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2.5 Cta
2.5 Cta
1 INTRODUÇÃO
O Brasil é o país de maior diversidade biológica do mundo. São mais de 200 mil espécies já
registradas em seus biomas (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa) e na
Zona Costeira e Marinha. Estima-se que este número possa chegar a mais de 1 milhão e oitocentas
mil espécies (BRASIL, 2010). Além da ampla biodiversidade o Brasil conta com uma
sociodiversidade expressiva, representada por comunidades indígenas (mais de 220 etnias indígenas
de norte a sul do território nacional) e por populações locais não indígenas (como quilombolas,
caiçaras, seringueiros, entre outros). Estas comunidades detêm importantes conhecimentos
tradicionais, individuais ou coletivos, com valor atual ou potencial, associados ao patrimônio
genético (elementos da biodiversidade). Em um contexto mais aplicado, há consenso de que
conhecimento tradicional associado é aquele que facilita ou possibilita o acesso ao patrimônio
genético e doravante será designado pela sigla CTA.
O CTA, historicamente, tem sido utilizado de forma injusta. Todavia, uma nova cultura no uso
deste importante componente foi definida após a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), a
qual reconheceu a soberania nacional sobre a biodiversidade, estabeleceu o objetivo da repartição
de benefícios, decorrente do uso dos recursos genéticos e reconheceu os direitos das comunidades
indígenas e locais sobre seus conhecimentos. No Brasil, o tema é regulado pela Medida Provisória
2.186-16/01 que estabeleceu o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), o qual
instituiu regras para o acesso ao CTA e para a repartição justa e eqüitativa de benefícios.
Nesse sentido, o objetivo desse artigo é esclarecer os conceitos básicos trazidos pela legislação,
a fim de auxiliar os atuais e potenciais usuários do sistema com informações necessárias para o
desenvolvimento de suas atividades de forma legal. Em complemento, visa-se apresentar dados
relacionados ao valor do CTA no PIB da Amazônia e na indústria farmacêutica, bem como estudos
de caso do uso de conhecimento tradicional associado de forma legal e ilegal e suas implicações.
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2007; citados por PEREIRA; LIMA, 2008). Este conhecimento é considerado atalho para as
empresas de biotecnologia, possibilitando economizar em até 400% em tempo de pesquisa, além de
milhões de dólares em gastos com equipamentos, testes, materiais de pesquisa e salários das equipes
de profissionais envolvidos.
Destaca-se ainda que cerca de 70% das drogas derivadas de plantas foram desenvolvidos com
base no CTA. Mas, o retorno financeiro para esses povos que auxiliaram as indústrias farmacêuticas
nas descobertas de plantas medicinais é estimado em menos de 0,0001% dos lucros do setor.
(AZEVEDO, 2003; LAPA 2001; citados por PEREIRA; LIMA, 2008).
De fato, o que se tem observado é que raramente os benefícios, gerados a partir da exploração
econômica dos produtos desenvolvidos com base nestes conhecimentos, são compartilhados com as
comunidades. Esses conhecimentos têm sido pouco valorizados e não têm recebido a atenção
necessária à sua preservação. A Convenção sobre Diversidade Biológica estabeleceu um marco na
alteração deste quadro ao reconhecer que os conhecimentos tradicionais são relevantes à
conservação da biodiversidade (artigo 8j). No Brasil, a implementação do artigo 8j da Convenção
sobre Diversidade Biológica tem se dado por meio da aplicação da legislação em vigor, a Medida
Provisória (MP) 2.186-16/01. Essa legislação reconhece que o conhecimento tradicional associado é
parte do patrimônio cultural brasileiro e estabelece direitos às comunidades indígenas e locais
(BRASIL, 2010).
Em termos internacionais, a regulamentação está inserida no conflito entre os interesses
comerciais dos países desenvolvidos, e os interesses de preservação e de uso sustentável dos países
em desenvolvimento, que são os grandes detentores de biodiversidade e CTA. Estes interesses
divergentes de certa forma estão representados em dois acordos internacionais: o Tratado sobre os
Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), no âmbito da Organização
Mundial do Comércio (OMC) e a Convenção de Diversidade Biológica (CDB) (PEREIRA; LIMA,
2008). A criação de um regime jurídico de proteção aos conhecimentos tradicionais associados à
biodiversidade visa evitar sua apropriação e utilização indevida por terceiros. Ademais, visa
também dar maior segurança jurídica às relações entre os interessados em acessar recursos
genéticos e conhecimentos tradicionais associados (bioprospectores ou pesquisadores acadêmicos) e
os detentores de tais recursos e conhecimentos, estabelecendo os parâmetros e critérios jurídicos a
serem observados nessas relações e acordos.
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bioprospecção (atividade exploratória em componente de patrimônio genético com potencial de uso
comercial) e desenvolvimento tecnológico (elaboração de um produto para ser comercializado).
- O acesso aos conhecimentos tradicionais associados também pode ocorrer sem que haja
contato direto com as comunidades, por exemplo, quando se consulta um banco de dados onde
estão registradas informações que foram, em algum momento, fornecidas por comunidades
indígenas e locais.
- Uma das primeiras coisas que o interessado tem que fazer é obter a anuência, isto é, a
concordância das comunidades que irão passar as informações que fazem parte do conhecimento
tradicional associado. Isto é chamado pela MP de “anuência prévia”. As Resoluções do CGEN nº
05, 06, 09 e 12 estabelecem o que os pesquisadores devem fazer quando vão consultar as
comunidades. Assim, primeiro o interessado deve conversar com as comunidades e conseguir a
anuência prévia; só depois é que o CGEN pode dar a autorização. E só após ter recebido a
autorização é que o interessado pode voltar à comunidade, para então acessar os conhecimentos
tradicionais associados. Quando a pesquisa tiver possibilidade de gerar algum produto explorável
economicamente, a repartição de benefícios deve ser combinada com a comunidade antes da
pesquisa começar, antes do CGEN autorizar. Esta combinação deve ser escrita na forma de um
contrato. Assim, para permitir o acesso, a comunidade deve estar ciente de como será usado o seu
conhecimento e com que finalidade.
- É importante lembrar que a MP prevê que apenas instituições brasileiras de pesquisa e
desenvolvimento podem ter autorização do Governo. Assim, estrangeiros só podem acessar
patrimônio genético ou conhecimentos tradicionais associados se estiverem trabalhando junto com
instituições brasileiras, sendo que estas deverão coordenar o projeto.
5 SANÇÕES ADMINISTRATIVAS
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ter a autorização do Governo Federal, que é representado pelo CGEN – Conselho de Gestão do
Patrimônio Genético. Todavia, essa lei não impede as trocas de conhecimento entre as comunidades
nem que a sua utilização pelas comunidades seja realizada, afinal essa é uma das formas de produzir
e manter o conhecimento.
- O art. 26 trata do que ocorre se alguém colocar um produto no mercado, baseado em
patrimônio genético ou em conhecimento tradicional associado, sem autorização de acesso, ou seja,
de forma ilegal, devendo pagar uma indenização (uma quantia em dinheiro), que será, no mínimo,
de 20% do faturamento bruto obtido com a comercialização de produtos e ainda poderá sofrer
outras penalidades.
6 VALOR DO CTA
O CTA relacionado às plantas nativas da Amazônia tem imenso valor para os povos indígenas e
comunidades tradicionais porque garante sua segurança alimentar, oferece uma ampla variedade de
plantas medicinais, de produtos para transformar em ferramentas, bem como outros produtos
tecnológicos, artesanato e construção, e, ainda, oferece alguns produtos para comercializar nos
mercados locais e regionais. Todavia, segundo estimativas realizadas por Clement (2007) a
biodiversidade amazônica contribuiu com R$ 8,9 bilhões ao PIB da Amazônia ou 7,8%, o que
representa 0,57% do PIB do país. Isto é muito pouco, especialmente considerando que a região
representa 60% do Brasil, que mais de 17% dos ecossistemas da Amazônia foram derrubados para
gerar estes parcos resultados econômicos, e que 12% da população brasileira vive na Amazônia.
Partindo do pressuposto que as sociedades indígenas dependiam da biodiversidade amazônica e
americana para sobrevivência, a questão é: quantas espécies foram usadas? Isto é uma medida de
valor, embora diferente do PIB (CLEMENT, 2007). De acordo com este mesmo autor existem três
tipos de conhecimento tradicional associado à biodiversidade: o conhecimento sobre usos de
espécies, os recursos genéticos agrícolas, e o conhecimento sobre a criação e manejo de
ecossistemas, cujo estudo é chamado de etnoecologia. Cada um desses conhecimentos tem suas
pressuposições culturais e suas práticas associadas. Agora, quanto eles valem?
Na Amazônia existem ao redor de 20.000 espécies de plantas superiores, das quais os povos
indígenas encontraram uso para pelo menos 3.500 espécies (CLEMENT, 2007). Todas estas 3.500
espécies foram usadas porque alguém fez um investimento para saber como usá-las, onde encontrá-
las, como prepará-las e, às vezes, como manejá-las. Da mesma forma, apenas 83 espécies foram
domesticadas, o que exigiu investimentos muito mais intensivos na seleção, propagação, manejo e
cultivo de algumas populações de cada espécie, ou seja, receberam investimento por parte das
comunidades indígenas ou locais, tornando-se conhecimento tradicional associado. Respondendo ao
questionamento de quanto vale o conhecimento tradicional associado à biodiversidade amazônica,
considerando apenas plantas agrícolas e produtos florestais não-madeireiros, ambos ligados à
agricultura tradicional, Clement (2007) estima que esse valor represente menos que 2,8% do PIB da
Amazônia ou 0,2% do PIB brasileiro.
O grande problema da indústria farmacêutica são os altos custos financeiros e o longo tempo
necessário para desenvolver uma droga: US$ 231 milhões a US$ 500 milhões, em pesquisas que
levam cerca de 6 a 15 anos (KATE; LAIRD, 1999; citados por RODRIGUES et al., 2007), e as
chances de que um produto seja desenvolvido a partir de uma amostra de recurso genético é baixa,
entre: 1/5.000 a 1/10.000. Empresas como a Shamam Pharmaceuticals e The Body Shop
constataram que, com acesso a tal conhecimento, custos de pesquisa e desenvolvimento poderiam
ser cortados em até 40%. Considerando o elevado custo do desenvolvimento de um único remédio
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novo, o acesso ao CTA representa economias não desprezíveis. Assim, os garimpeiros da
biodiversidade não estão apenas à procura de genes; estão também à procura da informação
existente nas comunidades indígenas e locais. (POSEY, 2002; citado por FAISTEL; MELO, 2008).
De acordo com Rodrigues et al. (2007), com base no vasto conhecimento popular já existente
para o uso de muitas plantas medicinais, estima-se que os custos para o desenvolvimento de um
fitomedicamento não devem ultrapassar 2 a 3 % daquele previsto para o desenvolvimento de um
novo medicamento sintético.
Outro ponto importante é que mais da metade das empresas entrevistadas por Kate e Laird
(1999), citados por Rodrigues et al. (2007), utilizam-se de conhecimento tradicional. Entretanto,
80% de todas as empresas que usam conhecimento etnobotânico acessam-no por meio de literatura
e base de dados. Este fato tem implicações significativas para a repartição de benefícios e sugere
que publicações acadêmicas e inclusão de conhecimento tradicional em bases de dados, mais do que
coletas em campo por empresas, são as rotas mais comuns pelas quais o conhecimento tradicional
deixa a comunidade e vai para o laboratório comercial. Daí a necessidade de incluir a origem do
CTA em todas as publicações e divulgações realizadas, para permitir a futura repartição de
benefícios de forma justa.
7 ESTUDOS DE CASO
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Vargas e Almeida (2006) citam vários produtos desenvolvidos a partir da utilização de saberes
próprios de comunidades tradicionais brasileiras. Entre muitos outros exemplos, o caso da Andiroba
(Carapa guianensis aubi) usada pelos povos da Amazônia como repelente a insetos, contra a febre e
como cicatrizante, cujo extrato foi patenteado pela Rocher Yves Vegetales na Europa, nos EUA e
no Japão para a produção de cosméticos e remédios; o caso da Ayahusca (Banisteriopsis caapi),
cipó alucinógeno utilizado há séculos em práticas xamanísticas de tribos amazônicas que vêm sendo
difundidas e aclimatadas mais recentemente entre seitas de “homens brancos” do campo e da
cidade, cujo princípio ativo foi patenteado pela empresa americana International Plant Medicine
Corp.; ou ainda, o do curare, mistura de ervas e outros elementos utilizada há muito como veneno
de caça por diversas tribos amazônicas, cujos principais compostos foram isolados e patenteados na
década de 40 por laboratórios dos EUA, visando a produção de relaxantes musculares e anestésicos
cirúrgicos.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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9 LITERATURA CITADA