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ARQUEOLOGIA DA ARQUITETURA OU DE COTAS POSITIVAS

Recife setembro 2005

Paulo Tadeu de Souza Albuquerque


Miriam Cazzetta

A contribuição da pesquisa arqueológica na investigação sobre história


da arquitetura é relativamente nova no Brasil e no mundo , e está voltada
para a leitura do edifício como produto das relações econômicas e
sociais, e não para confirmação das fontes escritas ou iconográficas.
Assim sendo, ambas as especialidades, a arqueologia e a arquitetura
convergem para uma necessidade comum – compreender, em toda a
sua plenitude, o processo construtivo do edificado, tal como determinam
as Cartas Patrimoniais, desde Atenas até Cracóvia.

Para que a intervenção em construções históricas seja uma


verdadeira oportunidade para conhecer o edifício e preservar os seus
valores, é imprescindível que os agentes que nela intervêm dominem
uma metodologia segura baseada nos conceitos de tempo, espaço,
forma, uso, função, e ausência em seus diferentes níveis de análise:
morfológico, tecnológico, conjetural, cenográfico e hipotético.
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Através da arqueologia de cotas positivas procura-se fazer com que os
próprios edifícios contem a sua história e a história dos sítios
arqueológicos em que estão inseridos. Esta abordagem permite a
compreensão do edificado por meio da evolução do seu partido de
planta; dos espaços internos e externos; dos volumes, cheios e vazios; e
da cobertura , nos mais diversos momentos históricos.

É sobretudo na Itália, desde os finais dos anos 70, que se assiste ao


desenvolvimento das contribuições mais consistentes nesta área de
conhecimento, que tem a arquitetura e o espaço urbano como objeto
central de estudo.
Registra-se aqui que o modelo italiano desenvolveu-se, sobretudo, nas
Universidades onde a investigação relacionada com o restauro dos
monumentos, e a conseqüente interdisciplinaridade, tem tradição.

O desenvolvimento da Arqueologia de cotas positivas ou Arqueologia da


arquitetura, como é denominada na Espanha, se deu a partir da difusão
da metodologia arqueológica desenvolvida por E. C. Harris, na seqüência
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da sua experiência nos grandes sítios arqueológicos urbanos de Londres.
É então que, de uma forma sistematizada, se integram os elementos
arquitetônicos (unidades estratigráficas positivas), no contexto geral da
análise estratigráfica dos sítios escavados

A Arqueologia da Arquitetura ou Cotas Positivas procura sujeitar a


arquitetura histórica a um processo de análise estratigráfico, como já foi
referido, utilizando uma metodologia especificamente arqueológica, antes
de se proceder a qualquer tipo de intervenção.
Considera-se que uma das condições essenciais para uma mais correta
identificação de todos os aspectos relacionados com o edificado, será
possuir uma documentação gráfica nos mais diversos parâmetros e
níveis de análises, sendo a fotogrametria terrestre e os modelos
computadorizados com base em programas do tipo autocad, ferramentas
importantes não só pela rapidez, mas por conferir uma maior exatidão e
pormenor aos levantamentos permitindo, posteriormente, a utilização de
uma aplicativo tipo 3d, com todas as vantagens que esta oferece, entre
as quais se destaca a restituição tridimensional do edifício.

Associada à informação gráfica deverá também construir-se uma Base


de Dados Históricos que possa reunir todos os elementos informativos,
textuais, gráficos e iconográficos sobre o edifício. Na Itália, por exemplo,
este tipo de aplicação informática é denominado Sistema de Informação
Monumental (SIM), à semelhança dos chamados Sistemas de

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Informação Geográfica (GIS), cada vez mais utilizados na gestão do
território.

De posse da documentação gráfica disponível do edifício, dá-se início ao


processo de leitura dos paramentos (interiores e exteriores), através das
seguintes operações:

1. Determinação genérica das grandes fases construtivas:

• Determinação de componentes e materiais construtivos;

• Técnicas de construção;

• Tipo de andaimes;

• Tipo de ferramentas;

• Efeitos de degradação dos materiais (destruição e uso) Mapa de


Danos

Um dos fatores mais significativos neste tipo de metodologia é o estudo


dos materiais e tecnologias utilizados em determinada construção,
procurando analisar não só a sua proveniência, como as diferentes
formas de produção utilizadas.

No processo de determinação dos métodos construtivos será porventura


necessário recorrer-se ao estabelecimento de tipologias de modulações
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dos seus volumes, definindo altura do pé direito e largura de volumes e
vãos, espessuras de paredes, número de pavimentos, bem como de
elementos morfológicos do partido de planta e técnicas de confecção das
esquadrias, estruturas de cobertura, entre outros..

Neste âmbito, considera-se particularmente importante o estudo das


ferramentas utilizados e as marcas deixadas pelos mestres de ofícios e
aprendizes.

Outro tipo de vestígio importante de registrar, apesar de não ser comum,


são os traços que por vezes surgem na superfície das paredes ou nas
cantarias de cercaduras, vulgarmente conhecidos como traçarias ou
atualmente por grafite – desenhos incisivos, de simples ensaios ou
verdadeiros desenhos de projetos de arquitetura conseguidos geralmente
com o auxilio de réguas e compassos representados a maior parte das
vezes em escalas reduzidas.
Por outro lado, ao se analisarem os processos de deterioração dos
materiais poderão retirar-se também informações preciosas não só para
a história do edifício, como também à aplicação de metodologias
rigorosas nas ações de conservação e restauro que se pretendem
efetuar. Assim, a análise sistemática de todos estes dados poderão
fornecer aos investigadores informações que muito dificilmente poderiam
ter acesso, tais como:
• De que modo se organizavam os canteiros de obra;
• Que tipo de transportes e vias eram utilizados em determinada obra.
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Analisados todos estes fatores, e na nossa perspectiva, a maior
vantagem que se pode retirar na aplicação da Arqueologia de cotas
positivas como método científico é a possibilidade que confere a
qualidade da interpretação e argumentação, permitindo criar verdadeiros
modelos interpretativos, evitando-se, assim, a visão subjetiva e
apriorísticas que tem privilegiado o retorno do edifício a um momento
histórico ou estilístico que sempre marcou grande parte dos estudos de
história da arquitetura.e obras de restauração.

2. Registro e numeração das diferentes unidades estratigráficas das


paredes e elementos construtivos que compõem o edifício (SIM).

3. Análise das relações estratigráficas entre as diferentes atividades que


tiveram lugar ao longo da história do edifício como, por exemplo, relações
de anterioridade, posterioridade e contemporaneidade, construindo-se
deste modo um diagrama (cronologia relativa).

4. Estabelecimento das diferentes fases da evolução morfo-tecnológica


do edificado - diagrama de síntese crono-morfo-tecnológico.

Por outro lado, em seus primeiros níveis de analise trata-se de um


método não destrutivo, não invasivo, com óbvias vantagens numa
situação delicada como é a intervenção em patrimônio. No entanto, não
podemos deixar de referir que existem também algumas limitações na

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aplicação desta metodologia, a mais importante das quais consiste na
dificuldade em estabelecer cronologias absolutas para os edifícios.

Outro problema que poderá surgir será a grande quantidade e


complexidade de informações que se podem recolher – a micro-história
do edifício que se tornará densa quanto maior forem as dimensões do
construído. Por último, considera-se igualmente importante apontar,
como limitação evidente, o fato do edifício poder apresentar um
determinado revestimento que impossibilite a sua análise mais acurada,
levando a adoção na primeira fase de intervenção a identificação de
áreas que necessitam de decapagem de alguns setores de panos de
paredes para se poderem alcançar os níveis mais antigos e responderem
as questões anteriormente formuladas, tal como num processo normal de
pesquisa arqueológica em cotas negativas.

Como já tivemos oportunidade de referir, a gênese da afirmação desta


nova metodologia encontra-se intimamente ligada à proliferação de
intervenções de grande envergadura em conjuntos históricos urbanos e
em grandes monumentos. A evolução da consciência social em relação
ao valor do patrimônio arquitetônico e a própria importância que tem
adquirido chamado turismo cultural. No entanto, existem inúmeros casos
de intervenções em edifícios de grande importância histórica, que estão a
cargo das autarquias federais, estaduais e municipais ou mesmo na mão
de particulares.
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Aos arquitetos solicita-se que elaborem o projeto, aos arqueólogos que
estudem os achados ocultos, aos historiadores que recolham e
interpretem os documentos e, aos engenheiros e técnicos de
conservação e restauro que garantam as informações neles identificadas,
seu entendimento e sua sustentabilidade e estabilidade do edifício e do
patrimônio associado, sem que se observe um verdadeiro trabalho de
interdisciplinar, única garantia para que o edifício seja abordado como um
todo, pois, como já referimos, o processo de recuperação é uma ocasião
única para se conhecer o monumento.

A descoordenação que muitas vezes se verifica entre as equipes


envolvidas, arqueologia, arquitetura ou engenharia, a insuficiente
formação teórica metodológica e a falta de uma prática interdisciplinar,
tanto de arqueólogos como de arquitetos, em aspectos diretamente
relacionados com a problemática deste tipo de intervenção tão particular,
são fatores a ter em conta, bem como a ausência de análise crítica do
trabalho e falta de um verdadeiro corpus teórico que enquadre este tipo
de atividades e que hoje e tão condenado pelos questionamentos
levantado quando se olha obra realizadas como de restauração em
passado bem recente.
Procurou-se, ao longo das considerações anteriores, explicar a
necessidade da aplicação de um método científico na intervenção de
recuperação dos edifícios históricos como a única forma de atenuar a
subjetividade das intervenções. A Arqueologia de cotas positivas ou da

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Arquitetura revela-se, assim, um instrumento eficaz e essencial para a
investigação da realidade construída.

Não existe intervenção sem destruição e, tal como no processo de


escavação arqueológica, tudo o que se pretende alterar ou remover
deverá ser registrado.

Sugestões Bibliografia

Archeologia dell’Architettura. Suplemento a Archeologia Medievale, Vol.


1. Firenza: Edizioni all’Insegna del Giglio. I, 1996.

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Archeologia dell’Architettura. Suplemento a Archeologia Medievale, Vol.
1. Firenza: Edizioni all’Insegna del Giglio. IV, 1999.
Archeologia e restauro dei monumenti. A cura di Riccardo Francovich e
Roberto Parenti. Firenza: Edizioni all’Insegna del Giglio. 1998
.
Arqueología de la arquitectura. Actas de Burgos. Salamanca: Europa
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CERIONI, Cristiano – Archeologia e Architettura nel Duomo di San Leo.
In Archeologia dell’architettura. Suplemento ad Archeologia Medievale.
Vol. 1. Firenza: Edizioni all’Insegna del Giglio. IV, 1999, pp. 127-148.
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RAMALHO, Maria M. B. de Magalhães – A arqueologia na intervenção
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QUIRÓS CASTILLO, Juan António – Contribución al estudio de la
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