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A empresa em que meu pai trabalhava

Meu pai, engenheiro, trabalhou no setor de planejamento da produção de


uma empresa produtora de autopeças, subsidiária de uma firma
transnacional francesa montadora de automóveis. Certa vez, o acompanhei
a procurar um livro técnico que tinha esquecido no local de trabalho, e que
precisava consultar. Para chegar a sua sala atravessamos a fábrica,
passando por diversos setores de produção. Impressionei-me com o ruído
ensurdecedor e o movimento incessante das empilhadeiras Caterpillar
carregando peças e outros materiais de um lado a outro, o cheiro da areia
queimada e dos materiais utilizados para a produção das autopeças e a
quantidade de trabalhadores em diferentes setores. Aquela realidade de
muitos homens pobres trabalhando duramente, o calor impressionante dos
fornos, os cheiros característicos da produção, me toco fundo, e para mim a
fábrica que tinha acabado de visitar era isso, uma quantidade incrível de
homens pobres trabalhando duramente.

Anos mais tarde visitei novamente essa empresa para iniciar a pesquisa que
daria lugar a minha dissertação de mestrado, depois de ter lido e estudado
a teoria do processo de trabalho capitalista, abordando os autores clássicos
e contemporâneos. Agora a realidade social da fábrica tinha se
transformado completamente a meus olhos. Podia ver que aquele
amontoado de homens que observei na minha primeira visita, em realidade
estavam organizados em linhas de montagem, distribuídos em função do
seguinte princípio: um trabalhador, um posto de trabalho, e que esse tipo
de organização do trabalho se denominava taylorismo-fordismo. Cada
trabalhador realizava pequenos gestos operatórios e o ritmo do trabalho
dependia da velocidade da esteira rolante. Capatazes vigiavam com
cronômetros o trabalho dos homens. Percebi que no curso do
desenvolvimento histórico do processo de trabalho capitalista, o velho
trabalho artesanal fora dividido à exaustão, e que se apresentava em
migalhas, que os trabalhadores artesãos foram expropriados do saber- fazer
que lhes permitia a realização de um trabalho completo, abarcando do
planejamento até a execução. Observei a divisão capitalista do trabalho, o
planejamento era realizado pelos técnicos e engenheiros da empresa, e a
execução do trabalho reduzida a gestos operatórios simples, por
trabalhadores desqualificados. Vi os trabalhadores procurando pausas para
fugir do trabalho maçante, rotineiro, os olhares atentos e preocupados dos
capatazes, as estratégias de recusa dos trabalhadores à realização do
trabalho em migalhas. Tinha perante meus olhos o resultado da
expropriação histórica do processo de trabalho artesanal pelos patrões
capitalistas, um trabalho completo, anteriormente realizado pelos mestres
de oficio. Observei nitidamente o controle sobre o processo de trabalho
assumido pela empresa, representada pelo seu corpo técnico e as
resistências da classe trabalhadora à rotina e ao controle sobre o trabalho,
dentre outros aspectos.

Fonte: Elaboração da professora Dra. Analía Soria Batista (UNB)

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