Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
de quilombo
Representações e prátic
alimentares em u
comunidade quilombola
Amazônia brasile
408
da
ola? Mandioca é comida
de quilombola?
cas Representações e práticas
uma alimentares em uma
comunidade quilombola da
a da Amazônia brasileira
eira
MARCILENE SILVA COSTA
Université de Toulouse 2 Le Mirail, Toulouse, França
409
Costa, M. S.
lias locais trabalhavam com agricultura. dades se destacam, como, por exemplo,
Atualmente, esse quadro se modificou, serviços gerais (05 pessoas), o que sig-
já que alguns deles exercem outras nifica nesse contexto trabalhar como
atividades econômicas que não são re- mão de obra não qualificada para fazen-
lacionadas à agricultura. deiros da região. Dez outros moradores
trabalham na empresa avícola Frango
Mesmo assim, apesar das dificuldades
Americano, localizada a aproximada-
ocasionadas pela falta de terra para
mente 6km do povoado. Na empresa
cultivar a ocupação principal continua
trabalham como mão-de-obra não
sendo o trabalho com a agricultura
qualificada: a maioria trabalha à noite
(roça ou horticultura).
desembarcando frango de dentro de
Atualmente, segundo o censo que caminhões, como auxiliar de abate dos
realizamos em 20098 na comunidade, frangos ou no serviço de embalagem
das 156 pessoas recenseadas, 62 pes- dos produtos.
soas trabalham com agricultura. No
Três pessoas exercem a função de ca-
item sobre atividade profissional, a que
seiros, ou seja, se ocupam de casas ou ter-
mais se destaca é o trabalho na roça;
renos, para pessoas, geralmente de fora,
cinquenta pessoas respoderam que de-
que compraram terrenos na localidade,
senvolvem essa atividade.
moram em Belém, e vêm no final de
Dessa forma, percebe-se que, apesar semana à comunidade para repou-
das dificuldades, a base da economia sarem. É também possível exercer a
continua sendo o trabalho na roça para atividade de caseiro, em outros lugares,
fabrico de farinha de mandioca, segui- como ocorre com o pai de uma das habi-
do de trabalho na horta, do cultivo de tantes que é caseiro de um terreno na ci-
verduras e legumes.9 É necessário res- dade de Bujaru e tem direito a folga para
saltar que grande parte das pessoas que visitar a comunidade uma vez por mês.
responderam como atividade principal
Há seis mulheres que trabalham no dis-
o trabalho na roça associou uma ativi-
trito sede de Santa Isabel como emprega-
dade secundária como produção de
das domésticas; duas exercem a profissão
carvão vegetal ou serviços gerais.
para terem a possibilidade de cursar o
Atualmente, apenas sete pessoas estão Ensino Médio, visto que o acesso à esco-
trabalhando com horticultura; antes larização restringe-se ao Ensino Funda-
mais pessoas trabalhavam, mas devido mental em uma escola próxima.
à escassez de água, muitos desistiram
O acesso ao Ensino Médio só é pos-
e continuam apenas no fabrico da
sível na cidade, mas a municipalidade
farinha de mandioca.
não dispõe de transporte coletivo aos
O grupo familiar tem a responsabili- moradores. Os poucos que se aventuram
dade pela produção e comercialização a estudar são obrigados a pedalar cerca
dos produtos. Embora o número de de 30km de madrugada para poderem
pessoas que trabalham com agricultura chegar na aula a tempo, sabendo que no
seja predominante, algumas outras ativi- retorno à casa, o trabalho, auxiliando os
A venda dos produtos gera de R$ 80,00 lias ficaram mais dependentes do merca-
(oitenta reais), no máximo, a R$ 20,00 do para se alimentar. No entanto, como
(vinte reais), no mínimo, semanalmente, vimos, a renda que obtêm é baixa, o que
por família. Com o dinheiro das vendas, leva a comprarem pouca variedade de ali-
eles compram alimentos para passarem mentos, além de uma quantidade insufici-
a semana: feijão, arroz, macarrão, carne, ente para alimentar toda a família.
suco artificial, entre outros.
Na compra desses alimentos, a escolha
A renda mensal dos habitantes de se faz pelo menor preço e não pela
Boa Vista do Itá varia de R$ 200,00 a qualidade, o que significa que acabam
R$ 5.000,00. A única pessoa que recebe consumindo alimentos com grande
cinco mil reais não é originária de lá; trata- quantidade de sódio e conservantes,
se de um senhor de Belém que é aposen- acarretando dessa forma prejuízos à saúde.
tado pela Marinha Mercante e que por Além disso, algumas vezes, quando se
medo da violência da cidade grande se encontram sem dinheiro para comprar à
mudou para Boa Vista (Tabela 1). vista alimentos na feira ou supermerca-
dos na cidade, acabam comprando cestas
As famílias em média recebem mensal-
de alimentos a crédito de um caminhão
mente menos de um salário mínimo por
que passa na comunidade, vendendo
mês.10 Das 33 famílias, 14 recebem auxí-
produtos caros e de qualidade duvidosa.
lio do governo federal, em forma de Bol-
sa-Família e apenas uma família é benefi-
ciada pelo programa Bolsa-Trabalho. Os
O PROMETIDO: SEGURANÇA
valores variam de R$ 122,00 a R$ 60,00
ALIMENTAR GOVERNAMENTAL
mensais. Em alguns casos, é a única fonte
de renda fixa. A temática da alimentação apareceu
com mais vigor na pauta da política
Devido à falta de espaço para plantar, a
brasileira, a partir do governo Lula,
renda acaba sendo o principal meio para
com o lançamento, em 2001, da políti-
aquisição de alimentos, ou seja, as famí-
Tabela 1
Renda familiar mensal
mente ao cercamento de suas terras pelos dos aqui foram elaborados no decorrer
fazendeiros, os quilombolas têm sua se- da referida oficina.
gurança alimentar comprometida.
O peixe foi o alimento mais represen-
O cercamento das terras gera como tado, seja ainda vivo no rio, seja dentro
principal dificuldade a falta de espaço da frigideira já frito ou mesmo dentro
para plantar e cultivar alimentos para de um prato pronto para o consumo
consumo próprio. O acesso aos ali- (Figura 2).
mentos necessários para sobrevivência
O que não surpreende visto que,
acaba se dá pela compra e dependência
segundo Mendes (2006) o peixe, a
do mercado local; como não possuem
farinha de mandioca e o açaí represen-
renda suficiente para comprá-los, mui-
tam os alimentos campeões da dieta
tas vezes os quilombolas passam até
alimentar da região. De acordo com
mesmo privações alimentares ou op-
a autora, esses alimentos muitas vezes
tam por comprar alimentos mais bara-
representam a única opção para famí-
tos o que, geralmente, significa que
lias de baixa renda. O peixe é uma boa
os mesmos são pouco nutritivos e de
fonte de proteína e cálcio, e o açaí é
má qualidade. Exemplo é o consumo
riquíssimo em ferro e outras vitami-
frequente de suco artificial, dos mais
nas, e a farinha de mandioca fornece
variados sabores, principalmente por
grande quantidade de calorias.
crianças. Tais sucos têm como base de
composição açúcar e corante, sem ne- Porém na comunidade a pesca se en-
nhum valor nutritivo adicionado. contra ameaçada pela falta de peixes
no rio Itá e nos igarapés próximos.
Isso significa que eles se vêem obriga-
QUANDO OS DESENHOS REPRESENTAM dos a comprar peixe de um morador
AS PRÁTICAS ALIMENTARES que os adquire no mercado próximo e
os revende localmente.
Como já foi explicitado anteriormente,
durante o mês de agosto de 2009, acom- A salsicha calabresa foi o segundo
panhada de Marjorie Ruiffel, graduanda alimento mais desenhado. Observa-
em direito na UFPA, no âmbito do proje- mos que se trata de um alimento lar-
to Corpo Presente11 realizamos oficinas, gamente consumido, frito com ovos e
para crianças e adultos, sobre repre- misturado com farinha de mandioca;
sentações identitárias do corpo, saúde era bastante comum ver no prato das
e alimentação – por meio de desenhos, pessoas. É um alimento industrializado
pinturas e aplicação de questionários, em com alta concentração de sódio, mas
Boa Vista do Itá. com preço baixo; uma pequena quan-
tidade alimenta várias pessoas, no en-
A oficina contou com presença de 23
tanto, sem nenhuma segurança alimentar.
crianças, na faixa etária de dois anos aos
12 anos. Solicitamos que elas desenhas- A carne bovina também foi bastante
sem alimentos que consomem cotidiana- desenhada: crua, como bife na frigi-
mente. Os desenhos que serão mostra- deira ou já cozida dentro da panela. É
Recebido em 30/04/2011.
Aprovado em 08/09/2011.