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Beleza

Escrevi num pedaço de papel e voltei a guardá-lo. Tive medo que as palavras
não fossem as certas. E, depois de horas a remoer no assunto, interroguei-me
se realmente poderiam haver palavras certas. Então saquei de novo o papel
amachucado e dei-lhe um toque de Amor. Escrevi cada letra como se fosse um
toque de carinho e aperaltei o papel de novo. Pode ter ficado com as marcas de
ter sido há horas amarrotado, mas o seu conteúdo era belo.

Quantas vezes não somos nós esse pedaço de papel e simultaneamente o escritor que decide
a vida do mesmo? Quantas vezes já pensaste na tua inutilidade, na tua inferioridade, na tua
desvalorização e quantas vezes já te «guardaste» do outro com medo? Quantas vezes te
fechaste a sete chaves dentro de ti? Quantas vezes tentaste moldar a tua figura e o teu Ser à
imagem e semelhança do que julgavas ser pedido? Do que julgavas ser aceitável? E quantas
vezes isso te trouxe uma consequência positiva para ti? Sim, no momento pode ter
acontecido. Mas quanto tempo aguentaste fingir Ser o que não eras? Com quantas pessoas
tiveste a liberdade de te cruzar que te permitiram Ser o que era sem julgamentos e
exigências? Quantos dias contas na tua vida que foram vividos a Ser e qual a sensação de ter
Sido? Pois é, a Beleza não é utopia. A Beleza não é para quem tem dinheiro. A Beleza é. Se é,
ela está. Ela está em tu simplesmente te permitires Ser. A Beleza está na diferença. A Beleza
está dentro de ti. A Beleza está à distância do teu Amor próprio. 

«A Beleza está no espírito de quem a contempla» (David Hume).


Já te contemplaste hoje? De que forma te contemplas?

Os padrões de Beleza instituídos pela sociedade são orientados para o exterior, são
aprazíveis à vista e são doentios para o Ser. Seria de esperar que num mundo voltado para a
evolução, essa evolução também irrompesse dentro de nós, mas infelizmente não.
Infelizmente existe pouca preocupação com a saúde e beleza da alma. Medimo-nos com o
metro da sociedade e usámos o espelho que todos usam. Aprendemos a não gostar de olhar
para nós, porque (invariavelmente) somos todos diferentes e nunca seremos todos iguais.
Julgámo-nos com base em parâmetros, por vezes, inatingíveis para alguns. Tornámo-nos
exigentes connosco, criámos expectativas desadequadas, adoptámos a perfeição dos deuses
e deusas gregas e, notem, que neste padrão e ciclo vicioso de não gostar de si, aprendemos a
pensar que a nossa imagem vale tudo e que se temos uns quilos a mais, o nariz torto, o dedo
grande do pé inchado, uma baixa estatura, as orelhas pequenas, a boca grande, as pernas
gordas, já não valemos nada. Colocamos a magnificação no exterior e recordo, mais uma
vez, que nunca parámos para perguntar: «Eu sou só isto? Um corpo?»

Quando vais desenrolar esse pedaço de papel e acreditar que o que está escrito nele, no teu
interior é bem capaz de superar a aparência amarrotada? Quando vais deixar de ser o
escritor inseguro e procurar dentro de ti o escritor confiante, que sabe que tudo o que
escreve tem letra de verdade? Que tudo o que É, simplesmente é transparente e acessível ao
outro? Quando vais colocar Amor no papel amarrotado e deixar que as marcas não sejam
feridas, mas destaques de uma sabedoria que alcançaste no percurso da vida? Quando vais
deixar que os outros te possam ler e contemplar a tua beleza interior?
Pensa de dentro para fora. Um papel bem lindo e fino não tem valor se estiver
em branco, ou dentro dele estiverem as piores palavras para se lerem. Ao
contrário, um papel amarrotado poderá não ser muito atraente, mas terá um
valor imenso se dentro dele se encontrarem as mais belas palavras. No final,
com certeza, alguém o guardará e cuidará com carinho, porque sabe que ele
contém uma beleza imensa. Quanto ao outro, poderá ir para o lixo. Cuida da
Beleza da Alma.

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