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ya fue considerado uno de los países más América do Sul. Afinal, a Bolívia jamais teve
pobres del continente. Para eso encuestas indígenas como mandatários em períodos
exhaustivas en la bibliografía se llevaron a anteriores a este, embora sua população,
cabo en Brasil y Bolivia, y consultó desde a criação do país, em 1825, seja
documentos académicos que podrían revelar majoritariamente formada por aqueles que se
una parte de la riqueza sociocultural de esta autodenominam na atualidade como pueblos
sociedad fragmentada, especialmente en originarios. Ainda assim, os índios das
relación a los pueblos indígenas Chiquitano, chamadas “terras baixas” bolivianas, dentre
residentes de las "tierras bajas" e eles os Chiquitano, têm dificuldades em se
identificados como Cambas. El propósito de verem representados politicamente por
este artículo es contribuir a la comprensión indígenas que são do Altiplano e, portanto,
de este escenario multifacético, formado por expressam valores e causas distantes, muitas
grupos indígenas que fueron expulsados del vezes, dos membros das chamadas “minorias
poder político y que ahora se encuentran étnicas”.
ante retos de superación y la ocupación de Para se compreender o atual cenário
los espacios sociales y políticos político boliviano é necessário, pois, montar
violentamente negados a ellos a lo largo del um verdadeiro mosaico de grupos que
tiempo. compõem uma rica diversidade étnica e
Palabras clave: Bolivia, Chiquitania, pluricultural, tratada por muito tempo como
Pueblos Originarios, Mosaico Étnico y motivo de “atraso” e “subdesenvolvimento”
Cultural da Bolívia. A atual constituição boliviana
reconhece o país como multiétnico e
pluricultural, embora como saliente Xavier
Albó (1999, p. 478), “[...], la marginación de
Considerações Iniciais los pueblos originarios sigue particularmente
A chegada de dois indígenas Aymará en toda la esfera econômica”. 1 Ainda assim,
aos cargos políticos de maior expressão da os indígenas bolivianos continuam a se
república boliviana nas últimas duas décadas organizar e a reivindicar seus direitos, em
(Victor Hugo Cárdenas, vice-presidente de uma demonstração de esperança em dias
1993 a 1997; Juan Evo Morales Ayma, melhores naquele que já foi considerado um
presidente desde 2006) colocaram algumas dos países mais pobres das Américas. O
complexas questões a serem refletidas no objetivo do presente artigo é contribuir para a
campo dos estudos e pesquisas sobre
1
Tradução: “A marginalização dos povos indígenas
etnicidades nas Américas, particularmente na segue particularmente em toda a esfera econômica”.
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A Bolívia, a Chiquitania e as populações indígenas em um mosaico étnico...
Bolívia sofreu pesadas derrotas militares para e são identificados como Collas (derivado de
o Brasil, o Chile e o Paraguai, além de ter Colla Suyo, uma das quatro antigas divisões
negociado, no mesmo período, extensas áreas do império incaico, que era também formado
de terras com o Brasil, a Argentina e o Peru por Antesuyo, Contesuyo e Chinchai Suyo,
(Carvalho, 2005). Interesses nacionais e que reunidos formavam Tawantisuyo, “as
estrangeiros estiveram presentes durante os quatro terras”). Já os que vivem nas “terras
eventos assinalados e provocaram ou baixas”, como os indígenas Chiquitano,
acirraram profundas divisões internas entre a genericamente são identificados e
população boliviana. Não apenas prejuízos identificam-se como Cambas. Há uma
materiais, mas, sobretudo, imensas perdas histórica rivalidade entre Collas e Cambas,
humanas marcaram o envolvimento dos manifestada, muitas vezes, em um tradicional
bolivianos em tais conflitos bélicos e litígios regionalismo.
diplomáticos. Embora pouco documentada e Antropólogos e outros pesquisadores
ainda praticamente não estudada, crê-se que a têm observado que a utilização de
participação de indígenas nesses conflitos expressões, jocosas ou não, revela
tenha sido intensa, sobretudo na Guerra do preconceitos alimentados, tanto no Altiplano
Chaco (1932-1935), ocorrida entre Bolívia e como nas “terras baixas”, por um grupo em
Paraguai. Nesse sentido, destacam-se os relação ao outro e vice-versa. Aos Collas, por
esforços dos trabalhos de Jürgen Riester exemplo, é atribuído um espírito
(2005), na recuperação de narrativas “depredador”, possivelmente herdado do
indígenas Guarani sobre a Guerra, além de antigo império incaico. Já sobre os Cambas,
um recente trabalho compilado por Nicolás se diz que “não gostam de serviços pesados”
Richard (2008) publicado no Paraguai. e que, por essa razão, “trabalham pouco”.
A referida pluralidade étnica e Existem, pois, atitudes de rechaço e de
sociocultural constituiu-se em permanente discriminação, incorporadas culturalmente e
desafio à fragmentada sociedade boliviana, reproduzidas no cotidiano não apenas no
como já constatou Herbert S. Klein (1994), interior da Bolívia, como também no exterior
além de exigir dos pesquisadores atenção daquele país. Isso sem contar no constante
redobrada às complexas relações que se enfrentamento entre o poder central
estabeleceram entre os distintos universos (parcialmente sediado nos Andes, em La Paz,
socioculturais. Cabe ressaltar que estas associado aos Collas) e o Departamento de
relações foram e são, ainda, fortemente Santa Cruz de la Sierra (localizado nas
marcadas por uma questão regional: os que planícies e, portanto, relacionado aos
vivem no Altiplano, em geral, identificam-se Cambas), o que coloca em choque, muitas
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Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, vol.6, No 2/ 2012
Finalmente, de acordo com Montaño boliviana, tal como se conhece hoje, deu-se a
Aragón, há o complexo cultural indígena, partir da segunda metade do século XX,
sendo que muitos deles, inclusive os depois dos períodos de extração da borracha
Chiquitano, preferem ser chamados de (goma), da Guerra do Chaco e da construção
campesinos, reservando-se o termo “índio” da estrada de ferro entre o Brasil e a Bolívia.
exclusivamente ao morador das matas, com Influenciou, também, nesse processo o
pouco ou nenhum contato com não colapso econômico da agricultura comercial,
indígenas. ocorrido entre o final da década de 1940 e
Riester (1976, p. 129) estabelece uma meados da década de 1950, quando os
tipologia para os diferentes núcleos estancieros perderam o interesse pelo cultivo
populacionais onde vivem os Chiquitano na de grandes superfícies, preferindo a criação
Bolívia: ranchos (aldeias habitadas de gado, ficando a produção agrícola a cargo
unicamente por indígenas); estancias dos índios Chiquitano. Isso não significou,
(propriedades não indígenas, de criação de contudo, um avanço para os indígenas, posto
gado), geralmente cercadas por ranchos; que os mesmos trocassem os produtos da
haciendas (propriedades de mestizos, agricultura e da caça por toda sorte de artigos
voltadas para a produção agrícola); pueblos industrializados, levados até a região por
(antigas missões jesuíticas, em que comerciantes chamados mercachifles. O
predomina população não indígena); ranchos consumo de álcool cresceu
y pueblos (apesar dos mesmos nomes, consideravelmente entre os índios em virtude
diferentes dos já citados, por estarem da presença desses comerciantes.
localizados especificamente ao longo da Tonelli Justiniano (2004, p. 335).
linha férrea que liga Santa Cruz de la Sierra a aponta ainda que:
Corumbá) e barracones (povoados ainda
existentes nos seringais de Ñuflo de Chávez e En los años [19]50 y posteriores se
Velasco). O antropólogo assinala que existem presenta un tercer factor, que estimuló
diferenças entre os habitantes indígenas de e impulsó grandemente el proceso de
cada um destes núcleos, bem como entre nuclearización rural: la promulgación
províncias, principalmente nas atividades de la Ley Reforma Agraria, que libera a
econômicas e, também, nas relações los indígenas del régimen del
estabelecidas pelos indígenas com a empatronamiento forzoso y obliga a los
sociedade nacional. empresarios a pagarles un salario justo.
A organização de comunidades Se estima que durante los años 60, 70 y
indígenas, ou ranchos, na Chiquitania 80 [do século XX], el número de
109
A Bolívia, a Chiquitania e as populações indígenas em um mosaico étnico...
fonte da época (Fernández, 1895; 1896), los diversos grupos han experimentado
correspondem, grosso modo, à região onde se una adecuación considerable, de tal
estabeleceu a experiência reducional manera que podemos hablar de una
promovida pelos jesuítas. O uso do vocábulo cultura chiquitana, a pesar de que la
“Nación”, por Burgés, inclusive, permite calificación de un indígena como
entrever certa hegemonia geográfica e “chiquitano”, no explique su origen
sociocultural do grupo étnico majoritário cultural. 12
conhecido como Chiquito ou Chiquitano. O
mesmo jesuíta assinala, em outros trechos de Alfred Métraux se reporta à
seu memorial, os diversos grupos indígenas complexidade de se determinar com exatidão
que existiam, então, na região, pertencentes a quem foram os Chiquitano e onde os mesmos
inúmeras e distintas famílias linguísticas: se localizavam, pois, de acordo com aquele
Arawaca, Chapacura, Guarani, Otuqui, etnólogo, “one of the most hopeless tasks of
Zamuca e Suma. the South American Ethnology is that
E o que se entende, afinal, por obtaining a clear picture of the linguistic
Chiquitano? Outrora conhecidos também affiliations or even of the exact locations of
como Trabacicosis ou Tapuymirí, Chiquito the Indian tribes of the vast region known as
ou Chiquitano hoje é, genericamente, a the Province of Chiquitos” (Métraux, 1942,
13
definição de um cadinho de grupos p. 114). Sobre a história do grupo, Birgit
indígenas, os mais variados, que foram Krekeler (1995) aponta uma divisão em
reunidos graças à ação missionária jesuítica fases: de 1542 a 1620 (conquista e subjugo
(1691-1767) nas “terras baixas” bolivianas. dos indígenas), 1620 a 1692 (perambulação
Esta ação missionária pode ser resumida em de vários grupos pela Chiquitania e a
dois aspectos principais: a aglomeração de eventual caça de índios, pelos espanhóis e
indígenas em reduções (com a consequente e portugueses, para escravização), 1692 a 1767
14
progressiva sedentarização dos grupos) e a (cristianização dos indígenas) , 1767 aos
imposição de uma única língua, o Chiquitano
12
Tradução: “No curso dos últimos duzentos anos, os
como língua geral, também chamada, hoje diversos grupos experimentaram uma adequação
considerável, de tal maneira que podemos falar de
em dia, de Chiquito pelos linguistas e de
uma cultura chiquitana, apesar de que a
Besüro ou Besoro pelos próprios indígenas. qualificação de um indígena como ‘chiquitano’, não
explique sua origem cultural”.
13
Riester (1976, p. 123-124) ainda Tradução: “Uma das tarefas mais desesperadoras da
Etnologia sul-americana é a de obter uma visão
esclarece que: clara da afiliação linguística e ainda mais da
localização exata das tribos indígenas na vasta
região conhecida como a Província de Chiquitos”.
14
Parejas Moreno & Suárez Salas, dentre outros
En el curso de los últimos 200 años,
autores, estabelecem a data de fundação de San
114
Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, vol.6, No 2/ 2012
nossos dias (eventos que assinalam intenso Jurgen Riester, para a Bolívia [...]
contato entre os Chiquitano e não índios). (Silva, 2005, p. 120).
Nota-se que a autora não faz menção alguma
ao período anterior à conquista espanhola. De acordo com Krekeler (1995, p.
As palavras de Joana A. Fernandes 217), se por um lado as missões jesuíticas
Silva explicam tal silêncio sobre o período constituíram-se em um evento incisivo na
mencionado, além de oferecerem um história dos Chiquitano, por outro
panorama sintético sobre o atual estágio das propugnaram a destruição de tradicionais
pesquisas a respeito da história dos indígenas estruturas políticas, sociais, econômicas,
Chiquitano: culturais e religiosas, assim como a mistura
entre grupos diversos, alguns até mesmo
A literatura sobre os Chiquitanos inimigos entre si.
tem demonstrado exaustivamente a Roberto Tomichá Charupá, de origem
importância da Missão de Chiquitos na indígena Chiquitano, de um ponto de vista
conformação desse povo na atualidade, pouco mais positivo do que o de Krekeler,
mas há uma carência acentuada de assim se refere à presença jesuítica e aos
estudos etnográficos. Há um cuidado contatos entre indígenas e religiosos nas
grande no estudo do período jesuítico, “terras baixas”:
ao passo que há quase uma
impossibilidade em recuperar os dados El oriente boliviano es una región
anteriores à expansão missionária no rica de tradiciones culturales y
território Chiquitano, uma vez que os religiosas que ha plasmado no sólo
mais de dez povos aldeados pelos estilos, costumbres, características
jesuítas ainda não foram estudados ou, socioculturales de […] [diferentes]
então, não há como recuperar pueblos, sino también la interioridad de
informações sobre eles. No período la persona misma de estas tierras, su
pós-Missão de Chiquitos, entre os visión del mundo y actitud ante la vida,
séculos XVIII e XX, há informações su talante de relación interpersonal y,
esparsas apenas. Para finais do século por supuesto, sus profundas
XX, devemos salientar os trabalhos de convicciones religiosas. Estas raíces
religiosas se remontan a tiempos
Francisco Javier, a primeira missão jesuítica entre inmemoriales cuando la región estaba
os Chiquitano, em 31 de dezembro de 1691 (Parejas
Moreno; Suárez Salas, 1992, p. 67). Há aqueles, poblada por numerosas naciones
entretanto, que dão como data de fundação o ano de
1692, como Krekeler, por exemplo. originarias que vivían con sus propias
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A Bolívia, a Chiquitania e as populações indígenas em um mosaico étnico...
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