência entre os líderes


farroupilhas no tocante à questã o da aboliçã o.

b) “A questã o da aboliçã o era controversa entre seus líderes. Ao mesmo tempo em que o governo rebelde prometia
liberdade aos escravos engajados e condenava a continuidadedo trá fico de escravos, seu jornal oficial, O Povo, estampava
anú ncios de fugas de cativos.”
c) Debata, reflita e responda: o que explica o “silêncio demorado” em torno da
participaçã o dos negros na Guerra dos Farrapos?

c) Esse silê ncio demorado no tocante à participaçã o dos negros pode ser associado ao predomínio de uma histó ria
eurocê ntrica de vié s positivista, seja nos estudos acadê micos, seja nos livros escolares brasileiros. A invisibilidade dos
negros e a recusa em vê-los como sujeitos histó ricos sã o desdobramentos do predomínio dessa abordagem na histó ria
escrita e ensinada no Brasil.

d) Façam uma pesquisa sobre a participaçã o de negros, indígenas e mestiços na


Guerra dos Farrapos e produzam um texto histó rico ilustrado sobre o assunto.

d) Resposta pessoal.

Pá gina 238

Frederic Forbes, Dahoney e Dahomans. S/d. Aquarela. Coleçã o particular

Aquarela representando Gezo, personagem que havia sido rei do Daomé (atual Benin, na Á frica).
Entre os africanos escravizados trazidos para o Brasil havia líderes religiosos, políticos e militares,
e até mesmo reis, a exemplo deste representado na imagem.
Joã o José Reis

Acima, vista interna de uma loja, década de 1990, isto é, porã o de um sobrado. Em uma dessas lojas,
no centro de Salvador, viviam os africanos libertos Manuel Calafate e Aprígio, ambos de origem
iorubá e líderes da Revolta Escrava de 1835. Fotografia de Joã o José Reis.

A Revolta dos Malês


Salvador, em 1835, possuía cerca de 65 mil habitantes. Essas pessoas tinham entre
si diferenças profundas na maneira de trabalhar, tirar folga e orar. A origem, a
condiçã o social e a cor da pele eram outras diferenças importantes para
compreendermos por que, na Bahia do século XIX, uma maioria de negros e
mestiços era oprimida por uma minoria de brancos.

Dica! Vídeo sobre a matriz afro na formação da cidade de Salvador. [Duração: 23 minutos].
Acesse: <http://tub.im/85h5uo>.

Escravizados ou libertos, os africanos eram as maiores vítimas dessa opressã o.


Muitos resistiam a isso organizando comunidades de terreiros para cultuar os
orixás, os voduns ou os espíritos ancestrais. Outros aderiram ao catolicismo e o
praticavam à sua maneira. Outros ainda optaram pelo chamado culto malê, que
vinha se tornando popular na capital baiana.

Orixá: nome dado às divindades do panteã o iorubá ou nagô .

Vodum: nome dado às divindades nos cultos jejes; equivalente a inquice, na cultura angola, e orixá , no Ketu.

O culto malê era uma combinaçã o de elementos das religiõ es africanas e dos
princípios muçulmanos contidos no Corão (o livro sagrado dos muçulmanos). Os
malês nã o comiam carne de porco, jejuavam à s sextas-feiras e, uma vez por ano,
faziam uma dieta especial à base de inhame, língua de vaca, arroz, leite e mel. O
tempo de duraçã o desse sacrifício é conhecido como Ramadã (mês do jejum
muçulmano).

Os negros, escravizados ou livres, eram explorados no trabalho, desprezados por


sua cor e perseguidos por causa de suas religiõ es. Todos entraram no Brasil como
cativos e tinham motivos de sobra para deixar de lado diferenças de origem e
religiã o e lutar contra seus opressores.
A data escolhida foi 25 de janeiro de 1835, um domingo, dia de homenagem a
Nossa Senhora da Guia. A luta pela Bahia durou a noite inteira. Agitando espadas,
facas e lanças, os negros enfrentaram soldados armados com garruchas, que
fugiam do corpo a corpo, atirando neles de dentro do quartel.

Pá gina 239

Cerca de 50 africanos morreram durante os combates e muitos outros ficaram


feridos, vindo a falecer posteriormente. O tribunal que julgou os rebeldes procurou
provar a superioridade dos brancos sobre os negros, dos homens de posses sobre
os escravos, da religiã o cató lica sobre as outras. Qualquer objeto da Á frica
encontrado pela polícia baiana era considerado criminoso. Além dos abadás,
rosá rios e escritos religiosos dos malês, as autoridades apreenderam atabaques,
colares de bú zios, panos da costa, entre outros.

Abadá: espécie de tú nica usada pelos negros.

Sufocada a rebeliã o, os vencedores se lançaram à vingança. Em março de 1835,


centenas de africanos libertos foram mandados de volta para a Á frica. A maioria
voltou para os lugares de onde veio: Lagos, Nigéria e Daomé. Essas pessoas tinham
trabalhado muitos anos para conseguir comprar a carta de alforria. Agora, mesmo
os considerados inocentes, eram ilegalmente expulsos da Bahia. O objetivo das
autoridades, segundo o historiador Joã o José Reis, era o branqueamento da
sociedade livre baiana.

Dica! Vídeo produzido pelo Centro de Memória da Bahia sobre a Revolta dos Malês. [Duração: 9
minutos]. Acesse: <http://tub.im/hk7oy3>.

Ricardo Teles/Pulsar Imagens

Acima, Festa do Nosso Senhor do Bonfim, no Benin, Á frica, 2011. Essa festa organizada por
descendentes de brasileiros, os agudá s, foi levada para a Á frica por negros que haviam sido
escravizados no Brasil
Max Haack/Prefeitura de Salvador

Aspecto da Festa do Senhor do Bonfim, na Bahia, 2015. O ritual, que se repete todos os anos desde
1754, reú ne milhares de pessoas e acontece sempre na segunda quinta-feira posterior ao Dia de
Reis, no mês de janeiro.

A Sabinada
Na Bahia, era grande a insatisfaçã o com a política centralizadora do governo
instalado no Rio de Janeiro. Os principais motivos dessa insatisfaçã o eram: o envio
obrigató rio de rendas para o Rio de Janeiro; a necessidade de fornecer soldados
para lutar no Sul; e a prolongada crise de abastecimento que provocava carestia e
fome.

Em Salvador, o jornal Novo Diário da Bahia, do médico e jornalista republicano


Francisco Sabino Vieira, o dr. Sabino, intelectual e conhecedor das ideias
iluministas, era o principal porta-voz da oposiçã o ao governo. Em 7 de novembro
de 1837, reagindo à notícia de que os baianos seriam convocados para lutar contra
os farroupilhas, militares rebeldes tomaram o Forte de Sã o Pedro, em Salvador,
obrigando o presidente da província a fugir da cidade. Tinha início a Sabinada,
revolta cujo nome se deve ao seu principal líder, Francisco Sabino.

Pá gina 240

Os sabinos proclamaram a independência, mas logo declararam que ela duraria


somente até a maioridade de Dom Pedro II. A reaçã o partiu do Recô ncavo, onde os
proprietá rios locais organizaram um governo paralelo na cidade de Cachoeira. A
Bahia passou, entã o, a ter dois governos: um na cidade de Cachoeira, controlado
pelas forças legalistas, e outro em Salvador, comandado pelos sabinos.
Rugendas. Sé c. XIX. Gravura. Coleçã o particular

Praça da Piedade, tendo ao fundo o Convento de Nossa Senhora da Piedade, em Salvador. Produzida
por J. M. Rugendas, a imagem mostra vá rios grupos da sociedade baiana da época da Sabinada.

Romulo Fialdini/ Tempo Composto

Em detalhe, acima, cadeirinha de arruar, usada para o transporte de pessoas. Em estilo rococó , com
assento de madeira, cabeceira de couro, almofada, essa cadeira encontra-se no Museu Paulista da
Universidade de Sã o Paulo.

O governo central entã o decidiu agir: enviou forças que se juntaram à s do


Recô ncavo e cercaram Salvador por terra, enquanto a Marinha Imperial bloqueava
a cidade por mar. Diante do cerco a Salvador e da falta de alimentos, os rebeldes
convocaram os escravizados para lutar ao lado deles. Muitos, porém, nã o
atenderam a esse apelo, pois nã o viam a Sabinada como uma luta deles. De sua
parte, muitos proprietá rios, assustados com a possibilidade de perder seus
escravos, passaram a defender o governo central.

Com cerca de 4 mil homens, as forças legalistas invadiram a capital baiana e


promoveram um verdadeiro massacre. O tribunal que julgou os sabinos ficou
conhecido como “jú ri de sangue”, pois os condenou em massa. Francisco Sabino
Vieira foi expulso da Bahia com os outros líderes que sobreviveram ao massacre.

Dica! Comentário do escritor e jornalista Eduardo Bueno a respeito da Sabinada. [Duração: 2


minutos.] Acesse: <http://tub.im/t7sp9i>.

A Balaiada
Ocorrida nas terras do atual Maranhã o e do Piauí, entre 1838 e 1841, a Balaiada
teve suas raízes na luta da populaçã o pobre contra a opressã o, na luta dos políticos
provinciais por autonomia em relaçã o ao Império, nos conflitos por hegemonia na
respectiva província e também nas dificuldades econô micas enfrentadas pelo
Nordeste no período regencial.

As principais dificuldades eram:

» o algodão, principal produto maranhense de exportaçã o, vinha perdendo


mercado para o algodã o do sul dos Estados Unidos. Na década de 1820, o algodã o
maranhense representava 20,6% do total das exportaçõ es brasileiras; no decênio
seguinte, caiu para 10,8% desse total;

Pá gina 241

»» o controle do comércio local pelos portugueses e do comércio exterior pelos


ingleses. Esse controle limitava a concorrência, mantinha os preços dos alimentos
elevados e prejudicava as manufaturas locais;

»» a sobrecarga dos escravizados. Cerca de metade da populaçã o era de


escravos, que tinham de fazer o serviço de muitas pessoas, pois a crise atingia o
bolso dos seus senhores e sobrava menos dinheiro para a reposiçã o de mã o de
obra. Com isso, multiplicavam-se as fugas, e os quilombos cresciam.

Quando o regente Araú jo Lima foi eleito, os conservadores assumiram os


principais postos no Maranhã o, inclusive o de presidente da província, passando a
usar o recrutamento forçado para enfraquecer os liberais, apelidados na regiã o de
bem-te-vis.

Nesse contexto, um grupo armado chefiado pelo vaqueiro Raimundo Gomes


assaltou a cadeia da Vila do Manga e libertou vá rios companheiros que estavam
presos. A seguir, o grupo lançou um manifesto em que se declarava inimigo dos
portugueses e exigia a demissã o do presidente da província.

Enquanto o grupo de Raimundo Gomes percorria o interior apoderando-se de


vá rias localidades, o movimento ganhava novos líderes, a exemplo do artesã o
mestiço Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, o Balaio, e o negro Cosme Bento das
Chagas, que liderava 3 mil quilombolas fugidos das fazendas maranhenses.
Fortalecidos, em meados de 1839, os balaios conquistaram Caxias, a segunda
maior cidade do Maranhã o, e avançaram em direçã o ao Piauí, onde, com a ajuda da
populaçã o local, venceram tropas oficiais enviadas para combatê-los.

Balaio: cesto de palha ou de outro material.

Inicialmente, os políticos liberais incentivaram os balaios, ao mesmo tempo que


culpavam os conservadores pela “desordem”; esperavam, com isso, desalojá -los do
poder nas pró ximas eleiçõ es. Mas, quando viram que a capital maranhense seria
invadida pelos balaios, os liberais se juntaram aos conservadores para pedir
reforços ao governo central.

Este enviou para o Maranhã o cerca de 8 mil homens sob o comando de Luís Alves
de Lima e Silva. A repressã o ao movimento efetuou torturas, prisõ es e milhares de
execuçõ es sem direito à defesa. Calcula-se que cerca de 11 mil balaios tenham
morrido em combate com as tropas imperiais. Quanto aos líderes, Manuel
Francisco dos Anjos morreu lutando, Raimundo Gomes foi expulso do Maranhã o e
Cosme Bento das Chagas acabou preso e enforcado em praça pú blica para servir de
exemplo aos que ousassem desafiar as elites imperiais.

Dica! Reportagem sobre a importância histórica da Balaiada nos dias atuais. [Duração: 4
minutos.] Acesse: <http://tub.im/ygusg7>.

Cesar Diniz/Pulsar Imagens

Acima, no jardim do Memorial, vê-se a estátua do vaqueiro Raimundo Gomes. Repare que a obra
está protegida por uma cerca, provavelmente porque depredaçõ es de monumentos têm sido
comuns em todo o Brasil. Fotografia de 2014.

Moisé s Saba/Fotoarena

Fachada do Memorial da Balaiada, em Caxias, no Maranhã o.


Pá gina 242

ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. (UFMG – 2013) Leia o trecho:

O sete de abril de 1831, mais do que o sete de setembro de 1822, representou a verdadeira
independência nacional, o início do governo do país por si mesmo, a Coroa agora representada
apenas pela figura quase simbó lica de uma criança de cinco anos. O governo do país por si
mesmo [...] revelou-se difícil e conturbado. Rebeliõ es e revoltas pipocaram por todo o país,
algumas lideradas por grupos de elite, outras pela populaçã o tanto urbana como rural, outras
ainda por escravos.

CARVALHO, J. Murilo et al. Documentação política, 1808-1840. Brasiliana da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro:
Fundaçã o Biblioteca Nacional/Nova Fronteira, 2011. s/p.

a) Explique o sentido da frase considerando o seu contexto histó rico: “a Coroa agora representada
apenas pela figura quase simbó lica de uma criança de cinco anos”.

1. a) Em 1831, D. Pedro I abdicou do trono em favor de seu filho Pedro de Alcâ ntara, que tinha apenas 5 anos de idade. Esse
momento representou a consolidaçã o de um processo de rompimento com a Coroa portuguesa, uma vez que o Brasil passou
a ser governado por brasileiros.

b) Apresente dois fatores que contribuíram para as conturbaçõ es políticas e sociais que levaram à s
rebeliõ es e à s revoltas do período.

1. b) Entre os fatores que contribuíram para as conturbaçõ es políticas e sociais do período podemos citar a luta de indígenas,
mestiços, negros e brancos pobres por liberdade e melhores condiçõ es de vida e o desejo de as elites das províncias terem
maior autonomia diante do poder imperial.

2. (UFV-MG) Observe a imagem abaixo:

Brito e Braga. Sé c. XIX. Coleçã o particular

Brito e Braga, Batalhão de Fuzileiros da Guarda Nacional (1840-1845).Disponível em:


http://www.multirio.rj.gov.br/historia. Acesso em: 30 jul. 2009.
Com relaçã o à Guarda Nacional, criada durante o Império, é CORRETO afirmar que:

a) funcionava como ú nica força armada que podia defender os interesses dos escravistas e coibir a
fuga dos escravos.

b) objetivava o controle da Corte e da burocracia imperial, alvos frequentes de manifestaçõ es


populares de descontentamento.

c) tinha por finalidade a garantia da segurança e da ordem, defendendo a Constituiçã o, a obediência


à s leis e a integridade do Império.

d) atuava na defesa das fronteiras externas brasileiras, impedindo a expansã o dos países platinos
em direçã o ao territó rio brasileiro.

2. Resposta: c.

3. (UFRGS-RS – 2014) Durante a regência de Araú jo Lima (1837-1840), foram criadas algumas
instituiçõ es político-culturais, com o objetivo de produzir uma histó ria da naçã o, que conferisse aos
brasileiros um sentimento de pertencimento e de nacionalidade, e assim de auxiliar na
centralizaçã o e fortalecimento do Estado.

Uma dessas instituiçõ es foi

a) a Guarda Nacional.

b) o Instituto Histó rico e Geográ fico Brasileiro.

c) a Academia Imperial de Belas Artes.

d) a Sociedade Auxiliadora da Indú stria Nacional.

e) a Academia Brasileira de Letras.

3. Resposta: b.

4. (UFC-CE) O período regencial brasileiro (1831- 1840) foi marcado por rebeliõ es e revoltas, em
vá rias províncias, que expressavam as diferentes lutas políticas e sociais. Em relaçã o à composiçã o
dos grupos que participaram da Cabanagem (1835-1840), assinale a alternativa correta.

a) As elites agrá rias atuaram no movimento, defendendo uma partilha de terras que incluísse os
camponeses.

b) Os grupos letrados envolvidos no conflito lutavam em favor da construçã o de um império ú nico,


envolvendo Brasil e Portugal.

Pá gina 243

c) Os estrangeiros foram os condutores desses movimentos e expressavam o desagravo em relaçã o


ao poder comercial controlado pelos holandeses.

d) Os militares revoltosos lutaram contra as elites, pois eram a favor da aboliçã o da escravatura.
e) Os elementos oriundos das camadas mais pobres tiveram papel de destaque na liderança do
movimento.

4. Resposta: e.

5. (Unesp-SP) A Revoluçã o Farroupilha foi um dos movimentos armados contrá rios ao poder
central no Período Regencial brasileiro (1831-1840). O movimento dos Farrapos teve algumas
particularidades, quando comparado aos demais.

Em nome do povo do Rio Grande, depus o governador Braga e entreguei o governo ao seu
substituto legal Marciano Ribeiro. E em nome do Rio Grande do Sul eu lhe digo que nesta
província extrema [...] não toleramos imposiçõ es humilhantes, nem insultos de qualquer
espécie. [...] O Rio Grande é a sentinela do Brasil, que olha vigilante para o Rio da Prata. Merece,
pois, maior consideraçã o e respeito. Nã o pode e nem deve ser oprimido pelo despotismo.
Exigimos que o governo imperial nos dê um governador de nossa confiança, que olhe pelos
nossos interesses, pelo nosso progresso, pela nossa dignidade, ou nos separaremos do centro e
com a espada na mã o saberemos morrer com honra, ou viver com liberdade.

Bento Gonçalves [carta ao Regente Feijó , setembro de 1835] apud Sandra Jatahy Pesavento. A Revolução
Farroupilha, 1986.

Entre os motivos da Revoluçã o Farroupilha, podemos citar:

a) o desejo rio-grandense de maior autonomia política e econô mica da província frente ao poder
imperial, sediado no Rio de Janeiro.

b) a incorporaçã o, ao territó rio brasileiro, da Província Cisplatina, que passou a concorrer com os
gaú chos pelo controle do mercado interno do charque.

c) a dificuldade de controle e vigilâ ncia da fronteira sul do império, que representava constante
ameaça de invasã o espanhola e platina.

d) a proteçã o do charque rio-grandense pela Corte, evitando a concorrência do charque estrangeiro


e garantindo os baixos preços dos produtos locais.

e) a destruiçã o das lavouras gaú chas pelas guerras de independência na regiã o do Prata e a
decorrente reduçã o da produçã o agrícola no Sul do Brasil.

5. Resposta: a.

6. A historiadora Claudete Dias Soares escreveu um importante livro demonstrando a participaçã o


do Piauí na Balaiada. Os versos a seguir foram retirados desse livro. O que esses versos sugerem?

O balaio entrou!
O balaio entrou!
Cadê o branco?
Nã o há mais branco!
Nã o há mais branco!

SOARES, Claudete Maria Miranda Dias. Balaios e bem-te-vis: a guerrilha sertaneja. Teresina: Instituto Dom Barreto,
2002. p. 117.

6. Os versos sugerem que a luta dos balaios se voltou também contra o escravismo e o racismo presentes na sociedade
maranhense daquela é poca. [Como observou uma historiadora: “Em seu momento de maior radicalizaçã o, os balaios vã o
priorizar a reivindicaçã o de direitos iguais para o ‘povo de cor’ (tanto ‘cabras’ quanto ‘caboclos’) [...]” (MATTOS, Hebe Maria.
Escravidã o e cidadania no Brasil moná rquico. p. 28).]
II. Integrando com Língua Portuguesa
O Romantismo é um estilo de arte que fez sua estreia no Brasil em 1836 com a obra Suspiros
poéticos e saudades, do carioca Gonçalves de Magalhã es. Na época, o Brasil vivia sob a regência do
padre Feijó ; e no campo da cultura buscava afirmar sua independência. Veja o que se diz sobre o
início do Romantismo no Brasil:

Pá gina 244

No Brasil, o início do Romantismo caracteriza-se principalmente pelo tom ufanista em relaçã o


à naçã o brasileira, venerada em sua natureza exuberante e representada por heró is e heroínas
indígenas. Em verso e prosa, louvaram-se as façanhas de índios idealizados pelos escritores,
que foram tratados na literatura como protagonistas dos primeiros momentos de nossa
histó ria.

Esse viés [...] caracterizou os poemas da primeira fase do Romantismo e se manifestou também
em inú meros romances indianistas publicados ao longo do século XIX. Assim, a literatura
româ ntica ajudou a determinar e difundir os símbolos representativos da jovem naçã o
brasileira, que recentemente havia conseguido sua liberdade política da metró pole
portuguesa, em 1822.

TORRALVO, Izeti Fragata; MINCHILLO, Carlos Cortez. Linguagem em movimento. Sã o Paulo: FTD, 2010. p. 32.

Indianismo: no Romantismo brasileiro, a valorizaçã o do índio como um elemento diferenciador da


identidade nacional.

A “Cançã o do exílio”, do poeta maranhense Gonçalves Dias, tornou-se símbolo da nacionalidade.


Leia-a com atençã o.

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá ;
As aves, que aqui gorjeiam,
Nã o gorjeiam como lá .

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas vá rzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer encontro eu lá ;
Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá .

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá ;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá ;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá .
Nã o permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá ;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá .

DIAS, Gonçalves. Poesia completa e prosa escolhida. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1959. p. 103.

a) Qual o tema da “Cançã o do exílio”?

PROFESSOR, VER MANUAL.

b) Trechos da “Cançã o do exílio” foram incorporados ao Hino Nacional. Você saberia dizer quais?

c) Segundo o texto citado, “o início do Romantismo caracteriza-se principalmente pelo tom


ufanista”.

c1) Procure no dicioná rio o significado do substantivo ufanismo e transcreva-o no seu


caderno.

c2) Encontre um ou mais exemplos desse sentimento na “Cançã o do exílio”.

d) Em dupla: A “Cançã o do exílio”, de Gonçalves Dias, é o poema româ ntico mais citado e
parodiado (reescrito com intençã o satírica) da literatura brasileira. Pesquisem e transcrevam um
exemplo dessa afirmaçã o.

Pá gina 245

Modernização, mão de
Capítulo 13

obra e guerra no Segundo


Reinado
Cesar Diniz/Pulsar Imagens

Vista externa da casa-grande da Fazenda Boa Vista, 2011. Na fotografia é possível observar seus
vá rios cô modos.

Cesar Diniz/Pulsar Imagens

Vista do interior da casa-grande da Fazenda Boa Vista, em Bananal, cidade do Vale do Paraíba
paulista, 2011.

Professor: essa e outras centenas de fazendas do Vale do Paraíba sã o documentos materiais do enorme poder que os
cafeicultores da regiã o tiveram nos tempos do Impé rio. Em geral, o capital empregado na construçã o ou reconstruçã o dessas
casas era originá rio da venda de café para o exterior, café este produzido e transportado por africanos escravizados trazidos
aos milhares pelo trá fico atlântico. Sugerimos comentar que a Fazenda Boa Vista é um importante ponto turístico do Vale do
Paraíba na atualidade.

A Fazenda Boa Vista está localizada em Bananal, cidade do Vale do Paraíba


paulista, e é hoje um hotel que recebe pessoas de vá rias partes do Brasil e do
mundo. Por volta de 1840, quando D. Pedro II começou a reinar, o café era a
principal riqueza dessas terras.
»» O que as imagens deste monumento do Brasil-Império
mostram e o que escondem?

»» Com que recursos esta fazenda foi construída ou reconstruída?

»» Quem trabalhava nas terras dessa fazenda por volta de 1840?

Pá gina 246

Fé lix É mile Taunay. 1838. Ó leo sobre tela. Museu Imperial

Imagem de Dom Pedro com 12 anos de idade; repare que, antes mesmo de assumir o trono, ele é
mostrado como comandante em chefe das Forças Armadas. Dois anos depois, com 15 anos
incompletos, ele assumiu o poder.

O golpe da maioridade
Interessados em derrubar os conservadores e manter privilégios ameaçados por
rebeliõ es, como a Balaiada e a Farroupilha, os liberais passaram a divulgar que só
um imperador poderia “salvar a naçã o” da desordem. Como Pedro de Alcâ ntara
contava com apenas 14 anos, eles lançaram uma campanha em jornais e revistas
em prol da antecipaçã o da maioridade, que logo ganhou o apoio de boa parte da
populaçã o.

Em pouco tempo, as manobras dos liberais e a força da propaganda surtiram


efeito.
Em 23 de julho de 1840, a Assembleia votou a maioridade de Dom Pedro de
Alcâ ntara e o aclamou imperador do Brasil. Com o Golpe da Maioridade e a
ascensã o dos liberais ao poder, iniciava-se o reinado de Dom Pedro II, que se
estendeu por quase meio século (1840-1889).

Dica! Documentário sobre a vida de D. Pedro II. [Duração: 30 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/64rtcj>.

Eleições: violência e fraude


No poder, os liberais praticaram todo tipo de fraude para garantir a vitó ria nas
eleiçõ es para a Câ mara dos Deputados: pagaram valentõ es para surrar eleitores,
roubaram urnas e qualificaram crianças, escravizados e defuntos como eleitores.
Com isso, venceram as eleiçõ es que, por incluírem a violência, ficaram conhecidas
como eleições do cacete.

Derrotados, os conservadores pressionaram o imperador para que anulasse as


eleiçõ es. Ele o fez e, a seguir, inaugurou o rodízio entre os partidos, nomeando, em
1841, um novo ministério de perfil conservador que deu continuidade à
centralizaçã o política, aumentando a força do Estado sobre aJustiça e a polícia nas
províncias.

Justiça: pela Reforma do Có digo do Processo Criminal, aprovada em 3 de dezembro de 1841, o ministro da
Justiça – como representante do imperador – passava a ser responsá vel pela nomeação dos chefes de polícia,
dos comandantes da Guarda Nacional e de quase todos os magistrados.

DIALOGANDO

Observe a charge de Angelo Agostini.

Angelo Agostini. Sé c. XIX. Coleçã o particular

a) Quem seriam os “cascudos” mostrados na charge?

a) Os cascudos eram os membros do Partido Conservador.

b) O que a charge ironiza?

b) A charge ironiza o uso da violê ncia nas disputas entre liberais e conservadores. Professor: comentar que a violê ncia e a
fraude foram usadas tanto pelos liberais quanto pelos conservadores.
Pá gina 247

As revoltas liberais de 1842


Alijados do poder, os liberais pegaram em armas nas chamadas Revoltas Liberais
de 1842. Em Sã o Paulo, foram liderados por Feijó ; em Minas, por Teó filo Otoni; e,
no Vale do Paraíba fluminense, por Joaquim José de Souza Breves, cafeicultor e
proprietá rio de 30 fazendas e 6 mil escravizados. Sem conseguir ampliar suas
bases de apoio, a revolta foi derrotada pelas forças legalistas, comandadas por
Duque de Caxias. Seus principais líderes foram deportados para Portugal. Dois
anos depois, no entanto, decretou-se a anistia geral.

Dica! Reportagem sobre o município de Silveiras (SP), palco de algumas revoltas liberais de 1842.
[Duração: 2 minutos]. Acesse: <http://tub.im/xq3xmr>.

A Rebelião Praieira
Em Pernambuco, durante boa parte da histó ria do Império, o poder esteve nas
mã os das famílias tradicionais. Duas dessas famílias, os Rego-Barros e os
Cavalcanti, unidas por laços de parentesco, governaram a província de 1837 a
1844. Durante esse período, usaram o poder pú blico em favor de seus interesses,
além de colocar seus familiares nos principais cargos pú blicos, gerando assim
grande descontentamento popular.

Cavalcanti: eram donos de um terço dos engenhos pernambucanos. Havia pessoas dessa família tanto no
Partido Liberal quanto no Conservador que, em Pernambuco, tinha seus membros apelidados de gabiru (rato
grande).

Outro fator de insatisfaçã o entre os pernambucanos era o controle que os


portugueses exerciam sobre o comércio varejista: em 1844, das 77 casas
comerciais, apenas 23 eram de brasileiros. Além disso, os comerciantes
portugueses empregavam quase sempre os seus patrícios, o que também era causa
de muitos ressentimentos.

Com a disposiçã o de arrebatar o poder das mã os das famílias tradicionais, um


grupo de liberais formou um novo partido político, o Partido da Praia, assim
chamado porque a sede de seu principal jornal, o Diário Novo, ficava na Rua da
Francisco Henrique Carls. 1873. Gravura. Coleçã o particular

Esta gravura do século XIX é um indício de que a sociedade pernambucana dos tempos da
Revoluçã o Praieira era altamente hierarquizada. Ao centro, vemos escravizados trabalhando
descalços. Na calçada da esquerda, um bacharel com fraque e cartola; na da direita, um homem, que
parece ser um fazendeiro, conversando com uma senhora da elite.

Pá gina 248

Praia, no Recife. Outros impressos, como o jornal O Repúblico, de Antô nio Borges
da Fonseca, e a revista O Progresso, de Antô nio Pedro de Figueiredo, também
clamavam por mudanças sociais.

Em 1845, ao ser nomeado presidente da província, o liberal Antô nio Chichorro da


Gama substituiu 600 autoridades locais, ofereceu cargos aos praieiros e ampliou as
bases de seu poder. Anos depois, os conservadores ascenderam ao poder e
partiram para o revide.

Em 1848, quando 40 proprietá rios rurais, ligados aos praieiros, foram demitidos e
recusaram-se a entregar os cargos na polícia e as armas, teve início a Revolução
Praieira. O motivo imediato da Praieira, portanto, foi a disputa de cargos pú blicos
na província de Pernambuco: a luta pelo poder local. A luta começou em Olinda e
se estendeu à Paraíba, reunindo trabalhadores temporá rios, pequenos lavradores,
rendeiros e desempregados sob o comando dos senhores de engenho.

A Praieira foi influenciada também pela Revoluçã o de fevereiro de 1848, na França,


onde vicejavam ideias liberais e socialistas. Algumas dessas ideias estã o presentes
no Manifesto ao Mundo, de 1º de janeiro de 1849, redigido pelo jornalista Borges
da Fonseca durante a luta. No manifesto ele expô s as exigências mais radicais feitas
durante a revolta:
»» o voto livre e universal do povo brasileiro;

»» a plena liberdade de comunicar os pensamentos por meio da imprensa;

»» o trabalho como garantia de vida para o cidadã o brasileiro;

»» o comércio a retalho só para cidadã os brasileiros;

»» a inteira e efetiva independência dos poderes constituídos;

»» a extinçã o do Poder Moderador.

No campo militar, os praieiros comandados pelo capitã o Pedro Ivo, por Felix de
Brito Melo ou pelo crioulo Elias, líderes populares da revolta, conseguiram
algumas vitó rias. Ao tentarem conquistar Recife, no entanto, foram derrotados
pelas tropas imperiais. Os principais líderes foram condenados à prisã o perpétua,
mas acabaram anistiados em 1852. Com a Praieira encerrou-se, por assim dizer, o
ciclo de revoltas ocorridas no Império entre 1831 e 1850, e teve início um período
marcado por progresso econô mico e certa estabilidade política.

O poder do monarca no Império Brasileiro


A constituiçã o do Império, outorgada em 1824, possibilitava ao imperador a
concentraçã o de uma enorme soma de poder em suas mã os. O imperador podia
dissolver a Câ mara e convocar eleiçõ es para renová -la; nomear presidentes de
província; convocar as Forças Armadas; aprovar ou vetar as decisõ es da Câ mara e
do Senado, e perdoar sentenças dadas pelo poder Judiciá rio.

Era o imperador também quem indicava o presidente do Conselho de Ministros.


Este, por sua vez, escolhia o ministério (ou gabinete) e o apresentava à Câ mara
dos Deputados. Se o ministério fosse aprovado pela Câ mara, passava a exercer o
Poder Executivo. Se fosse reprovado, a decisã o caberia a Dom Pedro II, que,
geralmente, dissolvia a Câ mara e marcava novas eleiçõ es, conseguindo, assim,
impor sua vontade. Por isso, o historiador José Murilo de Carvalho caracterizou a
política imperial como um teatro de sombras. Tanto os políticos quanto as
instituiçõ es estavam submetidos ao imperador.

Presidente do Conselho de Ministros: cargo equivalente ao de primeiro-ministro que foi criado por D.
Pedro II em 1847.

Dica! Documentário sobre D. Pedro II. [Duração: 30 minutos]. Acesse: <http://tub.im/89nojh>.

Pá gina 249
Angelo Agostini. 1886. Desenho. Coleçã o particular

Imagem de Dom Pedro II distribuindo favores a políticos: prá tica habitual no Império brasileiro.

Os partidos do Império: diferenças e semelhanças


Os dois grandes partidos do reinado de Dom Pedro II – o Liberal e o Conservador –
representavam as elites do Império e tinham, entre si, muitos pontos em comum, a
saber: o interesse na manutençã o da ordem, do escravismo, da unidade territorial
e das autoridades constituídas. Tanto uns quanto outros tinham interesse na
estabilidade do regime, que mantinha seus privilégios e excluía a maioria da vida
política nacional. Isso ajuda a explicar por que o político pernambucano Holanda
Cavalcanti afirmou: “Nada tã o parecido com um saquarema quanto um luzia no
poder”. Era comum também os políticos mudarem de um partido para outro.

Saquarema: apelido dado aos conservadores, em funçã o do município fluminense de Saquarema, no qual os
líderes do partido tinham terras e escravizados.

Luzia: apelido dado aos liberais por ter sido Santa Luzia (MG) o lugar em que eles sofreram sua maior
derrota, em 1842.

Havia também algumas diferenças entre eles: os liberais eram favorá veis à
descentralizaçã o e à maior autonomia das províncias. Já os conservadores
defendiam a centralizaçã o política como condiçã o para impor a ordem. No entanto,
as semelhanças entre eles eram maiores que as diferenças. Prova disso é que,
durante o Segundo Reinado, liberais e conservadores chegaram a governar juntos,
compondo um mesmo ministério: o Ministério de Conciliação (1853-1857). Esse
jogo de alternâ ncias e alianças contribuiu para a estabilidade e a longevidade do
Império.
Economia do Segundo Reinado
A partir de 1834 – quando superou o açú car como principal produto de exportaçã o
brasileiro –, o café uniu o centro político ao centro econô mico, contribuindo, assim,
para a consolidaçã o do Estado imperial.

O café assume a liderança


Introduzido no Brasil via Belém, no Pará , por volta de 1727, o cafeeiro nos
primeiros tempos era considerado planta de quintal e servia apenas ao consumo
doméstico. No final do século XVIII, os cafezais ocuparam as encostas pró ximas ao
Rio de Janeiro e, em seguida, avançaram pelas terras do Vale do Paraíba
fluminense e paulista, o berço da cafeicultura comercial brasileira.

Dica! Documentário sobre os imigrantes nas plantações de café no norte do Paraná. [Duração
total: 19 minutos]. Dividido em duas partes. Para a primeira parte, acesse:
<http://tub.im/wb6ipr>.

Pá gina 250

Na década de 1820, o café tornou-se o terceiro produto da pauta das exportaçõ es


brasileiras (18,4%), só perdendo para o açú car (30,1%) e para o algodã o (20,6%).
Na década de 1830, passou a ser o principal produto brasileiro de exportaçã o
(43%) e, na segunda metade do século XIX, chegou a responder por mais de 60%
das exportaçõ es brasileiras.

Thomas Crane. 1882. Desenho. Coleçã o particular. Foto: Culture Club/Getty Images

Desenho de 1882 mostrando uma família inglesa, em férias, tomando café ao ar livre em um parque
de Paris, na França; note que o garçom serve a família que, pelos trajes, parece ser rica.
A expansã o da cafeicultura no Vale do Paraíba pode ser explicada pelos seguintes
fatores:

»» abundâ ncia de terra e mã o de obra escravizada: a terra foi concedida por D.


Joã o VI aos cafeicultores em forma de sesmarias e o trabalho cabia aos milhares de
africanos escravizados trazidos pelo trá fico atlâ ntico;

»» mercado externo em expansã o: o há bito de beber café tornou-se moda na


Europa e nos Estados Unidos, o que gerou um aumento da demanda internacional
do produto;

»» o cafeeiro podia durar 30 anos ou mais, enquanto a cana tinha de ser


replantada a cada três anos;

»» o café se deteriorava menos do que a cana durante o transporte.

Da década de 1830 até a de 1880, o café produzido no Vale do Paraíba fluminense e


paulista tornou-se a principal riqueza do Império. Daí a expressã o muito usada na
época: “O Brasil é o Vale”. Enriquecidos, os cafeicultores do Vale, conhecidos como
“barõ es do café”, foram a principal base de sustentaçã o política do Império. Nas
fazendas, a mã o de obra predominante foi a de africanos escravizados e seus
descendentes. Observe a imagem:

Marc Ferrez /Coleçã o Gilberto Ferrez /Acervo Instituto Moreira Salles

A imagem, de cerca de 1885, mostra escravizados com peneiras e outros instrumentos de trabalho
saindo para a colheita de café em fazenda do Vale do Paraíba.

Pá gina 251
O Vale do Paraíba foi pró spero enquanto produziu café. Em pouco tempo, o
desmatamento e a erosã o (desgaste da terra pela açã o da á gua das chuvas e outros
agentes) foram esgotando o solo. Nessa regiã o, os arbustos de café eram plantados
em terrenos altos e muito inclinados. Sem a proteçã o das á rvores na época das
chuvas, a enxurrada acabava arrastando a camada fértil do solo. Conforme o solo ia
se esgotando, os cafezais seguiam em busca de terras férteis. Partiam, deixando
para trá s “cidades mortas”, como escreveu Monteiro Lobato.

Aos poucos, os cafezais foram deixando o Vale do Paraíba e ocupando o Oeste


Paulista, onde o café encontrou a “terra roxa”, solo fértil e ideal para o seu
crescimento. Em 1870, a cidade de Campinas, em Sã o Paulo, já produzia mais café
do que a cidade de Vassouras, líder do Vale do Paraíba, e pelo porto da cidade de
Santos, também em Sã o Paulo, já se exportava mais café do que pelo porto do Rio
de Janeiro. Em alguns anos, as ondas verdes de café já cobriam o trecho que vai de
Campinas a Ribeirã o Preto. 1 e 2

1. Dica! Documentário abordando a importância do café na história de São Paulo. [Duração: 28


minutos]. Acesse: <http://tub.im/3ti5jy>.

2. Dica! Documentário que aborda o impacto da produção do café na São Paulo do século XIX.
[Duração: 27 minutos]. Acesse: <http://tub.im/kqfwuc>.

A expansão cafeeira (séculos XIX e XX)

Allmaps

Fonte: RODRIGUES, Joã o Antonio. Atlas para Estudos Sociais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1977. p. 26.

Acompanhe a expansã o das fazendas de café durante os séculos XIX e XX. Em 1819, o Nordeste
concentrava 51,2% da populaçã o escravizada do país; em 1870, a maioria dos escravizados (quase
60%) trabalhava no Sudeste.

Pá gina 252
Outros importantes produtos brasileiros de exportaçã o no século XIX, além do café,
foram o açú car, o algodã o, couros, peles e a borracha.

Açúcar, algodão e borracha


O açúcar ocupou o segundo lugar na pauta das exportaçõ es brasileiras durante
boa parte do século XIX (entre 1861-1870 ele foi ultrapassado pelo algodã o). Na
época, o açú car brasileiro passou a sofrer a concorrência do açú car extraído da
beterraba, produzido na Europa, e também do açú car de cana, fabricado nas ilhas
do Caribe, especialmente em Cuba.

Desde os tempos coloniais, o algodão era cultivado sobretudo no Maranhã o, em


Pernambuco, em Alagoas e na Paraíba. No século XIX, a guerra civil estadunidense
(1861-1865) desorganizou a produçã o algodoeira do sul dos Estados Unidos e
possibilitou uma rá pida ascensã o do algodã o brasileiro que, entã o, passou ao
segundo lugar nas exportaçõ es brasileiras.

Produzida na Amazô nia e vendida para o exterior, a borracha servia,


principalmente, de matéria-prima na fabricaçã o de pneus para a nascente indú stria
automobilística. Como se pode observar na tabela a seguir, o boom da borracha
começou na penú ltima década do século XIX.

Dica! Reportagem sobre o apogeu e a queda da produção de borracha na Amazônia. [Duração: 21


minutos]. Acesse: <http://tub.im/o3sgid>.

PRINCIPAIS PRODUTOS DE EXPORTAÇÕES (1820-1890) (PORCENTAGEM SOBRE O


VALOR DA EXPORTAÇÃO)
Produto 1821/30 1831/4 1841/5 1851/6 1861/70 1871/8 1881/90
s 0 0 0 0
Café 18,4 43,8 41,4 48,8 45,5 56,6 61,5
Açú car 30,1 24,0 26,7 21,2 12,3 11,8 9,9
Cacau 0,5 0,6 1,0 1,0 0,9 1,2 1,6
Fumo 2,5 1,9 1,8 2,6 3,0 3,4 2,7
Algodã o 20,6 10,8 7,5 6,2 18,3 9,5 4,2
Borracha 0,1 0,3 0,4 2,3 3,1 5,5 8,0
Couros e 13,6 7,9 8,5 7,2 6,0 5,6 3,2
peles
Total 85,8 89,3 87,3 89,3 89,1 93,6 91,1

Fonte de pesquisa: FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6. ed. Sã o Paulo: Edusp, 1998. p. 191.

Modernização no Império
Um dos fatores de modernizaçã o do Império na segunda metade do século XIX foi a
construçã o de uma malha ferroviá ria que agilizou o transporte de mercadorias
brasileiras até os portos do litoral. Com apenas 14 km de extensã o, a primeira
ferrovia foi uma iniciativa do empresá rio brasileiro Irineu Evangelista de Souza, o
Barã o de Mauá , em 1854, e ligava a baía de Guanabara à Serra de Petró polis, no Rio
de Janeiro. No Nordeste, a necessidade de escoamento da produçã o agrícola,
sobretudo a de açú car, estimulou um empreendimento

Pá gina 253

pioneiro financiado por capitais ingleses: a construçã o da Recife and Sã o Francisco


Railway, iniciada em Pernambuco, em 1855. Três anos depois era inaugurada esta
que é a segunda ferrovia brasileira, e que ligava a capital de Pernambuco ao
município do Cabo.

Café e ferrovias
Já no Centro-Sul, quase toda a malha ferroviá ria foi construída visando ao
escoamento do café. Pensando em agilizar o transporte desse produto, o Barã o de
Mauá planejou a construçã o de uma ferrovia ligando Jundiaí a Santos, passando
pela cidade de Sã o Paulo. O plano de Mauá se concretizou em 1868, com a
inauguraçã o da São Paulo Railway. Os capitais, os técnicos e os materiais usados
na construçã o dessa importante ferrovia eram, no entanto, predominantemente
ingleses.

São Paulo Railway: ela foi chamada também de Estrada de Ferro Santos-Jundiaí.

A partir de Jundiaí, o avanço dos trilhos foi inteiramente financiado por capitais
brasileiros, principalmente dos cafeicultores do Oeste Paulista, que pensavam
como empresá rios: compravam terras, importavam má quinas e investiam na
expansã o das ferrovias.

Assim, conforme as “ondas verdes de café” avançavam, ia se multiplicando o


nú mero de ferrovias, como a Paulista, a Mogiana, a Sã o Paulo-Rio e a Ituana. Essa
malha ferroviá ria abriu o interior de Sã o Paulo à cultura do café, diminuiu o custo
do transporte, aumentou os lucros dos cafeicultores e transformou o porto de
Santos em um grande centro de comercializaçã o do produto. Os grandes
fazendeiros deixavam suas fazendas sob a responsabilidade de administradores e
construíam casas nas cidades, onde abriam negó cios, estimulando, assim, a
urbanizaçã o e a modernizaçã o.
Marc Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles

Trecho da Sã o Paulo Railway, no topo da Serra do Mar em uma fotografia de Marc Ferrez, 1895. No
quarto mês de funcionamento, a ferrovia já permitia aos ingleses um lucro de 300%. Com a
construçã o da Santos-Jundiaí, os ingleses garantiram uma posiçã o estratégica que lhes assegurava o
controle do escoamento de todo o café produzido no interior paulista.

Pá gina 254

A Tarifa Alves Branco e a Lei Eusébio de Queirós


O surto de modernizaçã o do Império contou também com a Tarifa Alves Branco
(1844) e a Lei Eusébio de Queiró s (1850).

Dica! Vídeo didático explicando a Lei Eusébio de Queirós. [Duração: 3 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/y7ew3w>.

A Tarifa Alves Branco aumentou os impostos sobre cerca de 3 mil produtos


importados. Esses produtos, que antes pagavam 15%, passaram a pagar de 30% a
60% de imposto nas alfâ ndegas brasileiras. Com isso, aumentaram as rendas do
governo. A Lei Eusébio de Queirós, por sua vez, proibiu a importaçã o de
escravizados, liberando capitais antes usados na sua reposiçã o.

Os capitais oriundos do café e parte do capital gasto anteriormente na compra de


escravizados passaram a ser aplicados no setor industrial, financeiro e de
transportes, dinamizando, com isso, a economia. Foram inauguradas, entã o,
dezenas de indú strias (de tecidos, chapéus, cervejas), vá rias companhias de
seguros, navegaçã o a vapor, estradas de ferro, bancos, empresas de mineraçã o, de
transportes urbanos e de gá s. O Barã o de Mauá , que tinha capital investido em
muitas dessas empresas, projetou-se como o maior empresá rio do Império.
Uma das principais iniciativas de Mauá foi a compra de uma pequena fundiçã o e
estaleiro com o nome de Ponta da Areia (1846), em Niteró i, no Rio de Janeiro. Em
pouco tempo, o estabelecimento já fabricava tubos para encanamentos, navios a
vapor e trilhos de ferro. Outra importante empresa de Mauá foi a Companhia de
Iluminaçã o a Gá s da cidade do Rio de Janeiro, que, a partir de 1854, passou a
fornecer luz para as ruas e residências da capital do Império.

Sebastien Auguste Sisson. 1859. Litogravura. Coleçã o particular

Rpresentaçã o do barã o de Mauá, empresá rio pioneiro em vá rias á reas de negó cio no Brasil
imperial.

Ismar Ingber/Pulsar Imagens

Acima, a casa desse barã o em Petró polis (RJ), que hoje abriga a Secretaria de Educaçã o da cidade,
2012.

Pá gina 255
Sé c. XIX. Gravura. Coleçã o particular. Foto: Acervo Iconografia

Tumbeiro (nome dado aos navios negreiros usados no Brasil por causa da alta taxa de mortalidade
dos escravizados transportados) sendo atacado pela marinha inglesa, em uma gravura do século
XIX.

A questão da mão de obra no Império


A Inglaterra acumulou enormes lucros com o comércio de africanos pelo Atlâ ntico
durante os séculos XVII e XVIII, mas no século XIX passou a combater duramente o
trá fico e a escravidã o. O que teria levado o governo inglês a essa mudança de
atitude?

Primeiramente, os interesses da Inglaterra – país líder da Revoluçã o Industrial –


em ampliar os mercados consumidores de seus produtos. Com o fim da escravidã o,
o dinheiro gasto na compra de escravizados poderia ser utilizado na aquisiçã o de
manufaturados. Além disso, desde a abertura dos portos, a Inglaterra mantinha um
intenso comércio com o Brasil, que se multiplicaria se os trabalhadores brasileiros
passassem a receber salá rios.

Acompanhe agora o cronograma sobre a questã o pelo fim do trá fico de


escravizados e a reaçã o do governo brasileiro diante da pressã o inglesa:

»» 1827: A Inglaterra exigiu que o governo de Dom Pedro I extinguisse o trá fico
negreiro no prazo de três anos, como condiçã o para reconhecer a emancipaçã o
política do Brasil.

»» 1831: Uma lei brasileira declara ilegal o comércio de escravizados para o Brasil.
Essa lei, no entanto, permaneceu letra morta, isto é, sem valia.

»» 1845: O Parlamento inglês aprovou a Bill Aberdeen, lei proposta pelo ministro
inglês George Aberdeen que autorizava a Marinha inglesa a prender ou
bombardear os navios negreiros, e a levar os contraventores para serem julgados
na Inglaterra. A Bill Aberdeen foi uma represá lia à Tarifa Alves Branco, que elevava
as taxas sobre os produtos importados e contrariava, assim, os interesses ingleses.
A tabela abaixo mostra o nú mero de escravizados trazidos para o Brasil entre 1845
e 1850. Note que, ao perceber que o trá fico atlâ ntico se aproximava do fim, os
proprietá rios passaram a comprar mais africanos para as suas lavouras.

ANO Nº DE ESCRAVIZADOS
1845 19 453
1846 50 325
1847 56 172
1848 60 000
1849 54 000
1850 23 000

Fonte de pesquisa: COSTA, Emília Viotti. Da senzala à colônia. Sã o Paulo: Unesp, 1998.

A Lei Eusébio de Queirós e a Lei de Terras


Externamente, a marinha inglesa reagia afundando navios suspeitos de
contrabandear escravizados. Internamente, o aumento da entrada de africanos no
Brasil atemorizava a elite, e o temor da africanizaçã o fazia com que ela acabasse
por preferir o fim do trá fico.

Pressionado interna e externamente, o governo de Dom Pedro II aprovou em 4 de


setembro de 1850 a Lei Eusébio de Queirós, que extinguiu o trá fico

Pá gina 256

negreiro para o Brasil. Este passava a ser considerado crime, ato de pirataria, e
como tal seria julgado. A proibiçã o do trá fico, porém, colocava um problema para
os proprietá rios escravistas: quem iria trabalhar para eles quando a escravidã o
fosse extinta? Em um país com muita terra disponível, como fazer para que o
trabalhador nã o se estabelecesse como posseiro?

Em resposta a esse problema, naquele mesmo ano (setembro de 1850), o governo


imperial aprovou a Lei de Terras, que proibia o acesso à terra por doaçã o ou
ocupaçã o. Só podia ser dono de uma terra quem a comprasse. Com isso, os
imigrantes, os ex-escravizados e os homens livres e pobres ficavam excluídos do
acesso à terra, cujos preços eram elevados demais para eles. A ú nica alternativa,
entã o, era trabalhar para os grandes proprietá rios ou comerciantes. E mais: ao
transformar a terra numa mercadoria valiosa, essa lei favoreceu a concentraçã o da
propriedade nas mã os de uma minoria.

DIALOGANDO

Atualmente o Brasil continua sendo um país em que a terra se encontra concentrada nas
mãos de poucos?
Sim; segundo dados do Incra, a concentraçã o de terras aumentou no Brasil em anos recentes. Entre 2010 e 2014, as grandes
propriedades privadas passaram de 238 milhõ es para 244 milhõ es de hectares. Quase a metade das propriedades rurais está
nas mã os dos grandes fazendeiros.

O tráfico interno e o debate sobre o trabalhador nacional


Com o fim do trá fico atlâ ntico, aumentou a exigência de braços para as lavouras do
Sudeste. Essa regiã o passou entã o a comprar escravizados do Norte e Nordeste,
onde a oferta de cativos era maior. Além do trá fico interprovincial, utilizou-se
também do trá fico intraprovincial, ou seja, da transferência de cativos das á reas
mais pobres para as mais ricas. Durante a vigência desses tipos de trá fico,
negociaram-se cerca de 400 mil escravizados.

Enquanto isso, no Parlamento, as poucas vozes que defendiam o aproveitamento


do trabalhador nacional, livre ou liberto, eram abafadas pelo coro da maioria dos
políticos do Império em favor da imigraçã o europeia. A elite imperial referia-se aos
africanos e a seus descendentes como indisciplinados, preguiçosos e desleais, e,
portanto, inaptos para o trabalho livre. Diziam que só a imigraçã o branca daria ao
país cidadã os exemplares e, ao imperador, sú ditos fiéis.

Esse discurso que desqualificava a populaçã o afro-brasileira baseava-se em teorias


produzidas na Europa, segundo as quais negros e mestiços eram “raças inferiores”
e a “raça branca” era a ú nica capaz de criar civilizaçã o. Essa visã o racista da elite
imperial fazia do europeu, especialmente o de pele mais clara e cató lico, o
trabalhador preferido.

Dica! Animação explicando o tráfico escravista durante os séculos XVII, XVIII e XIX. [Duração: 4
minutos]. Acesse: <http://tub.im/x6n4tk>.

Christiano Jr. Sé c. XIX. Coleçã o particular

Nessa fotografia de Christiano Jú nior, vemos um homem escravizado, 1864-1866.


Pá gina 257

Para refletir
O quadro a seguir, chamado por alguns de A redençã o de Cam e, por outros, de A
marca de Caim, é de autoria de Modesto Brocos y Gomez. A obra é uma pintura a
ó leo e data de 1895.

Modesto Brocos y Gomez. 1895. Ó leo sobre tela. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

a) O que está acontecendo na cena?

a) A avó negra, cuja filha é mestiça, agradece a Deus pelo fato de o seu neto ter nascido branco, isto é , por ter a cor da pele do
pai dele.

b) Qual a mensagem transmitida pelo artista?

b) A intençã o do artista neste quadro é mostrar que a criança branca veio redimir a sua família da “marca de Caim”, isto é , da
cor negra. O bebê puxou ao pai: nã o traz na pele a cor da avó e nem a de sua mã e. Isto explica as mã os erguidas da avó .

c) Esse quadro realiza visualmente a teoria do branqueamento formulada na época


pelo médico brasileiro Joã o Batista de Lacerda. Em que consistia essa teoria?

c) Segundo ele, em 100 anos, a contar de 1910, a populaçã o brasileira seria totalmente branca, por meio de intensa
miscigenaçã o; assim, os negros e os mestiços desapareceriam das terras brasileiras.

d) Em dupla. Pesquisem e descubram qual a porcentagem de negros e pardos na


populaçã o brasileira segundo o ú ltimo Censo do IBGE.

d) Segundo a projeçã o feita pelo IBGE em janeiro de 2016 a populaçã o brasileira é de 205.416.315 habitantes, e os negros e
pardos somam 53,6% da populaçã o.
e) Em grupo. O Brasil é um país que apresenta uma rica diversidade étnica e
cultural. Reflitam, debatam e proponham medidas educativas que contribuam para
o respeito à diversidade. Postem o trabalho no blog da turma.

e) Resposta pessoal.

Imigrantes no Brasil
A opçã o pelo imigrante como soluçã o para o problema de mã o de obra estimulou a
vinda de milhares de europeus para o Brasil. O que os impulsionou a virem para cá
no tempo do Império foi a busca de trabalho e o desejo de ter uma terra pró pria.
Eram, em sua maioria, pessoas pobres, que fugiam das guerras e da carência de
terras agricultá veis e vinham para um país jovem, que a propaganda apresentava
como um “paraíso”, com muitas terras e clima saudá vel.

Antô nio Rocco, c. 1910. Ó leo sobre tela. Pinacoteca do Estado, Sã o Paulo. Foto: Nelson Toledo

Os imigrantes, tela de Antô nio Rocco, c. 1910.

Pá gina 258

No Império, os portugueses foram os que entraram em maior nú mero. Depois


deles, vinham os italianos. Na Primeira Repú blica essa situaçã o se inverteu.
Observe a tabela.

CINCO MAIORES GRUPOS DE IMIGRANTES EUROPEUS E ASIÁTICOS QUE


ENTRARAM NO BRASIL ENTRE 1819 E 1940
Nacionalidade 1819-1883 Nacionalidade 1884-1940
Portugueses 223 626 Italianos 1 412 263
Italianos 96 018 Portugueses 1 204 394
Alemães 62 327 Espanhóis 581 718
Espanhóis 15 337 Alemães 170 645
Russos 8 835 Japoneses 185 799
ALVIM, Zuleika. Imigrantes: a vida privada dos pobres do campo. In: NOVAIS, Fernando; SEVCENKO, Nicolau.
História da vida privada no Brasil. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 233.

O sistema de parceria idealizado pelo Senador Vergueiro


O cafeicultor e político paulista Nicolau Campos Vergueiro foi um pioneiro na
introduçã o de mã o de obra imigrante no Brasil; em 1847, ele custeou a vinda de 80
famílias de colonos alemã es e suíços para sua Fazenda Ibicaba, em Cordeiró polis,
no interior de Sã o Paulo; eles vieram para trabalhar no sistema de parceria; ficou
combinado que os imigrantes cuidariam de certo nú mero de pés de café e de uma
roça onde cultivariam legumes e verduras para a sua subsistência, e o lucro obtido
com a venda do café seria repartido entre os imigrantes e o dono da fazenda.

O sistema de parceria, porém, nã o deu certo. Os imigrantes já chegavam ao Brasil


devendo ao fazendeiro o custo da passagem, cujo preço era alto. Além disso, o
imigrante comprava fiado aquilo de que necessitava: roupas, remédios e alimentos
que eram vendidos a preços elevados no armazém da fazenda. Soma-se a isso o
fato de que os imigrantes eram frequentemente desrespeitados, uma vez que a
mentalidade dos fazendeiros era escravista.

Os colonos da fazenda de Ibicaba reagiram à exploraçã o e aos maus-tratos


organizando um movimento reivindicató rio, em 1857, conhecido como Revolta de
Ibicaba. O líder dessa revolta, o imigrante suíço Thomas Davatz, denunciou com
detalhes, em Memórias de um colono no Brasil, a opressã o sofrida por ele e seus
companheiros. A denú ncia teve repercussã o na Europa, o que causou desgaste na
imagem do sistema de parceria.

Livraria Martins Editora/USP

Fac-símile da capa do livro Memórias de um colono no Brasil, de Thomas Davatz.

Pá gina 259
Colonos nas fazendas de café
Em 1871, o governo paulista começou a pagar as passagens dos imigrantes que
vinham trabalhar para os cafeicultores. Estes, por sua vez, adotaram um novo
regime de trabalho: o colonato. Os colonos recebiam um salá rio anual, podiam
plantar gêneros alimentícios e criar animais para consumo pró prio e para venda.
Com isso, a imigraçã o, principalmente a italiana, intensificou-se na província de
Sã o Paulo. Enquanto os italianos dirigiam-se para as fazendas de café, os
portugueses e os espanhó is afluíam para as grandes cidades, como Rio de Janeiro,
Sã o Paulo e Salvador, onde atuavam no pequeno comércio, trabalhavam como
artesã os (carpinteiro, ferreiro, sapateiro, alfaiate) ou ainda como operá rios.

Rosalbino Santoro. 1903. Ó leo sobre tela. Coleçã o particular

Pintura de Rosalbino Santoro intitulada Terreiro de café, 1903. Na tela, o artista recriou o que de
fato acontecia em algumas fazendas: imigrantes dividiam o trabalho com os negros. No canto
superior direito, vemos a casa-grande e o que parece ser uma capela. À esquerda e ao fundo, vemos
as casas dos trabalhadores. Entre os dois trabalhadores à direita, e mais ao fundo, vemos a figura de
um capataz inspecionando o trabalho.

Alemães, italianos e poloneses no Sul


No Sul, desde cedo, o Império escolheu á reas despovoadas para a criaçã o de
colô nias, com o objetivo de povoamento, branqueamento da populaçã o e
consolidaçã o das fronteiras.

Uma das primeiras foi a colô nia alemã de Sã o Leopoldo, criada em 1824, pró xima
de Porto Alegre. A colonizaçã o alemã também se estendeu a Santa Catarina, onde o
pioneiro Hermann Bruno Otto Blumenau fundou a colô nia Blumenau. Ele se
empenhou em trazer da Alemanha pessoas das mais variadas profissõ es. Os 17
primeiros colonos chegaram a Blumenau em 2 de setembro de 1850, sendo a
maioria deles do meio rural. Dr. Blumenau, como era mais conhecido, tinha uma
ú nica exigência: que todos começassem a vida como pequenos proprietá rios,
artesã os, pequenos comerciantes ou exercendo uma profissã o liberal. Ele nã o
queria ninguém trabalhando como assalariado para um grande proprietá rio. Com
isso, Otto Blumenau ajudou a implantar no Brasil um novo tipo de colonizaçã o,
baseada na pequena propriedade e na policultura. Introduziu também um novo
tipo de mentalidade, divulgando a ideia de que, por meio do trabalho, era possível
melhorar de vida e conseguir autonomia (no Brasil daquela época, o trabalho era
visto como coisa de escravizado). 1 e 2
1. Dica! Reportagem sobre a imigração alemã em São Leopoldo (RS). [Duração: 6 minutos].
Acesse: <http://tub.im/rf826b>.

2. Dica! Documentário abordando a perseguição sofrida pelos alemães no Brasil durante a


Segunda Guerra Mundial. [Duração: 50 minutos]. Acesse: <http://tub.im/w8s7hw>.

Pá gina 260

Zig Koch/Opçã o Brasil Imagens

Imigrantes alemã s na Colô nia Witmarsum, Palmeira (PR), 2013.

Paulo Fridman/Pulsar Imagens

Acima, bonecas Frida em loja do parque Vila Germâ nica, Blumenau, (SC), 2010.

Já os italianos começaram a chegar ao Sul por volta de 1875. No Rio Grande do Sul
fundaram as colô nias de Caxias (hoje Caxias do Sul), Conde D’Eu (atual Garibaldi) e
Dona Isabel (hoje Bento Gonçalves). Em pouco tempo, a colonizaçã o italiana
avançou e se espalhou por todo o nordeste gaú cho.
Os poloneses também se fizeram presentes no Sul, sobretudo no Paraná . Entre
1870 e 1920, entraram no Brasil 103 500 poloneses: 43 mil no Paraná , 34 300 no
Rio Grande do Sul, 6 700 em Santa Catarina, e os demais em outros estados.

Um começo difícil
Alemã es, italianos ou poloneses, os imigrantes tiveram um começo difícil no Brasil
– lotes reservados a eles ficavam distantes da cidade, as terras nem sempre eram
boas para o cultivo dos produtos agrícolas a que estavam acostumados e o
isolamento dificultava a adaptaçã o e o progresso.

As colô nias de imigrantes com base na pequena propriedade e no trabalho familiar


resultaram no povoamento de á reas enormes, situadas entre o interior e o litoral
das províncias sulistas. Quanto à cultura material, os imigrantes do Sul
contribuíram nas técnicas agrícolas, especialmente no uso do arado, da grade e das
carroças de quatro rodas. Dedicaram-se à policultura e à suinocultura, no Rio
Grande do Sul, e à indú stria de laticínios e de conservas, em Santa Catarina. O
fabrico de cerveja, vinho, champanhe e conhaque, a cultura do trigo e da erva-mate
e a manufatura de tecidos e malhas também foram disseminados pelos imigrantes.

Dica! Vídeo sobre a imigração e o café no Brasil. [Duração: 3 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/3kj56r>.

Guerras entre os sul-americanos


No Segundo Reinado, o Império Brasileiro envolveu-se também em conflitos na
regiã o platina. Cortada por vá rios rios navegá veis, como o Paraguai, o Paraná e o
Uruguai, a regiã o é rica e estratégica, e foi palco de constantes conflitos entre os
países sul-americanos. Os rios Paraná e Uruguai desembocam no rio da Prata, que
era usado por comerciantes sul-americanos e europeus para fazer as mercado-

Pá gina 261

rias chegarem aos portos de Buenos Aires e Montevidéu, que, dali, seguiam para o
interior ou eram vendidas para a Europa.

Os países sul-americanos lutaram entre si pelo controle dos rios, das terras, do
gado e, sobretudo, do poder. O Império Brasileiro, por exemplo, interveio diversas
vezes na regiã o platina. Em 1851, invadiu o Uruguai para derrubar o blanco
Manuel Oribe e colocar no poder o colorado Frutuoso Rivera. No ano seguinte,
invadiu a Argentina para depor o caudilho Juan Manoel Rosas. E, anos depois,
voltou a invadir o Uruguai para depor Ataná sio Aguirre, que era aliado do ditador
paraguaio Solano Ló pez. O ditador, entã o, revidou mandando apreender o navio
brasileiro Marquês de Olinda, que seguia com destino ao Mato Grosso e, em 13 de
dezembro de 1864, declarou guerra ao Brasil dando início à Guerra do Paraguai.
1e2
1. Dica! Documentário sobre a Guerra do Paraguai. [Duração: 46 minutos]. Acesse:
<http://tub.im/9fqgtn>.

2. Dica! Vídeo abordando polêmicas sobre a Guerra do Paraguai que até hoje provocam
divergências entre Brasil e Paraguai. {Duração: 14 minutos]. Acesse: <http://tub.im/ci3ec7>.

Em janeiro de 1865, como o governo argentino nã o permitiu que os paraguaios


atravessassem seu territó rio para atacar o Rio Grande do Sul, Ló pez declarou
guerra também à Argentina. Em maio de 1865, o Brasil de Dom Pedro II, a
Argentina de Bartolomeu Mitre e o Uruguai de Venâ ncio Flores formaram a
Tríplice Aliança para combater o Paraguai.

Para o historiador Ricardo Salles, por exemplo, o Brasil tinha interesse em


impedir a formaçã o de um Estado nacional forte nas terras onde hoje estã o
Uruguai, Paraguai e Argentina, assegurar a livre navegaçã o nos rios da bacia
platina e garantir os ganhos territoriais nas á reas de fronteira.

A Argentina queria garantir a unidade do país, ameaçada pelo fato de que suas
províncias de Entre Rios e Corrientes queriam separar-se e formar países
independentes, contando para isso com o apoio do Paraguai.

Para saber mais


Durante muito tempo, predominou nos livros de Histó ria a tese de que Solano
Ló pez foi uma vítima do imperialismo inglês que, segundo essa versã o, seria o
principal responsá vel pela Guerra do Paraguai. Hoje, já nã o se aceita mais essa
versã o dos fatos. Com base em extensa documentaçã o, o historiador Francisco
Doratioto comprovou que a Guerra do Paraguai foi provocada pelos pró prios sul-
americanos, e nã o por pressã o da Inglaterra (ou do imperialismo inglês). Sua tese,
que é hoje a mais aceita pelos historiadores, está contida na obra de sua autoria
intitulada Maldita guerra.

Editora Cia. das Letras

Fac-símile da capa do livro Maldita guerra, de Francisco Doratioto.

Pá gina 262
Guerra do Paraguai (1864-1870)

Allmaps

Fontes: CAMPOS, Flá vio de; DOLHNIKOFF, Miriam. Atlas: Histó ria do Brasil. Sã o Paulo: Scipione, 1994; ATLAS
histó rico escolar. Rio de Janeiro: MEC, 1960; CALDINI, Vera; ÍSOLA, Leda. Atlas geográfico Saraiva. Sã o Paulo: Saraiva,
2009.

A Guerra do Paraguai definiu o mapa do Cone Sul, na América Latina.

O Paraguai de Solano Ló pez desejava fortalecer-se a ponto de garantir que nã o


seria anexado pelos seus vizinhos (Argentina e Brasil) e buscava uma saída para o
mar. Por isso, Ló pez aliou-se ao Uruguai e aos rebeldes argentinos com o objetivo
de formar um novo país, cujo porto marítimo seria Montevidéu. O presidente do
novo país seria, é claro, ele pró prio.

Numa primeira fase, por meio de manobras rá pidas, o Paraguai obteve vitó rias por
terra. Mas, nos rios, a Marinha de Guerra brasileira mostrou-se superior, vencendo
os paraguaios em junho de 1865, na batalha naval do Riachuelo, travada no rio
Paraná . Em setembro do mesmo ano, outra vitó ria aliada, desta vez por terra, em
Uruguaiana, no Rio Grande do Sul.

No decorrer da guerra, o nú mero de soldados da Tríplice Aliança foi crescendo. As


forças brasileiras eram compostas pelo Exército, pela Guarda Nacional e pelos
Voluntá rios da Pá tria (recrutados à força e, por isso, chamados ironicamente de
“voluntá rios a pau e corda”). Estima-se que os efetivos brasileiros podem ter
chegado a 200 mil homens. A superioridade populacional e econô mica das forças
aliadas também foi decisiva nos rumos da guerra.
A segunda fase da guerra foi marcada por importantes vitó rias dos aliados, apesar
da tenaz resistência paraguaia. Em 1868, sob o comando do Duque de Caxias, as
forças aliadas conquistaram a fortaleza de Humaitá e venceram importantes
batalhas, como as de Itororó , Avaí, Lomas Valentinas e Angostura, chamadas de
dezembradas por terem ocorrido no mês de dezembro. Essas vitó rias facilitaram
o caminho para Assunçã o, capital do Paraguai, conquistada em janeiro de 1869.

A ú ltima fase da guerra, em que se deu a perseguiçã o de Solano Ló pez em territó rio
paraguaio, é conhecida como Campanha da Cordilheira e foi comandada pelo
Conde D’Eu, autor de muitas atrocidades cometidas contra civis paraguaios. O
presidente paraguaio foi morto por soldados brasileiros em Cerro Corá , em 1o de
maio de 1870.

Pá gina 263

Cabichuí. 1868. Coleçã o particular

Nesta gravura de 1868, publicada em um jornal paraguaio, o ditador Solano Ló pez é mostrado a
cavalo afugentando, com sua espada, o imperador Pedro II, que é mostrado no chã o e de joelhos
dobrados. Ao contrá rio do que mostra a imagem, em 1868, o Paraguai estava perdendo a guerra e
Solano Ló pez vinha sendo obrigado a recuar.

Um balanço da guerra

Para o Paraguai, a guerra foi um desastre. Segundo o historiador Ricardo Salles, a


guerra vitimou 95% da populaçã o masculina do país. Além das mortes em
combate, muitos civis e militares morriam por causa de epidemias, como o có lera,
das má s condiçõ es de higiene e de habitaçã o, e da fome. O Paraguai perdeu 140 mil
quilô metros quadrados de seu territó rio, parte para o Brasil e parte para a
Argentina. Economicamente, saiu fragilizado, o que teve implicaçõ es que se
estendem até os dias atuais.
O Brasil incorporou territó rios, garantiu a ligaçã o fluvial com o sul do Mato Grosso
e conservou a hegemonia na regiã o, mas tudo isso a um custo muito alto. Os dados
oficiais falam em 23 917 mortos em combate; mas há estudos que estimam em 100
mil, entre civis e militares.

Os gastos com a guerra foram de 614 mil contos de réis, 11 vezes o orçamento do
governo brasileiro em 1864. O déficit gerado pela guerra atravessou décadas e
ocorreu um aceleramento da dívida externa brasileira, por causa dos empréstimos
contraídos com os banqueiros ingleses.

A Argentina, que possuía na época 1,5 milhã o de habitantes, perdeu 18 mil


soldados. Já o Uruguai foi o país que menos teve perdas.

Durante a Guerra do Paraguai ocorreram a institucionalizaçã o e o fortalecimento


do Exército brasileiro.

Muitos militares brancos, que haviam lutado ao lado com soldados negros,
voltaram da guerra questionando a escravidã o e a monarquia que lhe dava
suporte.

Além disso, a vitó ria na guerra elevou a autoimagem dos militares brasileiros e os
aproximou das ideias e do movimento em favor da República.

Juan Manuel Blanes. 1880. Ó leo sobre tela. Coleçã o particular. Foto: The Bridgeman Art Library/Keystone

La Paraguaya, 1880. Repare como o pintor Juan Manuel Blanes recriou o ambiente de desolaçã o e
perdas resultantes da guerra em solo paraguaio. Note também a ausência de homens com vida na
pintura, o que sugere um fato realmente acontecido: o elevado nú mero de baixas registradas na
populaçã o masculina paraguaia.
Pá gina 264

ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. (Unesp-SP – 2012) A maioridade do príncipe D. Pedro foi antecipada, em 1840, para que ele
pudesse assumir o trono brasileiro. Entre os objetivos do chamado Golpe da Maioridade, podemos
citar o esforço de:

a) obter o apoio das oligarquias regionais, insatisfeitas com a centralizaçã o política ocorrida
durante o Período Regencial.

b) ampliar a autonomia das províncias e reduzir a interferência do poder central nas unidades
administrativas.

c) abolir o Ato Adicional de 1834 e aumentar os efeitos federalistas da Lei Interpretativa do Ato,
editada seis anos depois.

d) promover ampla reforma constitucional de cará ter liberal e democrá tico no país, reagindo ao
centralismo da Constituiçã o de 1824.

e) restabelecer a estabilidade política, comprometida durante o Período Regencial, e conter


revoltas de cará ter regionalista.

1. Resposta: e.

2. (UFPE) O ano de 1848 assistiu a vá rias revoluçõ es na Europa como, por exemplo, na França e na
Itá lia. O espírito “quarenta e oito”, como se chamou este período, também atingiu o Brasil e,
particularmente, Pernambuco. Esta questã o diz respeito à Revoluçã o Praieira. ( ) A concentraçã o da
propriedade fundiá ria e o monopó lio do comércio a retalho pelos portugueses foram fatores que
provocaram a Revoluçã o Praieira.

( ) O Partido da Praia, integrado por liberais pernambucanos, tinha no jornal o DIÁ RIO NOVO um
instrumento de veiculaçã o de suas ideias políticas.

( ) Joaquim Nabuco, líder abolicionista, logo se tornou um correligioná rio do jornalista praieiro
Borges da Fonseca.

( ) Os revolucioná rios praieiros pretendiam que o Governo interviesse nos fenô menos de produçã o,
distribuiçã o e comércio.

( ) Os revolucioná rios de Pernambuco lançaram um “Manifesto ao Mundo” esclarecendo suas


posiçõ es no que diz respeito ao voto universal do povo brasileiro, ao trabalho como garantia de
vida para o cidadã o brasileiro, ao comércio de retalhos, à reforma do poder judicial dentre outras.

2. Resposta: V , V , F, V, V.

3. (UERN – 2013)
O Brasil possui atualmente uma economia forte e só lida. O país é um grande produtor e
exportador de mercadorias de diversos tipos, principalmente commodities minerais, agrícolas
e manufaturados. As á reas de agricultura, indú stria e serviços sã o bem desenvolvidas e
encontram-se, atualmente, em bom momento de expansã o. Considerado um país emergente, o
Brasil ocupa o 7º lugar no ranking das maiores economias do mundo (dados de 2011). O Brasil
possui uma economia aberta e inserida no processo de globalizaçã o.

Disponível em: www.suapesquisa.com.

O Segundo Reinado é a fase da Histó ria do Brasil correspondente ao governo de D. Pedro II, que
teve início em 1840, com a mudança na constituiçã o que declarou a maior idade de Pedro de
Alcâ ntara, com 14 anos, tornando-o apto para assumir o governo. A administraçã o de D. Pedro II,
que durante 49 anos esteve à frente do estado brasileiro, foi marcada por muitas mudanças sociais,
políticas e econô micas no Brasil. Quanto à economia do império nesse período,

a) destaca-se o grande e definitivo crescimento da atividade industrial.

b) observa-se o Brasil em destaque na á rea da mineraçã o de ouro e prata.

c) destaca-se a produçã o do açú car, aproveitando os canaviais do Nordeste.

d) nota-se que o café tomou posiçã o de liderança nas exportaçõ es, possibilitando acú mulo de
capital.

3. Resposta: d.

Pá gina 265

4. (UFRGS-RS – 2012) A Lei nº 581 do Império do Brasil, também denominada de Eusébio de


Queiró z, foi promulgada em 4 de setembro de 1850. Essa lei

a) provocou o confisco dos escravizados ilegais, reprimindo e condenando duramente os senhores


de escravizados.

b) determinou que os traficantes fossem submetidos à jurisdiçã o de um tribunal especial.

c) suspendeu por alguns anos o trá fico transatlâ ntico de escravizados, que foi retomado nas
décadas seguintes.

d) obrigou os donos de escravizados a indenizarem os africanos que ingressaram no Brasil a partir


de 1808.

e) regulamentou o trá fico de escravizados, permitindo que apenas africanos do sul do continente
pudessem ser trazidos da Á frica.

4. Resposta: b.

5. (UERJ – 2015)

A Guerra do Paraguai (1864-1870) foi o conflito externo de maior repercussã o para os países
envolvidos − Paraguai, Brasil, Argentina e Uruguai −, quer quanto à mobilizaçã o e perda de
homens, quer quanto aos aspectos políticos e financeiros. Essa guerra foi, na verdade,
resultado do processo de construçã o dos Estados nacionais no rio da Prata e, ao mesmo tempo,
marco nas suas consolidaçõ es.

Adaptado de DORATIOTO, F. F. M. Maldita guerra: nova histó ria da Guerra do Paraguai. Sã o Paulo: Companhia das
Letras, 2002.

Os motivos que justificaram a Guerra do Paraguai, ou Guerra da Tríplice Aliança, continuam


gerando controvérsias cento e cinquenta anos depois.

Apresente dois motivos que expliquem essa guerra, tendo em vista as disputas na regiã o do rio da
Prata durante a segunda metade do século XIX.

5. Entre os motivos da Guerra pode-se citar: disputa pela liderança regional entre o Brasil e a Argentina; controle da
navegaçã o pelos rios Paraguai, Paraná e Uruguai; o desejo do Paraguai de conseguir uma saída para o mar.

6. (Enem/MEC – 2014) De volta do Paraguai

Cheio de gló ria, coberto de louros, depois de ter derramado seu sangue em defesa da pá tria e
libertado um povo da escravidã o, o voluntá rio volta ao seu país natal para ver sua mã e
amarrada a um tronco horrível de realidade!...

Angelo Agostini. Sé c. XIX. Coleçã o particular

AGOSTINI. A vida fluminense, ano 3, n. 128, 11 jun. 1870. In: LEMOS, R. (Org.). Uma história do Brasil através da
caricatura (1840-2001). Rio de Janeiro: Letras & Expressõ es, 2001 (adaptado).

Na charge, identifica-se uma contradiçã o no retorno de parte dos “Voluntá rios da Pá tria” que
lutaram na Guerra do Paraguai (1864-1870), evidenciada na

a) negaçã o da cidadania aos familiares dos cativos.

b) concessã o de alforrias aos militares escravizados.

c) perseguiçã o dos escravistas aos soldados negros.


d) puniçã o dos feitores aos recrutados compulsoriamente.

e) suspensã o das indenizaçõ es aos proprietá rios prejudicados.

6. Resposta: a.

Pá gina 266

II. Leitura e escrita em História


Leitura e escrita de textos
PROFESSOR, VER MANUAL.

VOZES DO PRESENTE

O trecho a seguir é uma entrevista concedida pelo professor Francisco Doratioto à Revista de
Histó ria da Biblioteca Nacional. Leia-o com atençã o.

Lula Marques/Folhapress

Francisco Doratioto, 2012.

RH – O que o Paraguai queria nessa guerra?

FD – Fala-se Paraguai por uma questã o didá tica, mas a decisã o foi de Solano Ló pez. Tratava-se
de uma ditadura, mas nã o na forma contemporâ nea que conhecemos. Nã o havia meios de
comunicaçã o ou inserçã o internacional, como hoje. Uma ditadura hoje, por mais ferrenha que
seja, tem que reagir ao contexto internacional e há algum processo decisó rio, mas na de Solano
Ló pez tudo se concentrava nele. No Paraguai nã o existia jornal, além de um diá rio oficial, e
nem oposiçã o. A oposiçã o estava em cemitérios ou no exílio na Argentina. A populaçã o era
pequena, o país era fechado ao exterior e ela nã o tinha acesso a outras informaçõ es, que nã o as
oficiais. [...]

RH – Qual foi o plano?


FD – Começar uma guerra contra o Brasil, em um ataque surpresa a Mato Grosso, para garantir
a retaguarda paraguaia, o que ocorreu em dezembro de 1864 e, ao ter negada permissã o de
Mitre para passar com as tropas por territó rio argentino para invadir o Rio Grande do Sul,
Solano Ló pez invadiu a província de Corrientes em abril de 1865 e o Rio Grande do Sul em
junho. Ao que tudo indica, o plano era vencer Mitre e impor uma derrota militar ao Império no
Uruguai. Esse plano era exequível, tanto que os paraguaios chegaram até Uruguaiana e
ocuparam Corrientes com facilidade. Só nã o foram além porque, no Rio Grande do Sul, o
coronel Estigarribia desobedeceu a ordem de nã o entrar nas cidades para nã o perder tempo na
marcha. Mas como Uruguaiana era um centro comercial, os paraguaios nela entraram para
saqueá -la, dando tempo aos aliados de se organizarem, sitiarem a cidade e, apó s combate,
obterem a rendiçã o de Estigarribia.

GARCIA, Bruno. Entrevista com Francisco Doratioto. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 9,
n. 97, p. 40-41, out. 2013.

a) De que forma o autor caracteriza Solano Ló pez e que paralelo ele estabelece entre o governante
paraguaio e alguns governantes atuais?

b) Que elementos o autor cita para comprovar sua visã o a respeito de Ló pez? Justifique.

c) Durante muito tempo Solano Ló pez foi visto pela historiografia como vítima do imperialismo
inglês e nã o como um dos causadores da guerra. Qual a posiçã o do autor do texto a respeito disto?
Explique.

d) Em dupla. O autor do texto destaca a ambiçã o do coronel Estigarribia que, contrariando a ordem
de seus superiores, entrou em Uruguaiana para saqueá -la, dando tempo de os aliados se
organizarem e contra-atacarem. Debatam e escrevam uma reflexã o pessoal com o título “Ambiçã o e
guerra”.

Pá gina 267

Capítulo 14 Abolição e República


Observe a cena com atençã o.

Professor: a ideia aqui foi estimular o aluno a ler e interpretar imagens com base em uma charge criada por Angelo Agostini.
Um indígena, simbolizando a Naçã o (apoiado por negros rebelados), rompe correntes e chuta a carruagem do Impé rio,
lançando ao chã o o imperador (com sua coroa, seu livro e sua luneta) e seus seguidores (membros da elite imperial
identificados por seus fraques, botas e cartolas). Enfim, a Naçã o rompe os grilhõ es e se liberta da monarquia. Dois animais
conduzem a carruagem: um cavalo identificado como Dissidê ncia Liberal e um touro denominado Partido Conservador. Nã o
por acaso o título da charge é “A grande degringolada”.
Angelo Agostini. Sé c. XIX. Desenho. Coleçã o particular

»» Quem está atacando a carruagem?

»» Quem é o personagem à esquerda desenhado próximo a um


livro, uma luneta e uma coroa?

»» Quem são os personagens de botas e cartolas que estão sendo


arremessados ao chão?

»» O que o autor da charge quis criticar?

Pá gina 268

O processo de abolição
O processo que conduziu à extinçã o legal da escravidã o no Brasil foi longo e contou
com ampla participaçã o popular, incluindo-se aí a açã o dos pró prios escravizados,
além de ativistas e intelectuais negros e brancos, chamados, na época, de
abolicionistas.

A resistência negra
Um exemplo expressivo da resistência à escravidã o no século XIX foi o ciclo de
revoltas lideradas por africanos ou crioulos na Bahia, entre 1807 e 1835. Segundo
o historiador Joã o José Reis, naqueles anos, a Bahia foi palco de mais de 20 revoltas
e conspiraçõ es promovidas pelos africanos e seus descendentes; etnias envolvidas
nessas revoltas foram: haussá em 1887; nagô , haussá e jeje em 1809; haussá de
novo, em 1814; etnias diversas em 1816 e, sobretudo, nagô em 1826, 1830 e 1835.

Christiano Jr. Sé c. XIX. Coleçã o particular

Acima, menino aprendendo a jogar capoeira. A capoeira, que é dança e luta ao mesmo tempo, pode
ser considerada também uma forma de resistência negra no campo da cultura.

Editora Cia. das Letras

Fac-símile da capa do livro de Joã o José Reis que trata da rebeliã o escrava de 1835 em Salvador, a
maior ocorrida em uma cidade brasileira.
Outro exemplo de resistência negra no Brasil moná rquico foi o levante liderado
por Manuel Congo, em 1838, na regiã o de Paty do Alferes, Vassouras, que é hoje
um município do estado do Rio de Janeiro. Os rebeldes foram perseguidos nas
matas da regiã o e recapturados. Justino Benguela, Antô nio Magro, Pedro Dias,
Belarmino Congo, Miguel Crioulo, Canuto Moçambique e Afonso Angola foram
julgados com base no artigo 60 do Có digo Criminal e condenados a 650 açoites, 50
por dia; Manuel Congo, o líder da insurreiçã o, recebeu a pena má xima e, em 1839,
foi enforcado.

Além do mais, com o trá fico interprovincial, milhares de escravizados do Norte e


Nordeste foram separados de suas famílias para servir no Centro-Sul, onde tinham
de trabalhar sob novas regras e por mais horas, de modo a atender à crescente
demanda gerada pela expansã o da cafeicultura. Diante disso, a resistência se
tornou mais ativa: aumentaram as fugas, cresceram os esforços dos escravizados
para a compra de sua alforria, multiplicaram-se as açõ es abertas por eles na Justiça
visando provar seu direito à liberdade.

Dica! Entrevista com o historiador João José Reis sobre a escravidão no Brasil. [Duração: 11
minutos]. Acesse: <http://tub.im/cmktfm>.

Pá gina 269

O abolicionismo
Outra força importante no processo que levou à extinçã o legal da escravidã o foi o
abolicionismo, movimento social liderado por pessoas de diferentes etnias e
condiçõ es sociais e que se estendeu por quase todo o século XIX.

Os abolicionistas divulgavam suas ideias por meio de jornais, grupos e associaçõ es


e promoviam passeatas, comícios e outras manifestaçõ es pú blicas pelo fim da
escravidã o.

Entre os abolicionistas havia profissionais liberais, como o engenheiro baiano


André Rebouças; intelectuais, como o pernambucano Joaquim Nabuco; e membros
das classes populares, como Luiz Gama.

Dica! Vídeo sobre a vida de Luiz Gama. [Duração: 12 minutos]. Acesse: <http://tub.im/k552er>.
James Lafayette. 1902. Coleçã o particular

Nascido em Pernambuco em 1849, Joaquim Nabuco era filho de José Tomá s Nabuco de Araú jo, um
destacado senador do Império.

Rodolfo Bernardelli. Sé c. XIX. Ó leo sobre tela. Museu Histó rico Nacional, Rio de Janeiro

Nascido em 1830, na Bahia, Luiz Gama era filho da negra nagô Luiza Mahin e de um comerciante de
origem portuguesa.

Externamente, a escravidã o começou a ser vista como “vergonha da humanidade”


na segunda metade do século XVIII; essa condenaçã o da instituiçã o escravista por
filó sofos, como Diderot, e economistas, como Adam Smith, penetrou fortemente no
Brasil somente na segunda metade do século XIX, quando as ideias e prá ticas
liberais já tinham larga aceitaçã o no país. Ao mesmo tempo, o fim da escravidã o
nos Estados Unidos, em 1865, acentuou o isolamento político do Brasil e deu mais
um argumento para os abolicionistas brasileiros. Some-se a isso, ainda, o fato de
vá rios governos estrangeiros pedirem, por meio de seus diplomatas, que D. Pedro
II acabasse com a escravidã o no Brasil.

Internamente, com o fim da Guerra do Paraguai, em 1870, a campanha


abolicionista se popularizou e conquistou adeptos inclusive entre os oficiais do
Exército, que passaram a ver com grande simpatia os negros que lutaram ao lado
deles nos campos de batalha. Além disso, aumentavam as fugas de escravizados
para os arredores de cidades que, por serem mais populosas, como Salvador, Rio
de Janeiro e Sã o Paulo, favoreciam o anonimato.
Apesar das pressõ es externas e internas, o governo de D. Pedro II e a elite imperial
defendiam a aboliçã o lenta e gradual. E, com esse objetivo, aprovaram as
chamadas leis abolicionistas.

Pá gina 270

Sã o elas:

»» Lei do ventre livre – Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871: [...]

Art. 1º Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei serã o
considerados de condiçã o livre.

§ 1º Os ditos filhos menores ficarã o em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mã es,
os quais terã o a obrigaçã o de criá -los e tratá -los até a idade de 8 anos completos. Chegando o
filho da escrava a esta idade, o senhor da mã e terá opçã o, ou de receber do Estado a
indenizaçã o de 600 mil-réis, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos
completos.[...]

BRASIL. Lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871. Câmara dos deputados. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/internet/infdoc/conteudo/colecoes/legislacaolegimpcd-06/leis1871/pdf17.pdf#
page=6>. Acesso em: 18 mar. 2013.

Henrique Klumb. c.1860. Biblioteca Nacional

Terraço do Passeio Pú blico, Rio de Janeiro, c. 1860.

Foram poucos os beneficiados pela Lei do Ventre Livre. Muitos proprietá rios
preferiam continuar se utilizando do trabalho das crianças a receber o dinheiro
para libertá -las.

Dica! Reportagem sobre as leis abolicionistas. [Duração: 4 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/qvac9x>.

DIALOGANDO O que se pode concluir a partir desta tabela?


VOTAÇÃO DA LEI DO VENTRE LIVRE NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Localização Votos a favor Votos contra
Províncias do Norte/Nordeste 39 6
Províncias do Centro-Sul 12 30

Fonte de pesquisa: LINHARES, Maria Yedda. História geral do Brasil. 9. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1990. p. 271.

Pode-se concluir que a maioria dos deputados do Norte/Nordeste (onde o trabalho escravizado na é poca tinha menos
importâ ncia) votou a favor da lei, enquanto os das províncias do Centro-Sul (como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Sã o Paulo)
onde a cafeicultura estava em expansã o colocaram-se, em sua maioria, contra ela.

Pá gina 271

Na década de 1880, a luta pela aboliçã o ganhou corpo. Em 1883, foi fundada a
Confederação Abolicionista, que assumiu a proposta de André Rebouças de
aboliçã o sem indenizaçã o e de doaçã o de terras para os ex-escravizados.
Pernambuco viu surgir o Clube do Cupim, associaçã o emancipató ria que
alforriava e defendia os escravizados contrariando interesses centená rios dos
poderosos da província. Em Sã o Paulo, o advogado Antô nio Bento fundou uma
organizaçã o secreta chamada Caifazes, também promovia e apoiava a fuga de
escravizados. Essa organizaçã o protegeu os milhares de escravizados que fugiram
das fazendas paulistas em direçã o aos morros da cidade paulista de Santos, onde
formaram o Quilombo do Jabaquara. Esse quilombo, surgido nos ú ltimos anos do
período imperial, chegou a reunir cerca de 10 mil quilombolas, entre homens,
mulheres e crianças, e era liderado pelo crioulo sergipano Quintino de Lacerda. A
populaçã o livre local escondia os fugitivos e facilitava a chegada deles ao alto dos
morros.

Editora Cia. das Letras


Hisako Tanaka/Getty Images

O historiador Eduardo Silva trabalha com a ideia de “quilombo abolicionista”, um modelo específico
de resistência à escravidã o. Seus membros organizavam-se pró ximo aos grandes centros e seus
líderes mantinham relaçõ es estreitas com figuras centrais do movimento abolicionista como André
Rebouças e Rui Barbosa. Entre os exemplos de quilombos abolicionistas estã o o Quilombo do
Jabaquara, na cidade paulista de Santos, e o Quilombo do Leblon, no Rio de Janeiro. Na sua obra As
camélias do Leblon, Eduardo Silva parte da camélia, flor que simbolizava a luta pela aboliçã o, para
evidenciar as relaçõ es estreitas entre a campanha abolicionista e o aumento das fugas. As camélias,
conhecidas na época como “flores da liberdade”, eram cultivadas, colhidas e distribuídas no
Quilombo do Leblon, onde hoje está o bairro do Leblon. À esquerda, fac-símile da capa de As
camélias do Leblon.

Ajudado pela resistência escrava, o abolicionismo se espalhou rapidamente pelo


país, provocando reaçõ es nas províncias. No Ceará o jangadeiro Francisco José do
Nascimento, o “Dragã o do Mar”, se negou a transportar escravizados para o
Sudeste, acelerando a aboliçã o na sua província. Em 1884, o Ceará e o Amazonas
anteciparam-se ao governo imperial e extinguiram a escravidã o; o mesmo fizeram
algumas cidades do Rio Grande do Sul.

Angelo Agostini. Sé c. XIX. Desenho. Coleçã o particular

Jangadeiro Francisco José do Nascimento na visã o do chargista Angelo Agostini. Note que o
chargista, que também era abolicionista, procurou homenagear o jangadeiro em sua obra.

Pá gina 272
O governo de Dom Pedro II reagiu à onda abolicionista promulgando uma nova lei.

»» Lei dos Sexagenários, de 28 de setembro de 1885: declarava livres os


escravizados com mais de 60 anos, mas exigia que eles continuassem trabalhando
gratuitamente por mais três anos a título de indenizaçã o. Além disso, estipulava
uma multa de 500 a 1 000 réis para os que protegessem ou acolhessem
escravizados fugidos.

Fontana. c. 1910. Coleçã o particular

Senhoras vendendo frutas e legumes nas ruas, em Rio Grande (RS), c. 1910. As duas senhoras vistas
ao centro aparentam ter por volta de 60 anos na data em que a fotografia foi publicada. Se tivessem
essa idade no ano em que a lei foi publicada teriam de trabalhar mais três anos para conseguir a
alforria. A Lei dos Sexagená rios livrava os proprietá rios da obrigaçã o de fornecer comida e moradia
para os poucos escravizados que conseguiam chegar aos 60 anos de idade.

Ao contrá rio do que desejavam seus promotores, a Lei dos Sexagená rios provocou
a radicalizaçã o da luta contra a escravidã o: os escravizados começaram a fugir em
massa das propriedades de seus donos. Maquinistas colaboravam com as fugas
retardando a marcha do trem para que os escravizados pudessem saltar e,
escondidos entre as sacas de café, chegassem à cidade. Grá ficos negavam-se a
imprimir textos defendendo a escravidã o. Os militares lançaram um manifesto, em
1887, afirmando que nã o mais fariam o papel de capitã o do mato, isto é, nã o
perseguiriam mais os fugitivos.

Sob forte pressã o popular, o governo imperial, exercido na época pela princesa
Isabel, assinou a Lei Áurea, que declarava extinta a escravidã o no Brasil, sem
direito de indenizaçã o aos senhores e sem nenhuma reparaçã o aos escravizados,
que, segundo uma estimativa realizada um ano antes, somavam 723419 pessoas,
pouco menos de 5% da populaçã o brasileira.
Politicamente a Lei Á urea contribuiu para o desgaste da monarquia: muitos
fazendeiros escravistas, inconformados de nã o terem sido indenizados, aderiram à
Repú blica. Por isso, foram chamados na época de republicanos de ú ltima hora.

Dica! Animação sobre a escravidão e o processo de abolição. [Duração: 20 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/ah3xf5>.

Pá gina 273

A vida dos recém-libertos


Nas á reas rurais, parte dos libertos permaneceu nas fazendas e negociou com seus
antigos donos salá rios, parcerias e/ou o direito de ter a pró pria roça. Outra parte
se mudou para as cidades em busca de moradia e emprego. Em cidades como Sã o
Paulo, porém, os empregos está veis foram ocupados, sobretudo, por imigrantes
europeus, preferidos pelos empresá rios da época, cuja visã o de mundo era
fortemente marcada pelo escravismo. Nesse contexto era, muitas vezes, a mulher
negra que garantia a sobrevivência da família cozinhando, lavando e passando para
particulares.

As escassas oportunidades abertas aos recém-libertos geraram uma desigualdade


social muito grande que, com o racismo à brasileira, tornaram a vida dos
afrodescendentes mais difícil. Apesar de tantos obstá culos, os libertos amenizavam
a luta diá ria pela sobrevivência organizando-se em grupos de lazer, clubes
esportivos e centros religiosos.

Racismo à brasileira: racismo disfarçado, implícito, silencioso, nã o declarado.

Para cantar, dançar, festejar ou simplesmente conversar sobre coisas em comum,


muitos negros do Rio de Janeiro passaram a se encontrar na Praça Onze, na casa da
Tia Ciata, uma baiana que vendia quitutes e roupas típicas. Segundo os
historiadores da mú sica, foi lá que nasceu o samba. Entre os mais importantes
sambistas da época estã o nomes como Donga (autor daquele que é considerado o
primeiro samba a ser gravado no Brasil, Pelo telefone), Heitor dos Prazeres,
Pixinguinha e Joã o da Baiana.

Para saber mais


João da Baiana

Carioca filho de migrantes baianos, Joã o Machado Guedes fez parte do que o compositor
Martinho da Vila chamou de “santíssima trindade da mú sica brasileira”: Joã o da Baiana,
Pixinguinha e Donga.
Filho de Tia Perciliana, uma das famosas baianas da Cidade Nova, onde foi criado, Joã o
notabilizou-se por popularizar o pandeiro no samba e por ser exímio ritmista no prato-e-faca,
herança de sua formaçã o na tradiçã o baiana.

Joã o foi um personagem da cidade do Rio de Janeiro. Funcioná rio da Estrada de Ferro, recusou
o convite dos parceiros Pixinguinha e Donga para realizar a primeira turnê internacional de
um grupo popular no Brasil – os renomados Oito Batutas. Preferiu a estabilidade do emprego,
mas manteve intensa atividade musical.

[...]

Zahar Editora

Fac-símile da capa do livro Almanaque do samba. A pintura que se vê é do compositor, mú sico e


artista plá stico Heitor dos Prazeres.

Pá gina 274

Como o samba ainda estava procurando seu espaço na sociedade, era muito comum os mú sicos
serem presos pelo simples fato de portarem um instrumento. Certa noite, Joã o da Baiana foi
convidado para ir a uma festa no palá cio do senador Pinheiro Machado, um dos mandachuvas
da política na época. Acabou nã o comparecendo por ter sido preso pela polícia na Festa da
Penha. Acusaçã o: levava um pandeiro a tiracolo. Dias depois, o todo-poderoso senador quis
saber por que Joã o não aparecera em sua festa. Sabendo da histó ria, Pinheiro Machado
mandou fazer um pandeiro na loja Cavaquinho de Ouro, do seu Oscar, com a dedicató ria “A
minha admiraçã o, Joã o da Baiana – senador Pinheiro Machado”. Coincidência ou nã o, o fato é
que Joã o nunca mais foi importunado.

DINIZ, André. Almanaque do samba: a histó ria do samba, o que ouvir, o que ler, onde curtir. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2008. p. 30-31.

O processo que conduziu à República


Os processos que conduziram o Brasil à aboliçã o e à Repú blica foram simultâ neos
e fortaleceram-se mutuamente.
O republicanismo
Ideias republicanas estavam presentes entre os brasileiros há tempos. No século
XVIII, inspiraram movimentos contra o domínio português, como a Conjuraçã o
Mineira e a Conjuraçã o Baiana, e, no século seguinte, rebeliõ es do período
regencial, como a Balaiada e a Farroupilha.

Mas a Monarquia conseguiu reprimir esses dois ú ltimos movimentos em virtude,


principalmente, da receita obtida com as exportaçõ es de café. No Segundo Reinado,
os dois partidos existentes, o Liberal e o Conservador, controlavam o poder
enquanto a imensa maioria da populaçã o continuava excluída do direito à
cidadania.

Visando ampliar seu poder político, um grupo de cafeicultores e profissionais


liberais (advogados, médicos, professores, engenheiros, jornalistas) lançou no Rio
de Janeiro em dezembro de 1870 o Manifesto Republicano. O documento
defendia a Repú blica e o federalismo e estimulou o surgimento de jornais e
partidos republicanos. Em 1873, nascia em Itu, no interior de Sã o Paulo, o Partido
Republicano Paulista (PRP). Dos 133 fundadores do PRP, 78 eram grandes
cafeicultores do Oeste Paulista.

Federalismo: autonomia para as províncias fazerem suas leis, elegerem seus representantes e
administrarem suas rendas.

Entre os republicanos percebia-se a existência de três grupos principais. Um deles,


liderado por Silva Jardim e Lopes Trovã o, abolicionistas convictos, defendia que se
chegasse à Repú blica por meio de um movimento popular. Outro grupo, liderado
por Quintino Bocaiuva, era chamado de evolucionista, pois propunha a transiçã o
gradual e pacífica para a Repú blica. Um terceiro grupo, que se formou nos meios
militares em torno do major Benjamin Constant, combatia a monarquia em nome
do progresso e defendia um governo forte.

Além do abolicionismo e do republicanismo, duas outras questõ es abalaram o


Império, contribuindo para o seu fim: a Questã o Religiosa e a Questã o Militar.

Pá gina 275

A Questão Religiosa
A uniã o entre o Estado e a Igreja era regulada pela Constituiçã o de 1824, que
concedia ao imperador o padroado, isto é, o direito de nomear religiosos para os
principais cargos eclesiá sticos (por exemplo, o de bispo), e o beneplácito, o direito
de aprovar ou nã o as bulas papais, que só seriam cumpridas em territó rio
nacional mediante o placet (permissã o) do imperador.

Bula papal: carta expedida pelo papa contendo orientaçõ es aos cató licos.
Em 1864, uma bula do papa Pio IX, a Syllabus, condenou veementemente a
maçonaria e afirmou a total incompatibilidade entre ser cató lico e maçom, ao
mesmo tempo. O fato contrariou D. Pedro II, pois o Império, desde sua fundaçã o,
mantinha relaçõ es estreitas com a maçonaria. Com o objetivo de cumprir à risca a
decisã o do papa, o bispo de Olinda, Dom Vital Maria, e o do Pará , Dom Antô nio
Macedo Costa, exigiam que as irmandades religiosas expulsassem os maçons de
seus quadros. Além disso, D. Vital chegou a afirmar que o imperador era sú dito do
papa e, como tal, nã o deveria ter direito ao beneplá cito.

Maçonaria: instituiçã o de perfil religioso, político e filantró pico que reú ne membros voluntá rios de diversas
crenças e religiõ es. A princípio, só era acessível ao sexo masculino.

Fazendo valer o direito que a constituiçã o do Império lhe concedia, D. Pedro II


negou seu beneplá cito à bula papal e, além disso, em 1874 processou os bispos,
que foram condenados, entã o, a quatro anos de prisã o com trabalhos forçados.

Um ano depois, em 1875, o papa e o imperador chegaram a um acordo. O


imperador perdoou os bispos (eles já haviam cumprido um ano de prisã o), e o
papa suspendeu as puniçõ es dadas à s irmandades de Olinda e do Pará . No entanto,
a prisã o dos bispos abalou a imagem do imperador, e a propaganda republicana
tirou proveito dessa situaçã o. Nos seus comícios, os republicanos passaram a
acusar o imperador de interferir em assuntos da Igreja e na vida religiosa dos
brasileiros.

A Questão Militar
O poder de Dom Pedro II também foi abalado pela Questã o Militar, nome dado a
uma série de conflitos entre o exército e o Império, durante a década de 1880. Na
época, os militares eram proibidos de se manifestar pela imprensa. O tenente-
coronel Sena Madureira e o coronel Cunha Matos contrariaram essa proibiçã o e
foram punidos pelo governo imperial.

Angelo Agostini. Sé c. XIX. Desenho. Coleçã o particular

Charge de Angelo Agostini ironizando a recusa de Deodoro da Fonseca em punir oficiais do exército
que faziam declaraçõ es por meio da imprensa.
Pá gina 276

Diante disso, Sena Madureira escreveu em um jornal republicano rio-grandense


contra a proibiçã o de os militares se manifestarem pela imprensa. O ministro da
Guerra, que era um civil, exigiu que o general Deodoro da Fonseca, presidente da
província do Rio Grande do Sul, punisse Sena Madureira. Deodoro recusou-se a
fazê-lo e acabou demitido da presidência da província; Deodoro e Sena Madureira
seguiram, entã o, para o Rio de Janeiro, onde foram recebidos festivamente pelo
major Benjamin Constant, líder da mocidade militar e divulgador do positivismo
nos quartéis. 1 e 2

Mocidade militar: jovens militares de menos de 30 anos que possuíam educaçã o superior e valorizavam o
estudo das ciências exatas.

1. Dica! Documentário abordando o declínio do Império e a proclamação da república. [Duração:


35 minutos]. Acesse: <http://tub.im/cmccv4>.

2. Dica! Vídeo com falas do historiador Boris Fausto sobre a abolição e as razões que teriam
levado à República. [Duração: 7 minutos]. Acesse: <http://tub.im/58four>.

Para saber mais

Dé cio Vilares. s.d. Instituto Benjamin Constant, Rio de Janeiro

O major Benjamin Constant (1833-1891) era fluminense. Foi professor de matemática na Escola
Militar e o principal divulgador do positivismo entre a mocidade militar.

O positivismo

O positivismo é um conjunto de ideias sistematizado pelo francês Auguste Comte


(1798-1857). Leia o que um historiador escreveu sobre o assunto.
O positivismo [...] tem como pressupostos bá sicos uma crença inabalá vel na ciência e no
primado da razã o. A histó ria seria regida por leis imutá veis, científicas ou positivas, [...] sendo
que a lei fundamental seria a evoluçã o. A trajetó ria [...] da humanidade estaria sujeita, para o
positivismo, à lei dos três estados: teoló gico, metafísico e positivo. No primeiro, predominavam
as crenças no sobrenatural; no segundo, o pensamento metafísico; no terceiro, o pensamento
científico. A Repú blica seria o regime ideal para a transiçã o em busca da fase final, pois
ajudaria a superar a fase metafísica, típica das monarquias hereditá rias. [...] Apesar das
diferenças entre os positivistas, havia assuntos em que todos concordavam, dentre eles, a
aboliçã o da escravidã o e o republicanismo. [...]

VAINFAS, Ronaldo (Org.). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. p. 586-587.

Pá gina 277

No Brasil, os positivistas defendiam:

»» a implantaçã o de uma ditadura republicana;

»» a ideia de que o progresso depende da ordem; daí o lema positivista inscrito na


bandeira brasileira: “Ordem e Progresso”;

»» a crença de que somente os militares poderiam salvar o país das mã os


corruptas dos civis. 1

1. Dica! Documentário abordando o exílio de D. Pedro II e sua morte. [Duração: 34 minutos].


Acesse: <http://tub.im/uno27n>.

A proclamação da República
No dia 9 de novembro de 1889, em clima de forte comoçã o, Benjamin Constant
comandou uma reuniã o no Clube Militar para discutir a situaçã o do país e pediu
plenos poderes para mudar a situaçã o dos militares. A mocidade militar respondeu
com uma chuva de aplausos.

Pouco a pouco, a “soluçã o militar” para se chegar à Repú blica também foi
ganhando a simpatia dos republicanos civis. A ligaçã o política entre eles e os
militares consolidou-se em 11 de novembro de 1889. Naquele dia, o marechal
Deodoro da Fonseca recebeu em sua casa o major Benjamin Constant e o líder do
Partido Republicano Paulista (PRP), Quintino Bocaiuva. Nesse encontro decidiram
pela derrubada da monarquia.

Em 14 de novembro, boatos de que Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant


seriam presos precipitaram os acontecimentos. Na manhã de 15 de novembro de
1889, Deodoro da Fonseca liderou um golpe de Estado contra a monarquia, e a
tropa comemorou o início da Repú blica no Brasil.
No entanto, para a populaçã o pobre das cidades e do campo, a Repú blica recém-
proclamada nã o trouxe nenhuma esperança de uma vida melhor. 2 e 3

2. Dica! Encenação humorística sobre a proclamação da República. [Duração: 12 minutos].


Acesse: <http://tub.im/5j9bv8>.

3. Dica! Teleaula sobre o fim do Império e o início da República no Brasil. [Duração total: 12
minutos]. Dividido em duas partes. Para a primeira parte, acesse: <http://tub.im/jmc9ui>.

Pedro Bruno. 1919. Ó leo sobre tela. Museu da Repú blica, Rio de Janeiro

A pátria, de Pedro Bruno, 1919. Note que a bandeira republicana, elemento central do quadro, é
mostrada como objeto de amor e devoçã o: ela é abraçada, ela protege, ela abriga seus filhos.
Auguste Comte, o idealizador do positivismo, acreditava que só a ordem poderia conduzir ao
progresso.

Pá gina 278

Para refletir
››Fonte 1
Zahar Editora

Fac-símile da capa do livro A Proclamação da República.

O golpe de 1889 – ou a “Proclamaçã o da Repú blica”, como passou à histó ria – foi um momento-
chave no surgimento dos militares como protagonistas no cená rio político brasileiro. [...] Havia
muitos republicanos civis no final do Império, mas eles estiveram praticamente ausentes da
conspiraçã o. O golpe republicano foi militar, em sua organizaçã o e execuçã o. [...]

Todas as fontes disponíveis destacam a liderança que Benjamin Constant [...] exercia sobre a
“mocidade militar” formada na Escola Militar da Praia Vermelha. Ele seria o [...] “líder” [...] ou
“apó stolo” desses militares. [...]

Minha perspectiva, no entanto, focaliza nã o o “líder” [...] mas seus pretensos “liderados” [...]. Ao
invés de assistirmos a Benjamin Constant catequizando os jovens da Escola Militar,
encontraremos justamente a “mocidade militar” seduzindo-o e convertendo-o para o ideal
republicano. Atribuo à “mocidade militar”, portanto, o papel de protagonista da conspiraçã o
republicana no interior do Exército.

CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. p. 8-10. (Descobrindo o Brasil).

››Fonte 2

Em 15 de novembro de 1889, a Monarquia era derrubada por um golpe militar e proclamava-


se a Repú blica.

O movimento resultou da conjugaçã o de três forças: uma parcela do Exército, fazendeiros do


Oeste Paulista e representantes das classes médias urbanas que, para a obtençã o dos seus
desígnios, contaram indiretamente com o desprestígio da Monarquia e o enfraquecimento das
oligarquias tradicionais. [...]

O ano de 1889 nã o significou uma ruptura do processo histó rico brasileiro. As condiçõ es de
vida dos trabalhadores rurais continuaram as mesmas; permaneceram o sistema de produçã o
e o cará ter colonial da economia, a dependência em relaçã o aos mercados e capitais
estrangeiros.

COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 8. ed. Sã o Paulo: Fundaçã o Editora Unesp,
2007. p. 491-492.

a) Como Celso Castro vê a proclamaçã o da Repú blica?

a) Ele a vê como um golpe organizado e executado por militares.

b) No texto, Celso Castro minimiza o papel de oficiais como o major Benjamin


Constant na proclamaçã o da Repú blica. Justifique.

b) Na visã o dele, foi a juventude militar que seduziu Benjamin Constant e nã o o inverso. [Celso Castro reuniu uma enorme
documentaçã o e apresentou a mocidade militar como principal protagonista no golpe que instalou a Repú blica no Brasil.]

c) Compare a visã o do autor da fonte 1 à da autora da fonte 2 sobre a proclamaçã o


da Repú blica.

c) Semelhança: tanto o autor da fonte 1 quanto a autora da fonte 2 veem a proclamaçã o da Repú blica como um “golpe” de
Estado. Diferença: para Celso Castro, o golpe republicano de 1889 foi organizado e executado pelos militares; já para Emília
Viotti o golpe republicano resultou da açã o de trê s forças conjugadas: uma parcela do Exé rcito, os fazendeiros do Oeste
Paulista e os representantes das camadas mé dias.
d) Em dupla. Qual das versõ es vocês consideram mais convincente? Justifiquem.

d) Resposta pessoal. Professor: a atividade visa familiarizar os alunos com o debate historiográ fico em torno da
proclamaçã o da Repú blica e estimulá -los a argumentar em defesa de um ponto de vista.

Pá gina 279

O período de 1889-1894 é conhecido como República da Espada pelo fato de o


país ter sido governado por militares; já o período de 1894-1930 é chamado de
República Oligárquica, pois o poder esteve, em grande parte, nas mã os das
famílias poderosas de cada estado, as oligarquias estaduais (o termo “oligarquia”
vem do grego oligarkhía, que significa “governo exercido por um pequeno nú mero
de pessoas ou de famílias”).

O governo de Deodoro da Fonseca


Iniciado em 1889, o governo de Deodoro da Fonseca tomou algumas medidas
importantes:

»» separou a Igreja cató lica do Estado e criou o registro civil para nascimento,
casamento e ó bito;

»» secularizou os cemitérios, que deixaram entã o de ser controlados pela Igreja e


passaram ao controle das autoridades municipais;

»» criou novos símbolos nacionais; a nova bandeira tinha por lema uma má xima
de inspiraçã o positivista: a Ordem por base e o Progresso por fim.

Deodoro da Fonseca indicou ministros de diferentes tendências republicanas: o


Ministério da Guerra foi entregue ao militar positivista Benjamin Constant; o
Ministério das Relaçõ es Exteriores, ao republicano civil Quintino Bocaiuva; o
Ministério da Fazenda, ao intelectual baiano Rui Barbosa.

A reforma e a crise financeira

Durante sua gestã o, Rui Barbosa promoveu uma reforma financeira visando,
sobretudo, à industrialização do Brasil. Como a quantidade de moeda em
circulaçã o no país era insuficiente para financiar a arrancada industrial e pagar
salá rios, Rui Barbosa baixou decretos autorizando quatro bancos a emitir dinheiro
e a conceder empréstimos à queles que desejassem abrir uma empresa (1890).

Mas, em vez de aquecer a economia, a expansã o do crédito propiciou intensa


especulação: foram criadas empresas-fantasmas, que só existiam no papel. As
açõ es dessas empresas fictícias eram vendidas na Bolsa de Valores. Tempos
depois, quando os acionistas tentavam vender suas açõ es, percebiam que elas nã o
tinham nenhum valor. O resultado foi uma crise de graves proporçõ es. Os preços
das açõ es despencaram, os pequenos investidores perderam seu dinheiro para os
especuladores, e muitas empresas antigas fecharam suas portas.

Especulação: prá tica que consiste em criar uma procura ou oferta artificial de um bem ou de uma
mercadoria visando obter lucro.

Bolsa de Valores: local em que são negociados determinados papéis de empresas e do governo. Os papéis
do governo sã o chamados de títulos e os das empresas, de açõ es.

Nos dois primeiros anos da Repú blica, a inflação disparou, saltando de 1,1% para
89,9%, e a moeda brasileira perdeu o valor. A crise resultante da política
industrialista de Rui Barbosa recebeu o apelido de encilhamento. O nome vem do
verbo “encilhar” (colocar arreios ou cilhas no cavalo para prepará -lo para a
corrida). Como o clima de jogatina existente no lugar onde os jó queis encilhavam
cavalos e onde os jogadores faziam suas apostas era semelhante ao da Bolsa de
Valores, o nome encilhamento estendeu-se à crise.

Inflação: aumento generalizado e contínuo dos preços, resultando na perda do poder aquisitivo da moeda.

Criticado por muitos, sobretudo pelos representantes da cafeicultura paulista, Rui


Barbosa demitiu-se em janeiro de 1891.

Dica! Documentário sobre a vida de Rui Barbosa. [Duração: 30 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/rye6ff>.

Pá gina 280

Constituição e cidadania na jovem República


Ansiosos para aumentar seu poder, os políticos paulistas influenciaram a
Assembleia Constituinte, que aprovou a primeira Constituiçã o republicana.

Inspirada no modelo norte-americano, a Constituiçã o de 24 de fevereiro de 1891:

»» adotou o federalismo: as antigas províncias foram transformadas em estados.


E cada um dos entã o 20 estados da federaçã o passou a ter autonomia para contrair
empréstimos no exterior, ter forças militares pró prias (as forças pú blicas
estaduais), criar e cobrar impostos.

»» estabeleceu três poderes: Executivo: exercido pelo presidente da Repú blica e


por um vice-presidente, eleitos por um período de quatro anos. Legislativo:
exercido pelo Congresso Nacional, formado pela Câ mara dos Deputados e pelo
Senado. Judiciário: tinha como ó rgã o má ximo o Supremo Tribunal Federal.

»» restringiu o direito ao voto: somente os homens maiores de 21 anos,


brasileiros e alfabetizados podiam votar, desde que nã o fossem soldados ou
membros do clero regular, como monges e frades. As mulheres nã o tinham direito
ao voto. A jovem Repú blica, portanto, excluía a maioria do acesso à cidadania.

Em 1890, Deodoro foi eleito presidente por meio do voto indireto.

Pereira Neto. 1890. Desenho. Coleçã o particular

A charge mostra os deputados constituintes que elegeram Deodoro da Fonseca (ao centro, à direita)
e Floriano Peixoto (ao centro, à esquerda) para a presidência e a vice-presidência da Repú blica,
respectivamente. As figuras femininas representam os estados da Repú blica.

Na presidência, enfrentou forte oposiçã o por ter nomeado um monarquista – o


barã o de Lucena – para o Ministério da Fazenda e por ter sido responsá vel pelo
encilhamento. Quando os parlamentares da oposiçã o aprovaram um projeto
limitando seu poder, Deodoro da Fonseca fechou o Congresso.

Diante disso, a oposiçã o ao seu governo cresceu, e a Marinha ameaçou bombardear


a cidade do Rio de Janeiro, caso ele nã o renunciasse. Esse episó dio ficou conhecido
como Primeira Revolta da Armada (1891).

Isolado politicamente, Deodoro da Fonseca renunciou em favor do seu vice,


Floriano Peixoto, afirmando que o fazia para evitar uma guerra civil.

Dica! Animação sobre o governo de Deodoro da Fonseca. [Duração: 2 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/zhjbwm>.

Pá gina 281

O governo de Floriano Peixoto


Floriano Peixoto convidou membros do Partido Republicano Paulista (PRP) para
compor o ministério e, ao mesmo tempo, favoreceu a populaçã o mais pobre
reduzindo os aluguéis e tabelando o preço do pã o, do feijã o, da batata, entre outros.

Apesar disso, durante seu mandato, Floriano Peixoto teve de enfrentar muitos
inimigos: políticos civis organizaram uma campanha antiflorianista, com base no
artigo 42 da Constituiçã o, exigindo novas eleiçõ es presidenciais, e oficiais do
Exército assinaram o Manifesto dos Treze Generais, exigindo sua renú ncia. Esse
artigo estipulava que, se o cargo da presidência ou vice-presidência estivesse vago
antes de decorridos dois anos do mandato, haveria nova eleiçã o. Como Deodoro
governara menos de nove meses, os antiflorianistas reclamavam nova eleiçã o.

Floriano reuniu forças para enfrentar os civis e aposentou os generais que queriam
depô -lo. 1

1. Dica! Animação sobre o governo de Floriano Peixoto. [Duração: 2 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/rbw4f5>.

1910. Arquivo Pú blico Mineiro, Belo Horizonte.

Por suas atitudes decididas à frente do governo da Repú blica, Floriano Peixoto ficou conhecido
como Marechal de Ferro.

A Revolução Federalista
Outro desafio enfrentado por Floriano Peixoto foi a Revolução Federalista – uma
guerra civil sangrenta resultante da disputa pelo poder no Rio Grande do Sul
(1893).

De um lado, estavam os seguidores do republicano Jú lio de Castilhos (conhecidos


como pica-paus). De outro, os adeptos de Gaspar Silveira Martins (apelidados de
maragatos).

A guerra civil gaú cha esquentou e repercutiu nacionalmente quando os castilhistas


receberam o apoio de Floriano Peixoto e os seus adversá rios, os gasparistas,
obtiveram o apoio da Marinha.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, iniciou-se a Segunda Revolta da Armada
(1893).

Liderada pelo oficial Custó dio José de Melo, a Marinha começou a bombardear a
cidade do Rio de Janeiro, exigindo a renú ncia imediata de Floriano Peixoto e a
realizaçã o de novas eleiçõ es.

Buscando unir forças para derrubar o presidente, os oficiais da Marinha


deslocaram seus navios para o Sul e se juntaram aos federalistas (os maragatos),
que haviam ocupado Desterro, em Santa Catarina. Floriano Peixoto, porém,
conseguiu dinheiro com os cafeicultores paulistas, comprou navios, submeteu a
Marinha e reprimiu também os federalistas gaú chos.

Desterro: depois de retomada pelo governo, a cidade de Desterro passou a se chamar Florianó polis, em
homenagem a Floriano Peixoto.

A guerra civil gaú cha só terminou em 1895, um ano depois do fim do mandato
presidencial. Mas, quando Floriano Peixoto deixou a presidência, a Repú blica
estava consolidada. 2

2. Dica! Reportagem sobre a Revolução Federalista. [Duração: 9 minutos]. Acesse:


<http://tub.im/4tp9pv>.

Pá gina 282

ATIVIDADES
ESCREVA NO CADERNO.

I. Retomando
1. (Enem/MEC – 2013)

A escravidã o nã o há de ser suprimida no Brasil por uma guerra servil, muito menos por
insurreiçõ es ou atentados locais. Nã o deve sê-lo, tampouco, por uma guerra civil, como o foi
nos Estados Unidos. Ela poderia desaparecer, talvez, depois de uma revoluçã o, como aconteceu
na França, sendo essa revoluçã o obra exclusiva da populaçã o livre. É no Parlamento e não em
fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças das cidades, que se há de ganhar, ou
perder, a causa da liberdade.

NABUCO, Joaquim. O abolicionismo [1883]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Sã o Paulo: Publifolha, 2000 (adaptado).

No texto, Joaquim Nabuco defende um projeto político sobre como deveria ocorrer o fim da
escravidã o no Brasil, no qual

a) copiava o modelo haitiano de emancipaçã o negra.

b) incentivava a conquista de alforrias por meio de açõ es judiciais.


c) optava pela via legalista de libertaçã o.

d) priorizava a negociaçã o em torno das indenizaçõ es aos senhores.

e) antecipava a libertaçã o paternalista dos cativos.

1. Resposta: c.

2. (Unimontes-MG – 2014)

[...] Mesmo depois de abolida a escravidã o // negra é a mã o de quem faz a limpeza // lavando a
roupa encardida, esfregando o chã o // negra é a mã o, é a mã o da pureza // negra é a vida
consumida ao pé do fogã o // negra é a mã o nos preparando a mesa // limpando as manchas
do mundo com á gua e sabã o. [...]

GIL, Gilberto. A mão da limpeza. In: www.gilbertogil.com.br/sec-disco-info. Acesso em: 3 abr. 2014.

As açõ es desempenhadas pelos negros, nos versos dessa cançã o, tornaram-se comuns no Brasil,
entre outras coisas, porque

a) as atividades intelectuais, consideradas supérfluas em fins do século XIX, foram relegadas a um


plano secundá rio pelo Estado e pela sociedade em todos os níveis, limitando, igualmente, a
ascensã o de negros, mestiços e brancos.

b) a Lei Á urea previa que, aos alforriados, seria garantido com exclusividade o exercício de
profissõ es que demandassem habilidade manual, em face do desinteresse dos negros pela ciência.

c) a aboliçã o da escravidã o se fez sem uma preocupaçã o política de garantir ao povo negro o acesso
à cidadania plena e sem a garantia de condiçõ es para a conquista da igualdade intelectual.

d) estudos antropoló gicos de grandes universidades demonstraram que a habilidade manual era
inerente ao povo negro, fosse esse de origem africana ou mesmo crioulo e mestiço, nascido no
Brasil.

2. Resposta: c.

3. (UEG-GO – 2016) Observe a charge a seguir.

2016

Disponível em: <http://www.overmundocom.br/uploads/overblogimg/1215630971_ordemeprogresso.jpg>. Acesso


em: 9 out. 2015.

A charge ironiza o dístico “ordem e progresso”, presente na atual Bandeira do Brasil. A sua origem e
significado remetem a um contexto marcado
Pá gina 283

a) pela presença do catolicismo romano nas instituiçõ es políticas do Império Brasileiro e o esforço
de preservar a ordem social vigente.

b) pela influência do positivismo francês entre os oficiais militares republicanos e uma postura
ideoló gica das elites dirigentes em evitar radicalismos políticos.

c) pelo desejo dos oficiais militares republicanos em romper os laços com a sociedade agrá ria
imperial, inspirando-se no liberalismo norte-americano.

d) pelo esforço das elites agrá rias paulista e mineira em manter os seus privilégios sociais e
políticos, mas, ao mesmo tempo, buscando o progresso econô mico.

3. Resposta: b.

4. (Enem/MEC – 2015)

Iniciou-se em 1903 a introduçã o de obras de arte com representaçõ es de bandeirantes no


acervo do Museu Paulista, mediante a aquisiçã o de uma tela que homenageava o sertanista que
comandara a destruiçã o do Quilombo de Palmares. Essa aquisiçã o, viabilizada por verba
estadual, foi simultâ nea à emergência de uma interpretaçã o his- tó rica que apontava o
fenô meno do sertanismo paulista como o elo decisivo entre a trajetó ria territorial do Brasil e
de Sã o Paulo, concepçã o essa que se consolidaria entre os historiadores ligados ao Instituto
Histó rico e Geográ fico de Sã o Paulo ao longo das três primeiras décadas do século XX.

MARINS, P. C. G. Nas matas com pose de reis: a representaçã o de bandeirantes e a tradiçã o da retratística moná rquica
europeia. Revista do IEB, n. 44, fev. 2007.

A prá tica governamental descrita no texto, com a escolha dos temas das obras, tinha como
propó sito a construçã o de uma memó ria que

a) afirmava a centralidade de um estado na política do país.

b) resgatava a importâ ncia da resistência escrava na histó ria brasileira.

c) evidenciava a importâ ncia da produçã o artística no contexto regional.

d) valorizava a saga histó rica do povo na afirmaçã o de uma memó ria social.

e) destacava a presença do indígena no desbravamento do territó rio colonial.

4. Resposta: a.

II. Leitura e escrita em História


a. Leitura e escrita de textos
PROFESSOR, VER MANUAL.
VOZES DO PRESENTE

Bestializados ou bilontras?

O povo assistiu bestializado à proclamaçã o da Repú blica, segundo Aristides Lobo; nã o havia
povo no Brasil, segundo observadores estrangeiros, inclusive os bem informados como Louis
Couty; o povo fluminense nã o existia, afirmava Raul Pompeia. Visã o preconceituosa de
membros da elite [...]? Etnocentria de franceses? [...]

Pá gina 284

Editora Cia. das Letras

Fac-símile da capa de Os Bestializados, de José Murilo de Carvalho.

Havia tribofe na política, na bolsa, no câ mbio, na imprensa, no teatro, nos bondes, nos
aluguéis, no amor. Nã o se obedecia nem à lei dos homens, nem a de Deus. Como diria o pró prio
tribofe: “Ah, minha amiga, nesta boa terra os mandamentos da lei de Deus sã o como as
posturas municipais... Ninguém respeita!” [...]

Havia consciência clara de que o real se escondia sob o formal. [...] Perdia-se o humor apenas
quando o governo buscava impor o formal, quando procurava aplicar a lei literalmente. Nesses
momentos o entendimento [...] era quebrado, o poder violava o pacto, a constituiçã o nã o
escrita. Entã o tinha de recorrer à repressã o, ao arbítrio, o que gerava a revolta em resposta.
Mas [...] eram momentos de crise, nã o o cotidiano.

O povo sabia que o formal nã o era sério. Nã o havia caminhos de participaçã o, a Repú blica nã o
era para valer. Nessa perspectiva, o bestializado era quem levasse a política a sério, era o que
se prestasse à manipulaçã o. Num sentido [...], a política era tribofe. Quem apenas assistia, como
fazia o povo do Rio por ocasiã o das grandes transformaçõ es realizadas a sua revelia, estava
longe de ser bestializado. Era bilontra.

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Repú blica que nã o foi. Sã o Paulo: Companhia das
Letras, 1987. p. 140, 159-160.
Tribofe: gíria da época que significa trapaça, enganaçã o, engodo. Em 1891, Artur Azevedo lançou uma revista
denominada O tribofe, cujo conteú do continha forte crítica social e por meio do humor ironizava o
comportamento do fluminense.

a) O que Aristides Lobo quis dizer com “o povo assistiu bestializado à proclamaçã o da Repú blica”?

b) Na visã o do autor, a Repú blica incluiu o povo ou o manteve excluído da política? Justifique.

c) Como o autor do texto responde à pergunta contida no título?

d) Você considerou convincente o argumento do autor? Justifique.

b. Cruzando fontes
››Fonte 1

O texto a seguir é da professora da Universidade de Sã o Paulo Emília Viotti da Costa. Leia-o com
atençã o.

O rá pido crescimento das plantaçõ es de café fez do trabalho o problema mais urgente. Como
podiam os fazendeiros satisfazer suas necessidades de trabalho apó s a interrupçã o do trá fico
de escravos? [...] Os fazendeiros das á reas em expansã o haviam encontrado a resposta na
imigraçã o. [...] Como eles nã o se organizaram para defender a instituiçã o, a escravidã o foi
abolida por um ato do Parlamento sob os aplausos das galerias. Promovida principalmente por
brancos, ou por negros cooptados pela elite branca, a aboliçã o libertou os brancos do fardo

Pá gina 285

da escravidã o e abandonou os negros à sua pró pria sorte.

COSTA, Emília Viotti da. DA MONARQUIA À REPÚ BLICA: momentos decisivos. Sã o Paulo: Ed. Unesp. 2007. p. 366.

››Fonte 2

O trecho a seguir é da professora da Universidade Federal Fluminense Hebe Mattos. Leia-o com
atençã o.

Festejada por milhares de pessoas, a Aboliçã o foi um acontecimento ímpar. Pela primeira vez
se reconheceu a igualdade civil de todos os brasileiros. Mesmo que não tenha significado sua
imediata efetivaçã o, marca a invençã o de uma cidadania brasileira entendida em termos
universais. Porém, até o surgimento dos movimentos negros do século XX, a hierarquizaçã o
racial pouco se modificou.

MATTOS, Hebe M. A face negra da Aboliçã o. In: Revista Nossa História, ano 2, n. 19, p. 20 maio 2005.

a) Segundo a autora da fonte 1, qual foi a soluçã o encontrada pelos fazendeiros das á reas onde o
café se expandia?

b) Para a autora da fonte 1, qual foi o significado da Aboliçã o?


c) A autora da fonte 2 concorda com a autora da fonte 1 quanto ao significado da Aboliçã o?
Justifique.

d) Em dupla: debatam, argumentem: qual das duas interpretaçõ es da Aboliçã o é mais convincente?
Justifiquem.

III. Você cidadão!


O texto a seguir trata de d. Obá II, filho de um príncipe africano nascido na vila dos Lençó is, no
sertã o da Bahia, em 1845. Seu nome de batismo era Câ ndido da Fonseca Galvã o.

Príncipe guerreiro, d. Obá apresentou-se para lutar na Guerra do Paraguai (1864-1870), saindo
oficial (...) do exército, por bravura. Em 1877, fixou residência no Rio de Janeiro, onde passou a
fazer campanha por melhores condiçõ es de vida, igualdade racial, abolição da chibata e da
escravatura.

Abolição da chibata: abolição dos castigos físicos ministrados com a chibata (vara usada para surrar
pessoa ou animal).

Com dois metros de altura, voz firme e modos de soberano, sua figura imponente chamava
atençã o. Apresentava-se sempre bem vestido, de fraque, cartola, luvas, guarda-chuva, bengala,
pincenê de ouro e suas “finas roupas pretas” [...].

Pincenê: ó culos sem haste preso ao nariz por uma mola.

A elite da época, ignorando a histó ria da Á frica e os direitos reais africanos, entendia d. Obá II
como um subproduto da Guerra do Paraguai [...] uma espécie de veterano resmungã o, “meio
amalucado”, figura meramente folcló rica. Por outro lado, o povo negro reconhecia e se-

Editora Cia. das Letras

Fac-símile da capa do livro Dom Obá II D’África, o Príncipe do Povo, de Eduardo Silva.

Pá gina 286
guia sua liderança como príncipe real. Escravos, negros libertos do cativeiro e homens negros
livres, ou seja, que nunca foram escravos, nã o só compartilhavam suas ideias como
contribuíam financeiramente para a publicaçã o nos jornais. E depois se reuniam em suas
modestas casas para ler em voz alta e discutir os artigos.

Mas o que interessava tanto aos leitores? D. Obá pensava de um modo bem diverso da elite que
via as raças humanas essencialmente diferentes; para ele, pareciam perfeitamente
semelhantes, e o valor dos homens nã o estava na cor da pele, mas no mérito, no valor
guerreiro e humano de cada um. Por isso, a defesa da igualdade entre os homens se torna um
dos pontos centrais de sua prá tica política, e a aboliçã o total da escravatura vira sua bandeira
de luta pú blica a partir de 1882.

Soldado valoroso, defensor da pá tria nos campos da batalha, d. Obá II d’Á frica se sentia com
autoridade moral para criticar abertamente a classe dominante e os escravistas [...]

E quando sentia que o rumo dos acontecimentos necessitava de uma boa ajuda, apelava para
as forças do sincretismo afro-brasileiro: “invoco sempre ao bem estar dos conselheiros
enfermos [...] em todas as minhas preces [...] a santa Bá rbara e aos mais santos da Á frica [...]”.

SILVA, Eduardo. O rei dos excluídos. In: Revista Nossa História, ano 2, n. 19, p. 22-24, maio 2005.

Segundo o texto, o modo como a elite da época via d. Obá é muito diferente do modo como o povo
negro o via. Explique:

a) Como a elite da época via d. Obá ?

b) Como o povo negro o via?

c) Como o autor do texto explica essa diferença?

d) Por que d. Obá atraía tanto os seus leitores?

e) Em dupla. Debatam, reflitam e opinem sobre a visã o de d. Obá segundo a qual o valor dos
homens nã o estava na cor da pele, mas no mérito, no valor guerreiro e humano de cada um.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Sugestões de leitura complementar
AMADO, Janaína; FIGUEIREDO, Luiz Carlos. A formação do império português: (1415-1580). Sã o Paulo:
Atual, 1999.

CANÊ DO, Letícia Bicalho. A Revolução Industrial. Sã o Paulo: Atual, 1998.

DECCA, Edgar Salvadori de. O nascimento das fábricas. Sã o Paulo: Brasiliense, 1996.

FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. Sã o Paulo: Á tica, 1994.

FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

FERREIRA, Jorge Luiz. Conquista e colonização da América espanhola. Sã o Paulo: Á tica, 1996.

FUNARI, Pedro Paulo; GALDINO, Luiz. Os antigos habitantes do Brasil. Sã o Paulo: Editora da
Unesp/Imprensa Oficial, 2001.
FURTADO, Jú nia Ferreira. Cultura e sociedade no Brasil colônia. Sã o Paulo: Atual, 2004.

GRESPAN, Jorge Luís da Silva. Revolução Francesa e Iluminismo. Sã o Paulo: Contexto 2003.

IGLESIAS, Francisco. Revolução Industrial. Sã o Paulo: Brasiliense, 1981.

LOPEZ, Luiz Roberto. História da América Latina. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998.

MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. Sã o Paulo: Contexto, 2007.

MAURO, Frédéric. O Brasil no tempo de D. Pedro II: 1831- 1889. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1991.

MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. Sã o Paulo: EDUSP, 2007.

Pá gina 287

MICELI, Paulo. As revoluções burguesas. Sã o Paulo: Atual, 2005.

MOTA, Carlos Guilherme. Revolução Francesa. Sã o Paulo: Á tica, 2004.

PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. Sã o Paulo: Contexto, 2000.

PRADO, Maria Ligia C. América Latina no século: XIX: tramas, telas e textos. Sã o Paulo: Edusp, 2004.

REMOND, René. História dos Estados Unidos. Sã o Paulo: Martins Fontes, 1989.

SOUZA, Iara Lis. A Independência do Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

SPOSITO, Fernanda. Nem cidadãos, nem brasileiros: indígenas na formaçã o do Estado nacional brasileiro
e conflitos na província de Sã o Paulo (1822-1845). Sã o Paulo: Alameda, 2012.

Bibliografia
ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de et al. Atlas histórico escolar. 8. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1991. p. 24.

ALENCASTRO, Luiz Felipe de (Org.). História da vida privada no Brasil Império. Sã o Paulo: Companhia das
Letras, 1997. v. 2.

ARAÚ JO, Jurandir de Almeida. Racismo, violência e direitos humanos: pontos para o debate. Revista
Interdisciplinar de Direitos Humanos, Bauru, v. 2, n. 2, p. 75-96, jun. 2014.

ARIÈ S, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

ASSIS, Machado de. Obra completa. 3. ed. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973.

ATLAS histó rico escolar. Rio de Janeiro: MEC/Fename, 1991.

ATLAS histó rico IstoÉ – Brasil 500 anos. Sã o Paulo: Ed. Três, 1998.

BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina colonial. Sã o Paulo: Edusp, 1998. v. 1.
BRASIL. Cadernos da TV Escola: Índios no Brasil 3. Brasília, DF: MEC/Seed/SEF, 2001.

BRASIL. Constituiçã o (1988). Constituiçã o da Repú blica Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.
Acesso em: 2 jun. 2016.

BRASIL. Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871. Coleçã o das leis do Império do Brasil de 1823.
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/infdoc/conteudo/colecoes/legislacao/leginpcd-
06/lei1871/pdf17.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2016.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Revoluçã o Francesa de 1789 e seus efeitos no Brasil. Brasília, DF,
13 jul. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?
idConteudo=110843>. Acesso em: 2 jun. 2016.

BRUNO, Garcia. Entrevista com Francisco Doratioto. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de
Janeiro, ano 9, n. 97, p. 40-41, out. 2013.

CARDOSO, Ciro Flamarion S.; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

CARDOSO, Ciro Flamarion S.; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Os métodos da história. 3. ed. Rio de Janeiro:
Graal, 1983.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilizaçã o Brasileira,
2008.

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Repú blica que nã o foi. Sã o Paulo:
Companhia das Letras, 1987.

CARVALHO, Marieta Pinheiro de. A ú nica saída. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro,
ano 3, n. 28, p. 18-19, jan. 2008.

CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. (Descobrindo o Brasil).

CAVALCANTE, Paulo. Eu quero é ouro! Revista de Histó ria da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 4. n.
38, nov. 2008.

COMUNIDADES quilombolas de Minas Gerais no século XXI: histó ria e resistência. Belo Horizonte:
Autêntica/CEDEFES, 2008.

COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 8. ed. Sã o Paulo: Fundaçã o
Editora Unesp, 2007.

DANTAS, Monica Duarte (Org.). Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres e libertos no Brasil do
século XIX. Sã o Paulo: Alameda, 2011.

DARNTON, Robert. O Iluminismo como negócio: histó ria da publicaçã o da “Enciclopédia”, 1775-1800.
Trad. Laura Teixeira e Má rcia Lucia Machado. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1996.

DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil. Sã o Paulo: Livraria Martins Ed./Edusp, 1972.

DEL PRIORE, Mary (Org.). História das crianças Brasil. Sã o Paulo: Contexto, 2000.

DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil. 2. ed. Sã o Paulo: Contexto/Unesp, 2002.

DEYON, Pierre. O mercantilismo. Sã o Paulo: Perspectiva, 1973.


DIAS, Gonçalves. Poesia completa e prosa escolhida. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1959.

DINIZ, André. Almanaque do samba: a histó ria do samba, o que ouvir, o que ler, onde curtir. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova histó ria da Guerra do Paraguai. Sã o Paulo: Companhia das
Letras, 2002.

DUBY, Georges. Atlas historique mondial. Paris: Larousse, 2001. p. 86.

FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. 4. ed. Sã o Paulo: Á tica, 1994. (Princípios).

FARIA, Sheila de Castro. Colô nia sem pacto. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano
3, n. 34, jul. 2008.

FARIA, Sheila de Castro. Viver e morrer no Brasil Colônia. 1. ed. Sã o Paulo: Moderna, 1999. (Desafios).

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6. ed. Sã o Paulo: Edusp, 1998. p. 191.

FRAGOSO, Joã o et al. A economia colonial brasileira: séculos XVI-XIX. Sã o Paulo: Atual, 1998. (Discutindo
a Histó ria do Brasil).

FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. Sã o Paulo: Contexto, 1998.

FURTADO, Jú nia Ferreira. O livro da capa verde: o regimento diamantino de 1771 e a vida no distrito
diamantino no período da Real Extraçã o. Sã o Paulo: Annablume; Belo Horizonte: PPGH/UFMG, 2008.
(Olhares).

GENDROP, Paul. A civilização maia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

GONZAGA, Tomá s Antô nio. Cartas chilenas. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Pá gina 288

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi; SILVA, Aracy Lopes da. A temática indígena na escola: novos subsídios
para professores de 1º e 2º graus. Sã o Paulo/Brasília: Global/MEC/ Unesco, 1998.

GRUZINSKI, Serge. A passagem do século: 1480-1520: as origens da globalizaçã o. Sã o Paulo: Companhia


das Letras, 1999. (Virando séculos).

HILL, Christopher. O eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revoluçã o Inglesa. Sã o Paulo: Companhia das
Letras, 1998.

KARNAL, Leandro et al. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. Sã o Paulo: Contexto, 2007.

KARNAL, Leandro. Estados Unidos: da colô nia à independência. 5. ed. Sã o Paulo: Contexto, 1999.
(Repensando a Histó ria geral).

KINDER, Hermann; HERGT, Manfred; HILGEMANN, Werner. Atlas histórico mundial: de los orígenes a
nuestros días. 22. ed. Madrid: Akal, 2007.

LE GOFF, Jacques et al. A nova História. Lisboa: Ediçõ es 70, 1977.


LE GOFF, Jacques et al. Memória e História. Sã o Paulo: Editora da Unicamp, 1996.

LINHARES, Maria Yedda. História Geral do Brasil. 9. ed. Sã o Paulo: Campus, 1990.

LOCKHART, James; SCHWARTZ, Stuart B. A América Latina na época colonial. Rio de Janeiro: Civilizaçã o
Brasileira, 2002.

LOPES, Nei. Kitá bu: o livro do saber e do espírito negro-africanos. Rio de Janeiro: Senac, 2005.

MACEDO, José Rivair. Histó ria da Á frica. Sã o Paulo: Contexto, 2013.

MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
(Descobrindo o Brasil).

MONTESQUIEU. O espírito das leis. Sã o Paulo: Martins Fontes, 1996.

MOURA, Cló vis. Quilombos: resistência ao escravismo. 2. ed. Sã o Paulo: Á tica, 1989. (Princípios).

NARO, Nancy P. S. A formação dos Estados Unidos. 3. ed. Sã o Paulo/Campinas: Atual/Editora da Unicamp,
1987. (Discutindo a Histó ria).

NOVAIS, Fernando; SEVCENKO, Nicolau. História da vida privada no Brasil. Sã o Paulo: Companhia das
Letras, 1998.

OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A Independência e a construção do Império: 1750-1824. Sã o Paulo:


Atual, 1995. (Discutindo a Histó ria do Brasil).

OLIVEIRA, Vinicius Pereira de; SALAINI, Cristian Jobi. Escravos farrapos. Revista de Histó ria, Rio de
Janeiro, 19 nov. 2010. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-
revista/escravos-farrapos>. Acesso em: 2 jun. 2016.

OSTERMANN, Nilse Wink; KUNZE, Iole Carretta. Às armas, cidadãos! A França revolucioná ria (1789-
1799). Sã o Paulo: Atual, 1995.

PRADO, Maria Ligia C. Em busca da participaçã o das mulheres nas lutas pela independência política da
América Latina. Revista Brasileira da História, Sã o Paulo, v. 12, n. 23/24, p. 77-90, set. 1991-ago. 1992.

PRADO, Maria Ligia C.; SOARES, Gabriela P. História da América Latina. Sã o Paulo: Contexto, 2014.

PRODANOV, Cleber Cristiano. O mercantilismo e a América. Sã o Paulo: Contexto, 2001. (Repensando a


Histó ria Geral).

REIS, Joã o José. Rebelião escrava no Brasil: a histó ria do Levante dos Malês em 1835. Sã o Paulo:
Companhia das Letras, 2003.

REIS, Joã o José; SANTOS, Flá vio. Liberdade por um fio. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1996.

RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais: as minas
setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. v. 1 e 2.

RESENDE, Maria L. Chaves de; LANFER, Hal. O ouro vermelho de Minas Gerais. Revista de História da
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano. 1, n. 10, maio-junho de 2006.

RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. Rio de Janeiro: Civilizaçã o Brasileira, 2006.

ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. Sã o Paulo: Brasiliense, 1994.


ROSS, Jurandyr. Geografia do Brasil. Sã o Paulo: Edusp, 1995.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. CAINELLI, Marlene. Ensinar História. Sã o Paulo: Scipione, 2009. (Coleçã o
Pensamento e açã o na sala de aula).

SCHWARCZ, Lilian M.; STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. Sã o Paulo: Companhia das Letras,
2015.

SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial – 1550-1835. Sã o


Paulo: Companhia das Letras, 1988.

SILVA, Alberto da Costa e (Coord.). Crise colonial e independência: 1808-1830. Rio de Janeiro:
Mafre/Objetiva, 2011.

SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2012.

SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2012.

SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: uma investigaçã o de histó ria cultural.
Sã o Paulo: Companhia das Letras, 2003.

SILVA, Eduardo. Dom Obá II D’África, o príncipe do povo: vida, tempo e pensamento de um homem livre
de cor. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1997.

SILVA, Eduardo. O rei dos excluídos. Revista Nossa História, Sã o Paulo, ano 2, n. 19, maio 2005.

SILVA, Eduardo; REIS, Joã o José. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. Sã o Paulo:
Companhia das Letras, 1998.

SOARES, Claudete Maria Miranda Dias. Balaios e bem-te-vis: a guerrilha sertaneja. Teresina: Instituto
Dom Barreto, 2002. TecnicaAula.html?aula=10455>. Acesso em: 2 jun. 2016.

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. Sã o Paulo: Á tica, 2007.

STOIANI, Raquel. Mitos de além-tú mulo. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 4 abr.
2010.

THEODORO, Janice. Descobrimentos e renascimento. Sã o Paulo: Contexto, 1991.

TORRALVO, Izeti Fragata; MINCHILLO, Carlos A. Cortez. Linguagem em movimento. Sã o Paulo: FTD, 2010.
v. 2. (Linguagem em movimento).

VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

VAINFAS, Ronaldo (Org.). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Lisboa: Ediçõ es 70, 1971.

VIDAL-NAQUET, Pierre; BERTIN, Jacques. Atlas histórico. Lisboa: Círculo do Livro, 1990.

WASSERMAN, Clá udia (Coord.). História da América Latina: cinco séculos. 2. ed. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2000.

Pá gina 289
MATERIAIS DE APOIO AO PROFESSOR

Pá gina 290

Em nossos dias, já ninguém duvida de que a histó ria do mundo deve ser
reescrita de tempos em tempos. Esta necessidade nã o decorre, contudo, da
descoberta de numerosos fatos até entã o desconhecidos, mas do nascimento de
opiniõ es novas, do fato de que o companheiro do tempo que corre para a foz
chega a pontos de vista de onde pode deitar um olhar novo sobre o passado...
GOETHE. Geschichte der Farbenlehre. In: SCHAFF, Adam. Histó ria e verdade. Sã o Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 267.

Pá gina 291

SUMÁRIO
1. METODOLOGIA DA HISTÓRIA 292
1.1. Visã o de á rea 292
1.2. Correntes historiográ ficas 293
1.3. Pressupostos teó ricos 295
1.4. Objetivos para o ensino de Histó ria 296
1.5. Conceitos-chave da á rea de Histó ria 297

2. METODOLOGIA DE ENSINO-APRENDIZAGEM 299


2.1. O conhecimento histó rico escolar 300
2.2. A nova concepçã o de documento. 300
2.3. O trabalho com imagens 302
2.4. Um novo paradigma 311
2.5. O Pisa e a competência leitora 314
2.6. Uma contribuiçã o à adoçã o de uma perspectiva interdisciplinar 318

3. CIDADANIA, ETNIA E GÊNERO 322


3.1. A temá tica afro 323
3.2. A temá tica indígena 328
3.3. A temá tica de gênero 332

4. AS SEÇÕES DA OBRA 336


4.1. Pá ginas de abertura das unidades 336
4.2. Pá gina de abertura de capítulo 336
4.3. Corpo do capítulo 336
4.4. Seçõ es internas 336
4.5. Atividades 337
5. PLANEJAMENTO, TEXTOS E ATIVIDADES COMPLEMENTARES 339
Unidade I | Nós e os outros: a questão do etnocentrismo 339
Planejamento 339
Textos complementares 341
Atividades complementares 343
Unidade II | Diversidade e pluralismo cultural 348
Planejamento 348
Textos complementares 350
Atividades complementares 353
Unidade III | Cidadania: passado e presente 357
Planejamento 357
Textos complementares 359
Atividades complementares 362
Unidade IV | Terra e liberdade 366
Planejamento 366
Textos complementares 368
Atividades complementares 370
6. SUGESTÕES DE RESPOSTAS E COMENTÁRIOS DAS ATIVIDADES PROPOSTAS
NO LIVRO DO ALUNO 374
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 383

Pá gina 292

1. Metodologia da História

1.1. Visão de área


Vivemos hoje imersos em um presente contínuo (presenteísmo), que tende a tornar
invisíveis as relaçõ es entre a nossa experiência presente e o passado pú blico. Vivemos
também em um universo mediado por imagens, no qual uma avalanche de paisagens,
fatos e processos chegam até nó s por meio das representaçõ es que deles sã o
produzidas. Por isso, e cada vez mais, “substituímos nossas experiências pelas
representaçõ es dessas experiências” (SALIBA, Elias Thomé. As imagens canô nicas e o
ensino de Histó ria. Curitiba: UFPR, 1998. p. 117).

Vivendo imersos nesse mundo virtual e apreendendo o que “aconteceu” por meio dos
telejornais com frases sintéticas e imagens fragmentadas, os jovens sã o levados a
identificar aquilo que estã o vendo com a “verdade” e a explicar o presente com base
nele pró prio. Ocorre que o complemento desse presenteísmo avassalador é a
destruiçã o do passado, o que pode afetar muito, e negativamente, as novas geraçõ es.
Veja o que diz sobre o assunto o historiador britâ nico Eric Hobsbawm:

A destruiçã o do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à
das geraçõ es passadas – é um dos fenô menos mais característicos e lú gubres do final do século XX. Quase
todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relaçã o orgâ nica com
o passado pú blico da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que outros
esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio. Por esse mesmo motivo,
porém, eles têm de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 13.

Se a destruiçã o do passado pode resultar em uma tragédia para as novas geraçõ es, a
alienaçã o dela decorrente pode facilitar a emergência e a imposiçã o de ditaduras
brutais, como as que vitoriaram nas décadas de 1930 e 1940 em países da Europa
Ocidental e Oriental. Ademais, a consciência de que o passado se perpetua no presente
é fundamental para o nosso sentido de identidade. Saber o que fomos ajuda-nos a
compreender o que somos; o diá logo com outros tempos aumenta a nossa
compreensã o do tempo presente. Como observou um estudioso:

O passado nos cerca e nos preenche; cada cená rio, cada declaraçã o, cada açã o conserva um conteú do
residual de tempos pretéritos. Toda consciência atual se funda em percepçõ es e atitudes do passado;
reconhecemos uma pessoa, uma á rvore, um café da manhã , uma tarefa, porque já os vimos ou já os
experimentamos.

LOWENTHAL, David, 1998 apud OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de (Coord.). Histó ria: ensino fundamental. Brasília,
DF: Ministério da Educaçã o, Secretaria de Educaçã o Básica, 2010. p. 160. v. 21. (Explorando o ensino).

Quanto ao modo de abordar o passado, consideramos importante evitar o


anacronismo1 e, seguindo a recomendaçã o de Georges Duby, lembrar que, para
conhecer uma determinada sociedade do passado, é importante colocarmo-nos na pele
das pessoas que viveram naqueles tempos. Essa postura, sugerida por ele na
abordagem do medievo ocidental, é, a nosso ver, ú til no trabalho com qualquer
sociedade humana, independentemente de tempo ou lugar.

Como lembra Marc Bloch no seu clá ssico Apologia da histó ria ou o ofício do
historiador: além de prejudicar o conhecimento do presente, a ignorâ ncia do passado
compromete também a nossa açã o no presente. Assim sendo, nã o é demais lembrar
que a Histó ria tem um duplo compromisso: com o passado e com o presente, bem

Pá gina 293

como com as relaçõ es entre um e outro. Dissertando sobre esse duplo compromisso da
Histó ria, Jaime Pinsky observou:

Compromisso com o presente nã o significa, contudo, presenteísmo vulgar, ou seja, tentar encontrar no
passado justificativas para atitudes, valores e ideologias praticados no presente (Hitler queria provar
pelo passado a existência de uma pretensa raça ariana superior à s demais). Significa tomar como
referência questõ es sociais e culturais, assim como problemá ticas humanas que fazem parte de nossa
vida, temas como desigualdades sociais, raciais, sexuais, diferenças culturais, problemas materiais e
inquietaçõ es relacionadas a como interpretar o mundo, lidar com a morte, organizar a sociedade,
estabelecer limites sociais, mudar esses limites, contestar a ordem, consolidar instituiçõ es, preservar
tradiçõ es, realizar rupturas...

1
1 Anacronismo: consiste em atribuir aos agentes históricos do passado razões ou sentimentos gerados no presente,

interpretando-se, assim, a história em função de critérios inadequados, como se os atuais fossem válidos para todas as
épocas. BRASIL. Edital de convocação para o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o Plano Nacional do
Livro Didático. PNLD 2018. Brasília, DF: Ministério da Educação, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação,
Secretaria de Educação Básica, 2015. p. 47.
Compromisso com o passado nã o significa estudar o passado pelo passado, apaixonar-se pelo objeto de
pesquisa por ser a nossa pesquisa, sem pensar no que a humanidade pode ser beneficiada com isso.
Compromisso com o passado é pesquisar com seriedade, basear-se nos fatos histó ricos, nã o distorcer o
acontecido, como se esse fosse uma massa amorfa à disposiçã o da fantasia de seu manipulador. Sem o
respeito ao acontecido a Histó ria vira ficçã o. Interpretar nã o pode ser confundido com inventar. E isso
vale tanto para fatos como para processos.

PINSKY, Jaime. In: KARNAL, Leandro (Org.). Histó ria na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. Sã o Paulo:
Contexto, 2003. p. 23-24.

Vale dizer, ainda, que o historiador se volta para o passado a partir de questõ es
colocadas pelo presente. Depois de estabelecer um determinado recorte, ele
transforma o tema em problema. A partir daí, trata-o com base em instrumentos e
métodos pró prios da Histó ria. Por isso se diz que toda narrativa histó rica está
relacionada a seu tempo e também é objeto da Histó ria.

1.2. Correntes historiográficas


Se, por um lado, “toda histó ria é filha do seu tempo”, por outro é preciso lembrar que
ela é fruto de vá rias tradiçõ es de pensamento que se materializam em diferentes
correntes historiográ ficas. No texto a seguir, a professora Sandra Regina Ferreira de
Oliveira apresenta, em linhas gerais, e de modo resumido, os pressupostos de três
importantes escolas historiográ ficas, que podem ser ú teis à nossa reflexã o e docência.
A familiaridade com essas correntes pode, por exemplo, ajudar a reconhecer a opçã o
teó rica do autor do material didá tico que estamos analisando e o lugar de onde ele
fala.

[...] Sã o três as correntes mais discutidas: Positivismo, Materialismo Histó rico e Nova Histó ria.

Positivismo é o nome de uma corrente filosó fica originada no século XVIII, no contexto do processo de
industrializaçã o da sociedade europeia. Para os pensadores positivistas cabe à histó ria fazer um
levantamento descritivo dos fatos. “A histó ria por eles escrita é uma sucessã o de acontecimentos
isolados retratando, sobretudo, os feitos políticos de grandes heró is, os problemas diná sticos, as
batalhas, os tratados diplomá ticos etc.” (BORGES, 1987, p. 32-33). Neste sentido, os documentos oficiais
sã o as principais fontes de investigaçã o assim como as açõ es do Estado sã o as eleitas para constituírem a
narrativa histó rica. A concepçã o de tempo nesta forma de abordagem histó rica é caracterizada pela
linearidade (sucessã o) dos fatos porque sã o os fatos o objeto de estudo da histó ria.

Com a efetivaçã o do capitalismo na sociedade europeia do século XIX, proliferam-se as críticas à


sociedade burguesa e outra teoria explicativa para a realidade foi elaborada buscando a superaçã o da
mesma – o materialismo dialético. Karl Marx e Friedrich Engels podem ser destacados como os
principais pensadores desta corrente filosó fica para a qual a necessidade de sobrevivência do homem
impele-o a transformar a natureza e, ao transformar a natureza, transforma a si mesmo, numa relaçã o
dialética. Essa açã o humana nã o se dá de forma isolada, mas em conjunto. Portanto, o “ponto de partida
do conhecimento da realidade sã o as relaçõ es que os homens mantêm com a natureza e os outros

Pá gina 294

homens” (BORGES, 1987, p. 35), analisadas a partir das condiçõ es materiais de existência.

A investigaçã o histó rica realizada a partir dos pressupostos do materialismo dialético considera que a
realidade é dinâ mica, dialética e repleta de contradiçõ es, gerada pela luta entre as diferentes classes
sociais. Portanto, a concepçã o de tempo que podemos identificar nesta corrente de pensamento busca
explicar o passado, nã o somente a partir do tempo do acontecimento, mas da contradiçã o que pode ser
encontrada em todo fato e, para compreender a contradiçã o, faz necessá rio deslocar-se temporalmente,
intentando como determinados fatos se constituíram historicamente e por que se apresentam de tal
forma ao homem no presente.

Ainda que com o materialismo histó rico tenha se constituído uma forma diferente de investigaçã o sobre
o passado e, consequentemente, provocado mudanças na narrativa histó rica, foi com a Nova Histó ria,
mais precisamente com a Escola dos Annales, em 1929, que a concepçã o de tempo na historiografia sofre
significativas alteraçõ es.

A alteraçã o na concepçã o de tempo deve ser compreendida a partir da concepçã o de Histó ria, ou melhor,
de como se constró i a narrativa histó rica para os pensadores da Nova Histó ria. Para estes, todos os
acontecimentos humanos poderiam ser entendidos como temá ticas para a construçã o da Histó ria e nã o
somente a narrativa dos feitos de alguns homens relacionados à histó ria política de seus países. Da
mesma forma, toda produçã o humana seria passível de ser entendida enquanto fonte para a pesquisa do
historiador, e nã o somente os documentos oficiais.

Esta forma de se entender a Histó ria rompeu com a ideia do tempo do acontecimento, com a concepçã o
de que a humanidade caminha de forma irreversível para algum ponto preestabelecido e também com a
noçã o de um progresso linear e contínuo. O papel do historiador, nesta perspectiva, é considerar o tempo
da duraçã o nas aná lises dos acontecimentos. Para alcançar tal intento, nã o basta estudar os fatos a partir
de sua organizaçã o cronoló gica, mas considerar também os movimentos de continuidade e mudança.

Fernand Braudel é quem anuncia a importâ ncia de considerarmos as diferentes temporalidades na


investigaçã o histó rica. Para ele, há o tempo do acontecimento (breve duraçã o), da conjuntura (média
duraçã o) e da estrutura (longa duraçã o). Bittencourt (2008, p. 206), explicando essas diferentes
concepçõ es, afirma que:

[...] o acontecimento (fato de breve duraçã o) corresponde a um momento preciso: um nascimento, uma
morte, a assinatura de um acordo, uma greve, etc.; a estrutura (fato de longa duraçã o), cujos marcos
cronoló gicos escapam à percepçã o dos contemporâ neos: a escravidã o antiga ou moderna, o cristianismo
ocidental, a proibiçã o do incesto, etc.; a conjuntura (fato de duraçã o média) que resulta de flutuaçõ es
mais ou menos regulares no interior de uma estrutura: a Revoluçã o Industrial inglesa, a ditadura militar
brasileira, a guerra fria etc.

A concepçã o de tempo apresentada pelos historiadores da Escola dos Annales nos indica que devem ser
considerados, na construçã o da Histó ria, a simultaneidade das duraçõ es assim como os movimentos de
permanências e mudanças que ocorrem em uma sociedade ao longo de um determinado período. Para
realizar esta abordagem nã o é possível considerar somente a cronologia como ponto de partida para a
compreensã o do tempo histó rico.

Os conteú dos e as metodologias apresentados nos livros didá ticos relacionam-se diretamente com estas
concepçõ es historiográ ficas abordadas aqui de forma sucinta. Nos manuais destinados aos professores,
os autores explicitam suas opçõ es teó ricas, o que merece ser destacado e contribui na melhoria da
qualidade das obras, visto que é ponto pacífico entre os historiadores que todos os sujeitos falam de
determinados lugares sociais e que sã o influenciados pelas características destes lugares. Estas
informaçõ es sã o valorizadas nas resenhas que compõ em o Guia do PNLD porque é importante que o
professor identifique de que “lugar” o autor fala.

OLIVEIRA, Sandra Regina F. de. Os tempos que a Histó ria tem... In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de (Coord.).
Histó ria: ensino fundamental. Brasília, DF: Ministério da Educaçã o, Secretaria de Educaçã o Bá sica, 2010. p. 42-45. v.
21. (Explorando o ensino).

Pá gina 295
Neste livro, pautamo-nos por alguns referenciais teó ricos da Nova Histó ria, daí
entendermos a Histó ria como um conhecimento em permanente construçã o; por isso
tomamos o documento como ponto de partida e nã o de chegada na construçã o do
conhecimento e, além disso, incorporamos a açã o e a fala das mulheres, dos negros,
dos indígenas, dos operários e de outros sujeitos histó ricos antes relegados ao
esquecimento.

Ao longo da obra, utilizamos também a histó ria social inglesa, recorrendo mais de uma
vez aos trabalhos de Christopher Hill, E. P. Thompson e Hobsbawm para compreender
episó dios decisivos na formaçã o do mundo atual, como a Revoluçã o Inglesa, a
Revoluçã o Industrial, a Revoluçã o Francesa, o imperialismo, o movimento operá rio,
entre outros. Entendemos que as pesquisas desenvolvidas pelos neomarxistas ingleses
nem sempre se opõ em à s realizadas pelos integrantes dos Annales e seus
continuadores da Nova Histó ria. Por vezes, elas se fundem e/ou se complementam.

Por fim, é preciso dizer que demos maior ênfase ao conhecimento da histó ria política e
do passado pú blico por considerarmos que neste nível de ensino isso é decisivo para o
aluno desenvolver uma consciência crítica. Com essa consciência, ele pode orientar
sua prá tica como cidadã o e participar de projetos de mudança social e cultural. Em um
artigo importante sobre o assunto, a historiadora Maria de Lourdes Mô naco Jannoti
chama atençã o para o perigo de se valorizar o privado em detrimento do pú blico:

A Histó ria nã o é terreno do “interessante” e do mundo privado enquanto tal. Este cresce em relaçã o
direta à reduçã o das atividades da vida pú blica e à consciência da cidadania, como tã o bem explicou
Hannah Arendt, podendo levar, como o fez nos anos 20 e 30, à privatizaçã o do pró prio Estado pelas
ditaduras nazifascistas. Tal experiência deu-se no Brasil num passado muito pró ximo, durante a ditadura
getulista e a ditadura militar, por mais de quarenta e cinco anos, neste século.

Mesmo considerando [...] fundamentais os estudos sobre a vida privada no passado e no presente [...] é
fundamental rever determinada prá tica da investigaçã o e do ensino da Histó ria que, inspirada em uma
estreita leitura da Nova Histó ria com seus novos objetos e abordagens, acabam por nã o estabelecer
nenhuma “relaçã o orgâ nica com o passado pú blico da época em que vivemos”, segundo Hobsbawm.

JANNOTI, Maria de Lourdes Mô naco. In: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histó rico na sala de aula. 2. ed. Sã o
Paulo: Contexto, 1998. p. 43-44. (Repensando o ensino).

1.3. Pressupostos teóricos


A seguir vamos expor de modo simplificado os pressupostos teó ricos que pautaram a
nossa escrita e que, até certo ponto, se tornaram consenso entre os historiadores
atuais.

1. É impossível resgatar episódios do passado tal qual ocorreram. O passado está


morto e nã o se pode “desenterrá -lo”; só se pode conhecê-lo por meio de vestígios
deixados pelos seres humanos na sua passagem pela Terra.

Sobre esse pressuposto afirmou a historiadora Margarida Maria Dias de Oliveira:

A histó ria escrita é um recorte desse passado, nã o por incompetência dos profissionais de Histó ria, mas
porque este é o objeto da produçã o do conhecimento histó rico: problematizar o passado. Nã o se estuda
Histó ria para contar tudo o que aconteceu, mas para construir uma problemá tica sobre o passado e
sobre um tema em perspectiva histó rica. [...]
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de (Coord.). Histó ria: ensino fundamental. Brasília, DF: Ministério da Educaçã o,
Secretaria de Educaçã o Básica, 2010. p. 10. v. 21. (Explorando o ensino).

2. Só se pode investigar o passado por meio de questões colocadas pelo presente.


De tempos em tempos formulam-se novas questõ es sobre o passado que conduzem a
novas pesquisas, das quais resultam novas reescritas da Histó ria.

Pá gina 296

Ou seja, cada época coloca novos problemas, e é a partir deles que nos debruçamos
sobre o passado para investigar, crivar as fontes, comparar, analisar e construir uma
versã o dos fatos. Buscando romper com uma visã o passadista da Histó ria, entendemos
que o presente também é suscetível de conhecimento histó rico, desde que o
ancoremos na pró pria Histó ria.

3. Todo conceito possui uma história. A cidadania na cidade de Atenas durante a


Antiguidade, por exemplo, era muito diferente da cidadania no Brasil de hoje. A
consciência disso é fundamental na educaçã o histó rica, seja para a construçã o do
conceito de cidadania, seja para a sua contextualizaçã o espaço-temporal. Facilitar isso
ao aluno ajuda-nos a evitar a formulaçã o de juízos anacrô nicos, consubstanciados no
senso comum, tais como “o tempo passa e nada muda”, “os políticos sã o todos iguais” e
outras frases do gênero.

4. O conhecimento histórico é algo construído com base em um procedimento


metodológico; a História é, ela própria, uma construção. Durante muito tempo se
acreditou que os historiadores chegavam a verdades definitivas. Hoje se sabe que a
Histó ria produz verdades parciais. Depois da coleta, seleçã o e crítica dos vestígios,
seguem-se a aná lise destes e a produçã o de uma versã o possível sobre o fato ou
processo em questã o. As conclusõ es a que chegam os historiadores devem, por isso
mesmo, ser relativizadas.

5. O conhecimento histórico é limitado. Atualmente é consenso entre os


historiadores que a Histó ria nã o é um saber acabado. O conhecimento histó rico é algo
construído com base em um método e em um conjunto de procedimentos pertinentes
ao ofício do historiador. Enfim, atualmente, historiadores com diferentes perspectivas
admitem que a Histó ria é uma construçã o e que o conhecimento histó rico é parcial e
incompleto, daí a necessidade de a Histó ria ser reescrita constantemente à luz de
novas pesquisas que vã o sendo feitas.

Contribuindo com esse debate, o historiador Holien Gonçalves Bezerra afirmou:

Ciente de que o conhecimento é provisó rio, o aluno terá condiçõ es de exercitar nos procedimentos
pró prios da Histó ria: problematizaçã o das questõ es propostas, delimitaçã o do objeto, exame do estado
da questã o, busca de informaçõ es, levantamento e tratamento adequado das fontes, percepçã o dos
sujeitos histó ricos envolvidos (indivíduos, grupos sociais), estratégias de verificaçã o e comprovaçã o de
hipó teses, organizaçã o dos dados coletados, refinamento dos conceitos (historicidade), proposta de
explicaçã o para os fenô menos estudados, elaboraçã o da exposiçã o, redaçã o de textos.
BEZERRA, Holien Gonçalves. In: KARNAL, Leandro (Org.). Histó ria na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.
Sã o Paulo: Contexto, 2005. p. 42.

1.4. Objetivos para o ensino de História


Nesta obra didá tica, levamos em conta a perspectiva do Sistema Nacional de Avaliaçã o
da Educaçã o Bá sica (Saeb) no tocante aos objetivos para o ensino de Histó ria, seja para
nortear a nossa compreensã o da Histó ria, seja para balizar a nossa prá tica docente.
Segundo as matrizes curriculares de referência para o Saeb, os objetivos do ensino da
Histó ria sã o:

»» Facilitar a construçã o, por parte do educando, da capacidade de pensar historicamente, sendo que
esta operaçã o engloba uma percepçã o crítica e transformadora sobre os eventos e estudos histó ricos.

»» Favorecer a aquisiçã o de conhecimentos sobre diferentes momentos histó ricos, a fim de desenvolver
a habilidade de coordenaçã o do tempo histó rico.

»» Contribuir para a compreensã o dos processos da Histó ria, através da aná lise comparada das
semelhanças e diferenças entre momentos histó ricos, de forma a perceber a dinâ mica de mudanças e
permanências.

»» Propiciar o desenvolvimento do senso crítico do educando, no sentido de que este seja capaz de
formar uma opiniã o possível sobre os eventos histó ricos estudados.

Pá gina 297

»» Possibilitar a integraçã o dos conteú dos cognitivos com os aspectos afetivos e psicomotores do
educando, valorizando as características relacionais nas atividades de ensino-aprendizagem.

PESTANA, Maria Inês Gomes de Sá et al. Matrizes curriculares de referência para o Saeb. 2. ed. rev. ampl. Brasília, DF:
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 1999. p. 63.

Atingir esses objetivos, ainda que parcialmente, pode ajudar o aluno a interpretar
situaçõ es concretas da vida social, posicionar-se criticamente diante da realidade
vivida e construir novos conhecimentos.

1.5. Conceitos-chave da área de História


A Histó ria para o Ensino Médio, segundo os PCN, nã o pretende fazer do aluno um
historiador. Seu compromisso maior é com o aprofundamento dos conceitos
trabalhados nos anos anteriores e a facilitaçã o ao aluno do acesso à construçã o do
conhecimento histó rico (por meio do uso e do cruzamento de fontes variadas e de
diferentes tipos).

Nesta obra, retomamos alguns conceitos – como o de Histó ria, o de fontes histó ricas,
cultura, tempo – com o objetivo de consolidaçã o ou aprofundamento e trabalhamos
outros conceitos-chave na nossa disciplina – como o de processo histó rico, identidade,
memó ria, patrimô nio cultural, representaçã o e cidadania.

A seguir, apresentamos uma espécie de glossá rio com os conceitos-chave em Histó ria,
que pode ser ú til ao trabalho do professor na preparaçã o de sua aula.

História. Marc Bloch define a Histó ria como o estudo das sociedades humanas no
tempo. Para ele:

O historiador nunca sai do tempo [...], ele considera ora as grandes ondas de fenô menos aparentados que
atravessam, longitudinalmente, a duraçã o, ora o momento humano em que essas correntes se apertam
no nó poderoso das consciências.

BLOCH, Marc L. B. Apologia da Histó ria ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 135.

Seguindo a trilha aberta por Bloch, o historiador Holien Bezerra afirma que a Histó ria
busca desvendar “as relaçõ es que se estabelecem entre os grupos humanos em
diferentes tempos e espaços”. Outra definiçã o de Histó ria:

[...] A histó ria é a arte de aprender que o que é nem sempre foi, que o que nã o existe pô de alguma vez
existir; que o novo nã o o é forçosamente e que, ao contrá rio, o que consideramos por vezes eterno é
muito recente. Esta noçã o permite situarmo-nos no tempo, relativizar o acontecimento, descobrir as
linhas de continuidade e identificar as rupturas.

OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de (Coord.). Histó ria: ensino fundamental. Brasília, DF: Ministério da Educaçã o,
Secretaria de Educaçã o Básica, 2010. p. 18. v. 21. (Explorando o ensino).

Há autores atuais, como Hayden White, que entendem a Histó ria como um gênero da
literatura e querem reduzi-la à ficçã o. Nó s discordamos dessa visã o e lembramos que a
Histó ria, ao contrá rio da literatura, tem compromisso com a evidência, e,
parafraseando Marc Bloch, diferentemente do literato, o historiador só pode afirmar
aquilo que tem condiçõ es de provar.

Processo histórico. Segundo os PCN, processo histó rico é um:

[...] processo de mudança direcional, no qual os sujeitos histó ricos, em meio à indeterminaçã o das
relaçõ es sociais, constroem os caminhos possíveis, inscrevendo nas diferentes dimensõ es temporais
(conjunturas e estruturas) os acontecimentos que repercutem de modo variado nos diferentes espaços
de açã o (privado ou pú blico, local, regional ou mundial) e que contêm diversos elementos (políticos,
econô micos, sociais, culturais) [...]

PCN + ENSINO MÉ DIO: orientaçõ es educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências
Humanas e suas Tecnologias. Brasília, DF: Ministério da Educaçã o, Secretaria de Educaçã o Básica, 2002. p. 77-78.

Pá gina 298

Tempo. É uma construçã o humana, e o tempo histó rico, uma construçã o cultural dos
povos em diferentes tempos e espaços. As principais dimensõ es do tempo sã o:
duraçã o, sucessã o e simultaneidade. Isso pode ser trabalhado em aula apresentando-
se as diferentes maneiras de vivenciar e apreender o tempo e de registrar a duraçã o, a
sucessã o e a simultaneidade dos eventos – tais conteú dos tornam-se, portanto, objeto
de estudos histó ricos. O tempo que interessa ao historiador é o tempo histó rico, o
tempo das transformaçõ es e das permanências. O tempo histó rico nã o obedece a um
ritmo preciso e idêntico como o do reló gio e/ou dos calendá rios. Por isso o historiador
considera diferentes temporalidades/duraçõ es: a longa, a média e a curta duraçã o.

Cronologia. Sistema de marcaçã o e dataçã o baseado em regras estabelecidas pela


ciência astronô mica, que tenta organizar os acontecimentos em uma sequência regular
e contínua.

Cultura. Segundo os PCN:

[...] cultura [é] um conjunto de crenças, conhecimentos, valores, costumes, regulamentos, habilidades,
capacidades e há bitos construídos pelos seres humanos em determinadas sociedades, em diferentes
épocas e espaços.

PCN + ENSINO MÉ DIO: orientaçõ es educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências
Humanas e suas Tecnologias. Brasília, DF: Ministério da Educaçã o, Secretaria de Educaçã o Básica, 2002. p. 71-72.

Sobre esse conceito, o professor Holien Gonçalves Bezerra afirma:

[...] Cultura nã o é apenas o conjunto de manifestaçõ es artísticas. Envolve as formas de organizaçã o do


trabalho, da casa, da família, do cotidiano das pessoas, dos ritos, das religiõ es, das festas etc. Assim, o
estudo das identidades sociais, no â mbito das representaçõ es culturais, adquire significado e
importâ ncia para a caracterizaçã o de grupos sociais e de povos.

BEZERRA, Holien Gonçalves. In: KARNAL, Leandro (Org.). Histó ria na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.
Sã o Paulo: Contexto, 2005. p. 46.

Patrimônio cultural. Segundo uma estudiosa:

Constituem patrimô nio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial [...] nos quais se
incluem: I – as formas de expressã o; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criaçõ es científicas,
artísticas e tecnoló gicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificaçõ es e demais espaços destinados à s
manifestaçõ es artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histó rico, paisagístico,
artístico, arqueoló gico, paleontoló gico, ecoló gico e científico.

BITTENCOURT, Circe. O saber histó rico na sala de aula. 2. ed. Sã o Paulo: Contexto, 1998. p. 134. (Repensando o
ensino).

Identidade. Pode ser definida como a construçã o do “eu” e do “outro” e a construçã o


do eu e do “nó s” que tem lugar nos diferentes contextos da vida humana e nos
diferentes espaços de convívio social. Essa construçã o baseia-se no reconhecimento de
semelhanças/diferenças e de mudanças/ permanências. Sobre o assunto, disse uma
ensaísta:

Um dos objetivos centrais do ensino de Histó ria, na atualidade, relaciona-se à sua contribuiçã o na
constituiçã o de identidades. A identidade nacional, nessa perspectiva, é uma das identidades a ser
constituídas pela Histó ria escolar, mas, por outro lado, enfrenta ainda o desafio de ser entendida em suas
relaçõ es com o local e o mundial.

A constituiçã o de identidades associa-se à formaçã o da cidadania, problema essencial na atualidade, ao


se levar em conta as finalidades educacionais mais amplas e o papel da escola em particular.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de Histó ria: fundamentos e métodos. Sã o Paulo: Cortez, 2004. p. 121. (Docê ncia em
formaçã o).
A construçã o de identidades está relacionada também à memó ria.

Pá gina 299

Memória. Segundo Pedro Paulo Funari:

A memó ria [...] é uma recriaçã o constante no presente do passado enquanto representaçã o, enquanto
imagem impressa na mente.

FUNARI, Pedro Paulo. Antiguidade clá ssica: a histó ria e a cultura a partir dos documentos. 2. ed. Campinas: Unicamp,
2003. p. 16.

A memó ria pode ser definida também como o modo como os seres humanos se
lembram ou se esquecem do passado; já a Histó ria pode ser vista como a crítica da
memó ria. Em sociedades complexas, como esta em que vivemos, a memó ria coletiva
dá origem a lugares de memó ria, como museus, bibliotecas, espaços culturais, galerias,
arquivos ou uma “grande” histó ria, a histó ria da naçã o. A memó ria nos remete à
questã o do tempo.

Representação. Modo como os grupos ou os indivíduos veem a si mesmos e sã o vistos


pelos outros. Ou seja, além de estudar os grupos sociais no tempo, compreender o
modo como eles se representam e como sã o representados também é objeto da
Histó ria. Aqui estamos nos referindo à representaçã o social. Para o teó rico Roger
Chartier, as representaçõ es sã o partilhadas socialmente, comandam atos e sã o
constitutivas da realidade. Esse estudioso refere-se a prá ticas de representaçã o. Assim,
o conceito de representaçã o reporta-se à s diferenças/divergências e à s contradiçõ es
no processo de construçã o das identidades sociais.

Política. O termo política teve sua origem na Grécia antiga e foi sendo ressignificado
ao longo do tempo. Ele está estreitamente relacionado à ideia de poder. Segundo
Nicolau Maquiavel (1469-1527), o fundador da política como ciência, a política é a arte
de conquistar, manter e exercer o poder. Já para Michel Foucault (1926-1984), o poder
nã o se concentra somente no Estado, mas está distribuído por todo o corpo social.
Seguindo essa trilha, dois estudiosos observaram que:

Há relaçã o de poder entre pais e filhos, alunos e professores, governantes e governados, dirigentes de
partido e seus filiados, patrõ es e empregados, líderes de associaçõ es sindicais e seus membros, e assim
por diante. A verdade é que tais relaçõ es sã o, no mais das vezes, sutis, mó veis, dispersas e de difícil
caracterizaçã o.

SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicioná rio de conceitos histó ricos. Sã o Paulo: Contexto, 2005. p.
335.

Cidadania. O conceito de cidadania – chave na nossa proposta de ensino de Histó ria –


tem como base as reflexõ es do historiador Jaime Pinsky:

Ser cidadã o é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter
direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os
direitos civis e políticos nã o asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a
participaçã o do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educaçã o, ao trabalho, ao salá rio justo, à saú de,
a uma velhice tranquila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais.

PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Histó ria da cidadania. Sã o Paulo: Contexto, 2003. p. 9.

A compreensã o da cidadania em uma perspectiva histó rica de lutas, confrontos e


negociaçõ es, e constituída por intermédio de conquistas sociais de direitos, pode
servir como referência para a organizaçã o dos conteú dos da disciplina histó rica. Vale
lembrar ainda que os conceitos possuem uma histó ria, e que esta variou no tempo e no
espaço. Cientes disso nos esforçamos para evitar visõ es anacrô nicas, a-histó ricas ou
carregadas de subjetividade.

2. Metodologia de ensino-aprendizagem
O trabalho com Histó ria em sala de aula é uma construçã o coletiva e se faz a partir do
saber aceito como legítimo pela comunidade de historiadores. Antes de tudo, porém, é
preciso considerar que esse saber acadêmico nã o deve ser confundido com o
conhecimento histó rico escolar, embora lhe sirva de suporte.

Pá gina 300

2.1. O conhecimento histórico escolar


Para Circe Bittencourt, o conhecimento histó rico escolar:

[...] nã o pode ser entendido como mera e simples transposiçã o de um conhecimento maior, proveniente
da ciência de referência e que é vulgarizado e simplificado pelo ensino. [...] “Nenhuma disciplina escolar é
uma simples filha da ‘ciência-mã e’”, adverte-nos Henri Moniot, e a histó ria escolar nã o é apenas uma
transposiçã o da histó ria acadêmica mas constitui-se por intermédio de um processo no qual interferem o
saber erudito, os valores contemporâ neos, as prá ticas e os problemas sociais.

BITTENCOURT, Circe. O saber histó rico na sala de aula. Sã o Paulo: Contexto, 1998. p. 25. (Repensando o ensino).

Para a construçã o do conhecimento em sala de aula, a historiadora Margarida Maria


Dias de Oliveira propõ e que sejam dados os seguintes passos:

1. elege-se uma problemá tica (tema, período histó rico);

2. tem-se o tempo como categoria principal (como o assunto em estudo foi enfrentado por outras
sociedades);

3. dialoga-se com o tempo por meio das fontes (utiliza-se o livro didá tico, mapas, imagens, mú sicas [...]);

4. utilizam-se instrumentos teó ricos e metodoló gicos (conceitos, formas de proceder);

5. constró i-se uma narrativa/interpretaçã o/aná lise (pede-se um texto, um debate, uma peça teatral,
uma redaçã o, uma prova).
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de (Coord.). Histó ria: ensino fundamental. Brasília, DF: Ministério da Educaçã o,
Secretaria de Educaçã o Básica, 2010. v. 21, p. 11. (Explorando o ensino).

Em outras palavras, seleciona-se o tema e transforma-o em problema por meio de um


conjunto de questõ es. Estuda-se, entã o, o passado para entrar em contato com as
experiências dos seres humanos de outros tempos no enfrentamento desse problema
e analisa-se o presente levando em consideraçã o esse conhecimento do passado. Esse
caminho sugerido pela historiadora citada foi o que nos esforçamos por realizar nesta
obra.

2.2. A nova concepção de documento


Na visã o positivista da Histó ria, o documento era visto, sobretudo, como prova do real.
Aplicada ao livro escolar, essa forma de ver o documento assumia um cará ter
teleoló gico – o documento cumpria uma funçã o bem específica: ressaltar, exemplificar,
e, sobretudo, dar credibilidade à argumentaçã o desenvolvida pelo autor. Na sala de
aula isso se reproduzia: o documento servia para exemplificar, destacar e,
principalmente, confirmar a fala do professor durante a exposiçã o.

Com a Escola dos Annales, fundada pelos historiadores franceses Lucien Fèbvre e Marc
Bloch, adveio uma nova concepçã o de documento que nasceu da certeza de que o
passado nã o pode ser recuperado tal como aconteceu e que a sua investigaçã o só pode
ser feita a partir de problemas colocados pelo presente. Essa nova corrente
historiográ fica, que se formou a partir da crítica ao positivismo, propô s um nú mero
tã o grande e significativo de inovaçõ es que o historiador Peter Burke referiu-se a essa
corrente como “a Revoluçã o Francesa da historiografia”.

Contrapondo-se à escola positivista, tributária do pensamento do filó sofo alemã o


Leopold von Ranke, que via o documento como prova do real e capaz de falar por si
mesmo, a Escola dos Annales propunha uma ampliaçã o e um novo tratamento a ser
dado ao documento. Eis o que diz Jacques Le Goff, um dos teó ricos da Nova Histó ria:

A Histó ria Nova ampliou o campo do documento histó rico; ela substituiu a histó ria de Langlois e
Seignobos2, fundada essencialmente nos textos, no documento escrito, por uma histó ria baseada

Pá gina 301

numa multiplicidade de documentos figurados, produtos de escavaçõ es arqueoló gicas, documentos


orais etc.

Uma estatística, uma curva de preços, uma fotografia, um filme, ou para um passado mais distante,
um pó len fó ssil, uma ferramenta, um ex-voto sã o, para a Histó ria Nova, documentos de primeira ordem
[...].

LE GOFF, Jacques. In: MARTINS, Ronaldo Marcos. Cuidado de si e educaçã o matemá tica: perspectivas, reflexõ es e
práticas de atores sociais (1925-1945). Rio Claro: Unesp, 2007. p. 23. (Tese de doutorado).

2
2 Nomes dos historiadores franceses por meio dos quais a história metódica, mais conhecida como positivista, chegou ao

seu auge na segunda metade do século XIX.


Mas, se por um lado é consensual entre os historiadores que estamos vivendo uma
“revoluçã o documental”, por outro a reflexã o sobre o uso de documentos em sala de
aula merece, a nosso ver, uma maior atençã o. Com base nas reflexõ es daqueles que
pensaram sobre o assunto e na nossa experiência docente, recomendamos que, ao
trabalhar com documentos na sala de aula, o professor procure:

a) evitar ver o documento como “prova do real”, procurando situá -lo como ponto de
partida para se construírem aproximaçõ es em torno do episó dio focalizado;

b) ultrapassar a descriçã o pura e simples do documento e apresentá -lo aos alunos


como matéria-prima de que se servem os historiadores na sua incessante pesquisa;

c) considerar que um documento nã o fala por si mesmo. É necessá rio levantar


questõ es sobre ele e a partir dele. Um documento sobre o qual nã o se sabe por quem,
para que e quando foi escrito é como uma fotografia sem crédito ou legenda: nã o tem
serventia para o historiador;

d) levar em conta que todo documento é um objeto material e, ao mesmo tempo,


portador de um conteú do;

e) considerar que nã o há conhecimento neutro: um documento tem sempre um ou


mais autores e ele(s) tem(têm) uma posiçã o que é necessá rio que se saiba identificar.
Visto por esse â ngulo, o trabalho com documentos tem pelo menos três utilidades:

»» facilita ao professor o desempenho de seu papel de mediador. A sala de aula deixa


de ser o espaço onde se ouvem apenas as vozes do professor e a do autor do livro
didá tico (tido muitas vezes como narrador onisciente, que tudo sabe e tudo vê) para
ser o lugar onde ecoam mú ltiplas vozes, incluindo-se aí as vozes de pessoas que
presenciaram os fatos focalizados;

»» possibilita ao aluno desenvolver um olhar crítico e aperfeiçoar-se como leitor e


produtor de textos histó ricos;

»» diminui a distâ ncia entre o conhecimento acadêmico e o saber escolar, uma vez que
os alunos sã o convidados a se iniciarem na crítica e contextualizaçã o dos documentos,
procedimento importante para a educaçã o histó rica.

2.2.1. Orientações para a pesquisa na internet


Se a utilidade da internet é consenso entre os educadores, os procedimentos para seu
uso têm sido alvo de acalorados debates.

Uma das questõ es que mais têm preocupado os educadores é que, se, por um lado, a
internet facilita o acesso a um amplo leque de textos e imagens, por outro, pode criar o
há bito de buscar o “trabalho pronto”, usando o famoso copiar/colar/imprimir, ou seja,
encerrando a pesquisa naquele que deveria ser o seu primeiro passo. No que tange ao
nosso campo de atuaçã o, e considerando que a internet tem sido uma ferramenta
muito utilizada no processo de ensino-aprendizagem, sugerimos alguns
procedimentos que podem nos ajudar a pensar sobre o seu uso na educaçã o histó rica:
a) Definir previamente os objetivos da pesquisa e solicitar que o aluno, enquanto
estiver pesquisando, nã o desvie a atençã o da proposta inicial entrando em redes
sociais, em salas de bate-papo, locais para ouvir mú sica ou jogar.

b) Encorajar a problematizaçã o dos materiais encontrados na internet. Depois de


localizar os sites ou vídeos que tratam de um mesmo assunto ou tema, estimular o
aluno a questionar as fontes em que esses materiais se apoiam; identificar as
ausências de informaçõ es significativas sobre o assunto; confirmar a veracidade

Pá gina 302

das informaçõ es veiculadas; e, por fim, estimular o posicionamento crítico diante das
informaçõ es e aná lises ali disponíveis.

c) Sugerir ao aluno que relacione os sites ou vídeos encontrados a outros materiais


sugeridos em aula. Isso facilita a percepçã o de que um tema histó rico pode ser mais
bem compreendido se recorrermos a diferentes fontes e à crítica destas.

d) Alertar o aluno para o fato de que nem tudo o que está na internet é verdade e que
as homepages sã o muitas vezes pouco consistentes. Por isso, a indicaçã o do tema deve
vir acompanhada de perguntas que incentivem o aluno a investigar.

e) Incentivar o aluno a trocar informaçõ es com colegas de outras escolas do Brasil


e/ou de outros países via internet. Por meio dela, o aluno pode também entrar em
contato com autores, ó rgã os governamentais, instituiçõ es, sites de professores, enfim,
trocar informaçõ es significativas, textuais e visuais.

f) Utilizar diferentes sites de busca.

Com esses cuidados, a pesquisa na internet pode ajudar os educandos a


desenvolverem competências e habilidades que lhes permitem apreender as várias
duraçõ es temporais nas quais os diferentes atores sociais desenvolveram ou
desenvolvem suas açõ es, condiçã o bá sica para que sejam identificadas
semelhanças/diferenças, mudanças/permanências e dominaçã o/resistência existentes
no processo histó rico.

2.3. O trabalho com imagens


Até o final dos anos 1960, as imagens dos livros didá ticos eram pequenas e em preto e
branco. De lá para cá foram ganhando cores e ocupando um espaço cada vez maior na
obra didá tica e, hoje, parecem concorrer, cada vez mais, com o espaço ocupado pelo
texto. Esse fato nã o passou despercebido pelo professor que, reconhecendo o potencial
pedagó gico das imagens, passou a utilizá -las com mais frequência na sala de aula.

2.3.1. Trabalho com imagens fixas


Ao se decidir pelo uso de imagens fixas na sala de aula, o professor deve levar em
conta que essa prá tica pedagó gica requer vários cuidados, alguns dos quais listaremos
a seguir.

• A imagem é polissêmica

Misto de arte e ciência, técnica e cultura, a imagem é polissêmica. Até um simples


retrato admite vá rias interpretaçõ es. Exemplo disso é ver um á lbum de fotografias em
família: uma foto que desperta alegria ou satisfaçã o nos avó s pode ser causa de
inibiçã o ou vergonha para os netos.

Outro exemplo: Mona Lisa, certamente o quadro mais conhecido do mundo, pode ser
tomado como exemplo dessa característica da imagem. Já se afirmou que, se
estivermos melancó licos, temos tendência a ver, no sorriso enigmá tico da personagem
retratada, melancolia; se estivermos alegres, ela nos parecerá contente. Ou seja, ela
expressa os nossos sentimentos no momento em que a vemos.

Leonardo da Vinci. c. 1503-1505. Painel a ó leo. Museu do Louvre, Paris

Mona Lisa, c. 1503-1505.

Pá gina 303

• A imagem é uma representação do real

De natureza polissêmica, a imagem é uma representaçã o do real e nã o a sua


reproduçã o. Sobre isso relata o historiador Pierre Villar que certa vez perguntou a
seus alunos: “O que é Guernica?”. Eles lhe responderam imediatamente: “Guernica é
um quadro!”. Daí comenta o arguto historiador:

Efetivamente, [...] Guernica – no espírito de muita gente que nã o tem mais o cuidado de saber exatamente
de onde isto surgiu – é um quadro de Picasso. [...] Guernica tornou-se a representaçã o de um fato preciso.
O fato preciso está esquecido, a representaçã o continua.
VILLAR, Pierre. In: D’ALESSIO, Marcia Mansor et al. (Org.). Reflexõ es sobre o saber histó rico. Sã o Paulo: Unesp, 1998.
p. 30. (Prismas).

O fato preciso a que Pierre Villar está se referindo é, como se sabe, o bombardeio da
pequenina cidade espanhola de Guernica pela aviaçã o nazista, a mando de Hitler,
durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). O fato, o bombardeio, ocorrido em 26
de abril de 1937, foi esquecido; a representaçã o produzida por Picasso, um ó leo sobre
tela, com o nome de Guernica, permaneceu marcando geraçõ es.

Nã o é demais repetir: quando o professor perguntou: “O que é Guernica?”, os alunos


responderam: “Guernica é um quadro!”.

• A imagem possui um efeito de realidade

O que torna mais escorregadio o terreno para quem se decide pelo uso de imagens em
sala de aula é justamente o fato de a imagem possuir um efeito de realidade, ou seja, a
capacidade de se parecer com a pró pria realidade.

Se apresentarmos aos alunos a imagem de Dom Pedro I, de barba escura, e a de Dom


Pedro II, de barba branca, e perguntarmos qual deles é o pai e qual é o filho, muitos
dirã o, provavelmente, que Dom Pedro I é que é o filho de Dom Pedro II.

Pedro Amé rico. D. Pedro II na abertura da Assembleia Geral, 1872. Ó leo sobre tela. Museu Imperial, Petró polis

D. Pedro II.

S. R. de Sá . Retrato de D. Pedro I, 1826. Ó leo sobre tela. Museu Imperial, Petró polis

D. Pedro I.
Sobre a construçã o das imagens de Dom Pedro I, como jovem, e de Dom Pedro II, como
velho, observou uma estudiosa:

A ilustraçã o do pai jovem e do filho velho tem causado uma certa perplexidade aos jovens leitores e falta
a explicaçã o do aparente paradoxo. A imagem de um Dom Pedro II velho foi construída no período pó s-
moná rquico e demonstra a intençã o dos republicanos em explicar a queda de uma monarquia
envelhecida que nã o teria continuidade. É interessante destacar a permanência dessas ilustraçõ es na
produçã o atual dos manuais, reforçando uma interpretaçã o utilizada pelos republicanos no início do
século XX, mesmo depois de variadas pesquisas e publicaçõ es historiográ ficas sobre os conflitos e
tensõ es do período.

BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histó rico na sala de aula. 2. ed. Sã o Paulo: Contexto, 1998. p. 80. (Repensando o
ensino).

Pá gina 304

• Ver não é sinônimo de conhecer

Vivemos em um tempo em que se busca reduzir o acontecimento à sua imagem, em


vez de explicá -lo e contextualizá -lo historicamente, isto é, em uma época em que
querem nos fazer crer que ver é sinô nimo de conhecer.

No entanto, é preciso que se repita à exaustã o: “eu vi” não significa “eu conheço”.
Assim, ver no noticiá rio televisivo um episó dio do conflito no Oriente Médio nã o
significa conhecer aquele conflito, seus motivos, seu contexto, o teatro de operaçõ es
etc.

Os historiadores se deparam hoje com este fenô meno histó rico inusitado: a transformaçã o do
acontecimento em imagem. [...] Nã o se busca mais tornar politicamente inteligíveis uma situaçã o ou um
acontecimento, mas apenas mostrar sua imagem. Conhecer se reduz a ver ou, mais ainda, a “pegar no ar”,
já que a mensagem da mídia é efêmera. [...]

BITTENCOURT, Circe. O saber histó rico na sala de aula. Sã o Paulo: Contexto, 1998. p. 122. (Repensando o ensino).

Um equívoco recorrente quando o assunto é imagem é a afirmaçã o de que a imagem


fala por si mesma. Como lembrou uma ensaísta:

É ilusó rio pensar-se que as imagens se comuniquem imediata e diretamente ao observador, levando
sempre vantagem à palavra, pela imposiçã o clara de um conteú do explícito. Na maioria das vezes, ao
contrá rio, se calam em segredo, apó s a manifestaçã o do mais ó bvio: por vezes, [...] em seu isolamento, se
retraem à comunicaçã o, exigindo a contextualizaçã o, ú nica via de acesso seguro ao que possam significar.
Por outro lado, sã o difíceis de se deixarem traduzir num có digo diverso como o da linguagem verbal.

LEITE, Miriam Moreira. Retratos de família: leitura da fotografia histó rica. Sã o Paulo: Edusp, 1993. v. 9, p. 12. (Texto
& arte).

De fato, a imagem é captada pelo olho, mas traduzida pela palavra. Tomá -la como fonte
para o conhecimento da Histó ria envolve vê-la como uma representaçã o, uma
estratégia, uma linguagem com sintaxe pró pria. Para obter as informaçõ es a partir
dela é indispensá vel desnaturalizá -la e contextualizá -la, interrogando-a com perguntas
tais como: por quê, por quem, em que contexto e com que intençã o foi produzida.
É indispensá vel, enfim, perceber que a imagem nã o reproduz o real. Ela congela um
instante do real, “organizando-o” de acordo com uma determinada estética e visã o de
mundo.

• Imagens fixas na sala de aula

O trabalho com imagens pode ajudar no desenvolvimento da competência de ler e


escrever a partir do registro visual, bem como estimular as habilidades de observar,
descrever, sintetizar, relacionar, entre outras. Além disso, contribui decisivamente
para a “educaçã o do olhar”, para usar uma expressã o cara aos estudiosos da Histó ria
da Arte.

O trabalho com imagens pode ser feito:

a) no início de um bloco de conteúdos, para introduzir um assunto e estimular o


interesse do aluno. Por exemplo, pode-se usar uma imagem atual que evoque a Guerra
dos Farrapos para falar da memó ria construída em torno daquele episó dio e
evidenciar os laços que unem o passado ao presente;

Arivaldo Chaves/Zero Hora/Agê ncia RBS

Painel de Danú bio Gonçalves em homenagem à cavalaria e ao líder farroupilha, Bento Gonçalves,
figuras decisivas do movimento que agitou o Sul do Brasil no século XIX. A cavalaria foi a principal
arma dessa luta. O painel encontra-se em Porto Alegre.

Pá gina 305

b) durante a exposição dialogada, como forma de elucidar um aspecto do conteú do.


No caso da prá tica do contrabando/desvio nas Minas Gerais do século XVIII, por
exemplo, as imagens ilustram um dos recursos usados pela populaçã o para burlar o
fisco, fazendo o ouro e os diamantes passarem pelas autoridades;
Museu da Inconfidê ncia, Ouro Preto. Fotos: Rô mulo Fialdini/Tempo Composto

O ouro e os diamantes passavam pelas autoridades no interior de está tuas ocas de santos feitas de
madeira. Daí a expressã o “santinho do pau oco”: pessoa que tem aparência de santo, mas nã o é
confiá vel.

c) no início e no final de um bloco de conteúdos. Um exemplo é a imagem intitulada


Histó ria de um governo, do chargista Belmonte. No início, pode ser utilizada para
provocar o aluno a falar sobre o que ele sabe ou imagina saber sobre o personagem e
sobre a relaçã o entre a expressã o fisionô mica deste em cada um dos quadrinhos e as
datas que aparecem neles. No final, pode ser usada para cotejar as hipó teses
levantadas inicialmente pelo aluno com o conhecimento construído durante o estudo
do tema.

Belmonte. Folha da Manhã . 1937/Folhapress

Charge de Belmonte, Histó ria de um governo, na qual aparecem diversas caricaturas de Vargas.

Com base nas reflexõ es de alguns estudiosos e na nossa experiência didá tica, e cientes
de que essa tarefa nã o é das mais fáceis, propomos a seguir alguns procedimentos
para introduzir a leitura de imagens fixas na sala de aula.

Passo 1. Apresentar aos alunos uma imagem (fotografia, pintura, gravura, caricatura
etc.) sem qualquer legenda ou crédito. A seguir, pedir que eles observem a imagem e
descrevam livremente o que estã o vendo, antes de fornecer qualquer informaçã o. A
intençã o é permitir que eles associem o que estã o vendo à s informaçõ es que já
possuem, levando em conta, portanto, seus conhecimentos prévios. Nessa leitura
inicial, os alunos sã o estimulados a identificar o tema, os personagens, suas açõ es,
posturas, vestimentas, calçados e adornos, os objetos presentes na cena e suas
características, o que está em primeiro plano e ao fundo, se é uma cena cotidiana ou
rara. Enfim, estimular nos alunos o senso de observaçã o e a capacidade de levantar
hipó teses e traçar comparaçõ es.

Passo 2. Buscar com os alunos o máximo de informaçõ es internas e externas à


imagem. Para obter as informaçõ es internas, fazer perguntas como: “O que é isto?”;
“Para que serve?”; “Do que é feito?” (levando em conta que o que está sendo
representado é um objeto). Com relaçã o à s informaçõ es externas, fazer perguntas
como: “Quem fez esse objeto?”; “Quando ele foi feito?”; “Para que ele foi feito?”; “Em
que contexto ele foi feito?”.

Passo 3. De posse das informaçõ es obtidas na pesquisa, pedir aos alunos que
produzam uma legenda para a imagem em foco. Comentar com eles que a legenda
pode ser predominantemente descritiva, analítica e/ou conter um comentá rio

Pá gina 306

sobre a relaçã o entre a imagem e o texto.

Ao comentar as legendas produzidas pelos alunos, lembrar que o que estã o vendo é
uma representaçã o do real e nã o sua reproduçã o. Evidentemente, essa proposta de
trabalho é apenas uma entre vá rias possibilidades. Experimentamos esses
procedimentos em sala de aula e eles se mostraram viá veis.

Por fim, dizer que se, diariamente, uma grande quantidade de imagens é posta diante
dos olhos dos alunos numa velocidade crescente, sua transformaçã o em fonte para o
conhecimento da Histó ria pode, com certeza, ajudar o leitor a ganhar autonomia e
capacidade crítica: um leitor capaz de perceber que a imagem nã o reproduz o real, ela
congela um instante do real, “organizando-o” de acordo com uma determinada estética
e visã o de mundo; um leitor capaz de olhar criticamente as imagens dos meios de
comunicaçã o, ciente de que a imagem efêmera que a mídia está veiculando como
verdadeira pode ser – e quase sempre é – a imagem preferida, a que ela escolheu
mostrar!

2.3.2. Trabalho com imagens em movimento (o cinema na


sala de aula)
Ao se decidir pelo uso de filmes ou vídeos em sala de aula, o professor deve levar em
conta que o cinema é um misto de arte e técnica, um artefato construído para agradar
e vender, que envolve equipes numerosas e altos custos de produçã o. Seu
compromisso, muitas vezes, é com o espetá culo e nã o com a verdade. O ritmo com que
as imagens se sucedem, e tudo o mais, é cuidadosamente pensado com esse fim. Mas o
cinema é também um produto do modo como a sociedade se vê, além de uma
expressã o cultural e uma forma de lazer e de informaçã o universal, cotidianamente
consumida.

• O cinema serve ao professor de História?


Sim, certamente, mas de uma maneira muito peculiar. Daí a necessidade de tomarmos
alguns cuidados ao utilizá -lo.

Primeiramente, é preciso levar em conta que toda imagem cinematográ fica é


testemunho de uma presença: a da câ mera e a da equipe que realizou a filmagem. O
que vemos na tela é um registro fotomecâ nico, reproduzido por um projetor. Essa
evidência geralmente nã o é percebida pelo espectador comum, ou simplesmente nã o
interessa a ele, que busca no filme diversã o e emoçã o por algumas horas ou minutos.
Já o professor de Histó ria vê o mesmo filme com outros olhos, pois o que pretende é
tratar o cinema como uma das fontes para o seu trabalho de construçã o/reconstruçã o
da Histó ria.

Todo filme, seja ele ficcional ou documental, é uma fonte a ser considerada pelo
historiador, pois o que se vê na tela é um tipo de registro do que aconteceu em algum
lugar, em algum momento.

No gênero ficcional, temos o registro de atores, figurinos, cená rios, luzes etc., filmados
numa ordem diversa da que vemos na tela. A ordenaçã o das sequências é arranjada
depois, no momento da montagem. No filme documental, a câ mera registra imagens
selecionadas pelo documentarista, previamente ou no calor da hora. Depois de
revelados os negativos, o realizador monta-os, corta o que nã o lhe agrada, coloca-os
em uma determinada ordem, dá -lhes certo ritmo, insere trechos de outros filmes,
depoimentos etc. A isso se chama editar. Se ele nã o age assim, nã o temos filme, mas o
que os profissionais chamam de “material bruto”, algo parecido com um automó vel
inteiramente desmontado que nã o serve a nenhum motorista.

O documentá rio editado expressa a visã o de um indivíduo ou grupo que quer nos
convencer da versã o que arrumou para mostrar na tela (ou no vídeo). Por exemplo, o
que Silvio Tendler quis, segundo ele mesmo disse, com o documentá rio Jango (1984)
foi “mostrar a necessidade de justiça social no país”, por meio do resgate da figura do
ex-presidente Joã o Goulart.

Isso é ruim? De forma alguma. A consciência disso é que permite ao professor desvelar
o que pode estar oculto, subentendido, enfim, o tipo particular de registro que
qualquer filme é, seja ele documental ou ficcional. Ao fazer uso do filme ficcional,
sugerimos lembrar aos alunos que se está diante de uma versã o, de uma
representaçã o, e nã o dos fatos histó ricos tal como eles ocorreram.

Pá gina 307

Mas nem por isso a ficçã o “de época” deve ser tratada como uma mentira
inconsequente, interesseira. Ela é uma narrativa que procura transformar em imagens
verossímeis o acontecido, ou imaginar como pode ter acontecido, servindo-se dos
meios disponíveis na ocasiã o em que o filme foi realizado. Assim, desqualificar um
filme porque nã o apresenta a “verdade” é uma ingenuidade. Ora, o que é uma verdade
acabada do ponto de vista histó rico?
Geralmente, o filme histó rico revela mais sobre a época em que foi feito do que sobre a
época que pretendeu retratar. Um exemplo: Danton, o processo da Revoluçã o (1983),
de Andrzej Wajda, é um filme sobre a Revoluçã o Francesa de 1789, mas a obra que
Wajda realiza é mais uma crítica ao autoritarismo e ao clima de medo vivido na
Polô nia dos anos de 1980 (lugar e tempo em que o diretor viveu) do que uma
narrativa sobre o episó dio vivido pelos franceses em 1789 (época em que o filme foi
ambientado).

• Alguns outros cuidados com o uso de filmes

O uso de filmes na sala de aula exige:

a) Muitas horas de preparo. Decidindo por um filme, o professor deve assistir a ele
pelo menos duas vezes. Na segunda, deve marcar, com muita atençã o, as principais
sequências, cenas e planos, para saber repeti-los no momento adequado da aula,
comentando-os.

b) Clareza da parte do professor sobre a época em que o filme foi realizado, os


objetivos dos responsá veis por sua realizaçã o, sua inserçã o como produto de cultura
entre outros do mesmo período. Chamando a atençã o para essas informaçõ es, o
professor está estimulando o aluno a ver os filmes com outros olhos.

c) Consciência de que o filme ficcional se comunica por meio de procedimentos


artísticos. O educador deve libertar-se de um costume muito presente na atividade
didá tica que é o de tratar o romance, a poesia, a pintura e mesmo o cinema como mero
suporte de um conteú do. Caso contrá rio, o espectador ficará preso apenas ao enredo e
nã o prestará atençã o à forma como este lhe foi apresentado.

d) Percepçã o de que o sentido de um filme narrativo está no modo como ele conta a
histó ria, seu ritmo, a duraçã o e a sucessã o dos planos, o posicionamento da câ mera, o
tipo de luz e de fotografia escolhidos, o uso ou nã o da mú sica, o estilo de interpretaçã o
dos atores, e assim por diante. Tudo isso muito bem amarrado é que nos dá a
significaçã o e o prazer de um bom filme. Um bom livro nã o se transforma
necessariamente em um bom filme.

Concluindo, cada forma de arte possui procedimentos e linguagem específicos. Por


isso, o educador que faz uso do cinema e de outros recursos audiovisuais deve levar
em conta todos esses aspectos. Somente assim o cinema pode ser aproveitado
duplamente: como arte espetacular e como fonte para o conhecimento da Histó ria.

Sugestões de leitura sobre o uso de imagens


BITTENCOURT, Circe. Experiências e representaçõ es sociais: reflexõ es sobre o uso e o
consumo das imagens. In: ________ (Org.). O saber histórico na sala de aula. 2. ed. Sã o
Paulo: Contexto, 1998.

BITTENCOURT, Circe. Livros didá ticos entre textos e imagens. In: ________ (Org.). O
saber histórico na sala de aula. 2. ed. Sã o Paulo: Contexto, 1998.

BORGES, Maria Eliza Linhares. História & fotografia. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
CARNEIRO, M. Luiza Tucci; KOSSOY, Boris. O olhar europeu: o negro na iconografia
brasileira do século XIX. Sã o Paulo: Edusp, 1994.

D’ALESSIO, Má rcia Mansor (Org.). Reflexões sobre o saber histórico. Sã o Paulo: Unesp,
1998.

GAULUPEAU, Yves. Les manuels par l’image: pour une approche sérielle des contenus.
Histoire de l’Education, Paris: INRP, n. 58, maio de 1993.

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Trad. Marina Appenzeller. Campinas:


Papirus, 1996. (Ofício de arte e forma).

KOSSOY, Boris. Fotografia e história. Sã o Paulo: Á tica, 1989. (Princípios).

LEITE, Miriam Moreira. Retratos de família: leitura da fotografia histó rica. Sã o Paulo:
Edusp, 1993.

NAVES, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre a arte brasileira. 2. ed. Sã o Paulo: Á tica,
2001.

SALIBA, Elias Thomé. As imagens canônicas e o ensino de História. 1998. Mimeografado.


Texto preparado para a mesa-redonda “Linguagens e ensino de histó ria”, no III
Encontro Perspectivas do Ensino de Histó ria. Curitiba: UFPR, 1998.

Pá gina 308

2.3.3. O uso do vídeo na sala de aula


Ao longo da obra sugerimos links por meio dos quais o aluno poderá acessar vídeos
que ampliam e/ou aprofundam o assunto estudado, e servem, por isso, como uma das
fontes para a construçã o do conhecimento histó rico escolar. Cada vídeo vem
acompanhado de um pequeno comentá rio sobre o assunto nele tratado e da
informaçã o sobre a sua duraçã o. O texto que apresentamos a seguir, de José Manuel
Moran, pode colaborar para um uso consciente de vídeos e um melhor aproveitamento
do potencial pedagó gico desses materiais; vejamos o que ele diz:

O vídeo está umbilicalmente ligado à televisã o e a um contexto de lazer, e entretenimento, que passa
imperceptivelmente para a sala de aula. Vídeo, na cabeça dos alunos, significa descanso e nã o “aula”, o
que modifica a postura, as expectativas em relaçã o ao seu uso. Precisamos aproveitar essa expectativa
positiva para atrair o aluno para os assuntos do nosso planejamento pedagó gico. Mas ao mesmo tempo,
saber que necessitamos prestar atençã o para estabelecer novas pontes entre o vídeo e as outras
dinâ micas da aula.

[...]

Linguagens da TV e do vídeo
[...]
O vídeo explora também e, basicamente, o ver, o visualizar, o ter diante de nó s as situaçõ es, as pessoas,
os cená rios, as cores, as relaçõ es espaciais (pró ximo-distante, alto-baixo, direita-esquerda, grande-
pequeno, equilíbrio-desequilíbrio). Desenvolve um ver entrecortado – com mú ltiplos recortes da
realidade – através dos planos – e muitos ritmos visuais: imagens está ticas e dinâ micas, câ mera fixa ou
em movimento, uma ou vá rias câ meras, personagens quietos ou movendo-se, imagens ao vivo, gravadas
ou criadas no computador. Um ver que está situado no presente, mas que o interliga [...] com o passado e
com o futuro. [...]. A fala aproxima o vídeo do cotidiano, de como as pessoas se comunicam
habitualmente. Os diá logos expressam a fala coloquial, enquanto o narrador (normalmente em off)
“costura” as cenas, as outras falas, dentro da norma culta, orientando a significaçã o do conjunto. A
narraçã o falada ancora todo o processo de significaçã o.

[...] O vídeo é sensorial, visual, linguagem falada, linguagem musical e escrita. Linguagens que interagem
superpostas, interligadas, somadas, nã o separadas. Daí a sua força. Atingem-nos por todos os sentidos e
de todas as maneiras. O vídeo nos seduz, informa, entretém, projeta em outras realidades (no
imaginá rio) em outros tempos e espaços. O vídeo combina a comunicaçã o sensorial-cenestésica, com a
audiovisual, a intuiçã o com a ló gica, a emoçã o com a razã o. [...]

TV e vídeo encontraram a fó rmula de comunicar-se com a maioria das pessoas, tanto crianças como
adultas. O ritmo torna-se cada vez mais alucinante (por exemplo, nos videoclipes).

[...]

As linguagens da TV e do vídeo respondem à sensibilidade dos jovens e da grande maioria da populaçã o


adulta. Sã o dinâ micas, dirigem-se antes à afetividade do que à razã o. [...]

A linguagem audiovisual desenvolve mú ltiplas atitudes perceptivas: solicita constantemente a


imaginaçã o e reinveste a afetividade com um papel de mediaçã o primordial no mundo, enquanto que a
linguagem escrita desenvolve mais o rigor, a organizaçã o, a abstraçã o e a aná lise ló gica.

Usos inadequados em aula


Vídeo-tapa buraco: colocar vídeo quando há um problema inesperado, como ausência do professor.
Usar este expediente eventualmente pode ser ú til, mas se for feito com frequência, desvaloriza o uso do
vídeo e o associa – na cabeça do aluno – a nã o ter aula.

Pá gina 309

Vídeo-enrolação: exibir um vídeo sem muita ligaçã o com a matéria. O aluno percebe que o vídeo é
usado como forma de camuflar a aula. Pode concordar na hora, mas discorda do seu mau uso.

Vídeo-deslumbramento: o professor que acaba de descobrir o uso do vídeo costuma empolgar-se e


passa vídeo em todas as aulas, esquecendo outras dinâ micas mais pertinentes. O uso exagerado do vídeo
diminui a sua eficá cia e empobrece as aulas.

Vídeo-perfeição: existem professores que questionam todos os vídeos possíveis porque possuem
defeitos de informaçã o ou estéticos. Os vídeos que apresentam conceitos problemá ticos podem ser
usados para descobri-los, junto com os alunos, e questioná -los.

Só vídeo: nã o é satisfató rio didaticamente exibir o vídeo sem discuti-lo, sem integrá -lo com o assunto de
aula, sem voltar e mostrar alguns momentos mais importantes.

Propostas de utilização
Vídeo como sensibilização

É , do meu ponto de vista, o uso mais importante na escola. Um bom vídeo é interessantíssimo para
introduzir um novo assunto, para despertar a curiosidade, a motivaçã o para novos temas. Isso facilitará
o desejo de pesquisa nos alunos para aprofundar o assunto do vídeo e da matéria.

Vídeo como ilustração

O vídeo muitas vezes ajuda a mostrar o que se fala em aula, a compor cená rios desconhecidos dos alunos.
Por exemplo, um vídeo que exemplifica como eram os romanos na época de Jú lio César ou Nero, mesmo
que nã o seja totalmente fiel, ajuda a situar os alunos no tempo histó rico. Um vídeo traz para a sala de
aula realidades distantes dos alunos, como por exemplo, a Amazô nia ou a Á frica. A vida se aproxima da
escola através do vídeo.

[...]

Vídeo como conteúdo de ensino

Vídeo que mostra determinado assunto, de forma direta ou indireta. De forma direta, quando informa
sobre um tema específico orientando a sua interpretaçã o. De forma indireta, quando mostra um tema,
permitindo abordagens mú ltiplas, interdisciplinares.

[...]

Dinâmicas de análise

Análise em conjunto

O professor exibe as cenas mais importantes e as comenta junto com os alunos, a partir do que estes
destacam ou perguntam. É uma conversa sobre o vídeo, com o professor como moderador.

[...]

Análise globalizante

Fazer, depois da exibiçã o, estas quatro perguntas:

»» Aspectos positivos do vídeo

»» Aspectos negativos

»» Ideias principais [...]

»» O que vocês mudariam neste vídeo?

Pá gina 310

Se houver tempo, essas perguntas serã o respondidas primeiro em grupos menores e depois
relatadas/escritas no plená rio. O professor e os alunos destacam as coincidências e divergências. O
professor faz a síntese final, devolvendo ao grupo as leituras predominantes (onde se expressam valores,
que mostram como o grupo é).

[...]

Análise da linguagem

[...]

»» Como é contada essa histó ria

»» O que lhe chamou a atençã o visualmente

»» O que destacaria nos diá logos e na mú sica

»» Que ideias passa [...] o programa (o que diz [...] esta histó ria)

»» O que contam e representam os personagens

»» Modelo de sociedade apresentado

»» Ideologia do programa

»» Mensagens nã o questionadas (pressupostos ou hipó teses aceitos de antemã o, sem discussã o)

»» Valores afirmados e negados pelo programa (como sã o apresentados a justiça, o trabalho, o amor, o
mundo)

»» Como cada participante julga esses valores (concordâ ncias e discordâ ncias nos sistemas de valores
envolvidos). A partir de onde cada um de nó s julga a histó ria.

Completar o vídeo

»» Exibe-se um vídeo até um determinado ponto.

»» Os alunos desenvolvem, em grupos, um final pró prio e justificam o porquê da escolha.

»» Exibe-se o final do vídeo.

»» Comparam-se os finais propostos e o professor manifesta também a sua opiniã o.


[...]

MORAN, José Manuel. O vídeo na sala de aula. Comunicaçã o & Educaçã o, Sã o Paulo: ECA-Moderna, p. 27-35, jan./abr.
de 1995.

Bibliografia complementar
BABIN, Pierre; KOPULOUMDJIAN, Marie-France. Os novos modos de compreender : a
geraçã o do audiovisual e do computador. Sã o Paulo: Paulinas, 1989.
FERRÉ S, Joan. Vídeo e educação. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

FERRÉ S, Joan. Televisão e educação. Sã o Paulo: Artes Médicas, 1996.

MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. Sã o Paulo: Brasiliense, 1988.

MORAN, José Manuel. Mudanças na comunicação pessoal. 2. ed. Sã o Paulo: Paulinas,


2000.

MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos; BEHRENS, Marilda. Novas tecnologias e


mediação pedagógica. 7. ed. Campinas: Papirus, 2003.

PENTEADO, Heloisa Dupas. Televisão e escola: conflito ou cooperaçã o? Sã o Paulo:


Cortez, 1991.

Pá gina 311

2.4. Um novo paradigma


A Revoluçã o Técnico-Científica-Informacional, iniciada nos anos 1970, repercutiu
fortemente em todos os campos da experiência humana e se propagou rapidamente
por diversas partes do mundo. No campo das comunicaçõ es, a informaçã o transmitida
em tempo real e a multiplicaçã o dos meios para acessá -la colocaram novos problemas
para a escola e exigiram novas respostas dos educadores.

Paralelamente a isso, o Brasil viveu nas três ú ltimas décadas um processo de


redemocratizaçã o política, com intensa participaçã o dos professores e pesquisadores,
que propiciou a ampliaçã o dos debates e levou à quebra de paradigmas e à gestaçã o de
dezenas de novas propostas curriculares nas diversas á reas do conhecimento.

Nesse contexto, estudiosos da Histó ria e da Pedagogia passaram a questionar o ensino


centrado na “decoreba”; proclamaram a necessidade de socializar o currículo e avaliar
a aprendizagem e nã o o ensino oferecido. O professor, por sua vez, deixou de ser visto
como detentor de um saber inquestioná vel e assumiu o papel de mediador na relaçã o
entre o aluno e o conhecimento em construçã o. Essa mudança de paradigma se refletiu
em uma nova visã o de educaçã o, presente hoje tanto na literatura quanto na
legislaçã o. A Lei de Diretrizes e Bases de 20 de dezembro de 1996, por exemplo,
estabeleceu como finalidade da educaçã o:

Art. 2º [...] o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificaçã o para o trabalho.

BRASIL. Presidência da Repú blica. Casa Civil. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, DF, dez. 1996.
Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 9 jun. 2016.

E como finalidades do Ensino Médio:

Art. 35 [...]
I – a consolidaçã o e o aprofundamento dos conhecimentos [...];

II – a preparaçã o bá sica para o trabalho e a cidadania [...];

III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formaçã o ética e o


desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV – a compreensã o dos fundamentos científico-tecnoló gicos dos processos produtivos [...].

BRASIL. Presidência da Repú blica. Casa Civil. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, DF, dez. 1996.
Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 9 jun. 2016.

Com base nessa nova perspectiva, concluiu-se que, para capacitar os jovens para o
enfrentamento de um mundo que muda constantemente e de modo acelerado, é
necessá rio estimulá -los a desenvolver um conjunto variado de competências e
habilidades. Segundo o soció logo suíço Philippe Perrenoud:

Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades,


informaçõ es etc.) para solucionar com pertinência e eficá cia uma série de situaçõ es. Três exemplos:

»» Saber orientar-se em uma cidade desconhecida mobiliza as capacidades de ler um mapa, localizar-se,
pedir informaçõ es ou conselhos; e os seguintes saberes: ter noçã o de escala, elementos da topografia ou
referências geográ ficas.

»» Saber curar uma criança doente mobiliza as capacidades de observar sinais fisioló gicos, medir a
temperatura, administrar um medicamento; e os seguintes saberes: identificar patologias e sintomas,

Pá gina 312

primeiros socorros, terapias, os riscos, os remédios, os serviços médicos e farmacêuticos.

»» Saber votar de acordo com seus interesses mobiliza as capacidades de saber se informar, preencher a
cédula; e os seguintes saberes: instituiçõ es políticas, processo de eleiçã o, candidatos, partidos,
programas políticos, políticas democrá ticas etc.

GENTILE, Paola; BENCINI, Roberta. Construindo competências: entrevista com Philippe Perrenoud, Universidade de
Genebra. Nova Escola, set. 2000. Disponível em:
<www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/php_main/php_2000/2000_31.html>. Acesso em: 18 maio 2016.

Já o termo habilidade pode ser definido como a capacidade de realizar uma tarefa ou
um conjunto de tarefas necessá rias ao desenvolvimento de uma competência. Por
exemplo, para ser considerado competente como cirurgiã o, o indivíduo precisa ter
habilidades tais como diagnosticar, decidir, cortar, suturar e, mais recentemente,
manusear equipamentos de informá tica.

Parafraseando o professor Lino de Macedo, do Instituto de Psicologia da Universidade


de Sã o Paulo, podemos afirmar que competência é uma habilidade de ordem geral, já a
habilidade é uma competência de ordem específica.
2.4.1. Eixos cognitivos comuns a todas as áreas do
conhecimento
Na esteira dessas mudanças, as Diretrizes Nacionais do Ensino Médio (Parecer CEB
15/1998) definiram a organizaçã o dos saberes em três áreas de conhecimento:

»» Linguagens, Có digos e suas Tecnologias;

»» Ciências da Natureza, Matemá tica e suas Tecnologias;

»» Ciências Humanas e suas Tecnologias.

Cada uma das á reas de conhecimento apresenta um grupo de competências e


habilidades a serem desenvolvidas. A seguir, apresentamos os eixos cognitivos
comuns a todas as á reas e as competências e habilidades pertinentes à á rea de
Ciências Humanas e suas Tecnologias.

I – Dominar Linguagens (DL) – Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer


uso das linguagens matemá tica, artística e científica e das línguas espanhola e inglesa.

II – Compreender Fenômenos (CF) – Construir e aplicar conceitos das vá rias á reas


do conhecimento para a compreensã o de fenô menos naturais, de processos histó rico-
geográ ficos, da produçã o tecnoló gica e das manifestaçõ es artísticas.

III – Enfrentar Situações-Problema (SP) – Selecionar, organizar, relacionar,


interpretar dados e informaçõ es representados de diferentes formas para tomar
decisõ es e enfrentar situaçõ es-problema.

IV – Construir Argumentação (CA) – Relacionar informaçõ es, representadas em


diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situaçõ es concretas para construir
argumentaçã o consistente.

V – Elaborar Propostas (EP) – Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola


para elaboraçã o de propostas de intervençã o solidá ria na realidade, respeitando os
valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.

2.4.2. Matriz de referência de Ciências Humanas e suas


Tecnologias
»»Competência de área 1 – Compreender os elementos culturais que constituem as
identidades.

Habilidades

H 1 – Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de


aspectos da cultura.
Pá gina 313

H 2 – Analisar a produçã o da memó ria pelas sociedades humanas. H 3 – Associar as


manifestaçõ es culturais do presente aos seus processos histó ricos.

H 4 – Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado


aspecto da cultura.

H 5 – Identificar as manifestaçõ es ou representaçõ es da diversidade do patrimô nio


cultural e artístico em diferentes sociedades.

»» Competência de área 2 – Compreender as transformaçõ es dos espaços


geográ ficos como produto das relaçõ es socioeconô micas e culturais de poder.

Habilidades

H 6 – Interpretar diferentes representaçõ es grá ficas e cartográ ficas dos espaços


geográ ficos.

H 7 – Identificar os significados histó rico-geográ ficos das relaçõ es de poder entre as


naçõ es.

H 8 – Analisar a açã o dos Estados nacionais no que se refere à dinâ mica dos fluxos
populacionais e ao enfrentamento de problemas de ordem econô mico-social.

H 9 – Comparar o significado histó rico-geográ fico das organizaçõ es políticas e


socioeconô micas em escala local, regional ou mundial.

H 10 – Reconhecer a dinâ mica da organizaçã o dos movimentos sociais e a importâ ncia


da participaçã o da coletividade na transformaçã o da realidade histó rico-geográ fica.

»» Competência de área 3 – Compreender a produçã o e o papel histó rico das


instituiçõ es sociais, políticas e econô micas, associando-as aos diferentes grupos,
conflitos e movimentos sociais.

Habilidades

H 11 – Identificar registros de prá ticas de grupos sociais no tempo e no espaço.

H 12 – Analisar o papel da justiça como instituiçã o na organizaçã o das sociedades.

H 13 – Analisar a atuaçã o dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou


rupturas em processos de disputa de poder.

H 14 – Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e


interpretativos, sobre a situaçã o ou os fatos de natureza histó rico-geográ fica acerca
das instituiçõ es sociais, políticas e econô micas.
H 15 – Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econô micos ou
ambientais ao longo da histó ria.

»» Competência de área 4 – Entender as transformaçõ es técnicas e tecnoló gicas e


seu impacto nos processos de produçã o, no desenvolvimento do conhecimento e na
vida social.

Habilidades

H 16 – Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organizaçã o do


trabalho e/ou da vida social.

H 17 – Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no processo de


territorializaçã o da produçã o.

H 18 – Analisar diferentes processos de produçã o ou circulaçã o de riquezas e suas


implicaçõ es socioespaciais.

H 19 – Reconhecer as transformaçõ es técnicas e tecnoló gicas que determinam as


várias formas de uso e apropriaçã o dos espaços rural e urbano.

H 20 – Selecionar argumentos favorá veis ou contrá rios à s modificaçõ es impostas pelas


novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.

Pá gina 314

»»Competência de área 5 – Utilizar os conhecimentos histó ricos para compreender e


valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favorecendo uma atuaçã o
consciente do indivíduo na sociedade.

Habilidades

H 21 – Identificar o papel dos meios de comunicaçã o na construçã o da vida social.

H 22 – Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere à s mudanças nas


legislaçõ es ou nas políticas pú blicas.

H 23 – Analisar a importâ ncia dos valores éticos na estruturaçã o política das


sociedades.

H 24 – Relacionar cidadania e democracia na organizaçã o das sociedades. H 25 –


Identificar estratégias que promovam formas de inclusã o social.

»» Competência de área 6 – Compreender a sociedade e a natureza, reconhecendo


suas interaçõ es no espaço em diferentes contextos histó ricos e geográ ficos.

Habilidades
H 26 – Identificar em fontes diversas o processo de ocupaçã o dos meios físicos e as
relaçõ es da vida humana com a paisagem.

H 27 – Analisar de maneira crítica as interaçõ es da sociedade com o meio físico,


levando em consideraçã o aspectos histó ricos e/ou geográ ficos.

H 28 – Relacionar o uso das tecnologias com os impactos socioambientais em


diferentes contextos histó rico-geográ ficos.

H 29 – Reconhecer a funçã o dos recursos naturais na produçã o do espaço geográ fico,


relacionando-o com as mudanças provocadas pelas açõ es humanas.

H 30 – Avaliar as relaçõ es entre preservaçã o e degradaçã o da vida no planeta nas


diferentes escalas.

2.5. O Pisa e a competência leitora


O Programa Internacional de Avaliaçã o de Alunos (Pisa) é um exame que busca medir
o conhecimento e a habilidade em leitura, matemá tica e ciências de estudantes com 15
anos de idade. Ele é organizado pela Organizaçã o para Cooperaçã o e Desenvolvimento
Econô mico (OCDE) e ocorre de três em três anos. O critério de correçã o obedece à
Teoria de Resposta ao Item, o mesmo utilizado na correçã o do Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem), e a posiçã o dos participantes é definida em relaçã o à média.

Na primeira ediçã o do Pisa, em 2000, o Brasil obteve 396 pontos em leitura; na quinta,
em 2012, atingiu a casa dos 410 pontos. Portanto, o crescimento entre a primeira e a
quarta ediçã o foi de 14 pontos. Ainda assim, em um total de 65 países avaliados,
ficamos na 55ª posiçã o. Ou seja: em 2012, dos 20 mil brasileiros avaliados, 49,2%
(quase metade dos alunos brasileiros de 15 anos) ficaram abaixo do nível 2 –
considerado bá sico pelo referido exame.

Sabendo que o Pisa constró i as questõ es das provas de leitura com vistas a medir a
compreensã o e a interpretaçã o de textos e imagens e o grau de autonomia do aluno
para compreender a realidade e reconhecê-la por meio da representaçã o grá fica,
conclui-se que nossos alunos ainda precisam desenvolver muito a competência leitora.
Daí a ênfase que demos a ela no livro.

Apresentamos a seguir alguns textos que subsidiam a nossa decisã o de assumir que ler
e escrever é também um compromisso do componente curricular Histó ria.

2.5.1. Ler e escrever: um compromisso de todas as áreas


O desenvolvimento da competência leitora e escritora é responsabilidade de todas as
á reas de conhecimento e nã o somente de Língua Portuguesa. A Histó ria, importante
ciência humana, pode e deve dar uma contribuiçã o decisiva nesse processo.

Pá gina 315
• Texto 1

O texto a seguir faz parte da obra Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Leia-
o com atençã o.

[...] Reclamamos da má qualidade da leitura e da escrita dos estudantes em geral, mas a quem compete a
responsabilidade de reverter essa situaçã o? [...]

[...]

[...] ler e escrever nã o é questã o exclusiva da aula de português, mas compromisso da escola como um
todo. [...]

[...]

A sociedade vê a escola como o espaço privilegiado para o desenvolvimento da leitura e da escrita [...].
Todo estudante deve ter acesso a ler e a escrever em boas condiçõ es, mesmo que nem sempre tenha uma
caminhada escolar bem traçada. Independente de sua histó ria, merece respeito e atençã o quanto a suas
vivências e expectativas. Daí a importâ ncia da intervençã o mediadora do professor e da açã o
sistematizada da escola na qualificaçã o de habilidades indispensá veis à cidadania e à vida em sociedade,
para qualquer estudante, como sã o o ler e o escrever.

O professor é aquele que apresenta o que será lido: o livro, o texto, a paisagem, a imagem, a pintura, o
corpo em movimento, o mundo. É ele quem auxilia a interpretar e a estabelecer significados. Cabe a ele
criar, promover experiências, situaçõ es novas e manipulaçõ es que conduzam à formaçã o de uma geraçã o
de leitores capazes de dominar as mú ltiplas formas de linguagem e de reconhecer os variados e
inovadores recursos tecnoló gicos, disponíveis para a comunicaçã o humana presentes no dia a dia.

A escola é aqui unanimemente responsabilizada pela tarefa de levar o aluno a atrever-se a errar; a
construir suas pró prias hipó teses a respeito do sentido do que lê e a assumir pontos de vista pró prios
para escrever a respeito do que vê, do que sente, do que viveu, do que leu, do que ouviu em aula, do que
viu no mundo lá fora, promovendo em seus textos um diá logo entre vida e escola, entre a disciplina e o
mundo.

[...]

NEVES, Iara C. Bitencourt et al. (Org.). Ler e escrever: compromisso de todas as á reas. 9. ed. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2011. p. 15-17.

• Texto 2

O texto a seguir foi escrito por Maria Auxiliadora Schmidt, professora pó s-doutorada
em Didá tica da Histó ria pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal), e Marlene
Cainelli, doutora pela Universidade Federal do Paraná . Leia-o com atençã o.

O professor de História e o cotidiano em sala de aula


[...]

É na sala de aula que se realiza um espetá culo cheio de vida e sobressaltos. Cada aula é ú nica. Nesse
espetá culo, a relaçã o pedagó gica é, por essência, plural; uma relaçã o em que o “professor fornece a
matéria para raciocinar, ensina a raciocinar, mas, acima de tudo, ensina que é possível raciocinar”.
Nesse sentido, o professor de histó ria ajuda o aluno a adquirir as ferramentas de trabalho necessá rias
para aprender a pensar historicamente, o saber-fazer, o saber-fazer-bem, lançando os germes do
histó rico. Ele é o responsá vel por ensinar ao aluno como captar e valorizar a diversidade das fontes e dos
pontos de vista histó ricos, levando-o a reconstruir, por aduçã o, o percurso da narrativa histó rica. Ao
professor cabe ensinar ao aluno como levantar problemas, procurando transformar, em cada aula de
histó ria, temas e problemá ticas em narrativas histó ricas.

Pá gina 316

Ensinar Histó ria passa a ser, entã o, dar condiçõ es ao aluno para poder participar do processo de fazer o
conhecimento histó rico, de construí-lo. O aluno deve entender que o conhecimento histó rico nã o é
adquirido como um dom, como comumente ouvimos os alunos afirmarem. O aluno que declara “eu nã o
sirvo para aprender Histó ria” evidencia a interiorizaçã o de preconceitos e incapacidades nã o resolvidas.
Ele deve entender que o conhecimento histó rico nã o é uma mercadoria que se compra bem ou mal.

Assim, a aula de histó ria é o espaço em que um embate é travado diante do pró prio saber: de um lado, a
necessidade de o professor ser o produtor do saber, de ser partícipe da produçã o do conhecimento
histó rico, de contribuir, pessoalmente, para isso; de outro, a opçã o de se tornar tã o somente eco do que
já foi dito por outros.

A sala de aula nã o é apenas o espaço onde se transmitem informaçõ es, mas o espaço onde se estabelece
uma relaçã o em que interlocutores constroem significaçõ es e sentidos. Trata-se de um espetá culo
impregnado de tensõ es, no qual se torna insepará vel o significado da relaçã o entre teoria e prá tica, entre
ensino e pesquisa. Na sala de aula, evidenciam-se, de forma mais explícita, os dilaceramentos da
profissã o de professor e os embates da relaçã o pedagó gica.

[...]

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar histó ria. Sã o Paulo: Scipione, 2009. p. 33-35. (Coleçã o
Pensamento e açã o na sala de aula).

• Texto 3

O texto a seguir foi escrito por Leandro Karnal, historiador e professor da


Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Leia-o com atençã o.

[…]

Há algumas décadas, houve um equívoco expressivo na modernizaçã o do ensino. Julgou-se que era
necessá rio introduzir má quinas para se ter uma aula dinâ mica. Multiplicaram-se os retroprojetores, os
projetores de slides e, posteriormente, os filmes em sala de aula. O retroprojetor, em particular, ganhou
uma popularidade extraordiná ria no ensino médio, fundamental e superior. Mais do que modernizar (o
que implica um ar de mera reforma), trata-se de pensar se a mensagem apresenta validade, tenha ela
cara nova ou velha.

Que seja dito e repetido à exaustã o: uma aula pode ser extremamente conservadora e ultrapassada
contando com todos os mais modernos meios audiovisuais. Uma aula pode ser muito dinâ mica e
inovadora utilizando giz, professor e aluno. Em outras palavras, podemos utilizar meios novos, mas é a
pró pria concepçã o de Histó ria que deve ser repensada. O recorte que o professor faz é uma opçã o
política. Por mais antiga que pareça essa afirmaçã o, ela se tornou muito importante num país como o
nosso, redemocratizado nos aspectos formais, mas com padrõ es de desigualdade de fazer inveja aos
genocídios clá ssicos do passado.

[...]
O maior objetivo deste livro é fazer o leitor, possivelmente um professor ou candidato a professor,
perceber que, sem uma reflexã o sobre a mudança contínua e as permanências necessá rias, a atividade do
professor torna-se insuportá vel com o passar dos anos. Todas as profissõ es têm sua “perda de aura” no
enfrentamento entre a pluma do ideal e o aço do real, mas aquelas que trabalham com a formaçã o de
pessoas parecem tornar esse desgaste ainda mais gritante, pois contrariam a descoberta que uma aula
deve ser. Continuar descobrindo coisas em nossa á rea pode ser uma forma de diminuir bastante esse
desgaste. Ler, criticar, discutir, reunir-se com outras pessoas interessadas em nã o morrer profissional e
pessoalmente podem ser caminhos para atenuar esse desgaste.

KARNAL, Leandro. (Org.). Histó ria na sala de aula: conceitos, prá ticas e propostas. Sã o Paulo: Contexto, 2003. p. 9-11.

Pá gina 317

• Texto 4

O texto a seguir foi escrito por Fernando Seffner, professor adjunto da Faculdade de
Educaçã o da UFRGS e docente e orientador junto ao Programa de Pó s-Graduaçã o em
Educaçã o. Leia-o com atençã o.

Leitura e escrita na História


[...]

O desafio da leitura é um desafio de democracia e de cidadania, da constituiçã o do aluno cidadã o leitor, e


isso ultrapassa amplamente as paredes da escola, mas a escola é uma etapa importantíssima nesse
processo. A leitura é também uma chave para a integraçã o política do jovem, no sentido grego do termo,
a integraçã o à polis, aos có digos de discussã o da comunidade política. A leitura e a escrita constituem um
cará ter pú blico para o indivíduo.

Uma leitura chama o uso de outras fontes de informaçã o, de outras leituras, possibilitando a articulaçã o
de todas as á reas da escola. Uma leitura remete a diferentes fontes de conhecimentos, da histó ria à
matemá tica. Nesse sentido, leitura e escrita sã o tarefas fundamentais da escola e, portanto, de todas as
á reas. Estudar é ler e escrever.

Os conhecimentos histó ricos podem servir de apoio na leitura de qualquer outra modalidade de texto,
em qualquer outra á rea, na medida em que todo texto é datado historicamente, vinculado a determinada
visã o de mundo ou conjuntura. A partir de referenciais da histó ria, podemos interrogar textos
produzidos em outras á reas, verificando sua relaçã o com as discussõ es e problemá ticas de cada período
histó rico. Nesse sentido, um olho no texto e outro na realidade social circundante constituem a receita
mais apropriada para as atividades de leitura e escrita numa aula de histó ria:

Admita-se, portanto, que ler envolve, de um lado, uma competência específica – que pode ser dada pela
escola quando se trata do domínio do có digo escrito – e, de outro, uma convivência com as complexas
instâ ncias da sociedade global. A rigor, quando se trata de ler um texto escrito, essas duas variá veis se
cruzam num elemento específico dado pelo signo verbal impresso. (CITELLI, 1994, p. 48)

As atividades de leitura e escrita associadas ao ensino de histó ria devem possibilitar que o aluno elabore
seu projeto social (escrever) a partir da aná lise de outros projetos (leitura do social). Fazer do aluno um
agente histó rico é ensiná -lo a reconhecer diferentes projetos sociais embutidos nas diferentes falas
sociais, e ajudá -lo a construir sua trajetó ria a partir destes referenciais.

SEFFNER, Fernando. Leitura e escrita na histó ria. In: NEVES, Iara C. Bitencourt et al. (Org.). Ler e escrever:
compromisso de todas as áreas. 9. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011. p. 123.
2.5.2. A contribuição da História para a formação de
leitores/escritores
Uma das condiçõ es para que o estudo de Histó ria contribua para a formaçã o de
leitores/ escritores é o trabalho planejado com diferentes tipos de textos e com uma
diversidade de linguagens (cinematográ fica, fotográ fica, pictó rica, a dos quadrinhos, a
do desenho, a da charge, entre outras).

Boa parte do que os alunos aprendem em Histó ria na escola é resultado da leitura (de
textos e imagens), daí a importâ ncia de familiarizá -los também com os procedimentos
de leitura, específicos e diferenciados, adequados a cada um desses registros. Sem
adentrarmos na discussã o teó rica sobre o assunto, é importante lembrar que imagem
e texto possuem estatutos diferentes e demandam tratamentos e abordagens
diferenciados. Ao receberem um tratamento adequado, os textos e as imagens deixam
de servir só para ilustrar ou exemplificar um determinado tema e passam a ser
materiais a serem interrogados, confrontados, comparados e contextualizados.

Pá gina 318

De acordo com a professora Circe Bittencourt, fazer aná lise e comentá rio de um
documento corresponde a:

BITTENCOURT, Circe. Ensino de Histó ria: fundamentos e métodos. Sã o Paulo: Cortez, 2004. p. 334.

Com esse objetivo, estimulamos a leitura de diferentes gêneros de texto e exploramos


de forma sistemá tica a leitura e interpretaçã o de imagens fixas. Além disso,
incentivamos a escrita por meio de atividades com roteiro preestabelecido, inclusive
porque ler e escrever sã o competências interdependentes e complementares. Daí
termos usado na obra textos historiográ ficos, histó ricos, literá rios, oficiais, biográ ficos,
científicos, depoimentos, entrevistas, notícias, obras de arte, fotografia, desenho,
charges, caricaturas, tiras de quadrinhos, mapas, gráficos, tabelas, cartazes de
propaganda, entre outros.

É esse trabalho sistemá tico e planejado que permite aos leitores e escritores alunos,
com a mediaçã o do professor, conquistar autonomia para ler e contextualizar textos e
imagens.

2.6. Uma contribuição à adoção de uma


perspectiva interdisciplinar
Com o objetivo de colaborar com o esforço do Ministério da Educaçã o para a adoçã o
de uma perspectiva interdisciplinar no Ensino Médio, elaboramos um texto com
orientaçõ es para a confecçã o de um projeto de trabalho interdisciplinar.

2.6.1. O que é um projeto de trabalho?


Segundo o educador espanhol Fernando Herná ndez, um dos precursores do ensino
por projetos, o projeto de trabalho é um percurso por um tema-problema que favorece
a aná lise, a intepretaçã o e a crítica (como contraste de pontos de vista), além de uma
atitude interdisciplinar. A interdisciplinaridade pode ser entendida como uma
proposta de trabalho coletivo em que cada disciplina observa o mesmo objeto de
estudo a partir de seus referenciais sem, no entanto, perder suas especificidades.
Como disse um estudioso, “a interdisciplinaridade se caracteriza pela intensidade das
trocas entre os especialistas e pelo grau de integraçã o real das disciplinas, no interior
de um projeto específico de pesquisa” (JAPIASSU, Hilton. In: NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro.
Pedagogia dos projetos. Sã o Paulo: É rica, 2001. p. 143).

Pá gina 319

A figura a seguir é uma representaçã o esquemá tica e simplificada da


interdisciplinaridade.
2.6.2. Orientações para a elaboração de um projeto de
trabalho interdisciplinar
O primeiro passo é compor uma equipe interdisciplinar que coordenará o projeto.
Essa equipe deverá ajudar na integraçã o e na correlaçã o das disciplinas envolvidas,
bem como no desenvolvimento das mú ltiplas inteligências (MIs) dos alunos. Formada
por profissionais de diferentes á reas, essa equipe deverá reunir-se regularmente

com os seguintes propó sitos:

»» delimitar o tema e definir como cada disciplina pode contribuir para investigá -lo;

»» estabelecer os objetivos e coordenar o processo;

»» desafiar e apoiar os alunos estimulando a troca de informaçõ es entre eles e


propondo novas questõ es;

»» avaliar o processo e auxiliar na avaliaçã o das aquisiçõ es dos alunos;

»» estimular o professor a ver-se como pesquisador e produtor do saber escolar (e


nã o como divulgador de um conhecimento produzido na universidade).

2.6.3. Roteiro de trabalho


Construído coletivamente a partir das demandas dos alunos e sob a supervisã o da
equipe interdisciplinar, compreende as atividades a serem desenvolvidas e deve
contemplar o uso de diferentes linguagens e prever atividades extraclasse. Deverá
também ser flexível o suficiente para ser alterado/ reelaborado de acordo com novos
problemas colocados pela pesquisa.

2.6.4. Sistema(s) de apresentação/exposição do projeto


A apresentaçã o oral, conduzida pelos pró prios alunos, dos trabalhos realizados por
eles (individual ou em grupo), pode ser realizada por meio de exposiçõ es científicas
e/ou artísticas, abertas à comunidade, em que poderã o ser exibidos cartazes,
maquetes, mapas, histó rias em quadrinhos, charges, tabelas, grá ficos, estatísticas,
fotos, textos, cartilhas, vídeo de curta duraçã o, encenaçõ es e outros trabalhos de
autoria dos alunos.

2.6.5. Etapas de um projeto


Grosso modo, o projeto pode ser desenvolvido em quatro etapas:

» Primeira etapa – Escolha do tema ou objeto de estudo

Esta escolha deve ser feita por meio de um amplo debate com os alunos, incorporando
seus desejos e interesses, pois o sucesso do projeto dependerá , em boa parte, do
envolvimento deles no processo. Para a escolha do tema propomos que se adotem os
seguintes critérios:
Pá gina 320

»» É relevante, do ponto de vista do aluno?

»»Estimula a adoçã o de uma atitude investigativa?

»»Facilita o trabalho com valores e atitudes?

Sugestão: escolhido o tema, afixar uma faixa ou painel na entrada da escola com o
título do projeto, a fim de manter a comunidade externa informada e estimular sua
participaçã o.

» Segunda etapa – Planejamento efetivo do projeto

Essa etapa inclui:

a) Definir as á reas de estudo envolvendo o maior nú mero de disciplinas possível, a fim


de estimular as trocas, a integraçã o e correlaçã o das disciplinas no interior do projeto.

b) Delimitar o tempo requerido. Este poderá variar de um bimestre a um ano letivo.

c) Estabelecer os objetivos gerais que devem contemplar o estímulo à troca, à


pesquisa, à reciprocidade, à curiosidade e ao compromisso diante do saber.

d) Fixar os objetivos específicos por área. Os objetivos específicos de cada disciplina


devem manter relaçã o estreita com o tema do projeto.

e) Planejar e propor açõ es para envolver professores, alunos e a comunidade externa.

»» Professores – Selecionar e oferecer aos professores textos científicos, jornalísticos


e literá rios acompanhados de imagens, visando provocar a curiosidade e o interesse
deles pelo tema e estimular seu posicionamento sobre o assunto. Esse material poderá
também ser afixado em quadros situados na sala dos professores, na sala da
coordenaçã o, na secretaria da escola. Posteriormente, convidá -los para trabalharem
com esta temá tica.

»» Alunos – Debater o tema com os alunos em sala de aula, realizar entrevistas e


coletar dados. O debate pode ser estimulado pela visita de um palestrante, ou alguém
da comunidade, que venha à escola falar aos alunos sobre o tema. Pode-se também
espalhar pela escola (ou via rede) frases curtas, interrogativas e/ou reflexivas,
questionando o que se sabe sobre o tema, instigando os alunos a quererem conhecê-lo
melhor.

»» Comunidade externa – Ao longo do trabalho, pedir aos alunos que elaborem


cartazes e folhetos explicativos à comunidade externa, mostrando a importâ ncia do
tema e solicitando a participaçã o dela no projeto.
» Terceira etapa – Avaliação das aquisições dos alunos

É indispensá vel que os alunos aprendam mais e melhor a fim de atingir os objetivos
propostos. Para isso, os resultados de uma avaliaçã o devem servir para reorientar a
prá tica educacional e nunca como um meio de estigmatizar os alunos. Sabe-se que o
processo de construçã o do conhecimento é dinâ mico e nã o linear; assim, avaliar a
aprendizagem implica avaliar o ensino oferecido. Se, por exemplo, nã o há a
aprendizagem esperada, isso significa que o ensino nã o cumpriu com a sua finalidade:
a de fazer aprender.

É importante considerar que toda a avaliaçã o deve estar estreitamente relacionada


aos objetivos do projeto. Para pensar a avaliaçã o, cuja importâ ncia é decisiva no
processo de ensino-aprendizagem, lançamos mã o das reflexõ es de César Coll e dos
PCN.

Para César Coll, a avaliação pode ser definida como uma série de atuaçõ es que devem
cumprir duas funções bá sicas:

»» diagnosticar – ou seja, identificar o tipo de ajuda pedagó gica que será oferecida
aos alunos e ajustá -la progressivamente à s características e à s necessidades deles.

»» controlar – ou seja, verificar se os objetivos foram ou nã o alcançados (ou até que


ponto o foram).

Para diagnosticar e controlar o processo educativo César Coll recomenda o uso de três
tipos de avaliaçõ es:

Pá gina 321

Avaliação inicial Avaliação formativa Avaliação somatória


O que Os esquemas de Os progressos, Os tipos e graus de
avaliar? conhecimento dificuldades, bloqueios aprendizagem que estipulam
relevantes para o novo etc., que marcam o os objetivos (finais, de nível
material ou situaçã o de processo de ou didá ticos) a propó sito dos
aprendizagem. aprendizagem. conteú dos selecionados.
Quando No início de uma nova Durante o processo de Ao final de uma etapa de
avaliar? fase de aprendizagem. aprendizagem. aprendizagem.
Como Consulta e Observaçã o sistemática Observaçã o, registro e
avaliar? interpretaçã o do e pautada do processo interpretaçã o das respostas e
histó rico escolar do de aprendizagem. comportamentos dos alunos
aluno. Registro e Registro das a perguntas e situaçõ es que
interpretaçã o das observaçõ es em exigem a utilizaçã o dos
respostas e planilhas de conteú dos aprendidos.
comportamentos dos acompanhamento.
alunos ante perguntas Interpretaçã o das
e situaçõ es relativas ao observaçõ es.
novo material de
aprendizagem.

Fonte: COLL, César. Psicologia e currículo. Sã o Paulo: Á tica, 1999. p. 151. (Fundamentos).
A avaliação inicial busca verificar os conhecimentos prévios dos alunos e possibilita a
eles a tomada de consciência de suas limitaçõ es (imprecisõ es e contradiçõ es dos seus
esquemas de conhecimento) e da necessidade de superá -las.

A avaliação formativa visa avaliar o processo de aprendizagem. A avaliaçã o


formativa pode ser feita por meio da observaçã o sistemá tica do aluno com a ajuda de
planilhas de acompanhamento (ficha ou instrumento equivalente onde se registram
informaçõ es ú teis ao acompanhamento do processo). Cada professor deve adequar a
planilha de acompanhamento à s suas necessidades.

A avaliação somatória procura medir os resultados da aprendizagem dos alunos


confrontando-os com os objetivos que estã o na origem da intervençã o pedagó gica, a
fim de verificar se estes foram ou nã o alcançados ou até que ponto foram.

Note-se que os três tipos de avaliaçã o estã o interligados e sã o complementares.


Atenção: a avaliaçã o deve visar ao processo educativo como um todo, e nã o o êxito ou
fracasso dos alunos.

Nos PCN, a avaliaçã o também é vista como um conjunto de atuaçõ es que tem a funçã o
de alimentar, sustentar e orientar a intervençã o pedagó gica. Os PCN recomendam uma
avaliaçã o inicial, para o planejamento do professor e uma avaliaçã o ao final de uma
etapa de trabalho, a qual, por sua vez, subsidiará a avaliaçã o final. Recomendam,
assim, uma avaliaçã o contínua do processo de ensino-aprendizagem. Por meio da
avaliaçã o contínua o professor colhe elementos para planejar; o aluno toma
consciência de suas conquistas, dificuldades e possibilidades; a escola identifica os
aspectos das açõ es educacionais que necessitam de maior apoio.

Os alunos podem ser avaliados por meio de produçõ es escritas, orais, gestuais, da
resoluçã o de problemas, da geraçã o de imagens (fotos, desenhos, mapas, grá ficos,
tabelas), da participaçã o em sala de aula e nas atividades extraclasse. Um dos
instrumentos para avaliar essa participaçã o do aluno é a observaçã o sistemá tica.
Digamos que um aluno tenha tido um desempenho nã o satisfató rio durante a
elaboraçã o em grupo de um produto para o Projeto, mas contribuiu com um material
variado para essa atividade. Sugestã o: anotar na ficha a atitude do aluno e levá -la em
consideraçã o na avaliaçã o formativa.

» Quarta etapa – Avaliação final do projeto

A avaliaçã o final do projeto deve ser continuada e visar ao processo educacional como
um todo. Pode-se recorrer aos seguintes instrumentos:

Pá gina 322

a) avaliaçã o (e autoavaliaçã o) da equipe interdisciplinar;

b) entrevista com participantes do projeto visando colher dados sobre sua atuaçã o e
sua visã o dele;
c) avaliaçã o (e autoavaliaçã o) da aprendizagem dos alunos (se ocorreu aprendizagem
significativa ou nã o);

d) aná lise das atitudes dos alunos;

e) avaliaçã o da concepçã o, da funcionalidade e do aproveitamento dos produtos


criados por eles;

f) avaliaçã o do ensino oferecido.

Bibliografia sobre projetos


COLL, César. Psicologia e currículo. Sã o Paulo: Á tica, 1999. (Fundamentos).

HERNÁ NDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de


trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.

HERNÁ NDEZ, Fernando; VENTURA, Montserrat. A organização do currículo por


projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscó pio. 5. ed. Trad. Jussara Haubert
Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 1998.

HOFFMANN, Jussara Maria Lerch. Avaliação mediadora: uma prá tica em construçã o da
pré-escola à universidade. 20. ed. rev. Porto Alegre: Mediaçã o, 2003.

MACHADO, Nilson José. Educação: projetos e valores. 3. ed. Sã o Paulo: Escrituras,


2000. (Ensaios transversais).

MACHADO, Nilson José. Interdisciplinaridade e contextualizaçã o. In: Exame Nacional


do Ensino Médio (Enem): fundamentaçã o teó rico-metodoló gica. Brasília, DF: Inep,
2005.

NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Pedagogia dos projetos: uma jornada interdisciplinar rumo
ao desenvolvimento das mú ltiplas inteligências. Sã o Paulo: É rica, 2001.

PERRENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada: das intençõ es à açã o. Porto Alegre:


Artes Médicas Sul, 2000.

VASCONCELOS, Celso dos Santos. Avaliação: concepçã o dialética-libertadora do


processo de avaliaçã o escolar. Sã o Paulo: Libertad, 1998. v. 3. (Cadernos Pedagó gicos
do Libertad).

VASCONCELOS, Celso dos Santos. Avaliação: superaçã o da ló gica classificató ria e


excludente da avaliaçã o: do “é proibido reprovar” ao é preciso garantir a
aprendizagem. Sã o Paulo: Libertad, 1998. v. 5. (Cadernos Pedagó gicos do Libertad).

3. Cidadania, etnia e gênero


Desde 1981, o Movimento Negro Unificado (MNU), o mais destacado dos movimentos
sociais de defesa dos direitos das populaçõ es negras no Brasil já reivindicava a
inserçã o da Histó ria da Á frica e dos afro-brasileiros nos currículos escolares, o que,
por si só , evidencia sua importâ ncia nas conquistas posteriores envolvendo legislaçã o
e Estado. Nas décadas seguintes, o Movimento Negro manteve-se ativo e, juntamente
com seus aliados da sociedade civil, conseguiu uma grande conquista em 2003,
quando, coroando uma luta de décadas, o governo Lula promulgou a Lei n. 10
639/2003, que tornou obrigató rio o estudo da histó ria e cultura afro-brasileira.

A Lei n. 11 645/2008 modificou a Lei n. 10 639/2003 e acrescentou a obrigatoriedade


de também se estudar histó ria e cultura dos povos indígenas no Ensino Fundamental e
Médio das escolas pú blicas e particulares.

Entã o, perguntamos nó s, é por obediência à lei que se deve estudar a temá tica afro e a
temá tica indígena?

Nã o só , pois, além de obedecer à lei e contribuir assim para a construçã o da cidadania,


há razõ es para se trabalhar a temá tica afro e a indígena na escola que merecem ser
explicitadas, a saber:

a) O estudo da matriz afro e indígena é fundamental à construçã o de identidades.

Pá gina 323

b) Esse trabalho atende a uma antiga reivindicaçã o dos movimentos indígenas e dos
movimentos negros: “o direito à histó ria”.

c) O estudo dessas temá ticas contribui para a educaçã o voltada à tolerâ ncia e ao
respeito ao “outro” e, assim sendo, é indispensá vel a toda populaçã o brasileira, seja ela
indígena, afro-brasileira ou nã o.

Cabe lembrar também que a populaçã o indígena atual (817 mil pessoas), segundo o
Censo 2010, vem crescendo e continua lutando em defesa de seus direitos à cidadania
plena. Já os afro-brasileiros (pardos e pretos, segundo o IBGE) constituem cerca de
metade da populaçã o brasileira. Além disso, todos os brasileiros, independentemente
da cor ou da origem, têm o direito e a necessidade de conhecer a diversidade étnico-
cultural existente no territó rio nacional.

Uma outra temá tica relevante no ensino de Histó ria é a de gênero. Ao longo de toda a
coleçã o, optamos por abordá -la explicitando o protagonismo da mulher em diferentes
tempos e espaços. No corpo do capítulo, nas atividades e na seleçã o de imagens,
buscou-se problematizar o papel reservado a ela nas sociedades do passado e do
presente, e evidenciar a sua luta para desvencilhar-se das vá rias formas de
discriminaçã o que a vitimaram ao longo do tempo. A seguir, apresentamos uma
coletâ nea de textos com o objetivo de ampliar o estudo desses temas e indicar
caminhos de aprofundamento.

3.1. A temática afro


A seguir, vamos apresentar alguns textos que podem servir de suporte para o trabalho
com a temá tica afro em sala de aula.

• Texto 1

O texto a seguir, da professora angolana Ana Mô nica Lopes e do professor da Universidade


Federal de Minas Gerais (UFMG) Luiz Arnaut, ajuda-nos a pensar sobre a diversidade africana e a
importâ ncia da Á frica na histó ria da humanidade.

Os habitantes da Á frica devem ser pensados por nó s como civilizaçõ es e como culturas. A riqueza da
histó ria dos povos do continente só é compreensível se conseguirmos vislumbrar toda a diversidade e
genialidade que cada povo conseguiu forjar ao longo de milênios de lutas e interaçã o entre si e com a
natureza.

A negaçã o a essas culturas, que partiu de pressupostos histó ricos hoje superados, estabeleceu o “atraso”
africano em contraposiçã o ao referencial de “progresso” europeu. Com isso, durante muito tempo
acreditou-se que o berço da humanidade fosse a Europa, mas em meados do século XX o investigador
Cheikh Anta Diop publicou uma série de pesquisas em que demonstrou ser a Á frica o nascedouro da
humanidade e da civilizaçã o ocidental. Pesquisas posteriores corroboraram esses pressupostos,
possibilitando a avaliaçã o de que o homo sapiens sapiens surgiu na Á frica há cerca de 130 000 anos e
que o seu deslocamento povoou a Europa há 40 000 anos. Os achados arqueoló gicos, as pesquisas com
carbono-14 e o desenvolvimento do conhecimento genético têm proporcionado elementos que
provocam a refutaçã o dos discursos racialistas e, sobretudo, esclarecem alguns pontos obscuros, nã o só a
respeito da histó ria da Á frica, como dos demais continentes.

Os elos estabelecidos pela arqueologia e antropologia sã o agora ratificados pelas pesquisas genéticas,
que esvaziam a ideia de raça e propõ em uma origem ú nica. A ousada pesquisa da equipe de Allan Wilson,
de rastreamento de polimorfismos no DNA mitocondrial de mulheres descendentes de diferentes
grupos, portanto com fenó tipos diferentes, concluiu que a humanidade teria como origem uma mulher
subsaariana que foi designada “Eva, mã e de todos nó s”.

ARNAUT, Luiz; LOPES, Ana Mô nica. Histó ria da Á frica: uma introduçã o. Belo Horizonte: Crisá lida, 2005. p. 20-21.

Pá gina 324

• Texto 2

Nos anos de 1970 entidades baianas apresentaram alternativas concretas à educaçã o


formal por meio de currículos pluriculturais e açõ es visando à defesa e à valorizaçã o
de populaçõ es negras e pobres da cidade de Salvador. É sobre essas experiências que
vamos falar a seguir.

Associação Cultural – Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê

Fundada em 1974, a Associação Cultural Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê é uma


entidade nã o governamental, sem fins lucrativos, que se desenvolveu na Liberdade,
um bairro de Salvador com densa populaçã o afro-brasileira. Seu objetivo tem sido o de
propagar a cultura de matriz africana e combater o racismo.

Desde 1988 o Ilê Aiyê vem desenvolvendo açõ es educativas através da Escola Mã e
Hilda no sentido de ampliar o conhecimento e fortalecer a identidade e a autoestima
das crianças afrodescendentes. Em 1995, o Ilê Aiyê criou o Projeto de Extensã o
Pedagó gica que visa à construçã o da cidadania em torno de três eixos: Educaçã o
Preventiva Integral, Etnicidade e Iniciaçã o Profissional. A partir desse projeto também
foi criada a Banda Erê e o Coral Erê, que pertencem à Escola de Percussã o, Centro e
Dança Band’Erê. O Ilê já firmou convênios com a Prefeitura Municipal de Salvador e a
Universidade Estadual da Bahia (Uneb) para a á rea de educaçã o.

Juca Varella/Folhapress

Bloco Ilê Aiyê no Circuito no centro de Salvador (BA), 2001.

Comentando a atuaçã o do Ilê Aiyê, Zulu Araú jo afirmou:

A característica mais marcante do trabalho do Projeto de Educaçã o Pedagó gica do Ilê é o seu corte racial.
Este tem sido o eixo fundamental de todo e qualquer trabalho desenvolvido pelo Ilê, notadamente na
á rea educacional. Em alguns momentos esta opçã o pelos afrodescendentes e pelos excluídos tem servido
de pretexto para fortes críticas ao trabalho do Ilê, acusando-os de racismo à s avessas. Estas críticas têm
origem clara e definida: os conservadores de sempre que nã o se conformam com o combate aberto que o
Ilê faz a todas as formas de racismo e o sucesso que este trabalho vem alcançando na cidade do Salvador
[...].

ARAÚ JO, Zulu. A influência dos blocos afros na formulaçã o e implementaçã o das políticas de açõ es afirmativas na
cidade do Salvador. 2002, p. 14. Disponível em:
<www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2002/Com_RC_ST24_Araujo_texto.pdf>. Acesso em: 26 maio 2016.

O trabalho do Ilê Aiyê serviu de inspiraçã o para alguns projetos, como o “Projeto de
Profissionalizaçã o para Cidadania”, do Centro de Estudos Afro-Orientais da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), voltado para a educaçã o afro-brasileira, e
projetos do poder pú blico em andamento visando combater a evasã o escolar e acolher
crianças em situaçã o de risco, cujo nú mero em Salvador nã o é pequeno.

A Escola Criativa Olodum

A Escola Criativa Olodum é uma obra do Grupo Cultural Olodum, fundado em 1979, no
Pelourinho, e tem entre seus principais objetivos a construçã o da cidadania a partir
das experiências de vida dos pró prios alunos. Sua açã o pioneira foi a Banda Mirim do
Olodum, composta de crianças de 7 a 12 anos, expostas a situaçõ es de risco e
moradoras do Pelourinho. A Banda Mirim é hoje reconhecida no exterior (em países
Pá gina 325

escandinavos e da Europa Ocidental, como Alemanha e França).

A possibilidade de participar do aprendizado, da criaçã o e execuçã o de diferentes


ritmos de matriz afro tem sido decisiva para o ingresso e permanência dessas crianças
na educaçã o formal e no desenvolvimento de uma consciência crítica a respeito da
sociedade brasileira e do país. Uma estratégia da Escola Criativa Olodum foi
condicionar a participaçã o do aluno na Banda ao desempenho dele na escola pú blica,
fato que estimulou tanto a permanência da criança na escola quanto a implementaçã o
do projeto de combate ao racismo que o Olodum vem desenvolvendo nas escolas da
Rede Pú blica.

Assim a Escola Criativa Olodum transformou-se em um ícone e um modelo que tem


seguidores tanto na Bahia quanto em outras partes do Brasil. Como exemplo temos a
Escola Pracatum, liderada pelo artista Carlinhos Brown, que busca conferir dignidade
à s crianças e adolescentes do Candeal, outro bairro de Salvador com densa populaçã o
afro-brasileira. Temos, além disso, também experiências bem-sucedidas com o Grupo
Os Meninos do Morumbi, em Sã o Paulo; o Grupo Cultural Afro-Reggae, do Rio de
Janeiro; e o Grupo Quilombo de Sergipe, em Sergipe.

• Texto 3

Maria Stella de Azevedo Santos ou Mã e Stella (como é mais conhecida) nasceu em


Salvador e é bisneta do africano Konigbabé e dos Azevedo, de Portugal. Formada em
enfermagem, está aposentada da profissã o e dedica seu tempo à sua religiã o. Tem dois
livros publicados: E daí aconteceu o encanto (Stella Azevedo e Cléo Martins, 1988,
ediçã o das autoras) e Meu tempo é agora (Sã o Paulo, Oduduwa, 1993). Foi a primeira
iyalorixá a escrever livros e artigos sobre a sua religiã o, gerando polêmica por se
colocar contrá ria ao sincretismo religioso. No texto a seguir ela nos conta uma histó ria
do saber africano tradicional.

Histórias de Oyá3
Iansã é um orixá caracterizada pela rapidez nos seus atos e pensamentos. Foi Iansã que instituiu o ritual
axexê ou ajejê, que vem a ser vigília.

O axexê é um ritual, em que durante 7 dias se homenageia a pessoa falecida com câ nticos, danças e
alimentos.

Para quem entende algumas das tradiçõ es há de ver que é um ritual muito forte e completo, quando sã o
ditas palavras que nos levam à realidade que a morte é apenas uma mudança de está gio e que o ser nã o
se acaba. Passa de ser humano para ancestral, quando será sempre presente em nosso pensamento.

Perante a morte (Icu) todos sã o iguais. Ela nã o discrimina.

Daí diz a cantiga: Morte eu lhe saú do. A morte tanto leva o velho como a criança. Esse é o maior exemplo
de que entre os seres humanos, todos têm os mesmos direitos, independente de etnia, classe social ou
financeira.

3
Oyá em uoruba quer dizer “rápido”.
Outro exemplo de direitos humanos se encontra na lenda em que Iansã é a maior protagonista:

Quando Deus (Olorum) deu atributo a cada Orixá , deu a Osaim a responsabilidade de cuidar dos vegetais.
Daí ele passou a ser o Orixá médico.

No entanto as folhas nã o servem só pra remédio. Daí, quando cada Orixá precisava de alguma, tinha que
depender da vontade de Osaim. Iansã achando que todos tinham direito à s folhas, embora a
responsabilidade fosse de Osaim, tomou uma atitude: provocou um vendaval.

Quando todas as folhas se espalharam, cada Orixá pegou as que lhe convinha. Por isso, apesar de Osaim
ser o responsá vel pelos vegetais, cada Orixá tem direito a alguns apropriados.

Tiramos daí a liçã o de que dividir é bem melhor e que os direitos sã o iguais. Digo, direitos essenciais. Os
demais sã o adquiridos com o potencial de cada um.

SANTOS, Maria Stella de Azevedo (Mã e Stella de Oxó ssi). Histó rias de Oyá . Revista Eparrei, Salvador, nov. 2002.
Disponível em: <http://www.casadeculturadamulhernegra.org.br/v1/rn_relig.htm>. Acesso em: 18 maio 2016.

Pá gina 326

Sugestões de livros, sites e filmes


Livros

BRAZ, Jú lio Emílio. Zumbi: o despertar da liberdade. Sã o Paulo: FTD, 1999.

CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O racismo na história do Brasil: mito e realidade. 3. ed.
Sã o Paulo: Á tica, 1996.

CARONE, Iray; BENTO, Maria Aparecida Silva (Org.). Psicologia social do racismo:
estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

CASTRO, Yeda Pessoa de. Falares africanos na Bahia: um vocabulá rio afro-brasileiro.
Rio de Janeiro: Topbooks, 2005.

CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e


discriminaçã o na educaçã o infantil. Sã o Paulo: Contexto, 2000.

COSTA e SILVA, Alberto da. Um rio chamado Atlântico: a Á frica no Brasil e o Brasil na
Á frica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Editora UFRJ, 2003.

D’ANDRADE, Claú dia Viana Á vila. Capoeira: de luta de negro a exercício de branco.
Itabuna/Ilhéus: Via Litterarum, 2006.

DOMINGUES, Petrô nio. A nova abolição. Sã o Paulo: Selo Negro, 2008.

GOMES, Flá vio. Negros e política (1888-1937). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: visita à histó ria contemporâ nea. Sã o
Paulo: Selo Negro, 2005.

HOCHSCHILD, Adam. O fantasma do rei Leopoldo: uma histó ria de cobiça, terror e
heroísmo na Á frica colonial. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1999.

KI-ZERBO, Joseph. Para quando África?, entrevista com René Holenstein. Rio de
Janeiro: Pallas, 2006.

LOPES, Ana Mô nica; ARNAUT, Luiz. História da África: uma introduçã o. Belo Horizonte:
Crisá lida, 2005.

LOPES, Nei. Enciclopédia brasileira da diáspora africana. Sã o Paulo: Selo Negro, 2004.

LOPES, Nei. Kitábu: o livro do saber e do espírito negro-africanos. Rio de Janeiro:


Senac, 2006.

MAESTRI, Má rio. História da África negra pré-colonial. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1988. (Revisã o, 31).

MELLO E SOUZA, Marina de. África e Brasil africano. Sã o Paulo: Á tica, 2006.

MUNANGA, Kabengele. Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. Sã o


Paulo: Edusp, 1996.

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional


versus identidade negra. Tese de livre-docência. Sã o Paulo: USP, 1997.

MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil de hoje. Sã o Paulo:


Global, 2006. (Para entender).

OLIVEIRA, Marco Antonio de. O negro no ensino de História: temas e representaçõ es


1978- 1998. Dissertaçã o de mestrado. Sã o Paulo: Feusp, 2000.

REIS, Joã o José; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil
escravista. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1989.

SANTOS, Gevanilda; SILVA, Maria Palmira. Racismo no Brasil: percepçõ es da


discriminaçã o e do preconceito no século XXI. Sã o Paulo: Perseu Abramo, 2005.

SCARANO, Julita. Negros nas terras do ouro: cotidiano e solidariedade – século XVIII. 2.
ed. rev. ampl. Sã o Paulo: Brasiliense, 2002.

SERRANO, Carlos; WALDMAN, Maurício. Memória D’África: a temá tica africana em sala
de aula. Sã o Paulo: Cortez, 2007.

SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Editora
Agir, 2008.

SILVA, Ana Célia. As transformações da representação social do negro no livro didático e


seus determinantes. Tese de doutorado. Salvador: UFBA, 2001.
SILVA, Eduardo. Dom Obá d’África, o príncipe do povo: vida, tempo e pensamento de
um homem livre de cor. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1997.

Pá gina 327

TELLES, Edward Eric. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva socioló gica. Rio de
Janeiro: Relume Dumará /Fundaçã o Ford, 2003.

VIZENTINI, Paulo Fagundes et al. Breve história da África. Porto Alegre: Leitura XXI,
2007.

Sites

<http://www.afroreggae.org/>. Site do Afroreggae, grupo que luta pela valorizaçã o da


cultura e da identidade negra entre jovens cariocas que cultivam o reggae, o soul e o
hip-hop.

<www.casadasafricas.org.br>. O site é da Casa das Á fricas, centro de pesquisa e de


promoçã o de atividades culturais relacionadas ao continente africano.

<www.casadeculturadamulhernegra.org.br>. Site com trechos das histó rias de


mulheres negras e textos sobre a violência contra a mulher e sobre a saú de feminina.

<www.comciencia.br/reportagens/negros>. Site com artigos, reportagens, notícias e


entrevistas sobre a temá tica afro.

<www.geledes.org.br>. Site do Geledés, uma importante organizaçã o nã o


governamental de mulheres negras.

<www.mulheresnegras.org>. Site com artigos e sugestõ es de palestras e cursos sobre


a temá tica afro.

<www.palmares.gov.br>. Site da Fundaçã o Cultural Palmares com artigos sobre a


temá tica afro escritos por intelectuais e ativistas negros, como Zulu Araú jo, Ubiratan
de Araú jo e Castro, Gilberto Gil, entre outros.

Filmes

A cor púrpura. Direçã o de Steven Spielberg. EUA: Warner, 1985. (154 min).

Entre dois amores. Direçã o de Sydney Pollack. EUA: Universal Pictures, 1985. (162
min).

Um grito de liberdade. Direçã o de Richard Attenborough. Inglaterra: Universal


Pictures, 1987. (157 min).
Cozinha de Totó. Direçã o de Harry Hook. Inglaterra: British Screen Productions, 1987.
(87 min).

Ali. Direçã o de Michael Mann. EUA: Columbia Pictures/Sony Pictures Entertainment,


2001. (167 min).

Amistad. Direçã o de Steven Spielberg. EUA: DreamWorks Pictures, 1997. (154 min).

Canção da liberdade. Direçã o de Phil Alden Robinson. EUA: Warner Home Video, 2000.
(150 min).

Cidade de Deus. Direçã o de Fernando Meirelles. Brasil: Lumière e Miramax Films, 2002.
(135 min).

Mandela e De Klerk. Direçã o de Joseph Sargent. EUA, 1997. (114 min).

Atlântico negro, na rota dos Orixás. Direçã o de Renato Barbieri. Brasil: Instituto Itaú
Cultural/ VGP Videographia, 1998. (75 min).

A negação do Brasil. Direçã o de Joel Zito Araú jo. Brasil, 2000. (90 min).

Duelo de titãs. Direçã o de Boaz Yakin. EUA: Buena Vista Pictures, 2000. (113 min).

Homens de honra. Direçã o de George Tillman Jr. EUA: 20th Century Fox, 2000. (128
min).

Hotel Ruanda. Direçã o de Terry George. Itá lia/ Á frica do Sul/EUA: United Artists/Lions
Gate Films Inc./Imagem Filmes, 2004. (121 min).

Kiriku e a feiticeira. Direçã o de Michel Ocelot. França: ArtMann, 1998. (71 min).

Meu mestre, minha vida. Direçã o de John G. Avildsen. EUA, 1987. (109 min).

Mississípi em chamas. Direçã o de Alan Parker. EUA, 1988. (122 min).

Quanto vale ou é por quilo? Direçã o de Sérgio Bianchi. Brasil, 2005. (104 min).

Quilombo. Direçã o de Cacá Diegues. Brasil, 1984. (119 min).

Ray. Direçã o de Taylor Hackford. EUA, 2004. (153 min).

Serafina. Direçã o de Darrel Roodt. EUA, 1993. (98 min).

Tempo de matar. Direçã o de Joel Schumacher. EUA: 1996. (149 min).

Xica da Silva. Direçã o de Carlos Diegues. Brasil, 1976. (117 min).

Pá gina 328
3.2. A temática indígena
Inicialmente consideramos ú til apresentar um quadro de conceitos elaborado pelo
professor Itamar Freitas, professor do Departamento de Histó ria da Universidade de
Brasília, para se trabalhar com a temá tica indígena em sala de aula.

Conceitos e definições operacionais »

» História – A ciência que problematiza e narra a experiência de todos os homens no tempo, que auxilia
na constituiçã o da identidade e na orientaçã o da vida prá tica (BLOCH, 2000; RÜ SEN, 2007).

»» Sociedade – Totalidade ordenada de indivíduos que atua coletivamente (DA MATA, 1981).

»» Cultura – Sistema de significados (há bitos, regras, leis), atitudes e valores partilhados por um grupo
e as formas simbó licas (apresentaçõ es, objetos artesanais) em que eles sã o expressos ou encarnados
(BURKE, 1989).

»» Indígenas – Sã o os que se identificam e sã o reconhecidos como indígenas e também os que guardam


relaçõ es histó ricas com as sociedades pré-colombianas (SANTILLI, 2000).

»» Identidade/diferença – É uma entidade abstrata, sem existência real, mas indispensá vel como
ponto de referência. A identidade adquire sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbó licos
pelos quais ela é representada. Ela é simplesmente aquilo que se é. Exemplos: “sou brasileiro”, “sou
negro”, “sou homem” (LÉ VI-STRAUSS, 1977; SILVA, 2000).

»» Diversidade – Multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedades encontram
sua expressã o (símbolos, artes, valores) entre e dentro dos grupos e sociedades (UNESCO, 2007).

»» Etnocentrismo – Visã o das coisas segundo a qual nosso pró prio grupo é o centro de todas as coisas
e todos os outros grupos sã o medidos e avaliados em relaçã o a ela. (SUMMER, 1999).

»» Preconceito – Julgamento prévio rígido e negativo sobre um indivíduo ou grupo, efe tuado antes de
um exame ponderado e completo, e mantido rigidamente mesmo em face de provas que o contradizem
(WILLIAMS JR., 1996).

»» Estereótipo – Lugar-comum, chavã o. Em relaçã o à s imagens construídas sobre os indígenas, é


também a ideia ou convicçã o classificató ria preconcebida resultante de expectativa, há bitos de
julgamento ou falsas generalizaçõ es (FERREIRA, 1986; HOUAISS, 2007).

»» Alteridade – Característica do que é outro. Opõ e-se a identidade (LALANDE, 1999).

»» Tolerância – Disposiçã o do espírito ou regra de conduta que consiste em deixar a cada um a


liberdade de exprimir as suas opiniõ es, mesmo quando nã o as partilhamos (LALANDE, 1999).

FREITAS, Itamar. In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de (Coord.). Histó ria: ensino fundamental. Brasília: Ministério
da Educaçã o, Secretaria de Educaçã o Bá sica, 2010. v. 21, p. 177-178. (Explorando o ensino).

Na opiniã o do professor Itamar Freitas:


Somente por meio do uso de conceitos, repito, é possível identificar representaçõ es, atitudes e valores
nocivos ao estudo da temá tica indígena que nos rodeiam cotidianamente, seja no comportamento dos
alunos, na informaçã o veiculada pela mídia impressa e televisiva, seja no livro didá tico de Histó ria. [...]

FREITAS, Itamar. In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de (Coord.). Histó ria: ensino fundamental. Brasília: Ministério
da Educaçã o, Secretaria de Educaçã o Bá sica, 2010. v. 21, p. 178. (Explorando o ensino).

Sabemos que a palavra índio nasceu a partir de um erro histó rico. Ao chegar à
América, Colombo pensou ter chegado à s Índias e, por isso, chamou de índios os
nativos do continente. De lá para cá , muitas pessoas continuam vendo os índios como
se fossem todos iguais. Ocorre, porém, que o “índio genérico” nã o existe. Existem os
Tupinambá , os Tupinikim, os Caeté, os Kaiapó , os Ianomâ mi e muitos outros.

Pá gina 329

Enfim,os índios sã o tã o diferentes uns dos outros quanto nó s somos dos


estadunidenses, dos chineses, dos russos etc. Cada grupo se vê como um todo. Um
Xavante, um Botocudo ou Ianomâ mi, mesmo sabendo-se índio, continua se vendo
como um Xavante, um Botocudo, um Ianomâ mi.

• Texto 1

O texto a seguir é de Luís Donisete Benzi Grupioni, um estudioso dos povos indígenas,
e sua importâ ncia reside na caracterizaçã o que ele faz daquilo que torna os indígenas
semelhantes entre si e diferentes do restante da sociedade.

As semelhanças entre os indígenas


[...]

As sociedades indígenas compartilham de um conjunto de traços e elementos bá sicos, que sã o comuns a


todas elas e as diferenciam de sociedades de outro tipo. A ló gica e o modelo societal compartilhado pelos
grupos indígenas sã o diferentes do nosso. Duas ordens de problemas estã o colocados: o que faz com que
uma sociedade seja indígena? e o que a diferencia uma das outras? É o modo de viver, de organizar as
relaçõ es entre as pessoas e destas com o meio em que vivem e com o sobrenatural que faz com que uma
sociedade seja indígena. Sociedades indígenas sã o sociedades igualitá rias, nã o estratificadas em classes
sociais e sem distinçõ es entre possuidores dos meios de produçã o e possuidores de força de trabalho.
Sã o sociedades que se reproduzem a partir da posse coletiva da terra e dos recursos nela existentes e da
socializaçã o do conhecimento bá sico indispensá vel à sobrevivência física e ao equilíbrio sociocultural
dos seus membros.

Mais que a especializaçã o, embora sempre haja exímios caçadores, cantadores e artesã os, é a divisã o do
trabalho por sexo e por idade que regula a produçã o nestas sociedades. As tarefas do dia a dia sã o
repartidas entre homens e mulheres de acordo com suas idades e nenhuma classe ou grupo detém o
monopó lio sobre uma parte do processo produtivo ou sobre uma atividade específica. [...]

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (Org.). Índios no Brasil. Sã o Paulo/Brasília: Global/MEC, 1998. p. 18.

• Texto 2
O texto a seguir, de Joã o Pacheco de Oliveira e Carlos Augusto da Rocha Freire, relata
uma das muitas manifestaçõ es de resistência indígena no territó rio colonial, a Revolta
de Ajuricaba, cujo líder tornou-se um ícone das lutas indígenas em defesa da liberdade
e do direito à terra.

A Revolta de Ajuricaba
Na disputa pelas drogas do sertã o no século XVII, os portugueses avançaram sobre a regiã o do Vale do
rio Negro, na Amazô nia, onde a populaçã o indígena tinha grande densidade. Além de empregarem os
índios na coleta dos produtos, interessava aos portugueses expandir as fronteiras territoriais do império
e comercializar escravos indígenas.

Este processo foi iniciado com a construçã o, em 1669, da fortaleza de Sã o José da Barra, na foz do rio
Negro. Nessa época, o jesuíta Antô nio Vieira afirmou que mais de 2 milhõ es de índios já haviam sido
mortos no processo de colonizaçã o do Estado do Maranhã o e Grã o-Pará (PREZIA; HOORNAERT, 2000).

No Vale do rio Negro, regiã o do rio Jurubaxi, viviam os índios Manao (FARAGE, 1991), povo guerreiro de
língua aruá k que dominava outros povos indígenas daquela bacia hidrográ fica. Os portugueses trocavam
os índios cativos dos Manao por armas, ferramentas e utensílios diversos, recebendo ainda apoio desses
índios nas expediçõ es de preaçã o de outros povos. Huiuebene Tuxaua Manao, que mantinha esses
vínculos, acabou morto pelos portugueses devido a desentendimentos comerciais.

Pá gina 330

Em 1723, os Manao decidiram vingar Huiuebene. O guerreiro Ajuricaba, seu filho, afastou as aldeias
indígenas dos povoados portugueses e comandou ataques através de emboscadas. Os holandeses da
Guiana cediam armas aos índios, buscando alianças que nã o se efetivaram nas á reas de fronteira.

O padre jesuíta José de Souza tentou inutilmente convencer os índios a encerrarem o conflito,
procurando cooptar Ajuricaba (FARAGE, 1991). Souza acabou informando à Coroa portuguesa que
Ajuricaba deveria ser subjugado pelas armas.

A Lei de 28/04/1688 considerava como “justa” a guerra contra os inimigos da fé cató lica e contra os
índios que nã o reconheciam os domínios reais, ameaçando o Estado português. Baseados nessa lei de
1688, foram elaborados dois “Regimentos de Tropa de Guerra e Resgates no Rio Negro” contra os índios
Manao, enfatizando em 1724 e 1726 que esses índios eram criminosos por desejarem as propriedades de
suas terras no Vale do rio Negro. Ajuricaba tornou-se criminoso por combater os “resgates” e nã o desejar
alianças com portugueses, impedindo a conquista de mã o de obra necessá ria ao projeto colonial
português (CARVALHO, 1998).

Portugal ampliou os recursos militares para o rio Negro, enviando uma expediçã o militar com forte
artilharia para bombardear as aldeias indígenas. Belchior Mendes de Morais, comandante da expediçã o,
seguiu destruindo aldeias e matando os índios habitantes do rio Negro e seus afluentes. Cá lculos oficiais
falaram em mais de 40 mil índios mortos, além do extermínio do povo Manao. Aprisionado com centenas
de outros índios Manao, Ajuricaba rebelou-se a caminho da prisã o em Belém, morrendo afogado ao se
atirar no rio Negro para escapar dos portugueses.

Ajuricaba tornou-se um mito da Amazô nia, presente ainda hoje na memó ria do povo (SOU- ZA, 1978,
1979; CARVALHO, 1998).

OLIVEIRA, Joã o Pacheco de; FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. A presença indígena na formaçã o do Brasil. Ministério
da Educaçã o, Secretaria de Educaçã o Continuada, Alfabetizaçã o e Diversidade. Brasília, DF: Laced/Museu Nacional,
2006. p. 56-57.
• Texto 3

O texto a seguir é da professora Virgínia Valadã o. Leia-o com atençã o.

Os indígenas no início da República


[...]

A partir da Repú blica se passou a considerar que os índios poderiam evoluir a “um grau superior” de
civilizaçã o, equiparando-se aos “brancos”. [...]

Em 1910 foi criado o Serviço de Proteçã o ao Índio (SPI), cuja direçã o foi entregue ao marechal Rondon,
que estivera à frente da Comissã o das Linhas Telegrá ficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas.

Recorrendo a meios nã o violentos, Rondon conseguira que muitos povos indígenas autorizassem a
passagem das linhas telegrá ficas por seus territó rios. Ao assumir a direçã o do SPI, ele estabeleceu como
diretrizes:

• pacificar o índio arredio e hostil para permitir o avanço da civilizaçã o nas zonas pioneiras, recém-
abertas à exploraçã o econô mica;

• demarcar suas terras, criando “reservas indígenas”, para que eles “parassem de correr de um lado para
o outro”.

As reservas disporiam de um chefe branco, que ensinaria aos índios técnicas civilizadas de agricultura,
noçõ es de higiene, as primeiras letras, ofícios mecâ nicos e manuais e lhes garantiria tratamento para as
doenças transmitidas pelos brancos. Ali eles também estariam protegidos de usurpadores e de
comerciantes espertos.

O SPI teve o mérito de despertar na opiniã o pú blica brasileira a ideia de que o índio é parte da naçã o. No
entanto, como resultado de sua atuaçã o, houve a extinçã o de diversos povos.

Pá gina 331

Inú meros outros grupos sofreram tremendas baixas populacionais. Além disso, com frequência os
pró prios funcioná rios do SPI usavam a mã o de obra indígena em regime de semiescravidã o nos
seringais, na lavoura etc. [...]

A partir de 1912 o governo brasileiro começou a criar reservas, com o principal objetivo de pacificar e
fixar os índios (liberando parte de seus territó rios tradicionais para a ocupaçã o pelos demais brasileiros)
e, ao mesmo tempo, garantir um lugar para que eles pudessem viver.

Para criar reservas era necessá rio estabelecer limites, mas nã o havia critérios para definir tais limites.
Por outro lado, nã o se conhecia a cultura dos povos indígenas que iam sendo contatados, nem tampouco
a dimensã o de seus territó rios tradicionais de uso e ocupaçã o.

A fixaçã o de limites se tornou a base fundamental para a criaçã o das reservas, com o propó sito de
destinar aos índios uma determinada quantidade de terras. Mas desde o início a demarcaçã o se deparou
com um problema legal: perante a lei, os povos indígenas eram considerados menores de idade; assim,
nã o poderiam ser proprietá rios das terras da reserva.

VALADÃ O, Virgínia. In: Índios do Brasil 2. Secretaria de Educaçã o a Distâ ncia, Secretaria de Educaçã o Fundamental.
Brasília, DF: MEC/Seed/SEF, 2001. p. 85-87. (Cadernos TV Escola).
Sugestões de livros, sites e filmes
Livros

CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. História dos índios no Brasil. Sã o Paulo: Companhia


das Letras/ Secretaria Municipal de Cultura, 1992.

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi; SILVA, Aracy Lopes da. A temática indígena na escola:
novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. 2. ed. Sã o Paulo: Global; Brasília,
DF: MEC/Mari/ Unesco, 1998.

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi; SILVA, Aracy Lopes da. Índios no Brasil. 3. ed. Sã o
Paulo: Global; Brasília: MEC, 1998.

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi et al. Povos indígenas e tolerância: construindo prá ticas
de respeito e solidariedade. Sã o Paulo: Edusp, 2001. (Seminá rios 6; Ciência, Cientistas
e Tolerâ ncia II).

LEÓ N-PORTILLA, Miguel (Org.). A conquista da América Latina vista pelos índios:
relatos astecas, maias e incas. Trad. Augusto  ngelo Zanata. 2. ed. Petró polis: Vozes,
1985.

LOPES DA SILVA, Aracy. A questão indígena na sala de aula. Sã o Paulo: Brasiliense,


1987. (Subsídios para professores de 1º e 2º grau).

MEIHY, José Carlos Sede Bom. Canto de morte kaiowá: histó ria oral de vida. Sã o Paulo:
Loyola, 1991.

MESGRAVIS, Laima. O Brasil nos primeiros séculos. Sã o Paulo: Contexto, 1989.


(Repensando a Hístó ria).

PREZIA, Benedito; HOORNAERT, Eduardo. Brasil indígena: 500 anos de resistência. Sã o


Paulo: FTD, 2000.

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questã o do outro. Sã o Paulo: Martins


Fontes, 1993.

WERÁ , Jecupé Kaka. A terra dos mil povos: histó ria indígena brasileira contada por um
índio. Sã o Paulo: Petró polis, 1998. (Educaçã o para a paz).

ZENUN, Katsue Hamada; ALVES ADISSI, Valeria Maria. Ser índio hoje: a tensã o
territorial. Sã o Paulo: Loyola, 1998. v. 1. (Histó ria temá tica retrospectiva).

Sites

<www.cimi.org.br>. Site do Conselho Indigenista Missioná rio: organizaçã o nã o


governamental vinculada à Conferência Nacional do Bispos do Brasil (CNBB), que
defende a demarcaçã o das terras indígenas, o direito à alteridade e o protagonismo
dos povos indígenas. Contém informaçõ es e aná lises sobre os povos indígenas
atualmente.
<www.socioambiental.org>. Site do Instituto Socioambiental (ISA) com dados
detalhados sobre diferentes povos indígenas e textos sobre políticas indigenistas,
direitos, terras indígenas etc.

<www.trabalhoindigenista.org.br>. Site do Centro de Trabalho Indigenista (CTI),


organizaçã o nã o governamental, fundada por antropó logos e indigenistas, que atua
orientando os indígenas sobre os direitos que a Constituiçã o lhes garante.

Pá gina 332

Recomendamos o link “Povos indígenas”, pois ele traz informaçõ es e imagens


interessantes sobre alguns povos e suas culturas.

<www.cpisp.org.br>. Site da Comissã o Pró -Índio de Sã o Paulo, organizaçã o nã o


governamental que atua em defesa dos direitos territoriais, culturais e políticos de
indígenas e quilombolas. O site apresenta textos sobre povos indígenas e comunidades
quilombolas no Brasil.

Filmes

Tainá, uma aventura na Amazônia. Direçã o de Tâ nia Lamarca e Sérgio Bloch. Brasil,
2000. (90 min).

Tainá 2, a aventura continua. Direçã o de Mauro Lima. Brasil, 2005. (80 min).

Caramuru, a invenção do Brasil. Direçã o de Jorge Furtado e Guel Arraes. Brasil, 2000.
(110 min).

Brava gente brasileira. Direçã o de Lú cia Murat. Brasil, 2000. (103 min).

Terra vermelha. Direçã o de Marco Bechis. Brasil/ Itá lia, 2008. (180 min).

Avaeté, semente de vingança. Direçã o de Zelito Viana. Brasil, 1985. (110 min).

A missão. Direçã o de Roland Joffé. Reino Unido, 1986. (121 min).

Dança com lobos. Direçã o de Kevin Costner. EUA, 1990. (180 min).

Terra dos índios. Direçã o de Zelito Viana. Brasil, 1979. (105 min).

Uirá, um índio em busca de Deus. Direçã o de Gustavo Dahl. Brasil, 1973. (90 min).

O guarani. Direçã o de Norma Bengell. Brasil, 1996. (91 min).

Iracema, a virgem dos lábios de mel. Direçã o de Carlos Coimbra. Brasil, 1979. (98 min).

A lenda de Ubirajara. Direçã o de André Luiz Oliveira. Brasil, 1975. (100 min).
3.3. A temática de gênero
• Texto 1

O texto a seguir é de Louise Audino Tilly, historiadora estadunidense.

Gênero, história das mulheres e história social


Ainda que definidas pelo sexo, as mulheres sã o algo mais do que uma categoria bioló gica; elas existem
socialmente e compreendem pessoas do sexo feminino de diferentes idades, de diferentes situaçõ es
familiares, pertencentes a diferentes classes sociais, naçõ es e comunidades; suas vidas sã o modeladas
por diferentes regras sociais e costumes, em um meio no qual se configuram crenças e opiniõ es
decorrentes de estruturas de poder. Mas, sobretudo porque, para o historiador, em funçã o do processo
permanente de estruturaçã o social, assim denominado por Philip Abrams, as mulheres vivem e atuam no
tempo.

Um aspecto da histó ria das mulheres que a distingue particularmente das outras é o fato de ter sido uma
histó ria a um movimento social: por um longo período, ela foi escrita a partir de convicçõ es feministas.
Certamente toda histó ria é herdeira de um contexto político, mas relativamente poucas histó rias têm
uma ligaçã o tã o forte com um programa de transformaçã o e de açã o como a histó ria das mulheres. Quer
as historiadoras tenham sido ou nã o membros de organizaçõ es feministas ou de grupos de
conscientizaçã o, quer elas se definissem ou nã o como feministas, seus trabalhos nã o foram menos
marcados pelo movimento feminista de 1970 e 1980.

[...]

Malgrado os desacordos de interpretaçã o, como no debate sobre a cultura das mulheres, as historiadoras
das mulheres deram prova de engenhosidade em descobrir a experiência das mulheres no passado e em
oferecer uma interpretaçã o crítica. Elas fizeram um trabalho de pioneiras ao redescobrir a importâ ncia
de fontes histó ricas como as biografias e os testemunhos pessoais. As mulheres como atores da histó ria,
suas atividades, suas diferenças de raça, de classe e de origem nacional, suas concepçõ es

Pá gina 333

de si e do mundo ao redor sã o, de agora em diante, fatos da histó ria.

importantes da histó ria das mulheres: completar a descriçã o e a interpretaçã o com a explicaçã o; vincular
seus resultados aos problemas atuais mais gerais.

TILLY, L. A. Gênero, histó ria das mulheres. Cadernos Pagu, nº 3, p. 29-62, 1994. Disponível em:
<http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1722/1706>. Acesso em: 27 maio de 2016.

• Texto 2

O texto a seguir foi escrito pela historiadora e editora Carla B. Pinsky, doutora em
Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) na á rea de família
e gênero.

Quando falamos em gênero, estamos falando na construçã o cultural do que é percebido e pensado como
diferença sexual, ou seja, das maneiras como as sociedades entendem, por exemplo, o que é ser “homem”
e “ser mulher”, e o que é “masculino” e “feminino”. Assim, podemos tratar essas noçõ es como conceitos
histó ricos. Nessa perspectiva, as ideias sobre “masculinidade” e “feminilidade”, as oposiçõ es do tipo [...]
“moça de família”/ “leviana”, e os papéis de identidades tais como “esposa ideal”, “boa mã e”, “pai de
família”, “homossexual”, sã o encaradas como concepçõ es produzidas, reproduzidas, mas também
transformadas ao longo do tempo, que podem variar em cada contexto social.

Os relacionamentos familiares, as relaçõ es de trabalho, a sexualidade, a maternidade, a distribuiçã o de


tarefas e de poderes e até as escolhas individuais sã o compreendidas e se manifestam de maneiras
diferentes em cada contexto social, configurando relaçõ es de gênero distintas, em vá rios lugares e
momentos histó ricos diversos.

As concepçõ es relacionadas à diferença sexual tanto sã o produtos das relaçõ es sociais quanto produzem
e atuam na construçã o dessas relaçõ es. Em outras palavras, assim como as ideias de gênero influenciam
a vida das pessoas, as experiências de homens e mulheres concretos e os elementos materiais de sua
existência, por sua vez, afetam e moldam o pensamento num movimento dialético. Gênero, portanto,
refere-se à s ideias que têm como referência a diferença sexual e que servem de base para outras
interpretaçõ es do mundo quanto à s prá ticas sociais orientadas por essas ideias.

As relaçõ es de gênero sã o definidas pela maneira como as pessoas dã o significados e interpretam suas
experiências (entre elas, a da percepçã o das diferenças sexuais), em épocas e contextos determinados, e,
ao mesmo tempo, passam a agir de acordo com as representaçõ es construídas.

PINSKY, Carla B. Mulheres dos anos dourados. Sã o Paulo: Contexto, 2014. p. 11-12.

• Texto 3

O texto a seguir foi escrito pelas antropó logas e pesquisadoras do nú cleo FAGES
(família, gênero e sexualidade) Lady Selma Ferreira Albernaz e Má rcia Longhi.

Para compreender gênero: uma ponte para relações igualitárias


entre homens e mulheres
O gênero é considerado uma das principais e primeiras formas de ordenar o pensamento humano. As
classificaçõ es culturais de gênero sã o fortes porque ordenam a natureza, a sociedade, as instituiçõ es

Pá gina 334

e os modos de ser das pessoas de uma forma que parece envolver toda a vida humana.

Ele ordena nossa forma de pensar delimitando qualidades, espaços, atitudes, poderes a serem
distribuídos entre homens e mulheres. O conjunto dessas classificaçõ es é conformado como moralidade
que orienta nosso comportamento, estabelecendo o que é considerado certo e errado, mas nã o apenas
isso, também funciona como um mecanismo de poder, hierarquizando as pessoas e legitimando as
desigualdades. Esta conformaçã o parece estabelecer gênero como a posiçã o social central na vida de
uma pessoa, sendo uma forma primá ria de identificaçã o, a partir da qual as outras identificaçõ es sã o
arranjadas ao longo da vida. Ou seja, uma das principais identidades de uma pessoa é sua identidade de
gênero como homem e como mulher. Nesse sentido, gênero conforma nossa subjetividade.

Esta conformaçã o das subjetividades nos leva a uma característica importante da categoria gênero. Por
ser um referente fundamental para a afirmaçã o da identidade, gênero se estabelece de forma relacional,
uma vez que toda identidade se constró i sempre na relaçã o entre um e outro. É a partir das relaçõ es
entre homens e mulheres que constituímos os conteú dos culturais de gênero e, nesse sentido, para
estudar as mulheres, os homens devem ser considerados. Da mesma forma, é necessá rio estudar as
relaçõ es entre os pró prios homens e entre as pró prias mulheres. Torna-se possível compreender que as
mulheres sã o diferentes entre si, bem como os homens entre eles [...].

Por fim, [...] gênero se constitui numa das primeiras formas para significar e distribuir o poder. Ou seja,
as classificaçõ es culturais realizadas com base no gênero, no ocidente, sã o utilizadas para legitimar a
distribuiçã o do poder entre as pessoas. Tende-se a considerar superior, mais forte e mais poderoso o que
é classificado culturalmente como masculino. O que é classificado culturalmente como feminino é
significado como menor, mais fraco e com menos poder, devendo ficar na esfera da proteçã o e da
submissã o ao masculino.

O conjunto dessas operaçõ es, que orientam nossas prá ticas sociais, atua nas nossas vidas de maneira
interligada e inconsciente. Elas têm um poder de verdade que dificulta serem questionadas. As aceitamos
sem entender que elas foram elaboradas ao longo da histó ria e que por isso podem ser transformadas.

ALBERNAZ, L. S. F.; LONGHI, M. Para compreender gênero: uma ponte para relaçõ es igualitá rias entre homens e
mulheres. In: SCOTT, P. et al. (Org.). Gênero, diversidade e desigualdades na educação: interpretaçõ es e reflexõ es para
formaçã o docente. Editora Universitá ria: Recife, 2009. p. 84-85.

Sugestões de livros, sites e filmes


Livros

AGUIAR, Neuma (Org.). Gênero e ciências humanas: desafio à s ciências desde a


perspectiva das mulheres. Rio de Janeiro: Record/Rosa dos Tempos, 1997.

ALGRANTI, Leila Mezan (Org.) A prática feminina e o conceito de gênero. Campinas:


IFCH/ Unicamp, 2002.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

BRUSCHINI, Maria Cristina; COSTA, Albertina de Oliveira (Org.). Uma questão de


gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1991.

BRUSCHINI, Maria Cristina; PINTO, Celi Regina. Tempos e lugares de gênero. Sã o Paulo:
FCC/ Editora 34, 2001.

CASTRO, A. L. (Org.). Cultura contemporânea, identidades e sociabilidades: olhares


sobre corpo, mídia e novas tecnologias [on-line]. Sã o Paulo: Editora UNESP; Sã o Paulo:
Cultura Acadêmica, 2010.

DEL PRIORE, Mary. História das mulheres: as vozes do silêncio. In: FREITAS, Marcos
César de (Org.) Historiografia brasileira em perspectiva. Sã o Paulo: Contexto/EDUSF,
1998.

DEL PRIORE, Mary (Org.); BASSANEZI, Carla (Coord.). História das mulheres no Brasil.
8. ed. Sã o Paulo: Contexto, 2006.

DUBY, Georges; PERROT, Michelle (Org.). História das mulheres no Ocidente: o século
XX. Porto/ Sã o Paulo: Afrontamento/Ebradil, 1991.

Pá gina 335
McLURKIN, Denise L. Questões sociais desafiadoras na escola: guia prá tico para
professores. New York: McGraw-Hill, 2015.

NOLASCO, Só crates. A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.

PEDRO, Joana M.; WOLF, Cristina F.; VEIGA, Ana Maria (Org.). Resistência, gênero e
feminismo contra as ditaduras no Cone Sul. Florianó polis: Mulheres, 2011.

PEDRO, Joana M.; GROSSI, Miriam P. (Org.). Masculino, feminino, plural: gênero na
interdisciplinaridade. Florianó polis: Mulheres, 1998.

PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: EDUSC, 2005.

PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. Sã o Paulo: Contexto, 2007.

SELBACH, Jeferson Francisco [et al.]. Mulheres: histó ria e direitos. Cachoeira do Sul:
Ediçã o do autor, 2005.

STEARNS, Peter N. História das relações de gênero. Sã o Paulo: Contexto, 2007.

Sites

<http://institutopapai.blogspot.com.br/>. Instituiçã o que atua em prol da eliminaçã o


de desigualdades e da afirmaçã o e valorizaçã o da diversidade a partir da perspectiva
feminista de gênero, atuando prioritariamente com homens e sobre masculinidades,
contra todas as expressõ es do machismo.

<http://articulacaodemulheres.org.br/>. Organizaçã o que visa coordenar as açõ es dos


movimentos de mulheres brasileiras.

<http://www.cladem.org/>. Rede feminista que trabalha para contribuir com a plena


vigência dos direitos das mulheres na América Latina e Caribe.

<http://www.coletivomulhervida.org.br/>. Organizaçã o nã o governamental, sem fins


lucrativos, que atua desde 1991 no enfrentamento à s violências doméstica, sexual e
sexista (VDSS).

<http://www.pagu.unicamp.br/>. Nú cleo de estudos de gênero da Universidade de


Campinas (SP).

<http://redesaude.org.br/comunica/>. Rede Nacional Feminista de Saú de, Direitos


Sexuais e Direitos Reprodutivos, uma articulaçã o política nacional do movimento de
mulheres, feminista e antirracismo, que luta pela saú de integral, direitos sexuais e
direitos reprodutivos. Defesa do SUS pú blico e de qualidade a todas as mulheres.

<http://soscorpo.org/>. Instituto Feminista para a Democracia, uma organizaçã o que


luta contra a pobreza, o racismo e a homofobia.
<http://www.geledes.org.br/>. Site do Geledés, uma importante organizaçã o nã o
governamental de mulheres negras.

Filmes

A fonte das mulheres. Direçã o de Radu Mihaileanu. França/Bélgica/Itá lia, 2011. (135
min).

A informante. Direçã o de Larysa Kondracki. Alemanha/Canadá , 2010. (111 min).

Acusados. Direçã o de Jonathan Kaplan. EUA/Canadá , 1988. (111 min).

As sufragistas. Direçã o de Sarah Gavron. Reino Unido, 2015. (106 min).

De gravata e unha vermelha. Direçã o de Miriam Chnaiderman. Brasil, 2015. (86 min).

Flor do deserto. Direçã o de Sherry Hormann. Reino Unido/Alemanha/Á ustria, 2009.


(120 min).

Histórias cruzadas. Direçã o de Tate Taylor. EUA/ Emirados Á rabes Unidos, 2011. (146
min).

Hoje eu quero voltar sozinho. Direçã o de Daniel Ribeiro. Brasil, 2014. (96 min).

Juno. Direçã o de Jason Reitman. EUA, 2007. (96 min).

Milk: a voz da igualdade. Direçã o de Gus Van Sant. EUA, 2009. (128 min).

Minha vida em cor-de-rosa. Direçã o de Alan Berliner. Reino Unido/Bélgica/França,


1997. (89 min).

Silêncio das inocentes. Direçã o de Ique Gazzola. Brasil, 2010. (49 min).

O sorriso de Mona Lisa. Direçã o de Mike Newell. EUA, 2003. (117 min).

Preciosa: uma histó ria de esperança. Direçã o de Lee Daniels. EUA, 2009. (110 min).

Revolução em Dagenham. Direçã o de Nigel Cole. Reino Unido, 2011. (113 min).

Terra fria. Direçã o de Niki Caro. EUA, 2006. (126 min).

Tomboy. Direçã o de Céline Sciamma. França, 2011. (84 min).

Virou o jogo: a histó ria de Pintadas. Direçã o de Marcelo Villanova. Brasil, 2012. (26
min).

Pá gina 336
4. As seções da obra
A obra está organizada em unidades e capítulos, que apresentam a estrutura descrita a
seguir.

4.1. Páginas de abertura das unidades


Cada unidade é introduzida por pá ginas duplas que recorrem a imagens e textos a
partir dos quais os alunos sã o estimulados a falar sobre o que sabem ou imaginam
saber, a levantar hipó teses e a extrair informaçõ es das fontes apresentadas. Com esse
diá logo no início de cada unidade, espera-se motivá -los para o estudo do tema ou
assunto.

Os registros imagéticos utilizados nas pá ginas de abertura das unidades sã o os mais


variados: reproduçõ es de pinturas, fotos antigas ou atuais, caricaturas, desenhos,
reproduçõ es de cenas de filmes, de histó rias em quadrinhos etc. Interrogando essas
fontes, atentos ao que informam e ao que omitem, pretendemos dar início ao trabalho
com a competência leitora, estimulando nos alunos a capacidade de observar,
identificar, associar, comparar, relacionar, entre outras.

4.2. Página de abertura de capítulo


Cada capítulo também se inicia com uma página de abertura que cumpre a funçã o de
introduzir a exposiçã o dialogada, com foco no assunto a ser trabalhado no capítulo.

4.3. Corpo do capítulo


No corpo do capítulo buscou-se adotar uma linguagem adequada ao Ensino Médio e
familiarizar os alunos com os conceitos-chave da nossa disciplina. Construímos o
corpo do capítulo entrelaçando texto e imagem e intensificando a exploraçã o
pedagó gica do registro visual, que está no cerne de nossa proposta de ensino-
aprendizagem. Com isso buscamos tornar a mensagem nã o só mais compreensível ao
aluno, mas também mais atraente. Nesta obra para o Ensino Médio, a imagem nã o
serve apenas para reforçar o texto ou dialogar com ele, está também a serviço da
educaçã o do olhar.

Buscamos ainda fundamentar o texto didá tico com uma produçã o historiográ fica
qualificada. Nossa preocupaçã o nã o foi incorporar ao texto didá tico a ú ltima pesquisa
acadêmica publicada sobre cada assunto abordado na obra – mesmo porque isso seria
impossível –, mas incorporar um conhecimento consolidado e reconhecido pela
comunidade de historiadores profissionais e pesquisadores do ensino de Histó ria.

4.4. Seções internas


Intercalados ao texto principal, inserimos também boxes com três títulos: Para saber
mais, Para refletir e Dialogando.

Para saber mais


Quando o objetivo é alargar ou detalhar um assunto derivado do tema principal que
possa interessar ao aluno e ao trabalho interdisciplinar.

Para refletir

Quando o objetivo é estimular, como o nome mesmo diz, a reflexã o por meio de um
questionamento direto.

Dialogando

É uma seçã o que faz um convite à participaçã o oral dos alunos. Eles sã o desafiados a
responder a uma questã o sobre conteú dos conceituais ou atitudinais, a interpretar
uma imagem, um grá fico ou uma tabela etc. Essa interrupçã o do texto principal
funciona como respiro e uma oportunidade para o aluno colocar-se como sujeito do
conhecimento.

Pá gina 337

4.5. Atividades
Aprender Histó ria depende da leitura e da escrita. E ler e escrever implica
compreensã o, aná lise e interpretaçã o de uma diversidade de gêneros de textos e de
imagens fixas de diferentes tipos, além de grá ficos, tabelas e filmes (imagens em
movimento). As atividades deste livro visam justamente auxiliar no desenvolvimento
da competência leitora e escritora que, a nosso ver, sã o complementares e
interdependentes, além de ajudar o aluno a capacitar-se para o exercício da cidadania.

No tocante aos textos, buscamos variar constantemente o gênero: oferecemos à leitura


textos jornalísticos, literários, filosó ficos, jurídicos, historiográ ficos, testemunhais etc.
Fizemos também um trabalho com imagens fixas (fotografia, pintura, gravura entre
outras); a leitura atenta do item 2.3. desta parte exclusiva pode auxiliar o professor.

As atividades ao longo da coleçã o estã o distribuídas por quatro seçõ es, que
consideramos muito importantes na nossa metodologia de ensino-aprendizagem: I –
Retomando; II – Leitura e escrita em Histó ria; III – Integrando com...; e IV. Você
cidadã o!

A seçã o Retomando reú ne questõ es de mú ltipla escolha e dissertativas extraídas do


Enem e de diferentes vestibulares do país. Procuramos selecionar aquelas que
estimulam no alunado a capacidade de ler e compreender textos de diferentes
gêneros: grá ficos, tabelas, imagens fixas (pintura, gravura, fotografia, charge, entre
outras), além de exigir dele conhecimentos específicos sobre o assunto abordado.

A seçã o Leitura e escrita em História apresenta uma divisã o tripartite: Leitura de


imagem, Leitura e escrita de textos e Integrando com... .
A “Leitura de imagem” visa à educaçã o do olhar, à formaçã o de conceitos e ao estímulo
à produçã o escrita.

“Leitura e escrita de textos” apresenta textos seguidos de questionamentos (Vozes do


passado, Vozes do presente e Cruzando fontes). Visa familiarizar o aluno com
diferentes gêneros textuais, estimulá -lo a perceber quem está falando e de que lugar
fala (posiçã o que ocupa na sociedade), além de capacitá -lo a identificar, relacionar e
contextualizar (habilidades das mais importantes em Histó ria).

Roteiro para leitura e análise de textos

Partindo do suposto de que qualquer fonte possui autoria, pú blico e objetos


específicos, apresentamos a seguir um roteiro construído a partir de estudos e da
nossa prá tica docente.

1. Título e lugar de onde foi extraído.

2. Tipo de fonte (carta, artigo de jornal, legislaçã o, entrevista etc.).

3. Quando, por quem e onde foi produzido.

4. Quem fala (autor).

5. De onde fala (posiçã o que ocupa na sociedade).

6. Para quem fala (Para o pú blico em geral? Para seus pares? Para os seus
subalternos? Para as autoridades?).

7. Principais ideias e conceitos do texto.

8. Conclusõ es a que a leitura permite chegar considerando o que está explícito.

9. Conclusõ es a que a leitura permite chegar considerando o que está implícito


(lembrar que os silêncios de um texto podem ser tã o ou mais importantes do que
aquilo que é dito).

10. Cruzar o documento com outras fontes sobre o mesmo assunto.

11. Relacionar o texto com o contexto, salientando a importâ ncia dele para o estudo de
determinada questã o ou época.

12. Outras conclusõ es e/ou observaçõ es sobre o texto que se considere importante
registrar.

Com esse roteiro, espera-se ajudar o aluno a conhecer as condiçõ es de produçã o do


texto em foco, o lugar de onde se fala, o que foi dito e o que deixou de ser dito, e, assim,
aos poucos, permitir que ele vá desenvolvendo a capacidade de ler, interpretar e
escrever em Histó ria. Ao mesmo tempo, espera-se que ele consiga argumentar em
defesa de um ponto de vista e contestar contra-argumentaçõ es.
Pá gina 338

Na seçã o Integrando com... nos esforçamos para dar um passo em direçã o à adoçã o
de uma perspectiva interdisciplinar. As atividades dessa seçã o abordam temas
relevantes para os alunos do Ensino Médio e os estimulam a mobilizar conhecimentos
e conceitos de outras disciplinas, como Língua Portuguesa, Biologia, Sociologia,
Geografia, entre outras.

Já a seçã o Você cidadão!, no final de cada unidade, visa estimular o alunado a traçar
paralelos entre o passado e o presente, a interrogar o presente, a debater e, sobretudo,
a se posicionar diante de uma questã o/problema, ajudando-o, assim, a se preparar
para o exercício da cidadania.

Por fim, sabemos que talvez nã o seja possível realizar em sala de aula todas as
atividades propostas, diante da carga horária reservada à Histó ria na escola. Nossa
intençã o foi fornecer opçõ es, permitindo assim que cada professor selecione as que
mais se adequarem a sua proposta de ensino-aprendizagem, ao projeto pedagó gico da
escola e à quantidade de horas-aula de que dispõ e.

4.5.1. O blog da turma


Ao longo da coleçã o foram sugeridas vá rias atividades, entre as quais o blog, uma
alternativa para o desafio de mobilizar os alunos a apresentarem uma pesquisa de
maneira mais atraente. Sabemos que as novas geraçõ es têm familiaridade com as
redes sociais, e que o uso de tecnologias educacionais pode levá -los a aprender mais e
melhor. Por isso, propomos alguns passos para a montagem de um blog:

1. Aplicar o nome da turma, da escola e do professor responsá vel; o blog pertencerá ,


portanto, a um grupo definido e limitado de pessoas.

2. Elaborar uma proposta para o blog, explicitada por um nome significativo e uma
curta descriçã o de seus objetivos.

3. Revisar o material a ser postado, a fim de garantir a compreensã o e a correçã o da


mensagem (pode-se trabalhar em parceria com o professor de Língua Portuguesa).

4. Avaliar criteriosamente fotos, tabelas, grá ficos, mapas e textos dos mais variados
gêneros destinados ao blog.

5. Os alunos poderã o se organizar em grupos. Cada grupo será responsá vel por uma
á rea de atuaçã o, a saber:

a) Equipe de pesquisa: responsá vel por “alimentar” o blog com novas matérias-
primas, que serã o transformadas em produto com a ajuda dos outros grupos.

b) Equipe de design: responsá vel pelos aspectos visuais, incluindo-se aí a


diagramaçã o, a escolha das fontes de letra e cores, os estilos e o tamanho das imagens.
c) Equipe de redaçã o: responsá vel por receber e organizar os materiais a serem
postados, padronizando e melhorando os textos e as imagens.

d) Equipe de iconografia: responsá vel pela pesquisa e seleçã o de imagens (fotografias


e ilustraçõ es) e vídeos a serem postados.

e) Equipe de produçã o: responsá vel pela integraçã o dos demais aspectos e também
pelas questõ es técnicas de manutençã o do blog, inclusive gerenciamento de
comentá rios etc.

f) Equipe de jornalismo: responsá vel por entrevistas e cobertura dos assuntos


abordados pelo blog, dentro e fora da escola.

Sugestã o: poderá haver um rodízio quinzenal ou mensal entre os grupos, de modo que
todos os alunos possam vivenciar as vá rias funçõ es.

O blog poderá ser também uma ferramenta de comunicaçã o permanente, em que


serã o informadas as datas de avaliaçõ es, as atividades de estudo do meio, as visitas
técnicas a museus, as excursõ es e passeios etc.

Pá gina 339

5. Planejamento, textos e atividades complementares

Unidade I – Nós e os outros: a questão do


etnocentrismo
Planejamento
Para auxiliar no Planejamento do seu curso de três anos vamos apresentar um modelo
que deve servir apenas como referência, uma vez que cabe ao professor ou equipe de
Histó ria a decisã o sobre o que e como ensinar, apó s considerar variá veis como a
funçã o do ensino de Histó ria, o projeto pedagó gico da escola, nú mero de aulas
semanais, entre outros.

TEMAS OBJETIVOS CONCEITOS/NOÇÕES


- Povos americanos 1) Trabalhar as ricas e movimentadas histó rias dos - Centros cerimoniais
- Os Astecas astecas, maias e incas e reconhecer a importâ ncia das - Mesoamérica
- A sociedade asteca civilizaçõ es criadas por eles. - Có dice
- Os maias 2) Comparar os diferentes povos indígenas do Brasil - População
- As cidades-Estado destacando saberes indígenas importantes para todos - Chinampas
maias nó s. - Tributo
- Sociedade, economia e 3) Refletir sobre o bloco conceitual dominação e - Cidade-Estado
arte resistência, focalizando as açõ es dos sujeitos - Império
- Os incas histó ricos envolvidos na questã o indígena. - Astronomia
- Economia inca 4) Apontar e discutir as principais razõ es da redução - Calendá rio
- O ayllu e a mita ou do desaparecimento completo de vá rios povos - Ayllu
- A sociedade incaica indígenas que aqui viviam. - Cultura
- Indígenas nas terras 5) Entender a luta das populaçõ es indígenas pelo - Tronco linguístico
onde hoje é o Brasil reconhecimento de seu direito à posse da terra em - Semelhanças e
- Diferenças e que vivem. diferenças
semelhanças entre os 6) Relacionar a colonizaçã o espanhola na América à - Direito à terra e à
indígenas política mercantilista adotada pelo Estado absolutista diferença
- As línguas espanhol. - Constituiçã o
- As artes indígenas 7) Conhecer as possíveis razõ es para a depopulaçã o - Etnocentrismo
- Semelhanças entre os ocorrida na América durante a Conquista. - Colonizaçã o /conquista
indígenas 8) Compreender a administraçã o, a sociedade e a
- Encontro e economia na América colonial espanhola. - Resistência
desencontro: os 9) Estimular atitudes de indignaçã o em relaçã o a - Mita
portugueses e os todas as formas de discriminaçã o e racismo - Encomienda
tupiniquins praticados contra as populaçõ es ameríndias. - Mineraçã o
- Demografia e terra 10) Compreender o funcionamento das capitanias - Agropecuá ria
- Problemas dos hereditá rias, governos-gerais e câ maras municipais,
indígenas hoje destacando o poder dos “homens bons”.
- As lutas dos povos 11) Trabalhar o bloco conceitual dominaçã o e
indígenas resistência usando como matéria-prima a guerra pela
- A conquista posse da terra entre os Tupinambá e os portugueses.
- A conquista das terras 12) Refletir sobre a atuação da Igreja e dos
astecas missioná rios cató licos na Colô nia.
- A conquista das terras 13) Destacar as possíveis razõ es da colonizaçã o da
incas América portuguesa nas condiçõ es que favoreceram a
- As razõ es da cultura da cana-de-açú car nesta parte da América e o
conquista: um novo processo de produçã o do açú car.
olhar
- A economia colonial

Pá gina 340

TEMAS OBJETIVOS CONCEITOS/NOÇÕES


- O trabalho forçado dos 14) Evidenciar a importâ ncia do mercado interno e - Plantation
ameríndios da produção de alimentos na economia colonial. - Manufatura
- A mineraçã o 15) Evidenciar a complexidade da sociedade colonial - Artesanato
- A agropecuá ria açucareira. - Casa de Contrataçã o -
- Manufatura, 16) Debater a tese de que a escravidã o no Brasil Conselho Real e
artesanato e mercado colonial foi mais “amena” do que em outras partes da Supremo das Índias
interno América. - Adelantado
- O controle sobre o 17) Destacar que o serviço e o conhecimento dos - Cabildos
comércio colonial trabalhadores livres eram importantes para o - Comércio triangular
- A administraçã o funcionamento dos engenhos. - Assembleia
colonial 18) Compreender a invasão holandesa no Nordeste - Governador - Engenho
- A sociedade colonial como um capítulo da disputa daAmérica pelos - Escambo
- A ocupaçã o da europeus. - Feitoria
América inglesa 19) Apresentar as invasõ es como uma tentativa dos - Capitania Hereditá ria
- Os primeiros colonos holandeses de aumentarem sua participaçã o no - Governo-geral
- As Treze Colô nias lucrativo negó cio do açú car e dos escravos. - Câ maras Municipais
- As colô nias do Centro- 20) Levantar algumas questõ es sobre o mito de “bom - Diversidade econô mica
Norte homem” construído em torno da figura de Maurício de
- As colô nias do Sul Nassau. - Sociedade colonial
- A organizaçã o política 21) Superar a tradicional divisã o entre Histó ria Geral - Guerras justas
das Treze Colô nias e Histó ria do Brasil, evidenciando que os conflitos - Monopó lio
- Do escambo à entre Espanha e Holanda e as invasõ es holandesas no - Trá fico atlâ ntico
colonizaçã o Nordeste brasileiro são processos simultâ neos. - Guerra de emboscadas
- Administraçã o colonial 22) Refletir e debater a construçã o e o significado do - Imaginá rio popular
mito da “uniã o das três raças” durante a Insurreiçã o - Impérios coloniais
- As capitanias Pernambucana. - Uniã o Ibérica
hereditá rias 23) Relativizar o impacto da concorrência antilhana - Nordeste
- O Governo-Geral sobre a economia açucareira do Brasil. - Queima de arquivo
- Câ maras Municipais - Restauraçã o
- A economia colonial
- O produto
- O capital
- A mã o de obra
- Diversificação agrícola
- Sociedades coloniais -
Holandeses no Nordeste

- Os holandeses
conquistam a
independência
- A guerra pelo açú car e
pelo trá fico atlâ ntico
- Invasã o da Bahia
- Invasã o de
Pernambuco
- O governo de Nassau
- Artistas e cientistas do
Brasil holandês
- A Restauração em
Portugal
- A luta contra os
holandeses
- Os holandeses nas
Antilhas
- A Guerra dos Mascates

Pá gina 341

Textos complementares
• Texto 1

O texto a seguir é de Gersem dos Santos Luciano, índio da naçã o Baniwa, graduado em
filosofia pela Universidade Federal do Amazonas (1995), com mestrado na
Universidade de Brasília (2006).

Saúde indígena
O índice médio de mortalidade da criança indígena até os 9 anos, que é quase o dobro do índice médio de
mortalidade da criança nã o indígena, revela que há uma diferença significativa na fruiçã o do direito à
saú de pelo simples fato de ser a criança indígena ou nã o. Seria imprescindível, portanto, considerando-se
o direito à igualdade previsto na Constituiçã o Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente,
programas que tratassem a questã o da saú de da populaçã o indígena infantil com a maior atençã o. De
toda sorte, nã o se pode negar que o problema da saú de infantil indígena é complexo. Concluir que seria
simplesmente fruto de falhas de políticas indigenistas dos governos locais ou mesmo falhas do programa
Fome Zero do Governo Federal, por exemplo, implicaria um reducionismo falacioso. A questã o da
diversidade cultural por si só é um fator catalisador deste problema, o que fica mais fá cil de entender
quando lembramos o caso do índio Kaiowá de 2 anos e quatro meses que foi encontrado morto em
fevereiro de 2005 na regiã o de Dourados; segundo relatos, sua mã e relutava em buscar atendimento
médico para o filho, pois acreditava que ele tivesse sido atingido por um feitiço.

Outro dado que revela a disparidade de atençã o do serviço pú blico é com relaçã o à tuberculose. No
Brasil, o nú mero de portadores da doença é de 60,7 para cada grupo de 1.000 habitantes, já considerado
intolerá vel pela Organizaçã o Mundial de Saú de (OMS). Porém, entre a populaçã o indígena esse nú mero
sobe para 112,7. O descaso com que a populaçã o indígena é tratada resulta também na disseminaçã o de
doenças, como a depressã o e o alcoolismo. Os casos notificados de Doenças Sexualmente Transmissíveis
(DST-AIDS), cerca de 4 mil, mostram que a doença também já preocupa.

O problema nú mero um é a terra. Sã o grandes concentraçõ es de pessoas em pequenos espaços, ao


contrá rio da cultura que lhes é pró pria. Tradicionalmente, quando havia projeçõ es de novas lideranças,
os índios se dividiam, iam cada um para um canto. Hoje, é impossível. Os grupos familiares sã o obrigados
a conviver em um espaço reduzido e com uma imposiçã o de lideranças que também vem da época do SPI
(Serviço de Proteçã o ao Índio: precedeu à FUNAI) que inventou o capitã o, por exemplo. Foi uma
imposiçã o do branco para que houvesse uma interlocuçã o com a sociedade. Atualmente, novas
lideranças começam a se projetar e a exigir espaço. Cada grupo tem seu líder e sua forma de ver. Nã o
existe soluçã o ú nica para a reserva. A alta taxa de mortalidade é causada principalmente pela falta de
soluçõ es definitivas para a questã o da terra. No caso indígena, o problema alimentar está ligado à
garantia das terras, à proteçã o ambiental e à criaçã o de alternativas para a produçã o de alimentos dentro
do territó rio indígena. Programas assistenciais nã o sã o suficientes para resolver um problema que é
estrutural e reflete a necessidade de solucionar os problemas de terra e de autossustentaçã o econô mica
dos povos indígenas.

LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje.
Brasília, DF: MEC/SECAD; LACED/Museu Nacional, 2006. p. 186-187 (Coleçã o Educaçã o Para Todos. Série Vias dos
Saberes, n. 1).

• Texto 2

O texto a seguir foi escrito por Milton Herná n Bentancor, professor da Universidade de
Caxias do Sul que atua no Programa de Pó s-Graduaçã o em Letras, Cultura e
Regionalidade.

Muito antes que o primeiro espanhol chegasse à América, os povos indígenas que habitavam estas terras
já haviam acumulado uma grande produçã o intelectual. Ao longo dos séculos, haviam construído

Pá gina 342

uma civilizaçã o organizada, com estrutura social complexa, além de suas tradiçõ es míticas para explicar
a origem do ser humano e sua relaçã o com o mundo. No caso dos povos maias-quichés, essas crenças
estiveram guardadas em um livro sagrado por eles chamado de Popol Vuh.

Para chegar ao nosso conhecimento, mais de 500 anos depois, esse relato sobreviveu em muitos aos
povos que lhe deram origem e passou por vá rias mã os, inclusive dos colonizadores espanhó is. [...] Há
vá rios indícios de que os espanhó is tenham alterado a versã o original do Popol Vuh. Mas nem por isso
ele é uma fonte menos interessante. Ao contrá rio: parte do fascínio de sua interpretaçã o reside
justamente nos contatos culturais.

[...] Quando os espanhó is chegaram, os maias Já tinham criado um sistema de escrita com base em
símbolos grá ficos que lhes permitiu coletar suas histó rias de imagens e hieró glifos (có dices). Podemos
supor que o Popol Vuh foi, originalmente, um livro dessa natureza.

[...] o texto apresenta uma primeira parte sobre a criaçã o do mundo, descrevendo o trabalho dos deuses
em sua busca por um ser que os adorasse. Três tentativas teriam fracassado: com os animais, com
homens de barro e com homens de madeira [...]. Fechando a primeira parte do livro, o relato retorna à
origem do homem, interrompida depois dos erros divinos. A matéria-prima de sua criaçã o seria o milho.
Quando saiu das mã os dos deuses, o homem era perfeito e, por ciú mes, os criadores o reduziram à
condiçã o atual.
A segunda parte do Popol Vuh apresenta a histó ria dos quichés: suas guerras contra outros povos da
regiã o [...] a origem da dinastia real e a sucessã o genealó gica dos reis até a conquista espanhola.

[...] Nos ú ltimos anos surgiram interpretaçõ es que classificam o Popol Vuh como uma expressã o
hispâ nica e cristã de mitos e lendas indígenas. Embora a intervençã o espanhola seja uma verdade
incontestá vel a marcar os materiais que chegaram até os nossos dias, tampouco se pode ignorar a
qualidade desses escritos.

Ao mesmo tempo em que os pontos de interferência cultural podem distorcer o verdadeiro significado e
adulterar o pensamento original maia, eles nã o chegam a eliminar elementos autênticos [...] O Popol Vuh
envolve a beleza do romance e a austeridade da histó ria, pintando com as mais vivas cores a cultura e a
mentalidade de um grande povo.

BENTANCOR, Milton. H. O gênesis quiche. In: Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 10, n. 108,
p. 80-84, set. 2014.

• Texto 3

O texto a seguir foi extraído do livro A conquista da América: a questã o do outro, do


importante filó sofo e linguista Tzvetan Todorov. Nessa obra clá ssica, Todorov discute
o encontro entre os ameríndios e os espanhó is, e a conquista da América pelos
ú ltimos, a partir do conceito de alteridade.

Em primeiro lugar, a descoberta da América, ou melhor, a dos americanos, é sem dú vida o encontro mais
surpreendente de nossa histó ria. Na “descoberta” dos outros continentes e dos outros homens nã o
existe, realmente, este sentimento radical de estranheza. Os europeus nunca ignoraram totalmente a
existência da Á frica, ou da Índia, ou da China, sua lembrança esteve sempre presente, desde as origens. A
Lua é mais longe do que a América, é verdade, mas hoje sabemos que aí nã o há encontro, que esta
descoberta nã o guarda surpresas da mesma espécie. Para fotografar um ser vivo na Lua, é necessá rio que
o cosmonauta se coloque diante da câ mara, e em seu escafandro há um só reflexo: de um outro
terrá queo. No início do século XVI, os índios da América estã o ali, bem presentes, mas deles nada se sabe,
ainda que, como é de esperar, sejam projetadas sobre os seres recentemente descobertos imagens e
ideias relacionadas a outras populaçõ es distantes. O encontro nunca mais atingirá tal intensidade, se é
que esta é a palavra adequada. O século XVI veria perpetrar-se o maior genocídio da histó ria da
humanidade.

Mas nã o é unicamente por ser um encontro extremo, e exemplar, que a descoberta da América é
essencial para nó s, hoje. Além deste valor paradigmá tico, ela possui outro, de causalidade direta. A
histó ria do globo é, claro, feita de conquistas e derrotas, de colonizaçõ es e descobertas dos outros; mas
[...], é a conquista da América que anuncia e funda nossa identidade presente.

Pá gina 343

Apesar de toda data que permite separar duas épocas ser arbitrá ria, nenhuma é mais indicada para
marcar o início da era moderna do que o ano de 1492, ano em que Colombo atravessa o oceano Atlâ ntico.
Somos todos descendentes diretos de Colombo, é nele que começa nossa genealogia – se é que a palavra
começo tem um sentido. Desde 1492 estamos, como disse Las Casas, “neste tempo tã o novo e a nenhum
outro igual” (Historia de las índias, 1, 881). A partir desta data, o mundo está fechado (apesar de o
universo tornar-se infinito). “O mundo é pequeno”, declarará peremptoriamente o pró prio Colombo
(Carta Raríssima, 7.7.1503). Os homens descobriram a totalidade de que fazem parte. Até entã o,
formavam uma parte sem todo.

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questã o do outro. Trad. Beatriz Perrone Moisés. Sã o Paulo: Martins
Fontes, 1993. p. 4-6.
• Texto 4

O texto a seguir é do historiador José Augusto Pá dua, professor associado do Instituto


de Histó ria da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Laborató rio
de Histó ria e Natureza da mesma universidade.

A aceleraçã o da produçã o de açú car nas regiõ es de floresta tropical do “novo mundo” também está
relacionada com o impacto social de enorme alcance: foi o principal estímulo para a construçã o do
escravismo moderno. Foi nos territó rios da América tropical que o modelo de produçã o de monoculturas
e trabalho escravo gerou maior impacto na ecologia das paisagens. [...] O desmatamento tropical é um
fenô meno moderno, que atingiu o seu auge no século XX. O Brasil e algumas ilhas do Caribe, como Cuba e
Jamaica, tornaram-se os símbolos do desmatamento provocado pela cana. Mas ele se alastrou para vá rias
outras regiõ es, como as Ilhas Maurício, Indonésia, Filipinas, Havaí e Fiji.

[...] A floresta tropical, com toda a sua diversidade, aos olhos dos produtores, representava apenas um
“embaraço” para o avanço da cana.

É importante nã o sermos anacrô nicos no julgamento dos agentes do desflorestamento tropical na


formaçã o do mundo moderno. Naquele contexto cultural e ecoló gico, no qual as matas pareciam infindas,
eles fizeram uso dos fatores de produçã o com os quais contavam, montando um sistema bastante eficaz
[...].

E o impacto nas florestas nã o se devia apenas à abertura de terras para o plantio. Para cada quilo de
açú car produzido, cerca de 15 quilos de lenha eram queimados nas fornalhas que alimentavam os
enormes caldeirõ es onde o caldo na cana era cristalizado. Para purgar o açú car nas moendas, utilizava-se
cinza de madeira, em muitos lugares retirada dos manguezais. O conjunto da infraestrutura estava
calcado na madeira ou em materiais cuja produçã o requeria o uso de lenha em fornalhas – como tijolos,
telhas e cal. Das á rvores tropicais provinham até as caixas onde o açú car era acondicionado para
exportaçã o [...].

PÁ DUA, José Augusto. O amargo avanço da doçura. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 8, n.
94, p. 18-21, jul. 2013.

Atividades complementares
1. O texto a seguir é de duas historiadoras que vêm se empenhando no estudo dos
primeiros povos da América. Leia-o com atençã o.

As cidades incas
A maior cidade inca era Cuzco, a capital do império. Era uma cidade planejada, que tinha como centro
uma praça, da qual saíam as ruas em linha reta. Além dessa praça, a cidade possuía outras menores e era
dividida em duas partes: Cuzco de cima e Cuzco de baixo, onde se encontrava o Templo do Sol [...].

Pá gina 344

As construçõ es eram feitas de grandes blocos de pedra, cortados com perfeiçã o com o uso de
ferramentas de pedra e instrumentos de cobre e encaixados uns nos outros sem necessidade de cimento
ou qualquer outra substâ ncia colante. Antes do início das construçõ es, os arquitetos incas faziam
pequenas maquetes de argila e pedra, a partir de seus projetos.
Ainda hoje, construçõ es inteiras feitas pelos incas ou vestígios delas podem ser vistas em cidades como
Cuzco, Lima e Quito. Muitas das construçõ es europeias dessas cidades foram feitas sobre ruínas de
edificaçõ es incas. Existem também vá rias localidades – praticamente intactas – em que se pode ver como
se organizavam os bairros e as cidades incas. É o caso de Macchu Picchu, Pisac e Tiahuanaco. [...]

[...]

O império inca foi brutalmente destruído, no século XVI, pelos conquistadores espanhó is, que
impuseram sua cultura à populaçã o andina. Apesar da grande destruiçã o causada pela colonizaçã o, ainda
hoje encontramos na regiã o dos Andes traços culturais identificados com a tradiçã o inca, embora
descaracterizados por sua fusã o à cultura europeia.

NEVES, Ana Maria Bergamin; HUMBERG, Flá via Ricca. Os povos da América: dos primeiros habitantes às primeiras
civilizaçõ es urbanas. Sã o Paulo: Atual, 1996. p. 77-80.

a) O que se pode concluir sobre os construtores incas com base no texto?

Pode-se concluir que eram construtores competentes: projetavam antes de construir e possuíam grande capacidade té cnica;
prova disso sã o as construçõ es incas que resistiram ao tempo e podem ser vistas, ainda hoje, em Cuzco, Lima e Quito.

Sobre Machu Picchu:

b) Construçõ es ou restos de construçõ es como as de Machu Picchu sã o que tipo de


fonte histó rica?

Sã o fontes da cultura material.

c) O que se pode saber fazendo uma visita a esta cidade hoje?

Os vestígios materiais ali encontrados podem nos informar sobre o conhecimento, as té cnicas agrícolas, as prá ticas religiosas
além de vá rios outros aspectos da vida do povo inca.

d) Que termos as autoras do texto usam para caracterizar o relacionamento entre


espanhó is e incas?

Elas utilizam o binô mio destruiçã o/fusã o; segundo elas, inicialmente ocorreu uma brutal destruiçã o; mas é possível
encontrar també m traços da cultura inca mesclados a outros da cultura europeia, ocorrendo també m, portanto, fusã o
cultural.

2. O texto a seguir é trecho de um discurso de Cortez para os seus soldados durante a


Conquista.

[...] “O que acontece camaradas? O que temeis? Nã o vos anima saber que Deus está convosco e que já vos
concedeu tantos sucessos? Pensais que vossos inimigos sã o melhores e mais valorosos? Nã o vedes que
está em vossas mã os a expansã o da fé de Cristo? Ganhareis, para vosso Soberano e para vó s mesmos,
reinos e poder, contanto que sejais constantes! É pouco o que falta e eu nã o temo, mas se por acaso
morrermos, quereis maior felicidade? Nenhum homem poderá ter morte mais gloriosa! Além do mais,
lembrais que sois espanhó is que costumam ser perseverantes e arriscam suas vidas, quando se trata do
serviço de Deus Onipotente, ou se apresenta uma ocasiã o para merecer honrarias. Além do mais, para
onde iremos? Que faremos cansados na ociosidade do litoral? Â nimo! Recobrais o â nimo! Submeteis
comigo estas naçõ es bá rbaras sob a Lei de Cristo, e sob a obediência a nosso rei! Quanta gló ria a
posteridade vos dará por estas façanhas, que nenhum homem jamais enfrentou! Nossa pá tria e os países
vizinhos vos darã o tanta honra, maior do que deram a Hércules da Grécia quando veio à Espanha, para
quem construíram monumentos. Sã o muito mais importantes os vossos trabalhos e também serã o
maiores os prêmios. Despertais, pois, e com â nimo valente empreendeis comigo a aventura começada,
sem duvidar da vitó ria”.
MÁ RTIR DE ANGLERIA, Pedro. Décadas del nuevo mundo. IN: Janotti, Maria de Lourdes (Coord.). Secretaria da
Educaçã o. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagó gicas. Proposta curricular de Histó ria e Geografia para o 2o.
grau. Sã o Paulo: SE/CENP, 1978.

Pá gina 345

Agora, responda em seu caderno:

a) Em que século o texto foi escrito?

Sé culo XVI.

b) A quem Cortez se dirige?

Aos seus soldados.

c) Com que intençã o?

Com a intençã o de motivá -los para a luta.

d) Segundo Cortez, por que seus soldados deviam lutar?

Para expandir a fé em Cristo.

e) O que ganhariam em troca?

Ganhariam poder e gló ria.

f) Elabore um comentá rio crítico a respeito do texto.

Resposta pessoal. Professor: estimular a reflexã o sobre o uso da fé cristã para legitimar a guerra contra os povos indígenas
e/ou sua sujeiçã o.

3. Leia o texto com atençã o:

Relendo a carta de Pero Vaz de Caminha, pode-se tentar imaginar as reaçõ es dos índios, nas praias
brasileiras, à chegada dos europeus. Primeiro, é a perplexidade diante dessas montanhas flutuantes que
eram as caravelas, depois, a curiosidade diante do espetá culo desses visitantes de pele branca cujo corpo
inteiramente vestido nã o estava tingido de preto ou vermelho, nem tinha plumas multicoloridas, e cujos
gestos pareciam tã o esquisitos, cujos gritos eram incompreensíveis e frequentemente abafados pelo
barulho das ondas que estouravam na praia. [...] Os visitantes nã o sabiam cortar os cabelos nem pintar a
testa de preto. [...] Em compensaçã o, possuíam poderosos instrumentos talhados num material duro
desconhecido dos índios – o ferro – e essas ferramentas maravilhosas que cortavam e recortavam a
madeira a toda velocidade.

[...] Por outro lado, os colares de contas brancas causaram a imediata curiosidade e cobiça dos indígenas,
que os experimentaram em volta do pescoço e depois em volta do braço: na verdade, eram terços.

GRUZINSKI, Serge. A passagem do século: 1480-1520: as origens da globalizaçã o. Sã o Paulo: Companhia das Letras,
1999. p. 70-71.
a) Que tipo de fonte histó rica o autor utiliza para imaginar as reaçõ es dos indígenas?
Qual a importâ ncia dela para nó s?

Ele utiliza a carta escrita pelo escrivã o da armada de Cabral, Pero Vaz de Caminha. Nele encontramos informaçõ es preciosas
sobre o modo de vida dos indígenas que ele encontrou e os interesses que moviam os portugueses daquela é poca, entre
outras.

b) Segundo o texto, quais foram as reaçõ es dos indígenas à chegada dos europeus?

O autor sugere ter havido trê s reaçõ es: perplexidade ao avistar as caravelas, embarcaçõ es desconhecidas dos indígenas;
curiosidade ao ver aqueles homens de pele branca e vestidos da cabeça aos pé s; e de estranhamento ao observar os
gestos e as falas dos recé m-chegados.

c) Durante décadas se disse que os portugueses levavam daqui o valioso pau-brasil e,


em troca, davam aos indígenas bugigangas como colares, facas, espelhos etc. O texto
confirma ou nega essa versã o da histó ria?

O texto nega essa versã o, ao sugerir a admiraçã o dos indígenas pelas ferramentas portuguesas. Professor: na verdade, tais
objetos como machados, facas, espelhos eram ú teis aos indígenas. Segundo o autor do texto, os indígenas viram as
ferramentas trazidas pelos portugueses como algo valioso, o que contraria a versã o historiográ fica eurocê ntrica, segundo a
qual os indígenas extraíam e ofereciam aos portugueses o “valioso” pau-brasil e, em troca, recebiam deles “bugigangas e
quinquilharias”.

Pá gina 346

d) Os indígenas usaram os terços trazidos pelos portugueses no pescoço e no braço; o


que se pode concluir a respeito disso?

Pode-se concluir que os indígenas ressignificaram o terço; eles o destituíram do valor religioso que tinha para os
portugueses, e o utilizaram como enfeite no pescoço e no braço. A ressignificaçã o dos objetos de uma determinada cultura é
uma prá tica frequente durante as trocas culturais havidas entre os povos, ao longo da Histó ria.

4. Compare as sociedades indígenas à s sociedades capitalistas com relaçã o à posse e


ao uso da terra.

Nas sociedades indígenas a posse da terra e dos recursos nela existentes é coletiva. Ou, como disse a professora Aracy Lopes
da Silva, “a terra é do conjunto de pessoas que vive em cada aldeia”. Enquanto um grupo estiver trabalhando numa
determinada á rea tem direito a usufruir de seus recursos e frutos. Já nas sociedades capitalistas, a terra é uma propriedade
privada que pode ser vendida, arrendada, alugada etc. Algué m pode ser dono de uma terra que nã o conhece.

5. O texto 1 é do soció logo Gilberto Freyre; o texto 2 é das pesquisadoras Lilia Moritz
Schwarcz e Letícia Vidor de Souza Reis. Leia-os com atençã o e compare-os.

• Texto 1
Desde logo salientamos a doçura nas relaçõ es de senhores com domésticos, talvez maior no Brasil do que
em qualquer outra parte da América. A casa-grande fazia subir da senzala para o serviço mais íntimo e
delicado dos senhores uma série de indivíduos – amas de criar, mucamas, irmã os de criaçã o dos meninos
brancos. Indivíduos cujo lugar na família ficava sendo nã o o de escravos, mas o de pessoas da casa.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formaçã o da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 21. ed.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1981. p. 393.

• Texto 2
A violência era parte constitutiva desse tipo de organizaçã o que supunha a propriedade de um homem
por outro. Com efeito, o cativeiro só poderia existir em virtude da disseminaçã o do medo e do exemplo
de controle. É por isso mesmo que, no Brasil, criou-se um verdadeiro “museu de horrores”, com castigos
dos mais rotineiros aos mais especializados. [...]

SCHWARCZ, Lilia Moritz; REIS, Letícia Vidor de Souza (Org.). Negras imagens: ensaios sobre cultura e escravidã o no
Brasil. Sã o Paulo: Edusp/Estaçã o Ciência, 1996. p. 21-22.

a) O que se pode concluir comparando a visã o do autor do texto 1 com a das autoras
do texto 2?

Enquanto o autor do texto 1 afirma que as relaçõ es entre os senhores e seus escravos domé sticos foram adocicadas (mais
suaves do que em outras partes da Amé rica), as autoras do texto 2 acreditam que a escravidã o é violenta por si mesma.

b) Como os autores dos textos 1 e 2 justificam sua argumentaçã o?

Gilberto Freyre justifica a suavidade nas relaçõ es entre brancos e negros no interior da casa-grande dizendo que, graças ao
convívio ameno com os seus senhores, os escravizados deixavam sua condiçã o original e se tornavam “pessoas da casa”,
“pessoas da família”. Já as autoras do texto 2 justificam a ideia de que a violê ncia é inerente à escravidã o e,
consequentemente, esta só podia ser mantida por meio de castigos corporais, abusos etc.

c) Em dupla. Debatam, reflitam e respondam: qual das versõ es vocês acham mais
convincente? Justifiquem.

Resposta pessoal.

6. O texto a seguir é de Jacqueline Hermann, professora de Histó ria da Universidade


Federal do Rio de Janeiro. Leia-o com atençã o.

Pá gina 347

Deserção de Olinda a Holanda


Muitos fatores contribuíram para a vitó ria dos holandeses calvinistas em territó rio até entã o governado
por reis cató licos, mas é sobre a figura superdimensionada de Domingos Fernandes Calabar que as
culpas mais pesaram. Transformado em símbolo má ximo da traiçã o à causa portuguesa, foi considerado
um dos primeiros a passar-se para o lado inimigo, mesmo depois de ferido por eles. Com data precisa, 20
de abril de 1632, a deserçã o tivera segundo fontes portuguesas papel decisivo no avanço adversá rio. [...]

K. van Baerle, baseado em Frans Post. 1647. Ilustraçã o. Coleçã o particular


A imagem mostra indivíduos de origem brasileira sob a bandeira holandesa, indicando que Calabar
nã o foi o ú nico a trair a pá tria.

[...] A deslealdade de Calabar fica ainda mais agravada quando comparada a personagens como Henrique
Dias, negro forro que se notabilizou na defesa dos interesses luso-espanhó is. [...]

Tomado isoladamente, e a partir do século XIX, como um dos exemplos mais acabados de traidor da
pá tria, Calabar viveu em um tempo no qual a fidelidade à Coroa era o mínimo que se esperava de seus
sú ditos. Mas esse compromisso era facilmente relativizado para aqueles que viviam as urgências da vida
colonial [...] incerta em tempos de guerra. A falta de pagamento de soldos e até de alimentaçã o tornou as
forças luso-espanholas presas fá ceis do assédio holandês. [...].

HERMANN, Jacqueline. Deserçã o de Olinda a Holanda. In: Revista Nossa História: Medicina, ano 2, n. 21, p. 38-42, jul.
2005.

a) Na visã o da autora do texto, Calabar teve um papel decisivo na vitó ria dos
holandeses no Nordeste? Justifique.

Nã o. Isto pode ser percebido logo no início quando a autora diz: “Muitos fatores contribuíram para a vitó ria dos holandeses
calvinistas em territó rio até entã o governado por reis cató licos, mas é sobre a figura superdimensionada de Domingos
Fernandes Calabar que as culpas mais pesaram”.

b) Como a autora explica a transformaçã o de Calabar em um “traidor da pá tria” por


excelência?

Segundo a autora, a identificaçã o de Calabar como traidor da pá tria é uma construçã o do sé culo XIX, tempo em que foram
forjadas as figuras dos heró is da pá tria e de sua antítese, os “traidores da pá tria”. Professor: Lembrar aos alunos que o
sé culo XIX foi o sé culo do nacionalismo, do romantismo e do individualismo.

c) Que elementos do texto ajudam a explicar a “traiçã o” de Calabar?

“A falta de pagamento de soldos e até de alimentaçã o tornou as forças luso-espanholas presas fá ceis do assé dio holandê s”.

d) Em dupla. Debatam, reflitam e respondam: Calabar foi, de fato, um traidor da


pá tria?

Resposta pessoal. Professor: comentar com o alunado que a ideia de pá tria/patriotismo sã o construçõ es do sé culo XIX, e,
portanto, estranhas ao sé culo XVII, é poca em que Calabar viveu. Note-se também que o nú mero de nativos que conhecia bem
a regiã o e que passou para o lado dos holandeses foi grande. Calabar, eleito traidor-símbolo pelos vencedores da guerra, foi
executado.

Pá gina 348

Unidade II – Diversidade e pluralismo cultural


Planejamento
TEMAS OBJETIVOS CONCEITOS/NOÇÕES
- O início da roedura 1) Conhecer a trajetó ria dos africanos e seus - Trá fico atlâ ntico
- Guerra e escravidã o descendentes no Brasil e destacar o papel deles como - Resistência
- A travessia sujeitos histó ricos que imprimiram marcas pró prias à - Escravidã o
- A dança dos nú meros cultura material e espiritual do Brasil. - Penhora humana
- O trabalho escravo 2) Valorizar as diferentes formas de resistência dos - Culturas de matriz afro
- A violência escravizados, entre elas a formação de quilombos.
- A resistência 3) Compreender o processo de expansã o das - Irmandades
- Os quilombos fronteiras da América portuguesa. - Quilombo
- O Quilombo dos 4) Trabalhar a resistência indígena ao avanço da - Sertanismo de contrato
Palmares colonizaçã o.
- A guerra 5) Questionar a imagem heroica que se criou em - Remanescentes de
- Remanescentes de torno do bandeirante. quilombos
quilombos 6) Evidenciar o papel da criação de gado na - Pirataria
- Os soldados interiorizaçã o da colonização portuguesa na América - Bandeirismo
- Os jesuítas e conhecer os tratados que definiram as novas - Monçõ es
- A Revolta de Beckman fronteiras do Brasil colonial. - Catequese
- Os bandeirantes 7) Refletir sobre a pobreza na capitania mais rica da - Fronteira
- Sã o Paulo, capital América portuguesa no século XVIII. - Mineraçã o
bandeirante 8) Refletir sobre a opressã o fiscal, o controle e o - Imposto
- As bandeiras contrabando em Minas Gerais no século XVIII. - Pecuá ria
- A caça ao indígena 9) Evidenciar a relação entre mineração e mercado - Lavras
- O sertanismo de interno no Brasil colonial e caracterizar a sociedade - Casas de Fundiçã o
contrato mineradora. - Distrito Diamantino
- A busca de ouro e de 10) Identificar as relaçõ es de trabalho e de poder na - Contrabando
diamantes capitania do ouro. - Revolução
- Ouro e fome 11) Perceber que características da sociedade - Capitalismo
- A disputa pelas minas colonial mineira como o medo, a grande desigualdade - Cercamento
- Regulamentaçã o, social e o valor dado à s aparências continuam - Absolutismo
impostos e cobranças presentes na sociedade brasileira de hoje. - Parlamento
- A populaçã o reage: 12) Caracterizar o absolutismo e a sociedade inglesa - Monarquia
desvios e revoltas no século XVII. parlamentar
- Diamantes: descoberta 13) Compreender os cercamentos e suas - Puritanismo
e controle consequências. - Guerra civil
- Os caminhos do ouro e 14) Identificar as forças sociais e políticas envolvidas
dos diamantes na Revoluçã o Puritana.
- Mudanças no 15) Conhecer o processo e significado da Revolução
territó rio colonial Inglesa e construir o conceito de Revoluçã o.
- A sociedade do ouro 16) Trabalhar as razõ es do pioneirismo inglês na
- Os potentados Revoluçã o Industrial.
- As camadas médias 17)Contextualizar o advento das má quinas
- Os escravizados industriais e da fá brica.
18) Refletir sobre a desigualdade social, a partir da
comparaçã o entre a qualidade de vida da burguesia
industrial e a do operariado urbano, na Inglaterra do
século XIX.
19) Compreender as lutas do operariado por
melhores condiçõ es de trabalho e de vida e registrar
suas conquistas.
20) Caracterizar o Iluminismo.

Pá gina 349

TEMAS OBJETIVOS CONCEITOS/NOÇÕES


- Os homens livres 21) Debater a noção iluminista de progresso, de - Liberalismo
pobres civilizaçã o e a crença dos iluministas no progresso - Artesanato/
- A pecuá ria colonial constante da humanidade. manufatura
- O gado no Sul 22) Conhecer ideias centrais de alguns pensadores - Industrializaçã o
- As novas fronteiras iluministas. - Movimento operá rio
- O processo 23) Trabalhar os conceitos de enciclopédia, Antigo - Sabotagem
revolucioná rio inglês Regime, despotismo esclarecido, direitos naturais, - Ludismo
- Mudanças na soberania e liberalismo econô mico. - Cartismo
sociedade inglesa 24) Diferenciaras colô nias do Centro-Norte das do
- O absolutismo dos Sul.
Stuart 25) Conhecer o processo de luta das Treze Colô nias
- Revoluçã o Puritana pela independência e associá -lo à s ideias de John
- A Repú blica de Locke.
Cromwell 26) Retomar e aprofundar o conceito de cidadania a
- A restauraçã o da partir da Constituição norte-americana(1787).
monarquia 27) Caracterizar a sociedade do Antigo Regime.
- A Revoluçã o Gloriosa
- O significado da
Revoluçã o Gloriosa
- A Revoluçã o Industrial

- Por que a Inglaterra foi


a primeira a se
industrializar?
- Má quinas industriais e
sistema fabril
- A vida dos
trabalhadores no
interior e fora das
fá bricas
- Os trabalhadores vã o à
luta

Pá gina 350

Selo Negro Editora

Fac-símile da capa do livro A África na sala de aula, de Leila Hernadenz.

Textos complementares
• Texto 1

O texto a seguir é de Leila Hernandez, da Universidade de Sã o Paulo.

Que mecanismos levavam uma pessoa a ser escravizada na África?


Mas que mecanismos levaram à escravidã o nas sociedades pré-coloniais africanas? Em termos gerais é
sabido que o fornecimento de cativos provinha basicamente das guerras internas decorrentes das
pró prias estruturas econô micas de cada regiã o, as quais remontavam à Antiguidade, tendo crescido com
a expansã o islâ mica e com a demanda ao longo do Mediterrâ neo.

Esses embates ocorriam por razõ es variadas, como o rapto de mulheres de comunidades clâ nicas ou
linhageiras, os conflitos entre “Estados” em formaçã o ou mesmo entre os já constituídos ou ainda as
guerras de expansã o, assim chamadas porque os mercadores incorporam povos tributá rios, segundo
sistema de servidã o com tributos e prazos fixados pela tradiçã o. Uma vez capturados, vendidos ou
mesmo no caso de morrerem em combate, os filhos desses escravos nã o eram vendidos nem
maltratados. Criados na maioria das vezes na corte, acabavam por reconhecer o soberano como seu
pró prio pai; além disso, desempenhavam funçõ es quase sempre importantes nas esferas administrativa
e militar.

O segundo mecanismo que levava à escravidã o era a fome que, desestruturando uma sociedade, impelia
os destituídos a vender a si mesmos ou a seus filhos como escravos, como meio de sobrevivência. Por sua
vez, o terceiro mecanismo era “resultado de puniçã o judicial por algum crime ou como uma espécie de
garantia para o pagamento de débito. No ú ltimo caso trata-se da difundida instituiçã o da penhora
humana. Nessas situaçõ es os escravos eram relativamente bem tratados: tinham acesso aos meios de
produçã o (basicamente a terra), podiam casar-se com pessoas livres e eram considerados membros da
família do senhor”.

HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves Leite. A África na sala de aula: visita à histó ria contemporâ nea. Sã o Paulo: Selo
Negro, 2005. p. 37.

• Texto 2

O texto a seguir é de José Newton Coelho Meneses, professor do Departamento de


Medicina Veterinária Preventiva da UFMG. Ele apresenta estudos de uma das mais
importantes obras sobre as Minas Gerais no século XVIII.

As aná lises interpretativas que se seguem nã o aceitam o ró tulo simples de “estudos econô micos” ou de
“Histó ria Econô mica”. Elas apresentam aos leitores uma visã o de economia integrada à construçã o só cio-
histó rica. A produçã o diamantífera tem mais que demarcaçõ es, contratos e extravios. Traz rede de
alianças e “complacência” na formaçã o de uma elite econô mica-administrativa e uma teia local de poder
em torno das urbes e arraiais, como se vê no texto “O distrito dos diamantes: uma terra de estrelas”, de
Jú nia Ferreira Furtado. Em “A mineraçã o de ouro em Minas Gerais no século XVIII”, de Joã o Antô nio de
Paula, tem-se a contraposiçã o de fontes legais, de tributaçã o e de vá rios “indicadores diretos e indiretos”,
para aquilatar a dinâ mica da produçã o aurífera, com a avaliaçã o de regimentos tributá rios e de
mineraçã o e sua integraçã o à dinâ mica do comércio, dos caminhos, dos levantes e da “condiçã o colonial”.
Em “Agricultura e mineraçã o nas Minas do século XVIII”, Carlos Magno Guimarã es e Flá via Maria da Mata
Reis mostram que a produçã o agropastoril nã o é marginal, mas integrada à lide mineradora, em rede de
produçã o que incorpora o comércio volante, tem cará ter mercantil e escravista e permite a experiência
camponesa de sesmeiros, arrendatá rios, posseiros e quilombolas. A produçã o para o abastecimento

Pá gina 351

alimentar, como evidencio em “A terra de quem lavra e semeia: alimentos e cotidiano em Minas
colonial”, é vigorosa, atende ao mercado, constró i um gosto alimentar e forja um cotidiano sem fronteiras
nítidas entre o rural e o urbano. Já Flá vio Marcus da Silva, em “Prá ticas comerciais e abastecimento
alimentar em Minas Gerais no século XVIII”, revela que a ordenaçã o desse abastecimento concilia
prá ticas e medidas intervencionistas das câ maras, estimula a produçã o e o pequeno comércio, além de
garantir a conservaçã o de caminhos. “Homens que nã o mineram: oficiais mecâ nicos nas Minas Gerais
Setecentistas”, também de minha autoria, como o título sugere, trata de indivíduos que nã o mineram,
embora possam eventualmente ter lavras de ouro, dedicam-se a fazeres e saberes essenciais em
atividade fabril e em serviços banais, suprindo um mercado consumidor e exigindo ordenaçã o aos
moldes lisboetas. Como se vê, os textos da unidade “Economia: diversificaçã o, dinâ mica evolutiva e
mercado interno” apresentam uma economia diversificada e complexa.

Lacunas persistem, estimulam e ferem a sensibilidade dos historiadores que têm como objeto as Minas
Gerais setecentistas. De imediato, é necessá rio um esforço para se escrever a histó ria de Minas no
período antecedente ao século XVIII. Ela existe, a despeito da limitaçã o de seus vestígios documentais.
Nessa busca, um diá logo transdisciplinar com a arqueologia, a antropologia e outras.

[...] Sã o necessá rios maiores esforços para complementar as lacunas documentais, visando maior aporte
serial e quantitativo. Tarefa nada fá cil, e à qual se dedicaram os historiadores que, revisando a tradiçã o
interpretativa da histó ria regional de Minas Gerais, colaboraram neste livro. Aná lises documentais
permitem intepretaçõ es problematizadoras da construçã o só cio-histó rica. Possibilitam leituras, da
mesma forma, variadas. A economia setecentista mineira dá luz à s versõ es de historiadores, aqui
apresentadas, para a crítica dos leitores.

MENESES, José Newton. Introduçã o. In: RESENDE, Maria E. L. de; VILLALTA, Luiz C. (Org.). As Minas Setecentistas.
Belo Horizonte: Autêntica, 2007. v. 1, p. 276-277.

• Texto 3

O texto a seguir foi escrito pelo historiador britâ nico, Christopher Hill.

O tempo deles e o nosso


Há duas maneiras de vermos uma revoluçã o. Podemos contemplar os gestos que simbolizam e
concentram longos períodos de luta – sir John Hotham fechando as portas de Hull na cara, lívida, de
Carlos I; as mulheres carregando muniçã o para Lyme Regis; um machado que faísca sob o sol de janeiro,
defronte ao paço de Whitehall; Nayler entrando em Bristol montado em seu burro, com mulheres
estendendo palmas no chã o por onde ia passar. Mas também existem mudanças mais demoradas, mais
lentas, mais profundas nos processos mentais, sem as quais os gestos heroicos ficariam totalmente
desprovidos de sentido. Estas mudanças nos escapam, se nos perdemos no detalhe; somente podemos
apreciar a dimensã o das mudanças se nos dispomos a examinar o começo e o fim da Revoluçã o – se é que
palavras tã o vagas podem se aplicar a um processo que sempre começa e nunca termina. De uma
perspectiva mais distanciada podemos medir as colossais transformaçõ es que precipitaram a Inglaterra
no mundo moderno. E talvez possamos manifestar uma certa gratidã o a todos esses radicais anô nimos
que anteviram e tentaram implantar nã o o nosso mundo contemporâ neo, porém algo muito mais nobre,
algo que ainda nã o se realizou: o mundo de ponta-cabeça.

Apó s a derrota dos radicais, em 1660, e a liquidaçã o definitiva do antigo regime em 1688, os dirigentes
da Inglaterra organizaram um império comercial de extrema eficá cia e um sistema de dominaçã o de
classes que se revelou extraordinariamente resistente à passagem do tempo. A ética protestante impô s-
se, pelo menos, à s ideias e sentimentos que puderam encontrar expressã o impressa. A sociedade
produziu grandes cientistas, grandes romances. Inventou o romance. Newton e Locke ditaram normas ao
mundo intelectual. Esta foi uma civilizaçã o poderosa, que para a maior parte das pessoas representou
um progresso face ao que antes existia. Porém que certeza podemos ter, em ú ltima aná lise,

Pá gina 352

de que esse mundo era o melhor dentre os possíveis – um mundo em que poetas enlouqueceram, em que
Locke tinha medo da mú sica e da poesia, e Newton tinha ideias secretas e irracionais que nã o se atrevia a
tornar pú blicas?

[...] Essa sociedade, que à primeira vista parecia tã o racional, tã o despreocupada, talvez pudesse ter sido
mais saudá vel se nã o fosse tã o rígida, se nã o tivesse escondido todas as suas contradiçõ es: ocultadas à
primeira vista, à consciência. A ética protestante dominou tanto as atitudes morais das classes médias, a
filosofia mecanicista dominou tã o completamente o pensamento científico, que nem foi preciso renovar a
lei de censura ao expirar ela em 1695 – nã o devido a um possível triunfo dos princípios libertá rios dos
radicais, mas simplesmente porque a censura já nã o era necessá ria. Iguais a Newton nesse ponto, os
formadores de opiniã o dessa sociedade se autocensuravam. Nada era impresso que pudesse assustar os
proprietá rios. O que assim passava ao mundo subterrâ neo e clandestino só podemos suspeitar. Alguns
poucos poetas tinham ideias româ nticas que destoavam desse mundo; mas nã o era preciso levá -los
demasiado a sério. A autocensura implicava a satisfaçã o consigo mesmo.
HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça: ideias radicais durante a revoluçã o inglesa de 1640. Sã o Paulo:
Companhia das Letras, 1987. p. 365-367.

• Texto 4

O texto a seguir foi escrito por Edgar Morin, filó sofo, antropó logo, soció logo e
pesquisador emérito do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), França.

Para além do Iluminismo


Depois da explosã o do Renascimento, o século das Luzes foi um momento capital na histó ria do
pensamento europeu. A grande dialó gica aberta apó s a Renascença, ou seja, a relaçã o, ao mesmo tempo,
antagô nica e complementar entre fé e dú vida, razã o e religiã o, teve o seu ponto central em Pascal,
homem de fé e de dú vida. Essa grande dialó gica, no século do Iluminismo, foi marcada pela
preponderâ ncia (talvez hegemonia) da razã o [...].

Assim, a Razã o soberana converte-se ela mesma em razã o providencial e em mito quase religioso,
alcançando até mesmo um momento transitó rio de verdadeira deificaçã o com a instituiçã o por
Robespierre do culto à “Deusa” Razã o. Nessa perspectiva, a ciência torna-se a produtora do autêntico
conhecimento, ou seja, da verdade. Trata-se de uma época de grande desenvolvimento das ciências
físicas, químicas e bioló gicas. Impõ e-se entã o a ideia de que o universo seria totalmente inteligível [...].

A Razã o guia a humanidade na direçã o do progresso e assim o Progresso torna-se a lei inexorá vel da
histó ria [...]. O ano de 1789, com a expressã o dos direitos do Homem proclamados pela Revoluçã o
Francesa cheia de tantas promessas, pode ser realmente descrito, de acordo com Hegel, como “um
esplêndido nascer do sol”.

Já com Rousseau o tema da afetividade (da sensibilidade) passa a opor-se à razã o e indica que sozinha a
razã o tem um cará ter abstrato e quase inumano. Rousseau revela do seu jeito o aspecto de abstraçã o
existente na ruptura entre o humano e o natural e dá à natureza uma importâ ncia quase matricial,
maternal. Voltaire, sarcasticamente, dizia que Rousseau queria “nos fazer andar de quatro patas”. Para
Rousseau a civilizaçã o acarreta a degradaçã o humana. Assim, concebe o mito do homem natural que
pressupõ e nã o a existência de uma espécie de Jardim do É den, mas potencialidades humanas inibidas
pelas civilizaçõ es, reprimidas por nossas sociedades. Disso resulta um questionamento do progresso,
que nã o é mais considerado somente como uma fonte permanente de ganho e de melhoria. A questã o
passa a ser esta: o que se perde quando se obtém um progresso, um progresso técnico, um progresso
material, um progresso urbanístico? Problema, efetivamente, de enorme atualidade em nossa crise de
civilizaçã o.

MORIN, Edgar. Para além do Iluminismo. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 26, p. 24-28, abr. 2005. Disponível em:
<http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/famecos/article/view/416/343>. Acesso em: 19 maio 2016.

Pá gina 353

Atividades complementares
1. O texto a seguir foi escrito por Adler Homero Fonseca de Castro, pesquisador do
Instituto do Patrimô nio Histó rico e Artístico Nacional (IPHAN). Leia-o com atençã o.

A engenharia do medo
A preocupaçã o com a segurança [...], sobretudo nas grandes cidades, nã o é um assunto novo no Brasil.
Nossos ancestrais também viviam num estado de medo permanente [...]. E as populaçõ es, como na
atualidade, exigiam das autoridades que medidas fossem tomadas para dar-lhes segurança.

[...] Houve até um estilo arquitetô nico no Brasil chamado de “casa-forte”, nas quais as residências eram
construídas com dois pavimentos, sem janelas ou portas no térreo, o acesso à casa sendo pelo segundo
andar, por uma escada de madeira que podia ser removida em caso de ataque. Também houve quartéis
fortificados – o palá cio dos governadores de Ouro Preto, hoje Escola de Minas, foi construído sobre uma
base que reproduz uma fortificaçã o renascentista. Do outro lado do poder, mesmo os quilombos tiveram
obras defensivas. A principal povoaçã o de Palmares era protegida por uma longa muralha de cinco
quilô metros, conhecida como “cerca do macaco”.

O esquema de defesa que viria a ser seguido na maior parte do territó rio durante todo o período colonial
foi o estabelecido por Tomé de Souza: haveria bases fortificadas construídas e mantidas pelo governo,
enquanto vilas e povoados menores deveriam construir e manter suas pró prias fortificaçõ es. Esse
esquema de “privatizaçã o” da atividade militar explica por que há no Brasil um grande nú mero de fortes.
Hoje em dia ainda existem 110 dos mais de 450 que foram feitos aqui ao longo dos séculos. Também
explica por que a maior parte dessas fortificaçõ es, com poucas exceçõ es, sã o pequenas, mal projetadas e
mal construídas. [...]

Contudo, o maior complexo fortificado do século XVII foi a cidade do Rio de Janeiro. Inicialmente
defendido por pequenos fortes pagos pelos moradores, estes foram incapazes de lidar com a cobiça
criada pela descoberta de ouro em Minas Gerais. A possibilidade de lucro fá cil atraiu os corsá rios
franceses Duclerc e Duguay-Trouin. Como é comum, depois do roubo, trocaram-se as fechaduras da
porta. No caso do Rio, foi enviado um engenheiro português que projetou todo um vasto complexo para
proteger a povoaçã o, incluindo um muro de defesa. [...]

Essas construçõ es acompanharam a mudança no eixo militar do Brasil. Com o ouro, as “capitanias do
Sul” adquiriram mais importâ ncia do que as do Nordeste produtor de açú car. E a antiga capital, Salvador,
praticamente deixou de ter acréscimos em seus fortes, já tendo perdido suas muralhas pouco depois das
invasõ es holandesas. O Rio de Janeiro, pelo contrá rio, continuou recebendo cada vez mais recursos.

CASTRO, Adler Homero Fonseca de. A engenharia do medo. Revista Nossa História, ano 3, n. 27, p. 26-27; 29-30, jan.
2006.

a) A falta de segurança continua sendo um problema sério no Brasil. Para se ter uma
ideia da extensã o do problema basta ver que as empresas da segurança privada e de
blindagem de automó veis têm crescido bastante nos ú ltimos anos. O que isso indica?

Isso indica que houve um crescimento da violê ncia, sobretudo nas grandes cidades. Nã o há exagero em dizer que os
habitantes de cidades brasileiras, pobres, ou ricos, têm vivido sob um medo constante.

b) Nos tempos coloniais, por questã o de segurança, construíam-se casas com dois
pavimentos, sem janelas ou portas no térreo, sendo o acesso feito por uma escada
removível. Hoje, observando o exterior das casas, fica evidente também a preocupaçã o
com segurança?

Sim, sã o comuns nas cidades brasileiras casas com muros altos, guaritas e vigilantes armados, cercas elé tricas, havendo
també m moradias que se assemelham a fortes, com vigilantes posicionados em lugares altos, com visã o privilegiada em
vá rias direçõ es.

Pá gina 354

c) O que o autor quis dizer com “o governo português privatizava a atividade militar”?
Significa dizer que a Coroa transferia para particulares (habitantes das vilas e povoados) a obrigaçã o de construir e manter
suas pró prias fortificaçõ es. Professor: comentar que a privatizaçã o também explica o fato de a maioria das fortificaçõ es
serem pequenas, mal projetadas e mal construídas.

d) Por que o maior complexo fortificado do século XVIII foi erguido no Rio de Janeiro?

Porque o fato de o Rio de Janeiro ter se tornado o principal escoadouro do ouro e das pedras preciosas, descobertas em
Minas Gerais, atraiu a cobiça de corsá rios (piratas financiados por reis ou rainhas) franceses que atacaram a “cidade
maravilhosa” duas vezes consecutivas: em 1710, sob o comando de J. F. Duclerc, e, em 1711, sob o comando de René Duguay-
Trouin, que saqueou a cidade levando consigo 610 mil cruzados, 100 caixas de açú car e 200 bois. Daí a decisã o do governo
portuguê s de erguer um complexo fortificado no Rio. Professor: ao chegar a seu país, Duguay-Trouin foi condecorado e
recebeu do rei Luís XIV uma pensã o vitalícia pelos serviços prestados à França.

2. Leia o texto com atençã o.

Os filmes, as novelas e as histó rias em quadrinhos ajudam a construir e fixar uma


imagem dos personagens histó ricos quase sempre fantasiosa. O filme Xica da Silva, de
Caca Diegues, por exemplo, contribuiu para que a mineira Francisca (estrelada pela
atriz Zezé Mota) fosse vista como uma mulher sensual, desbocada e vaidosa.

À luz dos documentos histó ricos, a historiadora Jú nia Furtado compõ e uma outra
imagem de Chica da Silva; esta mais pró xima da mulher que viveu no século XVIII onde
é hoje Diamantina.

Francisca da Silva de Oliveira era filha de uma africana da Costa da Mina e de um


português. Aos 22 anos foi comprada por 800 réis pelo rico contratador dos diamantes
Joã o Fernandes de Oliveira. Ele se apaixonou por Chica, a alforriou e manteve com ela
uma uniã o está vel. O casal teve 13 filhos, que Chica fez questã o que tivessem o
sobrenome do pai e uma boa educaçã o.

A Chica da Silva de carne e osso viveu como uma senhora rica, integrou vá rias
irmandades e conseguiu distinçã o social e respeito para si e os seus filhos. Por isso, em
vez da imagem criada pelo cinema, Jú nia Furtado propõ e que vejamos Chica da Silva
como alguém que, apesar de ter sido escrava, conseguiu retomar o controle sobre sua
vida. A uniã o está vel de Chica com um homem branco e rico era, talvez, a ú nica forma
de uma mulher afrodescendente e liberta conseguir distinçã o social e respeito na
sociedade elitista de Minas Gerais no século XVIII.

a) Qual o assunto tratado no texto?

O texto compara a imagem fantasiosa de Chica da Silva, criada pelo cinema, à que foi construída pela historiadora Jú nia
Furtado com base em pesquisa histó rica.

b) O que você considerou mais interessante na histó ria real de Chica da Silva?

Resposta pessoal. Professor: chamar a atençã o para o fato de que Chica da Silva fez questã o que os seus filhos com o
contratador Joã o Fernandes Oliveira tivessem o sobrenome do pai e uma boa educaçã o.

c) Em dupla. No século XVIII, na regiã o das minas, era difícil para mulher
afrodescendente conseguir distinçã o social e respeito. E nos dias atuais isso ainda
acontece?

Resposta pessoal. Nã o se pode negar que, nos dias atuais, a situaçã o da mulher afrodescendente é muito diferente da vivida
por ela no sé culo XVIII. No entanto, pesquisas acadê micas recentes indicam que a discriminaçã o de raça e gê nero no Brasil
ainda continua vitimando os afrodescendentes, especialmente as mulheres. No mercado de trabalho, por exemplo, seus
salá rios sã o menores do que os dos homens negros que, por sua, vez ganham menos do que os brancos. Ver a esse respeito
Maria Aparecida Silva Bento. Cidadania em preto e branco: discutindo as relaçõ es raciais. Sã o Paulo: Á tica, 2005.

3. O texto a seguir é de Gerrard Winstanley, escritor e líder popular inglês, que viveu
durante o processo da Revoluçã o Inglesa, e que se considerava um nivelador autêntico
(ou cavador). Leia-o com atençã o.

Pá gina 355

No princípio dos tempos, o grande criador, a Razã o, fez a terra: para ser esta um tesouro comum onde
conservar os animais, os pá ssaros, os peixes e o homem, este que seria o senhor a governar as demais
criaturas [...] Nesse princípio nã o disse palavra alguma que permitisse entender que uma parte da
humanidade devesse governar outra [...] Porém, [...] imaginaçõ es egoístas [...] impuseram um homem a
ensinar e mandar em outro. E dessa forma [...] o homem foi reduzido à servidã o e tornar-se mais escravo
dos que pertencem à sua mesma espécie, do que eram os animais dos campos relativamente a ele. E
assim a terra [...] foi cercada pelos que ensinavam e governavam, e foram feitos os outros [...] escravos. E
essa terra, que na criaçã o foi feita como um celeiro comum para todos, é comprada, vendida e
conservada nas mã os de uns poucos, o que constitui enorme desonra para o Grande Criador, como se
Este fizesse distinçã o entre as pessoas, deleitando-Se com a prosperidade de alguns e regozijando-Se
com a miséria mais dura e as dificuldades de outros. Mas, no princípio, nã o era assim [...]

[...]

O mais pobre dos homens possui título tã o autêntico e direito tã o justo à terra quanto o mais rico dentre
eles... A verdadeira liberdade reside no livre desfrute da terra...

HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça: ideias radicais na Revoluçã o Inglesa de 1640. Sã o Paulo: Companhia
das Letras, 1987. p. 139-140.

a) Lendo o texto percebe-se a relaçã o entre religiã o e economia nas lutas sociais
travadas na Inglaterra do século XVII. Localize no texto um trecho que justifique essa
afirmaçã o.

A relaçã o entre religiã o e economia fica explícita no trecho em que o autor afirma que o fato de a terra estar concentrada nas
mã os de poucos é uma “desonra para o Grande Criador”. Ou seja, ele invoca o Criador para legitimar seu ponto de vista de
que todos os seres humanos tê m direito a terra.

b) O autor considerava o Grande Criador o Leveller Chefe. O que ele queria dizer com
isso?

Na visã o do autor do texto, Jesus Cristo queria nivelar as pessoas, eliminando as distâ ncias entre ricos e pobres; dai ser
considerado o “nivelador chefe”. O termo leveller vem do verbo to level que, em inglê s, quer dizer nivelar. O autor do texto
se considerava um nivelador autê ntico; os niveladores autê nticos ficaram conhecidos como diggers, ou seja, cavadores.

c) Que relaçã o se pode estabelecer entre o processo de cercamento das terras inglesas
e esse texto do líder popular inglês?

Nesse texto, o líder popular inglê s ataca frontalmente o processo de cercamento, atravé s do qual os grandes proprietá rios
cercavam as terras de uso comum, expulsavam os camponeses dali, e transformavam o terreno vazio em á rea de cultivo
comercial.

d) Em dupla. Reflitam, debatam e opinem: vocês concordam que “O mais pobre dos
homens possui título tã o autêntico e direito tã o justo à terra quanto o mais rico dentre
eles”?
Resposta pessoal. Professor: a questã o buscou estimular a reflexã o sobre a concentraçã o da terra nas mã os de poucos,
problema que agita a sociedade brasileira há muito tempo. Mas ao trazer essa discussã o para o presente, levar em conta que
a fala do líder popular inglê s ocorreu em um contexto bem diferente do nosso. Comentar que, em 1650, os diggers exigiam
que a terra confiscada à Igreja, à Coroa e aos realistas fosse entregue aos pobres.

4. Escreva um pequeno texto sobre o Contrato social de Rousseau, seguindo o roteiro:

a) Por que os seres humanos firmaram um contrato social?

b) Qual o significado de “vontade geral” na obra de Rousseau?

c) O que é governo?

d) Quem detém a soberania?

e) Para Rousseau, quais eram as características da soberania popular?

Resposta pessoal. Professor: o objetivo uma vez mais é estimular a escrita com base nas ideias do filó sofo suíço Jean-
Jacques Rousseau. Comentar com os alunos que a noçã o de “vontade geral”, entendida como integraçã o e nã o como simples
soma das vontades individuais, é central no pensamento de Rousseau. Para ele, a vontade geral é soberana. Daí deriva a
noçã o de que o governo é apenas o delegado do povo e que este tem poder para estabelecê -lo ou destituí-lo.

Pá gina 356

5. Aqui vemos reproduzida a pintura O espírito de 1776, a obra mais conhecida do


artista estadunidense Archibald M. Willard (1836-1918). Trata-se de uma alegoria,
isto é, obra de pintura que representa uma ideia abstrata por meio de formas que a
tornam compreensível ao leitor. Observe a cena com atençã o.
J.F. Ryder. Depois Archibald MacNeal Willard. Sé c. XIX. Cromolitogravura. Coleçã o particular. Foto: Art Images Archive/Glow Images

a) Quem sã o os personagens principais e como estã o representados?

Os personagens principais sã o um trio de mú sicos composto de um flautista e dois tocadores de tambor, um garoto e um
idoso. O garoto dirige ao idoso um olhar de admiraçã o. O flautista olha para a frente, com a expressã o atenta. O idoso, por
sua vez, avança a passos largos, sem se intimidar com o fogo inimigo. A mensagem é clara: o idoso serve como exemplo,
encorajando os mais jovens a atravessar o campo de batalha, apesar do perigo.

b) O que se vê na cena como um todo?

O artista recria o que pode ter sido uma batalha entre colonos e os “casacas vermelhas” (sodados ingleses). Envolta em uma
nuvem de fumaça, vê-se a bandeira dos Estados Unidos carregada por um grupo de rebeldes, um dos quais acena com o
chapé u, como se estivesse dizendo: “Vamos em frente!”. O cená rio sugere a violê ncia da batalha: o soldado caído que segura
o chapé u, a fumaça das explosõ es, uma roda partida.

c) Depois de observar a imagem e ler seu título, responda: que ideia o artista
pretendeu transmitir?

O artista quis enaltecer a determinaçã o do povo estadunidense durante as lutas pela independê ncia, daí o título da imagem:
O espírito de 1776. O povo está representado por meio de heró is anô nimos. A obra ocupa, hoje, um papel de destaque no
imaginá rio estadunidense.

d) Observe novamente a imagem, agora com a preocupaçã o de responder à pergunta:


As diferentes etnias que compõ em a populaçã o estadunidense estã o representadas na
imagem?

Nã o; a concepçã o de povo estadunidense veiculada na obra é excludente: os participantes da luta pela independê ncia sã o
todos brancos e do sexo masculino. Nã o vemos mulheres nem pessoas negras ou de ascendê ncia indígena.
Pá gina 357

Unidade III – Cidadania: passado e presente


Planejamento
TEMAS OBJETIVOS CONCEITOS/NOÇÕES
- A Ilustraçã o 1) Reconhecer a contribuiçã o dos escritores pobres e - Ilustraçã o
- Progresso, otimismo e sem fama para a Revoluçã o Francesa. - Antigo Regime
ciência 2) Conhecer o processo revolucioná rio francês e o - Privilégio
- Pensadores legado da Revoluçã o Francesa. - Vontade geral
iluministas 3) Evidenciar a historicidade do conceito de - Enciclopédia
- Voltaire e a liberdade cidadania, usando como matéria-prima a - Liberalismo econô mico
de pensamento transformaçã o de sú ditos em cidadã os apó s a queda
- Montesquieu e a teoria do Antigo Regime na França. - Despotismo
dos três poderes 4)Reconhecer o protagonismo dos camponeses e das esclarecido
- Rousseau e a vontade mulheres na Revolução Francesa. - Negligência salutar
geral 5) Debater sobre o papel do indivíduo na histó ria, a - Colonizaçã o
- A Enciclopédia - partir da trajetó ria política de Napoleã o Bonaparte. - Independência
Iluminismo e economia 6) Caracterizar a atuaçã o do governo de Bonaparte - Federalismo
- Adam Smith e o no campo político, econô mico e educacional. - Jacquerie
liberalismo econô mico 7) Refletir sobre o uso da imprensa e da educação - Dízimo
- O despotismo como forma de controle social e debater sobre o - Estados Gerais
esclarecido nepotismo no passado e no presente. - Voto por cabeça
- As relaçõ es entre a 8) Conhecer a expansã o do Império Napoleô nico e a - Bonapartismo
Inglaterra e as Treze resistência dos povos dominados. - Capitalismo
Colô nias da América do 9)Compreender as razõ es da crise do Antigo Sistema - Consulado
Norte Colonial. - Liberalismo
- O movimento de 10) Caracterizar as sociedades coloniais hispano- - Princípio da
independência americanas. legitimidade
- A guerra pela 11) Trabalhar as lutas pela libertaçã o no Haiti e a - Princípio das
independência Revolta de Tupac Amaru. compensaçõ es
- Os primeiros anos dos 12) Relacionar a expansã o napoleô nica, na Europa, à s - Militarismo
Estados Unidos lutas pela independência, na América, e consolidar a - Bloqueio Continental
- Repercussõ es da ideia de simultaneidade. - Sistema colonial
independência 13) Evidenciar que o projeto vencedor nas lutas de - Colô nia
- O Antigo Regime na independência na América espanhola foi o da elite - Realistas
França criolla. - Gran marronage
- A sociedade, a 14) Comparar a Conjuração Mineira à Conjuraçã o - Metró pole
economia e a política Baiana destacando diferenças e semelhanças. - Independência
- A Revoluçã o em 15) Destacar as principais mudanças ocorridas com a /Liberdade
marcha chegada da família real portuguesa ao Brasil, - Haitianismo
- A Assembleia Nacional alertando também para as permanências. - Cortes constituintes
Constituinte 16) Trabalhar a “educação do olhar” a partir da
- A Monarquia leitura crítica das obras de Debret.
Constitucional 17) Conhecer o processo e os projetos de
- A Convençã o Nacional independência política do Brasil e caracterizar o
- O significado da projeto vencedor.
Revoluçã o Francesa 18) Questionar a imagem de passividade do povo
- O governo jacobino - O brasileiro, com base no estudo das lutas pela
Diretó rio independência.
- O governo de 19) Debater sobre os limites da cidadania no Brasil
Napoleã o imperial a partir da Constituição de 1824.
- O expansionismo 20) Trabalhar o bloco conceitual dominaçã o e
bonapartista resistência a partir do estudo da Confederação do
- A resistência ao Equador.
militarismo 21) Compreender as razõ es da abdicaçã o de D. Pedro
bonapartista I.
- O Congresso de Viena
e o princípio da
legitimidade

Pá gina 358

TEMAS OBJETIVOS CONCEITOS/NOÇÕES


- As sociedades - Chapetones
hispano-americanas - Criollos
- As lutas sociais na - Confederaçã o
América republicana
- A Revolta de Tú pac - Juntas Governativas
Amaru - Emancipaçã o política
- A Revolta dos - Caudilhismo
Comuneros - Exclusivo comercial
- O caso do Haiti: metropolitano
América Francesa - Doutrina Monroe
- A crise nos domínios - Conjuraçã o
espanhó is da América - Derrama
- As tropas de Napoleã o - Bloqueio Continental
invadem a Espanha - Província
- As guerras da - Interiorizaçã o da
independência na metró pole
América - Reino Unido -
- San Martín e Bolívar Resistência
- O caso do México - Estado Nacional
- Independências e - Poder Moderador
fragmentaçã o - Constituiçã o
- A administraçã o de - Cidadania
Pombal - Abdicaçã o
- Revoltas na Colô nia
- A Conjuraçã o Mineira
- Suspensã o da
derrama, prisã o e
sentença
- A Conjuraçã o Baiana
- A família real no Brasil
e a interiorizaçã o da
metró pole
- A abertura dos portos
brasileiros e seus
desdobramentos
- Administraçã o joanina
- O Reino Unido de
Brasil, Portugal e
Algarve
- A Insurreiçã o
Pernambucana
- A Revoluçã o do Porto
e o Brasil
- A regência de Dom
Pedro
- A ruptura com
Portugal
- As lutas pela
independência
- O reconhecimento da
independência
- A formaçã o do Estado
brasileiro
- A Constituiçã o do
Império
- A Confederaçã o do
Equador
- Dom Pedro perde
apoio e popularidade
- Oposiçã o na Câ mara e
na imprensa

Pá gina 359

Textos complementares
• Texto 1

O texto a seguir é da professora Tania Machado Morin, autora da dissertaçã o Práticas


e representações das mulheres na Revolução Francesa – 1789-1795. USP, 2009.

Revolução francesa e feminina


Mulheres lutaram ao lado dos homens pelos ideais revolucioná rios, enfrentando também o preconceito.

Mulheres combatem ao lado de homens durante o período revolucioná rio, em 1793. Arquivos franceses
registram dados biográ ficos de oitenta dessas guerreiras.

“Nã o fiz a guerra como mulher, fiz a guerra como um bravo!”, declarou Marie-Henriette Xaintrailles em
carta ao imperador Napoleã o Bonaparte (1769-1821). Indignada por lhe recusarem pensã o de ex-
combatente do Exército “porque era mulher”, ela lembrou que, quando fez sete campanhas do Reno
como ajudante de campo, o que importava era o cumprimento do dever, e nã o o sexo de quem o
desempenhava. Madame Xaintrailles nã o foi um caso isolado. Em 1792, quando a França declarou guerra
à Á ustria, voluntá rias se alistaram no Exército para lutar ao lado dos homens contra as forças da coalizã o
austro-prussiana que ameaçavam invadir o país. Muitas se apresentaram com identidades falsas e
disfarçadas de homem. Além de conseguirem se alistar, protegiam-se do risco da violência sexual. Quem
eram as mulheres-soldados e por que se engajaram no conflito armado? E quais foram os motivos de sua
relativa aceitaçã o por parte de líderes revolucioná rios e companheiros de armas?

Nã o se conhece o nú mero exato de mulheres-soldados durante o período revolucioná rio francês (1789-
1799). Há oitenta casos registrados nos arquivos parlamentares, militares e policiais, e informaçõ es
biográ ficas esparsas sobre apenas quarenta e quatro. Entretanto, existem muitas referências em imagens
e testemunhos da época. O deputado Grégoire (1750-1831) as elogiou oficialmente: “E vó s, generosas
cidadã s que participaram da sorte dos combates”. Essas constataçõ es nos permitem supor que elas eram
mais numerosas e bem integradas à vida militar do que pode parecer. Quase todas vinham de meios
sociais modestos. Eram filhas de pequenos camponeses e artesã os, e tinham apelidos como Felicité Vai-
de-bom-coraçã o ou Maria Cabeça-de-pau. A maioria era muito jovem, como Ana Quatro-vinténs, que se
alistou aos 13 anos, e aos 16 servia na artilharia montada. [...]

Há registros da boa acolhida das mulheres-soldados por parte dos companheiros de armas. O capitã o
Dubois e sua mulher combateram juntos no 7º Batalhã o de Paris. Ao ser ferido, sua esposa foi designada
vice capitã pelos outros soldados. [...]

Mas havia vozes discordantes: alguns cidadã os se queixavam abertamente das mulheres promovidas a
oficial, alegando que os soldados tinham vergonha de receber suas ordens. Diminuindo o mérito das
combatentes, explicavam aquela coragem como exceçã o, atribuindo-a ao milagre da Liberdade. [...]

O nú mero expressivo de prêmios e aplausos à s soldadas atesta a boa vontade dos chefes militares e até
dos governantes em Paris. Mesmo levando-se em conta que elas transgrediam as normas de
comportamento feminino, apropriando-se de atributos inerentemente masculinos como as armas e o
serviço militar. As mulheres-soldados foram até certo ponto aceitas porque tinham moral elevada,
dignidade e bons costumes; eram combatentes, e nã o libertinas. Embora a violência nã o seja
normalmente associada à mulher, na guerra elas matavam “os escravos dos tiranos”, prestando um
serviço à naçã o. Eram discretas, e muitas vezes seu sexo só era descoberto quando feridas na batalha. [...]

De todo modo, as soldadas encarnavam as virtudes republicanas. Nã o era pouco. Por essa razã o, Liberté
Barreau e Rose Bouillon figuravam na Coletâ nea de Açõ es Heroicas e Cívicas dos Republicanos
Franceses, publicada em 30 de dezembro de 1793. Enfrentando a morte, também deram a vida,
dedicaram-se com amor aos maridos e filhos. Cuidaram de doentes e feridos com a doçura e o

Pá gina 360

altruísmo associados à imagem feminina. Sacrificaram-se pela pá tria sem esquecer as virtudes de seu
sexo. Eis aí o grande mérito. Numa Repú blica marcada por apelos à moral, as mulheres-soldados
contribuíram com um modelo de comportamento feminino positivo.

MORIN,Tania Machado. Revoluçã o francesa e feminina. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 8
dez. 2010. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/revolucao-francesa-e-feminina>.
Acesso em: 26 maio 2016.

• Texto 2

O texto a seguir, do intelectual brasileiro Sérgio Paulo Rouanet, é um esforço de


compreensã o da Revoluçã o Francesa a partir do olhar de Rétif de la Bretonne, escritor
popular que a vivenciou e captou com acuidade o perfil multifacetado da revoluçã o de
maior impacto na histó ria do Ocidente.

As quatro revoluções e os quatro rétifs


Dizer que a Revoluçã o foi mú ltipla significa dizer que ela foi a unidade contraditó ria de vá rias correntes
sociais. Que correntes sã o essas?

A burguesia, sem dú vida, em primeiro plano. Qualquer colegial sabe hoje, mesmo sem ter lido Marx, que
o movimento que se iniciou em 1789 foi sobretudo uma Revoluçã o burguesa – burguesa pelos seus
protagonistas principais, quase todos jovens advogados da província ou de Paris (a depuraçã o do
terceiro estado, em 1789, nã o contava com um ú nico camponês, artesã o ou operá rio), burguesa pela
filosofia e pelo liberalismo econô mico, burguesa pela filosofia e pelo liberalismo econô mico, burguesa em
seu projeto político de ascensã o ao poder, demarcando-se do povo e excluindo a aristocracia.

Mas a Revoluçã o Francesa nã o é somente a Assembléia, ela é também o campo. A revoluçã o agrá ria é
indissociá vel da revoluçã o urbana. Foi o campesinato que desde 1789 começou a invadir castelos e
pilhar propriedades rurais, forçando a Assembléia a abolir as prerrogativas feudais, num movimento
liderado pelos pró prios privilegiados, na sessã o histó rica de 4 de agosto. Foi ele que tornou irreversíveis
as conquistas sociais da Revoluçã o, adquirindo os bens nacionais, o que gerou uma nova camada de
pequenos proprietá rios agrícolas radicalmente hostis à restauraçã o do Ancien Regime.

A Revoluçã o Francesa é também a rua. Foi o povo que imprimiu à Revoluçã o suas guinadas mais
decisivas. Foi ele que tomou a Bastilha, ele que foi buscar em Versalhes a família real, ele que se fez
massacrar no Campo de Marte, destruindo a ilusã o de uma aliança de classes, ele que depô s a realeza em
10 de agosto de 1792, ele que provocou a grande matança das prisõ es, em setembro do mesmo ano, ele
que forçou o expurgo da Convençã o expulsando os girondinos e contribuindo para frustrar manobras
contra-revolucioná rias.
Enfim, a Revoluçã o foi também uma revoluçã o aristocrá tica, pois no início parecia haver uma
comunidade de interesses entre a nobreza e a burguesia, ambas voltadas contra o absolutismo
moná rquico. [...]

Em suma, podemos dizer que a Revoluçã o Francesa foi uma série de revoluçõ es telescopadas, na qual
predomina evidentemente a revoluçã o burguesa, mas que inclui também uma revoluçã o camponesa,
popular e aristocrá tica.

ROUANET, Sérgio Paulo. O espectador noturno: a Revoluçã o Francesa através de Rétif de La Bretonne. Sã o Paulo:
Companhia das Letras, 1988. p. 42-44.

• Texto 3

O texto a seguir foi escrito por Maria Ligia Prado e Gabriela Pellegrino Soares, duas
estudiosas com muitos anos de pesquisa em Histó ria da América. O texto trata das
independências na América espanhola.

Sujeitos da História
Como vimos, os exércitos rebeldes contaram com comandantes estrategistas para vencer a guerra. Mas,
para que as forças insurgentes se pusessem em marcha, era preciso que pessoas abastadas
patrocinassem sua organizaçã o. Nesse sentido, os ricos comerciantes da cidade de Buenos Aires
financiaram a formaçã o dos primeiros batalhõ es e, na Venezuela, foram os plantadores de cacau os
responsá veis por parte importante de tal financiamento.

Pá gina 361

Porém, nã o há exército sem soldados que, por sua vez, deviam estar convencidos de que a causa da
independência era a mais justa e necessá ria para destruir a ordem colonial. Desse modo, “pessoas
comuns” dos mais diversos segmentos sociais e étnicos foram indispensá veis para engrossar as fileiras
insurgentes, mas suas histó rias acabaram esquecidas ou pouco valorizadas. Assim, é importante mostrar
tal participaçã o.

As novas ideias que estimularam a independência foram divulgadas por um grupo considerá vel de
letrados provenientes das diversas partes da América. Nos muitos escritos desse período – panfletos,
memó rias, discursos, jornais – defendiam a independência, demonstrando só lido conhecimento das
ideias liberais. Fundamentaram-se nelas para armar suas plataformas de açã o e sua justificativa da
ruptura com a metró pole. [...]

Do mesmo modo que os homens ilustrados contribuíram para a independência, os mais desfavorecidos
membros da sociedade colonial, os escravos negros, marcaram sua presença. Como já vimos, eles foram
os protagonistas centrais nas lutas da independência do Haiti. Mas também lutaram nas guerras na
América do Sul. A eles, em geral, era concedida a alforria, caso se alistassem do lado dos insurgentes. Há
muitos exemplos a serem indicados. [...] O mais conhecido foi o “Batalhã o Negro de Buenos Aires”,
integrante do exército de San Martín, que atravessou os Andes. De um total de 5 mil homens que
partiram em direçã o ao Chile, 1 500 eram negros. [...]

PRADO, Maria Ligia; SOARES, Gabriela P. História da América Latina. Sã o Paulo: Contexto, 2014. p. 33-35.

• Texto 4
O texto a seguir é de Eric Hobsbawm, historiador britâ nico de renome internacional e
com importantes obras sobre Histó ria Moderna e Contemporâ nea.

Se a economia do mundo do século XIX foi constituída principalmente sob a influência da revoluçã o
industrial britâ nica, sua política e ideologia foram constituídas fundamentalmente pela Revoluçã o
Francesa. A Grã -Bretanha forneceu o modelo para as ferrovias e fá bricas, o explosivo econô mico que
rompeu com as estruturas socioeconô micas tradicionais do mundo nã o-europeu; mas foi a França que
fez suas revoluçõ es e elas deu suas ideias, a ponto de bandeiras tricolores de um tipo ou de outro terem-
se tornado o emblema de praticamente todas as naçõ es emergentes, e as políticas europeias (ou mesmo
mundiais), entre 1789 e 1917, forma em grande parte lutas a favor e contra os princípios de 1789, ou os
ainda mais incendiá rios princípios de 1793. [...] A França forneceu os có digos legais, o modelo de
organizaçã o técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maioria dos países. A Ideologia do
mundo moderno atingiu, pela influência francesa, as antigas civilizaçõ es que até entã o resistiam à s ideias
europeias. [...]

[...] A Revoluçã o Francesa pode nã o ter sido um fenô meno isolado, mas foi muito mais fundamental do
que os outros fenô menos contemporâ neos e suas consequências foram, portanto, muito mais profundas.
Em primeiro lugar, ela aconteceu no mais populoso e poderoso Estado da Europa (com exceçã o da
Rú ssia). Em 1789, cerca de um em cada cinco europeus era francês. Em segundo lugar, ela foi,
diferentemente de todas as revoluçõ es que a precederam e a seguiram, uma revoluçã o social de massa, e
incomensuravelmente mais radical do que qualquer levante compará vel. Nã o é casual que os
revolucioná rios americanos e os jacobinos britâ nicos que emigraram para a França, devido a suas
simpatias políticas, tenham sido vistos, na França, como moderados. Tom Paine era um extremista na
Grã -Bretanha e na América; mas, em Paris, ele estava entre os mais moderados dos girondinos.
Resultaram das revoluçõ es americanas, grosseiramente falando, países que continuaram a ser o que
eram, apenas sem o controle político dos britâ nicos, espanhó is e portugueses. O resultado da Revoluçã o
Francesa foi o de que a era de Balzac substituiu a era de Mme Dubarry.

Em terceiro lugar, entre todas as revoluçõ es contemporâ neas, a Revoluçã o Francesa foi a ú nica
ecumênica. Seus exércitos partiram para revolucionar o mundo; suas ideias de fato o revolucioná rio.

HOBSBAWM, Eric. A Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 7-9.

Pá gina 362

• Texto 5

O texto a seguir é de Hebe Maria Mattos, professora da Universidade Federal


Fluminense.

Raça e cidadania na passagem de Colônia para o Império


Voltando, entã o, ao nosso problema central. Se, [...] a noçã o de raça foi uma construçã o social do século
XIX – estreitamente ligada, no continente americano, à s contradiçõ es entre os direitos civis e políticos
inerentes à cidadania estabelecida pelos novos estados liberais e o longo processo de aboliçã o do
cativeiro –, esta construçã o, no Brasil, se fará especialmente problemá tica. Apesar de todo o preconceito
“proto-racial” das elites sociais e políticas do novo país – herança da colonizaçã o portuguesa –, do ponto
de vista dos interesses escravistas existentes no Brasil (em seu sentido mais amplo), em grande parte
compartilhados por boa parte da populaçã o de pardos livres, a noçã o de raça nã o se apresentava como
soluçã o, mas antes como problema.
Para que elucidemos melhor este ponto, é preciso delinear, primeiro, o complexo jogo
classificató rio/identitá rio que se abriria nas terras da antiga América Portuguesa com a decisã o da
emancipaçã o política. Especialmente, desse processo surgiria o “brasileiro” [...]

A Constituiçã o de 1824 naturalizou todos os nascidos em Portugal que aqui permaneceram apó s a
independência e que tivessem aderido à “causa do Brasil” de modo que, durante pelo menos a primeira
década apó s a declaraçã o de independente, brasileiros e portugueses foram identidades intercambiá veis
e profundamente carregadas de conteú dos políticos. Por outro lado, desde a chamada Conjuraçã o dos
Alfaiates, em 1798, a igualdade entre pardos e brancos, juntamente com o aumento do soldo das tropas,
era apresentada como principal reivindicaçã o de cará ter popular no bojo das agitaçõ es políticas de
cunho liberal do período. Nesse contexto, a causa do Brasil apareceria nas ruas do Rio de Janeiro ou de
Salvador, fortemente marcada por uma linguagem racial, na qual a origem africana era esgrimida como
marca de discriminaçã o pelo “partido português e absolutista” e como signo da identidade brasileira
pelo povo nas ruas, jogando “cabras” contra “caiados”, “brasileiros pardos” contra “branquinhos do
reino”.

MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. p. 18-
19. (Descobrindo o Brasil).

Atividades complementares
1. O texto a seguir foi escrito por um importante historiador francês; leia-o com
atençã o.

A Revolução Francesa inflama a Europa: contra ou a favor?


Vocês sabem que em 1789 os franceses fazem uma revoluçã o, ou seja, mudam radicalmente, tanto o jeito
como sã o governados quanto a sociedade. A monarquia é abolida e a repú blica é proclamada em seu
lugar. Sã o as assembleias de deputados eleitos que governam o conjunto dos franceses que é chamado de
naçã o.

Esses deputados abolem o regime feudal: nã o haverá mais senhores usufruindo dos favores que eram
chamados de privilégios. Por exemplo, eles nã o recebem mais os tributos senhoriais pagos por seus
camponeses, perdem o privilégio de ser os ú nicos que praticam certas atividades como a caça, nã o
devem mais se distinguir por sinais exteriores: vestuá rios luxuosos e perucas, carruagens etc.

Os deputados proclamam que todos os franceses sã o livres e iguais. Eles atribuem à repú blica uma divisa
que figura nos edifícios pú blicos: “Liberdade, igualdade, fraternidade”. Vocês acham, a partir do que
veem em volta de vocês, que esse ideal foi realizado?

LE GOFF, Jacques. Uma breve história da Europa. Petró polis: Vozes, 2008. p. 110.

Editora Vozes

Fac-símile da capa do livro Uma breve história da Europa, de Jacques Le Goff.


Pá gina 363

a) Como o autor justifica sua afirmaçã o de que, em 1789, os franceses fizeram uma
Revoluçã o?

Ele justifica dizendo que os franceses mudaram radicalmente tanto o jeito como eram governados quanto a sociedade.

b) Segundo o autor do texto, quais foram as principais mudanças efetuadas pelos


deputados eleitos?

Eles aboliram o regime feudal (os privilé gios da nobreza e o direito de receber tributos dos camponeses) e proclamaram que
todos os franceses eram livres e iguais.

c) Reflitam e respondam à pergunta do autor, na ú ltima frase do texto.

Resposta pessoal. Professor: a questã o favorece o debate em torno das ideias dos revolucioná rios de 1789, que continuam
empolgando pessoas, grupos e movimentos sociais nos dias de hoje.

2. O nome desta tela é Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808. Ela foi pintada pelo
espanhol Francisco Goya, em 1814, e está atualmente no Museu do Prado, em Madri.

Francisco Jose de Goya. 1814. Ó leo sobre tela. Museu do Prado, Madri

a) Levante uma hipó tese: quem é o personagem de camisa branca e calça amarela e o
que ele representa?

Ele é o personagem-símbolo do quadro e representa a resistê ncia popular espanhola. Usando com maestria o jogo de luz e
sombra, Goya atrai o olhar do observador para ele. Contrastando o despojamento desse personagem popular com a violê ncia
cega dos atiradores, Goya o transforma no principal má rtir dessa resistê ncia.

b) Quem sã o os personagens mostrados ao centro? E ao fundo, o que se vê?

Ao centro, vê -se outro grupo de prisioneiros desesperados. O que está à frente cobre o rosto com as mã os; atrá s e à
esquerda, um prisioneiro de roupa branca; à direita, outro prisioneiro tristonho de olhar cabisbaixo; ao fundo e no alto, uma
igreja, que representa bem a Espanha cató lica. Repare que a igreja ocupa um lugar de destaque na obra.

c) De que forma Goya representou os soldados franceses?

Goya os representou como se fossem idê nticos; nã o nos deixa ver seus rostos. A opressã o nã o tem rosto, diz Goya, usando a
linguagem pictó rica. Com isso, o artista ultrapassa o fato particular (a dominaçã o napoleô nica) e atinge o universal,
estendendo sua crítica a todos os regimes tirâ nicos.
d) O que a obra nos transmite?

Nessa pintura histó rica de estilo realista, Goya fez uma crítica aberta, explícita e inflamada à tirania. Ele nã o se restringiu a
retratar um episó dio da histó ria de seu povo; transformou sua pintura em uma arma na luta pela liberdade.

e) Observe a tela, leia o seu título e responda: em que contexto ela foi feita?

A pintura se insere no contexto da ocupaçã o da Espanha pelo exé rcito de Napoleã o Bonaparte. O pintor congela um
momento de grande violê ncia da ocupaçã o francesa na Espanha: populares espanhó is sendo fuzilados por soldados
franceses.

f) Pesquise e escreva um pequeno texto sobre o autor da pintura.

Francisco José de Goya y Lucientes nasceu em 1746, na província de Saragoça (Espanha). Era filho de um dourador de
está tuas para igrejas e, ainda jovem, iniciou seus estudos de pintura e de decoraçã o. Mas tinha um espírito irrequieto e
preferia as ruas, os bares e as touradas ao atelier, chegando a atuar profissionalmente como toureiro. Um marco em sua vida
artística foi o quadro Maja desnuda, no qual retratou uma mulher nua, causando grande polê mica na sociedade espanhola.
Com a invasã o da Espanha pelo exé rcito napoleô nico, Goya realizou uma sé rie de quadros exaltando a resistê ncia popular
espanhola.

3. Leia o texto com atençã o.

O Estado, que começava a se organizar depois de atingida a independência, assumiu como tarefa destruir
a velha ordem colonial. Em primeiro lugar, tendo em vista os interesses criollos dominantes

Pá gina 364

e também as pressõ es dos comerciantes ingleses, havia de derrubar todo o regime de monopó lios,
privilégios e restriçõ es ao comércio e outros ramos da produçã o em geral. Essa foi uma iniciativa
realizada com êxito, ainda que isso nã o tenha significado, como esperavam os criollos, um grande
crescimento econô mico imediato.

Outro objetivo do Estado que surgia era a destruiçã o dos foros especiais do Exército e da Igreja. [...] Essa
luta terminou, em geral, já no fim do século [XIX] – em alguns países, neste século [XX] – com a separaçã o
total entre o Estado e a Igreja e com a subordinaçã o desta ao poder maior do Estado laico.

Os privilégios dos espanhó is foram, na verdade, rapidamente suplantados nessa batalha, já que eles
terminaram por perder seus favores políticos e econô micos, chegando mesmo a ser expulsos de alguns
países.

Esse Estado esteve sempre preocupado com a manutençã o da ordem social; os setores mesmo
divergentes das classes dirigentes sempre se aliaram, sustentando o Estado, em momentos em que a
ordem instituída foi ameaçada pelos de abajo. As constantes revoltas de índios, de camponeses e de
escravos contribuíram para o fechamento autoritá rio do Estado. Entretanto, algumas concessõ es foram
feitas. Aboliu-se o tributo indígena [...] aplainaram-se as distinçõ es de castas. A escravidã o negra foi
abolida, mais cedo ou mais tarde, nos países independentes, tendo permanecido apenas (além do Brasil)
nas ilhas de Cuba e Porto Rico, ainda sob o domínio espanhol.

PRADO, Maria Lígia. A formação das nações latino-americanas. 18. ed. Sã o Paulo: Atual, 1994. p. 17-18.

a) Qual é o assunto principal do texto?

A destruiçã o da velha ordem colonial, com a liquidaçã o dos foros especiais do exé rcito e da Igreja e dos privilé gios dados aos
chapetones.
b) Segundo a autora, de que forma as classes dirigentes se comportaram nas ocasiõ es
em que a ordem social foi ameaçada por levantes e/ou rebeliõ es populares?

Diante da ameaça à ordem social estabelecida, as classes dirigentes se aliaram e reprimiram as manifestaçõ es populares.
[Comentar que o Estado reagiu a essas revoltas constantes de forma autoritá ria e violenta.]

c) Com base neste texto e no que você estudou, analise as independências latino-
americanas destacando mudanças e permanências.

Resposta pessoal. [No tocante à s mudanças, os alunos podem apontar a ascensã o dos criollos aos principais cargos nos
Estados recé m-formados e a aboliçã o do tributo indígena, das distinçõ es de castas e da escravidã o. Quanto à s permanências,
poderã o ser citadas a manutençã o da estrutura agrá ria, das desigualdades sociais e da dependê ncia externa, sobretudo em
relaçã o à Inglaterra.]

4. (FMJ – 2014) As diferenças étnicas e culturais entre grupos indígenas, as disputas


pelo controle político local ou regional pelas oligarquias agrá rias assim como a
oposiçã o da Inglaterra à formaçã o de grandes blocos políticos centralizados na
América espanhola explicam, em certa medida, a

a) permanência, apó s as independências, da exploraçã o do trabalho compulsó rio.

b) a exclusã o das elites criollas nos novos governos constituídos com as


independências.

c) fragmentaçã o dos antigos vice-reinados espanhó is na América.

d) formaçã o de uma federaçã o de naçõ es livres na América do Sul.

e) adoçã o de regimes moná rquicos pelo conjunto das ex-colô nias da Espanha.

Resposta: c.

5. (Unimontes-MG – 2014) Em 1777, com a morte do rei Dom José I, sua filha, D.
Maria I, sucedeu-lhe no trono de Portugal. Sobre as açõ es encetadas durante o seu
reinado, é CORRETO afirmar:

a) Proibiu a colô nia brasileira, pelo Alvará de 1785, de produzir manufaturas.

b) Expulsou os jesuítas do Brasil, confiscando seus bens e propriedades.

c) Criou as companhias privilegiadas de comércio nas regiõ es NO e NE do Brasil.

d) Extinguiu a escravidã o indígena e incentivou os casamentos entre brancos e índios.

Resposta: a.

Pá gina 365
6. O texto a seguir é trecho de uma entrevista dada pela historiadora Emília Viotti da
Costa. Leia-o com atençã o.

Faz sentido celebrar a Independência?

Devemos, sim, comemorar a Independência, mas cientes das limitaçõ es dela, pois, no mundo
“globalizado”, o Brasil continua tremendamente dependente dos países mais desenvolvidos. Temos uma
independência mais nominal que real. Celebrar ou nã o é questã o de gosto. Para mim o presente sempre
preocupou mais que o passado. [...] Vejo a Histó ria como uma forma de compreender o presente. Nunca
fui uma colecionadora de histó ria.

COSTA, Emília Viotti da. Faz sentido celebrar a Independência? Nossa História, ano 1, n. 11, p. 34, set. 2004.

Identifique a visã o da autora sobre:

a) A comemoraçã o da Independência;

Devemos, sim, comemorar a Independê ncia, mas cientes das limitaçõ es dela, pois, no mundo “globalizado”, o Brasil continua
tremendamente dependente dos países mais desenvolvidos.

b) A independência do Brasil.

Temos uma independê ncia mais nominal que real.

c) A Histó ria.

Vejo a Histó ria como uma forma de compreender o presente.

d) Com a classe dividida em três grupos criem um debate sobre a afirmaçã o feita pela
historiadora: o Brasil continua tremendamente dependente dos países mais
desenvolvidos. Um grupo defende a posiçã o da historiadora; outro contesta sua
posiçã o, e um terceiro avalia o desempenho dos dois grupos no debate.

Respostas pessoais. Professor: levar em conta a capacidade de argumentaçã o do alunado. Estimular os alunos a buscar
argumentos e dados em defesa de seu ponto de vista. Para esquentar o debate lembrar que, se por um lado o Brasil é
considerado hoje a 7ª economia do mundo, por outro, depende em boa parte das exportaçõ es de gê neros agrícolas e
maté rias-primas para países como a China, por exemplo.

7. (UEMG – 2015) Em abril de 1831, na cidade do Rio de Janeiro, era comum ouvir nas
ruas versos como esses:

“Passa fora pé de chumbo


Vai-te do nosso Brasil
Que o Brasil é brasileiro
Depois do 7 de Abril”.

(dito popular - 1831)

Essa quadrinha, uma produçã o coletiva e anô nima, representava o sentimento da


populaçã o em um contexto político conturbado, pois o Imperador D. Pedro I

a) encontrava uma base de sustentaçã o política só lida e sem disputas, o que lhe dava
estabilidade para governar, mesmo com enorme impopularidade por causa de sua
conduta pessoal irresponsá vel, desregrada e desrespeitosa.
b) diante da insatisfaçã o da populaçã o brasileira com a tentativa das cortes
portuguesas de recolonizarem o Brasil, consegue o apoio dos grandes proprietá rios
para concretizar o que seu pai, D. Joã o VI, previra que aconteceria ao deixar o Brasil: a
Independência.

c) vivia um entrave na sua relaçã o política com a elite agrá ria brasileira, já que a
constituiçã o do Império, que havia sido promulgada no ano de 1824, muito
democrá tica e liberal, concedia importantes direitos sociais à massa popular.

d) abdicou ao trono brasileiro, já que nã o havia condiçõ es mínimas de governabilidade


diante da enorme insatisfaçã o popular com o seu governo, consequência da grave crise
econô mica que assolava o país e dos gastos com a disputa sucessó ria em Portugal.

Resposta: d.

Pá gina 366

Unidade IV – Terra e liberdade


Planejamento
TEMAS OBJETIVOS CONCEITOS/NOÇÕES
- O avanço liberal 1) Trabalhar os conceitos de centralizaçã o, - Regência
- O Ato Adicional de descentralizaçã o, partido, Império e Repú blica e - Grupos políticos
1834 aplicá -los à compreensã o da histó ria das Regências. - Guarda nacional
- Regência Una Feijó 2) Conhecer as principais rebeliõ es regenciais, suas - Ato Adicional
- Regência Una Araú jo razõ es, objetivos e desdobramentos. - Rebeliõ es provinciais
Lima 3) Trabalhar a resistência popular e a escrava nas - Farroupilha - Cabanos
- As rebeliõ es nas rebeliõ es regenciais. - Malê
províncias 4) Conhecer os partidos e as eleiçõ es no Segundo - Branqueamento
- A Cabanagem Reinado. - Repressã o
- A Guerra dos Farrapos 5) Caracterizar o parlamentarismo brasileiro nos - Partidos políticos
- A Revolta dos Malês tempos do Império. - Cafeicultura
- A Sabinada 6) Compreender a Guerra do Paraguai e seus efeitos - Exportaçã o
- A Balaiada para os sul-americanos. - Mã o de obra
- O golpe da maioridade 7) Trabalhar o surto industrial no Império, seus - Modernizaçã o
- Eleiçõ es: violência e fatores e desdobramentos. - Desmatamento
fraude 8) Reconhecer a importâ ncia da cultura cafeeira e - Trá fico Atlâ ntico
- As revoltas liberais de localizar seu avanço pelo sudeste brasileiro. - Trá fico interno
1842 9) Destacara importâ ncia do mercado interno na - Trabalhador nacional
- A Rebeliã o Praieira economia imperial. - Imigrantes
- O poder do monarca 10) Conhecer a pressã o inglesa contra o trá fico, a Lei - Colonato
no Império Brasileiro de Terras e seus desdobramentos. - Resistência negra
- Os partidos do 11) Trabalhar a questã o da mã o de obra no Império e - Abolicionismo
Império: diferenças e a teoria do branqueamento. - Processo histó rico
semelhanças 12) Conhecer a imigraçã o no Império: razõ es da - Racismo à brasileira -
- Economia do Segundo vinda dos imigrantes, principais grupos e á reas onde Repú blica
Reinado se estabeleceram. - Republicanismo
- O café assume a 13) Trabalhar as lutas pela Aboliçã o e seus principais - Federalismo
liderança protagonistas. - Maçonaria
- Açú car, algodã o e 14) Conhecer as leis abolicionistas e seus limites e
borracha debater o significado da Lei Á urea.
- Modernizaçã o no 15) Compreender o processo que conduziu à
Império Repú blica destacando o papel da “mocidade militar” e
- Café e ferrovias do PRP nesse processo.
- A Tarifa Alves Branco 16) Perceber os efeitos da reforma financeira de Rui
e a Lei Eusébio de Barbosa.
Queiró z 17)Caracterizar a primeira constituiçã o da Repú blica
- A questã o da mã o de e a consolidaçã o desse regime no Brasil.
obra no Império
- A Lei Eusébio de
Queiró s e a Lei de
Terras
- O trá fico interno e o
debate sobre o
trabalhador nacional
- Imigrantes no Brasil
- O sistema de parceria
idealizado pelo Senador
Vergueiro

Pá gina 367

TEMAS OBJETIVOS CONCEITOS/NOÇÕES


- Colonos nas fazendas - Positivismo
de café - Oligarquia
- Alemã es, italianos e - Especulação
poloneses no Sul - Inflaçã o
- Um começo difícil - Encilhamento
- Um balanço da guerra
- O processo de aboliçã o

- A resistência negra
- O abolicionismo
- A vida dos recém-
libertos
- O processo que
conduziu à Repú blica
- O republicanismo
- A Questã o Religiosa
- A Questã o Militar
- A proclamaçã o da
Repú blica
- O Governo
- A reforma e a crise
financeira
- Constituiçã o e
cidadania na jovem
Repú blica
- O governo de Deodoro
da Fonseca
- O governo de Floriano
Peixoto
- A Revoluçã o
Federalista

Pá gina 368

Textos complementares
• Texto 1

O texto a seguir é de Alfredo Bosi, professor titular de Literatura Brasileira na USP e


imortal da Academia Brasileira de Letras.

O salto qualitativo: a obra de Gonçalves Dias


Antonio Gonçalves Dias (1823-1864) foi o primeiro poeta autêntico a emergir em nosso romantismo.
Para ir além desse juízo consensual, seria necessá rio aprofundar a questã o do nexo entre cultura
instituída e talento individual. Talvez se possa entrever uma pista interpretativa evitando os escolhos
das posiçõ es extremadas, socioló gicas ou estéticas. As primeiras encarecem a determinaçã o das forças
sociais e culturais na produçã o da obra de arte: Gonçalves Dias teria sido “produto” do meio, da classe, da
ideologia, do momento histó rico, do movimento literá rio a que pertenceu. As segundas dã o ênfase à
diferença individual: outros poetas de sua geraçã o viveram os mesmos condicionamentos, mas nenhum
produziu obra que se aproximasse do valor estético que se reconhece em sua poesia; logo, é o talento
artístico excepcional (para nã o dizer o gênio) que sobreleva as determinaçõ es sociais. Nã o há mediaçã o
viá vel se nos ativermos apenas a uma ou a outra dessas hipó teses explicativas. O dilema nã o é novo, tem
pelo menos dois séculos, começando pelos pró prios teó ricos do romantismo e afiando suas armas
metodoló gicas nos fins do século XIX nas polêmicas entre positivistas e idealistas. Nã o é evidentemente
minha presunçã o desfazê-lo aqui. Arrisco apenas uma hipó tese: para a criaçã o artística de alto nível a
presença de correntes culturais favorá veis é necessá rio, mas nã o suficiente. [...]

Cantor do indígena, Gonçalves Dias parece retomar o caminho trilhado pelos iniciadores do romantismo
entre nó s. Mas é com outra perspectiva e outro vigor poético que o faz. Há nele uma consciência
dramá tica, senã o trá gica, de que a colonizaçã o extinguiu populaçõ es inteiras de silvícolas. I-Juca Pirama
nã o é tã o somente “aquele que deve morrer” quando vencido pela tribo inimiga. É também aquele que
acabaria morrendo à s mã os dos conquistadores brancos que vieram de além-mar. No “Canto do Piaga”,
um de seus primeiros “poemas americanos”, sobe ao primeiro plano a visã o horrífica dos invasores que
virã o de repente “matar vossos bravos guerreiros” e “roubar-vos a filha e a mulher”.

[...]

O índio de Gonçalves Dias nã o é decorativo, é expressivo. Quando épico, é viril e só brio na concisã o da
fala do selvagem indô mito:

Meu canto de morte


Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.

Da tribo pujante
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte.
Meu canto de morte
Guerreiros, ouvi

BOSI, Alfredo. Cultura. In: CARVALHO, José Murilo de. (Coord.). A construção nacional 1830-1889. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2012. v. 2, p. 234-236.

Pá gina 369
• Texto 2

O texto a seguir é de Maria Teresa Garritano Dourado, doutora em Histó ria Social pela
USP, e autora da tese A História esquecida da Guerra do Paraguai: fome, doenças e
penalidades.

A mãe dos brasileiros


Quando a Guerra do Paraguai irrompeu, em 1864, Ana Justina Ferreira Néri (1814-1880) morava em
Salvador com os filhos Isidoro, Antonio Pedro e Justiniano, que foram convocados para a batalha. No dia
8 de agosto do ano seguinte, ela enviou ofício ao presidente da província oferecendo seus serviços como
enfermeira de guerra. Alegava dois motivos: atenuar o sofrimento dos que defendiam a pá tria e ficar
junto aos filhos. Ana nem esperou a resposta: cinco dias depois, embarcou com o exército de voluntá rios
para o front. Acompanhou e cuidou do 40º Batalhã o de Voluntá rios da Pá tria, comandado pelo irmã o
Joaquim Maurício Ferreira.

Ana Néri já nã o é tã o lembrada hoje, mas foi uma das poucas mulheres brasileiras participantes do
conflito a ficar conhecida nacionalmente, tendo sido muito festejada na época do confronto. Ela teria
adquirido experiência como enfermeira junto à s Irmã s de Caridade Sã o Vicente de Paula, no Rio Grande
do Sul, e em Salto, na Argentina. Naqueles tempos, a enfermagem nã o tinha um cará ter técnico ou
científico e era exercida em um viés humanitá rio ou religioso.

Durante a guerra, Ana residiu em Corrientes, Humaitá e Assunçã o, fixando residência perto dos campos
de operaçõ es para atender aos feridos. Tratou de doentes em hospitais de sangue e perdeu um filho e um
sobrinho no período. Muitos anos depois de morrer, teve seu nome dado a vá rias escolas de enfermagem
no Brasil, sendo considerada uma de suas pioneiras. Seu prestígio foi longe: em cartas à sua mulher,
Benjamin Constant, militar e republicano histó rico, referiu-se a ela como “uma respeitá vel senhora
brasileira” e “muito minha amiga”.

Grande parte do contingente feminino que acompanhava o exército era formado por mulheres simples
do povo, conhecidas apenas por um nome e apelido, como Ana Mamuda, Aninha Gangalha, Maria Fuzil,
entre outros. Ana Néri, porém, era exceçã o. Senhora de elite, ela teve direito a nomes e sobrenomes por
ser viú va de um homem de projeçã o: havia se casado com o oficial de Marinha capitã o-de-fragata Isidoro
Antonio Néri, que faleceu em 1844 a bordo do brigue Três de Maio, no Maranhã o.

Ana Néri ficou por quase cinco anos com o exército. Quando regressou, recebeu vá rias homenagens.
Ainda em vida teve um reconhecimento raras vezes dado a uma mulher brasileira. Em 6 de fevereiro de
1870, foi presenteada por uma comissã o de senhoras baianas residentes na capital com uma coroa de
ouro na qual estava gravado: “à heroína da caridade, as baianas agradecidas”. Hoje, o objeto faz parte do
acervo do Museu do Estado da Bahia. A enfermeira também ganhou um á lbum com a dedicató ria
“Tributo de admiraçã o à caridosa baiana por damas patriotas”.

Todos os bió grafos de Ana Néri ressaltam o importante trabalho que ela desenvolveu tanto junto aos
feridos brasileiros e aliados quanto aos paraguaios. Nã o à toa, ficou conhecida como Mã e dos Brasileiros,
numa denominaçã o dada pelo pró prio Exército na Campanha do Paraguai.

DOURADO, Maria Teresa Garritano. Sofrimento invisível. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro,
ano 10, n. 117, p. 24, jun. 2015.

• Texto 3

O texto a seguir foi escrito pela historiadora e antropó loga brasileira Lilia Schwarcz
Moritz, e pela cientista política e professora da UFMG Heloísa Starling.
O dia seguinte
Por sinal, passada a euforia dos primeiros momentos da Lei Á urea, de 1888, foram ficando claras as
falá cias e incompletudes da medida. Se ela significou um ponto final no sistema escravocrata, nã o

Pá gina 370

priorizou uma política social de inclusã o desses grupos, os quais tinham poucas chances de competir em
igualdade de condiçõ es com os demais trabalhadores, sobretudo brancos, nacionais ou imigrantes. [...]

Na realidade, nos primeiros anos da Repú blica pairava um verdadeiro “medo” de novas escravizaçõ es, ou
da vigência de políticas raciais no país. Sobre os libertos recaía, portanto, um fardo pesado, condicionado
pelos modelos deterministas de interpretaçã o social e pela pró pria histó ria. Foi por isso que ocorreu,
entã o, uma reversã o de expectativas, uma vez que a igualdade jurídica e social acabou sendo
condicionada por novos critérios raciais, religiosos, étnicos e sexuais. Segundo a visã o da época, a
explicaçã o para a falta de sucesso profissional ou social dos negros e mestiços estaria na biologia: ou
melhor, na raça, e nã o numa histó ria pregressa ou no passado imediato. Henrique Roxo, médico do
Hospício Nacional, em pronunciamento no II Congresso Médico Latino-Americano de 1904 asseverava
que negros e pardos deveriam ser considerados como “tipos que nã o evoluíram”; “ficaram
retardatá rios”. Segundo ele, se cada povo carregava uma “tara hereditá ria”, no caso desses grupos ela era
“pesadíssima”, levando à vadiagem, ao á lcool e demais distú rbios mentais. O médico nã o deixava de
incluir argumentos sociais, culpando a “transiçã o bruscada”, assim como o crescimento desorganizado
das cidades.

SCHWARCZ, L. K. M.; STARLING, Heloísa. Brasil: uma biografia. 1. ed. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 2015. v. 1, p.
342-343.

Atividades complementares
1. Cruzando fontes

• Fonte 1

O texto a seguir é de Luís Balkar S. P. Pinheiro, professor da Universidade Federal do


Amazonas. Leia-o com atençã o.

Com efeito, os escravos foram a pedra de toque da Cabanagem, na medida em que suas açõ es [...] foram
encaminhadas com autonomia frente aos demais grupos rebeldes. Por isso mesmo, suas manifestaçõ es
dirigiam-se [...] para aqueles que representavam [...] a continuidade do cativeiro. Por isso mesmo
também sobre eles recaiu toda a fú ria repressiva das autoridades [...]. Durante toda a revolta, a
perseguiçã o e morte de suas lideranças mais expressivas, como os negros Diamante e Patriota, foram
parte do preço que tiveram de pagar para reinventar a liberdade.

Da trajetó ria dessas duas lideranças negras da Cabanagem pouco se sabe além dos registros que
aparecem na obra de Domingos Raiol. Sabe-se que Patriota era a alcunha de um negro liberto que se fez
líder de um grupo [...] que chegou a aglutinar mais de 400 escravos fugidos. [...] A figura de Diamante é
também iluminada por Raiol. Negro, chamava-se Joã o do Espírito Santo e sob seu comando “organizou
[...] um corpo que denominou de guerrilheiros” e chegou a elaborar um plano para assumir o controle do
poder na Província, derrubando o entã o presidente... Eduardo Angelim.[...]

PINHEIRO, Luís Balkar S. Peixoto. Cabanagem: percursos histó ricos e historiográficos. In: DANTAS, Mô nica Duarte
(Org.). Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX. Sã o Paulo: Alameda,
2011. p. 226-227.
Alcunha: apelido.

• Fonte 2

População do Grão-Pará (1835)


Índios 33000
Negros 30000
Mestiços 42000
Brancos 15000
Total 120000

Fonte: FILHO, Arnaldo Fazoli. O período Regencial. Sã o Paulo: Editora Á tica, 1994. p. 55.

Pá gina 371

a) Que trecho do texto comprova que os escravos do Grã o-Pará agiram com autonomia
frente aos outros grupos?

O trecho que afirma que o líder negro Diamante queria derrubar o governo cabano de Eduardo Angelim e substituí-lo no
poder; eis o que o autor diz: “Negro, chamava-se Joã o do Espírito Santo e [...] chegou a elaborar um plano para assumir o
controle do poder na Província, derrubando o entã o presidente... Eduardo Angelim.”

b) Com base na tabela, o que é possível saber sobre a presença de negros e índios na
populaçã o do Grã -Pará , em 1835?

Pode-se dizer que negros e índios somavam 63 mil habitantes, mais de 50% da populaçã o. Professor: comentar que 50% + 1
constitui maioria absoluta.

c) Compare a porcentagem de negros à de brancos na populaçã o do Grã o-Pará em


1835.

A porcentagem de negros era de 25% e a de brancos era de 12,5%; a porcentagem de negros era, portanto, o dobro da de
brancos.

d) Qual era a condiçã o de vida da maioria da populaçã o do Grã o-Pará e por quais
grupos étnicos era constituída?

A maioria dos paraenses era muito pobre; morava em cabanas e era constituída por índios, negros e mestiços que, juntos,
somavam 85% da populaçã o.

e) Que relaçã o se pode estabelecer entre o texto (fonte 1) e a tabela (fonte 2)?

O texto destaca a participaçã o política dos negros escravizados na Cabanagem e a tabela informa sobre sua expressiva
participaçã o numé rica (25% do total de habitantes do Grã o-Pará ).

2. Leia com atençã o esta tabela sobre a distribuiçã o de riquezas na cidade de Salvador
(BA), entre 1800 e 1850.

Grupo de % de riqueza Média do valor dos Nº de pessoas na


pessoas controlada bens (réis) amostra
10% mais 66,9 64:086$500 41
ricos
30% 26,4 8:571$847 118
seguintes
30% 5,6 1:832$127 118
seguintes
30% mais 1,1 357$220 118
pobres
Total 100,0 9:727$352 395

REIS, Joã o José. Rebelião escrava no Brasil: a histó ria do levante dos malês (1835). 2. ed. Sã o Paulo: Brasiliense, 1987.
p. 23.

a) O que se pode concluir comparando a média do valor dos bens dos indivíduos
situados nos diversos grupos?

O valor mé dio dos bens dos que pertenciam à minoria dos 10% mais ricos era de 64:086$500 (sessenta e quatro contos,
oitenta e seis mil e quinhentos ré is). Esse grupo pequeno dos 10% mais ricos possuía em mé dia 7,5 vezes mais que os 30%
seguintes e 180 vezes mais que os ú ltimos 30%.

b) Como demonstra a tabela, havia muita pobreza, e a riqueza existente estava


concentrada nas mã os de poucos. O que ajuda a explicar essa situaçã o?

Um dos fatores que ajuda a explicar esse perfil de distribuiçã o de riqueza é justamente o fato de a sociedade soteropolitana
da é poca ser uma sociedade escravista e fortemente preconceituosa (fato que dificultava a ascensã o dos libertos).

3. (FMJ – 2014)

Entre 1852 e 1859, chegaram de outras províncias para o Rio de Janeiro 26 622 escravos.

(Ana Luiza Martins. Império do café: a grande lavoura no Brasil, 1850 a 1890, 1990.)

Pá gina 372

O fenô meno histó rico apresentado pelo excerto pode ser explicado

a) pela atraçã o exercida sobre os escravos das melhores condiçõ es de trabalho


oferecidas pelos senhores fluminenses, como o trabalho na cidade.

b) pelo reaquecimento da produçã o aurífera em Minas Gerais, o que voltou a exigir a


presença de muita mã o de obra.

c) pelo efeito direto da grave crise mundial desencadeada nas indú strias têxteis
britâ nicas, o que fez reduzir a exportaçã o algodoeira da Bahia.

d) pelas leis de restriçã o ao uso de escravos aprovadas nas províncias mais ricas do
nordeste: Ceará e Pernambuco.

e) pelo fim do trá fico de escravos para o Brasil, aliado à decadência da economia
açucareira no Nordeste.

Resposta: e.
4. (UEMA – 2013)

• Texto I

Valeu, Zumbi
O grito forte dos Palmares
Que correu terra, céus e mares
Influenciando a aboliçã o.

VILA, L. C. da V., G. R. E. S. Unidos de Vila Isabel, 1988.

• Texto II

Pra Isabel a heroína,


Que assinou a lei divina
Negro dançou, comemorou, o fim da sina.

TRISTEZA, N.; JÓ IA, P.; VICENTINHO; JURANDIR. G. R. E. S. Imperatriz Leopoldinense, 1989.

Os versos dos textos I e II sã o fragmentos de letras de samba, elaborados no contexto


de comemoraçã o do centená rio da aboliçã o da escravidã o, no Brasil. Esses versos
abordam a questã o de maneira distinta. Ao compará -los, se diferenciam quanto à

a) escolha dos protagonistas da aboliçã o.

b) importâ ncia dada à Lei Á urea, assinada em 1888.

c) perspectiva de uma Histó ria personificada em grandes heró is.

d) forma de abordagem do racismo disseminado, apó s a aboliçã o.

e) receptividade da aboliçã o, rejeitada por uma parcela da populaçã o.

Resposta: a.

5. (Unicamp – 2014)

a) Conforme a imagem, qual é a crítica de Agostini ao Imperador?

Angelo Agostini. Sé c. XIX. Coleçã o particular


Angelo Agostini (1833-1910) expressou sua crítica a D. Pedro II em uma caricatura publicada na
Revista Ilustrada, em 1887.

(Disponível em http://www.jblog.com.br/ quadrinhos.php?itemid=20522. Acessado em 05/12/2013.)

A expectativa era de que os candidatos pudessem apreender, a partir da representaçã o visual (monarca idoso, sem energia,
sonolento, jornais espalhados, por exemplo), o descompasso entre os problemas existentes no final do Impé rio e a gestã o de
D. Pedro II.

Pá gina 373

b) Indique e explique um processo que expresse a situaçã o de crise vivida no final do


Império.

Poderiam ser mencionados e explicados processos como a campanha abolicionista, o crescimento do movimento
republicano, as questõ es militares, a questã o religiosa e a Guerra do Paraguai, que representaram a perda de apoio de
importantes grupos ao Imperador, desencadeando um processo de crise que levou à proclamaçã o da Repú blica.

6. (Fuvest-SP – 2014)

A Repú blica nã o foi uma transformaçã o pacífica. Bem ao contrá rio. Para além da surpresa provocada
pelo golpe de Estado de 15 de novembro, seguiu-se uma década de conflitos e violências de toda ordem,
na qual se sucederam as dissensõ es militares, os conflitos intraoligá rquicos, os motins populares, a
guerra civil, o atentado político contra a vida de um presidente da Repú blica. No interior dessas lutas se
forjou a transformaçã o do Estado Imperial em Estado Republicano, do Império Unitá rio em Repú blica
Federativa, do parlamentarismo em presidencialismo, do bipartidarismo organizado nacionalmente em
um sistema de partidos ú nicos estaduais. Forjou-se um novo pacto entre as elites e um novo papel para
as forças armadas.

Wilma Peres Costa. A espada de Dâmocles. Sã o Paulo: Hucitec, 1996, p. 16.

a) Identifique e caracterize um episó dio conflituoso pró prio dos primeiros anos da
Repú blica no Brasil.

Podem ser citadas a Primeira e a Segunda Revolta da Armada (1891 e 1893). Na Primeira, unidades da Armada (Marinha)
ameaçaram bombardear a cidade do Rio de Janeiro caso o presidente Deodoro da Fonseca nã o renunciasse à presidê ncia. E
na Segunda, liderada pelo oficial Custó dio José de Melo, a Marinha bombardeou a cidade do Rio de Janeiro, exigindo a
renú ncia de Floriano Peixoto. Ou ainda, a Revoluçã o Federalista no Rio Grande (1893-1895): guerra civil gaú cha resultado
da disputa entre os seguidores do republicano Jú lio de Castilhos, que contou com o apoio de Floriano Peixoto, e os adeptos
de Gaspar Silveira Martins, com apoio da marinha.

b) Explique o “novo papel para as forças armadas” a que se refere o texto.

As revoltas e conflitos na Primeira Repú blica envolveram, em maior ou menor grau, as forças armadas que, nã o por acaso,
assumem um patamar político de suma importâ ncia no processo de instalaçã o e consolidaçã o do novo regime. A busca por
maior participaçã o política, iniciada pelos militares ainda nos ú ltimos anos do impé rio, tem resultado exatamente apó s o
golpe de 15 de novembro de 1889, com dois governos de presidentes militares: Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto.

7. Leia o texto com atençã o e responda.

A República e a Cultura negra


Belle époque: período entre o final do século XIX e o início do XX, marcado por um otimismo decorrente das
conquistas materiais entã o obtidas por europeus e norte -americanos e da crença no progresso ilimitado da
humanidade.
Por apresentar uma visã o otimista do presente e do futuro, o período que se estendeu do final do século
XIX ao início do XX foi caracterizado [...] como sendo uma belle époque. Havia, contudo, uma face
sombria nesse período. O início da Repú blica conviveu com crises econô micas, marcadas por inflaçã o,
desemprego e superproduçã o de café. Tal situaçã o, aliada à concentraçã o de terras e à ausência de um
sistema escolar abrangente, implicou que a maioria dos libertos passasse a viver em um estado de quase
completo abandono. Esses ú ltimos, além dos sofrimentos da pobreza, tiveram de enfrentar uma série de
preconceitos cristalizados em instituiçõ es e leis, feitas para estigmatizá -los como subcidadã os, elementos
sem direito à voz na sociedade brasileira.

[...]

O racismo dos tempos iniciais da Repú blica voltou-se também ao combate de tradiçõ es culturais. A
capoeira, assim como as vá rias formas de religiosidade africanas tornam-se, segundo o có digo penal de
1890, prá ticas criminosas. [...] Nem mesmo as festas escapam ao furor antiafricano. Em plena Salvador,
os batuques e afoxés (na época denominados candomblés) sã o colocados na ilegalidade. (...)

Pá gina 374

O có digo penal de 1890 criminaliza a capoeira:

Art. 402. Fazer nas ruas e praças pú blicas exercícios de agilidade e destreza corporal, conhecidos pela
denominaçã o de capoeiragem [...]

Pena: De prisã o celular de dois a seis meses.

PRIORE, Mary Del; VENÂ NCIO, Renato Pinto. O livro de Ouro da História do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. p.
269-274.

a) Como os autores do texto caracterizam a belle époque brasileira?

Como um período em que predominava uma visã o otimista do presente e do futuro, mas que, ao mesmo tempo, tinha uma
face sombria, marcada por uma crise econô mica envolvendo superproduçã o de café , inflaçã o e desemprego. Ou seja, foi uma
bela é poca somente para uns poucos.

b) O que o período da belle époque significou para os libertos (homens e mulheres


recém-saídos de escravidã o)?

Sem terra, sem instruçã o e tendo a pele escura em uma sociedade racista, os libertos viviam relegados ao abandono, eram no
má ximo subcidadã os.

c) Que exemplos os autores dã o do “furor antiafricano” praticado nos tempos iniciais


da Repú blica?

Batuques e afoxé s foram colocados na ilegalidade; a prá tica da capoeira tornou-se um crime, com pena que variava de dois a
seis meses de prisã o. Somente durante o Estado Novo, a capoeira deixou de ser perseguida para tornar-se um esporte
nacional. Conforme o estudioso Rafael Veríssimo: “Em 1937, Getú lio Vargas descriminalizou a capoeira como parte de seu
projeto político nacionalista e, em 1953, afirmou: ‘a capoeira é o ú nico esporte genuinamente nacional’.” VERÍSSIMO, Rafael.
Aná lise de narrativas culturais da capoeira constata: sua origem nã o é brasileira. Agência USP de notícia, Sã o Paulo, n. 1524,
10 nov. 2004. Disponível em: <http://www.usp.br/agen/bols/2004/rede1524.htm>. Acesso em: 5 jun. 2016.

6. Sugestões de respostas e comentários das atividades


propostas no livro do aluno
Capítulo 1 América indígena

• Vozes do presente

a) O texto é historiográ fico e foi escrito pelo historiador Serge Gruzinski, autor de
diversas obras sobre o México.

b) Ele o descreve como um “império repleto de cidades imponentes”, cortado por


estradas que passavam por elevaçõ es e abismos, graças a inú meras pontes de cipó s e
milhares de escadarias de pedra.

c) A imposiçã o da língua, o quéchua; o governo fortemente centralizado; o


deslocamento das populaçõ es rebeldes para á reas dominadas pelos incas; a existência
de uma rede de estradas e de um correio eficiente; a difusã o do culto ao Sol pelo vasto
Império Inca.

d) Resposta pessoal. Professor: objetivou-se aqui estimular a capacidade do aluno de


argumentar em defesa de um ponto de vista e levá -lo a identificar as bases de
sustentaçã o do poder inca.

Capítulo 2 Colonizações: espanhóis e ingleses na América •


Vozes do presente

a) Segundo o dicioná rio Aurélio, genocídio significa “crime contra a humanidade, que
consiste em, com o intuito de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional,
étnico, racial ou religioso, cometer contra ele qualquer dos atos seguintes:

Pá gina 375

matar membros seus; causar-lhes grave lesã o à integridade física ou mental [...];
realizar a transferência forçada de crianças dum grupo para outro”. GENOCÍDIO. In:
NOVO Dicioná rio Eletrô nico Aurélio versã o 6.0.7. Curitiba: Positivo Informá tica, 2010.

b) Resposta pessoal.

Capítulo 3

A América portuguesa e a presença holandesa

• Vozes do presente

a) Uma visã o apresenta os escravizados como um grupo sem vontade pró pria; outra
como um grupo que constituiu família, mantendo uma organizaçã o bá sica de apoio e
de identidade social, enfim como sujeito da Histó ria. Professor: a comparaçã o entre
essas duas visõ es quer estimular o alunado a confrontar diferentes abordagens sobre
o mesmo assunto.

b) Descobriu-se que boa parte deles constituía família e que ela tinha grande
importâ ncia em suas vidas. Além disso, geralmente os filhos pequenos moravam com
seus pais ou, pelo menos, com suas mã es.

c) Resposta pessoal. Professor: alargar o debate comentando com os alunos sobre os


diversos tipos de família existentes na nossa sociedade. A questã o pode colaborar
também para que possamos compreender melhor os modos como nossos alunos veem
esta instituiçã o social.

• Você cidadão!

a) Resposta pessoal. Professor: comentar que a autora dá inú meros exemplos de


plantas descobertas e domesticadas pelos indígenas, que sã o hoje muito consumidas,
seja na alimentaçã o, seja na indú stria.

b) “Inú meras espécies vegetais, objeto de coleta por parte dos índios, foram adotadas
pelos colonizadores europeus, passando a ser cultivadas, algumas em larga escala
[...].”.

c) A indú stria automobilística, a de bicicletas e a de pneus. Professor: nos anos de


1890, a bicicleta virou uma verdadeira febre, usada por pessoas de diferentes idades
como fonte de lazer e como meio de transporte para o trabalho.

d) Resposta pessoal. Professor: estimular a reflexã o sobre o fato de que a


contribuiçã o indígena no tocante a essas plantas é quase ignorada pela cultura
ocidental.

e) Resposta pessoal. Professor: comentar com os alunos a importâ ncia de se


pesquisar a fim de conseguir dados confiá veis para dar suporte à argumentaçã o
desenvolvida. Segundo o Instituto Socioambiental, as terras indígenas correspondem a
14% do territó rio nacional e cerca de 22% da Amazô nia Legal (dados de 2015).

Capítulo 4

Africanos no Brasil: dominação e resistência

• Vozes do passado

a) É o tratamento dado aos escravos no navio negreiro, durante a viagem pelo


Atlâ ntico.

b) Os escravizados eram apinhados no porã o do navio negreiro. Em virtude da altura


do porã o, nã o era possível permanecer em pé. A comida e a á gua eram insuficientes e,
em caso de revolta, a pessoa pagava com a vida.
c) Resposta pessoal. Professor: comentar que esse relato é um documento raro e
importante para a compreensã o das condiçõ es de viagem dos africanos para a
América; é uma fonte particularmente interessante, pois Baquaqua escreveu a

Pá gina 376

ú nica biografia de um africano escravizado em terras brasileiras. O trabalho de


pesquisa sobre o assunto é do professor pernambucano Bruno Véras.

d) A imagem reforça e ilustra o trecho em que Baquaqua diz: “O porã o era tã o baixo
que nã o podíamos ficar de pé, éramos obrigados a nos agachar ou nos sentar no chã o.
Noite e dia eram iguais para nó s, o sono nos sendo negado devido ao confinamento de
nossos corpos”.

• Integrando com Língua Portuguesa

a) Provérbio: frase curta de origem popular que resume um conceito sobre a realidade
ou uma regra social/moral. O provérbio de nú mero nove contém, como se pode
concluir, uma recomendaçã o moral.

b) Resposta pessoal. Professor: observar na resposta os itens pertinência e coesã o.

c) Resposta pessoal. Professor: espera-se que o aluno perceba que, se a situaçã o de


um povo é de penú ria, a naçã o como um todo poderá ser atingida. Justificativa: há
vários exemplos na histó ria da humanidade de sublevaçõ es, revoltas e revoluçõ es
sociais motivadas por fome, abandono e opressã o.

d) Resposta pessoal. Professor: o provérbio sugere a ideia de que quando alguém é


“carregado” por outro nã o percebe a distâ ncia percorrida. Isto se aplica a várias
situaçõ es da vida real.

e) Resposta pessoal. Professor: sugerir aos alunos que conversem com o professor de
Língua Portuguesa sobre os desafios de transformar um legado oral em texto escrito.
Conto: gênero literá rio que se caracteriza por ser breve, ter poucas personagens e
açõ es e espaço reduzido. Adivinha: pergunta enigmá tica que exige resposta ou
soluçã o; adivinhaçã o, enigma. Receita: gênero textual que apresenta duas partes bem
definidas: ingredientes e modo de preparo.

f) Resposta pessoal. Professor: na adolescência é comum os jovens questionarem os


valores e os ensinamentos dos pais, embora muitas vezes acabem por repeti-los,
conforme sugere a mú sica imortalizada por Elis Regina.

Capítulo 5

Expansão e ouro na América portuguesa


• Vozes do presente

a) Nã o, segundo o autor, “Os pró prios representantes do Estado português –


governadores, ouvidores, provedores [...] contribuíam para desviar as riquezas da
Fazenda Real (a Receita Federal da época)”.

b1) Os vários integrantes da sociedade colonial mineira. As negras de tabuleiro, os


garimpeiros, os donos de lavras, os funcioná rios do governo (governador, ouvidor,
provedor, entre outros). O desvio se dava de diversas formas. Citamos a seguir alguns
exemplos: as negras de tabuleiro escondiam ouro nos cabelos e os funcioná rios do
governo produziam moedas falsas, com peso reduzido ou fundidos com metais, como
níquel e estanho.

b2) Os altos funcioná rios (pelo cargo que ocupavam) tinham uma possibilidade maior
de retirar para si parte da riqueza extraída. Este era o caso, por exemplo, dos
contratadores, dos responsá veis pelas casas de fundiçã o, dos fabricantes de moedas,
entre outros.

Pá gina 377

Capítulo 6

A Revolução Inglesa e a Industrial

• Vozes do passado

a) O assunto principal do texto sã o as condiçõ es de trabalho enfrentadas pelo operá rio


John Birley durante sua infâ ncia em uma fá brica londrina no século XIX.

b) Conclui-se que os industriais daquela época exigiam de crianças – pequenos


aprendizes – uma rotina de trabalho estafante e ofereciam a eles uma alimentaçã o
insuficiente que tinham de consumir rapidamente e em pé.

c) Porque mulheres e crianças ganhavam cerca de um terço do que era pago a um


homem.

d) Porque nã o havia leis trabalhistas e nenhuma justiça do trabalho para coibir os


constrangimentos e as longas jornadas de trabalho a que os jovens aprendizes eram
expostos.

e) Resposta pessoal.

• Integrando com Biologia

a) Varíola é uma doença causada por vírus que pode infectar os ó rgã os internos, a
corrente sanguínea e as células da pele, formando pú stulas (erupçõ es na pele). Ela
pode ser transmitida por vias respirató rias ou gotículas de saliva de pessoas
portadoras do vírus. A taxa de mortalidade entre os infectados é grande. A vacina
inventada por Jenner foi decisiva, pois nã o havia tratamento para essa doença na
época.

b) A preocupaçã o dos médicos se explica por causa do comportamento de risco


comum a muitos adolescentes que os leva a ser mais vulnerá veis a contrair a hepatite
B, já que ela é transmitida pelo beijo, por relaçõ es sexuais e pelo sangue. A doença
afeta o fígado, responsá vel por secretar a bile e armazenar energia, entre outras
funçõ es importantes para o organismo. O comprometimento dessa glâ ndula pode
trazer complicaçõ es para a saú de do adolescente.

c) Resposta pessoal. Espera-se que o aluno responda que os adolescentes têm mais
chances de contrair doenças (sobretudo as sexualmente transmissíveis) devido a sua
exposiçã o contínua a riscos.

d) Resposta pessoal. Entre as sugestõ es que podem ser apresentadas para o Ministério
da Saú de, cabe destacar uma campanha massiva de conscientizaçã o direta (para o
pró prio adolescente) e indireta (para os pais e familiares), alertando para os riscos das
exposiçõ es exageradas e para a falta de cuidado e/ou de prevençã o. O foco da
campanha poderia ser a importâ ncia da vacinaçã o na prevençã o de doenças.
Professor: segundo o Ministério da Saú de, as vacinas para adolescentes com idade
entre 11 e 19 anos sã o:

VACINA DOSE DOENÇAS EVITADAS


Hepatite B Três doses em diferentes Hepatite B
períodos.
Dupla Adulto Adolescentes nã o vacinados Difteria e tétano
(dT) devem tomar três doses; aqueles
que já receberam a DTP na
infâ ncia devem tomar uma dose
de reforço a cada dez anos.
Febre Amarela Uma dose a cada dez anos. Febre amarela
Dupla Viral (SR) Dose ú nica. Sarampo e rubéola

Fonte: TOSCANO, Cristiana. Cartilha de vacinas: para quem quer mesmo saber das coisas. Brasília, DF: Organizaçã o
Pan-Americana da Saú de, 2003. p. 20-23. Disponível em:
<http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/1c0dee80474580598c59dc3fbc4c6735/cart_vac.pdf?
MOD=AJPERES>. Acesso em: 23 maio 2016.

Pá gina 378

• Você cidadão!

a) O glotocídio é a morte de línguas. No texto, ele é definido como crime contra a


humanidade.
b) Isto significa que a maioria das línguas indígenas corre sério risco de extinçã o.
Professor: comentar que quando o ú ltimo falante de uma língua morre, perdem-se
saberes e prá ticas de inestimá vel valor para todos nó s.

c) Tikuein falava com o espelho, enquanto caminhava pela aldeia; Maria Rosa
dialogava com um gravador. Resposta pessoal. Professor: comentar que essas
estratégias criativas usadas pelos dois indígenas dã o a dimensã o da importâ ncia que a
língua tem para a vida e o cotidiano de um indivíduo.

d) Resposta pessoal. Professor: destacar a importâ ncia da diversidade linguística


para nó s e para a humanidade como um todo.

e) Resposta pessoal. Professor: sobre este tema, sugerimos a consulta ao site do


Museu Paraense Emílio Goeldi: <http://www.museu-goeldi.br/portal/content/m
%C3%A9todos-para-documenta%C3%A7%C3%A3o-digital-de-l%C3%ADnguas-ind
%C3%ADgenas>. Acesso em: 7 abr. 2016.

Capítulo 7

O Iluminismo e a formação dos Estados Unidos

• Vozes do presente

a) Anacronismo é o ato de analisar o passado com os mesmos critérios usados para


entender o presente. No texto em foco, o historiador diz que o modo como os leitores
do século XVIII usavam a Enciclopédia era diferente do modo como os leitores atuais
manuseiam as enciclopédias de hoje. E que, se nó s nã o percebermos essa diferença,
vamos cometer anacronismo. O professor Georges Duby afirma: “Vistam a pele dos
homens e mulheres de outras épocas se quiserem entendê-los”, ou seja, coloquem-se
no lugar deles, tentem saber como eles pensavam, se quiserem compreendê-los.

b) É que, em certa medida, a Enciclopédia veio romper com o monopó lio da cultura
letrada, exercido pelos representantes da Igreja durante muitos séculos.

c) Iluminar o espírito, para eles, era fazer uso da razã o humana para alcançar o
esclarecimento, a luz. A razã o deveria ser aplicada a todas as atividades humanas,
destruindo a ignorâ ncia, combatendo os preconceitos e o fanatismo religioso.

d) • Tanto a Enciclopédia dos franceses do século XVIII quanto as atuais oferecem


informaçõ es sobre os mais diversos ramos do saber e pretendem apresentar um
conteú do atualizado do conhecimento humano. Mas enquanto as enciclopédias atuais
buscam, sobretudo, informar, a Enciclopédia dos franceses esforçava-se para organizar
o conhecimento disperso, ser uma síntese do saber acumulado e, ao mesmo tempo, um
meio que garantisse a transmissã o desses conhecimentos para as geraçõ es futuras.

• O ú nico meio usado para acessar a Enciclopédia dos franceses era o papel, no caso, o
livro. Já as enciclopédias atuais estã o disponíveis também em meio digital, permitindo
assim o acesso à distâ ncia.

Capítulo 8
A Revolução Francesa e a Era Napoleônica

• Vozes do presente

a) Ele passou a ser descrito como o filho da Revoluçã o Francesa, o homem que
consolidou a posse da igualdade de direitos, que tornou possível a saída da França do
feudalismo, glorificando-a com suas vitó rias.

Pá gina 379

b) Resposta pessoal. Professor: na frase, a expressã o “antiga ordem” pode ser


traduzida por “Antigo Regime” e “nova ordem” pode ser sinô nimo de uma sociedade
em que os sú ditos cedem lugar aos cidadã os. Napoleã o, segundo o texto, oscilou entre
o Antigo Regime, fundado nos privilégios do clero e da nobreza e no direito divino dos
reis, e a nova ordem, nascida das mudanças efetuadas pela Revoluçã o Francesa,
incluindo-se aí a igualdade de todos perante a lei.

c) Vê-se o retrato inacabado de Napoleã o Bonaparte, obra de Jacques-Louis David, um


dos artistas que mais glorificaram o líder francês.

d) O retrato de Napoleã o nessa pintura é inacabado. Assim também é o debate em


torno de sua figura polêmica, controversa.

Capítulo 9

Independências: Haiti e América espanhola

• Vozes do presente

a) O texto é argumentativo e foi escrito por uma historiadora que conhece seu ofício e
é especialista no tema das independências políticas da América Latina.

b) Com base no texto, é possível concluir que a participaçã o política da mulher


durante as lutas pela independência da América Latina foi, durante muito tempo,
omitida pela historiografia e relegada ao esquecimento nos meios oficiais.

c) Pelo texto, fruto de um á rduo processo de pesquisa, ficou subentendido que durante
muito tempo a historiografia privilegiou a participaçã o dos homens nas lutas pela
independência e transformou alguns deles em heró is nacionais. Adotou, portanto, uma
abordagem sexista, omitindo o protagonismo feminino em um episó dio decisivo da
histó ria da América.

Capítulo 10

Emancipação política do Brasil


• Vozes do presente

a) Para o professor Boris Fausto, a Independência nã o resultou em mudanças


significativas na á rea socioeconô mica ou política (até mesmo a monarquia, forma de
governo vigente no Brasil antes da emancipaçã o política, manteve-se). Portanto, para
esse autor, a Independência se fez sob o signo da continuidade.

b) Segundo o autor, a mudança da Corte joanina para o Rio de Janeiro beneficiou,


sobretudo, as elites de Sã o Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Estudos recentes
indicam que, na passagem do século XVIII para o XIX, os mercadores de escravos
estavam entre os homens mais ricos das praças do Rio de Janeiro e de Salvador.

c) Para a professora Cecília Helena, a Independência resultou, sim, em mudanças


importantes. Segundo ela, o estudo das lutas sociais (guerras, inclusive) nos permite
concluir que a Independência foi um rompimento com o Antigo Regime e a monarquia
absolutista portuguesa. Para essa autora, portanto, houve ruptura.

d) Para Boris Fausto, a Independência foi um arranjo político promovido pela elite e
em favor dela, daí a liderança do processo ter ficado com a nobreza. Já para Cecília
Helena houve, sim, participaçã o popular nas lutas pela Independência.

Pá gina 380

Para a autora, ocorreu o “envolvimento de diferenciados setores sociais” nas


discussõ es sobre a emancipaçã o política do Brasil.

e) Resposta pessoal.

Capítulo 11

O reinado de Dom Pedro I: uma cidadania limitada

• Vozes do presente

a) A implantaçã o do capitalismo e a construçã o do Estado nacional, processo este do


qual fazem parte episó dios como o Sete de Setembro e a abdicaçã o.

b) Estudos recentes informam que o trá fico de escravos promovido por mercadores
do Rio de Janeiro e de Salvador foi uma atividade decisiva na formaçã o de grandes
fortunas naquelas duas cidades. O autor acrescenta ainda que esta atividade estava
concentrada nas mã os de poucos.

c) Como ensina Jorge Caldeira, cerca de 85% da produçã o total brasileira era
consumida no mercado interno, e apenas 15% da produçã o era destinada à
exportaçã o. Professor: durante muito tempo se afirmou que a economia colonial
brasileira se assentava na grande propriedade escravista voltada para o mercado
externo. O autor do texto apresenta resultados de pesquisas que revolucionaram os
estudos de economia colonial brasileira nos ú ltimos 15 anos, como as dos
professores/pesquisadores Joã o Fragoso, Manolo Florentino e Sheila de Castro Faria,
que destacaram a enorme importâ ncia do mercado interno na economia colonial
brasileira.

• Você cidadão!

a) Apesar da Constituiçã o de 1824 afirmar igualdade de direitos entre os cidadã os


brasileiros, negros e mestiços continuavam a ter até mesmo seu direito de ir e vir
dependente do reconhecimento de sua condiçã o de liberdade.

b) Isto significa que o Brasil é um país com muitas etnias e diversas culturas.
Professor: comentar que é nesta diversidade que reside sua riqueza.

c) A polícia, que é encarregada de cuidar da segurança das pessoas, costuma dispensar


tratamento diferenciado aos cidadã os e cidadã s, conforme a sua cor/etnia e classe
social.

d) Resposta pessoal. Professor: há pesquisas de instituiçõ es sérias que comprovam o


tratamento discriminató rio e violento dispensado aos jovens negros e pobres
residentes nas periferias.

Capítulo 12

Regências: a unidade ameaçada

• Integrando com Língua Portuguesa

a) O amor à pá tria. Professor: Gonçalves Dias era aluno de Direito em Coimbra,


Portugal, quando escreveu o poema.

b) O trecho incorporado está entre aspas a seguir: Teus risonhos, lindos campos “têm
mais flores;” / “Nossos bosques têm mais vida”, / ”Nossa vida” no teu seio “mais
amores”.

Pá gina 381

c1) Ufanismo: orgulho exacerbado pelo país em que se nasceu; patriotismo excessivo.

c2) Resposta pessoal. Professor: os exemplos sã o muitos; movido pela saudade, o


poeta idealiza a natureza do Brasil, descrevendo-a como mais bela e mais rica que a
terra do exílio (Portugal).

d) Um exemplo é “Migna terra”, de Juó Bananére – pseudô nimo do jornalista


Alexandre Ribeiro Marcondes Machado; eis um trecho da paró dia: Migna terra tê
parmeras, / Che ganta inzima o sabiá , / As aves che stó aqui, / Tambê tuttos sabi
gorgeá .

Capítulo 13

Modernização, mão de obra e guerra no Segundo Reinado

• Vozes do presente

a) Ele o caracteriza como um ditador que nã o dava satisfaçã o de seus atos a ninguém.
O autor distingue a ditadura de Ló pez das atuais, enfatizando que, à época, inexistiam
meios de comunicaçã o de massa; e, assim sendo, um ditador nã o tinha a necessidade
de reagir ao contexto internacional, como ocorre hoje.

b) Ele afirma que no Paraguai de Solano Ló pez a oposiçã o estava “em cemitérios ou no
exílio”; nã o havia jornais, apenas um diá rio oficial; portanto, inexistia uma imprensa
participativa ou que expressasse as demandas e os conflitos de interesses da
sociedade paraguaia da época.

c) Ele apresenta Solano Ló pez como aquele que iniciou a guerra; seu plano era vencer
o líder argentino Bartolomeu Mitre e derrotar o Império Brasileiro no Paraguai.

d) Resposta pessoal. Professor: comentar que, ao longo da histó ria, há inú meros
casos de saques a cidades que foram movidos pela ambiçã o de soldados invasores, que
agiram com ou sem a autorizaçã o de seus comandantes. Muitas guerras e violências
contra a populaçã o civil foram movidas por ambiçã o de acumular riqueza.

Capítulo 14

Abolição e República

• Vozes do presente

a) Ele criticou a postura do povo; seu nã o envolvimento na proclamaçã o da Repú blica,


um ato executado por militares, em 15 de novembro de 1889.

b) Segundo ele, a Repú blica manteve o povo excluído da política; isto fica evidente no
trecho em que o autor diz: “O povo sabia que o formal nã o era sério. Nã o havia
caminhos de participaçã o, a Repú blica nã o era para valer”.

c) Ele afirma que “bestializado era quem levasse a política a sério”. A política, segundo
o autor, era tribofe (engodo, trapaça); assim, ao preferir apenas assistir à proclamaçã o
da Repú blica, o povo estava longe de ser bestializado; foi esperto!

d) Resposta pessoal. Professor: a proposta é estimular os estudantes a argumentarem


em defesa de um ponto de vista e contestarem contra-argumentaçõ es. Sobre o advento
da Repú blica em 1889, disse a historiadora Magali Gouvêia: “Segundo Aristides Lobo,
numa frase que ficou famosa, o ‘povo’ assistiu à proclamaçã o da Repú blica
completamente ‘bestializado’. Mas, como bem observou José Murilo de Carvalho, mais
do que ‘bestializado’ o povo foi ‘bilontra’ (esperto), já que, de algum modo, percebeu o
sentido histó rico de um ato que mudava o regime, mas

Pá gina 382

mantinha a exclusã o e a desigualdade na sociedade [...]. Como intuíra um dos maiores


personagens machadianos no romance Memorial de Aires, com o advento da
Repú blica, ‘nada se mudaria; o regime, sim, era possível, mas também se muda de
roupa sem trocar de pele’”. ENGEL, Magali Gouvêia. Republicanismo. In: VAINFAS,
Ronaldo (Org.). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva,
2002. p. 633.

• Cruzando fontes

a) Eles apostaram na imigraçã o. Professor: comentar que a autora está se referindo


aos cafeicultores do Oeste Paulista.

b) Para ela, a Aboliçã o “libertou os brancos do fardo da escravidã o e abandonou os


negros à sua pró pria sorte”.

c) Nã o, diferentemente da autora da fonte 1, para ela a Aboliçã o garantiu a igualdade


civil entre os libertos e os livres.

d) Resposta pessoal. Enquanto Emília Viotti enfatiza o fato de a Lei Á urea nã o ter
previsto nenhuma forma de amparo aos libertos, Hebe Mattos destaca o fato de que,
embora limitada, a igualdade civil conquistada com a Aboliçã o nã o deve ser
subestimada. Como afirma Viotti, a Lei Á urea nã o protegeu o ex-escravizado na sua
difícil travessia à condiçã o de homem livre: nã o lhe concedeu terra, como havia
proposto André Rebouças, nã o previu sua instruçã o, como havia sugerido Joaquim
Nabuco, e tampouco lhe conferiu direitos políticos. Mas nã o se pode esquecer que, em
13 de maio de 1888, a igualdade civil de todos os brasileiros foi pela primeira vez
reconhecida. Concluindo: as duas historiadoras enfatizam diferentes aspectos de uma
mesma realidade. Professor: o importante é estimular o posicionamento do aluno e a
sua capacidade de argumentaçã o.

• Você cidadão!

a) Para a elite da época, d. Obá nã o passava de um subproduto da Guerra do Paraguai,


um “veterano resmungã o”, “meio amalucado”, figura meramente folcló rica.

b) O povo negro via d. Obá como um príncipe pertencente a uma família real africana.

c) Conforme o autor, a elite da época ignorava a histó ria da Á frica, bem como o modo
como se organizavam politicamente os reinos africanos. Já o povo negro, preservando
no Brasil a cultura (ou as culturas) africanas, reconhecia em d. Obá as suas origens
reais, compartilhava de suas ideias.
d) Em primeiro lugar, o povo negro seguia a liderança de d. Obá , reconhecendo nele
um príncipe da Á frica. Depois, contava muito o fato de d. Obá defender que as raças
humanas eram perfeitamente iguais. Para d. Obá , os homens diferenciavam-se uns dos
outros pelo valor guerreiro e humano de cada indivíduo, ao contrá rio da elite da
época, que achava as raças humanas essencialmente diferentes. Por fim, d. Obá
empenhou-se pessoalmente em diversas campanhas pela igualdade e liberdade entre
os homens, independentemente da raça, defendendo o fim do uso da chibata e da
pró pria escravidã o.

e) Resposta pessoal. Professor: o objetivo é estimular o debate em torno de uma


bandeira erguida por d. Obá ao longo de sua vida. E também refletir sobre o ideal
defendido por aquele descendente de africanos, liberto, elegante no vestir-se,
publicista, oficial honorá rio do exército brasileiro, pertencente a uma linhagem real
africana e que, na segunda metade do século XIX, lutou pela liberdade e igualdade do
povo negro em relaçã o ao restante da sociedade brasileira.

Pá gina 383

7. Referências bibliográficas

7.1. Sugestões de obras sobre ensino de História


e Educação
ABREU, Martha; SOIHET, Rachel (Org.). Ensino de História: conceitos, temá ticas e metodologia. Rio
de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.

APPLE, Michel W. Educação e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

BARBOSA, Alexandre et al. Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. Sã o Paulo:
Contexto, 2008. (Como usar na sala de aula).

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandez. Ensino de história: fundamentos e métodos. Sã o Paulo:


Cortez, 2004.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandez. O saber histórico na sala de aula. Sã o Paulo: Contexto, 1998.
(Repensando o ensino).

BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. 2. ed. rev. Sã o Paulo: Brasiliense, 1993. v. 17. (Primeiros
passos).

CABRINI, Conceiçã o et al. Ensino de História: revisã o urgente. Ed. rev. ampl. Sã o Paulo: Educ, 2000.

CAPELATO, Maria Helena. História e cinema. Sã o Paulo: Alameda, 2007.

COLL, César. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artes Médicas,
1994.

COLL, César. Psicologia e currículo. Sã o Paulo: Á tica, 1999. (Fundamentos).


COLL, César et al. O construtivismo na sala de aula. Sã o Paulo: Á tica, 2004.

D’ALESSIO, Má rcia Mansor. Reflexões sobre o saber histórico. Sã o Paulo: Fundaçã o Editora da Unesp,
1998. (Prisma).

DI GIOVANNI, Maria Lucia Ruiz. História. Sã o Paulo: Cortez, 1994.

FARIA, Maria Alice; ZANCHETTA JR., Juvenal. Para ler e fazer o jornal na sala de aula. Sã o Paulo:
Contexto, 2002.

GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prá tica. Porto Alegre: Artmed, 2000.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

HERNÁ NDEZ, Fernando; VENTURA, Montserrat. A organização do currículo por projetos de


trabalho: o conhecimento é um caleidoscó pio. Trad. Jussara Haubert Rodrigues. 5. ed. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1998.

HOFFMANN, Jussara Maria Lerch. Avaliação mediadora: uma prá tica em construçã o da pré-escola à
universidade. 20. ed. Porto Alegre: Mediaçã o, 2003.

HYPOLITO, Á lvaro Moreira; GANDIN, Luís Armando (Org.). Educação em tempos de incertezas. Belo
Horizonte: Autêntica, 2003.

IOKOI, Zilda Marcia Gricoli. História e linguagens. Sã o Paulo: Humanitas, 2002.

KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, prá ticas e propostas. Sã o Paulo:
Contexto, 2005.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Sã o Paulo: Editora Unicamp, 2003.

MACHADO, Nilson José. Educação: projetos e valores. 3. ed. Sã o Paulo: Escrituras, 2000. (Ensaios
transversais).

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. A integração de pessoas com deficiência: contribuiçõ es para uma
reflexã o sobre o tema. Sã o Paulo: Memnon: Senac, 1997.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. Sã o Paulo: Contexto, 2003. (Como usar
na sala de aula).

NEVES, Iara C. Bitencourt et al. (Org.). Ler e escrever: compromisso de todas as á reas. 9. ed. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2011.

OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de (Coord.). História: Ensino Fundamental. Brasília, DF: Ministério
da Educaçã o, Secretaria de Educaçã o Bá sica, 2010. (Explorando o ensino).

PERRENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada: das intençõ es à açã o. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 2000.

PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. Sã o Paulo: Contexto, 2008.

PINSKY, Carla Bassanezi; DE LUCA, Tania Regina (Org.). O historiador e suas fontes. Sã o Paulo:
Contexto, 2009.

PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Novos temas nas aulas de história. Sã o Paulo: Contexto, 2009.
PORTO, Tâ nia Maria Esperon. A televisão na escola... Afinal, que pedagogia é esta? Sã o Paulo: JM,
2002.

RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. Sã o Paulo: Contexto, 2009.

SAWAIA, Bader (Org.). As artimanhas da exclusão: aná lise psicossocial e ética da desigualdade
social. 3. ed. Petró polis: Vozes, 2001.

SILVA, Marcos; FONSECA, Selva Guimarã es. Ensinar história no século XXI: em busca do tempo
entendido. Sã o Paulo: Papirus, 2007.

SPOSITO, Maria Encarnaçã o Beltrã o.Livros didáticos de Geografia e História: avaliaçã o e pesquisa.
Sã o Paulo: Cultura Acadêmica, 2006.

7.2. Bibliografia
BENTANCOR, Milton H. O gênesis quiche. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro,
ano 10. n. 108, set. de 2014.

BLOCH, Marc. A histó ria, os homens e o tempo. In: Apologia da história ou o ofício de
historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

Pá gina 384

BOSI, Alfredo. Cultura. In: CARVALHO, José Murilo de (Coord.). A construção nacional –
1830- 1889. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. v. 2.

BURKE, Peter. A cultura popular na idade moderna: Europa, 1500-1800. Sã o Paulo:


Companhia das Letras, 1989.

CASTRO, Adler Homero Fonseca de.Revista Nossa História, Vera Cruz, ano 3, n. 27, jan.
2006.

DA MATTA, Roberto. Relativizando: uma introduçã o à Antropologia social. Petró polis:


Vozes, 1981.

DOURADO, Maria Teresa Garritano. Sofrimento Invisível. Revista de História da


Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano 10, n. 117, jun. 2015.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed.


Sã o Paulo: Nova Fronteira, 1986.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formaçã o da família brasileira sob o regime
da economia patriarcal. 21. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.

GRUZINSKI, Serge. A passagem do século: 1480- 1520: as origens da globalizaçã o. Sã o


Paulo: Companhia das Letras, 1999.
HERMANN, Jacqueline. Deserçã o de Olinda a Holanda. Revista Nossa História, Vera
Cruz, ano 2, n. 21, jul. 2005.

HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves Leite. A África na sala de aula: visita à histó ria
contemporâ nea. Sã o Paulo: Selo Negro, 2005.

HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça: ideias radicais na Revoluçã o Inglesa de


1640. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1987.

HOBSBAWM, Eric. A Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

HOUAISS, Antonio.Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 2.0. Sã o Paulo:


Instituto Antonio Houaiss/Objetiva, 2007. 1 CD-ROM.

LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. 3 ed. Sã o Paulo: Martins


Fontes, 1999. LE GOFF, Jacques. Uma breve história da Europa. Petró polis: Vozes, 2008.

LÉ VI-STRAUSS, Claude. In: L’identité: Seminaire dirigé por C. Levy-Strauss. Paris:


Bernard Gasset, 1977.

LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os
povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília, DF: MEC/SECAD:

LACED/Museu Nacional, 2006. (Coleçã o Educaçã o Para Todos. Série Vias dos Saberes
n. 1).

MÁ RTIR DE ANGLERIA, Pedro. Décadas del nuevo mundo. In: SÃ O PAULO (Estado).
Secretaria da Educaçã o. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagó gicas. Proposta
curricular de História e Geografia para o 2º grau. Sã o Paulo, 1978.

MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, 2000. (Descobrindo o Brasil).

MENESES, José Newton. Introduçã o. In: RESENDE, Maria E. L. de; VILLALTA, Luiz C.
(Org.). As minas setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. v. 1.

MORIN, Edgar. Para além do Iluminismo. Famecos, Porto Alegre, n. 26, p. 24-28, abr.
2005.

MORIN, Tania Machado. Revoluçã o francesa e feminina. Revista de História da


Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 8 dez. 2010.

NEVES, Ana Maria Bergamin; HUMBERG, Flá via Ricca. Os povos da América: dos
primeiros habitantes à s primeiras civilizaçõ es urbanas. Sã o Paulo: Atual, 1996.

PADUA, José Augusto. O amargo avanço da doçura. Revista de História da Biblioteca


Nacional, Rio de Janeiro, ano 8, n. 94, p. 18-21, jul. 2013.

PINHEIRO, Luís Balkar S. Peixoto. Cabanagem: percursos histó ricos e historiográ ficos.
In: DAN- TAS, Mô nica Duarte (Org.). Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres
e libertos no Brasil do século XIX. Sã o Paulo: Alameda, 2011.
PRADO, Maria Ligia. A formação das nações latino-americanas. 18. ed. Sã o Paulo: Atual,
1994.

PRADO, Maria Ligia C.; SOARES, Gabriela P. História da América Latina. Sã o Paulo:
Contexto, 2014.

PRIORE, Mary Del; VENÂ NCIO, Renato Pinto. O livro de ouro da História do Brasil. Rio
de Janeiro: Ediouro, 2003.

ROUANET, Sérgio Paulo. O espectador noturno: a Revoluçã o Francesa através de Rétif


de La Bretonne. Sã o Paulo: Companhia das Letras, 1988.

RÜ SEN, Jö rn. História viva: Teoria da Histó ria III – formas e funçõ es do conhecimento
histó rico. Brasília: Editora da UnB, 2007.

SANTILLI, Márcio. Os brasileiros e os índios. Sã o Paulo: Senac, 2000.

SCHWARCZ, L. K. M.; STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. Sã o Paulo: Companhia


das Letras, 2015. v. 1.

SCHWARCZ, Lilia Moritz; REIS, Letícia Vidor de Souza (Org.). Negras imagens: ensaios
sobre cultura e escravidã o no Brasil. Sã o Paulo: Edusp/ Estaçã o Ciência, 1996.

SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2012.

SILVA, Tomaz Tadeu da. A produçã o social da identidade e da diferença. In: SILVA,
Tomaz Tadeu da; HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a
perspectiva dos estudos culturais. Petró polis: Vozes, 2000.

SUMMER, Willian G. Etnocentrismo [1906]. In: CUCHE, Denys. A noção de cultura nas
ciências sociais. Bauru: Edusc, 1999.

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questã o do outro. Trad. Beatriz Perrone


Moisés. Sã o Paulo: Martins Fontes, 1993.

UNESCO. Convenção sobre a proteção e promoção da diversidade das expressões


culturais. Paris: UNESCO, 2007.

VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

WILLIAMS JÚ NIOR, Robim M. Preconceito. In: OU- THWAITE, William; BOTTOMORE,


Tom. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

Você também pode gostar