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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Faculdade de Educação
Departamento de Ciências Sociais e Educação

Sociologia da educação
Bourdieu – Trajetória escolar

Aluna
Ana Beatriz Coimbra
Neste trabalho, será analisada a minha trajetória escolar, tendo em
vista os conceitos apresentados pelo sociólogo Pierre Bourdieu, aprendidos
em sala de aula e será verificado se estes explicam meu sucesso acadêmico
até o ingresso na Universidade. Para tal, primeiramente contextualizarei o
meio familiar que me encontro inserida e o respectivo histórico.

Meus avós maternos, nascidos em minas, pertencentes à classe


baixa, não concluíram o ensino médio e moraram em zona rural de Goiânia
onde minha mãe nasceu, filha única do casal. Minha avó foi dona de casa e
três anos após o parto, divorciou-se. Meu avô, alfaiate, criou a minha mãe
até os 13 anos de idade, quando ele faleceu. Minha mãe também não
conseguiu concluir os estudos, pois casou-se com 14 anos e seu marido
não permitiu, assim, abandonou a escola ainda no ensino fundamental.
Depois de passar por muitas profissões, acabou mostrando interesse na
área de beleza, tornando-se cabeleireira, após fazer cursos que a
profissionalizaram, mudando-se para a cidade do Rio de Janeiro.

Fez-se necessário uma maior contextualização da vida de minha


mãe afim de evidenciar a trajetória social crescente dela.

A parte paterna da história é bem diferente, meus avós nasceram,


cresceram e viveram na zona norte do Rio de Janeiro, pertencentes a classe
média. Meu avô era representante comercial e a minha avó chegou a ser
aprovada em várias entrevistas de emprego que fez, mas o marido não a
deixou trabalhar, assim, ela foi dona de casa. Eles tiveram três filhos que
estudaram e terminaram o ensino médio. A filha mais nova, se formou em
Pedagogia pela Universidade Celso Lisboa, mas nunca atuou na área. O
filho do meio se formou em engenharia mecânica pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, fez mestrado na Universidade Federal do Rio de
Janeiro e teve uma carreira dita “de sucesso” na empresa Petrobrás. Meu
pai, filho mais velho, não ingressou no ensino superior, por escolha,
trabalhou por uns anos como cabeleireiro e, na maior parte da vida, como
motorista.

Como ele, morei a vida toda na zona norte da capital do Rio de


Janeiro, em dois bairros muito semelhantes e caracterizados pelo conceito
de camada média, bem como onde minha família se encaixava
economicamente. Como dito, sendo minha mãe cabeleireira, e meu pai,
motorista, eles conseguiam suprir os gastos necessários com certo esforço.

Tenho quatro irmãos, todos apenas por parte de mãe, com diferenças
de idades de mais ou menos 6 anos sucessivos, sendo a primeira filha fruto
de uma gravidez na adolescência, quando minha mãe tinha 16 anos. Em
relação ao meu pai, sou filha única, porém ele criou dois dos meus irmãos
como filhos. O malthusianismo imposto por Bourdieu, característico da
classe média, peca, entrando em desacordo com a minha trajetória uma vez
que se tem em vista o número de irmãos que tenho. Mas minha posição
como caçula na fratria é favorável quando analisado, elucidando, o fato de
que sou a única filha que nunca estudou em colégios públicos.

Assim, meus pais, mesmo com todas as dificuldades recorrentes,


sempre investiram o que puderam na minha formação. Minha mãe, ainda
que sem concluir o ensino fundamental, valorizava muito o estudo e me
apoiava sempre em relação a isso. Ela era muito interessada, por exemplo,
em saber o que eu aprendia no colégio, eu chegava em casa já contando o
que aprendi e praticamente dando uma aula pra ela sobre a matéria. Minha
paixão pelo conhecimento, em boa parte, cresceu por incentivo dela, por
exemplo, ela gostava de ler e me influenciou nesse gosto. Fui criada cercada
de livros, o que evidencia o capital cultural objetivado.

Dessa forma, este investimento, vindo do meio familiar, aponta uma


vantagem. Para o sociólogo, os pertencentes a cada grupo social vão
investir mais ou menos na formação dos filhos, dependendo das chances
de êxito. Este investimento é fomentado pela ascensão social, portanto, a
classe média tende a investir mais no ensino da prole. Para essa camada,
a escola representa um dos principais caminhos para a mudança de classe.

Meu tio sempre fez questão de me levar em museus, teatros,


cinemas, e conversar comigo sobre ciência, estudos, livros, até me ajudar
com alguma dificuldade para entender alguma matéria. Minha irmã, seis
anos mais velha, teve um papel muito semelhante também, graduou-se em
ciências biológicas, no Centro Universitário Estadual da Zona Oeste, fez
mestrado em ciências veterinárias na Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro, fez licenciatura particular e faz doutorado, também em ciências
veterinárias na UFRRJ, assim, sempre a admirei e me inspirei nos passos
dela.

Desta forma, tive exemplos muito próximos de mim na família que


ingressaram no ensino superior, o que fez um grande efeito positivo no meu
sucesso acadêmico até o ingresso na universidade, já que Bourdieu
considerava a família como sendo uma das esferas de socialização mais
importantes, onde o habitus se forma, na primeira socialização do agente.

Também vindo da mesma origem, observa-se o capital cultural


internalizado, evidenciado, por exemplo, pelo fato de pensar, durante a
minha infância e adolescência, que os melhores passeios eram ir em
museus, pelo fato de poder ingressar em um curso de inglês após
demonstrar interesse e facilidade ou até pelo gosto por arte. Lembro que
certa vez, quando era criança, meu pai me levou na rua e comprou alguns
materiais próprios para desenho, tais como lápis de cor e bloco de folhas,
esse pequeno gesto foi importante visto que desenvolveu habilidades
minhas, interesse artístico e sobre história da arte, que possuo até hoje.
Também sempre gostei de coisas que me fizessem pensar, por este motivo,
adorava jogos de tabuleiro, de estratégia, cartas, perguntas e respostas, por
exemplo, e julgo que adquiri muito capital cultural internalizado a partir
desses. E ainda considero válido incorporar isso ao capital cultural
objetivado, uma vez que eu possuía vários jogos desses estilos, pois
preferia esses, bem como jogos eletrônicos a outros brinquedos.

Em relação ao capital social, tive pessoas que fizeram uma


participação muito importante na minha trajetória. Darei dois exemplos de
acontecimentos que considero terem sido essenciais no meu sucesso
acadêmico. Meu pai, trabalhando como motorista, conheceu pessoas que,
por gostarem muito dele e de mim, passaram muitos anos pagando meus
materiais didáticos, que eram muito caros e meus pais teriam muita
dificuldade para pagar. E da mesma forma, porém, com a minha mãe, uma
cliente dela, por acreditar em um potencial e por bondade, me deu um laptop
novo, no início do ano que prestei vestibular, quando meus pais estavam
juntando dinheiro para consertar um computador antigo para que eu
assistisse aulas online e pudesse estudar para entrar em uma universidade.

Como já dito anteriormente, meus pais sempre fizeram o que podiam


para contribuir o melhor possível com a minha educação, economizando
para comprarem livros, para pagar a mensalidade dos colégios que estudei
(sempre com bolsa), para pagar curso de inglês ou até para um passeio de
colégio para algum museu, elucidando. E até incentivando a estudar mais,
principalmente minha mãe, por ter se arrependido de não concluir o ensino
básico e por ter ascendido socialmente através de cursos, estudando para
tornar-se cabeleireira, profissão que atua hodiernamente. Assim, boa
vontade cultural que se caracteriza pelo reconhecimento da cultura legítima
e pelo esforço sistemático para adquiri-la é bem observada nesse caso.

Tendo em vista o que foi apresentado, a minha criação foi totalmente


voltada para a valorização da aprendizagem, tinha a docência como
profissão que mais admirava. Não conseguiria falar de cada professor que
fez diferença na minha vida, pois foram muitos os que me ajudaram de
alguma forma, mas citarei dois que acho que foram essenciais na entrada
na universidade. Tive muita ajuda de professores das disciplinas de química
(o que estudo) e física no ano de vestibular. Já no meu primeiro contato com
a química, no nono ano do ensino fundamental, fiquei fascinada pela ciência
e comecei a me aprofundar na matéria de forma autodidata, além das aulas
que tinha na escola. Com isso, tive um desempenho melhor que os meus
colegas de classe, o que chamou a atenção do professor, que também me
estimulou a seguir com os estudos, a visitar universidades, para conhecer o
ambiente, assistir palestras e seguir os passos dele, já que gostava tanto de
química. E, como eu era a única aluna da turma que iria fazer prova
específica de física, no vestibular da UERJ, tive muita atenção do meu
professor dessa disciplina na hora de estudar.

Consegui ser aprovada em mais de uma universidade. Porém,


infelizmente, cerca de apenas quatro colegas de classe do terceiro ano do
ensino médio conseguiram ser aprovados em universidade pública, outros
poucos ingressaram em universidades particulares. Alguns, com quem
estudei em outras séries, acabaram abandonando a escola.

Desta forma, concluo que os conceitos apresentados por Bourdieu,


discutidos em sala de aula explicam a minha trajetória de sucesso até a
Universidade.

Referências Bibliográficas

NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins; NOGUEIRA, Maria Alice. A


sociologia da educação de Pierre Bourdieu: limites e contribuições. Educ.
Soc., Campinas, v. 23, n. 78, p. 15-35, Apr. 2002.

MASSI, Luciana. Contribuições da sociologia de Bourdieu para


repensar a educação e o ensino de ciências. Química Nova na Escola
(online), v. 39, p. 321-328, 2017

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